UNISALESIANO Centro Universitário Católico Auxilium Curso de

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UNISALESIANO
Centro Universitário Católico Auxilium
Curso de Direito
Vernan Munhoz Pelloso
CASAMENTO HOMOAFETIVO: A JUSTIÇA E O PRECONCEITO
Lins – SP
2015
Vernan Munhoz Pelloso
CASAMENTO HOMOAFETIVO: A JUSTIÇA E O PRECONCEITO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Centro Universitário
Católico
Salesiano
Auxilium
sob
orientação da Profa. Ma. Meire Cristina
Queiroz.
Lins – SP
2015
Dedico o presente trabalho à minha mãe Vania,
minha irmã Vanilli e ao meu pai Valter, que são
as pessoas mais importantes da minha vida, bem
como Mel e Lady, nossas amadas cadelinhas de
estimação que diariamente enchem nossos corações
de alegria.
VERNAN MUNHOZ PELLOSO
CASAMENTO HOMOAFETIVO: A JUSTIÇA E O PRECONCEITO
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium,
para obtenção do título de bacharel em Direito.
Aprovado em:______/______/___________.
Banca Examinadora:
Profª. Orientadora: Meire Cristina Queiroz
Titulação: Mestra em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba.
Assinatura:_____________________________.
Relator: Prof. Vinicius Roberto Prioli de Souza
Titulação: Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba.
Assinatura:_____________________________.
Debatedor: Prof. Marcelo Sebastião dos Santos Zellerhoff
Titulação: Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília.
Assinatura:_____________________________.
Lins – SP
2015
Agradecimentos:
Em primeiro lugar a Deus, que me deu o dom
da vida e sempre esteve ao meu lado nos momentos
mais difíceis iluminando meus pensamentos e
caminhos;
A minha amada família, que sempre me apoia,
está ao meu lado e acredita no meu potencial - às
vezes, mais do que eu mesmo. No decorrer deste
curso em momentos de desânimo e desespero
sempre fizeram acreditar que havia um futuro
próspero a minha espera e que para isto necessitaria
ser firme, forte e muito persistente;
Agradeço meus pais, pela educação que me foi
dada, graças a ela enfrento qualquer ambiente sem
problema. Dentre inúmeras lições valiosas que me
ensinaram, destaco o valor do respeito, pois sempre
me foi ensinado a respeitar quem quer que fosse
independente de raça, cor, sexualidade, religião,
dentre outras;
Agradeço a minha irmã, que sempre está ao meu
lado, me dando o presente de ter a sua companhia,
embora em alguns momentos haja diversidade de
opiniões, mas, nunca a falta de respeito prevalece,
pois fomos educados através e com amor;
A Mel e a Lady, minhas queridas cadelinhas
de estimação, sempre presentes e mesmo não
falando, só com suas presenças e seus olhares,
transmitem conforto, carinho e amizade;
Aos meus amigos e colegas da primeira turma de
Direito do Unisalesiano de Lins, onde
bravamente batalhamos por tal objetivo e mesmo
com injustiças, instabilidades e inseguranças nos
mantivemos firmes e fortes, pelos curtos cincos
longos anos;
Aos professores que ali estiveram ministrando suas
aulas, nos transmitindo um pouco de seus
conhecimentos, em especial à minha orientadora e
docente de Direito Civil professora Meire, que
desde o primeiro semestre de aula, foi uma das
professoras com quem mais me identifiquei, pois
para mim até então inexperiente, necessitaria de
referências e orientações de como prosseguir, pois
iniciava uma nova etapa em minha vida o de
estudante universitário e posteriormente bacharel
em Direito;
Por fim, agradeço a todos que de forma direta ou
indireta contribuíram para minha formação
pessoal ou acadêmica.
RESUMO
Com o presente Trabalho de Conclusão de Curso busca-se analisar o Casamento
Homoafetivo: a Justiça e o Preconceito por meio da pesquisa bibliográfica em
doutrinas, jurisprudências, legislações, revistas e artigos científicos, com o propósito
de evidenciar ser um direito adquirido ao homossexual a partir do autoconhecimento
de sua sexualidade, sendo facultado ao mesmo constituir ou não uma família.
Entretanto, se constituir, é obrigação do Estado de reconhecê-la e de ofício, ou seja,
sem a necessidade de intervenção judicial para concebê-la como família e conferirlhes seus respectivos direitos familiares e matrimoniais.
Palavras-Chave: Casamento homoafetivo. Dignidade Sexual. Família Homoafetiva.
ABSTRACT
This article searches to study the same-sex marriage: the Justice and the
prejudgement based on bibliographic search in doctrine, jurisprudence, Law,
magazines and scientific articles, with the propose of put in evidence being a vested
right to the homosexual starting to the self knowledge of your sexuality, being provided
to build or not a family. However, once built, it is States´s obrigation to recognize it
instantly, so, without needing judicial intervention to conceive it as a family e give them
family and marriage Law.
Key-words: Same-sex marriage. Sexual dignity. Homesexual family.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 10
CAPÍTULO 1 A FAMÍLIA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO ......................... 13
1 Conceito de família ....................................................................................... 13
1.1 Principais aspectos históricos da evolução do direito familiar..................... 16
1.2 Fundamentos Constitucionais do Direito de Família ................................... 20
1.2.1 A família na Constituição da República Federativa: as novas formas de
família ............................................................................................................... 20
1.2.2
Princípios
constitucionais
norteadores
do
Direito
de
Família
contemporâneo ................................................................................................. 25
1.3 O afeto como formador e mantenedor da família contemporânea .............. 28
CAPÍTULO 2 ABORDAGEM SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE .................. 31
2 Conceito de homossexualidade e demais sexualidades ................................ 31
2.1 Breve histórico da homossexualidade ........................................................ 32
2.1.2 A origem do preconceito sexual ............................................................... 34
2.2 Homossexualidade: a medicina e a genética .............................................. 37
2.3 A importância da dignidade sexual e sua tutela jurídica ............................. 40
CAPÍTULO 3 A HOMOAFETIVIDADE E O DIREITO DE FAMÍLIA ................. 48
3 Reconhecimento da homoafetividade como entidade familiar no Brasil ........ 48
3.1 O casamento homoafetivo e o garantismo da dignidade sexual ................. 52
3.2 Casamento homoafetivo: a justiça e o preconceito..................................... 59
CONCLUSÃO ................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 64
ANEXO..............................................................................................................69
10
INTRODUÇÃO
Busca-se pelo presente Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, ampliar
a visão e a compreensão da Sociedade com relação ao Casamento
Homoafetivo, dando-lhes mais conhecimento sobre o assunto, que é sempre
informado e analisado superficialmente pela mídia não demonstrando o real
valor e importância deste tema, pois, aparenta ser a realidade de poucas
pessoas, o que não é verídico.
No estudo do presente tema busca-se esclarecer a isonomia de direitos
familiares entre homossexuais e heterossexuais, tendo em vista uma nova
realidade, que sempre se soube, mas nunca foi tão visível quanto nos dias
atuais, descobriu-se que o pilar da família não está nas partes que a formam e
sim na afetividade e comunhão plena de vida entre seus membros. Entretanto,
a família sujeita a obrigações e credoras de direitos pode surgir-se de duas
formas: casamento ou união estável.
A união estável é um instituto simplificado, pois decorrente da
convivência pública, contínua e duradoura entre dois indivíduos que coabitam,
denominados companheiros, com o objetivo de constituição familiar. Podendo
esta, ser convertida em casamento.
Já o casamento, é a forma tradicional por excelência de constituição da
família e, por se tratar de procedimento solene, são exigidos alguns requisitos,
quais sejam: diversidade de sexo, consentimento e ser celebrado por
autoridade competente. Os sujeitos desta relação são denominados cônjuges.
O problema de pesquisa decorrente deste trabalho é justamente com
relação ao requisito da diversidade de sexo como pressuposto para a
realização do casamento, já que a expressão adotada pelo Legislador Civil
para se referir-se aos cônjuges é “homem e mulher”.
A doutrina e a jurisprudência já entendem a cerca da possibilidade
jurídica da celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo bem como
a conversão de união estável em casamento. O problema está no fato da
discricionariedade
legislativa,
pois
não
há
normatização
expressamente o direito ao casamento por indivíduos homossexuais.
garantindo
11
Se o casamento homoafetivo fosse legalizado, reconhecido e protegido
por nossa legislação brasileira, muitas pessoas que são infelizes por se
acharem anormais e perdidas dentro de si mesmas, achariam um alicerce para
se assumir com maior convicção e segurança interna, o que refletiria na
diminuição da sensação de indiferença, resultando em uma situação mais
natural. E aos poucos, a Sociedade se habituaria a esta modalidade de família,
trazendo ainda mais naturalidade e menos indignação.
Consequentemente, a Sociedade começaria a constituir famílias de
acordo com o afeto e não pela conveniência e seguridade Normativa da família
tradicional entre homem e mulher, pois tanto a família tradicional quanto a
homoafetiva estariam amparadas legalmente, ou seja, independente da família
que constituir, terá proteção do Estado fazendo com que a Sociedade exerça
plenamente seu direito de liberdade, trazendo mais dignidade a pessoa
humana, que é direito fundamental previsto na Constituição Federal.
Além disso, certamente, estar-se-á concretizando o que seja viver em
um Estado Democrático de Direito, ou seja, permitindo e garantindo igualmente
os direitos familiares entre homossexuais e heterossexuais e não sendo
ditadores impondo e reconhecendo somente um tipo de família.
Baseando-se nesses questionamentos é que o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) editou a Resolução nº. 175/13, dispondo sobre a habilitação,
celebração de casamento civil ou conversão de união estável e casamento,
entre pessoas do mesmo sexo, porém esta não vincula, por não se tratar de
norma cogente.
A partir do casamento, os homossexuais já podem dizer que possuem
uma família legítima, sem frutos (filhos), mas uma família, o que caracteriza a
família não é ter descendentes, pois se assim fosse, muitos casais casados
que são inférteis não seriam considerados como uma família, o que lhes
trariam internamente constrangimento, por não terem como conceber
naturalmente o principal caracterizador da família, já que nem todos aderem à
adoção e o custo da inseminação artificial não é acessível a todos.
Neste caso, o princípio da dignidade da pessoa humana não estaria
sendo observado, trazendo mais do que somente constrangimentos jurídicos,
trariam consigo transtornos psicológicos irreparáveis, pois não se trata de bens
materiais e sim de sentimento e afeto. Ambos têm características de não serem
12
racionais, ou seja, sem lógica, sem porque, uma vez ferido um destes, pode ser
que a pessoa leve anos para se recuperar, ou nem se recupere, trazendo a
mágoa e a tristeza para a vida do indivíduo.
Entretanto, tacitamente a Constituição Federal de 1988 traz como um
dos direitos fundamentais: a felicidade.
Portanto, o título escolhido que melhor representa a ideologia da
presente monografia é: Casamento Homoafetivo: a Justiça e o Preconceito.
Utilizando-se a pesquisa bibliográfica, através de livros doutrinários,
artigos científicos, periódicos, revistas jurídicas e jurisprudências e com o
desígnio de tornar-se mais objetivo e organizado o presente trabalho será
desenvolvido em três capítulos.
O primeiro capítulo, denominado a família no direito contemporâneo: a
constitucionalização da Família abordará o conceito de família, conterá um
breve histórico sobre a evolução histórica do Direito familiar; os fundamentos
constitucionais do Direito de Família; a família na Constituição da República
Federativa: as novas formas de famílias; os princípios constitucionais
norteadores do Direito de Família contemporâneo e por fim e não menos
importante o afeto como formador e mantenedor da família.
Já o segundo capítulo, abordará sobre a homossexualidade trazendo o
conceito de homossexualidade e demais sexualidades; breve histórico da
homossexualidade no Brasil; a origem do preconceito sexual, visão da
medicina e genética em face a homossexualidade e a importância da dignidade
sexual e sua tutela jurídica.
Finalizando, o capítulo terceiro objetivará expor sobre o reconhecimento
da homoafetividade como entidade familiar no Brasil; o casamento homoafetivo
e o garantismo da dignidade sexual e por fim o casamento homoafetivo: a
justiça e o preconceito.
13
CAPÍTULO 1
A FAMÍLIA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO
1 Conceito de família
A família é à base da Sociedade, cuja existência é secular e, por isso,
considerada uma instituição. Persistiram as mais diversas transformações da
coletividade e a evolução da Sociedade (ALMEIDA, 2008 p. 89). Logo se
percebe que o conceito de família é amplo e dinâmico, pois o mesmo se
transforma a depender da realidade social em que se esteja vivenciando no
momento.
Sendo a família base da sociedade, mudanças nela geram
mudanças sociais. Quanto mais famílias democráticas, maior o
fortalecimento da democracia no espaço publico e vice-versa.
Alem disso, e evidentemente, quanto mais democracia houver
nos pequenos grupos, mais democrática será a sociedade na
qual elas coexistem (MORAES, 2006, p. 619 apud RIBEIRO;
TEIXEIRA, 2008, p. 117).
O Direito regula e impõe pressupostos para o reconhecimento da família,
sem, contudo, trazer expresso em Lei seu conceito, tendo em vista, a
instabilidade da mesma.
[...] a família é uma realidade sociológica e constitui base do
Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a
organização social. Em qualquer aspecto em que é
considerada, aparece a família como instituição necessária e
sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. A
Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e
estabelecem sua estrutura, sem no mais defini-la, uma vez que
não há identidade de conceitos tanto no direito como na
sociologia [...] (GONÇALVES, 2011, p. 17).
A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, em seu artigo
226, §3º, traz a seguinte redação:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
§2º. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§3º. Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
14
§4º. Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
Observando o texto constitucional acima citado, verifica-se que
tacitamente a Constituição traçou um conceito de família e elencou uma
pluralidade de entidades familiares, começando pela família matrimonializada
pelo casamento, reconhecendo a família convivêncial, formada pela união
estável e ainda estabelecendo como entidade familiar a convivência entre um
só genitor, homem ou mulher, com seus descendentes. Portanto, observa-se
que o Poder Constituinte Originário, traçou o seguinte conceito de família:
Trata-se de instituição jurídica e social, resultante de
casamento ou união estável, formada por duas pessoas de
sexo diferente com a intenção de estabelecerem uma
comunhão de vidas e, via de regra, de terem filhos a quem
possam transmitir o seu nome e patrimônio (GONÇALVES,
2011, p. 18).
Logo, para uma Constituição democrática, o conceito implícito de família
estava totalmente desenquadrado com a nova ordem e realidade social.
Tendo em vista que todas as normas infraconstitucionais são
subordinadas a Constituição vigente, logicamente, que se esta trouxe
implicitamente esse conceito de família, o Código Civil e demais normas que
tratarem de regras disciplinadoras familiares, teriam de adotar o mesmo
pensamento da Carta Magna, não por imposição, pois não estava expresso em
seu texto, mas para evitar incoerência jurídica.
Não obstante a consolidação deste conceito moderno sobre a
família, certo é que, no plano infraconstitucional, não se via o
seu reconhecimento expresso, o que, muitas vezes, causava
insegurança aos magistrados no julgamento dos casos
concretos, principalmente nas lides envolvendo uniões
homossexuais (ou homoafetivas, termo mais apropriado para o
cenário da atualidade), optando eles, no vazio legislativo, pelo
não reconhecimento de qualquer outro tipo de entidade familiar
além daquelas 3 (três) já previstas na Constituição Federal
(ALVES,2006).
Como exceção, a Lei de Violência Doméstica Familiar “Maria da Penha”
(Lei nº. 11.340, de 7 de Agosto, de 2006) ousou em trazer em seu texto, um
conceito mais abrangente de família, que atualmente é o que trás mais
15
veracidade real ao texto da Lei, não sendo utópico e exclusivo,
mas sim,
democrático e abrangedor, pois leva em conta principalmente a realidade de
fato de nossa Sociedade atual, tendo aplicação prática.
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica
e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada
no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
[...]
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa;
[...].
Tal previsão ocasionou repercussão, pois pela primeira vez conceituouse família prevista em Lei. Além disso, reconheceu como entidade familiar à
união de indivíduos do mesmo sexo, pois o objeto de tutela da Lei é coibir a
violência doméstica e familiar, como o próprio nome sugere é a violência que
ocorre na família (DIAS, 2014, p. 161).
“A partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo
econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram
novas e várias representações sociais para ela” (PEREIRA, 2001, p. 170 apud
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 39). “Quem pretende focalizar os
aspectos eticossocial da família, não pode perder de vista que a multiplicidade
e variedade de fatores não conseguem fixar um modelo social uniforme”.
(PEREIRA, 2002, p. 226-7 apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 39).
Sendo assim, o conceito de família que, atualmente, mais se encaixa na
realidade social e democraticamente correto é: família é o conjunto de pessoas
que possuem grau de parentesco ou não entre si vivendo ou não mesmo teto,
ligados por um sentimento chamado afeto, tendo ou não filhos.
[...] Família é, antes de qualquer corpo intermediário, um
complexo de relações de natureza existencial, que vincula o
seu titular a outras pessoas humanas, com base em
fundamentos que podem ser muito distintos entre si, como o
parentesco, a afinidade e a afetividade (BARBOSA; BIRCHAL;
SCHREIBER et al, 2010,p. 144).
Ver-se-á no subtítulo seguinte um breve histórico do Direito de Família
ao logo dos anos, até os dias atuais, para melhor compreensão da evolução
16
deste instituto, que infelizmente, o direito positivado não foi eficiente em
acompanhar.
1.1 Principais aspectos históricos da evolução do direito familiar
A família sempre existiu, afinal, o homem é um ser sociável que busca
conviver conjuntamente com outras pessoas, construindo grupos, tribos, em
seu meio vital (FERREIRA, 2008).
Nesse sentido ensina Hironaka que a família
É uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada
com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na
exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da
própria história através dos tempos (...); a história da família se
confunde com a história da própria humanidade (HIRONAKA,
[s.d], p. 07 apud ALVES, 2007).
Registros históricos apontam que a família patriarcal não tinha como
objetivo promover a felicidade de seus cônjuges e prole, e sim, mão de obra de
bens que necessitavam para viver. A principal função do casamento era a
procriação, para mão de obra e a perpetuação de suas culturas. (QUEIROZ,
2008).
Em Roma a família era administrada pelo pater famílias, que comandava
todos os membros da família (esposa, filhos) que lhes devia a total submissão,
sem qualquer autonomia. Dentro da administração do pater estavam as
funções de juiz; sacerdote; administrador dos bens da família. Como juiz, podia
aplicar penas desde mutilações até a pena de morte aos herdeiros, inclusive
vender se não estivesse satisfeito. A função de sacerdote o legitimava a
realizar celebrações de casamento, batizado e óbito. (QUEIROZ, 2008).
Na fase do Direito Canônico, o matrimônio tinha a característica de
indissolubilidade do mesmo, não levando em conta o afeto e sim a procriação e
a criação dos filhos (QUEIROZ, 2008). “Era constituído por cânones, regras de
convivência importa aos membros da família e sancionadas com penalidades
rigorosas. O casamento, segundo os cânones, era a pedra fundamental,
ordenada e comandada pelo marido” (VENOSA, 2008, p. 25 apud QUEIROZ,
2008, p. 181).
17
Ao final do século XVIII, começaram a surgir Leis positivadas, pois o
poder advinha do Estado e não mais da Igreja. O Estado era representado pelo
oficial de registro que realizava o casamento civil. (QUEIROZ, 2008, p. 182).
No Projeto de Lei do Código Civil de 1916, é codificada a família
matrimonializada, hierarquizada, patriarcal e transpessoal, já que o Projeto do
Código Civil é de 1899 é influenciado pelo período colonial (BARBOSA;
BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 34).
Aquela
família
nuclear
(centrada
no
casamento),
heterossexual, (diversidade de sexos), monógama (um só
núcleo familiar formado por um único casamento) e patriarcal
(onde a figura do pater família dominava), que estava
encarregada de cumprir papel social público e privado
importante, já não mais prevalece. Como célula mínima da
sociedade, centrada exclusivamente no casamento, não só
tinha o papel de assegurar a reprodução, bem como a
socialização, dentro do contexto daquela sociedade, e este
papel não é mais observado. O próprio pai, que tinha esposa e
os filhos sob sua dominação, e que dava à família o nome, já
não exerce o papel preponderante, inclusive no que dizia a
respeito à manutenção e ao provimento daquele núcleo.
(RIBEIRO; TEIXEIRA, 2008, p. 57).
O Código Civil de 1916, com o projeto de Clóvis Beviláqua, trazia o
casamento como instituição jurídica, pois o Código previa normas de ordem
pública, que eram requisitos para a validade do matrimônio.
Nesta época, a Sociedade era rural e patriarcal, guardando traços
profundos da família da Antiguidade. O marido ainda era tido como o chefe
da família, o administrador, conduzindo a família em seu aspecto pessoal,
ou seja, decidindo sobre a guarda e educação dos filhos e era o
representante da sociedade conjugal. A mulher casada era relativamente
incapaz e necessitava da autorização do marido para realizar alguns atos,
mediante a outorga marital. Assim, a educação dos filhos era exercida pelo
marido, e, somente, na falta deste, pela mulher. (QUEIROZ, 2008, p. 182).
“A moldura jurídica instaurada com a codificação civil foi sendo
atropelada pela força construtiva dos fatos e encontrou rompimento no texto
constitucional de 1988” (JUNIOR; ALVES, 2010, p. 34). Até a chegada da
Constituição Federal de 1988, a definição de família era totalmente taxativa
(limitada), não podendo haver interpretações. O Código Civil somente admitia
como família aquelas com origens matrimoniais.
18
Além disso, o modelo único de família era caracterizado como
um ente fechado, voltado para si mesmo, onde a felicidade
pessoal dos seus integrantes, na maioria das vezes, era
preterida pela manutenção do vínculo familiar a qualquer custo
("o que Deus uniu o homem não pode separar") – daí porque
se proibia o divórcio e se punia severamente o cônjuge tido
como culpado pela separação judicial (ALVES, 2006).
Com
a
promulgação
da
Constituição
Federal
da
República
Federativa do Brasil de 1988, o conceito de família foi ampliado além do
casamento, para proteger a base de toda a Sociedade, nesta época, dando
importância à relação socioafetiva.
Portanto, com o leque de princípios trazidos pela Constituição de 1988,
houve a interpretação efetiva, visando à máxima efetividade no Direito de
Família, logo, uma profunda modificação em seu conceito, até então dominada
pela legislação civil “na família constitucionalizada começaram a dominar as
relações de afeto, de solidariedade e de cooperação” (BARBOSA; BIRCHAL;
SCHREIBER et al, 2010, p. 36).
A família deve progredir na medida em que progride a
sociedade, que deve modificar-se na medida em que a
sociedade se modifique; como sucedeu até agora. A família é
produto do sistema social e refletirá o estado de cultura desse
sistema (ENGELS, 2002, p. 84-5 apud FERREIRA, 2008, p.
14).
A Constituição Federal inova em seu artigo 226, § § 3º e 4º,
reconhecendo no primeiro dispositivo as pessoas que vivem em união estável
como entidade familiar e, no segundo, considera como família, também, aquela
constituída por apenas um dos genitores e os filhos, denominando de família
monoparental.
Assim sendo, através do princípio da dignidade da pessoa humana (art.
1º, §3º da Constituição Federal de 1988), “a família passou a ser fruto de uma
comunhão de afeto recíproco, independentemente de imposição legal ou
vínculo genético, tendo por fim o desenvolvimento e a felicidade de seus
membros” (FERREIRA, 2008, p. 14).
Portanto, o requisito para a constituição da família, ultrapassa os limites
da previsão jurídica, não sendo mais jurídico e sim fático, com isso, o ente
família passou a ser democratizada, consequência, de se tratar de um princípio
19
aberto, abstrato, indefinido e não tendo pressupostos para julgar se é digna ou
indigna a constituição e configuração de qualquer família.
O Código Civil de 2002 procurou adequar-se a uma nova
compreensão de família, na qual busca a igualdade dos cônjuges e
companheiros, do homem e da mulher. Ficando suprimido o pátrio poder e
em seu lugar vigorando o poder familiar em igualdade de condições entre
os cônjuges (QUEIROZ, 2008, p. 182).
Entretanto, “observamos, então, que o Código Civil de 2002, cujo projeto
teve inicio em 1970, desconhece, em grande parte, estas mudanças sociais e
até constitucionais, e insiste na estrutura familiar pautada pelo casamento [...]”
(RIBEIRO; TEIXEIRA, 2008, p. 60).
[...] Basta verificar que grande parte de sua estrutura no
contexto do livro da família desenvolve-se em torno da família
matrimonializada, desconhecendo os demais modelos de
família, apenas de forma breve regulamentando alguns
aspectos da união estável (RIBEIRO; TEIXEIRA, 2008, p. 60).
A família atual pluralizou-se, pois não se vincula mais aos paradigmas
originários: casamento, sexo e procriação, logo não se pode ignorar no âmbito
do Direito de Família as relações que derivam da homoafetividade (FERREIRA,
2008, p. 16) seja união estável ou casamento.
Foi abandonada a ideia de que o casamento é o único
elemento identificador da família. Também passou-se a
desprezar a verdade real, quando se sobrepõe um vinculo de
afetividade (FERREIRA, 2008, p. 18).
Atualmente os indivíduos de um relacionamento homoafetivo não se
importam mais com a legalidade de sua configuração familiar, pois esta não
representa a verdade real e fática de sua realidade, pois a legislação seleciona
fatos triviais para ter expressa previsão legal, e os demais casos, que usem e
abusem de analogias, interpretações e princípios gerais do Direito, para terem
solucionados seus conflitos tanto com o fato quanto com a legislação. “[...] o
Direito não pode fechar os olhos para a sociedade, sob pena da sociedade
fechar os olhos para o direito” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010,
p. 241).
É notório que o que impera no Direito de Família fático e legal (porém
não devidamente positivado), é que o afeto é o principal formador e
mantenedor da família, sempre se soube, mas nunca dado o real valor que o
20
mesmo dispõe, haja vista que a família do passado tinha características
próprias para sua existência, qual seja, procriação e patrimônio. Logo, pouco
importava o afeto, importava seus objetivos, afinal a manutenção da família
como supraexposto era muitas vezes a manutenção a qualquer custo, tendo
em vista a indissolubilidade do matrimônio e o não reconhecimento do afeto.
1.2 Fundamentos Constitucionais do Direito de Família
1.2.1 A família na Constituição da República Federativa: as novas
formas de família
“Uma vez que havia ainda, vinculo entre a igreja e o Estado, o
casamento religioso, segundo a Constituição de 1824, era a exclusiva fonte
formal da família” (NICODEMOS, 2014).
Com o advento da Constituição de 1891 e 1824, consagra o Estado
laico, instituindo o casamento civil, sendo este processo gratuito. Assim, o
casamento civil passa a ser o único meio legítimo de constituir família retirando
se o valor jurídico do casamento religioso (NICODEMOS, 2014).
Na Constituição Federal de 1934 como consequência do Estado social
brasileiro o Estado assume a obrigação de amparar as famílias, bem como,
reconhecia os efeitos civis do casamento religioso e pregava a indissolubilidade
do casamento, sendo este desfeito somente pela anulação ou desquite.
Embora fosse previsto a igualdade dos sexos, a Lei dispunha sobre condições
de chefia da sociedade conjugal e pátrio poder (NICODEMOS, 2014).
Já na Constituição de 1937, que teve como influência a Constituição
polonesa, não estendeu os efeitos civis ao casamento religioso, tornando-se
assim novamente o casamento civil o único meio de construção familiar
(NICODEMOS, 2014).
A Constituição de 1946 equiparou os efeitos do casamento civil ao
religioso com a garantia de proteção estatal. “Nesse sentido, o casamento
válido e indissolúvel, religioso ou civil, era o único modo pelo qual se formava
família” (NICODEMOS, 2014).
Na Constituição de 1967, não houve alterações constitucionais no que
abrangia as famílias. “Entretanto, em 1977, após a emenda constitucional nº. 1,
de 1969, foi aprovada a Lei do Divórcio” (NICODEMOS, 2014).
21
Com a Constituição de 1988, inaugura-se o Estado Democrático de
Direito, no qual o maior fundamento é a dignidade da pessoa humana.
Diante de tantas inovações, sejam sociais ou religiosas, a
Constituição Federal precisou passar por mudanças para poder
acompanhar a evolução social. Hoje a família tem total atenção
do Estado; os filhos são considerados iguais, com os mesmos
direitos, sejam consanguíneos ou adotivos; assim como os
casados e os companheiros também gozam dessa igualdade
jurídica na direção da família (QUEIROZ, 2008, p. 184).
O casamento civil ou religioso com efeitos civis deixou de ser com
exclusividade a única forma de se constituir família, tendo em vista que a
Constituição Federal reconheceu a união estável entre homem e mulher. Além
disso, trouxe vários princípios a serem aplicados no Direito de Família, por
exemplo, o da dignidade da pessoa humana; o da solidariedade, o da
igualdade e o da efetividade, notadamente.
Sendo assim, a família deixou de ser patriarcal para tornar-se nuclear, o
pátrio poder foi extinto e deu lugar para o poder de família. Na esfera social, a
mulher e os filhos passam a constituir força de trabalho, assim, as funções
familiares deixam de ser delineadas (NICODEMOS, 2014).
A família vem apreciada na Constituição Federal brasileira atual, em
especial em seu artigo 226, sendo este um rol apenas exemplificativo de
formas de estruturas familiares, o que deixa claro, o foco sobre o ligamento
afetivo entre os indivíduos que a compõe. “Portanto, a constituição de 1988
deixa de proteger o casamento para proteger a instituição familiar, seja ela
derivada do matrimônio ou não” (NICODEMOS, 2014).
[...] Também sobre a família o pluralismo vem estender seu
manto libertador, não apenas para autorizar famílias diversas
entre si, mas, sobretudo para reconhecer que o direito não
deve proteger a família, como grupo de pessoas, mas a
pessoa, de quem a família são expressão [...] (BARBOSA;
BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p.160)
Atualmente, a Constituição Federal, tipifica expressamente três formas
de família: matrimonial, decorrente de união estável e a família monoparental,
sendo este rol meramente exemplificativo, pois a doutrina entende este
dispositivo constitucional como um rol exemplificativo e não discriminatória.
a) Família Matrimonial: A família matrimonial é a família decorrente do
casamento monogâmico. Já o casamento, é a forma originária de constituição
22
da família, de forma formal e solene, pois se exige alguns requisitos, quais
sejam: diversidade de sexo, consentimento e ser celebrado por autoridade
competente. Os sujeitos desta relação são denominados cônjuges.
Entretanto, é possível a extensão de efeitos civis ao casamento
religioso. Para isso é necessário que seja efetuada habilitação e o registro no
Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais.
O atual Código Civil trouxe inovações, dentre elas o comando da família
entre os cônjuges, a fixação do domicílio conjugal por ambos e paridade de
direitos e deveres aos cônjuges.
Além disso, não se exige mais a prévia separação ou mesmo posterior a
separação de fato para dissolver o casamento pelo divórcio. Através da
Emenda Constitucional 66/10 dissolve-se o casamento diretamente e ainda a
Lei nº. 11.441/2007 disciplinou o divórcio extrajudicial, através de escritura
pública, isso é, se não houver filhos menores ou incapazes e os cônjuges
deverão ser auxiliados por um advogado.
No vácuo deixado pelo declínio das famílias matrimoniais,
cresce a legitimidade social não apenas das uniões estáveis,
mas das famílias monoparentais, uniões homoafetivas, famílias
reconstituídas e todo um mosaico de novas formas de
convivência afetiva que não se enquadram nas categorias préfixadas pelos institutos de estatísticas [...]. (BARBOSA;
BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p.158)
b) Família decorrente de União Estável: A união estável nada mais é do
que um casamento simplificado e informal, decorrente da convivência contínua
e duradoura entre dois indivíduos que coabitam denominados companheiros,
com o objetivo de constituição familiar. Podendo esta, ser convertida em
casamento.
Essa forma de união sempre existiu em nossa sociedade.
Porém, marcada pelo conservadorismo preconceituoso e
disciplinada por uma legislação fundada nos costumes e
tradições do final do século XIX e início do século XX, que só
concebia a constituição de família única e exclusivamente
pelo casamento, essas uniões foram repudiadas e
discriminadas. Foram décadas e décadas de luta por aqueles
casais que sofriam a discriminação e marginalização pelo
Estado em razão da opção por esta espécie de família.
(QUEIROZ, 2008, p. 186)
Prevista em nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º
que dispõe que:
23
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
[...]
O Código Civil de 2002, em seu artigo 1723 trás três requisitos para se
reconhecer a união estável entre homem e mulher, sendo: convivência pública,
contínua e duradoura, com o animus de constituir família.
Na união estável, não há celebração do casamento, porém os
companheiros se expõem perante a Sociedade com o status de casados, pois
eles têm os mesmos deveres que se casados fossem.
Uma questão muito discutida é saber se a Constituição familiar
quis equiparar a união estável ao casamento. O entendimento
que prevalece na doutrina é o de que o texto constitucional não
equiparou a união estável ao casamento, uma vez que o
próprio legislador diz que a lei deverá facilitar a sua conversão
em casamento, onde podemos concluir que, se pode converterse em casamento, não tem a mesma natureza (QUEIROZ,
2008, p. 188).
Entretanto, devemos diferenciar o tratamento jurídico conferido a
união estável e ao casamento embora ambos tenham tutela estatal.
c) Família decorrente de União Homoafetiva: Trata-se da família formada
por indivíduos do mesmo sexo. Inicialmente cabe ressaltar que é devido ao
principio da afetividade que a expressão “união homoafetiva” é utilizada, pois
os indivíduos que configuram tal relação familiar são interligados pelo afeto e
não pela sexualidade (PEREIRA, 2013, p. 246).
Diante disso e diante das alterações que nossa sociedade vem
passando ao longo dos tempos, a família oriunda de uma união
entre homossexuais também deve ser considerada no cenário
das relações familiares atuais, mesmo porque, mais uma vez
está presente o principio da afetividade, onde os membros da
família estão vinculados a laços de afeto recíproco (QUEIROZ,
2009, p. 189).
d) Família decorrente de Concubinato: “Na Roma antiga, tal forma de
relacionamento era considerado um casamento de segunda classe, uma união
inferior ao casamento, porém, de natureza lícita, nada tendo de torpe ou
reprovável” (QUEIROZ, 2008, p. 186).
24
Era o concubinato dividido em duas espécies: puro, quando os
concubinos não tivessem impedimentos para contrair
matrimônio; impuro ou espúrio, quando um dos concubinos ou
os dois possuíssem impedimentos legais para convolar
núpcias. Este último divide-se, ainda, em incestuoso, quando
há relação de parentesco entre os conviventes; e adulterino,
quando um ou ambos fossem casados com terceiros
(QUEIROZ, 2008, p. 186).
Atualmente o concubinato nada mais é do que a família formada por
pessoas impedidas de se casar. São aplicados na união estável os mesmos
requisitos de impedimentos do casamento, ou seja, um casal de concubinos,
não poderá compor uma união estável, tampouco pedir sua conversão em
casamento.
A união estável reconhecida pela Constituição Federal nada
tem a ver com o concubinato (no sentido vulgar, por ex., do
art. 1.719, III, do CC), mas da união livre entre homem e
mulher, sem vínculo jurídico, onde não há impedimento legal
e, por isso mesmo, passível de conversão em casamento (nos
estritos termos do art. 226, § 3°, da CF) (LEITE, 1991, p.40
apud QUEIROZ, 2008, p. 186).
e) Família Monoparental: A família monoparental está prevista na
Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, §4º, que já trás
expressamente o conceito do que vem a ser família monoparental. Se não
vejamos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
[...]
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
É evidente que o legislador constitucional originário, que tinha total
liberdade para legislar, não estando vinculado a nenhuma norma anterior
existente procurou espelhar-se na realidade vivida pela Sociedade, daquele
casal que já possuiu um matrimônio ou união informal, para não criar uma
norma fria, sem qualquer consequência prática. (QUEIROZ, 2008, p. 188)
Essa modalidade de família pode ser oriunda de: adoção unilateral,
viuvez, divórcio, não reconhecimento da prole, inseminação artificial, dentre
outras.
25
1.2.2 Princípios constitucionais norteadores do Direito de Família
contemporâneo
Antes de adentramos propriamente nos princípios do Direito de Família,
importante se faz esclarecer o que são princípios e qual sua função, para
melhor entendimento e visualização de sua importância.
[...] Princípios são, por conseguinte, mandamentos de
otimização, que são caracterizados por poderem ser
satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida
devida de sua satisfação não depende somente das
possibilidades fáticas, mas também das possibilidades
jurídicas (ALEXY, 2008, p. 90-1 apud GAGLIANO, 2014,
p. 73).
Em outras palavras princípios são chaves mestres que são utilizados
para resolver omissões dentro de normas positivadas, que não conseguem e
nem poderiam prever todas as situações fáticas existentes, ou seja, deixando
lacunas jurídicas o que teoricamente impediria o julgador de proferir seu
julgamento, pois este só pode julgar nos limites permitidos pela Lei, pois seu
julgamento deverá ser fundamentado, sob pena de nulidade (artigo 93, IX, da
Constituição Federal), porém, é sabido que o mesmo não pode eximir-se de
julgar, por mais difícil e complexo que seja o caso concreto. A principal função
do princípio é cumprir a intenção legal da norma no caso de omissão.
Art. 93. [...]:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade [...].
[...].
A Lei nº. 4.567 de 4 de setembro de 1942, denominada: Lei de
Introdução ás Normas do Direito Brasileiro, em que trata da aplicação das
normas brasileiras no caso concreto, em seu artigo 4º e 5º dispõe que:
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do
direito.
Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum.
26
Ou seja, a intenção do legislador é evidente, de que os princípios
existem para a efetivação dos fins sociais em caso de omissão legal, e no
Direito de Família não é diferente.
Afinal, “se vivemos na “era dos direitos” e não conseguimos concretizálos em nossa práxis, corremos serio risco de hipertrofia, ou seja, de cairmos na
vala comum das boas intenções, sem qualquer consequência prática”
(BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 184).
O Direito de Família contemporâneo reger-se-á pelos seguintes
princípios:
a) Princípio da ratio do matrimônio e da união estável: o alicerce do
casamento e da comunhão plena de vida é a afeição entre os cônjuges ou
companheiros, sendo desconstituída a união estável, o divórcio ou mesmo a
separação um efeito da extinção do affectio, impossibilitando a comunhão
plena de vidas, umas vez que esta não pode ser reconstituída (DINIZ, 2010, p.
19).
b) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros: De
acordo com o artigo 226, §5º da Constituição Federal “os cônjuges devem
exercer conjuntamente os direitos e deveres relativos à sociedade conjugal,
não podendo cercear o exercício do direito do outro” (DINIZ, 2010, p. 21).
c) Princípio da igualdade jurídica entre todos os filhos: “O merecimento
de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue,
mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão
espiritual de vida” (PERLINGIERI, 2008, p. 973 apud BARBOSA; BIRCHAL;
SCHREIBER et al, 2010,p. 185).
d) Princípio do pluralismo familiar: A família é sem sombra de dúvidas a
base de todo ser humano, sendo o Estado formado por indivíduos, a família se
torna base do Estado. Ocorre que, que existem várias formas de constituição e
configurações familiares, até mesmo por estarmos em um Estado Democrático
de Direito, devendo então, todas estas ter liberdade normativa para poder
existir, e logo, gozar da proteção do Estatal.
O principio da PLURALIDADE DAS FORMAS DE FAMÍLIA é a
constatação e o reconhecimento de que novas estruturas
parentais e conjugais estão em curso. O Direito não pode
desconsiderar isto. Este princípio se insere no atual contexto e
reflexão, se é possível a formação de famílias “isosexuais”
(BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 49).
27
e) Princípio da consagração do poder familiar: substitui o poder marital e
paterno. O poder familiar é um poder-dever (DINIZ, 2010, p. 23). “Em razão
disto, as decisões passam a ser compartilhadas entre o casal e, ato contínuo,
passa a mulher ter direito de gerir a sociedade conjugal conjuntamente com
seu marido” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al , 2010, p. 240).
“O poder familiar engloba um complexo de normas concernentes aos
direitos e deveres dos pais relativamente à pessoa e aos bens dos filhos
menores não emancipados” (RODRIGUES, 2002, p. 361 apud DINIZ, 2010, p.
569).
f) Princípio da liberdade: Consiste no princípio que dá liberdade tanto
para a configuração familiar (heterossexual ou homossexual) como também na
forma de constituição desta família (casamento ou união estável). Trata-se da
não intervenção estatal na família, exceto:
[...] Intervindo o Estado apenas em sua competência de
propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse
direito; na convivência conjugal; na livre aquisição e
administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1642 e 1643) e
opção pelo regime matrimonial mais conveniente (CC, art.
1639); na liberdade de escolha pelo modelo de formação
educacional, cultural e religiosa da prole (CC, art. 1634); e na
livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e
moral dos componentes da família. (DINIZ, 2010, p. 23)
g) Princípio do respeito da dignidade da pessoa humana: se trata de um
dos mais importantes princípios do Direito, sobretudo, do Direito de Família,
afinal, este princípio combinado com o princípio da afetividade foi o
responsável por incluir as mais diversas formas de família e filiações na ordem
jurídica (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al ,2010).
Afinal, “a dignidade humana pressupõe, entre outros requisitos, não
estar assujeitado ao desejo do outro” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et
al, 2010, p. 47).
h) Princípio do superior interessa da criança e do adolescente: Este
princípio leva em conta o que vem a ser melhor para a criança e/ou
adolescente, quem lhes proporcionará melhores condições financeiras e
psicológicas para o seu desenvolvimento, sendo desvinculada da questão
biológica e estando profundamente atrelado ao princípio da afetividade. “É este
princípio, associado à dignidade e ao princípio da afetividade, que fez nascer
28
novos institutos jurídicos como a guarda compartilhada e a parentalidade
socioafetiva” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 48).
i) Princípio da afetividade: “O afeto torna-se um valor jurídico, a partir do
momento que as relações de família deixam de ser essencialmente um núcleo
econômico e de reprodução” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010,
p. 49). “Brasil afora, proliferam modos renovados de viver a sexualidade e o
amor, com impressionante fluidez e variedade” (BARBOSA; BIRCHAL;
SCHREIBER et al, 2010, p. 158).
[...] O sangue e o afeto são razões autônomas de justificação
para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual
e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o
papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar [...]
(PERLINGIERI, 2008, p. 973 apud BARBOSA; BIRCHAL;
SCHREIBER et al, 2010,p. 185).
Afinal atualmente a manutenção das famílias não é mais a qualquer
custo, pois tem o caráter satisfatório e afetivo dos membros desta. “[...] Uniões
livres se formam onde os parceiros, sem prejuízo de sua estável afetividade;
admitem experiência com pessoas diversas, como modo de alcançar a máxima
realização na sua vida sexual [...].” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al,
2010, p. 158).
É preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si
mesmo, mas o meio para a busca da felicidade, ou seja, da
realização pessoal de cada indivíduo, ainda que existam - e
infelizmente existem – arranjos familiares constituídos sem
amor (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 45).
Ver-se-á no subtítulo seguinte a importância do presente princípio para a
constituição e manutenção das famílias, uma vez que, sem o afeto torna-se
insuportável a vida em comum, pois é o afeto que une os indivíduos e mantém
o relacionamento.
1.3 O afeto como formador e mantenedor da família contemporânea
“Base do Direito de Família Moderno, o principio da afetividade tem suas
raízes no que se entende por amor o qual, embora totalmente abstrato e
subjetivo, encontra-se como um dos pilares do ambiente familiar” (PEREIRA,
2013, p. 246).
29
De fato, interpretar o Direito de Família, nesse panorama de
observância do principio da afetividade, significa, em especial –
mais do que aplicar ao caso concreto uma interpretação
simplesmente reacional-discursiva-, compreender as partes
envolvidas no cenário posto sob o crivo judicial, respeitando as
diferenças e valorizando, acima de tudo, os laços de afeto que
unem os seus membros (PEREIRA, 2013, p. 246).
Portanto, o afeto atualmente é o principal formador e mantedor da
família, embora, ele não esteja previsto expressamente na Constituição Federal
como princípio fundamental, ele encontra-se tacitamente dentro do princípio da
dignidade humana que é o fundamento da democracia e base incrustada em
todo nosso direito, principalmente o Direito de Família.
É do princípio da dignidade que surge a despatrimonialização do Direito
de Família evidenciando aspectos existenciais bem como a personalização da
configuração familiar de acordo com o afeto de cada indivíduo. Afinal deve o
Estado dar especial e efetiva tutela as famílias, independente de sua espécie.
Busca-se desenvolver o que é mais relevante entre os
familiares: o projeto familiar fulcrado no afeto, solidariedade,
confiança, respeito, colaboração, união, de modo a propiciar o
pleno e melhor desenvolvimento da pessoa de cada integrante
inclusive sob o prisma dos valores morais, éticos e sociais
(FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 218).
“Nesse sentido, é fato que a entidade familiar passou a ser meio de
realização da dignidade e das potencialidades de seus membros, de forma a
ser funcionalizada em razão da dignidade de cada um de seus integrantes”
(GAMA; GUERRA, 2007, p. 157 apud FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 217).
O que se observa na contemporaneidade, é uma flexibilização
do Direito para compreender, mais adequadamente, a
realidade social. O direito abre-se para a complexidade e para
a interdisciplinariedade, a fim de compreender as relações
humanas em sua inteireza [...] (BAPTISTA DOS SANTOS, p.
96, 2011 apud FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 213).
Com o auge do princípio da dignidade humana no âmbito familiar, o
afeto atinge o estado utópico, no qual, a união não é mais “o que Deus uniu o
homem não separa” atualmente é “que seja eterno enquanto dure”, pois
ninguém mais é obrigado a permanecer em uma relação descontente e sem
existir mais afeto entre os indivíduos.
30
Sob esse prisma, o direito moderno já cuida do “direito a
felicidade”, conferindo inegável enfoque jurídico ao amor, à
afetividade, cujos laços repercutem na orbita jurídica,
evidenciando que os vínculos subjetivos estabelecidos pelo
afeto tem condão não apenas de implementar preceitos
constitucionais que norteiam o direito de Família, se não
também de permitir ao individuo buscar sua identificação
pessoal em fontes outras que vão além do mero vínculo
biológico (FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 217).
A principal característica do afeto é a espontaneidade, ao qual se
escolhe a pessoa que quer estar junto, e quando não mais existir afeto, está
livre para terminar a relação. Hoje, o afeto é o responsável por criar, manter e
extinguir uma família. “A realidade é que a família se transformou e hoje não
mais se sustenta pelo vinculo biológico” (FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 205).
[...] subsiste uma unidade originaria entre liberdade e
responsabilidade: a liberdade na família encontra unidade e nos
relativos deveres não tanto o limite, mas, sim, a função, o
fundamento da sua própria titularidade. O sangue e o afeto são
razões autônomas de justificação para o momento constitutivo
da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e
espontânea exerce, cada vez mais o papel de denominador
comum de qualquer núcleo familiar. O merecimento de tutela
da família não diz respeito exclusivamente às relações de
sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem m
uma comunhão espiritual de vida (PERLINGIERI, apud
BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER, 2010, p. 185).
Em outras palavras o afeto nada mais é do que um combustível para o
relacionamento, enquanto estiver limpo e sem adulterações, o relacionamento
caminhará bem. Já quando este é adulterado pelo ódio, rancor, pressão, falta
de afeto notadamente, o mesmo não mais caminhará.
Ver-se-á no próximo capítulo, aspectos da homossexualidade, com o
desígnio de melhor compreendê-la.
31
CAPÍTULO 2
ABORDAGEM SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE
2 Conceito de homossexualidade e demais sexualidades
Etimologicamente
a
palavra
homossexual
vem
do
(do grego
antigo ὁμός (homos), igual + latim sexus = sexo). Refere-se à característica
humana, ou não, de quem sente atração de algum tipo por outro ser do mesmo
sexo. (WIKIPÉDIA, 2013).
Trata-se de, em nosso sentir, de um modo de ser, de interagir,
mediante afeto e/ou contato sexual com um parceiro do mesmo
sexo, não decorrente de uma mera orientação ou opção, mas,
sim, derivado de um determinismo cuja causa não poderia se
apontar (GAGLIANO; PAMPOLONA FILHO, 2014, p. 482).
A palavra homossexual é utilizada tanto para identificar homens que
sentem atração e afetividade por homens, quanto, mulheres que sentem
atração e afetividade por mulheres. Alguns estudiosos evitam usar a palavra
homossexual, devido a sua história clínica e porque trata apenas de um tipo de
comportamento sexual (antônimo aos sentimentos românticos), logo, tem uma
conotação negativa.
Já os bissexuais são indivíduos que sentem atração e se envolvem
afetivamente com pessoas de ambos os sexos, ainda que com preferência por
algum sexo.
Os transexuais são indivíduos que desde criança não aceitam seu sexo
biológico. O corpo físico não condiz com seu emocional, o que os levam a
adequar seu corpo ao seu sexo psicológico, principalmente através da cirurgia
de redesignação sexual (mudança de sexo).
Quanto aos travestis, são indivíduos que não tem problema com seu
sexo biológico, porém se vestem e agem como indivíduos do sexo oposto, não
procuram a cirurgia de redesignação sexual, pois são gratos sexualmente com
seu sexo.
A transidentidade trata-se de um indivíduo que temporariamente ou
permanentemente abraça o comportamento e os atributos do gênero em
contradição com seu sexo genital.
32
Os intersexuais são os indivíduos hemafroditas, que nada mais são do
que pessoas com as duas genitálias, podendo-se reconhecer como homem ou
mulher.
Atualmente, há quem defenda ter surgido uma nova sexualidade, os
heteroflexíveis, para designar indivíduos que ocasionalmente tem envolvimento
afetivo e/ou sexual com ambos os sexos para descobrir sua sexualidade.
Porém, a mera curiosidade não justifica a criação de tal modalidade de
sexualidade.
Há também os Crossdresser, indivíduos que ocasionalmente gostam de
se vestir do sexo oposto. Isso não significa que sejam homossexuais ou
bissexuais, pois os crossdresser não necessariamente influem na orientação
sexual do indivíduo.
2.1 Breve histórico da homossexualidade
Havia prostituição de homossexuais homens na cidade-estado de
Babilônia.
Na China, durante a dinastia Zhou o casamento e o amor eram coisas
que talvez não se misturasse, ou seja, havia casamentos sem sentimento. O
amor poderia ser suprido fora do casamento, inclusive por pessoa do mesmo
sexo. Na maioria das vezes ocorria entre homens de classe social distinta,
assim, o de classe elevada assumia o polo ativo da relação e o de classe
inferior polo passivo (DIAS, 2014).
Durante a antiguidade, o sexo entre homens era encarado de forma
natural, porém, quem ocupava o polo ativo da relação era mais valorizado. Na
cultura ocidental a homossexualidade sempre foi aceita, pois era considerada
uma evolução da sexualidade (DIAS, 2014).
A pederastia como também era denominada a homossexualidade,
ocupava seu lugar na sociedade como um ritual sagrado.
Embora com todo o liberalismo da época com relação ao amor entre
homens, devido ao machismo, somente era dado valor ao polo ativo da
relação, pois se caracterizava o polo ativo como conduta masculina e o polo
passivo como conduta feminina.
33
Na Grécia a bissexualidade se encontrava em um contexto social e a
preferência pela heterossexualidade era de certa forma inferior, pois priorizava
e tinha como finalidade a perpetuação da espécie humana (procriação).
A homossexualidade era considerada uma necessidade natural, sendo
restringida a ambientes cultos e como forma de manifestação da libido, sendo
privilégio dos bem-nascidos, pois não era considerada imoral. Qualquer
indivíduo poderia ser ora homossexual ora heterossexual, pois a importância
na relação homossexual estaria na posição ocupada dentro do relacionamento,
pois ser o ativo da relação era ser o dono de si e o passivo submisso como as
mulheres (DIAS, 2014).
Em Esparta, dava-se mais importância ao desenvolvimento militar, logo
o amor entre indivíduos do mesmo sexo tinha enfoque diferente. Ao contrário
do que se pode imaginar, este era incentivado dentro do exército, meramente
por uma questão de eficiência. A explicação é de que quando o soldado fosse
para a guerra, não estaria lutando apenas pelo sua cidade-estado, estaria
lutando também para defender o seu parceiro, na qual mantinha relação física
e espiritual, consequentemente o compromisso e dedicação eram maiores.
A homossexualidade aceita era a masculina sendo considerado rito de
iniciação sexual de adolescentes sendo estes chamados de “efebos” ou
“preceptados”, para o jovem era uma honra ser escolhido por um “preceptor”,
sendo este mais velho e com grande sabedoria. Os “preceptados” deveriam
servir de mulheres para o perceptores e aqueles jovens que negassem a serem
“preceptados” eram denominados/considerados desviantes (DIAS, 2014).
Os gregos e em diversas outras culturas aceitavam o homossexualismo,
sendo este ritualizado. Tinha-se a crença que na puberdade os jovens se
identificavam com sua genitora, fase abandonada pelo ingresso do jovem ao
homossexualismo, na qual o jovem se integrava a comunidade masculina.
O jovem só poderia manter relação sexual com pessoa do sexo oposto
após ser considerado adulto. A relação homossexual tinha caráter meramente
iniciatório, sendo restringida ao preceptor e ao preceptado ainda impúbere.
A sodomia, como era denominada as relações homossexuais em Roma
não eram ocultadas, pois era vista com naturalidade, e possuíam o mesmo
nível da relação entre casais. O preconceito eram com relação a quem assumia
a passividade da sodomia, pois esta era considerada debilidade de caráter,
34
sendo-lhe recaída a censura, pois era clara a ligação entre masculinidade e
poder enquanto que a passividade era relacionada com feminilidade e carência
de poder.
Cabe salientar ainda que sempre a homossexualidade masculina foi
mais rejeitada por haver perda de sêmen. O relacionamento entre mulheres era
mera lascívia, pois consideravam a sexualidade delas menos perigosas, há
poucos registros históricos de homossexualidade feminina, haja vista que seu
objetivo não era integração a sociedade e sim satisfação sentimental (DIAS,
2014).
No Brasil, até 1821, o exercício da sexualidade homossexual era crime,
sendo no final do século XIX considerado como doença.
No Brasil em 1984 a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
posicionou-se contra a discriminação informando que a homossexualidade não
causa prejuízos a sociedade e deixou de considerar a homossexualidade como
desvio sexual. No ano seguinte, o Conselho Federal de Psicologia (CPF),
deixou de posicionar a homossexualidade como um desvio sexual.
Em 17 de Maio de 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS)
extinguiu a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, a Classificação
Internacional de Doenças (CID). Esta data passou a ser celebrada como Dia
Internacional Contra a Homofobia (MOTT, 2006; BRAZILIENSE, Correio, 2010
apud WIKIPÉDIA, 2013).
Finalmente em 1991 a Anistia Internacional passou a prever a
discriminação, tendo vítimas homossexuais, uma afronta aos Direitos
Humanos.
A primeira manifestação a favor da liberdade sexual, bem como buscar a
aceitação desta nova realidade, foi em Copacabana/RJ no ano de 1996.
2.1.2 A origem do preconceito sexual
Preconceito é um juízo antecipado de um conceito sem o mínimo
conhecimento. Existem inúmeros alvos de preconceitos. No tema em tela o
preconceito é sexual por não se sujeitar aos padrões biológicos impostos pela
Sociedade em relação ao exercício da sexualidade. Já a discriminação é a
evolução do preconceito, no qual há uma conduta positiva.
35
Na história das religiões, registros apontam a permissão da liberdade
sexual, pois nos templos de Fenícia, Mesopotâmia, Egito e Índia, era
considerado como um culto religioso praticado entre os homens que eram
devotos.
Com o
surgimento do Cristianismo, a
influência greco-romana
esvaneceu, dando espaços ao mito Sodoma e Gomorra, principalmente nas
religiões judaico-cristãs que era o principal argumento dos que se
posicionavam contrários ao homossexualismo.
O cristianismo classificou o sexo como pecado, sendo perdoado apenas
no âmbito matrimonial e com finalidade exclusiva a da procriação. Como
consequência, a partir deste momento a monogamia e a virgindade com
relação às mulheres são consideradas virtudes, significando pureza (DIAS,
2014).
Na Idade Média, o casamento entre heterossexuais foi sacralizado, bem
como,
objetivando
questões
patrimoniais,
daí
passou
então
a
ser
sacramentado, ou seja, somente possuía valor e indissolubilidade se realizados
pela igreja (DIAS, 2014).
A virgindade era mais abençoada que o próprio casamento, já o prazer
sexual era sinônimo de despudor, inclusive, dentro do casamento, haja vista
que a igreja considerou que o sexo estava atrelado a divindade. Neste período
a homossexualidade se encontrava mais concentrada em mosteiros e
acampamentos militares.
A igreja agia através da Santa Inquisição, para perseguir homossexuais,
bem como aplicar-lhes as severas punições da época, pois havia o
entendimento que a sodomia era o crime mais grave, inclusive que o incesto
(DIAS, 2014).
“O III Concílio de Latrão, de 1179, tornou a homossexualidade crime. O
primeiro código ocidental prescreveu a pena de morte à sua prática” (DIAS,
2014, p. 50). O corpo normativo deste período criminalizava a sodomia, como
era denominada até então a homossexualidade.
A Igreja Católica condenava as relações de homossexuais, pois entende
se tratar de perversão, aberração, pois está previsto na Bíblia em Levítico,
capítulo 18 versículo 22: [...] o homem não se deitarás como se fosse mulher, é
abominação [...]. Esta é a base expressa fundamental para a condenação da
36
homossexualidade, pelo menos no que tange o polo passivo da relação
homossexual.
A compreensão bíblica através da história de Adão e Eva deixa claro
que a essência da família é o homem a mulher e sua prole.
Essas são as duas justificativas que religiosos radicais e pessoas que
levam ao pé da letra o escrito bíblico usam para agredir fisicamente e
psicologicamente os homossexuais, sejam casais masculinos ou femininos.
Afinal, “atitudes em descompasso com a maioria são consideradas em
desarmonia com a vontade divina e, por consequência, as minorias devem ser
castigadas por implícito atentado a Deus” (DIAS, 2014, p. 51).
Não há duvidas que o maior preconceito com relação ao exercício da
liberdade sexual fora dos “padrões” homem e mulher originam-se da religião,
não sendo algo atual e sim um reflexo mantido do passado, senão vejamos:
Dogmas que integram o ordenamento jurídico pelo largo
período de quatro séculos forjou um caldo de cultura jurídicocatólico, cujos princípios remetem à exclusão de seres
humanos da humanidade, em razão de suas práticas sexuais
contradizerem preceitos religiosos (DIAS, 2014, p. 56).
Em nosso país até a Proclamação da República, o cristianismo era a
religião oficial, portanto, a religião católica teve maior influência no que tange
ao restante das religiões.
A Igreja Católica, somente aprova relacionamentos com a configuração
heterossexual, pois prega que a homossexualidade é moralmente inaceitável,
pois para a religião o sexo tem como fim somente a procriação, pois o prazer
sexual é considerado pecado.
Nossa atual Constituição Federal de 1988 trouxe dentre outros, o
principio da laicidade, ou seja, cada indivíduo da Sociedade tem o direito à
liberdade de professar e acreditar na religião que mais se identifique, ou
mesmo, não adotar nenhuma religião. O que se tutela através deste princípio é
a vedação estatal de impor qualquer crença religiosa a sua população.
Esta previsão constitucional produz eficácia inclusive sobre o próprio
Estado que deve ser religiosamente imparcial em sua atuação, na edição de
normas e sua aplicação, visando única e exclusivamente à justiça humana,
sendo balizado pela ciência e pelo bom senso e não por dogmas de qualquer
religião, pois o artigo 5º, VIII, da Constituição Federal dispõe que ninguém será
37
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política [...].
Entende-se, portanto, que há total independência entre Estado e religião,
ou seja, que o reconhecimento de direitos, bem como, sua concessão, não se
levará em conta critérios ou dogmas religiosos, estando o Estado livre para
decidir e/ou normatizar, uma vez que, “numa sociedade em que domina uma
religião, a moral e mesmo o direito nela se inspiram” (DIAS, 2014, p. 52).
Entretanto é inegável, embora a laicidade do país que é devido respeito
a toda e qualquer religião, sendo vedada a nível constitucional qualquer
inviolabilidade com relação à religião, pois assim dispõe o artigo 5º, VI da
Constituição Federal, se não vejamos: “é inviolável a liberdade de consciência
e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
É certo de que as religiões tem como fim o amor ao próximo, e é certo
também, que o grupo LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e
intersexuais) somente busca a inclusão social, bem como, o reconhecimento
dos direitos naturais mais básicos do ser humano, quais sejam: a cidadania; o
direito de constituir família; terem filhos e o principal, o direito de serem felizes!
2.2 Homossexualidade: a medicina e a genética
O desenvolvimento do presente tópico se justifica para analisar que a
homossexualidade não é uma mera inconformidade de uma minoria contra
uma maioria como se fosse uma revolta, e sim uma luta para o reconhecimento
de um direito subjetivo natural.
O Direito como uma ciência não pode eximir-se de buscar auxilio em
outras áreas para se promover justiça social e normativa, ou seja, não
descriminar ou menos se esquecer de que tem pessoas, minorias, mas
pessoas humanas que são diferentes da maioria, porém, credoras de dignidade
e tutela jurídica, uma vez que não escolhem ser diferentes e sim se nascem
diferentes. Afinal, quem escolheria fazer parte de uma minoria sabendo que há
discriminação, humilhações, mortes, tudo em virtude de ser diferente da
38
maioria, em uma questão tão íntima e pessoal como o exercício da
sexualidade.
Analisar-se-á abaixo as principais áreas responsáveis por pesquisar
biologicamente ou mesmo a questão comportamental da homossexualidade, a
fim de demonstrar que o direito a liberdade sexual é um direito natural, ou seja,
independente de previsão legal ela já nasce conosco, logicamente, todas as
consequências jurídicas de Direito devem acompanhar tal direito natural, uma
vez que o acessório segue o principal, ou seja, o direito a liberdade sexual é o
núcleo principal e o direito a união estável, casamento dentre outros é a
decorrência deste direito principal.
Na medicina, considerando os dogmas religiosos, na idade média,
consideravam que o homossexualismo causava diminuição das faculdades
mentais, advindo de defeito genético. Por esta razão diversos médicos já
tentaram curar os homossexuais, por meio de inúmeras e variadas técnicas, o
que logicamente, não trouxe qualquer resultado.
O objeto de estudo da medicina, não é a sexualidade em geral, e sim a
fisiologia dos órgãos sexuais. Pesquisou-se o sistema nervoso central, os
hormônios, seu funcionamento e nada se constatou de diferente entre
homossexuais e heterossexuais, porém não existe estudos conclusivos no que
tange a existência de diferenças de organismos entre homo e heterossexuais.
A
Classificação
Internacional
de
Doenças
(CID)
classificava
o
homossexualismo como transtorno sexual. Em 1993 a Organização Mundial de
Saúde incluiu a homossexualidade no Capítulo dos Sintomas Decorrentes de
Circunstâncias Psicossociais. Etimologicamente o sufixo “ismo”, significa
doença, sendo assim, após sua retirada do rol de doenças da CID, o sufixo
ismo foi trocado pelo sufixo “dade” que significa modo de ser (DIAS, 2014).
Já na genética, os cientistas buscam através de pesquisas descobrirem
qual
gene
que
Pesquisadores
homossexuais
opera
no
neurocientistas,
masculinos
tem
desenvolvimento
descobriram
a
metade
da
que
do
homossexualidade.
o
hipotálamo
tamanho
dos
dos
homens
heterossexuais, portanto, guardam semelhanças com o hipotálamo feminino.
Cada vez mais se chega à conclusão de que a homossexualidade possui
origens biológicas, pois também há estudos, que identifica o desenho digital de
homossexual mais parecido com os da feminina do que da masculina. Levando
39
a analisar que a homossexualidade integra a estrutura biológica humana
(DIAS, 2014).
Busca-se identificar a origem da homossexualidade,
pois esta
manifestação sexual ainda é marginalizada e há discriminação por parte da
Sociedade.
Docentes
da
Universidade
de
Amsterdã,
afirmam
que
a
homossexualidade estaria ligada com uma mudança hormonal e na formação
do cérebro. Sugere que a sexualidade é determinada no útero materno, e não
uma escolha individual. Já no 21º Encontro da Sociedade Européia de
Neurologia, afirmou-se baseado em tomografias computadorizadas, que a
sexualidade não é uma opção, pois é necessariamente neurobiológica ao
nascimento. Porém, os críticos a teoria genética, imputam o fato de gêmeos
univitelinos, que tem genética idêntica, pois se originam do mesmo óvulo, não
teria a possibilidade de possuírem sexualidades diferentes, o que ocorre.
Atualmente, é consensual o caráter de fatores biopsicossociais determinantes
da sexualidade (DIAS, 2014).
Há indícios, de possibilidade de influência genética na orientação sexual,
porém não há conclusão destes estudos, portanto, é errôneo classificar a
homossexualidade como opção, uma vez que, ninguém escolhe traços
genéticos.
Como se pode observar não se trata de escolha e/ou vontade para ser
homossexual, pois é algo involuntário, logo, não é um comportamento rebelde
para aparecer ou provocar a Sociedade ou querer ser do contra
propositalmente, tendo em vista, que não é fácil o próprio indivíduo aceitar-se
como homossexual, é um sentimento interno de sofrimento e de indiferença
dos outros da mesma espécie e do mesmo sexo.
No início é torturante, pois na infância já se tem vestígios do indivíduo
homossexual, a primeira barreira aparece logo na escola, com os colegas
chamando de “viadinho” dentre outras coisas, sem mesmo saber o que estão
falando, ou se é verídico as afirmações acerca do colega, mas essa repressão
logo na infância, inconscientemente, fica na cabeça da criança.
Mais tarde se for mesmo homossexual, a indignação vai se acumulando,
e gerando inconformismo, preconceito interno contra si mesmo, já que a escola
é o primeiro ambiente social em que aprendemos a conviver, podemos chamar
40
de uma Pré-Sociedade, onde talvez a matéria escolar em si não seja o mais
importante, pelo menos nos primeiros anos, e sim o contato uns com os outros
para aprender socializar-se e respeitar a diversidade, para na hora certa, ser
inserido de fato na Sociedade.
Concluir-se-á este tópico com a brilhante fundamentação do Senhor
Ministro Ayres Britto (relator) na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 132/RJ, em um de seus tópicos da fundamentação diz:
[...] II - Não se prestando como fator de merecimento inato ou
de intrínseco desmerecimento do ser humano, o pertencer ao
sexo masculino ou então sexo feminino é apenas um fato
ou acontecimento que se inscreve nas tramas do
imponderável. Do incognoscível. Da química da própria
natureza. Quem sabe, algo que se passa nas secretissimas
confabulações do óvulo feminino e do espermatozóide
masculino que o fecunda, pois o tema se expõe, em sua
faticidade mesma, a todo tipo de especulação metajurídica.
Mas é preciso aduzir, já agora no espaço da cognição jurídica
propriamente dita, que a vedação de preconceito em razão da
compostura masculina ou então feminina das pessoas também
incide quanto à possibilidade do concreto uso da sexualidade
de que eles são necessários portadores. Logo, é tão proibido
discriminar as pessoas em razão de sua espécie masculina ou
feminina quanto em função da respectiva preferência sexual
(BRITTO, 2011, p. 23, grifos nossos).
2.3 A importância da dignidade sexual e sua tutela jurídica
Ao longo da evolução da humanidade e de acordo com a cultura e a
época a homossexualidade já foi aceita, consentida ou cassada. Quando vista
como qualidade tinha o fundamento de melhora da Sociedade, quando era
cassada apresentavam o fundamento que era pecado ou que continha
doenças, sendo em certos lugares proibidos por Lei. (HUTTE, [20--?] apud
WIKIPÉDIA, 2013).
A legalidade da homossexualidade ainda tem diferenças extremas de
país para país. Enquanto em alguns já se é permitido juridicamente o
casamento entre indivíduos do mesmo sexo, em outros são considerados
crimes com penas pesadas e inclusive a pena de morte (WIKIPÉDIA, 2013).
Antes de adentrar propriamente no mérito deste subitem cabe trazer um
conceito do que vem a ser dignidade.
41
“Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o
direito de viver plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias – estatais ou
particulares – na realização dessa finalidade” (GAGLIANO, 2014, p. 76).
A dignidade da pessoa humana é o alicerce de todos os Direitos
Fundamentais, sendo considerada um sobredireito, ou seja, um direito que é
fundamento e disciplina outros Direitos, pois é o fundamento do Estado
Democrático de Direito e é sobre o prisma da dignidade da pessoa humana e
sob esta direção que devem ser feitas todas as interpretações com relação ao
direito positivado (SOUZA, 2011, p. 219).
A dignidade humana será, portanto, a referência, sendo ainda a
fonte de todos os demais direitos. A dignidade é inerente à
essência do ser humano. Integra a dignidade, não apenas os
atributos físicos e psíquicos, mas também todos os direitos
acrescidos ela convivência social. Deste modo, a liberdade,
sua imagem, sua intimidade, sua consciência, seu
pensamento, sua inteligência, enfim, tudo que expressa um
valor e faz do homem, não um mero existir, mas uma pessoa
que tem domínio sobre a própria vida, devem ser respeitados
(NUNES, 2002, sem pagina, apud SOUZA, 2011, p. 221).
A dignidade da pessoa humana está presente em todas as vertentes do
indivíduo: moral, religioso, sexual, social, dentre outras, pois ela é inerente ao
ser humano, e este é um ser complexo e de várias facetas.
Existe diferença entre sexo e sexualidade. Sexo em sentido amplo diz
respeito ao gênero, ou seja, masculino e feminino, portanto concluir-se-á que
este é ligado ao caráter físico-biológico, determinado simplesmente pelo fato do
indivíduo possuir pênis ou vagina, pois não existe um terceiro sexo. Já o sexo
em sentido estrito, se refere à relação sexual, porém, é muito tênue identificar
quando nos referimos a um ou outro, o que identifica o sentido da palavra sexo
é o seu contexto.
A sexualidade por sua vez é a forma com a qual o indivíduo vai exercer
a satisfação de sua libido (física e espiritual), ou seja, é algo subjetivo do
indivíduo para satisfazer sua necessidade sexual, bem como, satisfazer sua
carência afetiva.
No que refere à afetividade, amor e prazer poderá ser com um indivíduo
do mesmo sexo (relação homossexual) ou de sexo diferente (relação
42
heterossexual), ou ainda, possuir satisfação física e emocional com ambos
(relação bissexual).
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º que trata dos objetivos
do Estado brasileiro, inciso IV: “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Por esse inciso é compreendido que este dispositivo se destina aos
legisladores, para que não discriminem na edição de Normas os grupos
minoritários da sociedade. Juridicamente falando quem promove o bem de
todos normativamente são os legisladores que editam e positivam Leis para
garantir a eficácia erga omnes, isto é, a exigibilidade de direito positivado
perante a toda a Sociedade.
Logo em seguida, o artigo 5º, caput da Constituição Federal dispõe:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade [...]”.
Claramente o Poder Constituinte Originário, quis garantir dentre outros, a
inviolabilidade do direito a liberdade, seja ela de locomoção, de expressão ou
mesmo sexual. Quando trás a expressão “todos são iguais perante a Lei”, o
legislador garante o direito e não condiciona como ele vai ser exercido, ou seja,
o objeto jurídico tutelado é a liberdade, sendo uma de suas vertentes a sexual,
no qual a escolha do parceiro (a) cabe exclusivamente a cada indivíduo seja
ela exercida por indivíduos heterossexuais, bissexuais ou homossexuais, não
podendo a norma discriminar a favor de um e desfavor de outro.
O direito a dignidade sexual é inerente à personalidade do indivíduo, e
esta começa desde o seu nascimento com vida, momento em que adquire a
sua personalidade jurídica, se tornando sujeito de direitos e deveres, conforme
dispõe o artigo 2º do Código Civil, portanto, deve ser respeitado, quando
começam a surgir os primeiros sinais de que a sexualidade do indivíduo é
diferente das demais crianças.
Já a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu primeiro artigo
traz expresso o valor da dignidade de pessoa humana, pois afirma que todos
nascem iguais e livres tanto em dignidade quanto em direitos.
Em seu artigo 2º fica expressa a exigibilidade dos Direitos Humanos a
qualquer indivíduo, independente de sexo, religião, cor dentre outras. Fica
43
evidenciado no presente artigo o Princípio da Universalidade dos Direitos
Humanos, seja no sentido de universalidade territorial, seja no sentido
universalidade no sentido de todos os seres humanos estarem tutelados por
eles.
De suma importância é o artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, pois nele é previsto a igualdade jurídica dos indivíduos, garantindo
total proteção contra qualquer discriminação que violar os direitos ali
encartados como humanos.
Artigo 7° - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem
qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a
igual proteção contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação.
Por fim, em seu artigo 19º, traz garantido o direito à liberdade de opinião
e expressão, bem como o direito de reivindica-se por sua opinião, ou seja, o
homossexual tem legitimidade legal para difundir seu pensamento e
argumentos para “convencer” a Sociedade, bem como, exercer a sua
sexualidade livremente, pois a sexualidade também é uma forma de expressão,
haja vista que esta não somente abrange a expressão falada e sim todas as
formas de expressões.
Artigo 19° - Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião
e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
informações
e
idéias
por
quaisquer
meios
e
independentemente de fronteiras.
O Anteprojeto de Lei do Estatuto da Diversidade Sexual, elaborado pela
Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, com parecer de aprovação do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, objetiva promover a inclusão de todos,
erradicar a discriminação e a intolerância sexual, bem como criminalizar a
homofobia e seus derivados, conforme disposto em seu artigo 1º.
Art. 1º - O presente Estatuto da Diversidade Sexual visa a
promover a inclusão de todos, combater a discriminação e a
intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e
criminalizar a homofobia, de modo a garantir a efetivação da
igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais,
coletivos e difusos.
44
O artigo 4º do anteprojeto trás os princípios para a hermenêutica e
eficácia do Estatuto ora abordado, e ineditamente em seu inciso VIII trás
expressamente o direito fundamental a felicidade, pois embora já seja um
princípio indireto de nossa Constituição Federal, este até então não era
expresso.
Art. 4º - Constituem princípios fundamentais para a
interpretação e aplicação deste Estatuto: I – dignidade da
pessoa humana; II – igualdade e respeito à diferença; III –
direito à livre orientação sexual; IV – reconhecimento da
personalidade de acordo com a identidade de gênero; V –
direito à convivência comunitária e familiar; VI – liberdade de
constituição de família e de vínculos parentais; VII – respeito à
intimidade, à privacidade e à autodeterminação; VIII – direito
fundamental à felicidade.
O artigo 5º consolida definitivamente o que a doutrina, jurisprudência e a
hermenêutica judicial já vêm entendendo, reconhecendo e aplicando a algum
tempo, que a orientação sexual e identidade de gênero são direitos
fundamentais, porém, por tal direito está positivado, se tal projeto for aprovado
este produzirá efeitos erga omnes, ou seja, contra todos aqueles que tentarem
restringir tal liberdade. Não há dúvidas, que o coração de tal Estatuto seja
baseado na dignidade da pessoa humana, visando erradicar qualquer
discriminação sexual com o fim de garantir o direito à felicidade.
Art. 5º - A livre orientação sexual e a identidade de gênero
constituem direitos fundamentais.
§ 1º - É indevida a ingerência estatal, familiar ou social para
coibir alguém de viver a plenitude de suas relações afetivas e
sexuais.
§ 2º - Cada um tem o direito de conduzir sua vida privada, não
sendo admitidas pressões para que revele, renuncie ou
modifique a orientação sexual ou a identidade de gênero.
O Estatuto da Juventude, lei nº. 12.852/2013, o qual tutela os direitos
dos jovens (18 a 29 anos) dispõe na seção IV denominado de direito à
diversidade sexual e igualdade a tutela referente a várias facetas do indivíduo,
dentre elas a não discriminação sexual, conforme encartado no artigo 17, II
deste Estatuto.
Art. 17. O jovem tem direito à diversidade e à igualdade de
direitos e de oportunidades e não será discriminado por motivo
de:
I - etnia, raça, cor da pele, cultura, origem, idade e sexo;
II - orientação sexual, idioma ou religião;
[...].
45
Esta seção é de suma importância, pois geralmente é na adolescência
que o indivíduo autoafirma sua sexualidade e qualquer restrição, intervenção
ou discriminação poderá acarretar danos irreparáveis ao mesmo, podendo
chegar à depressão e esta pode levar o indivíduo ao suicídio, tamanho o
desgosto da sua “indignidade sexual” por fazer parte de um grupo minoritário e
discriminado perante a Sociedade do grupo majoritário.
No ordenamento jurídico brasileiro, a homossexualidade não é
criminalizada, porém, o artigo 235 do Código Penal Militar, dispõe sobre o
crime da Pederastia ou outro ato de libidinagem, no ambiente na qual o militar
esteja subordinados a administração pública.
Pederastia ou outro ato de libidinagem
Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique
ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a
administração militar:
Pena - detenção, de seis meses a um ano.
É certo de que, a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 291, ajuizada pela Procuradoria Geral da República
sendo julgada no dia 28 de outubro de 2015, conhecida e julgada parcialmente
procedente pelo Supremo Tribunal Federal, que por majoritário entendimento
dos Ministros da Suprema Corte, manifestou não recepcionadas pela
Constituição Federal em vigência as expressões “pederastia ou outro ato” e
“homossexual ou não” termos constantes no artigo 235 do Código Penal Militar
supracitado.
A fundamentação consistiu nas alegações de violação dos princípios da
isonomia, liberdade e dignidade da pessoa humana notadamente. Como
pedido à declaração de inconstitucionalidade dos termos “pederastia ou outro
ato” e “homossexual ou não”. Afinal, deve-se entender o objetivo do crime, que
no caso em tela é banir atos libidinosos praticados por militares durante o
trabalho, devendo ser considerado qualquer ato libidinoso, não havendo a
necessidade de maiores especificações quanto à forma ou gênero no que
tange a configuração do crime, haja vista que ato libidinoso é gênero no qual
ser praticado por homossexual é uma das configurações possíveis para as
espécies de atos libidinosos. Uma vez previsto o gênero, não há necessidade
46
de ser prevista espécies em especial, pois corre o risco, como no presente
caso, de haver discriminação.
Por fim, o Código Penal Brasileiro, como sendo a ultima ratio, ou seja, o
ultimo ramo do Direito a ser aplicado para resolver o conflito, tutela tal direito.
O direito penal deve conseguir a tutela da paz social obtendo o
respeito à lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudicar a
dignidade, o livre desenvolvimento da personalidade ou
igualdade e restringindo ao mínimo a liberdade (ARÁN, 1995,
p. 36 apud NUCCI, 2012, p. 51).
A dignidade sexual do indivíduo é tão importante que o Direito Penal
tutela tal liberdade de escolha do indivíduo, punindo quem a restringir em um
dos artigos do capítulo VI do Código denominado “Dos crimes contra a
dignidade sexual”, porém antes do advento da Lei 12.015/2009, tal capítulo VI
era denominado “Dos crimes contra os costumes”, pois o exercício sexual
daquela época não era democrático, portanto não fugia aos padrões trazidos
pelos costumes. Tal alteração visou atualizar o Código Penal, pois o mesmo é
de 1940 bem como aplicar neste capítulo um dos principais valores trazidos
pela Constituição Federal de 1988, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
O ilustre doutrinador Nelson Hungria (p. 103-104 apud NUCCI, 2012, p.
951) define costumes sexuais como sendo:
Hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que
vale o mesmo, a conduta sexual adaptada à convivência e
disciplina sociais. O que a lei penal se propõe a tutelar, in
subjecta matéria, é o interesse jurídico concernente a
preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social
em torno dos fatos sexuais.
Como visto acima, devido à evolução da sociedade, a moral sexual de
seus integrantes foi sendo modificada, uma vez que esta é subjetiva e pessoal
do indivíduo.
O que o legislador deve observar é a dignidade da pessoa humana e
não o exercício da sexualidade que os indivíduos venham a ter de forma livre,
espontânea e sem ofender a direitos alheios, por mais que para alguns seja
imoral ou inadequado (NUCCI, 2012).
Afinal dois dos Princípios do Direito Penal são a Alteridade e
Intervenção Mínima, portanto não podem ser punidas condutas internas e
subjetivas do indivíduo, ou seja, algo que não prejudique o direito de outrem,
47
portanto a liberdade e autonomia sexual não podem ser restringidas a menos
que traga dano a uma das partes.
48
CAPÍTULO 3
A HOMOAFETIVIDADE E O DIREITO DE FAMÍLIA
3 Reconhecimento da homoafetividade como entidade familiar no Brasil
As uniões homossexuais, quando reconhecida sua existência, eram
relegadas ao direito das obrigações. Chamas de sociedades de fato, limitavase a justiça a conferir-lhes sequelas de ordem patrimonial. Logrando os sócios
comprovar sua efetiva participação na aquisição de bens amealhados durante
o período de convívio, era determinada a partição do patrimônio, operando-se
verdadeira divisão de lucros. Reconhecidas como relação de caráter comercial,
as controvérsias eram julgadas pelas varas cíveis que detêm competência para
o julgamento de matérias cíveis não especificadas. (DIAS, [s.d.], p. 373).
Os casais homoafetivos entravam com ações de conversão de união
estável em casamento, com fundamento no artigo 1726 do Código Civil, porém,
alguns magistrados mais modernos e realistas empregavam a hermenêutica
jurídica para fundamentar a possibilidade jurídica da conversão, pois entendiam
que havia união estável entre eles. Outros mais tradicionais e legalistas não
convertiam, tendo como fundamento legal que a realidade não tinha nexo com
o texto do artigo art. 226, §3º da Constituição Federal e artigo 1723 do Código
Civil, ou seja, que os indivíduos não estariam vivendo em união estável, pois
ambas as expressões utilizadas definem o gênero do casal convivente na
modalidade de união estável como homem e mulher.
Conclusão havia instabilidade jurídica, ou seja, diante do mesmo fato
havia posicionamentos divergentes, pois alguns casais conseguiam o
reconhecimento da união estável e consequentemente à conversão e outros
não, diferente da união estável heteroafetiva.
Em 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgou a
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4277 que encampou os
fundamentos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) 132. Os Ministros manifestaram-se pela procedência das ações, bem
como, reconheceram a união homoafetiva como sinônimo perfeito de entidade
49
familiar aplicando-se o regime referente à união estável entre homem e mulher.
Embora na união estável já tenha o reconhecimento da finalidade de formação
familiar, consequentemente a até então união de fato passa a ser denominado
como família, o que já é grande conquista.
Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE
OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE,
COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO
INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS
ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO
CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir
interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código
Civil.
Atendimento
das
condições
da
ação.
[...]
3.TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA
FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA”
NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA
TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIOCULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO
DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃOREDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base
da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase
constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial
ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco
importando se formal ou informalmente constituída, ou se
integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos.
A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não
limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade
cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como
instituição privada que, voluntariamente constituída entre
pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil
uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o
principal lócus institucional de concreção dos direitos
fundamentais que a própria Constituição designa por intimidade
e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais
heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha
plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à
formação de uma autonomizada família. Família como figura
central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo.
Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de
família como instituição que também se forma por vias distintas
do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no
plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo
como categoria sócio-político-cultural. Competência do
Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o
Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da
coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto
à orientação sexual das pessoas. [...] 6. INTERPRETAÇÃO DO
ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM
A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL (TÉCNICA
DA
50
INTERPRETAÇÃO CONFORME). RECONHECIMENTO DA
UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA
DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido
preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil,
não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização
da técnica de “interpretação conforme à Constituição. Isso para
excluir do dispositivo em causa qualquer significado que
impeça o reconhecimento da união contínua, pública e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família.
Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras
e com as mesmas consequências da união estável
heteroafetiva (Supremo Tribunal Federal – ADIn: 4277, Relator:
Ministro AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011).
Na Decisão interpretou-se de forma progressiva o artigo 226, §3º da
Constituição Federal e 1723 do Código Civil, buscando adaptar os dispositivos
das Normas com as transformações sociais, considerando os princípios da
igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana notadamente, ou seja,
afastando como pressuposto de existência da união estável a diversidade de
sexo. Logo se afastou os impedimentos no que tange ao reconhecimento da
união estável entre casais homoafetivos, desde que respeitados os requisitos
do Instituto, quais sejam, ser pública, continua e duradoura.
Concluir-se-á, portanto, diante de tal decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) que o conceito de família atual, não é balizado pelos contornos
legais, pois se percebeu que:
[...] o conceito de família não está adstrito aos contornos
limitados e abstratos da letra fria e seca da lei. A interpretação
do caput do artigo 226 se dá tendo em vista os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade
jurídica, da liberdade, do direito à personalidade, entre outros
comentados anteriormente, vez que o fim do Estado, conforme
visão kantiana é a realização do bem comum, de sociedade
livre, fraterna, sem preconceitos de sexo, cor, origem e raça
(artigo 3º da CF), tratando a humanidade como um fim e nunca
como um meio. Todo ser humano, “como um fim em si mesmo,
possui um valor não relativo, mas intrínseco, ou seja, a
dignidade” (GARCIA, 2004, p. 196 apud QUEIROZ, 2008, p.
190).
A partir da referida decisão, por ser dotada de efeito vinculante e ter
eficácia erga omnes, ou seja, contra todos, não poderá mais ser alvo de
desobediência tal entendimento da Suprema Corte brasileira, no que tange a
51
família homoafetiva ser uma entidade familiar, conforme disposto no artigo 102,
§2º da Constituição Federal.
“Trata-se, em nosso sentir, de uma solução hermenêutica que,
além de necessária e justa, respeita o fato jurídico da união
estável em si, uma vez que, por se afigurar como um fenômeno
social eminentemente informal, fruto da simples convivência
fática – e independente de solenidades sacramentais típicas do
casamento – não se subordina a uma formal observância de
diversidade sexual com pressuposto da sua própria existência”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 489).
No mesmo sentido o julgado infracitado:
Apelação. União homossexual. Competência. Reconhecimento
de união estável. A competência para processar e julgar as
ações relativas aos relacionamentos afetivos homossexuais. A
união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz
em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o
intuito relacional. Uma vez presentes os pressupostos
constitutivos, é de rigor o reconhecimento da união estável
homossexual, em face dos princípios constitucionais
vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de
conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união
homossexual, em face do princípio da isonomia, são as
mesmas que decorrem da união heterossexual. Negaram
provimento. (TJRS, AC 70023812423, 8ª C. Civ., Rel. Des. Alzir
Felippe Schmitz, j. 02/10/2008). (grifos nosso).
Após julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) se constatou a
inexistência de qualquer impedimento ao reconhecimento da homoafetividade
como entidade familiar, por se tratar de decisões definitivas de mérito com
efeitos erga omnes e efeito vinculante, ou seja, efeitos que vão além das partes
dispostas no caso, atingindo todos que se encontrarem em casos semelhantes,
tanto os órgãos do Poder Judiciário quanto da Administração Direita e Indireta
em qualquer esfera não poderão descumprir tal julgamento. Como reflexo
produziu efeitos perante a Administração Pública, passando a compor direitos
assegurados as uniões homoafetiva, notadamente os abaixo elencados.
A Instrução Normativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº
15/2013, que disciplina sobre o instituto da dependência econômica no âmbito
do Conselho Nacional de Justiça, dispõe em seu artigo 2º, I, que podem ser
reconhecidos como dependentes econômicos o cônjuge ou companheiro,
inclusive o companheiro de união homoafetiva.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), através da Súmula
Normativa 12, datada de 04 de Maio de 2010, com efeito vinculativo para a
52
legislação de saúde complementar, que fica entendido como companheiro de
beneficiário titular pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo.
No que tange ao seguro DPVAT, através de ação pública promovida
pelo Ministério Público Federal, que resultou na Circular nº 257 de 21 de Junho
de 2004 a Superintendência de Seguros Privados regulamentou a equiparação
do companheiro sobrevivente homossexual ao companheiro heterossexual, na
mesma classe para receber a indenização do seguro DPVAT.
No Imposto de Renda (IR), através do parecer nº 1503/2010 permitiu
que a partir da declaração de imposto de renda de 2011, os casais
homossexuais declarassem seu companheiro como dependente, bastando à
comprovação da união estável.
O artigo 5º da Constituição Federal prevê que é direito fundamental e de
todos os brasileiros o direito a propriedade, portanto, instituições financeiras já
autorizam financiamentos de imóvel para casais homoafetivos, só tendo estes
que comprovar que vivem em união estável.
A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.013 de 9 de Maio de
de 2013, que dispõe sobre as normas éticas sobre reprodução assistida,
permite o uso das técnicas de reprodução assistida em relacionamentos
homoafetivos.
O artigo 1726 do Código Civil trás como um dos efeitos da união estável
a possibilidade de conversão deste Instituto em casamento, dispondo que “a
união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. Concluir-se-á que qualquer
casal que viver em união estável e quiser convertê-la em casamento, terá que
pedir judicialmente sua conversão, cabendo ao juiz analisar o caso concreto. O
casamento homoafetivo será objeto de estudo no próximo tópico deste
trabalho.
3.1 O casamento homoafetivo e o garantismo da dignidade sexual
A Constituição Federal em seu artigo 226, §7º garante o direito ao livre
planejamento familiar do casal, sendo vedada, qualquer forma coercitiva por
parte de qualquer instituição oficial ou privada, intervir na mesma. Tal intenção
é repetida pelo legislador em seu artigo 1565, §2º do Código Civil.
53
A família tutelada pelo Estado pode originar de duas maneiras, ambas
previstas legalmente, união estável e casamento. A união estável decorre dos
requisitos cumulativos união pública, contínua e duradoura, com a finalidade de
constituição de família. O casamento decorre de ato solene, procedimento
formal, através de Normas de ordem pública e cogente.
Entretanto, união estável não é casamento, ainda que com a grande
vitória conquistada, os casais homoafetivos não chegariam a ter plenitude de
sua dignidade reconhecida, pois ainda não obtinham a conversão para o
casamento, ou seja, a união estável homossexual ao contrário da
heterossexual, não converteria para o casamento e como o artigo 226, §3º da
Constituição Federal expressamente expõe: devendo a Lei facilitar sua
conversão em casamento. Dispondo o artigo 1726 do Código Civil, que “a
união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”.
Conclui-se da leitura deste artigo que qualquer casal heterossexual ou
homossexual que viver em união estável e quiser convertê-la em casamento,
terá que pedir judicialmente sua conversão, cabendo ao juiz analisar o caso
concreto, podendo ocorrer partir deste momento a injustiça. No caso de casal
homoafetivo, além de julgar presentes os pressupostos da conversão, o
magistrado do caso, ainda analisará a questão do pressuposto de existência a
diferença de sexo.
Ainda que com a grande vitória conquistada, os casais homoafetivos não
tem a plenitude de sua dignidade reconhecida, pois não obtinham a conversão
para o casamento, ou seja, a união estável homossexual ao contrário da
heterossexual, não evoluiria para o casamento e como o artigo 226, §3º da
Constituição Federal expressamente dispõe: devendo a Lei facilitar sua
conversão em casamento. Dispondo o artigo 1726 do Código Civil, que a união
estável
poderá
converter-se
em
casamento,
mediante
pedido
dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
É imprescindível para o entendimento deste presente tópico, conceituar
casamento, dignidade e dignidade sexual.
Conceitua-se dignidade não como um direito, mas um atributo essencial
de todo ser humano, independente de qualquer requisito seja racial, social ou
54
sexual. Cabe ao ordenamento jurídico promover e proteger este valor.
(NOVELINO, 2010).
“Em síntese, haverá a violação da dignidade quando uma
pessoa for tratada como um meio para se atingir um
determinado fim (aspecto objetivo), sendo este tratamento fruto
de uma expressão do desprezo por sua condição (aspecto
subjetivo)” (NOVELINO, 2010, p. 241).
O conceito de casamento segundo LÔBO “o casamento é um ato
jurídico negocial solene, público e complexo, mediante um homem e uma
mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo
reconhecimento do Estado” (2008, p. 76 apud GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2014, p. 116).
No Direito Civil, dentre os artigos do Direito de Família que
regulamentam o casamento, não há qualquer proibição expressa para
realização do casamento homoafetivo. O artigo 1521 do Código Civil dispõe de
modo taxativo o rol de hipóteses de impedimentos, ou seja, não se pode incluir
tão pouco suprimir situações ali elencadas.
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco
natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado
com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até
o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou
tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Constitucionalmente
se
tem
vários
embasamentos
legais
e
principiológicos que favorecem a união homoafetiva e sua conversão em
casamento.
Iniciar-se-á
com
a
análise
Constitucional
dos
Princípios
Fundamentais, localizados nos artigos 1º ao 4º da Constituição Federal e dos
direitos e garantias fundamentais no art. 5º do referido diploma legal. Deve a
Constituição ser interpretada de acordo com os respectivos direitos trazidos
nesses
títulos.
Continuando
a
fundamentação,
iremos
para
o
título
constitucional da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso
(artigo. 226, §3º, Constituição Federal), o qual menciona o tipo de família ao
qual tem proteção estatal.
55
Começaremos pelo artigo 1º da Constituição Federal de 1988, que traz a
seguinte redação:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
Concluímos deste artigo que a dignidade humana seria o poder de
escolha de elementos materiais ou imateriais, lícitos e ligados à privacidade do
indivíduo, interna ou externamente, inclusive sobre sua sexualidade. Embora
sexualidade não seja escolha, o que é escolha é exercer ou não a vida afetiva
e sexual. A cidadania se destaca na parte do respeito da decisão privada
alheia, pois se não concorda com a homossexualidade ou com a união
homoafetiva, pelo menos respeite e aja com civilidade.
O artigo 3º é muito importante, pois constitui os principais objetivos do
país.
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Analisar-se-á que um dos objetivos nacionais é justamente promover o
bem de todos, sem o preconceito de qualquer natureza, inclusive sexual, com o
fim de construir uma Sociedade livre, justa e solidária.
Este é um dos principais artigos que arruína o argumento que seria
inconstitucional a união homoafetiva, empregando a fundamentação que a
Constituição Federal dispõe em todo o seu texto relativo à família, como casal,
homem e mulher.
Logo em seguida o artigo 5º complementa o artigo anterior.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: [...] (grifos nosso).
Neste artigo fica explícito o direito de igualdade entre todos perante a
Lei. Portanto, qualquer indivíduo terá garantido o direito a uma família
56
moralmente e legalmente digna bem como protegida pelo Estado, já que esta é
à base da sociedade e consequentemente do Estado, tamanha sua
importância.
De outro lado, não assegurar garantias nem outorgar direitos às
uniões de pessoas do mesmo sexo infringe o principio da
igualdade, escancarando postura discriminatória ao livre
exercício da sexualidade. A omissão acaba por consagrar
violação aos direitos humanos, pois afronta a liberdade sexual,
direito fundamental do ser humano, pois afronta a liberdade
sexual, direito fundamental do ser humano, que não admite
restrições de qualquer ordem (ARRIBAS apud DIAS, [s.d.], p.
373).
Além do direito ao casamento, quando for de mútuo acordo entre as
partes independentemente do sexo, levando em conta e fundamentado com
esse artigo acima citado e contradizendo o artigo 1514 do Código Civil, que
dispõe:
Art. 1514. O casamento se realiza no momento em que o
homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade
de estabelecer vinculo conjugal, e o juiz os declarar casados.
(grifos nosso).
O artigo 226 da Constituição expõe sobre a importância familiar e
informa que a família tem a especial proteção do Estado.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (grifos
nosso).
Com o objetivo de erradicar a discricionariedade dos Oficiais Cartorários
os representantes do Ministério Público de Justiça e Família da Comarca de
Fortaleza Estado do Ceará, no dia 17 de novembro de 2011, espelhados no
Julgamento da Ação direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4277 e Arguição de
Descumprimento Fundamental (ADPF) 132 instaurou Ação Civil Pública
fundada em obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela antecipada em
face de seletos Oficiais de Registro de Pessoas Naturais da Comarca de
Fortaleza, que por força do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, obrigará
todos os Ofícios de Registro de Pessoas Naturais da Comarca de Fortaleza
57
que tenha por função realizar o procedimento para realização do casamento.
Caso a referida decisão seja descumprida aplicar-se-á multa de R$10.000,00
(dez mil reais) por recusa ao casamento homoafetivo.
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos
limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o
pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Entretanto, recentemente o Presidente do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), Ilustríssimo Ministro Joaquim Barbosa, através da Resolução nº. 175, de
14 de Maio de 2013 (Anexo), resolve:
Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de
habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de
união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata
comunicação ao respectivo juiz corregedor para as
providencias cabíveis.
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua
publicação.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um órgão administrativo,
responsável por controlar a atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário, porém não lhe é atribuído da atividade de fiscalização jurisdicional
dos Juízes e Tribunais.
Porém, a Resolução Normativa do Conselho Nacional de Justiça não é
Lei, ou seja, não vinculam os oficiais dos Cartórios de Registro de Pessoas
Naturais caso deneguem deflagrar o procedimento de habilitação ao casal
homoafetivo.
O fundamento da persistente discricionariedade está na Constituição
Federal que em seu artigo 5º, II estabelece que ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer algo se não em virtude de Lei. Esse dispositivo cumulado
com o princípio da legalidade da administração pública resulta que os
funcionários públicos no exercício de sua função somente estão permitidos a
fazer se houver Lei expressamente autorizando. Resolução normativa não é
Lei, ou seja, surge a discricionariedade.
Por todos os fundamentos acima elencados, concluir-se-á que o
casamento homoafetivo é juridicamente possível, e assim sendo, perfeitamente
58
aplicável através de analogia quando necessário, todos os efeitos pessoais e
patrimoniais decorrentes do matrimônio.
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS
DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO
DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO
CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A
QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO
MESMO
SEXO.
VEDAÇÃO
IMPLÍCITA
CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO
PRINCIPIOLÓGICA
CONFERIDA
PELO
STF
NO
JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1.
Embora criado pela Constituição Federal como guardião do
direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra
a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da
constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ
analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a
Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao
jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei
Maior. [...]. 2. [...]. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal
de 1988 uma nova fase do direito de família e,
consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um
explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados
são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico
chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção
do Estado". [...] Agora, a concepção constitucional do
casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas
superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais
também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o
destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o
intermediário de um propósito maior, que é a proteção da
pessoa humana em sua inalienável dignidade. [...] 5. [...]. 6.
Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela
qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os
"arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de
ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar,
independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma
vez queas famílias constituídas por pares homoafetivos
possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas
constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a
dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. [...]. 8.
Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código
Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma
vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a
caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não
discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do
pluralismo e livre planejamento familiar. [...] 10. Enquanto o
Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume,
explicitamente,
sua
coparticipação
nesse
processo
constitucional de defesa e proteção dos socialmente
vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse
mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que
somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo
resista a uma mínima investigação acerca da universalização
59
dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (Superior
Tribunal de Justiça - REsp: 1183378 RS 2010/0036663-8,
Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de
Julgamento: 25/10/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 01/02/2012)
Conforme fundamentação do julgado acima reconhecendo o casamento
entre pessoas do mesmo sexo, pois a vedação a este direito fere a os direitos
fundamentais previstos na Constituição Federal, uma vez que não há
embasamento legal para a denegatória.
3.2 Casamento homoafetivo: a justiça e o preconceito
O sonho que qualquer indivíduo, independente de seu sexo biológico é
buscar a felicidade, e geralmente esta busca não é solitária, pois muitas vezes
a felicidade plena está ligada a necessidade de possuir um par. Sendo a
entidade familiar uma entidade histórica, muitas vezes esta se confunde com a
história da própria humanidade, uma vez que trás em si aspectos da cultura da
Sociedade bem como o fato da reprodução biológica.
Injustificadamente o Poder Legislativo resiste em aprovar Projetos de
Leis que inserem no ordenamento jurídico Normas regulamentando direitos
homoafetivos. A mais provável explicação está no fato de que no Congresso
Nacional encontram-se majoritariamente, indivíduos conservadores e com
fundamentalismo religioso. Neste cenário, não há qualquer chance de ser
aprovado algum Projeto de Lei garantindo, coercitivamente, através de Norma
Legislativa, o direito ao casamento homoafetivo.
Porém, o magistrado não pode deixar de julgar alegando a inexistência
de Lei adequada para o caso em questão, em virtude do princípio do artigo 126
do Código de Processo Civil.
O legislador age com culpa no cenário atual em que se vivencia, pois se
posiciona através da omissão no que tange aos Direitos Homoafetivos, não
demonstrando neutralidade com relação ao tema e sim preconceito e
discriminação. É certo de que a jurisprudência passou a admitir, através da
analogia, a aplicação das regras de união estável entre homem e mulher, o que
ganhou mais força e peso com o julgamento da Ação Direta de
60
Inconstitucionalidade (ADIn) 4277, conforme já analisado no item 3 deste
capítulo.
Portanto, uma hipótese de solução para tal cenário negligente em
termos de Normas disciplinando Direitos Homoafetivos é estar normativamente
no período pós-positivista, onde os princípios previstos na Constituição Federal
atingem seu pico, sendo utilizados como normas jurídicas (NOVELINO, 2010).
Quando se trata de um direito implícito na Norma, ao qual se busca interpretálo através da hermenêutica de Normas Jurídicas que disciplinam casos
semelhantes, bem como, valendo-se dos Princípios Gerais de Direito, percebese a evidência da existência do direito ora analisado, devendo-se reconhecê-lo
em face dos grupos que o pratiquem de forma lícita. A Lei não disciplina
expressamente o casamento homoafetivo, mas, por outro lado, não o proíbe.
As regras de colmatação da lacuna da Lei, como no caso a analogia, que
aproveita a estrutura e os efeitos normativos do Direito de Família, sobretudo
do casamento e da união estável, dando-lhe nova interpretação, para abarcar e
disciplinar a união estável homoafetiva e o casamento homoafetivo.
O conceito mais simplista de justiça é dar a cada um o seu direito. Logo
no estudo do presente trabalho, ficou evidente o direito a liberdade sexual e
como consequência a formação de uma família digna, independente da
configuração de gênero, do vínculo jurídico ser criado através de união estável
ou casamento, ter filhos ou não, pois ao casal é compulsório o direito ao livre
planejamento familiar.
Concluir-se-á o presente tópico com uma expressão em latim - Fiat
iustitia et pereat mundus – Faça-se justiça ainda que pereça o mundo.
61
CONCLUSÃO
Considerando que a família é base da sociedade (artigo 226, caput, da
Constituição Federal) e esta é composta de indivíduos concluir-se-á que nossa
Constituição Federal considera como base do indivíduo a família. É certo que
esta é secular, porém vem sofrendo transformações ao longo dos anos,
inclusive em sua configuração, consequência de um movimento social de
democratização, dentre elas da família, ou seja, família não é mais somente a
família tradicional biológica composta por cônjuges e seus descendentes
sanguíneos, pois este conceito de família é inegavelmente ultrapassado. A
Constituição Federal dispõe um rol a qual são elencadas varias entidades
familiares.
Ineditamente a Lei nº. 11.340/2006, denominada “Lei Maria da Penha”,
ousou em trazer em seu corpo um dispositivo no qual o conceito de família é
mais abrangente, sendo atualmente o que mais reflete a atualidade das
entidades familiares.
O principal responsável por tamanhas modificações no que tange a
entidade familiar é o reconhecimento do afeto como valor jurídico e da
constitucionalização do direito de família, pois esta tem como sobredireito a
dignidade da pessoa humana, ou seja, todo e qualquer Direito têm que ser
construído, interpretado e aplicado de acordo com este macro princípio
constitucional. A partir de então houve a despatrimonialização e a relativização
do vínculo biológico até então dominante no direito de família, com o
reconhecimento do afeto como valor jurídico, se evidenciou que o formador e
mantenedor de qualquer entidade familiar é o afeto. Logo, não se pode haver
imposição ou racionalização deste, se não se perderá a razão de ser, ou seja,
a espontaneidade.
Considerando a historicidade, a relação sexual entre homens era
encarada de forma natural, pois consideravam uma evolução da sexualidade
no qual o polo ativo da relação era extremamente valorizado, pois era
determinado não pelo instinto e sim por sua classe social, pois trazia a
masculinidade e virilidade enquanto o polo passivo era associado à conduta
feminina, logo, era submisso e não fazia jus a qualquer respeito, pois a
sociedade daquela época era extremamente machista. A homossexualidade
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era permitida e incentivada, em campos militares, como forma de aumentar o
desempenho dos militares em guerras.
A partir do cristianismo, que se iniciou o preconceito, pois este pregava o
sexo como pecado, sendo perdoado apenas com a finalidade de reprodução e
no âmbito matrimonial, passando o casamento na idade média a ser
sacralizado e a partir de então se iniciou a perseguição aos homossexuais,
inclusive por ser previsto como crime grave o exercício da homossexualidade.
Sopesando uma grande evolução o reconhecimento da união estável
para os casais homoafetivos, pois já foi o pontapé inicial para chacoalhar o
esqueleto velho e empoeirado dos Poderes Legislativo e Judiciário para
demonstrar que nem todos os direitos encontram-se positivados diretamente
nas Normas, pois há muitas situações moralmente aprováveis, vivendo na
marginalidade do judiciário por não serem previstas legalmente.
Conclui-se por todo o exposto, que a homoafetividade tem que gozar
dos mesmos direitos da heteroafetividade, tendo em vista, ambos serem
naturais e involuntários, merecendo ambos serem amparados e abrangidos
pela Lei igualmente, afinal, a Sociedade e seus costumes não são perpétuos.
Com o decorrer dos anos, diga-se de passagem, nem tantos anos assim, há
mudanças no comportamento do ser humano, consequentemente, isso influi
em toda a Sociedade e em todos os âmbitos, família, trabalho, lazer e afeto, ou
seja, o que hoje pode parecer estranho, amanhã vai ser considerado normal,
pois o que falta é costume de ver e de realmente conhecer o outro lado da
moeda.
É importante ressaltar que vivemos atualmente o pós-positivismo, ou
seja, a influência de Princípios na confecção e aplicação de Normas, e não
somente em casos de omissão desta, mas também como fonte imediata para
se evitar e promover justiça.
A Resolução 175 de 14 de Maio de 2013 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) visa acabar com a convicção íntima e pessoal de muitos juízes e
os obrigam a usar a hermenêutica legislativa para atingir o bem estar de todos,
da ordem jurídica e da sociedade, promovendo a ligação entre a Norma
positivada e a realidade, os casais homossexuais que assim quiserem, terão
realizado o casamento de ofício ou convertidas às uniões estáveis em
casamento.
63
Finalmente, com essa Resolução fica cada vez mais perto do real
significado da palavra democracia no que tange a entidade familiar.
64
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69
ANEXO
70
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