UNISALESIANO Centro Universitário Católico Auxilium Curso de Direito Vernan Munhoz Pelloso CASAMENTO HOMOAFETIVO: A JUSTIÇA E O PRECONCEITO Lins – SP 2015 Vernan Munhoz Pelloso CASAMENTO HOMOAFETIVO: A JUSTIÇA E O PRECONCEITO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium sob orientação da Profa. Ma. Meire Cristina Queiroz. Lins – SP 2015 Dedico o presente trabalho à minha mãe Vania, minha irmã Vanilli e ao meu pai Valter, que são as pessoas mais importantes da minha vida, bem como Mel e Lady, nossas amadas cadelinhas de estimação que diariamente enchem nossos corações de alegria. VERNAN MUNHOZ PELLOSO CASAMENTO HOMOAFETIVO: A JUSTIÇA E O PRECONCEITO Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, para obtenção do título de bacharel em Direito. Aprovado em:______/______/___________. Banca Examinadora: Profª. Orientadora: Meire Cristina Queiroz Titulação: Mestra em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba. Assinatura:_____________________________. Relator: Prof. Vinicius Roberto Prioli de Souza Titulação: Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba. Assinatura:_____________________________. Debatedor: Prof. Marcelo Sebastião dos Santos Zellerhoff Titulação: Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília. Assinatura:_____________________________. Lins – SP 2015 Agradecimentos: Em primeiro lugar a Deus, que me deu o dom da vida e sempre esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis iluminando meus pensamentos e caminhos; A minha amada família, que sempre me apoia, está ao meu lado e acredita no meu potencial - às vezes, mais do que eu mesmo. No decorrer deste curso em momentos de desânimo e desespero sempre fizeram acreditar que havia um futuro próspero a minha espera e que para isto necessitaria ser firme, forte e muito persistente; Agradeço meus pais, pela educação que me foi dada, graças a ela enfrento qualquer ambiente sem problema. Dentre inúmeras lições valiosas que me ensinaram, destaco o valor do respeito, pois sempre me foi ensinado a respeitar quem quer que fosse independente de raça, cor, sexualidade, religião, dentre outras; Agradeço a minha irmã, que sempre está ao meu lado, me dando o presente de ter a sua companhia, embora em alguns momentos haja diversidade de opiniões, mas, nunca a falta de respeito prevalece, pois fomos educados através e com amor; A Mel e a Lady, minhas queridas cadelinhas de estimação, sempre presentes e mesmo não falando, só com suas presenças e seus olhares, transmitem conforto, carinho e amizade; Aos meus amigos e colegas da primeira turma de Direito do Unisalesiano de Lins, onde bravamente batalhamos por tal objetivo e mesmo com injustiças, instabilidades e inseguranças nos mantivemos firmes e fortes, pelos curtos cincos longos anos; Aos professores que ali estiveram ministrando suas aulas, nos transmitindo um pouco de seus conhecimentos, em especial à minha orientadora e docente de Direito Civil professora Meire, que desde o primeiro semestre de aula, foi uma das professoras com quem mais me identifiquei, pois para mim até então inexperiente, necessitaria de referências e orientações de como prosseguir, pois iniciava uma nova etapa em minha vida o de estudante universitário e posteriormente bacharel em Direito; Por fim, agradeço a todos que de forma direta ou indireta contribuíram para minha formação pessoal ou acadêmica. RESUMO Com o presente Trabalho de Conclusão de Curso busca-se analisar o Casamento Homoafetivo: a Justiça e o Preconceito por meio da pesquisa bibliográfica em doutrinas, jurisprudências, legislações, revistas e artigos científicos, com o propósito de evidenciar ser um direito adquirido ao homossexual a partir do autoconhecimento de sua sexualidade, sendo facultado ao mesmo constituir ou não uma família. Entretanto, se constituir, é obrigação do Estado de reconhecê-la e de ofício, ou seja, sem a necessidade de intervenção judicial para concebê-la como família e conferirlhes seus respectivos direitos familiares e matrimoniais. Palavras-Chave: Casamento homoafetivo. Dignidade Sexual. Família Homoafetiva. ABSTRACT This article searches to study the same-sex marriage: the Justice and the prejudgement based on bibliographic search in doctrine, jurisprudence, Law, magazines and scientific articles, with the propose of put in evidence being a vested right to the homosexual starting to the self knowledge of your sexuality, being provided to build or not a family. However, once built, it is States´s obrigation to recognize it instantly, so, without needing judicial intervention to conceive it as a family e give them family and marriage Law. Key-words: Same-sex marriage. Sexual dignity. Homesexual family. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................. 10 CAPÍTULO 1 A FAMÍLIA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO ......................... 13 1 Conceito de família ....................................................................................... 13 1.1 Principais aspectos históricos da evolução do direito familiar..................... 16 1.2 Fundamentos Constitucionais do Direito de Família ................................... 20 1.2.1 A família na Constituição da República Federativa: as novas formas de família ............................................................................................................... 20 1.2.2 Princípios constitucionais norteadores do Direito de Família contemporâneo ................................................................................................. 25 1.3 O afeto como formador e mantenedor da família contemporânea .............. 28 CAPÍTULO 2 ABORDAGEM SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE .................. 31 2 Conceito de homossexualidade e demais sexualidades ................................ 31 2.1 Breve histórico da homossexualidade ........................................................ 32 2.1.2 A origem do preconceito sexual ............................................................... 34 2.2 Homossexualidade: a medicina e a genética .............................................. 37 2.3 A importância da dignidade sexual e sua tutela jurídica ............................. 40 CAPÍTULO 3 A HOMOAFETIVIDADE E O DIREITO DE FAMÍLIA ................. 48 3 Reconhecimento da homoafetividade como entidade familiar no Brasil ........ 48 3.1 O casamento homoafetivo e o garantismo da dignidade sexual ................. 52 3.2 Casamento homoafetivo: a justiça e o preconceito..................................... 59 CONCLUSÃO ................................................................................................... 61 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 64 ANEXO..............................................................................................................69 10 INTRODUÇÃO Busca-se pelo presente Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, ampliar a visão e a compreensão da Sociedade com relação ao Casamento Homoafetivo, dando-lhes mais conhecimento sobre o assunto, que é sempre informado e analisado superficialmente pela mídia não demonstrando o real valor e importância deste tema, pois, aparenta ser a realidade de poucas pessoas, o que não é verídico. No estudo do presente tema busca-se esclarecer a isonomia de direitos familiares entre homossexuais e heterossexuais, tendo em vista uma nova realidade, que sempre se soube, mas nunca foi tão visível quanto nos dias atuais, descobriu-se que o pilar da família não está nas partes que a formam e sim na afetividade e comunhão plena de vida entre seus membros. Entretanto, a família sujeita a obrigações e credoras de direitos pode surgir-se de duas formas: casamento ou união estável. A união estável é um instituto simplificado, pois decorrente da convivência pública, contínua e duradoura entre dois indivíduos que coabitam, denominados companheiros, com o objetivo de constituição familiar. Podendo esta, ser convertida em casamento. Já o casamento, é a forma tradicional por excelência de constituição da família e, por se tratar de procedimento solene, são exigidos alguns requisitos, quais sejam: diversidade de sexo, consentimento e ser celebrado por autoridade competente. Os sujeitos desta relação são denominados cônjuges. O problema de pesquisa decorrente deste trabalho é justamente com relação ao requisito da diversidade de sexo como pressuposto para a realização do casamento, já que a expressão adotada pelo Legislador Civil para se referir-se aos cônjuges é “homem e mulher”. A doutrina e a jurisprudência já entendem a cerca da possibilidade jurídica da celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo bem como a conversão de união estável em casamento. O problema está no fato da discricionariedade legislativa, pois não há normatização expressamente o direito ao casamento por indivíduos homossexuais. garantindo 11 Se o casamento homoafetivo fosse legalizado, reconhecido e protegido por nossa legislação brasileira, muitas pessoas que são infelizes por se acharem anormais e perdidas dentro de si mesmas, achariam um alicerce para se assumir com maior convicção e segurança interna, o que refletiria na diminuição da sensação de indiferença, resultando em uma situação mais natural. E aos poucos, a Sociedade se habituaria a esta modalidade de família, trazendo ainda mais naturalidade e menos indignação. Consequentemente, a Sociedade começaria a constituir famílias de acordo com o afeto e não pela conveniência e seguridade Normativa da família tradicional entre homem e mulher, pois tanto a família tradicional quanto a homoafetiva estariam amparadas legalmente, ou seja, independente da família que constituir, terá proteção do Estado fazendo com que a Sociedade exerça plenamente seu direito de liberdade, trazendo mais dignidade a pessoa humana, que é direito fundamental previsto na Constituição Federal. Além disso, certamente, estar-se-á concretizando o que seja viver em um Estado Democrático de Direito, ou seja, permitindo e garantindo igualmente os direitos familiares entre homossexuais e heterossexuais e não sendo ditadores impondo e reconhecendo somente um tipo de família. Baseando-se nesses questionamentos é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº. 175/13, dispondo sobre a habilitação, celebração de casamento civil ou conversão de união estável e casamento, entre pessoas do mesmo sexo, porém esta não vincula, por não se tratar de norma cogente. A partir do casamento, os homossexuais já podem dizer que possuem uma família legítima, sem frutos (filhos), mas uma família, o que caracteriza a família não é ter descendentes, pois se assim fosse, muitos casais casados que são inférteis não seriam considerados como uma família, o que lhes trariam internamente constrangimento, por não terem como conceber naturalmente o principal caracterizador da família, já que nem todos aderem à adoção e o custo da inseminação artificial não é acessível a todos. Neste caso, o princípio da dignidade da pessoa humana não estaria sendo observado, trazendo mais do que somente constrangimentos jurídicos, trariam consigo transtornos psicológicos irreparáveis, pois não se trata de bens materiais e sim de sentimento e afeto. Ambos têm características de não serem 12 racionais, ou seja, sem lógica, sem porque, uma vez ferido um destes, pode ser que a pessoa leve anos para se recuperar, ou nem se recupere, trazendo a mágoa e a tristeza para a vida do indivíduo. Entretanto, tacitamente a Constituição Federal de 1988 traz como um dos direitos fundamentais: a felicidade. Portanto, o título escolhido que melhor representa a ideologia da presente monografia é: Casamento Homoafetivo: a Justiça e o Preconceito. Utilizando-se a pesquisa bibliográfica, através de livros doutrinários, artigos científicos, periódicos, revistas jurídicas e jurisprudências e com o desígnio de tornar-se mais objetivo e organizado o presente trabalho será desenvolvido em três capítulos. O primeiro capítulo, denominado a família no direito contemporâneo: a constitucionalização da Família abordará o conceito de família, conterá um breve histórico sobre a evolução histórica do Direito familiar; os fundamentos constitucionais do Direito de Família; a família na Constituição da República Federativa: as novas formas de famílias; os princípios constitucionais norteadores do Direito de Família contemporâneo e por fim e não menos importante o afeto como formador e mantenedor da família. Já o segundo capítulo, abordará sobre a homossexualidade trazendo o conceito de homossexualidade e demais sexualidades; breve histórico da homossexualidade no Brasil; a origem do preconceito sexual, visão da medicina e genética em face a homossexualidade e a importância da dignidade sexual e sua tutela jurídica. Finalizando, o capítulo terceiro objetivará expor sobre o reconhecimento da homoafetividade como entidade familiar no Brasil; o casamento homoafetivo e o garantismo da dignidade sexual e por fim o casamento homoafetivo: a justiça e o preconceito. 13 CAPÍTULO 1 A FAMÍLIA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO 1 Conceito de família A família é à base da Sociedade, cuja existência é secular e, por isso, considerada uma instituição. Persistiram as mais diversas transformações da coletividade e a evolução da Sociedade (ALMEIDA, 2008 p. 89). Logo se percebe que o conceito de família é amplo e dinâmico, pois o mesmo se transforma a depender da realidade social em que se esteja vivenciando no momento. Sendo a família base da sociedade, mudanças nela geram mudanças sociais. Quanto mais famílias democráticas, maior o fortalecimento da democracia no espaço publico e vice-versa. Alem disso, e evidentemente, quanto mais democracia houver nos pequenos grupos, mais democrática será a sociedade na qual elas coexistem (MORAES, 2006, p. 619 apud RIBEIRO; TEIXEIRA, 2008, p. 117). O Direito regula e impõe pressupostos para o reconhecimento da família, sem, contudo, trazer expresso em Lei seu conceito, tendo em vista, a instabilidade da mesma. [...] a família é uma realidade sociológica e constitui base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem sua estrutura, sem no mais defini-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia [...] (GONÇALVES, 2011, p. 17). A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, em seu artigo 226, §3º, traz a seguinte redação: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. §2º. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. §3º. Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 14 §4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Observando o texto constitucional acima citado, verifica-se que tacitamente a Constituição traçou um conceito de família e elencou uma pluralidade de entidades familiares, começando pela família matrimonializada pelo casamento, reconhecendo a família convivêncial, formada pela união estável e ainda estabelecendo como entidade familiar a convivência entre um só genitor, homem ou mulher, com seus descendentes. Portanto, observa-se que o Poder Constituinte Originário, traçou o seguinte conceito de família: Trata-se de instituição jurídica e social, resultante de casamento ou união estável, formada por duas pessoas de sexo diferente com a intenção de estabelecerem uma comunhão de vidas e, via de regra, de terem filhos a quem possam transmitir o seu nome e patrimônio (GONÇALVES, 2011, p. 18). Logo, para uma Constituição democrática, o conceito implícito de família estava totalmente desenquadrado com a nova ordem e realidade social. Tendo em vista que todas as normas infraconstitucionais são subordinadas a Constituição vigente, logicamente, que se esta trouxe implicitamente esse conceito de família, o Código Civil e demais normas que tratarem de regras disciplinadoras familiares, teriam de adotar o mesmo pensamento da Carta Magna, não por imposição, pois não estava expresso em seu texto, mas para evitar incoerência jurídica. Não obstante a consolidação deste conceito moderno sobre a família, certo é que, no plano infraconstitucional, não se via o seu reconhecimento expresso, o que, muitas vezes, causava insegurança aos magistrados no julgamento dos casos concretos, principalmente nas lides envolvendo uniões homossexuais (ou homoafetivas, termo mais apropriado para o cenário da atualidade), optando eles, no vazio legislativo, pelo não reconhecimento de qualquer outro tipo de entidade familiar além daquelas 3 (três) já previstas na Constituição Federal (ALVES,2006). Como exceção, a Lei de Violência Doméstica Familiar “Maria da Penha” (Lei nº. 11.340, de 7 de Agosto, de 2006) ousou em trazer em seu texto, um conceito mais abrangente de família, que atualmente é o que trás mais 15 veracidade real ao texto da Lei, não sendo utópico e exclusivo, mas sim, democrático e abrangedor, pois leva em conta principalmente a realidade de fato de nossa Sociedade atual, tendo aplicação prática. Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: [...] II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; [...]. Tal previsão ocasionou repercussão, pois pela primeira vez conceituouse família prevista em Lei. Além disso, reconheceu como entidade familiar à união de indivíduos do mesmo sexo, pois o objeto de tutela da Lei é coibir a violência doméstica e familiar, como o próprio nome sugere é a violência que ocorre na família (DIAS, 2014, p. 161). “A partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela” (PEREIRA, 2001, p. 170 apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 39). “Quem pretende focalizar os aspectos eticossocial da família, não pode perder de vista que a multiplicidade e variedade de fatores não conseguem fixar um modelo social uniforme”. (PEREIRA, 2002, p. 226-7 apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 39). Sendo assim, o conceito de família que, atualmente, mais se encaixa na realidade social e democraticamente correto é: família é o conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco ou não entre si vivendo ou não mesmo teto, ligados por um sentimento chamado afeto, tendo ou não filhos. [...] Família é, antes de qualquer corpo intermediário, um complexo de relações de natureza existencial, que vincula o seu titular a outras pessoas humanas, com base em fundamentos que podem ser muito distintos entre si, como o parentesco, a afinidade e a afetividade (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010,p. 144). Ver-se-á no subtítulo seguinte um breve histórico do Direito de Família ao logo dos anos, até os dias atuais, para melhor compreensão da evolução 16 deste instituto, que infelizmente, o direito positivado não foi eficiente em acompanhar. 1.1 Principais aspectos históricos da evolução do direito familiar A família sempre existiu, afinal, o homem é um ser sociável que busca conviver conjuntamente com outras pessoas, construindo grupos, tribos, em seu meio vital (FERREIRA, 2008). Nesse sentido ensina Hironaka que a família É uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos (...); a história da família se confunde com a história da própria humanidade (HIRONAKA, [s.d], p. 07 apud ALVES, 2007). Registros históricos apontam que a família patriarcal não tinha como objetivo promover a felicidade de seus cônjuges e prole, e sim, mão de obra de bens que necessitavam para viver. A principal função do casamento era a procriação, para mão de obra e a perpetuação de suas culturas. (QUEIROZ, 2008). Em Roma a família era administrada pelo pater famílias, que comandava todos os membros da família (esposa, filhos) que lhes devia a total submissão, sem qualquer autonomia. Dentro da administração do pater estavam as funções de juiz; sacerdote; administrador dos bens da família. Como juiz, podia aplicar penas desde mutilações até a pena de morte aos herdeiros, inclusive vender se não estivesse satisfeito. A função de sacerdote o legitimava a realizar celebrações de casamento, batizado e óbito. (QUEIROZ, 2008). Na fase do Direito Canônico, o matrimônio tinha a característica de indissolubilidade do mesmo, não levando em conta o afeto e sim a procriação e a criação dos filhos (QUEIROZ, 2008). “Era constituído por cânones, regras de convivência importa aos membros da família e sancionadas com penalidades rigorosas. O casamento, segundo os cânones, era a pedra fundamental, ordenada e comandada pelo marido” (VENOSA, 2008, p. 25 apud QUEIROZ, 2008, p. 181). 17 Ao final do século XVIII, começaram a surgir Leis positivadas, pois o poder advinha do Estado e não mais da Igreja. O Estado era representado pelo oficial de registro que realizava o casamento civil. (QUEIROZ, 2008, p. 182). No Projeto de Lei do Código Civil de 1916, é codificada a família matrimonializada, hierarquizada, patriarcal e transpessoal, já que o Projeto do Código Civil é de 1899 é influenciado pelo período colonial (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 34). Aquela família nuclear (centrada no casamento), heterossexual, (diversidade de sexos), monógama (um só núcleo familiar formado por um único casamento) e patriarcal (onde a figura do pater família dominava), que estava encarregada de cumprir papel social público e privado importante, já não mais prevalece. Como célula mínima da sociedade, centrada exclusivamente no casamento, não só tinha o papel de assegurar a reprodução, bem como a socialização, dentro do contexto daquela sociedade, e este papel não é mais observado. O próprio pai, que tinha esposa e os filhos sob sua dominação, e que dava à família o nome, já não exerce o papel preponderante, inclusive no que dizia a respeito à manutenção e ao provimento daquele núcleo. (RIBEIRO; TEIXEIRA, 2008, p. 57). O Código Civil de 1916, com o projeto de Clóvis Beviláqua, trazia o casamento como instituição jurídica, pois o Código previa normas de ordem pública, que eram requisitos para a validade do matrimônio. Nesta época, a Sociedade era rural e patriarcal, guardando traços profundos da família da Antiguidade. O marido ainda era tido como o chefe da família, o administrador, conduzindo a família em seu aspecto pessoal, ou seja, decidindo sobre a guarda e educação dos filhos e era o representante da sociedade conjugal. A mulher casada era relativamente incapaz e necessitava da autorização do marido para realizar alguns atos, mediante a outorga marital. Assim, a educação dos filhos era exercida pelo marido, e, somente, na falta deste, pela mulher. (QUEIROZ, 2008, p. 182). “A moldura jurídica instaurada com a codificação civil foi sendo atropelada pela força construtiva dos fatos e encontrou rompimento no texto constitucional de 1988” (JUNIOR; ALVES, 2010, p. 34). Até a chegada da Constituição Federal de 1988, a definição de família era totalmente taxativa (limitada), não podendo haver interpretações. O Código Civil somente admitia como família aquelas com origens matrimoniais. 18 Além disso, o modelo único de família era caracterizado como um ente fechado, voltado para si mesmo, onde a felicidade pessoal dos seus integrantes, na maioria das vezes, era preterida pela manutenção do vínculo familiar a qualquer custo ("o que Deus uniu o homem não pode separar") – daí porque se proibia o divórcio e se punia severamente o cônjuge tido como culpado pela separação judicial (ALVES, 2006). Com a promulgação da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, o conceito de família foi ampliado além do casamento, para proteger a base de toda a Sociedade, nesta época, dando importância à relação socioafetiva. Portanto, com o leque de princípios trazidos pela Constituição de 1988, houve a interpretação efetiva, visando à máxima efetividade no Direito de Família, logo, uma profunda modificação em seu conceito, até então dominada pela legislação civil “na família constitucionalizada começaram a dominar as relações de afeto, de solidariedade e de cooperação” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 36). A família deve progredir na medida em que progride a sociedade, que deve modificar-se na medida em que a sociedade se modifique; como sucedeu até agora. A família é produto do sistema social e refletirá o estado de cultura desse sistema (ENGELS, 2002, p. 84-5 apud FERREIRA, 2008, p. 14). A Constituição Federal inova em seu artigo 226, § § 3º e 4º, reconhecendo no primeiro dispositivo as pessoas que vivem em união estável como entidade familiar e, no segundo, considera como família, também, aquela constituída por apenas um dos genitores e os filhos, denominando de família monoparental. Assim sendo, através do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, §3º da Constituição Federal de 1988), “a família passou a ser fruto de uma comunhão de afeto recíproco, independentemente de imposição legal ou vínculo genético, tendo por fim o desenvolvimento e a felicidade de seus membros” (FERREIRA, 2008, p. 14). Portanto, o requisito para a constituição da família, ultrapassa os limites da previsão jurídica, não sendo mais jurídico e sim fático, com isso, o ente família passou a ser democratizada, consequência, de se tratar de um princípio 19 aberto, abstrato, indefinido e não tendo pressupostos para julgar se é digna ou indigna a constituição e configuração de qualquer família. O Código Civil de 2002 procurou adequar-se a uma nova compreensão de família, na qual busca a igualdade dos cônjuges e companheiros, do homem e da mulher. Ficando suprimido o pátrio poder e em seu lugar vigorando o poder familiar em igualdade de condições entre os cônjuges (QUEIROZ, 2008, p. 182). Entretanto, “observamos, então, que o Código Civil de 2002, cujo projeto teve inicio em 1970, desconhece, em grande parte, estas mudanças sociais e até constitucionais, e insiste na estrutura familiar pautada pelo casamento [...]” (RIBEIRO; TEIXEIRA, 2008, p. 60). [...] Basta verificar que grande parte de sua estrutura no contexto do livro da família desenvolve-se em torno da família matrimonializada, desconhecendo os demais modelos de família, apenas de forma breve regulamentando alguns aspectos da união estável (RIBEIRO; TEIXEIRA, 2008, p. 60). A família atual pluralizou-se, pois não se vincula mais aos paradigmas originários: casamento, sexo e procriação, logo não se pode ignorar no âmbito do Direito de Família as relações que derivam da homoafetividade (FERREIRA, 2008, p. 16) seja união estável ou casamento. Foi abandonada a ideia de que o casamento é o único elemento identificador da família. Também passou-se a desprezar a verdade real, quando se sobrepõe um vinculo de afetividade (FERREIRA, 2008, p. 18). Atualmente os indivíduos de um relacionamento homoafetivo não se importam mais com a legalidade de sua configuração familiar, pois esta não representa a verdade real e fática de sua realidade, pois a legislação seleciona fatos triviais para ter expressa previsão legal, e os demais casos, que usem e abusem de analogias, interpretações e princípios gerais do Direito, para terem solucionados seus conflitos tanto com o fato quanto com a legislação. “[...] o Direito não pode fechar os olhos para a sociedade, sob pena da sociedade fechar os olhos para o direito” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 241). É notório que o que impera no Direito de Família fático e legal (porém não devidamente positivado), é que o afeto é o principal formador e mantenedor da família, sempre se soube, mas nunca dado o real valor que o 20 mesmo dispõe, haja vista que a família do passado tinha características próprias para sua existência, qual seja, procriação e patrimônio. Logo, pouco importava o afeto, importava seus objetivos, afinal a manutenção da família como supraexposto era muitas vezes a manutenção a qualquer custo, tendo em vista a indissolubilidade do matrimônio e o não reconhecimento do afeto. 1.2 Fundamentos Constitucionais do Direito de Família 1.2.1 A família na Constituição da República Federativa: as novas formas de família “Uma vez que havia ainda, vinculo entre a igreja e o Estado, o casamento religioso, segundo a Constituição de 1824, era a exclusiva fonte formal da família” (NICODEMOS, 2014). Com o advento da Constituição de 1891 e 1824, consagra o Estado laico, instituindo o casamento civil, sendo este processo gratuito. Assim, o casamento civil passa a ser o único meio legítimo de constituir família retirando se o valor jurídico do casamento religioso (NICODEMOS, 2014). Na Constituição Federal de 1934 como consequência do Estado social brasileiro o Estado assume a obrigação de amparar as famílias, bem como, reconhecia os efeitos civis do casamento religioso e pregava a indissolubilidade do casamento, sendo este desfeito somente pela anulação ou desquite. Embora fosse previsto a igualdade dos sexos, a Lei dispunha sobre condições de chefia da sociedade conjugal e pátrio poder (NICODEMOS, 2014). Já na Constituição de 1937, que teve como influência a Constituição polonesa, não estendeu os efeitos civis ao casamento religioso, tornando-se assim novamente o casamento civil o único meio de construção familiar (NICODEMOS, 2014). A Constituição de 1946 equiparou os efeitos do casamento civil ao religioso com a garantia de proteção estatal. “Nesse sentido, o casamento válido e indissolúvel, religioso ou civil, era o único modo pelo qual se formava família” (NICODEMOS, 2014). Na Constituição de 1967, não houve alterações constitucionais no que abrangia as famílias. “Entretanto, em 1977, após a emenda constitucional nº. 1, de 1969, foi aprovada a Lei do Divórcio” (NICODEMOS, 2014). 21 Com a Constituição de 1988, inaugura-se o Estado Democrático de Direito, no qual o maior fundamento é a dignidade da pessoa humana. Diante de tantas inovações, sejam sociais ou religiosas, a Constituição Federal precisou passar por mudanças para poder acompanhar a evolução social. Hoje a família tem total atenção do Estado; os filhos são considerados iguais, com os mesmos direitos, sejam consanguíneos ou adotivos; assim como os casados e os companheiros também gozam dessa igualdade jurídica na direção da família (QUEIROZ, 2008, p. 184). O casamento civil ou religioso com efeitos civis deixou de ser com exclusividade a única forma de se constituir família, tendo em vista que a Constituição Federal reconheceu a união estável entre homem e mulher. Além disso, trouxe vários princípios a serem aplicados no Direito de Família, por exemplo, o da dignidade da pessoa humana; o da solidariedade, o da igualdade e o da efetividade, notadamente. Sendo assim, a família deixou de ser patriarcal para tornar-se nuclear, o pátrio poder foi extinto e deu lugar para o poder de família. Na esfera social, a mulher e os filhos passam a constituir força de trabalho, assim, as funções familiares deixam de ser delineadas (NICODEMOS, 2014). A família vem apreciada na Constituição Federal brasileira atual, em especial em seu artigo 226, sendo este um rol apenas exemplificativo de formas de estruturas familiares, o que deixa claro, o foco sobre o ligamento afetivo entre os indivíduos que a compõe. “Portanto, a constituição de 1988 deixa de proteger o casamento para proteger a instituição familiar, seja ela derivada do matrimônio ou não” (NICODEMOS, 2014). [...] Também sobre a família o pluralismo vem estender seu manto libertador, não apenas para autorizar famílias diversas entre si, mas, sobretudo para reconhecer que o direito não deve proteger a família, como grupo de pessoas, mas a pessoa, de quem a família são expressão [...] (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p.160) Atualmente, a Constituição Federal, tipifica expressamente três formas de família: matrimonial, decorrente de união estável e a família monoparental, sendo este rol meramente exemplificativo, pois a doutrina entende este dispositivo constitucional como um rol exemplificativo e não discriminatória. a) Família Matrimonial: A família matrimonial é a família decorrente do casamento monogâmico. Já o casamento, é a forma originária de constituição 22 da família, de forma formal e solene, pois se exige alguns requisitos, quais sejam: diversidade de sexo, consentimento e ser celebrado por autoridade competente. Os sujeitos desta relação são denominados cônjuges. Entretanto, é possível a extensão de efeitos civis ao casamento religioso. Para isso é necessário que seja efetuada habilitação e o registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. O atual Código Civil trouxe inovações, dentre elas o comando da família entre os cônjuges, a fixação do domicílio conjugal por ambos e paridade de direitos e deveres aos cônjuges. Além disso, não se exige mais a prévia separação ou mesmo posterior a separação de fato para dissolver o casamento pelo divórcio. Através da Emenda Constitucional 66/10 dissolve-se o casamento diretamente e ainda a Lei nº. 11.441/2007 disciplinou o divórcio extrajudicial, através de escritura pública, isso é, se não houver filhos menores ou incapazes e os cônjuges deverão ser auxiliados por um advogado. No vácuo deixado pelo declínio das famílias matrimoniais, cresce a legitimidade social não apenas das uniões estáveis, mas das famílias monoparentais, uniões homoafetivas, famílias reconstituídas e todo um mosaico de novas formas de convivência afetiva que não se enquadram nas categorias préfixadas pelos institutos de estatísticas [...]. (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p.158) b) Família decorrente de União Estável: A união estável nada mais é do que um casamento simplificado e informal, decorrente da convivência contínua e duradoura entre dois indivíduos que coabitam denominados companheiros, com o objetivo de constituição familiar. Podendo esta, ser convertida em casamento. Essa forma de união sempre existiu em nossa sociedade. Porém, marcada pelo conservadorismo preconceituoso e disciplinada por uma legislação fundada nos costumes e tradições do final do século XIX e início do século XX, que só concebia a constituição de família única e exclusivamente pelo casamento, essas uniões foram repudiadas e discriminadas. Foram décadas e décadas de luta por aqueles casais que sofriam a discriminação e marginalização pelo Estado em razão da opção por esta espécie de família. (QUEIROZ, 2008, p. 186) Prevista em nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º que dispõe que: 23 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. [...] O Código Civil de 2002, em seu artigo 1723 trás três requisitos para se reconhecer a união estável entre homem e mulher, sendo: convivência pública, contínua e duradoura, com o animus de constituir família. Na união estável, não há celebração do casamento, porém os companheiros se expõem perante a Sociedade com o status de casados, pois eles têm os mesmos deveres que se casados fossem. Uma questão muito discutida é saber se a Constituição familiar quis equiparar a união estável ao casamento. O entendimento que prevalece na doutrina é o de que o texto constitucional não equiparou a união estável ao casamento, uma vez que o próprio legislador diz que a lei deverá facilitar a sua conversão em casamento, onde podemos concluir que, se pode converterse em casamento, não tem a mesma natureza (QUEIROZ, 2008, p. 188). Entretanto, devemos diferenciar o tratamento jurídico conferido a união estável e ao casamento embora ambos tenham tutela estatal. c) Família decorrente de União Homoafetiva: Trata-se da família formada por indivíduos do mesmo sexo. Inicialmente cabe ressaltar que é devido ao principio da afetividade que a expressão “união homoafetiva” é utilizada, pois os indivíduos que configuram tal relação familiar são interligados pelo afeto e não pela sexualidade (PEREIRA, 2013, p. 246). Diante disso e diante das alterações que nossa sociedade vem passando ao longo dos tempos, a família oriunda de uma união entre homossexuais também deve ser considerada no cenário das relações familiares atuais, mesmo porque, mais uma vez está presente o principio da afetividade, onde os membros da família estão vinculados a laços de afeto recíproco (QUEIROZ, 2009, p. 189). d) Família decorrente de Concubinato: “Na Roma antiga, tal forma de relacionamento era considerado um casamento de segunda classe, uma união inferior ao casamento, porém, de natureza lícita, nada tendo de torpe ou reprovável” (QUEIROZ, 2008, p. 186). 24 Era o concubinato dividido em duas espécies: puro, quando os concubinos não tivessem impedimentos para contrair matrimônio; impuro ou espúrio, quando um dos concubinos ou os dois possuíssem impedimentos legais para convolar núpcias. Este último divide-se, ainda, em incestuoso, quando há relação de parentesco entre os conviventes; e adulterino, quando um ou ambos fossem casados com terceiros (QUEIROZ, 2008, p. 186). Atualmente o concubinato nada mais é do que a família formada por pessoas impedidas de se casar. São aplicados na união estável os mesmos requisitos de impedimentos do casamento, ou seja, um casal de concubinos, não poderá compor uma união estável, tampouco pedir sua conversão em casamento. A união estável reconhecida pela Constituição Federal nada tem a ver com o concubinato (no sentido vulgar, por ex., do art. 1.719, III, do CC), mas da união livre entre homem e mulher, sem vínculo jurídico, onde não há impedimento legal e, por isso mesmo, passível de conversão em casamento (nos estritos termos do art. 226, § 3°, da CF) (LEITE, 1991, p.40 apud QUEIROZ, 2008, p. 186). e) Família Monoparental: A família monoparental está prevista na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, §4º, que já trás expressamente o conceito do que vem a ser família monoparental. Se não vejamos: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. É evidente que o legislador constitucional originário, que tinha total liberdade para legislar, não estando vinculado a nenhuma norma anterior existente procurou espelhar-se na realidade vivida pela Sociedade, daquele casal que já possuiu um matrimônio ou união informal, para não criar uma norma fria, sem qualquer consequência prática. (QUEIROZ, 2008, p. 188) Essa modalidade de família pode ser oriunda de: adoção unilateral, viuvez, divórcio, não reconhecimento da prole, inseminação artificial, dentre outras. 25 1.2.2 Princípios constitucionais norteadores do Direito de Família contemporâneo Antes de adentramos propriamente nos princípios do Direito de Família, importante se faz esclarecer o que são princípios e qual sua função, para melhor entendimento e visualização de sua importância. [...] Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas (ALEXY, 2008, p. 90-1 apud GAGLIANO, 2014, p. 73). Em outras palavras princípios são chaves mestres que são utilizados para resolver omissões dentro de normas positivadas, que não conseguem e nem poderiam prever todas as situações fáticas existentes, ou seja, deixando lacunas jurídicas o que teoricamente impediria o julgador de proferir seu julgamento, pois este só pode julgar nos limites permitidos pela Lei, pois seu julgamento deverá ser fundamentado, sob pena de nulidade (artigo 93, IX, da Constituição Federal), porém, é sabido que o mesmo não pode eximir-se de julgar, por mais difícil e complexo que seja o caso concreto. A principal função do princípio é cumprir a intenção legal da norma no caso de omissão. Art. 93. [...]: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]. [...]. A Lei nº. 4.567 de 4 de setembro de 1942, denominada: Lei de Introdução ás Normas do Direito Brasileiro, em que trata da aplicação das normas brasileiras no caso concreto, em seu artigo 4º e 5º dispõe que: Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 26 Ou seja, a intenção do legislador é evidente, de que os princípios existem para a efetivação dos fins sociais em caso de omissão legal, e no Direito de Família não é diferente. Afinal, “se vivemos na “era dos direitos” e não conseguimos concretizálos em nossa práxis, corremos serio risco de hipertrofia, ou seja, de cairmos na vala comum das boas intenções, sem qualquer consequência prática” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 184). O Direito de Família contemporâneo reger-se-á pelos seguintes princípios: a) Princípio da ratio do matrimônio e da união estável: o alicerce do casamento e da comunhão plena de vida é a afeição entre os cônjuges ou companheiros, sendo desconstituída a união estável, o divórcio ou mesmo a separação um efeito da extinção do affectio, impossibilitando a comunhão plena de vidas, umas vez que esta não pode ser reconstituída (DINIZ, 2010, p. 19). b) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros: De acordo com o artigo 226, §5º da Constituição Federal “os cônjuges devem exercer conjuntamente os direitos e deveres relativos à sociedade conjugal, não podendo cercear o exercício do direito do outro” (DINIZ, 2010, p. 21). c) Princípio da igualdade jurídica entre todos os filhos: “O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual de vida” (PERLINGIERI, 2008, p. 973 apud BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010,p. 185). d) Princípio do pluralismo familiar: A família é sem sombra de dúvidas a base de todo ser humano, sendo o Estado formado por indivíduos, a família se torna base do Estado. Ocorre que, que existem várias formas de constituição e configurações familiares, até mesmo por estarmos em um Estado Democrático de Direito, devendo então, todas estas ter liberdade normativa para poder existir, e logo, gozar da proteção do Estatal. O principio da PLURALIDADE DAS FORMAS DE FAMÍLIA é a constatação e o reconhecimento de que novas estruturas parentais e conjugais estão em curso. O Direito não pode desconsiderar isto. Este princípio se insere no atual contexto e reflexão, se é possível a formação de famílias “isosexuais” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 49). 27 e) Princípio da consagração do poder familiar: substitui o poder marital e paterno. O poder familiar é um poder-dever (DINIZ, 2010, p. 23). “Em razão disto, as decisões passam a ser compartilhadas entre o casal e, ato contínuo, passa a mulher ter direito de gerir a sociedade conjugal conjuntamente com seu marido” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al , 2010, p. 240). “O poder familiar engloba um complexo de normas concernentes aos direitos e deveres dos pais relativamente à pessoa e aos bens dos filhos menores não emancipados” (RODRIGUES, 2002, p. 361 apud DINIZ, 2010, p. 569). f) Princípio da liberdade: Consiste no princípio que dá liberdade tanto para a configuração familiar (heterossexual ou homossexual) como também na forma de constituição desta família (casamento ou união estável). Trata-se da não intervenção estatal na família, exceto: [...] Intervindo o Estado apenas em sua competência de propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito; na convivência conjugal; na livre aquisição e administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1642 e 1643) e opção pelo regime matrimonial mais conveniente (CC, art. 1639); na liberdade de escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole (CC, art. 1634); e na livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família. (DINIZ, 2010, p. 23) g) Princípio do respeito da dignidade da pessoa humana: se trata de um dos mais importantes princípios do Direito, sobretudo, do Direito de Família, afinal, este princípio combinado com o princípio da afetividade foi o responsável por incluir as mais diversas formas de família e filiações na ordem jurídica (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al ,2010). Afinal, “a dignidade humana pressupõe, entre outros requisitos, não estar assujeitado ao desejo do outro” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 47). h) Princípio do superior interessa da criança e do adolescente: Este princípio leva em conta o que vem a ser melhor para a criança e/ou adolescente, quem lhes proporcionará melhores condições financeiras e psicológicas para o seu desenvolvimento, sendo desvinculada da questão biológica e estando profundamente atrelado ao princípio da afetividade. “É este princípio, associado à dignidade e ao princípio da afetividade, que fez nascer 28 novos institutos jurídicos como a guarda compartilhada e a parentalidade socioafetiva” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 48). i) Princípio da afetividade: “O afeto torna-se um valor jurídico, a partir do momento que as relações de família deixam de ser essencialmente um núcleo econômico e de reprodução” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 49). “Brasil afora, proliferam modos renovados de viver a sexualidade e o amor, com impressionante fluidez e variedade” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 158). [...] O sangue e o afeto são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar [...] (PERLINGIERI, 2008, p. 973 apud BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010,p. 185). Afinal atualmente a manutenção das famílias não é mais a qualquer custo, pois tem o caráter satisfatório e afetivo dos membros desta. “[...] Uniões livres se formam onde os parceiros, sem prejuízo de sua estável afetividade; admitem experiência com pessoas diversas, como modo de alcançar a máxima realização na sua vida sexual [...].” (BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER et al, 2010, p. 158). É preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si mesmo, mas o meio para a busca da felicidade, ou seja, da realização pessoal de cada indivíduo, ainda que existam - e infelizmente existem – arranjos familiares constituídos sem amor (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 45). Ver-se-á no subtítulo seguinte a importância do presente princípio para a constituição e manutenção das famílias, uma vez que, sem o afeto torna-se insuportável a vida em comum, pois é o afeto que une os indivíduos e mantém o relacionamento. 1.3 O afeto como formador e mantenedor da família contemporânea “Base do Direito de Família Moderno, o principio da afetividade tem suas raízes no que se entende por amor o qual, embora totalmente abstrato e subjetivo, encontra-se como um dos pilares do ambiente familiar” (PEREIRA, 2013, p. 246). 29 De fato, interpretar o Direito de Família, nesse panorama de observância do principio da afetividade, significa, em especial – mais do que aplicar ao caso concreto uma interpretação simplesmente reacional-discursiva-, compreender as partes envolvidas no cenário posto sob o crivo judicial, respeitando as diferenças e valorizando, acima de tudo, os laços de afeto que unem os seus membros (PEREIRA, 2013, p. 246). Portanto, o afeto atualmente é o principal formador e mantedor da família, embora, ele não esteja previsto expressamente na Constituição Federal como princípio fundamental, ele encontra-se tacitamente dentro do princípio da dignidade humana que é o fundamento da democracia e base incrustada em todo nosso direito, principalmente o Direito de Família. É do princípio da dignidade que surge a despatrimonialização do Direito de Família evidenciando aspectos existenciais bem como a personalização da configuração familiar de acordo com o afeto de cada indivíduo. Afinal deve o Estado dar especial e efetiva tutela as famílias, independente de sua espécie. Busca-se desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o projeto familiar fulcrado no afeto, solidariedade, confiança, respeito, colaboração, união, de modo a propiciar o pleno e melhor desenvolvimento da pessoa de cada integrante inclusive sob o prisma dos valores morais, éticos e sociais (FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 218). “Nesse sentido, é fato que a entidade familiar passou a ser meio de realização da dignidade e das potencialidades de seus membros, de forma a ser funcionalizada em razão da dignidade de cada um de seus integrantes” (GAMA; GUERRA, 2007, p. 157 apud FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 217). O que se observa na contemporaneidade, é uma flexibilização do Direito para compreender, mais adequadamente, a realidade social. O direito abre-se para a complexidade e para a interdisciplinariedade, a fim de compreender as relações humanas em sua inteireza [...] (BAPTISTA DOS SANTOS, p. 96, 2011 apud FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 213). Com o auge do princípio da dignidade humana no âmbito familiar, o afeto atinge o estado utópico, no qual, a união não é mais “o que Deus uniu o homem não separa” atualmente é “que seja eterno enquanto dure”, pois ninguém mais é obrigado a permanecer em uma relação descontente e sem existir mais afeto entre os indivíduos. 30 Sob esse prisma, o direito moderno já cuida do “direito a felicidade”, conferindo inegável enfoque jurídico ao amor, à afetividade, cujos laços repercutem na orbita jurídica, evidenciando que os vínculos subjetivos estabelecidos pelo afeto tem condão não apenas de implementar preceitos constitucionais que norteiam o direito de Família, se não também de permitir ao individuo buscar sua identificação pessoal em fontes outras que vão além do mero vínculo biológico (FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 217). A principal característica do afeto é a espontaneidade, ao qual se escolhe a pessoa que quer estar junto, e quando não mais existir afeto, está livre para terminar a relação. Hoje, o afeto é o responsável por criar, manter e extinguir uma família. “A realidade é que a família se transformou e hoje não mais se sustenta pelo vinculo biológico” (FROÉS; TOLEDO, 2013, p. 205). [...] subsiste uma unidade originaria entre liberdade e responsabilidade: a liberdade na família encontra unidade e nos relativos deveres não tanto o limite, mas, sim, a função, o fundamento da sua própria titularidade. O sangue e o afeto são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exerce, cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem m uma comunhão espiritual de vida (PERLINGIERI, apud BARBOSA; BIRCHAL; SCHREIBER, 2010, p. 185). Em outras palavras o afeto nada mais é do que um combustível para o relacionamento, enquanto estiver limpo e sem adulterações, o relacionamento caminhará bem. Já quando este é adulterado pelo ódio, rancor, pressão, falta de afeto notadamente, o mesmo não mais caminhará. Ver-se-á no próximo capítulo, aspectos da homossexualidade, com o desígnio de melhor compreendê-la. 31 CAPÍTULO 2 ABORDAGEM SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE 2 Conceito de homossexualidade e demais sexualidades Etimologicamente a palavra homossexual vem do (do grego antigo ὁμός (homos), igual + latim sexus = sexo). Refere-se à característica humana, ou não, de quem sente atração de algum tipo por outro ser do mesmo sexo. (WIKIPÉDIA, 2013). Trata-se de, em nosso sentir, de um modo de ser, de interagir, mediante afeto e/ou contato sexual com um parceiro do mesmo sexo, não decorrente de uma mera orientação ou opção, mas, sim, derivado de um determinismo cuja causa não poderia se apontar (GAGLIANO; PAMPOLONA FILHO, 2014, p. 482). A palavra homossexual é utilizada tanto para identificar homens que sentem atração e afetividade por homens, quanto, mulheres que sentem atração e afetividade por mulheres. Alguns estudiosos evitam usar a palavra homossexual, devido a sua história clínica e porque trata apenas de um tipo de comportamento sexual (antônimo aos sentimentos românticos), logo, tem uma conotação negativa. Já os bissexuais são indivíduos que sentem atração e se envolvem afetivamente com pessoas de ambos os sexos, ainda que com preferência por algum sexo. Os transexuais são indivíduos que desde criança não aceitam seu sexo biológico. O corpo físico não condiz com seu emocional, o que os levam a adequar seu corpo ao seu sexo psicológico, principalmente através da cirurgia de redesignação sexual (mudança de sexo). Quanto aos travestis, são indivíduos que não tem problema com seu sexo biológico, porém se vestem e agem como indivíduos do sexo oposto, não procuram a cirurgia de redesignação sexual, pois são gratos sexualmente com seu sexo. A transidentidade trata-se de um indivíduo que temporariamente ou permanentemente abraça o comportamento e os atributos do gênero em contradição com seu sexo genital. 32 Os intersexuais são os indivíduos hemafroditas, que nada mais são do que pessoas com as duas genitálias, podendo-se reconhecer como homem ou mulher. Atualmente, há quem defenda ter surgido uma nova sexualidade, os heteroflexíveis, para designar indivíduos que ocasionalmente tem envolvimento afetivo e/ou sexual com ambos os sexos para descobrir sua sexualidade. Porém, a mera curiosidade não justifica a criação de tal modalidade de sexualidade. Há também os Crossdresser, indivíduos que ocasionalmente gostam de se vestir do sexo oposto. Isso não significa que sejam homossexuais ou bissexuais, pois os crossdresser não necessariamente influem na orientação sexual do indivíduo. 2.1 Breve histórico da homossexualidade Havia prostituição de homossexuais homens na cidade-estado de Babilônia. Na China, durante a dinastia Zhou o casamento e o amor eram coisas que talvez não se misturasse, ou seja, havia casamentos sem sentimento. O amor poderia ser suprido fora do casamento, inclusive por pessoa do mesmo sexo. Na maioria das vezes ocorria entre homens de classe social distinta, assim, o de classe elevada assumia o polo ativo da relação e o de classe inferior polo passivo (DIAS, 2014). Durante a antiguidade, o sexo entre homens era encarado de forma natural, porém, quem ocupava o polo ativo da relação era mais valorizado. Na cultura ocidental a homossexualidade sempre foi aceita, pois era considerada uma evolução da sexualidade (DIAS, 2014). A pederastia como também era denominada a homossexualidade, ocupava seu lugar na sociedade como um ritual sagrado. Embora com todo o liberalismo da época com relação ao amor entre homens, devido ao machismo, somente era dado valor ao polo ativo da relação, pois se caracterizava o polo ativo como conduta masculina e o polo passivo como conduta feminina. 33 Na Grécia a bissexualidade se encontrava em um contexto social e a preferência pela heterossexualidade era de certa forma inferior, pois priorizava e tinha como finalidade a perpetuação da espécie humana (procriação). A homossexualidade era considerada uma necessidade natural, sendo restringida a ambientes cultos e como forma de manifestação da libido, sendo privilégio dos bem-nascidos, pois não era considerada imoral. Qualquer indivíduo poderia ser ora homossexual ora heterossexual, pois a importância na relação homossexual estaria na posição ocupada dentro do relacionamento, pois ser o ativo da relação era ser o dono de si e o passivo submisso como as mulheres (DIAS, 2014). Em Esparta, dava-se mais importância ao desenvolvimento militar, logo o amor entre indivíduos do mesmo sexo tinha enfoque diferente. Ao contrário do que se pode imaginar, este era incentivado dentro do exército, meramente por uma questão de eficiência. A explicação é de que quando o soldado fosse para a guerra, não estaria lutando apenas pelo sua cidade-estado, estaria lutando também para defender o seu parceiro, na qual mantinha relação física e espiritual, consequentemente o compromisso e dedicação eram maiores. A homossexualidade aceita era a masculina sendo considerado rito de iniciação sexual de adolescentes sendo estes chamados de “efebos” ou “preceptados”, para o jovem era uma honra ser escolhido por um “preceptor”, sendo este mais velho e com grande sabedoria. Os “preceptados” deveriam servir de mulheres para o perceptores e aqueles jovens que negassem a serem “preceptados” eram denominados/considerados desviantes (DIAS, 2014). Os gregos e em diversas outras culturas aceitavam o homossexualismo, sendo este ritualizado. Tinha-se a crença que na puberdade os jovens se identificavam com sua genitora, fase abandonada pelo ingresso do jovem ao homossexualismo, na qual o jovem se integrava a comunidade masculina. O jovem só poderia manter relação sexual com pessoa do sexo oposto após ser considerado adulto. A relação homossexual tinha caráter meramente iniciatório, sendo restringida ao preceptor e ao preceptado ainda impúbere. A sodomia, como era denominada as relações homossexuais em Roma não eram ocultadas, pois era vista com naturalidade, e possuíam o mesmo nível da relação entre casais. O preconceito eram com relação a quem assumia a passividade da sodomia, pois esta era considerada debilidade de caráter, 34 sendo-lhe recaída a censura, pois era clara a ligação entre masculinidade e poder enquanto que a passividade era relacionada com feminilidade e carência de poder. Cabe salientar ainda que sempre a homossexualidade masculina foi mais rejeitada por haver perda de sêmen. O relacionamento entre mulheres era mera lascívia, pois consideravam a sexualidade delas menos perigosas, há poucos registros históricos de homossexualidade feminina, haja vista que seu objetivo não era integração a sociedade e sim satisfação sentimental (DIAS, 2014). No Brasil, até 1821, o exercício da sexualidade homossexual era crime, sendo no final do século XIX considerado como doença. No Brasil em 1984 a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) posicionou-se contra a discriminação informando que a homossexualidade não causa prejuízos a sociedade e deixou de considerar a homossexualidade como desvio sexual. No ano seguinte, o Conselho Federal de Psicologia (CPF), deixou de posicionar a homossexualidade como um desvio sexual. Em 17 de Maio de 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS) extinguiu a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, a Classificação Internacional de Doenças (CID). Esta data passou a ser celebrada como Dia Internacional Contra a Homofobia (MOTT, 2006; BRAZILIENSE, Correio, 2010 apud WIKIPÉDIA, 2013). Finalmente em 1991 a Anistia Internacional passou a prever a discriminação, tendo vítimas homossexuais, uma afronta aos Direitos Humanos. A primeira manifestação a favor da liberdade sexual, bem como buscar a aceitação desta nova realidade, foi em Copacabana/RJ no ano de 1996. 2.1.2 A origem do preconceito sexual Preconceito é um juízo antecipado de um conceito sem o mínimo conhecimento. Existem inúmeros alvos de preconceitos. No tema em tela o preconceito é sexual por não se sujeitar aos padrões biológicos impostos pela Sociedade em relação ao exercício da sexualidade. Já a discriminação é a evolução do preconceito, no qual há uma conduta positiva. 35 Na história das religiões, registros apontam a permissão da liberdade sexual, pois nos templos de Fenícia, Mesopotâmia, Egito e Índia, era considerado como um culto religioso praticado entre os homens que eram devotos. Com o surgimento do Cristianismo, a influência greco-romana esvaneceu, dando espaços ao mito Sodoma e Gomorra, principalmente nas religiões judaico-cristãs que era o principal argumento dos que se posicionavam contrários ao homossexualismo. O cristianismo classificou o sexo como pecado, sendo perdoado apenas no âmbito matrimonial e com finalidade exclusiva a da procriação. Como consequência, a partir deste momento a monogamia e a virgindade com relação às mulheres são consideradas virtudes, significando pureza (DIAS, 2014). Na Idade Média, o casamento entre heterossexuais foi sacralizado, bem como, objetivando questões patrimoniais, daí passou então a ser sacramentado, ou seja, somente possuía valor e indissolubilidade se realizados pela igreja (DIAS, 2014). A virgindade era mais abençoada que o próprio casamento, já o prazer sexual era sinônimo de despudor, inclusive, dentro do casamento, haja vista que a igreja considerou que o sexo estava atrelado a divindade. Neste período a homossexualidade se encontrava mais concentrada em mosteiros e acampamentos militares. A igreja agia através da Santa Inquisição, para perseguir homossexuais, bem como aplicar-lhes as severas punições da época, pois havia o entendimento que a sodomia era o crime mais grave, inclusive que o incesto (DIAS, 2014). “O III Concílio de Latrão, de 1179, tornou a homossexualidade crime. O primeiro código ocidental prescreveu a pena de morte à sua prática” (DIAS, 2014, p. 50). O corpo normativo deste período criminalizava a sodomia, como era denominada até então a homossexualidade. A Igreja Católica condenava as relações de homossexuais, pois entende se tratar de perversão, aberração, pois está previsto na Bíblia em Levítico, capítulo 18 versículo 22: [...] o homem não se deitarás como se fosse mulher, é abominação [...]. Esta é a base expressa fundamental para a condenação da 36 homossexualidade, pelo menos no que tange o polo passivo da relação homossexual. A compreensão bíblica através da história de Adão e Eva deixa claro que a essência da família é o homem a mulher e sua prole. Essas são as duas justificativas que religiosos radicais e pessoas que levam ao pé da letra o escrito bíblico usam para agredir fisicamente e psicologicamente os homossexuais, sejam casais masculinos ou femininos. Afinal, “atitudes em descompasso com a maioria são consideradas em desarmonia com a vontade divina e, por consequência, as minorias devem ser castigadas por implícito atentado a Deus” (DIAS, 2014, p. 51). Não há duvidas que o maior preconceito com relação ao exercício da liberdade sexual fora dos “padrões” homem e mulher originam-se da religião, não sendo algo atual e sim um reflexo mantido do passado, senão vejamos: Dogmas que integram o ordenamento jurídico pelo largo período de quatro séculos forjou um caldo de cultura jurídicocatólico, cujos princípios remetem à exclusão de seres humanos da humanidade, em razão de suas práticas sexuais contradizerem preceitos religiosos (DIAS, 2014, p. 56). Em nosso país até a Proclamação da República, o cristianismo era a religião oficial, portanto, a religião católica teve maior influência no que tange ao restante das religiões. A Igreja Católica, somente aprova relacionamentos com a configuração heterossexual, pois prega que a homossexualidade é moralmente inaceitável, pois para a religião o sexo tem como fim somente a procriação, pois o prazer sexual é considerado pecado. Nossa atual Constituição Federal de 1988 trouxe dentre outros, o principio da laicidade, ou seja, cada indivíduo da Sociedade tem o direito à liberdade de professar e acreditar na religião que mais se identifique, ou mesmo, não adotar nenhuma religião. O que se tutela através deste princípio é a vedação estatal de impor qualquer crença religiosa a sua população. Esta previsão constitucional produz eficácia inclusive sobre o próprio Estado que deve ser religiosamente imparcial em sua atuação, na edição de normas e sua aplicação, visando única e exclusivamente à justiça humana, sendo balizado pela ciência e pelo bom senso e não por dogmas de qualquer religião, pois o artigo 5º, VIII, da Constituição Federal dispõe que ninguém será 37 privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política [...]. Entende-se, portanto, que há total independência entre Estado e religião, ou seja, que o reconhecimento de direitos, bem como, sua concessão, não se levará em conta critérios ou dogmas religiosos, estando o Estado livre para decidir e/ou normatizar, uma vez que, “numa sociedade em que domina uma religião, a moral e mesmo o direito nela se inspiram” (DIAS, 2014, p. 52). Entretanto é inegável, embora a laicidade do país que é devido respeito a toda e qualquer religião, sendo vedada a nível constitucional qualquer inviolabilidade com relação à religião, pois assim dispõe o artigo 5º, VI da Constituição Federal, se não vejamos: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. É certo de que as religiões tem como fim o amor ao próximo, e é certo também, que o grupo LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais) somente busca a inclusão social, bem como, o reconhecimento dos direitos naturais mais básicos do ser humano, quais sejam: a cidadania; o direito de constituir família; terem filhos e o principal, o direito de serem felizes! 2.2 Homossexualidade: a medicina e a genética O desenvolvimento do presente tópico se justifica para analisar que a homossexualidade não é uma mera inconformidade de uma minoria contra uma maioria como se fosse uma revolta, e sim uma luta para o reconhecimento de um direito subjetivo natural. O Direito como uma ciência não pode eximir-se de buscar auxilio em outras áreas para se promover justiça social e normativa, ou seja, não descriminar ou menos se esquecer de que tem pessoas, minorias, mas pessoas humanas que são diferentes da maioria, porém, credoras de dignidade e tutela jurídica, uma vez que não escolhem ser diferentes e sim se nascem diferentes. Afinal, quem escolheria fazer parte de uma minoria sabendo que há discriminação, humilhações, mortes, tudo em virtude de ser diferente da 38 maioria, em uma questão tão íntima e pessoal como o exercício da sexualidade. Analisar-se-á abaixo as principais áreas responsáveis por pesquisar biologicamente ou mesmo a questão comportamental da homossexualidade, a fim de demonstrar que o direito a liberdade sexual é um direito natural, ou seja, independente de previsão legal ela já nasce conosco, logicamente, todas as consequências jurídicas de Direito devem acompanhar tal direito natural, uma vez que o acessório segue o principal, ou seja, o direito a liberdade sexual é o núcleo principal e o direito a união estável, casamento dentre outros é a decorrência deste direito principal. Na medicina, considerando os dogmas religiosos, na idade média, consideravam que o homossexualismo causava diminuição das faculdades mentais, advindo de defeito genético. Por esta razão diversos médicos já tentaram curar os homossexuais, por meio de inúmeras e variadas técnicas, o que logicamente, não trouxe qualquer resultado. O objeto de estudo da medicina, não é a sexualidade em geral, e sim a fisiologia dos órgãos sexuais. Pesquisou-se o sistema nervoso central, os hormônios, seu funcionamento e nada se constatou de diferente entre homossexuais e heterossexuais, porém não existe estudos conclusivos no que tange a existência de diferenças de organismos entre homo e heterossexuais. A Classificação Internacional de Doenças (CID) classificava o homossexualismo como transtorno sexual. Em 1993 a Organização Mundial de Saúde incluiu a homossexualidade no Capítulo dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais. Etimologicamente o sufixo “ismo”, significa doença, sendo assim, após sua retirada do rol de doenças da CID, o sufixo ismo foi trocado pelo sufixo “dade” que significa modo de ser (DIAS, 2014). Já na genética, os cientistas buscam através de pesquisas descobrirem qual gene que Pesquisadores homossexuais opera no neurocientistas, masculinos tem desenvolvimento descobriram a metade da que do homossexualidade. o hipotálamo tamanho dos dos homens heterossexuais, portanto, guardam semelhanças com o hipotálamo feminino. Cada vez mais se chega à conclusão de que a homossexualidade possui origens biológicas, pois também há estudos, que identifica o desenho digital de homossexual mais parecido com os da feminina do que da masculina. Levando 39 a analisar que a homossexualidade integra a estrutura biológica humana (DIAS, 2014). Busca-se identificar a origem da homossexualidade, pois esta manifestação sexual ainda é marginalizada e há discriminação por parte da Sociedade. Docentes da Universidade de Amsterdã, afirmam que a homossexualidade estaria ligada com uma mudança hormonal e na formação do cérebro. Sugere que a sexualidade é determinada no útero materno, e não uma escolha individual. Já no 21º Encontro da Sociedade Européia de Neurologia, afirmou-se baseado em tomografias computadorizadas, que a sexualidade não é uma opção, pois é necessariamente neurobiológica ao nascimento. Porém, os críticos a teoria genética, imputam o fato de gêmeos univitelinos, que tem genética idêntica, pois se originam do mesmo óvulo, não teria a possibilidade de possuírem sexualidades diferentes, o que ocorre. Atualmente, é consensual o caráter de fatores biopsicossociais determinantes da sexualidade (DIAS, 2014). Há indícios, de possibilidade de influência genética na orientação sexual, porém não há conclusão destes estudos, portanto, é errôneo classificar a homossexualidade como opção, uma vez que, ninguém escolhe traços genéticos. Como se pode observar não se trata de escolha e/ou vontade para ser homossexual, pois é algo involuntário, logo, não é um comportamento rebelde para aparecer ou provocar a Sociedade ou querer ser do contra propositalmente, tendo em vista, que não é fácil o próprio indivíduo aceitar-se como homossexual, é um sentimento interno de sofrimento e de indiferença dos outros da mesma espécie e do mesmo sexo. No início é torturante, pois na infância já se tem vestígios do indivíduo homossexual, a primeira barreira aparece logo na escola, com os colegas chamando de “viadinho” dentre outras coisas, sem mesmo saber o que estão falando, ou se é verídico as afirmações acerca do colega, mas essa repressão logo na infância, inconscientemente, fica na cabeça da criança. Mais tarde se for mesmo homossexual, a indignação vai se acumulando, e gerando inconformismo, preconceito interno contra si mesmo, já que a escola é o primeiro ambiente social em que aprendemos a conviver, podemos chamar 40 de uma Pré-Sociedade, onde talvez a matéria escolar em si não seja o mais importante, pelo menos nos primeiros anos, e sim o contato uns com os outros para aprender socializar-se e respeitar a diversidade, para na hora certa, ser inserido de fato na Sociedade. Concluir-se-á este tópico com a brilhante fundamentação do Senhor Ministro Ayres Britto (relator) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ, em um de seus tópicos da fundamentação diz: [...] II - Não se prestando como fator de merecimento inato ou de intrínseco desmerecimento do ser humano, o pertencer ao sexo masculino ou então sexo feminino é apenas um fato ou acontecimento que se inscreve nas tramas do imponderável. Do incognoscível. Da química da própria natureza. Quem sabe, algo que se passa nas secretissimas confabulações do óvulo feminino e do espermatozóide masculino que o fecunda, pois o tema se expõe, em sua faticidade mesma, a todo tipo de especulação metajurídica. Mas é preciso aduzir, já agora no espaço da cognição jurídica propriamente dita, que a vedação de preconceito em razão da compostura masculina ou então feminina das pessoas também incide quanto à possibilidade do concreto uso da sexualidade de que eles são necessários portadores. Logo, é tão proibido discriminar as pessoas em razão de sua espécie masculina ou feminina quanto em função da respectiva preferência sexual (BRITTO, 2011, p. 23, grifos nossos). 2.3 A importância da dignidade sexual e sua tutela jurídica Ao longo da evolução da humanidade e de acordo com a cultura e a época a homossexualidade já foi aceita, consentida ou cassada. Quando vista como qualidade tinha o fundamento de melhora da Sociedade, quando era cassada apresentavam o fundamento que era pecado ou que continha doenças, sendo em certos lugares proibidos por Lei. (HUTTE, [20--?] apud WIKIPÉDIA, 2013). A legalidade da homossexualidade ainda tem diferenças extremas de país para país. Enquanto em alguns já se é permitido juridicamente o casamento entre indivíduos do mesmo sexo, em outros são considerados crimes com penas pesadas e inclusive a pena de morte (WIKIPÉDIA, 2013). Antes de adentrar propriamente no mérito deste subitem cabe trazer um conceito do que vem a ser dignidade. 41 “Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de viver plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias – estatais ou particulares – na realização dessa finalidade” (GAGLIANO, 2014, p. 76). A dignidade da pessoa humana é o alicerce de todos os Direitos Fundamentais, sendo considerada um sobredireito, ou seja, um direito que é fundamento e disciplina outros Direitos, pois é o fundamento do Estado Democrático de Direito e é sobre o prisma da dignidade da pessoa humana e sob esta direção que devem ser feitas todas as interpretações com relação ao direito positivado (SOUZA, 2011, p. 219). A dignidade humana será, portanto, a referência, sendo ainda a fonte de todos os demais direitos. A dignidade é inerente à essência do ser humano. Integra a dignidade, não apenas os atributos físicos e psíquicos, mas também todos os direitos acrescidos ela convivência social. Deste modo, a liberdade, sua imagem, sua intimidade, sua consciência, seu pensamento, sua inteligência, enfim, tudo que expressa um valor e faz do homem, não um mero existir, mas uma pessoa que tem domínio sobre a própria vida, devem ser respeitados (NUNES, 2002, sem pagina, apud SOUZA, 2011, p. 221). A dignidade da pessoa humana está presente em todas as vertentes do indivíduo: moral, religioso, sexual, social, dentre outras, pois ela é inerente ao ser humano, e este é um ser complexo e de várias facetas. Existe diferença entre sexo e sexualidade. Sexo em sentido amplo diz respeito ao gênero, ou seja, masculino e feminino, portanto concluir-se-á que este é ligado ao caráter físico-biológico, determinado simplesmente pelo fato do indivíduo possuir pênis ou vagina, pois não existe um terceiro sexo. Já o sexo em sentido estrito, se refere à relação sexual, porém, é muito tênue identificar quando nos referimos a um ou outro, o que identifica o sentido da palavra sexo é o seu contexto. A sexualidade por sua vez é a forma com a qual o indivíduo vai exercer a satisfação de sua libido (física e espiritual), ou seja, é algo subjetivo do indivíduo para satisfazer sua necessidade sexual, bem como, satisfazer sua carência afetiva. No que refere à afetividade, amor e prazer poderá ser com um indivíduo do mesmo sexo (relação homossexual) ou de sexo diferente (relação 42 heterossexual), ou ainda, possuir satisfação física e emocional com ambos (relação bissexual). A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º que trata dos objetivos do Estado brasileiro, inciso IV: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Por esse inciso é compreendido que este dispositivo se destina aos legisladores, para que não discriminem na edição de Normas os grupos minoritários da sociedade. Juridicamente falando quem promove o bem de todos normativamente são os legisladores que editam e positivam Leis para garantir a eficácia erga omnes, isto é, a exigibilidade de direito positivado perante a toda a Sociedade. Logo em seguida, o artigo 5º, caput da Constituição Federal dispõe: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade [...]”. Claramente o Poder Constituinte Originário, quis garantir dentre outros, a inviolabilidade do direito a liberdade, seja ela de locomoção, de expressão ou mesmo sexual. Quando trás a expressão “todos são iguais perante a Lei”, o legislador garante o direito e não condiciona como ele vai ser exercido, ou seja, o objeto jurídico tutelado é a liberdade, sendo uma de suas vertentes a sexual, no qual a escolha do parceiro (a) cabe exclusivamente a cada indivíduo seja ela exercida por indivíduos heterossexuais, bissexuais ou homossexuais, não podendo a norma discriminar a favor de um e desfavor de outro. O direito a dignidade sexual é inerente à personalidade do indivíduo, e esta começa desde o seu nascimento com vida, momento em que adquire a sua personalidade jurídica, se tornando sujeito de direitos e deveres, conforme dispõe o artigo 2º do Código Civil, portanto, deve ser respeitado, quando começam a surgir os primeiros sinais de que a sexualidade do indivíduo é diferente das demais crianças. Já a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu primeiro artigo traz expresso o valor da dignidade de pessoa humana, pois afirma que todos nascem iguais e livres tanto em dignidade quanto em direitos. Em seu artigo 2º fica expressa a exigibilidade dos Direitos Humanos a qualquer indivíduo, independente de sexo, religião, cor dentre outras. Fica 43 evidenciado no presente artigo o Princípio da Universalidade dos Direitos Humanos, seja no sentido de universalidade territorial, seja no sentido universalidade no sentido de todos os seres humanos estarem tutelados por eles. De suma importância é o artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois nele é previsto a igualdade jurídica dos indivíduos, garantindo total proteção contra qualquer discriminação que violar os direitos ali encartados como humanos. Artigo 7° - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Por fim, em seu artigo 19º, traz garantido o direito à liberdade de opinião e expressão, bem como o direito de reivindica-se por sua opinião, ou seja, o homossexual tem legitimidade legal para difundir seu pensamento e argumentos para “convencer” a Sociedade, bem como, exercer a sua sexualidade livremente, pois a sexualidade também é uma forma de expressão, haja vista que esta não somente abrange a expressão falada e sim todas as formas de expressões. Artigo 19° - Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. O Anteprojeto de Lei do Estatuto da Diversidade Sexual, elaborado pela Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com parecer de aprovação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, objetiva promover a inclusão de todos, erradicar a discriminação e a intolerância sexual, bem como criminalizar a homofobia e seus derivados, conforme disposto em seu artigo 1º. Art. 1º - O presente Estatuto da Diversidade Sexual visa a promover a inclusão de todos, combater a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e criminalizar a homofobia, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos. 44 O artigo 4º do anteprojeto trás os princípios para a hermenêutica e eficácia do Estatuto ora abordado, e ineditamente em seu inciso VIII trás expressamente o direito fundamental a felicidade, pois embora já seja um princípio indireto de nossa Constituição Federal, este até então não era expresso. Art. 4º - Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto: I – dignidade da pessoa humana; II – igualdade e respeito à diferença; III – direito à livre orientação sexual; IV – reconhecimento da personalidade de acordo com a identidade de gênero; V – direito à convivência comunitária e familiar; VI – liberdade de constituição de família e de vínculos parentais; VII – respeito à intimidade, à privacidade e à autodeterminação; VIII – direito fundamental à felicidade. O artigo 5º consolida definitivamente o que a doutrina, jurisprudência e a hermenêutica judicial já vêm entendendo, reconhecendo e aplicando a algum tempo, que a orientação sexual e identidade de gênero são direitos fundamentais, porém, por tal direito está positivado, se tal projeto for aprovado este produzirá efeitos erga omnes, ou seja, contra todos aqueles que tentarem restringir tal liberdade. Não há dúvidas, que o coração de tal Estatuto seja baseado na dignidade da pessoa humana, visando erradicar qualquer discriminação sexual com o fim de garantir o direito à felicidade. Art. 5º - A livre orientação sexual e a identidade de gênero constituem direitos fundamentais. § 1º - É indevida a ingerência estatal, familiar ou social para coibir alguém de viver a plenitude de suas relações afetivas e sexuais. § 2º - Cada um tem o direito de conduzir sua vida privada, não sendo admitidas pressões para que revele, renuncie ou modifique a orientação sexual ou a identidade de gênero. O Estatuto da Juventude, lei nº. 12.852/2013, o qual tutela os direitos dos jovens (18 a 29 anos) dispõe na seção IV denominado de direito à diversidade sexual e igualdade a tutela referente a várias facetas do indivíduo, dentre elas a não discriminação sexual, conforme encartado no artigo 17, II deste Estatuto. Art. 17. O jovem tem direito à diversidade e à igualdade de direitos e de oportunidades e não será discriminado por motivo de: I - etnia, raça, cor da pele, cultura, origem, idade e sexo; II - orientação sexual, idioma ou religião; [...]. 45 Esta seção é de suma importância, pois geralmente é na adolescência que o indivíduo autoafirma sua sexualidade e qualquer restrição, intervenção ou discriminação poderá acarretar danos irreparáveis ao mesmo, podendo chegar à depressão e esta pode levar o indivíduo ao suicídio, tamanho o desgosto da sua “indignidade sexual” por fazer parte de um grupo minoritário e discriminado perante a Sociedade do grupo majoritário. No ordenamento jurídico brasileiro, a homossexualidade não é criminalizada, porém, o artigo 235 do Código Penal Militar, dispõe sobre o crime da Pederastia ou outro ato de libidinagem, no ambiente na qual o militar esteja subordinados a administração pública. Pederastia ou outro ato de libidinagem Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena - detenção, de seis meses a um ano. É certo de que, a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 291, ajuizada pela Procuradoria Geral da República sendo julgada no dia 28 de outubro de 2015, conhecida e julgada parcialmente procedente pelo Supremo Tribunal Federal, que por majoritário entendimento dos Ministros da Suprema Corte, manifestou não recepcionadas pela Constituição Federal em vigência as expressões “pederastia ou outro ato” e “homossexual ou não” termos constantes no artigo 235 do Código Penal Militar supracitado. A fundamentação consistiu nas alegações de violação dos princípios da isonomia, liberdade e dignidade da pessoa humana notadamente. Como pedido à declaração de inconstitucionalidade dos termos “pederastia ou outro ato” e “homossexual ou não”. Afinal, deve-se entender o objetivo do crime, que no caso em tela é banir atos libidinosos praticados por militares durante o trabalho, devendo ser considerado qualquer ato libidinoso, não havendo a necessidade de maiores especificações quanto à forma ou gênero no que tange a configuração do crime, haja vista que ato libidinoso é gênero no qual ser praticado por homossexual é uma das configurações possíveis para as espécies de atos libidinosos. Uma vez previsto o gênero, não há necessidade 46 de ser prevista espécies em especial, pois corre o risco, como no presente caso, de haver discriminação. Por fim, o Código Penal Brasileiro, como sendo a ultima ratio, ou seja, o ultimo ramo do Direito a ser aplicado para resolver o conflito, tutela tal direito. O direito penal deve conseguir a tutela da paz social obtendo o respeito à lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudicar a dignidade, o livre desenvolvimento da personalidade ou igualdade e restringindo ao mínimo a liberdade (ARÁN, 1995, p. 36 apud NUCCI, 2012, p. 51). A dignidade sexual do indivíduo é tão importante que o Direito Penal tutela tal liberdade de escolha do indivíduo, punindo quem a restringir em um dos artigos do capítulo VI do Código denominado “Dos crimes contra a dignidade sexual”, porém antes do advento da Lei 12.015/2009, tal capítulo VI era denominado “Dos crimes contra os costumes”, pois o exercício sexual daquela época não era democrático, portanto não fugia aos padrões trazidos pelos costumes. Tal alteração visou atualizar o Código Penal, pois o mesmo é de 1940 bem como aplicar neste capítulo um dos principais valores trazidos pela Constituição Federal de 1988, qual seja, a dignidade da pessoa humana. O ilustre doutrinador Nelson Hungria (p. 103-104 apud NUCCI, 2012, p. 951) define costumes sexuais como sendo: Hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada à convivência e disciplina sociais. O que a lei penal se propõe a tutelar, in subjecta matéria, é o interesse jurídico concernente a preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dos fatos sexuais. Como visto acima, devido à evolução da sociedade, a moral sexual de seus integrantes foi sendo modificada, uma vez que esta é subjetiva e pessoal do indivíduo. O que o legislador deve observar é a dignidade da pessoa humana e não o exercício da sexualidade que os indivíduos venham a ter de forma livre, espontânea e sem ofender a direitos alheios, por mais que para alguns seja imoral ou inadequado (NUCCI, 2012). Afinal dois dos Princípios do Direito Penal são a Alteridade e Intervenção Mínima, portanto não podem ser punidas condutas internas e subjetivas do indivíduo, ou seja, algo que não prejudique o direito de outrem, 47 portanto a liberdade e autonomia sexual não podem ser restringidas a menos que traga dano a uma das partes. 48 CAPÍTULO 3 A HOMOAFETIVIDADE E O DIREITO DE FAMÍLIA 3 Reconhecimento da homoafetividade como entidade familiar no Brasil As uniões homossexuais, quando reconhecida sua existência, eram relegadas ao direito das obrigações. Chamas de sociedades de fato, limitavase a justiça a conferir-lhes sequelas de ordem patrimonial. Logrando os sócios comprovar sua efetiva participação na aquisição de bens amealhados durante o período de convívio, era determinada a partição do patrimônio, operando-se verdadeira divisão de lucros. Reconhecidas como relação de caráter comercial, as controvérsias eram julgadas pelas varas cíveis que detêm competência para o julgamento de matérias cíveis não especificadas. (DIAS, [s.d.], p. 373). Os casais homoafetivos entravam com ações de conversão de união estável em casamento, com fundamento no artigo 1726 do Código Civil, porém, alguns magistrados mais modernos e realistas empregavam a hermenêutica jurídica para fundamentar a possibilidade jurídica da conversão, pois entendiam que havia união estável entre eles. Outros mais tradicionais e legalistas não convertiam, tendo como fundamento legal que a realidade não tinha nexo com o texto do artigo art. 226, §3º da Constituição Federal e artigo 1723 do Código Civil, ou seja, que os indivíduos não estariam vivendo em união estável, pois ambas as expressões utilizadas definem o gênero do casal convivente na modalidade de união estável como homem e mulher. Conclusão havia instabilidade jurídica, ou seja, diante do mesmo fato havia posicionamentos divergentes, pois alguns casais conseguiam o reconhecimento da união estável e consequentemente à conversão e outros não, diferente da união estável heteroafetiva. Em 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4277 que encampou os fundamentos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Os Ministros manifestaram-se pela procedência das ações, bem como, reconheceram a união homoafetiva como sinônimo perfeito de entidade 49 familiar aplicando-se o regime referente à união estável entre homem e mulher. Embora na união estável já tenha o reconhecimento da finalidade de formação familiar, consequentemente a até então união de fato passa a ser denominado como família, o que já é grande conquista. Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. [...] 3.TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIOCULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃOREDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. [...] 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA 50 INTERPRETAÇÃO CONFORME). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva (Supremo Tribunal Federal – ADIn: 4277, Relator: Ministro AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011). Na Decisão interpretou-se de forma progressiva o artigo 226, §3º da Constituição Federal e 1723 do Código Civil, buscando adaptar os dispositivos das Normas com as transformações sociais, considerando os princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana notadamente, ou seja, afastando como pressuposto de existência da união estável a diversidade de sexo. Logo se afastou os impedimentos no que tange ao reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos, desde que respeitados os requisitos do Instituto, quais sejam, ser pública, continua e duradoura. Concluir-se-á, portanto, diante de tal decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o conceito de família atual, não é balizado pelos contornos legais, pois se percebeu que: [...] o conceito de família não está adstrito aos contornos limitados e abstratos da letra fria e seca da lei. A interpretação do caput do artigo 226 se dá tendo em vista os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica, da liberdade, do direito à personalidade, entre outros comentados anteriormente, vez que o fim do Estado, conforme visão kantiana é a realização do bem comum, de sociedade livre, fraterna, sem preconceitos de sexo, cor, origem e raça (artigo 3º da CF), tratando a humanidade como um fim e nunca como um meio. Todo ser humano, “como um fim em si mesmo, possui um valor não relativo, mas intrínseco, ou seja, a dignidade” (GARCIA, 2004, p. 196 apud QUEIROZ, 2008, p. 190). A partir da referida decisão, por ser dotada de efeito vinculante e ter eficácia erga omnes, ou seja, contra todos, não poderá mais ser alvo de desobediência tal entendimento da Suprema Corte brasileira, no que tange a 51 família homoafetiva ser uma entidade familiar, conforme disposto no artigo 102, §2º da Constituição Federal. “Trata-se, em nosso sentir, de uma solução hermenêutica que, além de necessária e justa, respeita o fato jurídico da união estável em si, uma vez que, por se afigurar como um fenômeno social eminentemente informal, fruto da simples convivência fática – e independente de solenidades sacramentais típicas do casamento – não se subordina a uma formal observância de diversidade sexual com pressuposto da sua própria existência” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 489). No mesmo sentido o julgado infracitado: Apelação. União homossexual. Competência. Reconhecimento de união estável. A competência para processar e julgar as ações relativas aos relacionamentos afetivos homossexuais. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos, é de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. Negaram provimento. (TJRS, AC 70023812423, 8ª C. Civ., Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, j. 02/10/2008). (grifos nosso). Após julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) se constatou a inexistência de qualquer impedimento ao reconhecimento da homoafetividade como entidade familiar, por se tratar de decisões definitivas de mérito com efeitos erga omnes e efeito vinculante, ou seja, efeitos que vão além das partes dispostas no caso, atingindo todos que se encontrarem em casos semelhantes, tanto os órgãos do Poder Judiciário quanto da Administração Direita e Indireta em qualquer esfera não poderão descumprir tal julgamento. Como reflexo produziu efeitos perante a Administração Pública, passando a compor direitos assegurados as uniões homoafetiva, notadamente os abaixo elencados. A Instrução Normativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 15/2013, que disciplina sobre o instituto da dependência econômica no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, dispõe em seu artigo 2º, I, que podem ser reconhecidos como dependentes econômicos o cônjuge ou companheiro, inclusive o companheiro de união homoafetiva. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), através da Súmula Normativa 12, datada de 04 de Maio de 2010, com efeito vinculativo para a 52 legislação de saúde complementar, que fica entendido como companheiro de beneficiário titular pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo. No que tange ao seguro DPVAT, através de ação pública promovida pelo Ministério Público Federal, que resultou na Circular nº 257 de 21 de Junho de 2004 a Superintendência de Seguros Privados regulamentou a equiparação do companheiro sobrevivente homossexual ao companheiro heterossexual, na mesma classe para receber a indenização do seguro DPVAT. No Imposto de Renda (IR), através do parecer nº 1503/2010 permitiu que a partir da declaração de imposto de renda de 2011, os casais homossexuais declarassem seu companheiro como dependente, bastando à comprovação da união estável. O artigo 5º da Constituição Federal prevê que é direito fundamental e de todos os brasileiros o direito a propriedade, portanto, instituições financeiras já autorizam financiamentos de imóvel para casais homoafetivos, só tendo estes que comprovar que vivem em união estável. A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.013 de 9 de Maio de de 2013, que dispõe sobre as normas éticas sobre reprodução assistida, permite o uso das técnicas de reprodução assistida em relacionamentos homoafetivos. O artigo 1726 do Código Civil trás como um dos efeitos da união estável a possibilidade de conversão deste Instituto em casamento, dispondo que “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. Concluir-se-á que qualquer casal que viver em união estável e quiser convertê-la em casamento, terá que pedir judicialmente sua conversão, cabendo ao juiz analisar o caso concreto. O casamento homoafetivo será objeto de estudo no próximo tópico deste trabalho. 3.1 O casamento homoafetivo e o garantismo da dignidade sexual A Constituição Federal em seu artigo 226, §7º garante o direito ao livre planejamento familiar do casal, sendo vedada, qualquer forma coercitiva por parte de qualquer instituição oficial ou privada, intervir na mesma. Tal intenção é repetida pelo legislador em seu artigo 1565, §2º do Código Civil. 53 A família tutelada pelo Estado pode originar de duas maneiras, ambas previstas legalmente, união estável e casamento. A união estável decorre dos requisitos cumulativos união pública, contínua e duradoura, com a finalidade de constituição de família. O casamento decorre de ato solene, procedimento formal, através de Normas de ordem pública e cogente. Entretanto, união estável não é casamento, ainda que com a grande vitória conquistada, os casais homoafetivos não chegariam a ter plenitude de sua dignidade reconhecida, pois ainda não obtinham a conversão para o casamento, ou seja, a união estável homossexual ao contrário da heterossexual, não converteria para o casamento e como o artigo 226, §3º da Constituição Federal expressamente expõe: devendo a Lei facilitar sua conversão em casamento. Dispondo o artigo 1726 do Código Civil, que “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. Conclui-se da leitura deste artigo que qualquer casal heterossexual ou homossexual que viver em união estável e quiser convertê-la em casamento, terá que pedir judicialmente sua conversão, cabendo ao juiz analisar o caso concreto, podendo ocorrer partir deste momento a injustiça. No caso de casal homoafetivo, além de julgar presentes os pressupostos da conversão, o magistrado do caso, ainda analisará a questão do pressuposto de existência a diferença de sexo. Ainda que com a grande vitória conquistada, os casais homoafetivos não tem a plenitude de sua dignidade reconhecida, pois não obtinham a conversão para o casamento, ou seja, a união estável homossexual ao contrário da heterossexual, não evoluiria para o casamento e como o artigo 226, §3º da Constituição Federal expressamente dispõe: devendo a Lei facilitar sua conversão em casamento. Dispondo o artigo 1726 do Código Civil, que a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. É imprescindível para o entendimento deste presente tópico, conceituar casamento, dignidade e dignidade sexual. Conceitua-se dignidade não como um direito, mas um atributo essencial de todo ser humano, independente de qualquer requisito seja racial, social ou 54 sexual. Cabe ao ordenamento jurídico promover e proteger este valor. (NOVELINO, 2010). “Em síntese, haverá a violação da dignidade quando uma pessoa for tratada como um meio para se atingir um determinado fim (aspecto objetivo), sendo este tratamento fruto de uma expressão do desprezo por sua condição (aspecto subjetivo)” (NOVELINO, 2010, p. 241). O conceito de casamento segundo LÔBO “o casamento é um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado” (2008, p. 76 apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 116). No Direito Civil, dentre os artigos do Direito de Família que regulamentam o casamento, não há qualquer proibição expressa para realização do casamento homoafetivo. O artigo 1521 do Código Civil dispõe de modo taxativo o rol de hipóteses de impedimentos, ou seja, não se pode incluir tão pouco suprimir situações ali elencadas. Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Constitucionalmente se tem vários embasamentos legais e principiológicos que favorecem a união homoafetiva e sua conversão em casamento. Iniciar-se-á com a análise Constitucional dos Princípios Fundamentais, localizados nos artigos 1º ao 4º da Constituição Federal e dos direitos e garantias fundamentais no art. 5º do referido diploma legal. Deve a Constituição ser interpretada de acordo com os respectivos direitos trazidos nesses títulos. Continuando a fundamentação, iremos para o título constitucional da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso (artigo. 226, §3º, Constituição Federal), o qual menciona o tipo de família ao qual tem proteção estatal. 55 Começaremos pelo artigo 1º da Constituição Federal de 1988, que traz a seguinte redação: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; Concluímos deste artigo que a dignidade humana seria o poder de escolha de elementos materiais ou imateriais, lícitos e ligados à privacidade do indivíduo, interna ou externamente, inclusive sobre sua sexualidade. Embora sexualidade não seja escolha, o que é escolha é exercer ou não a vida afetiva e sexual. A cidadania se destaca na parte do respeito da decisão privada alheia, pois se não concorda com a homossexualidade ou com a união homoafetiva, pelo menos respeite e aja com civilidade. O artigo 3º é muito importante, pois constitui os principais objetivos do país. Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Analisar-se-á que um dos objetivos nacionais é justamente promover o bem de todos, sem o preconceito de qualquer natureza, inclusive sexual, com o fim de construir uma Sociedade livre, justa e solidária. Este é um dos principais artigos que arruína o argumento que seria inconstitucional a união homoafetiva, empregando a fundamentação que a Constituição Federal dispõe em todo o seu texto relativo à família, como casal, homem e mulher. Logo em seguida o artigo 5º complementa o artigo anterior. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (grifos nosso). Neste artigo fica explícito o direito de igualdade entre todos perante a Lei. Portanto, qualquer indivíduo terá garantido o direito a uma família 56 moralmente e legalmente digna bem como protegida pelo Estado, já que esta é à base da sociedade e consequentemente do Estado, tamanha sua importância. De outro lado, não assegurar garantias nem outorgar direitos às uniões de pessoas do mesmo sexo infringe o principio da igualdade, escancarando postura discriminatória ao livre exercício da sexualidade. A omissão acaba por consagrar violação aos direitos humanos, pois afronta a liberdade sexual, direito fundamental do ser humano, pois afronta a liberdade sexual, direito fundamental do ser humano, que não admite restrições de qualquer ordem (ARRIBAS apud DIAS, [s.d.], p. 373). Além do direito ao casamento, quando for de mútuo acordo entre as partes independentemente do sexo, levando em conta e fundamentado com esse artigo acima citado e contradizendo o artigo 1514 do Código Civil, que dispõe: Art. 1514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vinculo conjugal, e o juiz os declarar casados. (grifos nosso). O artigo 226 da Constituição expõe sobre a importância familiar e informa que a família tem a especial proteção do Estado. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (grifos nosso). Com o objetivo de erradicar a discricionariedade dos Oficiais Cartorários os representantes do Ministério Público de Justiça e Família da Comarca de Fortaleza Estado do Ceará, no dia 17 de novembro de 2011, espelhados no Julgamento da Ação direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4277 e Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 132 instaurou Ação Civil Pública fundada em obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela antecipada em face de seletos Oficiais de Registro de Pessoas Naturais da Comarca de Fortaleza, que por força do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, obrigará todos os Ofícios de Registro de Pessoas Naturais da Comarca de Fortaleza 57 que tenha por função realizar o procedimento para realização do casamento. Caso a referida decisão seja descumprida aplicar-se-á multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por recusa ao casamento homoafetivo. Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Entretanto, recentemente o Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ilustríssimo Ministro Joaquim Barbosa, através da Resolução nº. 175, de 14 de Maio de 2013 (Anexo), resolve: Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providencias cabíveis. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um órgão administrativo, responsável por controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, porém não lhe é atribuído da atividade de fiscalização jurisdicional dos Juízes e Tribunais. Porém, a Resolução Normativa do Conselho Nacional de Justiça não é Lei, ou seja, não vinculam os oficiais dos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais caso deneguem deflagrar o procedimento de habilitação ao casal homoafetivo. O fundamento da persistente discricionariedade está na Constituição Federal que em seu artigo 5º, II estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de Lei. Esse dispositivo cumulado com o princípio da legalidade da administração pública resulta que os funcionários públicos no exercício de sua função somente estão permitidos a fazer se houver Lei expressamente autorizando. Resolução normativa não é Lei, ou seja, surge a discricionariedade. Por todos os fundamentos acima elencados, concluir-se-á que o casamento homoafetivo é juridicamente possível, e assim sendo, perfeitamente 58 aplicável através de analogia quando necessário, todos os efeitos pessoais e patrimoniais decorrentes do matrimônio. DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. [...]. 2. [...]. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". [...] Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. [...] 5. [...]. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez queas famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. [...]. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. [...] 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização 59 dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça - REsp: 1183378 RS 2010/0036663-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 25/10/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2012) Conforme fundamentação do julgado acima reconhecendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois a vedação a este direito fere a os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, uma vez que não há embasamento legal para a denegatória. 3.2 Casamento homoafetivo: a justiça e o preconceito O sonho que qualquer indivíduo, independente de seu sexo biológico é buscar a felicidade, e geralmente esta busca não é solitária, pois muitas vezes a felicidade plena está ligada a necessidade de possuir um par. Sendo a entidade familiar uma entidade histórica, muitas vezes esta se confunde com a história da própria humanidade, uma vez que trás em si aspectos da cultura da Sociedade bem como o fato da reprodução biológica. Injustificadamente o Poder Legislativo resiste em aprovar Projetos de Leis que inserem no ordenamento jurídico Normas regulamentando direitos homoafetivos. A mais provável explicação está no fato de que no Congresso Nacional encontram-se majoritariamente, indivíduos conservadores e com fundamentalismo religioso. Neste cenário, não há qualquer chance de ser aprovado algum Projeto de Lei garantindo, coercitivamente, através de Norma Legislativa, o direito ao casamento homoafetivo. Porém, o magistrado não pode deixar de julgar alegando a inexistência de Lei adequada para o caso em questão, em virtude do princípio do artigo 126 do Código de Processo Civil. O legislador age com culpa no cenário atual em que se vivencia, pois se posiciona através da omissão no que tange aos Direitos Homoafetivos, não demonstrando neutralidade com relação ao tema e sim preconceito e discriminação. É certo de que a jurisprudência passou a admitir, através da analogia, a aplicação das regras de união estável entre homem e mulher, o que ganhou mais força e peso com o julgamento da Ação Direta de 60 Inconstitucionalidade (ADIn) 4277, conforme já analisado no item 3 deste capítulo. Portanto, uma hipótese de solução para tal cenário negligente em termos de Normas disciplinando Direitos Homoafetivos é estar normativamente no período pós-positivista, onde os princípios previstos na Constituição Federal atingem seu pico, sendo utilizados como normas jurídicas (NOVELINO, 2010). Quando se trata de um direito implícito na Norma, ao qual se busca interpretálo através da hermenêutica de Normas Jurídicas que disciplinam casos semelhantes, bem como, valendo-se dos Princípios Gerais de Direito, percebese a evidência da existência do direito ora analisado, devendo-se reconhecê-lo em face dos grupos que o pratiquem de forma lícita. A Lei não disciplina expressamente o casamento homoafetivo, mas, por outro lado, não o proíbe. As regras de colmatação da lacuna da Lei, como no caso a analogia, que aproveita a estrutura e os efeitos normativos do Direito de Família, sobretudo do casamento e da união estável, dando-lhe nova interpretação, para abarcar e disciplinar a união estável homoafetiva e o casamento homoafetivo. O conceito mais simplista de justiça é dar a cada um o seu direito. Logo no estudo do presente trabalho, ficou evidente o direito a liberdade sexual e como consequência a formação de uma família digna, independente da configuração de gênero, do vínculo jurídico ser criado através de união estável ou casamento, ter filhos ou não, pois ao casal é compulsório o direito ao livre planejamento familiar. Concluir-se-á o presente tópico com uma expressão em latim - Fiat iustitia et pereat mundus – Faça-se justiça ainda que pereça o mundo. 61 CONCLUSÃO Considerando que a família é base da sociedade (artigo 226, caput, da Constituição Federal) e esta é composta de indivíduos concluir-se-á que nossa Constituição Federal considera como base do indivíduo a família. É certo que esta é secular, porém vem sofrendo transformações ao longo dos anos, inclusive em sua configuração, consequência de um movimento social de democratização, dentre elas da família, ou seja, família não é mais somente a família tradicional biológica composta por cônjuges e seus descendentes sanguíneos, pois este conceito de família é inegavelmente ultrapassado. A Constituição Federal dispõe um rol a qual são elencadas varias entidades familiares. Ineditamente a Lei nº. 11.340/2006, denominada “Lei Maria da Penha”, ousou em trazer em seu corpo um dispositivo no qual o conceito de família é mais abrangente, sendo atualmente o que mais reflete a atualidade das entidades familiares. O principal responsável por tamanhas modificações no que tange a entidade familiar é o reconhecimento do afeto como valor jurídico e da constitucionalização do direito de família, pois esta tem como sobredireito a dignidade da pessoa humana, ou seja, todo e qualquer Direito têm que ser construído, interpretado e aplicado de acordo com este macro princípio constitucional. A partir de então houve a despatrimonialização e a relativização do vínculo biológico até então dominante no direito de família, com o reconhecimento do afeto como valor jurídico, se evidenciou que o formador e mantenedor de qualquer entidade familiar é o afeto. Logo, não se pode haver imposição ou racionalização deste, se não se perderá a razão de ser, ou seja, a espontaneidade. Considerando a historicidade, a relação sexual entre homens era encarada de forma natural, pois consideravam uma evolução da sexualidade no qual o polo ativo da relação era extremamente valorizado, pois era determinado não pelo instinto e sim por sua classe social, pois trazia a masculinidade e virilidade enquanto o polo passivo era associado à conduta feminina, logo, era submisso e não fazia jus a qualquer respeito, pois a sociedade daquela época era extremamente machista. A homossexualidade 62 era permitida e incentivada, em campos militares, como forma de aumentar o desempenho dos militares em guerras. A partir do cristianismo, que se iniciou o preconceito, pois este pregava o sexo como pecado, sendo perdoado apenas com a finalidade de reprodução e no âmbito matrimonial, passando o casamento na idade média a ser sacralizado e a partir de então se iniciou a perseguição aos homossexuais, inclusive por ser previsto como crime grave o exercício da homossexualidade. Sopesando uma grande evolução o reconhecimento da união estável para os casais homoafetivos, pois já foi o pontapé inicial para chacoalhar o esqueleto velho e empoeirado dos Poderes Legislativo e Judiciário para demonstrar que nem todos os direitos encontram-se positivados diretamente nas Normas, pois há muitas situações moralmente aprováveis, vivendo na marginalidade do judiciário por não serem previstas legalmente. Conclui-se por todo o exposto, que a homoafetividade tem que gozar dos mesmos direitos da heteroafetividade, tendo em vista, ambos serem naturais e involuntários, merecendo ambos serem amparados e abrangidos pela Lei igualmente, afinal, a Sociedade e seus costumes não são perpétuos. Com o decorrer dos anos, diga-se de passagem, nem tantos anos assim, há mudanças no comportamento do ser humano, consequentemente, isso influi em toda a Sociedade e em todos os âmbitos, família, trabalho, lazer e afeto, ou seja, o que hoje pode parecer estranho, amanhã vai ser considerado normal, pois o que falta é costume de ver e de realmente conhecer o outro lado da moeda. É importante ressaltar que vivemos atualmente o pós-positivismo, ou seja, a influência de Princípios na confecção e aplicação de Normas, e não somente em casos de omissão desta, mas também como fonte imediata para se evitar e promover justiça. A Resolução 175 de 14 de Maio de 2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visa acabar com a convicção íntima e pessoal de muitos juízes e os obrigam a usar a hermenêutica legislativa para atingir o bem estar de todos, da ordem jurídica e da sociedade, promovendo a ligação entre a Norma positivada e a realidade, os casais homossexuais que assim quiserem, terão realizado o casamento de ofício ou convertidas às uniões estáveis em casamento. 63 Finalmente, com essa Resolução fica cada vez mais perto do real significado da palavra democracia no que tange a entidade familiar. 64 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Renata Barbosa de. Invalidades Matrimoniais: Revisão de sua disciplina jurídica em face do novo conceito de família. In: RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado (coord.). Manual de direito das famílias e das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. Cap. 3, p. 89117. ALVES, Leonardo Barreto Moreira. O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei nº. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1225, 8 nov. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9138>. Acesso em: 2 jun. 2013. ASSIS, Arnoldo Camanho. Concubinato, união estável e sociedade de fato. ESCRITORIO ONLINE, 27 maio. 2005. Disponível em: <http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=6115&>. Acesso em: 05 jun. 2013. BARBOSA, Águida Arruda; BIRCHAL, Alice de Souza; SCHREIBER, Anderson et al. Leituras Complementares de Direito Civil. Salvador: Podivm, 2010, 394 p. BRASIL. Anteprojeto de Lei do Estatuto da Diversidade Sexual. Disponível em <http://direitohomoafetivo.com.br/anexos/arquivos/__9470244582ee70f558942 dc8978314df.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2015. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 175/2013, de 14 de Maio de 2013. Disponível em < http://www.cnj.jus.br/images/resol_gp_175_2013.pdf>. 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