Resenha – Revista Conflitos em Debate Livro resenhado: FROMKIN, David. A Peace to End All Peace. Nova Iorque: Owl Books, 2001. ISBN: 978-0-8050-6884-9. Autor: Diogo Ramos Coelho – bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasilia (UnB). Ao fim do clássico filme Lawrence da Arábia (David Lean, 1962), o Príncipe Faisal diz a Lawrence: “Os jovens fazem guerras, e as virtudes da guerra são as virtudes dos jovens: coragem e esperança para o futuro. Depois, os velhos fazem a paz, e os vícios da paz são os vícios dos velhos: cautela e desconfiança. É assim que deve ser”. É uma fala soberba. Pena que não condiz com a realidade. Nas negociações que redesenharam o mapa do Oriente Médio depois da Primeira Guerra Mundial, arbitrariedade e ignorância tiveram papel muito mais importante que cautela e desconfiança. As decisões então tomadas por Estados como Grã-Bretanha, França e Rússia mostraram-se desastrosas. O Oriente Médio tem sido, nas últimas décadas, cenário de graves conflitos e violência. David Fromkin, no livro A Peace to End All Peace (Owl Books, 2001) demonstra que a instabilidade na região é, em grande parte, fruto de decisões arbitrárias e da falta de conhecimento das potências européias – as quais, no início do século XX, possuíam interesses diversos e grande ingerência naquelas terras áridas. O período de 1914 a 1922 foi uma era na qual as fronteiras dos países do Oriente Médio foram fabricadas na Europa. Iraque e o que hoje conhecemos como Jordânia, por exemplo, foram invenções britânicas, desenhados após a Primeira Guerra Mundial. Já as fronteiras da Arábia Saudita e Kuwait foram traçadas por oficiais ingleses em 1922. Os limites entre muçulmanos e cristãos foram, por sua vez, traçados pela França na Síria e no Líbano e pela Rússia na Armênia e no Azerbaijão Soviético. Estruturas políticas nativas foram, assim, substituídas por desenhos europeus, aumentando as divisões e os pólos de conflitos. As potências européias, no pós-Primeira Guerra Mundial, acreditavam que poderiam transformar os fundamentos de existência e organização da Ásia Muçulmana. As tentativas de impor essas transformações e garantir o equilíbrio de interesses estabeleceram um sistema artificial de Estados, o qual converteu o Oriente Médio em uma região de países que não se tornaram nações até hoje. A base da vida política no Oriente Médio – a religião – foi contestada pelos russos, que propunham o comunismo, e pelos britânicos, que propunham o nacionalismo ou a lealdade dinástica. A luta no Irã entre o Xá Reza Pahlavi e Khomeini, assim como a aliança entre Egito, Síria, Líbano e Jordânia contra Israel, mantiveram viva a problemática relação entre religião e política. A França, apesar de permitir que a religião continuasse como a base da política – ainda que da sua própria política – nos territórios que controlava, incentivou a luta entre seitas. Essas divisões estão na raiz dos conflitos do Líbano nas décadas de 1970 e 1980. O Oriente Médio descrito por Fromkin não abrange somente Egito, Israel, Irã, Turquia e os Estados árabes da Ásia, mas também a Ásia Central submetida ao controle soviético e o Afeganistão. Foi nessa arena que a Grã-Bretanha, das Guerras Napoleônicas em diante, lutou para proteger o acesso à Índia, primeiro das ambições francesas e, depois, russas, no quadro conhecido como “O Grande Jogo”. Esse jogo, travado principalmente durante o século XIX, ganhou novas dinâmicas com a formação da Tríplice Entente e a vitória aliada na Primeira Guerra Mundial. Com o fim da guerra, a dissolução do Império Otomano não induziu a liberação política nem econômica dos países que o compunham. Os britânicos gerenciaram um processo de divisão regional para equilibrar interesses ingleses, russos e franceses. Essa é a primeira parte da história contada por Fromkin. O autor, inicialmente, segue os paços de Sir Mark Skyes, militar designado pelo então ministro britânico da guerra, Lorde Kitchener, para liderar a repartição de esferas de interesse do Império Otomano entre Grã-Bretanha, França e Rússia. As negociações secretas culminaram com o Acordo Sykes-Picot(-Sazonov), nome dos seus negociadores, de 1916. O acordo levou à divisão do que hoje conhecemos por Síria (na época, sob o controle da Turquia), Iraque, Líbano e Palestina em várias áreas administrativas francesas, inglesas e russas. Ele serviu de base, também, para uma série de documentos e decisões implementadas em 1922 – os quais, em conjunto, denotam o que Fromkin chamou de “overall settlement of the Middle East Question” (“resolução global do problema do Oriente Médio”, em tradução livre): a Declaração de Allenby estabelecendo a independência nominal do Egito; o Mandato da Palestina; o Livro Branco de Churchill para a Palestina (do qual Israel e Jordânia emergiriam); o tratado britânico estabelecendo o status do Iraque; o mandato francês para a Síria e Líbano; a Grã-Bretanha colocando novos monarcas nos tronos do Egito e (no que viria ser) a Jordânia; e a proclamação na Rússia da União Soviética, abrindo espaço para o restabelecimento do domínio russo na Ásia Central Muçulmana. Os ingleses, presentes em tudo, movimentavam o pêndulo do poder entre facções locais e forças externas, buscando cooperação e ganhos estratégicos. Não tiveram essa felicidade. A segunda parte da história contada por Fromkin é sobre como, entre 1914 e 1922, a Grã-Bretanha mudou – e com ela mudaram as concepções dos oficiais britânicos sobre o Oriente Médio. Nesse período, os ingleses passaram a não acreditar no próprio projeto que desenvolveram para a região. No curso da narrativa, o autor demonstra como o governo britânico de 1914, 1915 e 1916, o qual deu boas vindas à participação da Rússia e da França no Oriente Médio pós-guerra, tornou-se em um governo que via a presença russa como um perigo e a França como um desastre. A criação da União Soviética fez com que os britânicos decidissem estabelecer linhas de contenção ao avanço bolchevique. Isso levou, por exemplo, ao apoio oficial da GrãBretanha à criação de um Estado nacional judeu na Palestina e a um quadro que, de 1922 em diante, tornou-se cada vez mais complexo. O despertar de nacionalismos, os deslocamentos de massas, a dominação sobre minorias étnicas, as rivalidades locais e as rivalidades européias teciam, pois, uma complexa rede de relações inter-regionais e internacionais. Na década de 1920, os ingleses começaram a enfrentar sérias dificuldades na manutenção de seus interesses. Não conseguiram administrar o mandato no Iraque, em razão de revoltas locais, das ambições francesas sobre a Jordânia e dos crescentes interesses petrolíferos. Em 1930, cederam a independência aos iraquianos em troca de uma aliança que garantiria o Iraque contra a Turquia. O mandato da Palestina também se mostrava conturbado. Ainda que apoiasse a causa dos judeus, não convinha à GrãBretanha sacrificar seus interesses na Palestina, importante ponto estratégico entre Egito e a Síria, caminho para a Índia e zona de controle do canal de Suez, em prol da causa sionista. O Afeganistão e o Irã, com o apoio soviético, também conseguiram livrar-se do protetorado inglês. A Arábia Saudita alcançou a independência em 1927, em troca da não-agressão aos protetorados ingleses no Iraque, o Kuwait e Bahrein. Nova dinâmica, portanto, emergia, fomentando rivalidades e divisões. Esse quadro, envolvendo movimentos de libertação, fronteiras artificiais, causa sionista, relação entre religião e política, divisões étnicas e culturais, crescente interesse pelo petróleo e ingerência européia, irá ser a base para a construção da estrada que levará o Oriente Médio a diversas guerras (entre países sunitas e xiitas, entre Israel e seus vizinhos, entre militâncias rivais no Líbano, etc.) e aos atos de terrorismo que, nas últimas três décadas, caracterizam a região. Para Fromkin, os arranjos, as unidades e as divisões impostas pelos aliados depois da Primeira Guerra resultaram, pois, em sociedades fragmentadas, cuja ordem e a governabilidade foram seriamente comprometidas. Churchill, Llyod George, Lênin, Stálin e outros entendiam o Oriente Médio como um componente essencial para a construção do século que emergia de uma guerra devastadora e trágica. Se isso foi válido para o século XX, também o é para o século XXI. Atualmente, grande parte da guerra travada dentro dos países árabes e muçulmanos – e entre eles e o Ocidente – diz respeito a como essa comunidade étnica e religiosa irá se adaptar ao mundo contemporâneo e ao conjunto de fatores que guiam nossa época: o reconhecimento do indivíduo como sujeito autônomo, a educação moderna, o dinamismo do capitalismo global, os direitos civis e políticos, a balança entre religião e Estado, os direitos da mulher, etc. Essa adaptação, assim como no começo do século XX, também passa pela construção de uma ordem eficaz e representativa no Oriente Médio. A leitura de A Peace to End All Peace demonstra que os projetos de britânicos, franceses e russos para a construção dessa ordem foram desastrosos. Por outro lado, o livro pode demonstrar que é possível, afinal, aprender com a História – e, assim, ajudar a entender os limites que um poder estrangeiro possui na criação de estruturas políticas e sociais em terras distantes. A Peace to End All Peace está disponível no site Amazon.com por U$13,60.