Os Cães de Gotham City Rogério Pietro E ra noite em Gotham City, e uma neblina tênue se esparramava pelas ruas escuras e tortuosas. A cidade estava em silêncio e a maior parte dela dormia um sono letárgico. No entanto, em uma viela úmida, um cidadão vivia o pesadelo de um assalto. Quatro homens armados e encapuzados gritavam ordens, ameaçando um senhor indefeso, comerciante de uma joalheria pequena. Pelos vidros quebrados da loja podia-se ouvir a bagunça que se instalara lá dentro, além do alarme disparado que chiava inutilmente na noite. — Desliga isso logo! — gritou o chefe do bando empunhando a escopeta na direção do velhinho. Acuado, o senhor não conseguiu articular a voz para responder que o controle do alarme ficava em sua casa, no andar de cima. Estava apavorado e sem reação. Enquanto isso, os outros arrebentavam vidraças de mostruários, enchiam sacolas com colares, anéis e relógios de ouro. Mas eles não sabiam que estavam sendo vigiados. Olhos frios observavam a cena do mais alto telhado da quadra, logo em frente. Brilhavam por trás de uma máscara escura como a noite, estudando o ambiente para encontrar o melhor caminho para agir. A concentração do Cavaleiro das Trevas, no entanto, foi repentinamente desfeita, porque quatro vultos esguios e velozes cortaram a neblina ao correrem pela rua deserta. Mais pareciam bestas voando rente ao chão, e sem qualquer hesitação invadiram a joalheria pela porta arrombada. Quase no mesmo instante, tiros e gritos pavorosos vinham lá de dentro. Era como se um inferno pior do que o assalto tivesse se instalado naquela pequena loja. 1 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro Batman desceu do telhado o mais rápido que pôde, preso a um cabo de aço, e pousou como um morcego na calçada em frente da loja. Lá dentro, como ele viu com assombro, quatro cães monstruosos arrastavam os bandidos em suas mandíbulas. Um deles era um dobermann muito forte puxando um malfeitor pelo braço ensanguentado. Perto dele, um rottweiler gigantesco estava sobre outro assaltante caído. Um pastor alemão acabava de derrubar o terceiro bandido em fuga, e o quarto cão parecia o mais assustador de todos. Era um pitbull branco, muito maior do que qualquer outro que Batman já havia visto. No mesmo instante em que o viu, o animal soltou o pescoço de um dos assaltantes, já morto, ergueu a cabeça e farejou o ar. Ele sentiu a nova presença no ambiente. Virou a cabeça e distinguiu o Homem-Morcego pela vidraça estourada. Seus olhos pareciam arder como brasas, cheios de crueldade e inteligência. Ele mostrou os dentes ensanguentados quando percebeu que estava sendo vigiado. Ambos se encararam, prontos para a luta. Mas o clima foi quebrado com o disparo de uma arma de grosso calibre. O dobermann ganiu e caiu morto, ferido no tórax, enquanto o ladrão que ele havia puxado pelo braço tentava desesperadamente apontar a arma para os outros cães. Atraído pelo estrondo, o pitbull olhou para trás e viu o dobermann tombar. Quando voltou sua atenção para fora da loja, porém, Batman já havia sumido. O bandido tentou atirar mais uma vez, mas o rottweiler já estava sobre ele, dilacerando seu outro braço. O pastor alemão se juntou a ele, e o homem não pôde reagir. No andar de cima, o joalheiro, que havia corrido e trancado a porta que dava acesso à sua casa, ligava para a polícia. Deparou-se com Batman em sua sala, e ficou aliviado. — Oh! Pelos céus! Ajude-me! 2 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro — Acalme-se. Os ladrões estão fora de ação... Vou descer até a loja. Abra aquela porta de novo somente quando a polícia chegar. O velhinho obedeceu e viu Batman descer as escadas como um fantasma negro. Depois trancou a porta, tremendo de medo pelo que poderia subir por ali. Quando o mascarado chegou à loja, tudo o que presenciou foram quatro corpos humanos no piso, e o dobermann morto aos seus pés. Os outros cães haviam desaparecido. O laboratório da Batcaverna estava funcionando com menos de um terço de sua capacidade e, ainda assim, havia uma quantidade tão grande de equipamentos de alta tecnologia ligados que superava a de qualquer indústria de Gotham City. Batman estava sentado diante de uma estação de trabalho informatizada. Ele observava a análise mais recente da ressonância magnética nuclear pela qual o cadáver do cão havia passado. Com os cotovelos apoiados no console e o queixo nas mãos, ele meditava no que via. Alfred chegou e se deparou com o quadro não muito estranho para ele: do túnel de RMN saía o corpo do dobermann, aberto no abdome. Seu tutelado, contrariando mais uma vez suas recomendações, estava usando o uniforme-armadura dentro da Batcaverna, o que provocou nele um suspiro de resignação. A expressão de desgosto de Alfred chamou a atenção de Batman, que viu o criado alto e magro vestindo um fraque leve, certamente destoando do ambiente do laboratório encavado na rocha. 3 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro — Sei o que vai dizer, Alfred... — ele comentou voltando a olhar o monitor. — Mas eu me sinto melhor vestido assim. — Está enganado, senhor Bruce. Eu não diria nada... Não adiantaria. Batman anotou mentalmente a reprimenda e passou para outro assunto. — O que você descobriu? Uma folha de papel impresso foi agitada nervosamente nas mãos do criado, e ele ajustou melhor os óculos sobre o nariz fino, para ler. — As análises do estômago e do intestino demonstram que o animal se alimentava de ração de boa qualidade. Além disso, há sinais de carne e sangue humanos... Encontrei concentrações elevadas de metabólitos de anabolizantes na urina e no plasma do cachorro... Para mim, isto é muito estranho. — Significa que os cães são criados por alguém — Batman concluiu. — São treinados para serem assassinos, por isso são bem alimentados. Alfred dobrou cuidadosamente o papel. — Com relação à primeira parte, concordo — ele comentou com seu tranquilo sotaque da Inglaterra. — Os animais não são meros vira-latas de rua. Mas, francamente, senhor Bruce, o que o leva a crer que eles são treinados para serem assassinos? — Isto! — Batman colocou o dedo no monitor do aparelho de ressonância sem hesitar, indicando um corpo estranho alojado dentro da cabeça do dobermann. — Há uma espécie de chip implantado na glândula pineal dele. Franzindo a testa calva, o criado tentou enxergar o que apenas seu patrão parecia ver, e foi com muito esforço que descobriu uma mancha retangular preta bem no centro e na base do cérebro. Um objeto artificial, sem dúvida. Sua imaginação, porém, não conseguiu ir além do que via. 4 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro — Ah, sim! Agora vejo... Se parece muitíssimo mesmo com um daqueles chips que os veterinários vendem para fazer de seu bichinho de estimação um assassino irredutível. — Seu senso de humor fica mais requintado a cada dia, Alfred. Espero um dia poder igualá-lo... Minha conclusão se baseia na agressividade anormal dos cães, e de como eles pareciam guiados para um objetivo único, um propósito de matar alvos determinados. Como este chip é a única anomalia física que encontrei no cão, presumo que seja a causa do comportamento estranho. — Como um chip faria isso? — Se eu soubesse... Mas ele está no cérebro, logo deve influenciar a mente. Num ímpeto, Batman se levantou e foi até a mesa em que os restos mortais do dobermann jaziam. — Precisamos descobrir quem fez isso — ele considerou passando a mão com a luva preta sobre a cabeça do cão, quase sem tocá-la. — Somente um louco poderia transformar criaturas tão amáveis em monstros. Alfred pigarreou. — O senhor deve investigar os criadores de cães de Gotham City. — Alguém com acesso à tecnologia de ponta — lembrou o Homem-Morcego. — Ou que trabalhe com pesquisas na área de controle mental. Batman foi até o outro lado em busca de material cirúrgico. — O que tem em mente, senhor Bruce? — indagou Alfred, farto de saber o quão misterioso se tornava seu tutelado quando envergava aquela capa preta. — Vou analisar o chip... Mas o criado não queria ficar para ver a abertura do crânio, por isso consultou seu relógio de bolso. 5 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro — Já amanhece lá fora, senhor — ele considerou. — Será que posso preparar torradas com chá para o seu desjejum? Batman parou para pensar um instante. Então, com um sorriso malévolo, respondeu: — Nada tão sofisticado... Prepare um cachorro-quente para mim. E o criado suspirou diante da piada previsível, depois se retirou murmurando um “oh, céus!”. N a noite seguinte, um carro de valores que transportava dinheiro de um banco a outro foi parado por bandidos que chegaram em um furgão. Imediatamente instalou-se a desordem e troca de tiros e, quando o grupo de malfeitores já havia controlado a situação, abrindo o carro-forte com máquinas pesadas, foram surpreendidos por uma matilha de sete cães furiosos. Eles chegaram em silêncio, velozes e rasteiros, atacando como um enxame de abelhas. — São os cães assassinos! — gritou um deles, apavorado por estar vendo de perto o grupo de cachorros violentos que parecia estar dominando a cidade. Os jornais não falavam de outra coisa, e os assaltantes sentiram na pele que a coisa era muito pior do que diziam. Enquanto os cães giravam e latiam para assustar e estraçalhar todos os que estavam ali, um deles sentiu uma pontada no lombo, mas parou apenas por um momento. Depois dele, outro animal ganiu quando um objeto pontudo e pequeno entrou em sua pele, na altura do pescoço. 6 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro O cão se virou para ver o que estava acontecendo, e teve tempo apenas de ver um vulto negro se movendo no alto do prédio ao lado. E scondido nas sombras insondáveis de um beco, o batmóvel aguardava como uma criatura da noite, parado e em silêncio, espreitando sua presa. Dentro dele, Batman observava a garoa fina que caía no para-brisa e se juntava em gotas maiores que depois escorriam pelo vidro blindado. Sua atenção por vezes descia até um pequeno monitor no painel, onde dois pontos de luz se moviam lentamente sobre um mapa esverdeado. Eram os cães com os rastreadores que ele havia implantado enquanto os animais atacavam os bandidos do furgão. Os aparelhos indicavam que agora estavam juntos em um túnel da rede de esgoto, não longe dali. Estavam parados há mais de vinte minutos, o que podia indicar que estivessem dormindo. Se isto fosse verdade, então a rede de esgoto da cidade era o esconderijo deles. O local, porém, não era o que Batman esperava. Como encontrariam ração ali? De onde viria o anabolizante? Se aquele fosse o “esconderijo” dos cães, então ele havia sido planejado para despistar quem os seguisse. Analisou melhor o mapa, vendo ali muitos túneis vindos de vários pontos, o que dificultava sua investigação. A superfície, porém, era diferente, pois acima do labirinto do esgoto estava indicada uma indústria que, pelo mapa, era impossível de identificar. Por isso, Batman resolver ir até lá e investigar o local. 7 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro Ele fez o batmóvel se mover silenciosamente pelas ruas escuras e desertas. Tudo o que alguém perceberia do lado de fora era o vulto negro passando, fazendo barulho apenas ao espalhar uma poça d'água. Chegou à frente da fachada da indústria sombria, cujas paredes altas eram encimadas por arame farpado. Sistemas de segurança moderno competiam espaço com a solidez da pedra e das grades de proteção. No alto do imenso portão, ele leu o nome gravado no ferro fundido. “Baskerville Microeletrônica e Nanotecnológica” Os cães estavam lá embaixo, dormindo nos túneis do esgoto, e Batman murmurou entre os dentes: — Baskerville... Que nome apropriado... B atman sabia que os cães estavam por perto. Os bairros próximos da indústria de tecnologia eram os mais afetados pelos ataques, o que complementava sua teoria de que o doutor Baskerville, presidente da empresa, estava envolvido com os crimes. Mesmo assim, tinha que invadir o complexo industrial para descobrir a verdade, e não podia fazer isso passando pelo portão da frente. Todos os muros eram altos e dotados de câmeras. Certamente havia guardas e um esquema de segurança eficiente. Tudo isso, porém, jamais seria obstáculo para ele. De uma maneira ou outra, ele entraria, mas precisava descobrir como. Uma simples observação da região deu a resposta, porque havia uma construção abandonada na quadra ao lado. Um prédio de sete andares, inacabado e sombrio, que serviria perfeitamente como ponto de partida. 8 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro P rimeiro veio o cheiro forte de borracha, depois o som de passos, tão baixo que apenas um animal com instinto de caça poderia ouvir. Foi assim que o monstruoso pitbull branco percebeu a presença do inimigo. Reconheceu Batman imediatamente – já havia sentido aquele cheiro inconfundível antes –, e ficou irritado com isso. O animal estava em um terreno baldio, deitado entre os escombros inacabados do prédio vizinho à indústria Baskerville. Ao levantar a cabeça, o imenso cachorro branco viu o esqueleto de pilares e lajes apontando para as nuvens escuras da noite. O cheiro vinha dali, e foi para lá que ele correu. Os outros dois cães que o acompanhavam, tanto o rottweiler quanto o pastor alemão, entenderam o que acontecia, e seguiram o líder da matilha rumo ao prédio abandonado. Q uando chegou ao sétimo andar, o Homem-Morcego viu Gotham City lá embaixo como uma terra escura onde as luzes das ruas e janelas pareciam estrelas. No céu, uma camada de nuvens pesadas era o teto da cidade, e ali não se via pontos luminosos. Não havia paredes naquele edifício em construção, por isso ele podia ver tudo ao seu redor por entre as colunas de concreto que sustentavam a laje de cima. Caminhou até a beirada de um dos lados e viu a indústria Baskerville logo abaixo. De onde ele estava seria fácil descer em qualquer ponto dela com uso de cabos. 9 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro Seus ouvidos, porém, notaram um murmúrio abafado vindo de algum lugar às suas costas, e Batman virou o corpo lentamente para ver o que já desconfiava. Pela mesma escada que havia subido, acabavam de chegar três cães. O rottweiler e o pastor alemão, tendo à frente o pitbull branco. Todos parados, as cabeças baixas e a pelagem das costas eriçadas. Mas seus olhos brilhavam no escuro, refletindo a luz de Gotham. Batman podia escapar se quisesse, mas ele considerou a situação por um momento e concluiu que não estava com medo. Ele ficou irritado porque os cães, ao contrário dos bandidos que enfrentava, também não estavam. Da boca enorme do pitbull escorreu uma saliva grossa quando ele mostrou os dentes, rosnando. Batman também travou a mandíbula e, de punhos cerrados, provocou o animal. — Vem quente que eu estou fervendo! Como mísseis, o pastor alemão e o rottweiler correram à frente do líder da matilha e voaram em direção ao Homem-Morcego. Passaram por ele sem o atacar, esvoaçando sua capa e quase retirando sua atenção. Era apenas uma distração para o ataque verdadeiro. Mas Batman não se deixou enganar, porque o pitbull branco já estava no ar, de boca escancarada, prestes a dilacerar seu pescoço. Tudo o que o Homem-Morcego fez foi saltar para trás, e a mandíbula do cão passou a um palmo do seu nariz. Com um giro ele estava em pé de novo, mas o rottweiler já vinha pela esquerda. Não queria usar seus aparelhos, ainda. Não seria justo. Os animais não tinham armas. Era uma luta entre predadores da noite. Conseguiu desviar no último momento, e o cachorro que passou saltando ao seu lado com a bocarra cheia de dentes afiados recebeu uma cotovelada na espinha. Se fosse 10 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro um homem, Batman o teria aleijado, mas o bicho ficou em pé de novo após se esparramar no piso. Sua capa foi puxada pelo pastor alemão, e ele tentou se livrar do cão com um chute certeiro nas costelas. Quase no mesmo instante, o pitbull voou na direção do seu pescoço, e Batman girou no chão para atingir o animal na barriga, com o outro pé. Como um gato, o cachorro caiu sobre as patas, mais adiante, insensível à dor. Num instante, o Homem-Morcego estava em pé, mas foi puxado pela mandíbula forte do rottweiler, presa em seu braço direito, rasgando a armadura sem que os dentes atingissem a pele. Dali o cão não estava disposto a largar, e Batman seria um alvo fácil para os outros se continuasse paralisado pelo rottweiler. Batman revolveu parar de brincar e decidiu jogar pesado com os adversários, porque se continuasse sentindo pena, seria dilacerado. Por isso ele abraçou o cão e aplicou um golpe de muay-thay: uma joelhada no rim esquerdo, tão forte que o rottweiler caiu no chão, ganindo e estremecendo. Pelas costas, o pastor alemão jogou seu peso com as patas dianteiras em Batman, e ambos tombaram. O cão sobre ele tentou morder seu pescoço, encontrando ali a resistência da armadura. Não conseguiria ferir o humano imediatamente, porém daria tempo para o pitbull atacar. Foi então que o Homem-Morcego resolveu usar um de seus aparelhos. Ele girou o corpo o quanto pôde e tomou uma de suas algemas especiais do cinto de utilidades. Enquanto o pastor alemão agarrava sua garganta com os dentes, Batman prendeu uma das extremidades da algema numa das patas traseiras, que abraçou o membro do animal até prendê-lo. A outra ponta foi lançada como um dardo até o teto, onde ficou encravada. Depois, por meio de um motor muito rápido, o cão foi içado pela pata, mas continuava abocanhando sua presa. 11 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro Batman sentiu os dentes fazendo pressão em sua carne, e só conseguiu soltar-se quando desferiu um soco no estômago do pastor alemão, fazendo o bicho se dobrar ao meio, latindo uma única vez, como a pedir socorro. Respirando fundo, o Homem-Morcego concluiu que restava apenas um. Procurou o pitbull branco ao redor, e o encontrou parado na sombra de um pilar, espreitando, visivelmente bravo. Precisava pensar rápido, porque aquele cão era anormalmente ágil e forte. Não conseguiria nocauteá-lo em uma luta direta. Seu tempo terminou, porque o pitbull arrancou numa corrida de ataque, veloz como apenas um quadrúpede poderia ser. Batman girou o corpo e deixou sua capa preta esvoaçar atrás de si, correndo na direção oposta, indo diretamente para o fim da laje como se planejasse pular do alto do prédio. Muito mais rápido, o cachorro abriu a boca para morder o vulto escuro à sua frente. Adiante do Homem-Morcego, no último passo antes da queda de sete andares, Gotham City surgiu lá embaixo como uma floresta de telhados cinzentos, e ele mergulharia em queda livre se não fosse por uma ideia de última hora. Com a mandíbula forte, o pitbull gigante saltou e mordeu capa, enquanto Batman dava um salto mortal para trás, girando no ar depois de tocar a beira do piso. O cão foi para frente e ficou pendurado na capa, enquanto o cavaleiro das trevas voltou em pé à beira da laje depois de dar uma cambalhota invertida no ar. Sua asa negra agora estava esticada em seu peito, suportando o peso do pitbull que balançava para frente e para trás a mais de duzentos metros de altura. 12 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro Batman sabia que o animal tinha força suficiente na mandíbula para ficar preso em sua capa por muito tempo, e que não poderia puxá-lo de volta para o piso com segurança. Sua única opção foi desabotoar a capa, primeiro no ombro direito. — Sinto muito, Totó... — ele disse, e soltou no outro lado. O pitbull caiu do sétimo andar como uma rocha, e levou a capa em sua boca até o fim. Livre das sentinelas, Batman olhou a Indústria Baskerville lá embaixo, e sua vontade de acabar com o criador de monstros aumentou. E ntrar foi fácil. Não havia sistemas de segurança infalíveis, e Batman era capaz de burlar todos eles. Invadiu um laboratório de desenvolvimento, e foi lá que confirmou sua suspeita. Os chips eram produzidos ali com tecnologia de ponta. Em outro galpão, uma dezena de jaulas abrigava cães de raças grandes, prontos para serem operados e receber o chip que faria deles predadores incontroláveis. Batman colocou a mão por entre as grades de uma delas, e um rottweiler veio lamber, abanando o toquinho de rabo e pedindo carinho. Sem pensar duas vezes, soltou todos os cães, depois se concentrou nas instalações. 13 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro O doutor Baskerville era um homem de 65 anos de idade que havia devotado a maior parte de sua vida ao trabalho. Por isso mesmo, não era de estranhar que tivesse construído uma casa dentro de sua própria indústria, onde só não dormia aos finais de semana. Naquela noite, o empresário dormia um sono leve, e então foi definitivamente acordado pelo estrondo de uma explosão. Seu sentido de alerta o colocou em pé tão rápido quanto sua condição física permitia, e ele tateou no escuro em busca do interruptor da luz. Ali descobriu que não havia energia elétrica, muito provavelmente por causa de uma pane em todo o complexo. Porém, uma claridade vinda da janela da sacada do quarto chamou sua atenção. O bruxulear vermelho não deixava dúvida de que alguma coisa estava incendiando lá fora, e o doutor Baskerville destrancou a fechadura da vidraça. Caminhou assustado para a varanda e viu seu maior pesadelo acontecendo: as instalações do setor de pesquisas estavam desmoronando dentro de uma coluna de fogo. Voltou apressado para o quarto em busca do telefone para chamar os bombeiros. Mas ali dentro, na escuridão, deparou-se com um vulto enorme e sombrio, contra o qual quase trombou. Ainda mais atônito, recuou dois passos. — Quem é você? — ele indagou após conter um grito de horror. Percebia uma roupa preta envolvendo a figura assustadora. Duas orelhas pontudas como chifres no alto da cabeça, e um par de olhos brilhantes, acusadores. — Sou as asas da justiça — respondeu aquela voz grossa e calma, fazendo o empresário reconhecer que estava diante de Batman. — E nem a escuridão pode esconder o crime do meu alcance. — Batman? O que faz aqui? Não vê como minha indústria é destruída pelas chamas? Ajude-me! 14 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro Mas um sorriso entortou a boca do homen-morcego, e ele ironizou. — Salvá-la?... Mas se fui eu quem explodiu seu laboratório... — Hã? — fez o doutor Baskerville afastando-se um passo. Suas pernas bambas quase envergaram pelo que acabara de ouvir. O tom da voz de Batman voltou a acusar, mais dura e fria. — Não ajudarei um louco que implanta chips em cérebros de cães para transformá-los em assassinos! Baskerville passou ambas as mãos pelo rosto, como se estivesse retirando dali uma máscara e, a partir daquele momento, revelou-se como realmente era. — O que você sabe sobre assassinos, Batman?... Você os prende e os combate! E isto é tudo! Jamais sentiu a dor de perder pessoas queridas pelas mãos de um assassino! Um arrepio frio percorreu a coluna de Bruce Wayne, e a voz de Batman respondeu em sua mente, dizendo: sentiu sim! O doutor Baskerville arrastou-o de volta àquele momento, para fora de si mesmo. — Um de meus filhos — ele disse tremendo da cabeça aos pés — foi cruelmente assassinado há vinte anos, e desde aquele dia procurei um meio de combater o crime para que outros pais não sentissem o mesmo que eu! O mascarado fez esforço para não voltar às suas lembranças de infância, e considerou: — Foi assim que desenvolveu uma matilha que ataca os criminosos... — Exato! Os cães percebem os sentimentos humanos, e o chip aumenta essa percepção uma centena de vezes. Quem estiver agindo com violência, atrairá os cães, e eles responderão com a mesma face da moeda!... Se você não tivesse destruído meu laboratório, em breve Gotham seria tomada por meus justiceiros, e os cidadãos estariam seguros, porque os cães teriam exterminado a raça do crime! 15 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro — Isto é loucura, doutor Baskerville... — Loucura?... Qual a diferença entre isso e o que você faz? Batman ficou paralisado. Sentiu-se tão incomodado com a crítica que foi obrigado a admitir que a causa daquele sentimento era uma só... A verdade. — Você também caça criminosos à noite, Batman! Eis a maneira como combate o crime e a violência... Por que você pode, e meus cães não? Aguardou a resposta, mas o Homem-Morcego ficou quieto como uma sombra. O som de mais uma explosão chamou a atenção de Baskerville para suas instalações em chamas. Pela vidraça, ele viu como a fuligem se erguia em direção ao teto de nuvens, e suspirou resignado. O empresário girou a cabeça para o interior do quarto. — Vai me prender agora...? Mas estava sozinho de novo. Batman havia desaparecido sem fazer o menor ruído. Sumira como uma ilusão entre as sombras dançantes que o brilho do fogo lançava pelo quarto. Em completo desalento, o doutor Baskerville sentou na beirada de sua cama e chorou, já ouvindo as sirenes dos bombeiros atravessando a cidade. E nquanto a neblina imóvel cobria Gotham City, os televisores de todas as casas transmitiam a voz dos repórteres que davam a notícia mais importante daquele dia. — O empresário multimilionário, Bruce Wayne, em entrevista coletiva na manhã de hoje, deu conhecimento de uma série de medidas que financiará em Gotham. Quase todas visam o combate à pobreza e à violência, como a construção de um mega-complexo 16 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro educativo gratuito que vai atender crianças abandonadas. Suas metas, segundo suas próprias palavras, são a educação e o bem estar de todos os filhos de Gotham City. Além disso, o empresário garantiu a geração de novos postos de trabalho, diminuindo assim a marginalidade em nossa cidade. Com sua influência no senado, ele prometeu combater a venda e o porte de armas no estado... É a primeira vez que Bruce Wayne financiará projetos dessa natureza, dos quais certamente podemos esperar uma colheita de paz no futuro... No alto de uma torre gótica com relógio, o vulto de Batman podia ser visto contra o céu, silencioso e imponente, atento a observar a vida nas ruas e becos de Gotham City. Fim 17 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro Este é um conto fanfiction sem finalidade comercial. Direitos Autorais: Personagens e nomes pertencentes ao universo Batman da DC Comics. Todos os direitos reservados. 18 Os Cães de Gotham City – Rogério Pietro