PLANEJAMENTO URBANO E AÇÕES PÚBLICAS SOBRE ÁREAS DE HABITAÇÃO IRREGULAR: O CASO DE CHAPECÓ-SC, ENTRE 1990 E 2010 Matheus José Rigon*, Camila Fujita, Alexandre Maurício Matiello, Ana Laura Vianna Vilella *Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ – [email protected]. Pesquisa financiada por recursos da Fapesc (Projeto Mérito Universitário) e do CNPq (edital Casadinho). Resumo: Este estudo trata sobre as políticas habitacionais destinadas às áreas irregulares em Chapecó-SC, no período de 1990 a 2010. A pesquisa se concentrou em investigar que ações públicas de habitação foram realizadas nas áreas irregulares nesse recorte temporal e qual sua relação com os ordenamentos territoriais inscritos nos planos diretores de 1990 e 2004. A metodologia utilizada baseou-se na proposta da Rede Internacional de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe), tendo envolvido revisão bibliográfica sobre a constituição histórica dos assentamentos irregulares em Chapecó, análise dos planos diretores de 1990 e 2004, coleta de dados referentes aos assentamentos irregulares em órgãos públicos e in loco, seguido pela sistematização e análise destes. Como resultado, identifica-se que houve significativas transformações nas políticas públicas de habitação voltadas aos assentamentos irregulares no período estudado. Enquanto o plano diretor de 1990 adotou uma postura de não intervenção com relação ao problema, expressa através do não direcionamento de políticas de habitação para tais áreas, que continuaram a crescer ao longo da mesma década; em fins de 1990, o governo municipal assumiu a questão habitacional como prioritária, direcionando ações efetivas aos assentamentos irregulares. No entanto, foi a partir de 2004, com o novo plano diretor, que se estruturou uma política habitacional com foco nessas áreas, cuja implantação tem reduzido substancialmente o número de famílias em áreas irregulares. Entretanto, na medida em que alguns princípios da política presente no texto do plano diretor não têm sido colocados em prática na sua execução, o estudo mostra que alguns efeitos perversos têm posto sua efetividade em questão. Conclui-se que, apesar de o momento atual ser promissor do ponto de vista de programas habitacionais voltados às áreas irregulares, é preciso repensar como estes tem se dado, para que se garanta o cumprimento dos princípios fundamentais da política habitacional em sua execução. Palavras-chave: Planejamento urbano. Política pública. Habitação. Áreas irregulares. Chapecó. 1. Introdução Associado ao modo de produção capitalista, o processo de urbanização, especialmente no Brasil (SANTOS, 1993), tem reafirmado desigualdades sociais historicamente constituídas, também através da oferta seletiva de moradia no mercado de terras. Tido mais como uma mercadoria capaz de gerar acúmulo de capital a determinados atores hegemônicos e menos como um direito básico do cidadão, o acesso a uma moradia digna ainda é difícil para boa parte da população brasileira, o que constitui grande desafio para a execução de políticas públicas habitacionais eficientes (BONDUKI, 1998). A dinâmica de produção do solo urbano para o mercado imobiliário, direcionada e legitimada pela legislação urbanística, em geral desconsidera a população urbana carente. Impossibilitada de acessar o mercado formal, essa parte da sociedade é forçada a participar de um mercado de terras informal ou a se submeter a condições inadequadas de moradia, como a coabitação em densidades excessivas e/ou a ocupação em assentamentos precários. Ambas as situações são problemáticas sob diversos aspectos e caracterizam a negação de direitos fundamentais. Desta forma, a cidade informal não surge à parte da cidade formal. Esse fenômeno não pode, portanto, ser encarado de modo fragmentado, mas deve ser compreendido através de um olhar dialético, a partir da lógica do modo de produção que gera tais desigualdades sociais e espaciais (FUJITA, 2008). O grande déficit habitacional, provocado pela soma da falta de políticas públicas habitacionais eficientes e a atuação privada que visa prioritariamente atender as camadas altas e médias da sociedade, tem encontrado alternativas de moradia também em áreas ambientalmente frágeis, como áreas de preservação permanente, definidas por lei, pelo seu baixo potencial de imediata conversão como mercadoria no mercado de terras, agravando as mazelas tanto sociais quanto ambientais, bem como acirrando conflitos urbano-ambientais (PEREIRA, 2001). A velocidade e a intensidade com que esses espaços “invisíveis” são constituídos está relacionada aos fluxos populacionais estimulados pelas mudanças de investimentos de capital e a conseqüente (re)distribuição - repulsão e atração - espacial da força de trabalho. Em geral, os territórios não se encontram preparados para receber demandas habitacionais de populações mais carentes, ocasionando a proliferação dos assentamentos precários com o comprometimento das áreas pouco propícias à moradia. O caso de Chapecó não é diferente, sobretudo por conta dos expressivos índices de crescimento populacional e econômico do município em décadas recentes. Uma das evidências desse fenômeno é o rápido crescimento de bairros periféricos e precários, de bairros que têm recebido o contingente de operários das agroindústrias, bem como o surgimento de numerosas áreas irregulares nas periferias da cidade. De fato, os assentamentos irregulares e precários têm acompanhado sua formação histórica, mas, no entanto, as ações do poder público municipal relativas à estruturação e implementação de políticas públicas de habitação e regularização fundiária são bastante recentes, datando de aproximadamente uma década. A principal pergunta que norteou este estudo foi: que ações públicas de regularização fundiária e produção de habitação de interesse social foram realizadas nas áreas de assentamentos irregulares em Chapecó entre 1990 e 2010 e qual sua relação com os ordenamentos territoriais inscritos nos planos diretores de 1990 e 2004? Seu principal objetivo consiste em avaliar as intenções e a efetividade de cada plano diretor (1990 e 2004), referente às ações públicas direcionadas ao problema dos assentamentos irregulares em Chapecó. Esta pesquisa se insere nas investigações acerca das transformações territoriais da cidade de Chapecó, no contexto da reconfiguração dos papéis das cidades médias na rede urbana brasileira, a partir do recorte que enfoca as condições de moradia em áreas de habitação irregular. Seus resultados ajudarão a ampliar, através de dados que serão incorporados ao Banco de dados da Rede Internacional de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe), o panorama atual acerca das condições de moradia em Chapecó e de como ela se caracteriza como cidade média no cenário urbano brasileiro. Os procedimentos metodológicos do estudo baseiam-se na proposta de pesquisa da ReCiMe. A metodologia mais detalhada se encontra em SPÓSITO (2007), que elenca 4 (quatro) eixos para identificar os processos e fenômenos existentes em cidades médias, dentre os quais situa-se o eixo “condições de moradia”. A pesquisa ocorreu mediante os seguintes procedimentos: i)Revisão bibliográfica sobre a constituição histórica dos assentamentos irregulares em Chapecó; ii) Análise dos planos diretores de 1990 e 2004, a partir do ordenamento territorial proposto, com enfoque às ações referentes às áreas/zonas especiais de interesse social; iii) Coleta de dados referentes às áreas irregulares em Chapecó, com base nas informações da Secretaria de Habitação de 2010 e em levantamentos feitos em campo; iv) Sistematização e mapeamento dos dados supracitados. v) Confrontação dos ordenamentos dos planos diretores e a análise das áreas irregulares, a fim de avaliar a efetividade das ações dirigidas a essas áreas. 2. Assentamentos irregulares e políticas habitacionais em Chapecó até 1990 A cidade de Chapecó, principal centro urbano da região oeste de Santa Catarina, possui população aproximada de 183.561 habitantes (IBGE, 2011), sendo, em termos populacionais, a sexta maior do estado. Sua emancipação política data de 1917, data que coincide com as primeiras ações colonizadoras. Entende-se que a origem do déficit habitacional associado aos assentamentos irregulares em Chapecó remete justamente a esse momento histórico. Como afirma Renk (1995 apud HASS, 2006), a ação das colonizadoras e colonos “desbravadores” ocorreu mediante a expulsão/marginalização dos indígenas e caboclos que habitavam o local até então. Sabe-se que as mesmas populações excluídas, e em específico os caboclos, mais tarde, frente ao incipiente desenvolvimento urbano, comercial e industrial do município, precisaram se voltar à cidade em busca de melhores condições de vida. Assim, principalmente após 1950, segundo Pasquali (apud GOMES, 1998), essas pessoas passaram a formar “cinturões de barracos” em torno da cidade, ficando conhecidas como “intrusos” pela sociedade da época. Já nos anos 1960, o crescimento industrial ocorrido desencadeou o aumento da vinda de imigrantes à Chapecó. A ausência de uma política habitacional voltada a estabelecer a população migrante levou à intensificação da formação de áreas irregulares e da concentração dos “intrusos” na cidade. Frente a isso, o poder público deu início ao que pode ser entendido como a primeira política municipal de controle dos assentamentos irregulares e precários: conforme Gomes (1998), em 1965 foi criado o local que ficou conhecido como Bairro São Pedro, a 03 (três) quilômetros do centro de Chapecó, para onde foram despejadas, durante muitos anos, as populações indesejáveis que habitavam áreas urbanas centrais e todos os expropriados que chegassem à cidade. A medida segregatória permitia, como lembra Wolf (2008), esconder dos olhos dos investidores e visitantes a real situação social da cidade. Não resolvia, no entanto, o problema social, que se agravava. A partir de 1970, como consequência do intenso crescimento do setor agroindustrial, ocorreram altos índices de urbanização e crescimento populacional em Chapecó,i verificando-se o agravamento dos problemas sociais, pelo incentivo aos movimentos migratórios ter ocorrido desacompanhado da oferta de infraestrutura e moradia. Embora o município tenha recebido investimentos federais, como através do programa Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada (CURA), estes foram aplicados predominantemente em áreas habitadas por classes abastadas, contribuindo para sua valorização. Enquanto isso, nas periferias da área urbana e nas proximidades das agroindústrias, proliferavam áreas irregulares e loteamentos com precário nível de infraestrutura, onde passaram a se estabelecer aqueles que não conseguiam acessar o mercado de terras em áreas centrais. (RECHE, 2008). Colaboram ao entendimento deste fato estudos feitos por Rigon et al (2011), que confirmam que na década de 1970 teve início um intenso período de formação de áreas irregulares em Chapecó, que se estenderia até os anos 1990: das áreas irregulares existentes entre 2004 e 2010, 77,3% tiveram origem nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Isso denota a perda de controle do poder público em relação a essas áreas neste período e a ausência de uma política habitacional efetiva voltada à redução do déficit habitacional a elas associado. Assim, não mais era possível, como outrora, esconder o problema social existente concentrando as populações marginais em um único local. Tem origem, assim, o padrão periférico e pulverizado dos assentamentos irregulares, que, conforme Rigon et al (2011), se faz presente até os dias de hoje na cidade de Chapecó. 3. O plano diretor de 1990 e a política habitacional na mesma década Sabe-se, de antemão, que em Chapecó o déficit habitacional associado às áreas irregulares no início da década de 1990 era bastante significativo. Como revela Moser (1995), em 1993 havia 1.318 famílias habitando irregularmente nas periferias da cidade, em áreas públicas e privadas. Ainda, a análise de dados da Secretaria Municipal de Habitação de Chapecó referentes aos assentamentos irregulares e sua constituição histórica permite verificar que, das 97 áreas existentes no período de 2004 a 2010, 39 surgiram até o ano de 1990 (figura 01). No Plano Diretor Físico - Territorial de Chapecó - PDFT (Lei Complementar Nº 4, de 31 de maio de 1990), não houve o reconhecimento das áreas irregulares e/ou a tomada de ações efetivas por parte do poder público no sentido de enfrentar o problema. Apesar de ter incorporado algumas medidas referentes à questão da habitação de interesse social, estas se resumiam à inserção da categoria habitação multifamiliar popular nos usos previstos dentro do zoneamento urbano e à delimitação de áreas passíveis da inserção desse uso na área urbana da cidade. Soma-se a isso o fato de tais ações previstas terem ocorrido desarticuladas. Ainda que as dimensões mínimas dos lotes de interesse social fossem superiores ao mínimo exigido pela legislação federal e preconizava-se a articulação dos loteamentos com o sistema viário adjacente, os setores em que a implantação de empreendimentos habitacionais da categoria multifamiliar popular era livremente permitida somavam áreas bastante reduzidas no zoneamento proposto,ii estando segregadas espacialmente na cidade, pela sua localização nas bordas da área urbana. A isso se somavam as fracas exigências referentes à instalação de infraestrutura nesses loteamentos (MATIELLO et al, 2006; MONTEIRO, 2006). Constata-se, também, através do estudo comparativo entre a localização das áreas irregulares formadas até 1990 e as áreas em que o uso residencial multifamiliar popular era permitido no plano diretor de 1990, que a definição destas não seguiu . Figura 01: Chapecó: áreas irregulares surgidas antes e depois de 1990 Base cartográfica: PMC, 2010. Editado por Matheus Rigon critérios referentes a relações de proximidade aos assentamentos irregulares existentes na época, o que demonstra que estes foram desconsiderados na elaboração do zoneamento. Ainda, destaca-se que o caráter de tais áreas como de interesse social era inviabilizado, já que os parâmetros tendiam à valorização demasiada do solo urbanizado, o que impossibilitava o acesso à propriedade por parte da população de mais baixa renda. Entende-se que, no início dos anos 1990, as ações do poder público em relação às áreas irregulares tiveram mero caráter remediativo: como cita Moser (1995), na época a própria prefeitura fornecia lona às populações que viviam em tais assentamentos, para a confecção de barracos. Não obstante, o fato de o poder público municipal ter promovido, em 1993, uma pesquisa in loco para obtenção de dados referentes às condições de vida dos moradores em áreas irregulares em Chapecó,iii pode ser visto como uma das primeiras ações públicas de reconhecimento do problema no município. De qualquer modo, não houve nos anos 1990 uma política habitacional estruturada dirigida às áreas irregulares em Chapecó. A esta lacuna pode-se associar o intenso crescimento do número de assentamentos irregulares e da população neles residente ao longo dessa década, pois dados da Secretaria de Assistência Social e Habitação de Chapecó (apud HASS; ALDANA; BADALOTTI, 2008) mostram que, em 2000, 8.070 famílias viviam em situação de pobreza/vulnerabilidade, em 76 focos de ocupações irregulares, denotando um significativo aumento em relação a 1993. 4. Primeiras políticas estruturadas de combate ao problema em Chapecó Ações efetivas por parte do poder público local no enfrentamento à questão deram-se somente no final dos anos 1990, tendo para isso desempenhado papel fundamental o rompimento ocorrido na conjuntura política municipal, que levou ao poder, em 1997, setores políticos comprometidos com a questão social, em substituição às tradicionais elites que se revezavam no poder até então. Segundo Hass (2006), ao assumir o poder, o governo democrático-popular passou a desenvolver políticas públicas que se concentraram, dentre outros eixos, na questão habitacional. Assim, identifica-se a consonância das discussões locais em relação àquelas ocorridas em âmbito nacional, que antecederam a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001). Ainda em 1998, foi desenvolvido em Chapecó o Programa de Regularização Fundiária, que já denotava a mudança do posicionamento do poder público no enfrentamento à pobreza. Mas foi em 2001, com a instituição do Congresso da Cidade de Chapecó (decreto municipal n. 8.850, de 02 de janeiro de 2001), que os temas abordados pelo Estatuto da Cidade passaram a ser discutidos na formulação de políticas públicas. No mesmo congresso, foi aprovada a diretriz “realização da reforma urbana, que buscava garantir o direito à moradia e cumprimento da função social da propriedade”, destacando-se como ação prioritária a garantia, na regularização fundiária, da implantação de infraestrutura, posse da propriedade, serviços básicos e acesso ao trabalho e renda.” iv(HASS, 2006; HASS; ALDANA; BADALOTTI, 2008). Vários projetos de regularização fundiária e urbanização foram implantados entre 2002 e 2004, sendo que a habitação e regularização fundiária foram a primeira prioridade do Orçamento Participativo em 2003.v Com isso, ainda antes da aprovação da lei complementar que instituiu o novo plano diretor, em 2004, ações direcionadas aos assentamentos irregulares já vinham demonstrando resultados efetivos. 5. A política habitacional no plano diretor de 2004 O Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial de Chapecó (lei complementar nº 202, de 06 de Janeiro de 2004), foi elaborado à luz dos princípios do Estatuto da Cidade, tendo incorporado como princípios fundamentais a justiça social e o direito à cidade para todos, incluindo, dentre outros fatores, o direito à terra, à moradia e à infraestrutura urbana. Tais direitos seriam garantidos mediante um modelo de política e desenvolvimento territorial que incorpora como princípio a promoção e exigência do cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade. Dentre as estratégias estabelecidas no plano, situa-se a “Estratégia de democratização do acesso à terra e à habitação,” entendida pelo mesmo como meio para promover a requalificação e reestruturação de espaços informais e o direito à moradia digna, através da ampliação da oferta, democratização do acesso e reconhecimento/regularização de ocupações consolidadas. A mesma reconhece que a cidade ilegal não pode ser desvinculada do processo de planejamento municipal, devendo os programas de habitação de interesse social ser vinculados aos elementos estruturadores do território, a fim de minimizar os conflitos e melhorar a qualidade de vida nos assentamentos. Entende também que a regularização e urbanização de assentamentos informais habitados predominantemente por populações de baixa renda devem ser facilitadas pelo estabelecimento de normas especiais de urbanização e simplificação de parâmetros legais relativos ao parcelamento do solo e normas edilícias. Como principais programas desenvolvidos para a implementação dessa estratégia, destacam-se o “Programa de Produção de Habitação de Interesse Social (HIS) e o “Programa de Regularização Fundiária e Urbanização das Áreas Irregulares de Habitação de Interesse Social,” sendo que este último se refere a critérios e parâmetros para ações de regularização fundiária e urbanização de assentamentos irregulares. Ressalta a necessidade de estas proporcionarem a titulação em benefício dos ocupantes das áreas e de ocorrerem acompanhadas pela melhoria nas condições infraestruturais e de saneamento ambiental dos assentamentos, levando em consideração as condições particulares de cada sítio e sua articulação com o entorno. Também denota a preocupação com questões sociais, já que define como prioridade a permanência dos moradores nos locais ou em suas proximidades, bem como reconhece a necessidade de a regularização acontecer acompanhada por políticas que garantam a melhoria das condições de vida das populações residentes nos locais. A principal diretriz abordada refere-se à instituição das Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), unidades territoriais destinadas a ações de regularização fundiária, recuperação urbanística e ambiental e produção de habitação de interesse social. Estas incluem, de acordo com a lei, tanto áreas ocupadas por populações de baixa renda, não só em favelas e áreas irregulares aptas à urbanização/passíveis de ações de usucapião urbana, mas também em loteamentos precários e empreendimentos de interesse social ou do mercado privado popular; bem como áreas destinadas especificamente à produção de habitação de interesse social, em vazios e lotes urbanos não edificados, subutilizados ou não utilizados, adequados à urbanização, onde se faz necessário o cumprimento da função social da propriedade. Os critérios relativos à demarcação das AEIS são claros ao coibir o parcelamento do solo em “[...] situações que apresentem risco à saúde, à segurança ou à vida [...]” (CHAPECÓ, 2004, p. 54), como em terrenos sujeitos a inundações ou aterrados com material nocivo, áreas encravadas e sem acesso à via pública e em casos em que a declividade do terreno for superior a 30%. Outro aspecto que deve ser mencionado refere-se à possibilidade de, nas AEIS, o poder público autorizar o exercício gratuito do direito de construir adicional, permitindo assim que os coeficientes de aproveitamento básico do solo sejam ultrapassados. Destaca-se que isso possibilita alcançar coeficientes máximos de aproveitamento e, consequentemente, ocupações mais densas que aquelas típicas da zona urbana em que a área está inserida. 6. Espacialização das Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) As AEIS gravadas no mapa anexo VIII do plano diretor de 2004 se referem predominantemente às áreas irregulares já existentes no mesmo ano. Entretanto, também são incluídas como AEIS algumas áreas que não constituíam assentamentos irregulares, o que denota ter havido certa preocupação com a reserva de terras para produção de empreendimentos habitacionais de interesse social. Figura 02: Chapecó: Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) gravadas entre 2004 e 2010. Base cartográfica: Secretaria Municipal de Habitação, 2010. Editado por Matheus Rigon. Sobre o gravame de AEIS em áreas irregulares, esta pesquisa mostra, a partir da confrontação do referido mapa com o mapa de áreas irregulares existentes em 2004 (figura 02), que do total de 83 áreas irregulares de que se tem conhecimento no mesmo ano, apenas 16 destas (19,27% do total) estavam gravadas, em parte ou em sua totalidade, como AEIS. Percebe-se, ainda, que a quase totalidade das maiores áreas irregulares identificadas no período estudado estão incluídas entre as AEIS gravadas no plano diretor de 2004, sendo que algumas destas foram regularizadas entre 2004 e 2010 ou se encontram, conforme Rigon et al (2011), com ações judiciais de usucapião urbana em andamento ou mesmo já tendo recebido sentença favorável. O gravame de AEIS sobre áreas irregulares de pequena extensão e menos populosas ocorreu com menor frequência, ainda que se saiba, de acordo com Rigon et al (2011), que estas compõem a maior parcela das áreas irregulares existentes em Chapecó. Com isso, transparece a prioridade que a política municipal de habitação estabeleceu, naquele momento, em relação aos maiores assentamentos irregulares. Novas AEIS foram demarcadas entre 2006 e 2010, tanto em áreas irregulares não gravadas pelo plano diretor de 2004, como em áreas de outra natureza. No que se refere às áreas irregulares, tem-se que das 56 existentes em 2010, 13 constituíam AEIS ou estavam com processo de criação de AEIS em tramitação (25% em relação ao todo). Com base nisso, considerando-se que entre 2004 e 2010 várias áreas foram objeto de regularização fundiária e ações de reassentamento, verifica-se uma melhora da situação em relação a 2004, quando a porcentagem de áreas irregulares marcadas como AEIS, como visto, não chegava a 20% do todo. Destaca-se também a marcação de AEIS em áreas precárias e degradadas para fins de recuperação urbanística, assim como em novas glebas nas proximidades de áreas irregulares, possivelmente destinadas a projetos de habitação de interesse social e ações de reassentamento. Com isso, o gravame passa a contemplar de maneira mais ampla os princípios do PDDTC referentes à instituição das AEIS. 7. Resultados e limites da política habitacional recente Os dados estudados permitem constatar que tem ocorrido uma significativa redução do número de famílias em áreas irregulares: de 2.509 famílias em 2004, tal população foi reduzida a 1.768 habitantes em 2010, o que representa uma redução de 29,53%. No mesmo intervalo, 765 famílias foram beneficiadas por projetos de regularização fundiária, sendo regularizadas in loco ou reassentadas em outras áreas, através de projetos de habitação de interesse social (RIGON et al, 2011). Logo, as ações do poder público municipal voltadas a sanar esse déficit habitacional têm demonstrado resultados bastante positivos nos últimos anos. Por outro lado, suas limitações tem se mostrado evidentes, através do não seguimento, na implementação das ações, de muitos princípios básicos presentes nos programas do PDDTC. No que se refere aos assentamentos irregulares não gravados como AEIS até 2010, se entre esses há áreas localizadas em encostas, áreas encravadas e locais alagadiços, casos em que realmente não seria viável a regularização fundiária e urbanização in loco, também há outras cujas condições de localização e/ou ambientais não configuram situação de risco ou empecilhos à urbanização, mas mesmo assim não são consideradas como AEIS. Verifica-se, com isso, que não são claros os critérios levados em consideração na escolha de quais áreas irregulares devem constituir AEIS. Destaca-se, como mostra Rigon et al (2011), que as ações de regularização fundiária e urbanização de áreas irregulares nem sempre garantem a melhoria plena das condições habitacionais dos assentamentos beneficiados, já que persistem, em algumas áreas regularizadas entre 2004 e 2010, condições de precariedade no que se refere à moradia e à oferta de infraestrutura urbana. Tal fato leva a questionar a capacidade dessas ações em promover melhorias significativas na qualidade de vida das populações beneficiadas. No que se refere ao reassentamento de famílias, embora haja exemplos onde houve a construção de conjuntos habitacionais de interesse social para reassentar tais populações nas proximidades das áreas irregulares, demonstrando a preocupação com o cumprimento de princípios presentes nos programas do PDDTC, também há casos de populações reassentadas em locais distantes daqueles em que habitavam irregularmente, engendrando assim problemas de ordem social. Sobre o papel das AEIS como reserva de terras para produção de empreendimentos habitacionais de interesse social, retoma-se a crítica desenvolvida pela Rede de Avaliação e de Capacitação para Implementação dos Planos Diretores Participativos em relatório sobre o PDDTC, no sentido de questionar a capacidade de oferta de moradia de interesse social à faixa da população que necessita. Se as AEIS destinadas à reserva de terras para produção de habitação de interesse social (HIS) somam áreas pouco expressivas no mapa do plano diretor de 2004, a partir de então salienta-se que o gravame dessas áreas tem freqüentemente ocorrido a partir da aprovação de projetos de conjuntos habitacionais/loteamentos de interesse social.Tais projetos têm antecedido (ou mesmo eliminado) a etapa de planejamento, materializando-se o que Ceolin et al (2011) entende como produção habitacional dissociada das políticas e do planejamento urbano. Diante disso, a localização dessas AEIS tem sido entregue às forças do mercado especulativo de terras, que tem feito com que vários loteamentos de interesse social/conjuntos habitacionais se instalem em áreas desarticuladas da malha urbana consolidada. Isso reverte em inevitáveis problemas urbanísticos, já que, como lembra Ceolin et al (2011, s.p.), muitas unidades acabam se localizando “[...]em lugares com pouca inserção social e espacial, não proporcionando acessibilidade adequada, além da não disponibilizar espaços de convivência e lazer,” ao que se soma déficit de qualidade das tipologias habitacionais. Reproduzem-se, assim, padrões urbanísticos e construtivos de baixa qualidade, semelhantes àqueles difundidos em tempos do Banco Nacional da Habitação (BNH), os quais já receberam críticas veementes pela fraca qualidade de vida que são capazes de gerar. 8. Considerações finais Com isso, entende-se que entre 1990 e 2010 houve significativas mudanças nas políticas públicas municipais direcionadas aos assentamentos irregulares em Chapecó. O Plano Diretor Físico-Territorial de 1990 refletia a postura segregatória e de não intervenção que caracterizou a ação pública até então, no sentido do não reconhecimento da necessidade de dirigir políticas públicas de habitação às áreas irregulares, que já eram expressivas. Embora em 1993 tenham havido as primeiras ações de reconhecimento das áreas irregulares, estas continuaram a crescer ao longo da mesma década, frente à omissão dos órgãos públicos em relação à questão. A estruturação de políticas públicas voltadas ao combate do problema só ocorreu em fins dos anos 90, quando se passou a visualizar a questão habitacional como estratégica. A partir daí, houve um período de gradativas transformações, com as primeiras ações concretas em torno da questão, culminando com a aprovação do novo plano diretor, em 2004. De fato, este constitui importante marco na história das políticas de habitação no município, na medida em que incorporou uma política habitacional integrada, baseada em princípios como a justiça social e o direito à cidade para todos. A partir de então, resultados bastante positivos vem sendo apresentados no que se refere à redução do número de famílias em áreas irregulares, mediante projetos de regularização fundiária/urbanização de assentamentos irregulares ou mesmo de loteamentos de interesse social. Apesar disso, é inegável que fatores como a influência de interesses econômicos e do mercado imobiliário têm obstaculizado o cumprimento de princípios fundamentais do plano diretor quando da implementação das propostas, sendo responsáveis por muitos dos efeitos perversos verificados, que põem em questão a própria capacidade de efetivação desta política. Enfim, conclui-se que em Chapecó, no período entre 1990 e 2004, as avaliações têm sido positivas no que se refere à execução de políticas habitacionais dirigidas a áreas irregulares, como tem se mostrado nos últimos anos, mas é preciso rever como essas têm se materializado nos projetos implantados, para que se garanta o cumprimento dos princípios da política habitacional estabelecidos no âmbito do PDDTC e, com isso, a sua efetividade. Ficam abertas questões para novos estudos e pesquisas, essenciais para que se possa proceder essa avaliação e também dar direcionamento aos programas de habitação voltados a minimizar o déficit habitacional dos assentamentos irregulares na cidade, bem como melhorar a qualidade urbana e das moradias nas áreas de interesse social. 9. Referências BONDUKI, N. Origens da habilitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. 342 p. BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. 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Chapecó: Argos, 2008. i Entre 1970 e 1980, a população da cidade passou de 49.865 para 83.768 habitantes, período em que sua população urbana quase triplicou (PMC, 2011). ii Para Monteiro (2006), a soma das áreas em que a residência multifamiliar popular era proibida somava 1572 ha (hectares) de áreas urbanizadas, contra 25 ha em que era permitida (o que correspondia a 0,8% da área urbanizada na época). iii De acordo com Moser (1995), a pesquisa foi encomendada pela Secretaria do Desenvolvimento Comunitário e Habitação (SDCH) à Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). iv Publicação “Congresso da cidade: a cidade pensada por todos e para todos”, da Prefeitura Municipal de Chapecó, s.d., p. 25. v Registra-se a conclusão de três projetos entre 2002 e 2003, bem como a existência de 10 projetos em execução a partir de 2002 (SIGNORI; BOSEMBECKER; UCZAI, 2004 apud HASS, 2006).