XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. 29 de maio a 1 de junho de 2007, UFPE, Recife (PE) GT 16: Pensamento Social Brasileiro Versões conflitivas da “condição de sociólogo” na USP dos anos 1950/60 Carolina Pulici – USP [email protected] 1 Versões conflitivas da “condição de sociólogo” na USP dos anos 1950/601 Carolina Pulici 2 Registra-se já há algum tempo no Brasil, no âmbito das pesquisas sobre processos intelectuais contemporâneos, a emergência de estudos sobre a institucionalização das ciências sociais no país, referendando a importância atribuída às condições que informam a vida acadêmica na conformação do conhecimento científico propriamente dito. Em meio a um contexto histórico de crescente profissionalização universitária, o diagnóstico de Russell Jacoby de que “hoje, os intelectuais não-acadêmicos são uma espécie ameaçada” (Jacoby, 1987:20) faz-se de certa forma ouvir por esse ramo da ciência social brasileira, que tal como o autor americano reflete sobre impacto das condições institucionais na formação dos hábitos e linguagens com que se expressam os intelectuais3. A investigação de quanto o pensamento é vulnerável aos constrangimentos a que estão expostas quaisquer outras práticas sociais não suplanta ou substitui a interpretação centrada exclusivamente nas idéias, mas dá a ver o quanto os sistemas de pensamento devem necessariamente algo às condições em meio às quais se formaram. No bojo das críticas que dirige à razão e à prática escolásticas, Pierre Bourdieu avalia que quando se trata de pensar as coisas da vida intelectual, há sempre uma recusa renitente em lograr “uma consciência mais aguda e um domínio mais completo das constrições que podem se exercer sobre o ‘sujeito’ científico por meio de todos os liames que o vinculam ao ‘sujeito’ empírico, a seus interesses, pulsões, pressupostos, e com os quais ele precisa romper para se constituir” (Bourdieu, 2001:145). Tendo em vista que, como os demais campos sociais, o meio intelectual é também um universo que possui seu senso comum, a reflexão acerca dos limites do pensamento e das condições de seu exercício poderia fazer com que o intelectual submetesse a exame o mundo de que faz parte, escapando à tentadora e “rentável” tendência de fazer com que a simples referência às condições sociais da “criação” fosse um ato de difamação, e, suprema afronta, uma tentativa de reduzir o “único” ao genérico. Pouco inclinado a reter apenas a singularidade reivindicada pelos que acreditam pertencer a um mundo inefável, que só existiria em sua unicidade absoluta, o projeto de restituir a visão do meio universitário e intelectual a que pertencia nos anos 1950 “não no que ela pudesse ter de ilusoriamente único, mas sobretudo no que pudesse conter de mais corriqueiro” (Bourdieu, 2001:45) teria sido, para Bourdieu, uma forma de “fazer avançar o conhecimento realista da cidadela científica, 1 Esta é uma versão bastante resumida de minha dissertação de mestrado, defendida em 2004 na FFLCH-USP. Doutoranda em sociologia pela USP. 3 Ver, entre outros, Azevedo, 1947; Carvalho Franco, 1961, 1962, 1980; Fernandes, 1962, 1966, 1977, 1978; Mello e Souza, 1968; Mesquita Filho, 1969; Mello e Souza, 1979; Arbousse-Bastide, 1981-1984; Arbousse-Bastide & Coelho, 1981; Pereira de Queiroz, 1982, 1992; Cardoso, 1982; Cardoso, 1981-84, 1987, 1998; 2004; Morse, 1990; Peixoto, 2001; Arruda, 1995; Arantes, 1994; Vianna, 1997; Villas Bôas, 1997; Pontes, 1997,1998; Jackson, 1998; Martins, 1998; Schwarz, 1999; Miceli, 2001a, 2001b; Limongi, 2001a, 2001b; Sallum, 2002; Garcia, 1997, 2002; Romão, 2003. 2 2 com suas relações de força, efeitos de dominação, tiranias e clientelas” (Bourdieu, 2001:148). Certo de que a análise das condições em que se realiza o trabalho intelectual pode oferecer uma liberdade real diante das determinações por ela desvendadas, o autor considera que “é a história social das instituições de ensino (a mais banal de todas e ausente da história das idéias, tanto das filosóficas como das demais) e a história (esquecida ou recalcada) de nossa relação singular com essas instituições que podem nos oferecer algumas verdadeiras revelações sobre as estruturas objetivas e subjetivas (classificações, hierarquias, problemáticas, etc.) que, a despeito de nossa vontade, sempre orientam nosso pensamento” (Bourdieu, 2001:19). Se nessa linha de análise são os sistemas de pensamento tributários da forma pela qual seu conteúdo foi organizado e transmitido institucionalmente, as mudanças nos princípios pelos quais se passou a conceber e praticar o trabalho intelectual em sociologia quando do estabelecimento universitário dessa disciplina não nos autorizam a dizer que foi a história das idéias sociológicas na Universidade de São Paulo uma exceção à regra. A existência de um número significativo de trabalhos dedicados à história social, política e institucional do pensamento sociológico na USP poderia dar a impressão de que não houvesse muito mais a ser dito, não fosse o fato dessas interpretações se concentrarem nos feitos intelectuais dos que atuaram paradigmaticamente na tarefa de construção da sociologia acadêmica no país, cujo exemplo mais marcante foi Florestan Fernandes. Seja porque todo um debate em torno de sua personalidade intelectual sublinha “essa convicção de que o sociólogo tem algo a dizer que é específico dele” (Cohn, 1986:140), seja porque, posteriormente, a criação do Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (CESIT) não só reorientou a dinâmica até então usual das pesquisas como congregou, em meio à intensa discussão sobre o desenvolvimento brasileiro, análises articuladas acerca dos possíveis papéis da indústria e do empresariado nos rumos do país, certo é que os sociólogos que se mantiveram alheios tanto às novas temáticas quanto à consagração mais sistemática dos critérios que passaram a orientar o trabalho acadêmico são, não raras vezes, desconsiderados nas várias definições do que vem a ser “sociologia uspiana” (Sallum, 2002) 4. Essa espécie de universalização de tradições intelectuais específicas certamente não é fruto do acaso. Quando Carlo Ginzburg e Enrico Castelnuovo (Ginzburg & Castelnuovo, 1991) destacaram a duradoura negligência da historiografia artística em relação à produção do sul da Itália, não deixaram, entretanto, de sublinhar que tal lacuna refletia a própria clivagem característica da história (não só pictórica) da Itália. Tal como a inexpressiva distinção entre arte italiana e arte produzida no centro-norte do país devia-se à existência de uma região geográfica de fato hegemônica, acreditamos que também a associação entre Cadeira de Sociologia I e sociologia 4 Identificam a história do pensamento sociológico na USP à história da Cadeira de Sociologia I os trabalhos de Liedke, 1991; Arantes, 1994; Vianna, 1997; Miceli, 2001a e Limongi, 2001a. Ver, em anexo, os nomes dos sociólogos que integraram a Cadeira de Sociologia I e a Cadeira de Sociologia II da Universidade de São Paulo entre 1954 e 1969. 3 uspiana, recorrente na bibliografia sobre o tema, derive de um certo padrão de ensino e pesquisa ter se tornado dominante num dado momento que, no entanto, encerrou diferentes apostas acadêmicas5. O reconhecimento de orientações hegemônicas não nos isenta, contudo, da tarefa de confrontá-las às correntes dominadas, segundo o princípio de que todo projeto intelectual afirma-se, especialmente, naquilo que recusa (Bourdieu, 2005). Além disso, a análise comparativa de grupos intelectuais divergentes (e desigualmente influentes) nos permite avaliar em que medida as visões conflitivas de um universo acadêmico revelam mudanças em seus princípios de hierarquização legítimos, apontando para a redefinição dos critérios norteadores da atividade intelectual universitária. Nessa linha de juízo, orientamos esse texto no sentido de marcar que além das polarizações existentes entre a sociologia carioca e a paulista (Miceli, 2001a), ou entre a orientação acadêmica da Escola Livre de Sociologia e Política e a Faculdade de Filosofia da USP (Limongi, 2001b), também os sociólogos circunscritos ao ambiente acadêmico uspiano não só não partilharam uma concepção unívoca de trabalho intelectual em sociologia, como conformaram diferentes modalidades de exercício acadêmico. Em lugar de avaliar cada uma das cátedras de sociologia isoladamente ou, ainda, um único de seus integrantes individualmente, o texto que segue põe em confronto as Cadeiras de Sociologia I e II – então os mecanismos básicos do processo de institucionalização da sociologia na USP -, e, especificamente, a partir de suas concepções de trabalho intelectual em sociologia e de prática acadêmica. Dessa forma, selecionamos os autores abordados não em função de suas análises sociológicas substantivas, mas dos discursos acadêmicos, entrevistas e obras que revelaram uma tomada de posição na discussão (tão cara ao período) de “como o sociólogo brasileiro deve praticar o seu ofício”6. Modelos de excelência intelectual Tendo iniciado seus cursos, em 1934, com um quadro de professores oriundos da chamada “Missão Francesa” (Peixoto, 2001), a Faculdade de Filosofia da USP passaria, a partir de meados dos anos 1950, a ter seu corpo docente formado em maioria absoluta por brasileiros, indutores de mudanças nas atividades de ensino e pesquisa até então vigentes. No caso da disciplina de sociologia, a substituição de Roger Bastide por Florestan Fernandes no posto de catedrático da Cadeira de Sociologia I a partir de 1954 implicou não apenas a reorientação dos propósitos de estudo, como uma alteração da própria composição do corpo docente. Nesse momento de transformação das categorias de percepção e apreciação, muitos daqueles que até então se autodenominavam sociólogos deslocaram-se para outras áreas de conhecimento (como a estética e 5 Exceções a essa tendência de associar a sociologia da USP à sociologia do grupo de Florestan Fernandes são os trabalhos de Pontes (1998), Jackson (1998) e Kominsky, 2000. 6 Frase cunhada por Florestan Fernandes, que na abertura de A sociologia no Brasil assume que escrevera o livro “principalmente para dizer como o sociólogo brasileiro deve ‘praticar o seu ofício’” (Fernandes, 1977:7). 4 a literatura), outros permaneceram na sociologia, mas transferiram-se para a cátedra contraposta à de Florestan Fernandes, a Cadeira de Sociologia II. A partir daí, os diferentes juízos acerca do que havia sido o magistério dos franceses já anunciavam as futuras discordâncias a respeito de quais seriam os padrões desejáveis de trabalho intelectual em sociologia, configurando um campo de disputas bastante nítido até o final da década de 1960, quando o regime de cátedras se diluiu na atual estrutura departamental, e Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni foram compulsoriamente aposentados pelo regime militar. Se ainda nos anos 1970 alguns trabalhos de Ruy Galvão de Andrada Coelho (Coelho, 1968[1966]), Antonio Candido de Mello e Souza (Mello e Souza, 1978), Gilda de Mello e Souza (Mello e Souza, 1987[1950];1979[1973]), Maria Isaura Pereira de Queiroz (Pereira de Queiroz,1955a;1955b), Duglas Teixeira Monteiro (Monteiro,1965;1974) e Fernando Augusto Albuquerque Mourão (Mourão, 1978, [1969]) ecoavam as investidas de Roger Bastide em prol de uma sociologia da arte e da cultura plenamente dotada de estatuto científico (Bastide, 1979[1945]; 1983[1946]), a partir de 1954 teve início, por iniciativa da Cadeira de Sociologia I regida por Florestan Fernandes, uma nova “cruzada” reivindicatória de um campo de estudos, dessa vez para instituir uma sociologia mais diretamente comprometida com as transformações em curso no Brasil de então. Não há dúvida que Florestan Fernandes e discípulos avaliavam positivamente a iniciativa de criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, reconhecendo o quão progressistas foram seus idealizadores ante os horizontes retrógrados de então. Mas se esses sociólogos reverenciaram as novas modalidades de trabalho personificadas pela Missão Francesa (Fernandes, 1978), mais empenhados estiveram em demonstrar o quanto a nova Faculdade ainda contemporizava com os antigos propósitos de estudo de humanidades, e o quão necessário se fazia “efetuar radicais alterações na orientação que vem sendo seguida, na transplantação e na assimilação do saber científico” (Fernandes,1962:4). Nessa imperiosa tarefa de inovação acadêmica, o conjunto de “textos-manifestos” que esses intelectuais fizeram vir a lume nos anos 1950/60 detratou o que eles consideravam um conhecimento “livresco” – que ignoraria “as funções da universidade como agência de produção de conhecimentos científicos originais” (Fernandes, 1977[1956]:47) -, um programa de educação humanística que contemplasse as experiências culturais do “homem-domundo” (Cardoso, 1960), um projeto de conhecimento “puro e desinteressado” (Fernandes, 1960; Carvalho Franco, 1962) e o apreço pelo trabalho individual (Carvalho Franco, 1961). Arvorando-se em árbitro, o grupo reivindica a obrigatoriedade da pesquisa empírica, a ligação entre a sociologia e os processos contemporâneos de transformação social (Cardoso, 1960; Carvalho Franco, 1962), a escolha de assuntos que fossem mais relevantes do ponto de vista da sociedade brasileira (Fernandes, 1962), a instituição do trabalho em equipe (Carvalho Franco, 1961 e 1962) e, finalmente, a especialização das áreas de conhecimento, em oposição às pretensões de intercâmbio disciplinar até então vigentes. No discurso desses sociólogos a mensagem é clara: há que se conceber 5 instrumentalmente a educação, negando um ideal de instrução “contemplativo” e sem finalidades práticas. Nessa linha de juízo, a escolha de temas não deveria ser feita tendo-se em vista exclusivamente seu interesse científico, em detrimento de sua importância do ponto de vista da práxis (Fernandes, 1958): pesquisar “qualquer coisa” não faria senão repor o ideal de “ilustração” com que sempre se legitimou o ensino de humanidades no Brasil (Fernandes, 1966). As investigações deveriam, em suma, voltar-se ao controle dos problemas sociais com que nos defrontamos (Carvalho Franco, 1962). E foi sobretudo através de críticas ao projeto originário da Faculdade de Filosofia escrito por Fernando de Azevedo – o qual, na visão do grupo, atribuía à nova Faculdade a função de fornecer refinamentos culturais mais ou menos gratuitos - que a Cadeira de Sociologia I explicitou as exigências e pressupostos julgados imprescindíveis ao trabalho do moderno sociólogo brasileiro7. Certos de que no tempo dos franceses “a comunicação no plano didático e a ministração de leituras constituíam a esfera essencial das atividades” (Fernandes, 1977[1956]:46), esses intelectuais acadêmicos insistiram ainda na multiplicação dos papéis de atuação profissional do sociólogo – através da formação do “pesquisador” e do “técnico” em sociologia -, e isso tanto para alargar as oportunidades de trabalho dos formados em ciências sociais quanto para que o conhecimento sociológico encontrasse receptividade na sociedade mais ampla, o que, acreditavam, fortaleceria a posição da sociologia no sistema científico brasileiro, atenuando a situação de indigência financeira com que se desenvolvia a pesquisa sociológica no Brasil (Carvalho Franco, 1962). Mas enquanto os integrantes da Cadeira de Sociologia I apresentam-se como agentes de inovação institucional, não há, para começo de comparação, qualquer texto dos professores da Cadeira de Sociologia II cuja temática seja uma alteração radical dos valores norteadores do trabalho intelectual em sociologia, e muito menos uma crítica ao projeto originário da Faculdade de Filosofia. Mais do que isso, a referência de Florestan Fernandes à “batalha” em torno da formação do “técnico” em sociologia e às polêmicas por ela suscitada no interior das cátedras (Fernandes, 1978:22) está a sugerir que nem todos os sociólogos do período partilhavam a visão de que, como as “ciências de laboratório”, as ciências sociais deveriam converter as demandas da sociedade em problemas acadêmicos, independentemente das preferências individuais dos próprios investigadores. Considerando que ao alardear as exigências específicas da “condição de sociólogo”, um grupo enuncia também os valores e interesses que lhe são divergentes, é possível ver na personalidade intelectual de Fernando de Azevedo algumas das orientações que a Cadeira de Sociologia I buscava superar. Muito embora esse catedrático da Sociologia II tenha tido um papel importante no estímulo de pesquisas empíricas em ciências sociais - como não permite negar a direção do Centro Regional de Pesquisas Educacionais -, ele mesmo não fez pesquisa de campo, 7 Para uma avaliação desse projeto originário, cuja preocupação dominante seria difundir uma “cultura livre e desinteressada”, ver Azevedo, 1947; Carvalho Franco, 1962 e 1980; Cardoso, 1982 e Limongi, 2001a e 2001b. 6 nem se orientou para questões contemporâneas quando do estudo de temas brasileiros. Além disso, seus títulos Páginas latinas: pequena história da literatura romana, No tempo de Petrônio e Na batalha do humanismo revelam uma aproximação inequívoca dos ideais de instrução ligados ao humanismo clássico, o que por si só o associava a uma tradição de estudos tida como inadequada por Florestan Fernandes, para quem o ensino humanístico só fazia reforçar “uma fonte de complexos, de ressentimentos e de atitudes de insegurança dos brasileiros em face das chamadas ‘nações cultas’” (Fernandes, 1977 [1954]: 118). Além disso, Azevedo fora explícito quanto ao propósito de “alta finalidade cultural” da Faculdade de Filosofia que, no seu entender, deveria empreender “estudos puramente teóricos que pairam numa esfera superior, estranha a quaisquer preocupações profissionais e cuja finalidade se dirige no sentido de criar uma atmosfera de pesquisa, de pensamento criador e espírito crítico, de cultura livre e desinteressada, em que a todas as preocupações utilitárias se sobrelevem a da pesquisa original e a do domínio, tão completo quanto possível, de uma especialidade no vasto campo dos conhecimentos humanos” (Azevedo, 1947[1937]:76). Também Ruy Galvão de Andrada Coelho, substituto de Fernando de Azevedo na regência da Cadeira de Sociologia II, pautou sua vida acadêmica em princípios destoantes dos preconizados pelo modelo de trabalhador intelectual concebido pelo grupo da Cadeira de Sociologia I, já que nunca se sentira obrigado a estudar o Brasil – escreveu sobre Proust, Kafka e os negros de Honduras-, nem a deixar de praticar uma sociologia eminentemente teórica (tese de livre-docência e cátedra), desvinculada de investigações empíricas sistemáticas, não tendo ainda cedido às pressões do período em prol das especializações disciplinares e temáticas. Contrariamente à redução da variedade temática e das especialidades sociológicas se posicionou também a veterana da Sociologia II Maria Isaura Pereira de Queiroz quando, em texto sobre a sociologia uspiana da década de 1960, lamentou que o grande aumento de estudantes em ciências sociais teria sido acompanhado de uma obsessão por certos objetos de pesquisa, já que as investigações tenderam a se concentrar “em torno de problemas precisos da atualidade, num esforço tanto de compreensão quanto de procurar soluções” (Pereira de Queiroz, 1992:401)8. Enquanto Florestan Fernandes avaliou que “o sociólogo isolou-se demais no passado”, em detrimento do conhecimento da sociedade brasileira contemporânea (Fernandes, 1977, 1978), Maria Isaura Pereira de Queiroz emitiu um diagnóstico oposto, considerando que “no Brasil o presente tem muita força” e a “convicção de que nele estão as raízes do futuro” leva a que os brasileiros - e “seus estudiosos em particular”- escolham “uma única via preferencial, a especialização numa direção, como se fora dela não existisse salvação” (Pereira de Queiroz, 1995b:10). A reprovação de Florestan Fernandes de que durante o tempo em que fora aluno dos franceses “não aprendera nada que fosse sólido, seguro, definitivo, que me permitisse dizer ‘domino 8 Embora escrito nos anos 1990, este texto é todo centrado na produção sociológica uspiana dos anos 1960. 7 esta área’” (Fernandes, 1977:167) não parece corresponder assim ao que seriam as dificuldades de alguns professores remanescentes de “um período arcaico e talvez artesanal de nossa história, porque sem especializações” (Mello e Souza,1979:9). O mal que vê Florestan Fernandes no fato de que “meus professores não tentavam encaminhar os estudantes para a sociologia, a economia, a filosofia ou a estatística” (Fernandes, 1978:6) é rejeitado por Antonio Candido que, muito ao contrário, reverencia o fato de que “a seção de filosofia, e um pouco a de ciências sociais, produziram críticos nos mais variados setores: arte, literatura, teatro, cinema”, e de que intelectuais como Gilda de Mello e Souza, Ruy Coelho e ele próprio não tenham sido formados em letras ou artes, mas em filosofia e ciências sociais (Mello e Souza, 1996:29). Não é menos negador do problema da falta de especialização apontado por Florestan Fernandes o entusiasmo com que Maria Isaura Pereira de Queiroz reflete sobre o magistério de Roger Bastide que, tendo formado uma primeira turma de cientistas sociais cujas obras voltaram-se para problemas os mais variados, empreendeu uma ação “que foi além da sociologia, da antropologia social, da psicologia social, disciplinas que se aninham sob o título de ciências sociais, estendendo-se à psicanálise e à psiquiatria, à filosofia e à moral, chegando à literatura e às artes, pois deu diferentes cursos sobre as relações entre a sociologia e estes outros ramos do saber” (Pereira de Queiroz,1994a:216). O balanço das visões conflitivas do universo acadêmico historiado nos permite concluir que enquanto o grupo de Florestan Fernandes julgava que “na escolha dos objetos de pesquisa devemos dar prioridade aos assuntos que são mais relevantes para o conhecimento da sociedade brasileira e ao controle dos problemas sociais com que nos defrontamos” (Fernandes, 1962:18), Ruy Coelho insistia no contrário, creditando ao fato de estarem pela primeira vez lidando com “ciência pura”, nãoaplicada, a maior prova de que a Faculdade de Filosofia conseguia enfim atenuar nosso longínquo estado de indigência cultural: “Os alunos estavam deslumbrados, fascinados e um pouco atônitos. De repente, descobrimos. E essa descoberta foi bem colocada por Lourival Gomes Machado, que já havia concluído o curso: ‘Vocês não estão percebendo que no Brasil há sempre e apenas ciência aplicada e que estamos aprendendo aqui uma coisa igualmente importante, que é a ciência pura?’ ” (Arbousse-Bastide & Coelho, 1981:16). Outra não é a opinião de Antonio Candido quando avalia que no Brasil a idéia do conhecimento que se justifica pela prática sempre foi a regra do ensino superior orientado pelas profissões liberais, e que “a Faculdade de Filosofia foi criada para alterar a perspectiva e desenvolver de maneira sistemática o saber que se chama desinteressado, pois só ele permite aprofundar a investigação que faz progredir o conhecimento e, portanto, a sua aplicação eventual” (Mello e Souza, 1981-84:117). As opiniões desses veteranos da Sociologia II tipificam uma posição que é tributária da aspiração do projeto originário da Faculdade de Filosofia de “cultura pela cultura” e de “foco ardente de ambição desinteressada” que, diante do monopólio dos que exerciam profissões de “aplicação imediata”, mas que em matéria de ciência e de cultura se mostravam superficiais e incultos, sinonimizou os termos progresso científico-cultural e ausência de qualquer idéia de aplicação. Nas 8 palavras de um dos mentores da nova Faculdade: “Não se aceita que um instituto superior tenha por missão algo mais do que fornecer à sociedade práticos capazes de tirar partido da arte médica, de perscrutar um pulmão, diagnosticar uma pneumonia ou abrir com perícia um peritônio (...) Não se cultiva a ciência médica propriamente dita, nem se procura despertar na mocidade o gosto pelas pesquisas desinteressadas” (Mesquita Filho, 1969:62) 9. Já os discípulos de Florestan Fernandes claramente não nutriam a enorme desconfiança do modelo norte-americano de universidade que Paul Arbousse-Bastide orgulhosamente atribuiu ao grupo idealizador da Faculdade de Filosofia (Arbousse-Bastide, 1981-84:14). Pelo contrário, as inclinações de trabalho da Cadeira de Sociologia I inspiram-se claramente na orientação acadêmica da Universidade de Chicago, cujo projeto de associação entre ensino e pesquisa previa antes o voltar-se à “criação de conhecimentos novos do que para a sua reprodução” (Vianna, 1997:178). Diferentemente das escolas francesas, menos inclinadas ao estudo de temas considerados de “utilidade pública” (Peixoto, 2001), os centros norte-americanos e sua proposta de interagir diretamente na resolução dos problemas coletivos parecem ter entusiasmado Florestan Fernandes que, como vimos, lamentava-se de que “ainda sofremos a deformação de dar preferência a projetos nos quais só existem, explicitamente, objetos empíricos ou teóricos. Os objetivos práticos são costumeiramente negligenciados” (Fernandes, 1978:73). Também ecoam aqui, claramente, os ensinamentos de Karl Mannheim, que ao refletir sobre o lugar do intelectual na divisão social do trabalho e discorrer sobre seu possível alheamento em relação às preocupações práticas da sociedade considera que “o pensador imune à refutação pelos fatos tende a esquecer-se da principal finalidade do pensamento: saber e prever para agir” (Mannheim,1974:129). Modalidades de exercício acadêmico Os discursos com que os sociólogos em pauta posicionaram-se quanto ao que entendiam por excelência intelectual em sociologia e por meios adequados de alcançá-la só poderão ser melhor avaliados quando referidos aos padrões acadêmicos que deram vida a essas declaradas filiações, mediante o exame dos programas acadêmicos vigentes nos cursos de sociologia do período, dos memoriais acadêmicos de alguns dos sociólogos abordados, das orientações temáticas das teses - e subseqüentes estratégias de publicação -, e do reconhecimento dos quatro centros de pesquisa criados pelas Cadeiras de Sociologia entre 1954 e 1969, testemunhos institucionais indispensáveis ao exame da formação da sociologia universitária brasileira10. 9 Como mostrou Fernando Limongi, “a preocupação de se ‘eliminar completamente da Faculdade de Filosofia todos os seus componentes utilitários e práticos’ está em perfeita concordância com os princípios a inspirar o movimento. A oposição Faculdades Profissionais x Faculdade de Filosofia, construída pelos próprios mentores desta última, visava criar uma faculdade não-utilitária, não-prática e purgada ao máximo do caráter profissionalizante”. Cf. Limongi, 2001a:187. 10 “Fazer incidir o foco da investigação sobre a instituição”, escreveu Sergio Miceli, “contribui para inviabilizar duas costumeiras operações redutoras, tanto a que atribui um dado empreendimento institucional aos mentores tidos como responsáveis e interessados por sua criação, como aquela tendente a enxergá-lo como sendo uma espécie de retrato coletivo 9 Uma das discordâncias, como vimos, residia na defesa de análises preferencialmente centradas nos processos brasileiros contemporâneos. Assim é que mostram os programas acadêmicos de 1965 e 1966 que afora os conteúdos típicos do currículo do sociólogo, a Cadeira de Sociologia I ofereceu cursos voltados à situação do “Brasil novo” e ao processo de gênese e desenvolvimento do capitalismo de forma mais ampla, tais como “A formação da sociedade industrial no Brasil”, “Sociologia do desenvolvimento”, “Sociologia das sociedades industriais”, “Aspectos institucionais do desenvolvimento econômico”, “Tensões sociais na sociedade brasileira” e “Formação e desenvolvimento da sociedade brasileira”, onde se discutia “o uso de técnicas e conceitos sociológicos na descrição e interpretação de uma ‘sociedade nacional’”, a “importância do estudo das ‘sociedades nacionais’ para a sociologia”, “os obstáculos sócio-culturais ao desenvolvimento”, “o processo de desenvolvimento de uma economia sub-desenvolvida”, entre outros tópicos. Em contrapartida, nesse mesmo intervalo de tempo a Cadeira de Sociologia II ofereceu o curso “Teorias sociais”, ministrado por Ruy Galvão de Andrada Coelho, cujo programa acadêmico tinha como alguns de seus tópicos “A emergência da ficção em prosa nas literaturas das diferentes sociedades”, “A estrutura social da Inglaterra no século XIX vista pelos romancistas” e “Ordem social, papéis sociais, personalidade e tábuas de valores na obra de Jane Austen, Emily Brontë, George Elliot e Virginia Woolf”. Em 1967 a cadeira de Ruy Coelho mostrava mais uma vez o empenho de cosmopolitismo ao oferecer um curso predominantemente centrado na história da França da 2a República tal como aparece nos escritos de Marcel Proust, que além de propor esta obra como depoimento social, tinha como pontos de discussão “A concepção de personalidade de Proust”, “A idéia do homem em Proust”, “Universalidade de Proust”, entre outros. A não obrigatoriedade de investigações centradas nos problemas brasileiros mostrou-se também na introdução do curso “Sociologia da África negra”, por intermédio de Fernando Augusto de Albuquerque Mourão. Se afora o conteúdo típico do currículo do sociólogo, a Sociologia I voltou-se, nos anos 1960, aos estudos do processo de industrialização, cujos efeitos, aqui, seriam comparáveis aos dos países centrais, pode-se dizer que a Sociologia II insistiu na temática do “Brasil velho” (“Sociologia rural”), nas análises que enfatizavam as dimensões culturais da experiência humana (“Sociologia das áreas culturais da América Latina”), no estudo dos campos comuns à psicologia e às ciências sociais (“Teorias sociológicas do comportamento”) e, por fim, nos temas ainda pouco legítimos na hierarquia acadêmica da época, como a questão da mulher (“Ensino profissional feminino” e “A visão feminina”). Finalmente, as mudanças no conteúdo do curso de “Sociologia aplicada” quando esse passara a ser ministrado por Florestan Fernandes (e não mais por Roger Bastide) sugerem uma adesão sem precedentes a essa especificidade sociológica e, simultaneamente, uma visão menos entusiasmada e muitíssimo menos maleável das relações entre ciência e arte. No tempo de Bastide, à imagem e semelhança de sua clientela, cujos integrantes são também, para todos os efeitos heurísticos, considerados entre os seus principais beneficiários” (Miceli, 2001b: 18). 10 os alunos matriculados nessa disciplina certamente discutiam “a importância das planificações do mundo de hoje e a função da sociologia” mas, paralelamente a isso, dispunham de um roteiro de estudos cujas primeiras linhas questionavam as possibilidades de uma sociologia aplicada, posto que sempre ameaçada de tornar-se uma sociologia normativa. Cabe destacar ainda que no tempo de Bastide o curso refletia sobre os potenciais da sociologia aplicada diante das patologias sociais, mas também tratava das possíveis relações entre ciência e a arte, como demonstra o primeiro tópico do programa, “Os problemas da ação e as relações entre ciência e arte”. Redefinindo essa herança, o curso de 1955, já sob a responsabilidade de Florestan Fernandes, estipula um programa cujos seis tópicos de discussão centram-se nas possíveis funções da sociologia aplicada frente ao imperativo de controle dos problemas sociais. Às questões como “conhecimento, previsão e controle dos problemas sociais (ou o “encadeamento entre teoria, pesquisa e intervenção”)”, “os papéis dos sociólogos no tratamento dos problemas sociais e na elaboração e execução de planos de intervenção racional nos processos sociais”, “condições e limites da intervenção racional nos processos sociais”, “condições para o aproveitamento prático dos resultados da pesquisa sociológica e para a criação de uma ética de responsabilidade entre os sociólogos” soma-se não a referência às possíveis relações entre arte e ciência, mas a questão explícita dos “fundamentos de uma ‘arte social racional’”. Se mostram os programas acadêmicos que Bastide temia que uma sociologia aplicada se tornasse normativa, na obra de Fernandes é positiva a pressão exercida por essa sociologia que introduz “a tendência a dar maior importância às manipulações interpretativas que impõem o recurso mais extremo e profundo à análise prospectiva (..) das alternativas de intervenção deliberada no curso dos processos sociais (e) dos efeitos previsíveis das mudanças controláveis racionalmente” (Fernandes, 1977[1958]:75). Considerando-se que para Florestan Fernandes faltava ao ensino dos franceses “uma idéia diretiva” (Fernandes, 1978:13), não admira que enquanto a Cadeira de Sociologia II estabelecia que “os cursos de pós-graduação constarão de seminários e colóquios sobre os temas de trabalho escolhidos pelos alunos”, sua cátedra, ao contrário, indicava seis “setores temáticos”, assentando uma hierarquia de objetos de estudo legítimos. Diferentemente da Sociologia II, a cadeira de Florestan Fernandes define itinerários específicos, consagrando determinadas linhas de pesquisa e mantendo outras em surdina, em conformidade com a crença de que era preciso conter a variedade dos campos de investigação, independentemente das preferências individuais dos pesquisadores. A propósito, se esse grupo escreveu que a iniciação científica de um aluno deveria inscrever-se numa pesquisa mais ampla cujo caráter já foi determinado sem sua participação (Carvalho Franco, 1962), não é difícil entender por que no período da grande investigação sobre o desenvolvimento industrial brasileiro, o estudioso do mundo rural José de Souza Martins tenha feito um mestrado sobre o conde Matarazzo que, no seu retrospecto, “foi produto das circunstâncias” (Martins, 1998:111). Daí também Cláudio Vouga avaliar que “virei sociólogo industrial, eu que queria fazer o curso de ciências sociais porque me interessava por literatura” (Vouga, 1988:7). Daí ainda Gabriel Cohn, desde 1968 afeito à teoria sociológica (Cohn, 1977:6), ter obtido o título de mestre com a dissertação A política do 11 petróleo no Brasil (1930-1954), num itinerário de carreira que, tal como os de Martins e Vouga, conforma-se às investidas dos veteranos da Cadeira de Sociologia I em prol de empreendimentos intelectuais cujas tarefas individuais, longe de alimentarem apenas a ambição de natureza pessoal, têm um sentido criador de conjunto. Tendo em vista que, segundo o chefe da Sociologia I, era aconselhável conter a “variedade dos centros de interesses teóricos das investigações sociológicas” (Fernandes, 1962:26), e que nessa cadeira todos os integrantes são alunos subordinados (inclusive intelectualmente) a um professor catedrático já livre-docente, não surpreende que no período estudado o grupo de Florestan Fernandes tenha criado um único centro de pesquisa – o Centro de Estudos de Sociologia Industrial e do Trabalho (CESIT) - no qual, bem ou mal, se acomodam todos os membros da cátedra, ao passo que a antiga cadeira de Fernando de Azevedo viu nascer o Centro Regional de Pesquisas Educacionais em 1955, o Centro de Estudos Rurais (depois tornado Centro de Estudos Rurais e Urbanos) em 1964 e o Centro de Estudos e Cultura Africana (depois tornado Centro de Estudos Africanos) em 1965. Enquanto as linhas mestras de análise sobre as quais incidia o CESIT cobriam com exclusividade alguns temas bastante afinados com o contexto social, político e econômico da época (Fernandes, 1963), o centro de Fernando de Azevedo, longe de restringir-se aos problemas reputados de “utilidade pública” (como os educacionais), previu também, como ele próprio relata, comissões voltadas à crítica das mais variadas artes (Azevedo, 1971). Visando prover os alunos de ciências sociais do treinamento em pesquisas de campo, o Centro de Estudos Rurais foi criado em 1964 por Maria Isaura Pereira de Queiroz e empreendeu desde o início consultorias voltadas a áreas do “Brasil velho” (Pereira de Queiroz, 1995a). Se, tanto quanto o CESIT, o futuro CERU foi desde o início um produtor de conhecimentos passíveis de aplicação, não se pode perder de vista que, enquanto no centro de Florestan Fernandes as pesquisas estiveram voltadas exclusivamente aos aspectos estratégicos do “Brasil novo”, o núcleo constituído por Maria Isaura Pereira de Queiroz oferecia a seus pesquisadores “a possibilidade de estudar problemas variados, muitas vezes considerados sem maior importância e que, ao serem analisados, demonstram seu valor para a compreensão de aspectos importantes da sociedade” (Pereira de Queiroz, 1995a:28). Enquanto para o sociólogo do CESIT “o início do trabalho era aqui, e mesmo que houvesse oportunidade de sair para o exterior, ele (Florestan Fernandes) dava um jeito de o sujeito não sair” (Cohn, 1986:132), no CERU cuidou-se também “para que não ficassem os pesquisadores presos exclusivamente ao seu país, e para que fossem buscar, por meio de bolsas, participação em congressos no exterior, auxílio para pesquisas em colaboração com universidades estrangeiras, bem como a vinda de professores desses mesmos lugares” (Pereira de Queiroz, 1995a:28). E se no futuro CERU havia uma grande preocupação de intercâmbio internacional, pode-se dizer que essa foi a razão de existência do Centro de Estudos e Cultura Africana que, tendo à frente Fernando Mourão, foi desde o início voltado para África e não para os estudos afro-brasileiros (Mourão, 1988). 12 O acompanhamento das estratégias de encarnação institucional de determinadas preferências intelectuais deu a ver incompatibilidades no próprio encaminhamento do exercício acadêmico. Na verdade, Florestan Fernandes sempre fora explícito quanto ao interesse em sedimentar não apenas uma hierarquia temática mas certas modalidades de trabalho intelectual. Suas reflexões acerca das mudanças levadas a cabo pela Cadeira de Sociologia I, a expectativa de que “esses progressos venham a repercutir de maneira intensa na reorganização do ensino, ensejando o estabelecimento definitivo do padrão de trabalho didático que ainda não conseguimos instaurar” (Fernandes, 1977[1957]:84) e especialmente a reprovação não apenas da “pouca importância atribuída pelos professores estrangeiros” mas também pelos “seus continuadores à formação de uma mentalidade científica devotada” (Fernandes, 1977[1957]:98) são uns dentre tantos discursos acadêmicos visando justificar as iniciativas expansionistas do grupo, como a de disputar, em 1964, através de Octávio Ianni, o cargo de catedrático da Cadeira de Sociologia II, onde Ruy Coelho era primeiro assistente (e, portanto, o sucessor “natural”) desde 1958. A referência a uma Cadeira de Sociologia I que cria “tigres” e “leões” e não simplesmente “gatos” (Leoni, 1987) deu-se a ver ainda no tempo com que esses sociólogos escreviam e publicavam suas teses, bem como no próprio empreendimento editorial com que o faziam: não era raro que um jovem assistente da Cadeira de Sociologia I tivesse sua tese impressa numa edição da DIFEL, na coleção dirigida por Fernando Henrique Cardoso, antes de virem a lume os trabalhos dos veteranos da Sociologia II, muitas vezes em modestas impressões nos boletins internos das cátedras. O maior empenho em comprovar o montante de sua produção intelectual também está a confirmar que o comportamento competitivo foi especialmente característico do grupo da Cadeira de Sociologia I11. Chega-se, assim, a algo parecido com o que já referimos anteriormente. Tendo atribuído inatualidade a um conhecimento destituído de caráter instrumental, “gratuito”, a Cadeira de Sociologia I também negou, em suas práticas acadêmicas correntes, atitudes por assim dizer “desinteressadas”, indiferentes à corrida pelos títulos e publicações que se tornaria a norma da carreira acadêmica. Além disso, o maior empenho na difusão das obras correspondia ainda àquele ideal de sociologia técnica, que contrariava a produção sociológica que não fosse digna de aproveitamento pelos círculos leigos, posto que tão-somente aprazível aos iniciados no mundo acadêmico. Quando trata da emergência e do triunfo do modelo do intelectual medieval como um tipo profissional profundamente ligado às cidades e não mais aos restritos meios monásticos, Jacques Le Goff avalia que “urbanos, os novos intelectuais são homens de ofício. Precisam, como os mercadores, uma vez que são ‘vendedores de palavras’ como aqueles que são ‘vendedores de tempo’, superar o chavão tradicional da ciência que não existe para ser vendida, sendo de Deus” (Le Goff, 2003:9). Em sua tipologia das relações comunitárias religiosas, Max Weber mostra como uma religião que se torna livresca visa, sobretudo, ampliar sua esfera de influência para além da restrita casta à qual era dirigida a transmissão oral das 11 Cf. FFCL-USP: retrospectiva e publicações. Seção Gráfica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, 1961. 13 revelações proféticas. Ao contrário da pouco difundida sabedoria brâmane, onde durante séculos “a forma escrita foi até repudiada”, Weber mostra como a ética religiosa racionalizada cuja existência depende da função de educar os leigos tem na tradição fixada literariamente o instrumento por excelência “de um sistema de educação não apenas para os próprios membros do sacerdócio e precisamente para os leigos” (Weber, 2000:315). Secundando os ensinamentos de Abelardo, intelectual medieval que lembrava a Heloísa que só “os filisteus é que guardam sua ciência para si e impedem tanto eles como os outros de aproveitála” (Le Goff, 2003:88), e em perfeito acordo com as recomendações de Weber, para quem a difusão literária era poderosa arma de conquista de mercado entre as várias profecias que disputavam a soberania numa comunidade, a Cadeira de Sociologia I fez de suas estratégias de publicação mais um meio de multiplicação do foco de incidência de sua sociologia e, portanto, de sua influência, como não nega, aliás, o retrospecto de seu líder de que “não nos limitávamos a escrever artigos e livros. Cercávamo-nos de condições que garantissem a sua publicação e a formação do público consumidor correspondente” (Fernandes, 1977:188). Entre o grã-finismo intelectual e a assimilação das massas O exame das visões conflitivas de “como o sociólogo brasileiro deve praticar o seu ofício” pede que aos princípios autoproclamados e às atividades acadêmicas que lhes deram vida se associem as origens sociais dos sociólogos em questão, pois num período de expressiva democratização do acesso à vida intelectual como foi o dos anos 1950/60, os diferentes vínculos com o todo social brasileiro possivelmente influenciaram as divergentes inclinações aqui identificadas. Como não resta dúvida de que para se avaliar um universo valorativo acadêmico há que se olhar para o tipo de intelectual a quem dá oportunidade (e, portanto, para os mecanismos seletivos desses homens), a análise das trajetórias sociais de alguns desses sociólogos permite reconhecer quais foram as formas de pensar a vida e experimentar o mundo dos atores acadêmicos que legitimaram a proeminência dos modelos de excelência intelectual de Florestan Fernandes. Durante o período de vigência do regime de cátedras (1934-1969), a Cadeira de Sociologia II contou com descendentes de antigos círculos oligárquico-aristocráticos do país em sua primeira geração de professores brasileiros, contrariamente ao que ocorreria com a geração seguinte, na qual a maioria dos alunos advinha de famílias recém-chegadas aos estratos médios. Já a Cadeira de Sociologia I acolheu um menor número de sociólogos pertencentes aos grupos senhoriais do país – o que torna a mostrar a incapacidade de reprodução desses setores na Faculdade de Filosofia (Limongi, 2001a) -, e foi a única a contar com sociólogos que eram já “arrimo de família” anteriormente ao ingresso na graduação (e depois no corpo docente) do curso de ciências sociais, a começar pelo seu membro mais antigo e importante. 14 Diferentes correntes sociológicas de análise dos intelectuais sugerem o quanto os impulsos característicos de cada grupo social reverberam nas obras e posicionamentos de seus autores (Mannheim, 1974); (Bourdieu, 1984 e 2005); (Ringer, 2000), segundo a concordância tantas vezes observada entre as disposições dos agentes e as exigências inscritas nas posições que ocupam. A esse respeito, os próprios sociólogos em questão são os primeiros a reconhecer, em depoimentos autobiográficos, o quanto suas respectivas posições na estrutura de relações de classe brasileira direcionaram o tipo de carreira intelectual que vieram a construir (Fernandes, 1977; Mello e Souza, 1998:584; Martins, 1998:152 e outros). Ainda que não se possa afirmar que seus temperamentos intelectuais tenham derivado em linha reta de seus ambientes de origem, pode-se dizer, com alguma segurança, que os descendentes das antigas famílias senhoriais do país foram mais indulgentes com o projeto originário de “cultura livre e desinteressada”, ao passo que o grupo de Florestan Fernandes, que contava com um número maior de sociólogos que trabalhavam para custear seus estudos, foi mais crítico diante da chamada “faculdade-transplante”, tida como alheia às nossas potencialidades culturais e urgências sociais. Da mesma forma, o desinteresse pela sociologia como técnica social foi emitido sobretudo pelos sociólogos mais bem posicionados não apenas econômica mas cultural e socialmente. Freqüentemente descendentes (muito mais, em todo caso, do que os integrantes da Sociologia I) de figuras proeminentes na política local ou do país, os veteranos da Cadeira de Sociologia II foram, além disso, os que mais atribuíram à esfera doméstica a formação de atitudes condizentes com o mundo intelectual (Mello e Souza, 1998; Pereira de Queiroz, 1987), ao passo que o grupo de Florestan Fernandes rompeu com a tradição que faz da pertença a uma família culta, a justificativa primeira do êxito intelectual, apontando preferencialmente para critérios em que a capacidade de realização individual é a medida determinante das coisas: a disciplina monástica de trabalho (Hirano, 1999), o contato com os livros feito às próprias custas (Martins, 1998) e a freqüentação do ambiente exclusivamente acadêmico (Fernandes, 1978). Ao afirmar que no tempo dos mestres franceses o curso de ciências sociais caracterizava-se por “um nível excessivamente alto para as possibilidades intelectuais médias do aluno brasileiro” (Fernandes, 1962:10) e, ainda, que “fui levado a pensar sobre o ensino em termos instrumentais e procurei estabelecer uma ligação entre o que o estudante aprendia e o que ele deveria aprender” (Fernandes, 1978:20), Florestan Fernandes sugere que as mudanças reivindicadas por seu grupo visavam um maior envolvimento com as especificidades da sociedade brasileira, mas, também, um programa de estudos mais sintonizado com as disposições do alunato de meados dos anos 1950 em diante, majoritariamente de origem pequeno-burguesa e interiorana, com freqüência a primeira geração universitária da família. Numa iniciativa bastante destoante da de Jean Maugüé, um dos professores franceses que exigia abertamente um aluno dotado de conhecimento prévio de cultura européia (Arantes, 1994), a Sociologia I empreende pesquisas empíricas a fim de conhecer a situação sócio-econômica e o horizonte cultural do corpo discente da Faculdade de Filosofia 15 (Carvalho Franco, 1962; Foracchi,1962), em concordância com a visão de seu líder de que era preciso ajustar os ideais de instrução às características do público orgânico daquela instituição (Fernandes, 1977[1956]). Quando o que se tem em vista é a trajetória de carreira dos professores que trabalharam com Florestan Fernandes – e, portanto, o tipo de intelectual ao qual aquele ambiente acadêmico começava a dar oportunidade (ver, a esse respeito, Cohn, 2004) -, é de fato significativo que um considerável número deles traga para a Faculdade não a familiaridade com o mundo das exposições de pintura e dos círculos literários, mas a vivência na trivialidade do mundo prático do trabalho, o conhecimento de pesquisa empírica, de estatística e de técnicas de planejamento, tendo alguns desses sociólogos trabalhado em empresas privadas e mesmo em instituições públicas em funções de administração, coleta de dados, planejamento e pesquisa de mercado. Disso resulta que experiências profissionais até então destituídas de qualquer valor em meio aos que se dedicavam à “vida do espírito” foram pouco a pouco deixando de desonrar aqueles que as exerceram para, ao contrário, passar a integrar o repertório das habilidades nobilitadoras do moderno sociólogo acadêmico. Em 1963, por exemplo, Sedi Hirano inicia pesquisa de iniciação científica junto ao CESIT e, no ano seguinte, integra a Cadeira de Sociologia I numa trajetória que configura “um novo caminho traçado pelo destino”, já que até então havia sido cobrador de uma firma de seguros, gerente de pesquisa de mercado da Alcântara Machado Publicidade e coordenador de pesquisa do departamento de pesquisa e estatística comercial da empresa Folha da Manhã (Hirano, 1999:7). Seja porque Florestan Fernandes incentivou-o a montar “duas novas disciplinas relativas à pesquisa: Sociologia e Pesquisa de Mercado e Sociologia, Pesquisa de Opinião e Propaganda”, ou ainda porque no curriculum vitae que teve que elaborar “o professor Florestan me pediu para valorizar todas as atividades de pesquisa realizadas em empresas privadas”, o fato é que a trajetória pregressa de Hirano parece ter correspondido às expectativas da Cadeira de Sociologia I. Contrariando as impressões iniciais do novo integrante que não se sentia à altura do convite “porque não tinha naquela época um refinamento cultural característico dos intelectuais acadêmicos” nem dispunha de “uma cultura cultivada como patrimônio familiar”(Hirano, 1999:6), Florestan Fernandes, há muito interessado nas potencialidades de uma sociologia técnica, pede que ele dê destaque às suas experiências em empresas privadas, dando respaldo intelectual à uma trajetória social até então desprovida de qualquer valor num mercado escolar que, em seu projeto original, exaltava os que nunca tiveram que se haver com as atividades utilitárias. Encorpando essa linhagem intelectual, José de Souza Martins também corresponde à categoria dos integrantes da Sociologia I cujo trajeto social pregresso não constituiu um empecilho, mas, ao contrário, uma experiência da qual lançaria mão na execução das atividades que seriam realizadas no CESIT. Como ele próprio testemunha, “foi fácil me engajar no projeto de Luiz Pereira sobre qualificação de mão-de-obra”, pois, na condição de criança operária, “me movia com extrema facilidade tanto dentro das fábricas quanto na conversação com a população operária” (Martins, 16 1998:150). Além disso, para realizar essa e outras pesquisas (como as voltadas às populações rurais) já “possuía uma certa experiência de trabalho de campo, que desenvolvi quando estive na Nestlé, onde trabalhava no setor de pesquisa de mercado” (Martins, 1998:152). Tal como José de Souza Martins e Sedi Hirano, Celso Beisiegel também não se iniciou intelectualmente em cafés, círculos literários ou junto à família de origem. Tendo começado sua vida profissional em empresas privadas, Beisiegel ingressou no CESIT em 1961, quando já tinha em seu currículo a experiência de assistente-chefe do Fundo Estadual de Construções Escolares (FECE) do governo do Estado de São Paulo, onde planejou a execução de um programa de construções de escolas primárias na cidade de São Paulo. Foram, aliás, tais experiências no programa de construções escolares que “determinaram as orientações imprimidas ao trabalho que apresentei como tese de conclusão do curso de especialização em sociologia em 1964” (Beisiegel, 1981:6), numa clara indicação de que esse percurso “profissional” pregresso era bem-vindo na Sociologia I. Pode-se argumentar, dessa forma, que houve uma concordância mais ou menos harmoniosa entre o modelo de sociólogo então defendido por Florestan Fernandes e o repertório dos alunos sem uma vasta cultura prévia, tendo sido o catedrático um grande canalizador do conjunto de referências em que estavam imersos alguns desses autodenominados “forasteiros”. Esses sociólogos cujas trajetórias não conhecem a gratuidade compõem, não por acaso, a cátedra que mais se empenhou na negação de um projeto universitário “desinteressado” e sem finalidades práticas, de modo que a ruptura com o modelo de excelência intelectual vigente nos primórdios da Faculdade de Filosofia implicou também uma ruptura com o estilo de vida que ele supunha e exprimia. Parece-nos assim que, como na França (Lepenies, 1996; Bourdieu, 1984), também no caso da USP, um dos reconhecimentos que não se pode renunciar à sociologia é o de que sua institucionalização opõe-se desde o início às mais variadas formas de grã-finismo intelectual, o que é próprio, aliás, da lógica científica, tendente a minorar o peso dos chamados privilégios de origem. Pois ainda que um violento inverter de forças possa vir a resultar numa nova elitização – quando os menos profissionalizados passam a ser vistos como amadores -, os critérios iniciais de recrutamento não exigem uma cultura prévia restrita a determinados grupos sociais, não sendo atributos nos quais a extração social dos futuros praticantes é decisiva. Ao considerar a passagem da cultura enquanto “um brinquedo para os ricos” que se abre gradativamente a uma clientela mais vasta, Claude LéviStrauss afirma que a partir da fundação da Fundação da Faculdade de Filosofia da USP, a Missão Francesa teria contribuído para a formação de uma “nova elite” que iria aplicar-se “à tarefa de desmantelar uma classe feudal que, por certo, introduzira-nos no Brasil, mas para lhe servirmos em parte de caução e em parte de passatempo” (Lévi-Strauss, 1955:18-19). É a partir desse testemunho de Lévi-Strauss que José de Souza Martins considera que o sentido da chamada sociologia crítica da USP também é tributário dessa “benéfica confusão de propósitos”, desse malogro das contradições de origem que “de fato comprometiam a universidade com a democratização da cultura” (Martins, 1998:34). E se também na observação de Alfredo Bosi, a filiação da cultura uspiana foi inicialmente 17 oligárquica e “depois de classe média nobilitada pelo status na hierarquia docente” (Bosi apud Mota, 1977: VI), não parece difícil auferir dessa mudança no recrutamento social de seu público orgânico um modo particular de produzir conhecimento, uma maneira específica de se avaliar desempenho e modalidades distintas de promoção acadêmica, quando comparadas às formas em voga até então, de modo que o solapamento da classe feudal ao qual alude Lévi-Strauss referir-se-ia não apenas às análises de “sociologia crítica” de que fala Martins, mas também às críticas dirigidas aos critérios iniciais de distinção vigentes intramuros. Novas disposições intelectual-acadêmicas Finalmente, o suposto de que as instituições não são infensas aos estímulos da vida social extramuros exige que tratemos dessas inclinações intelectual-acadêmicas vis-à-vis ao contexto em que se inseriram, de modo a apreender os significados sócio-culturais mais amplos dos ideais científicos em competição, associando-os aos “climas de opinião” próprios ao período que se abre a partir de meados dos anos 1950. É já lugar comum nos estudos sobre a institucionalização das ciências sociais em São Paulo o suposto de que não havia, na Faculdade de Filosofia dos mestres franceses, uma preocupação em vincular o programa de estudos aos processos de mudança social em curso no Brasil de então (Mello e Souza,1998). Se é verdade que os franceses endereçaram os alunos ao Brasil (Coelho, 1981-84), não é menos certo que foi só posteriormente, com a entrada dos professores brasileiros, que a investigação sobre os problemas imediatos do país passaram a letra dominante, instituindo uma nova hierarquia de temas. Professores brasileiros que, como vimos, não pertenciam mais aos antigos setores oligárquicos, nem haviam se formado sociólogos nos anos 1930/40, quando a própria escolha de uma Missão Francesa para iniciar os cursos da USP refletia os anseios de afrancesamento que marcaram todo o período da República Velha e sua elite paulista (Morse, 1970). Distantes de uma “primeira idade universitária” ainda a meio do caminho entre as incitações nativistas do modernismo artístico e o amor às coisas francesas (Mello e Souza, 1981-84), os sociólogos formados nos anos 1950/60 vivenciaram os “climas de opinião” que se abriram a partir de meados dos anos cinqüenta, período de intenso debate em torno do desenvolvimento brasileiro (Hirschman, 1967). Naquele momento em que grupos tão distintos quanto os aduladores da modernização econômica, o Partido Comunista e os teóricos da Cepal estavam às voltas com o estudo – de matizes ideológicas distintas, certamente – dos desdobramentos mais imediatos do processo de industrialização da América Latina (Morse, 1970; Furtado, 1985; Bielschowsky, 2004;), a consagração do modelo de sociólogo defendido pelo grupo de Florestan Fernandes também se deveu, em alguma medida, às particularidades dessa atmosfera mental. Se, para fins tipológicos, ousamos falar até aqui em Cadeira de Sociologia I e Cadeira de Sociologia II, um exame superficial dos modelos de excelência intelectual aos quais aderem as “crias” da Sociologia II nos revela o quanto o espírito mais “filosófico”, “culturalista” e “desinteressado” dos 18 tempos da Missão Francesa estava definitivamente superado, uma vez que esta segunda geração de professores brasileiros está, em sua grande maioria, envolvida com pesquisa empírica sobre os desdobramentos do processo de industrialização que se desenvolvia em São Paulo, comprometida com projetos de uso social das pesquisas científicas, priorizando as dimensões materiais e urbanas da experiência humana, de modo que o grupo de Florestan Fernandes só fazia nomear um ethos acadêmico já quase generalizado. Para esse grupo que instituiu novos princípios de hierarquização na comunidade acadêmica historiada, o estudo sociológico do desenvolvimento industrial, um dos fenômenos mais candentes no Brasil a partir do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), levava ao extremo aquela visão negadora dos investimentos científicos destituídos de caráter instrumental, como se estivesse a inverter aquilo que Sérgio Buarque chamou um dia de “apego bizantino aos livros” ou então de “desencanto de realidade” (Buarque de Holanda, 1998[1936]). Nesse cenário de inversão das prioridades de análise, alguns dos antigos veteranos da Cadeira de Sociologia II lamentaram a restrição do repertório dos assuntos reputados sociológicos, a predominância dos estudos cujo pressuposto é a valorização do modo de ser moderno, o afastamento da sociologia em relação à antropologia (Pereira de Queiroz, 1992) e o descaso para com os aspectos estéticos da realidade social (Mello e Souza, 1968), como que a revelar “o outro lado da moeda” desse universo valorativo acadêmico que, nos anos 1960, priorizou o estudo das transformações materiais e do reordenamento das hierarquias sócio-econômicas que envolviam a sociedade brasileira. Se o diagnóstico de que a Missão Francesa contribuiu para que os temas fossem escolhidos pelo interesse científico e não pela importância diante da práxis (Pereira de Queiroz, 1977) está a sugerir o caráter inutilitário (para falar como Sérgio Buarque) daquele magistério, o arrefecimento dos estudos de sociologia da arte e da cultura iniciados com Roger Bastide aponta para as faces intelectualmente empobrecedoras da tendência posterior (e vitoriosa) de exclusivismo de empreendimentos intelectuais “intervencionistas”. Ainda que o chão social onde medram as obras não dê o tom exclusivo do que virá a ser escrito, não se pode ignorar que, queiramos ou não, as idéias “ganham outra inteligibilidade quando examinadas como expressão e, simultaneamente, como resultado da experiência social de uma comunidade acadêmica específica” (Pontes, 1997:63). Em que pese o fato de ter havido, no plano externo, uma intimidação ferrenha do grupo de Florestan Fernandes – com as perseguições deliberadas que se seguiram às derrotas políticas de 1964 e 1969 -, no âmbito acadêmico das Cadeiras de Sociologia ocorreu uma absorção muito limitada de pessoas que trabalhavam com cultura. Naquela Faculdade já bastante distante do que um dia chamou-se de “departamento francês de ultramar” (Arantes, 1994), mais bem representados estiveram os sociólogos que se envolveram no intenso debate sobre o desenvolvimento brasileiro. 19 Bibliografia citada ARANTES, Paulo Eduardo. Um departamento francês de ultramar: estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994. ARBOUSSE-BASTIDE, Paul. “Depoimento”. Língua e Literatura. São Paulo, FFLCH-USP, 10-13:7-34, 1981-1984. ARBOUSSE-BASTIDE, Paul & COELHO, Ruy Galvão de Andrada. “O Brasil escapa às soluções simplistas”. In: DANTAS, Lourenço (org.). A história vivida. 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Anexo: sociólogos que integraram as cátedras de sociologia I e II entre 1954 e 1969 Sociologia I: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Renato Jardim Moreira, Octávio Ianni, Marialice Mencarini Foracchi, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Celso de Rui Beisiegel, Leôncio Martins Rodrigues Neto, José César Aprilanti Gnaccarini, Gabriel Bolaffi, Lourdes Sola, Cláudio José Torres Vouga, José Carlos Pereira, Luiz Pereira, Pedro Paulo Poppovic, José de Souza Martins, Sedi Hirano, José Rodrigues Barbosa, Gabriel Cohn. Sociologia II: Fernando de Azevedo, Antonio Candido de Mello e Souza, Ruy Galvão de Andrada Coelho, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Azis Simão, Frank Perry Goldman, Duglas Teixeira Monteiro, Eva Alterman Blay, Lia Freitas Garcia Fukui, Armando Ferrari, Eder Simão Sader, Álvaro de Aquino e Silva Gullo, Aparecida Joly Gouveia, Fernando Augusto de Albuquerque Mourão, Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins. 22