a educação e a reflexão filosófica education and the philosophical

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A EDUCAÇÃO E A REFLEXÃO FILOSÓFICA
EDUCATION AND THE PHILOSOPHICAL REFLECTION
Valdemir Guzzo1
Recebido em: 13/04/2007
Aceito em: 13/08/2008
RESUMO
Os alunos ingressantes nos diversos cursos universitários não pretendem, via de
regra, dirigir seus estudos para uma formação filosófica especializada. O tema trata da
tarefa docente no sentido de contribuir para o desenvolvimento de uma geração de
professores conscientes, com a capacidade de formular de maneira reflexiva seus problemas
e de procurar elementos próprios para sua resolução.
Este texto é inspirado em minhas próprias vivências docentes na disciplina de
Filosofia da Educação na Universidade de Caxias do Sul. Tem a proposta de questionar as
reais necessidades de um ensino voltado para uma reflexão rigorosa e radical que permita
passar-se do senso comum a uma atitude filosófica pela qual o professor possa adquirir ou
reformular pressupostos e conceitos que fundamentem uma boa argumentação docente,
sinalizando com novas perspectivas para a formação de professores em nossas
licenciaturas.
Palavras-chave: formação de professores – educação reflexiva – filosofia.
ABSTRACT
Students who enroll in majors at a university do not usually intend to direct their
studies to a specialized philosophic formation. This paper discusses the teaching activity in
the sense of contributing to the development of a generation of conscious teachers who
have the capacity to formulate their problems in a reflective way and to search the proper
elements that can help them to solve these problems.
This work is inspired by my own teaching experiences with the subject called
Philosophy of Education at Universidade de Caxias do Sul. It proposes to question the real
needs of an education conducted by a rigorous and radical reflection that allows the
individuals to adopt a philosophic attitude so that the teacher can acquire or reformulate
presumptions and concepts which are fundamental to a good teaching and point out new
perspectives to the teachers’ formation.
Keywords: teachers’ formation – reflective education – philosophy
1
Graduado em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul e especializado em História Regional pela
mesma instituição. Mestre em educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma. Docente da Universidade de Caxias do Sul atuando no
Departamento de Filosofia e Educação. E-mail: [email protected].
1 INTRODUÇÃO
O ofício docente universitário pressupõe dialogar com alunos de diferentes cursos,
especialmente nas Licenciaturas, que não pretendem, em geral, dirigir seus estudos para
uma formação filosófica mais especializada. No entanto, a tarefa a que se propõe o
professor poderá contribuir para o desenvolvimento de uma geração de educadores
conscientes dos temas que envolvem suas ações, com a capacidade de formular de maneira
reflexiva suas questões e de procurar elementos próprios para sua resolução.
Historicamente a influência estrangeira trouxe consigo a dominação cultural. A
preocupação dos pensadores, pela colonização de nossa cultura, foi estranha em relação à
cultura brasileira. A filosofa assim praticada no Brasil não reflete estudos dos problemas
internos tornando-a distante da realidade. Provavelmente o desinteresse dos estudantes das
Licenciaturas, de um modo geral, possa se evidenciar por não se voltar a Filosofia para os
problemas históricos da vida do país, dentre eles os políticos, os educacionais e os
relacionados à própria educação, produzindo estudos abstratos, distantes e de difícil
compreensão.
Como então motivá-los a estudar uma disciplina que, na compreensão da maioria
iniciante, vive retirada do mundo, distante do concreto, do cotidiano, estando disponível
para “preencher currículo”? Poderíamos nos interrogar sobre a função da Filosofia no
processo educacional e nos processos de ensino e aprendizagem, uma vez que a disciplina
retorna ao currículo. Poderíamos também estabelecer relações entre os sistemas filosóficos
e as teorias educacionais e ainda como nos atos de ensinar e aprender se efetiva o ato de
educar e como “educar implica uma dimensão radicalmente ética e política” (Santos, 2004,
46). Ética que é um dos fundamentos da existência do homem e que o leva a relacionar-se
com o mundo. Política, no sentido de assumir com sua presença a construção da sociedade.
Para que se estabeleçam essas relações poderíamos iniciar passando da atitude do senso
comum para uma atitude reflexiva, crítica e filosófica.
A Filosofia na Educação não se limita apenas ao estudo de textos filosóficos pois
poderia, num primeiro momento, afastar a compreensão e o direcionamento para pesquisas
mais abrangentes. A ela cabe então investigar as questões relevantes que dizem respeito à
própria condição do ser humano: a educação. É também por ela que o educador poderá
2
adquirir pressupostos e conceitos, gerais ou específicos, que fundamentem uma boa
argumentação docente, passando da educação do senso comum para uma atitude crítica e
filosófica em relação às questões que envolvem o ensino.
Diante da diversidade de conceitos relacionados à Filosofia é essencial estabelecer
alguns parâmetros para bem desenvolver a compreensão do tema e o ponto de partida vem
relacionado ao estudo das origens, do sentido e das relações que se possam firmar entre a
Filosofia e a Educação.
2 A EDUCAÇÃO
Como meio de transmitir a visão de mundo, a educação, num processo de
perpetuação da cultura, já se manifestava juntamente com a formulação das primeiras
teorias filosóficas.
Os primeiros pensadores do Ocidente tiveram preocupação nesse
sentido e apresentaram sua argumentação no sentido do auto-desenvolvimento do homem a
partir da educação.
A educação para os gregos pertencia por essência à comunidade, não sendo
propriedade individual e, sim, resultado da consciência viva de uma norma que a rege,
promovendo a participação na vida e no crescimento da sociedade. Para esse povo,
conforme Jaeger, “uma educação consciente pode até mudar a natureza física do Homem e
suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível superior, conduzindo a descoberta
de si mesmo e criando, pelo conhecimento do mundo exterior e interior, melhores formas
de existência humana” (1995, 3).
O ato de educar pode então ser conceituado como
uma atividade sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível do
intrapessoal como no nível da influência do meio, interação essa que se configura
numa ação exercida sobre sujeitos ou grupos de sujeitos visando provocar neles
mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida”
(Aranha, 2002, 50).
Pelo seu trabalho o homem faz cultura. Transforma a natureza e a si mesmo.
Mediante a educação aperfeiçoa suas atividades, fator para sua humanização e socialização.
A educação não consiste apenas na transmissão dessa herança cultural, mas num processo
de constante ruptura e de reorganização de seus atos. Vida e educação estão imbricadas,
sem antecedência ou posterioridade aos demais fenômenos como o social, o político e o
3
cultural. A educação pode então ser também entendida como elemento integrado ao
processo social e histórico não permitindo seu distanciamento da família e da sociedade. A
educação está em todos os lugares, dentro e fora da escola. Para Brandão,
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo
ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para
ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver,
todos os dias misturamos a vida com a educação (1995, 7).
A escola não tem o privilégio de lugar único para a tarefa da educação formal por
não poder ignorar a cultura do aluno, compreendendo o mundo e o meio em que vive. Vista
como fato isolado, a escola e a educação estão muito provavelmente no centro das crises
observadas no ensino ao longo das últimas décadas. Das experiências iniciais fragmentadas
e confusas o educando vai ser levado a um processo de organização dessas experiências
possibilitando-lhe o desenvolvimento integral que é o de sua capacidade física, intelectual e
moral visando desenvolver habilidades, o caráter e personalidade social.
Na Grécia antiga a educação passou do preparar o guerreiro para a formação do
cidadão. Para Aristóteles a educação deve ter fim pacífico e a “educação das crianças se
revela um dos primeiros cuidados do legislador” (1991, 65). Na Idade Média os valores
terrenos eram submetidos aos divinos, considerados superiores. Quais seriam os fins da
educação no mundo contemporâneo?
A educação vem perpassando milênios com o objetivo de formar o homem para
“assumir-se integralmente, portanto, autogovernar-se. A autogestão é a tradução moderna
da Paidéia” (Gadotti, 1995, 107). Na educação antiga havia a preocupação com a formação
do homem integral. Na moderna, para Gadotti (1994, 32), “o pressuposto básico é a
hegemonia, a universalização de sua visão de mundo. O pressuposto básico da educação
pós-moderna é a autonomia, capacidade de autogoverno de cada cidadão”.
Quem é o educador e quem é o educando no contexto escolar? Como docentes nos
perguntamos em algum momento do ofício o real significado dessa atividade ou, ainda,
quem é o educando e qual o seu papel no processo de construção do conhecimento?
Para ser professor, pelo senso comum, basta apresentar certo conteúdo, estar em sala
de aula com alunos, avaliá-los e administrar alguns outros aspectos como limites e
disciplina. A atividade docente “tornou-se uma rotina comum, sem que se pergunte se ela
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implica ou não decisões contínuas constantes e precisas, a partir de um conhecimento
adequado das implicações do processo educativo na sociedade” (Luckesi, 1994, 97).
Ruben Alves nos diz que professores há aos milhares e professor é profissão e
educador não é profissão, é vocação. Para ele os educadores
habitam um mundo em que o que vale é a relação que os ligam aos alunos, sendo
que cada aluno é uma ‘entidade’ ‘sui generis’, portador de um nome, também de
uma ‘história’, sofrendo tristezas e alimentando esperanças. E a educação é algo
para acontecer neste espaço invisível e denso que se estabelece a dois (1986, 18).
E qual então a dimensão do educando? Na escola tradicional, como chamamos um
modelo de ensino vivenciado há algumas décadas e presente em nossas escolas, o educando
está ali para receber instruções, ser avaliado e aprovado ou não ao final de um período de
estudos, aparecendo como elemento dependente das ações dos professores. Considerado
incapaz para criar ele necessita reter e repetir conteúdos prontos, acabados, tendo pouco ou
nenhum espaço para expressar sua criatividade. Qual escola propicia aos seus alunos a
oportunidade de desenvolvimento do seu modo de pensar para além dos conteúdos
programados? Seu campo de atuação e ação parece limitado por barreiras ditadas por
regulamentos docentes ou oriundos da entidade mantenedora.
O educando extrapola esses conceitos do senso comum. Tem inteligência reflexiva
de difícil mensuração, com habilidades e capacidade de conhecimento que dependem muito
de sua experiência de vida patrocinada especialmente pelo seu ambiente social.
Compreender o educando para propiciar-lhe uma educação para a vida requer a
compreensão quanto à sua autonomia, quanto à sua criatividade e quanto à sua capacidade
de tomar decisões. Tanto o educador como o educando, são sujeitos ativos que, pela práxis
se constroem ao mesmo tempo em que se alienam. Como humanos, pertencem a uma
sociedade e, ao educador, cabe o papel de propiciar condições para que o educando aprenda
e se desenvolva. Nessa perspectiva teríamos dificuldades para determinar com relativa
proximidade os fins da educação na contemporaneidade. Que valores encontram-se hoje
associados ao processo? Para Aranha (2002, 51) “é inadequada a procura de fins tão gerais,
válidos em todo o tempo e lugar”.
Em sociedades com estruturas organizacionais tão divergentes em relação a
interesses de classes, os fins não podem ser abstratamente considerados. Baseiam-se,
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portanto, em valores provisórios “que se alteram conforme alcançamos os objetivos
imediatos propostos e também enquanto muda a realidade vivida” (idem, 52).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de dezembro de 1996 traz, em
seu Título II, art. 2º. Dos princípios e fins da educação nacional, o seguinte texto:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Caberia a indagação: em que consiste essa formação? Que ações seriam necessárias
para torná-la efetiva? Sobre que valores seria construída?
O conceito de cidadania vem sofrendo mudanças. No mundo moderno o exercício
da cidadania implica na possibilidade de cada indivíduo participar das esferas da vida
pública. Para propiciar essa oportunidade de vivência é importante que nosso estudante
tenha a capacidade de refletir, tomando posição diante dos diferentes problemas que afetam
a vida social e sua vida pessoal.
Santos considera importante que a escola
desenvolva em seus alunos habilidades de pensamento crítico, incluindo a
capacidade de analisar e solucionar problemas.
Seria ainda de fundamental
importância que, nessa escola, fossem formados valores sociais relacionados ao
homem e à natureza, valores que orientassem os jovens no sentido do respeito à vida
humana e às diferenças culturais (1997, 26).
Outro objetivo não menos essencial ao desenvolvimento educativo é o da resignificação e enriquecimento dos valores culturais e morais comuns. Sobre esses valores,
“os indivíduos e a sociedade fundamentam sua identidade e a sua dignidade” (Torres, 2001,
19).
Um programa de ensino pode ser viabilizado em uma escola a partir de uma
definição precisa de seus fins e este implica em seguir determinada direção. Há a
possibilidade de distinguir-se o individual do coletivo, o público do privado. Existem
códigos morais que permitem essa distinção e que possibilitam a convivência a partir de
normas que valorizem o homem e o bem-estar social.
O processo educativo vem ligado à totalidade e uma educação escolar organizada e
realizada em sala de aula tem os componentes da educação que se realiza na família, na rua,
na Igreja e nas comunidades. Para uma formação que valorize o homem e o bem estar
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social tem-se como importante que a escola se organize como um amplo espaço para
estudos, como espaço democrático, possibilitando pelo diálogo e pelo questionamento
critico, uma educação efetivamente emancipatória compreendendo que ela é uma forma de
intervenção no mundo.
Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos
bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da
ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Dialética e contraditória, não
poderia ser a educação só uma ou só a outra dessas coisas. Nem apenas reprodutora,
nem apenas desmascaradora da ideologia dominante (Freire, 1997, 110-111).
Se pretendermos construir um projeto educacional comprometido com a formação
do cidadão, alguns aspectos do currículo da formação de professores ganham importância.
Dentre eles está o fato de que o currículo não apenas dissemina os conhecimentos
repassados em diversas disciplinas mas forma objetividades ao criar predisposições e
formas de raciocínio.
Qual então o sentido de uma Filosofia na Educação? Em que a Filosofia poderá nos
auxiliar na compreensão dessa atividade estritamente humana e entender o fenômeno da
educação? Para uma reflexão inicial necessitaríamos revisitar alguns conceitos.
3 POR UMA FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO
No início de todo estudo de Filosofia surgem inevitavelmente indagações sobre o
que ela é. Ao buscarmos conceitos percebemos a existência de vários significados
apresentando, num primeiro momento, respostas que parecem contradizer-se. O que é então
a Filosofia?
Inicialmente a Filosofia pretende explicar as coisas em sua totalidade. Quanto ao
método, visa a ser uma explicação racional para aquela totalidade e seu objetivo está no
desejo de conhecer e contemplar a verdade. A Filosofia grega é o amor desinteressado pela
verdade.
As disparidades dos conceitos tratadas em Abbagnano (2000, 442) traduzem essa
variedade de significações e, segundo o autor, o que mais se presta a relacionar e articular
as diferentes concepções do termo está em Platão (Eutidemo): “é o uso do saber em
proveito do homem”.
7
Em sua obra Convite à Filosofia, Marilena Chauí (1998, 16-17) traz pelo menos
quatro definições gerais do que seria a Filosofia. Transitando entre um conjunto de idéias,
valores e práticas pelas quais a sociedade compreende o mundo; identificando Filosofia
com o pensar moral das pessoas; propiciando a concepção do Universo como uma
totalidade ordenada e dotada de sentido e fundamentando teórica e criticamente os
conhecimentos e práticas, pretende a autora alcançar a possibilidade de dar à Filosofia as
condições e os princípios do conhecimento que pretenda racional e verdadeiro.
Filosofia é tomada também como uma reflexão sobre a totalidade das coisas a partir
de problemas impostos pela realidade sobre nós, os indivíduos, ou ainda tudo aquilo que a
realidade nos coloca como seres sociais. “A dimensão social de uma problemática atinge a
cada um de uma forma particular, mas ao mesmo tempo atinge a todos como componentes
de um grupo, de ma entidade, de uma família” (Oliveira, 1990, p.16). A Filosofia tem a
característica, então, de uma reflexão buscando compreender o sentido da realidade, do
homem e suas relações com os outros e com a natureza, do trabalho, da cultura e da história
do próprio homem.
Independente de conceituação, passar do senso comum para a atitude filosófica
significa passar de uma concepção simplista a uma atitude reflexiva intencional, coerente,
dirigindo indagações ao mundo que nos rodeia e às relações que com ele temos. E refletir
significa voltar atrás, significa fazer retroceder, num movimento de retorno no qual o
pensamento volta-se para si mesmo, um repensar capaz de avaliar o “grau de adequação
que mantém com os dados objetivos de medir-se com o real” (Saviani, 1980, 23). Refletir
está ligado, dessa maneira, ao retornar, examinar com cuidado e atenção e “isto é filosofar”
(idem, p.23).
Ainda no mesmo autor (p. 24-25) encontramos que a reflexão é propriamente
filosófica quando é radical, rigorosa e de conjunto. Para Saviani a Filosofia é radical pois
exige que o problema seja colocado em termos radicais, isto é, que se busque as raízes das
questões, até seus fundamentos. Deve ser rigorosa, procedendo-se sistematicamente e
segundo métodos determinados, questionando-se as conclusões do senso comum e as
generalizações apressadas que a ciência pode produzir. A Filosofia desenvolve uma
reflexão de conjunto na medida em que é globalizante, não se podendo examinar um
problema de modo parcial. Enquanto as ciências examinam partes da realidade, a Filosofia
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visa atingir a totalidade. Aqui a presença do elo entre a Filosofia e as diversas formas do
agir e saber humanos: a interdisciplinaridade.
O homem está em contato com o mundo que o cerca a partir de circunstâncias,
necessidades e da cultura onde se insere tendo destaque as abordagens religiosas, do senso
comum, filosóficas, artísticas, científicas, etc. A realidade contatada pelo homem não se
limita apenas aos objetos naturais ou artificiais, consistentes fisicamente, mas ela é o
próprio significado resultante das relações sociais dentro de um contexto determinado. Ao
criticá-la, projeta um futuro em que outra realidade será construída.
Para Paviani
a percepção e a transformação da realidade, o modo de pensar, agir e sentir a
realidade enquanto processo fundamental das relações sociais se identifica
perfeitamente como processo educacional. Isto significa que a educação, antes de ser
uma atividade formal e profissional, em outras palavras, algo distinto da realidade,
algo justaposto à realidade, constitui-se com ela um único fenômeno (1986, 41).
A realidade pragmática do mundo contemporâneo voltado para a praticidade e
imediata aplicação dos conhecimentos pode identificar a Filosofia como uma ocupação
inútil. Mas é pela reflexão filosófica que ao homem é possível adquirir postura diferente do
agir imediato comum do cotidiano. É a Filosofia que nos faz questionar e avaliar com o
necessário distanciamento os fundamentos dos atos humanos e os fins a que se destinam.
Entendidas essas formulações, poderemos expressar o conceito que Saviani (1980,
27) expressa para a Filosofia: “uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os
problemas que a realidade apresenta”. O mesmo autor conclui a respeito do significado de
Filosofia da Educação: “Reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que
a realidade educacional apresenta” (p.27) e somente será indispensável para a formação do
educador “se ela for encarada tal como estamos propondo” (idem).
Poderíamos nos perguntar, a partir da necessidade de reflexão para um bom
exercício da Filosofia e da Educação: Quais são os fins da educação? Para que educar?
Quais os objetivos da educação brasileira? Como é possível superar os condicionantes de
uma educação nacional sabidamente problemática? O que é uma boa educação? O que é ser
um bom professor? O que entendemos por uma boa aula, uma boa escola? Quais os
requisitos para uma formação voltada para a cidadania? Como interpretamos as diferentes
noções de cidadania? Quem é o educando? Quem é o educador? Perguntas como essas
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poderiam auxiliar na construção de um sentido crítico às atividades docentes, fugindo do
espontaneísmo e do senso comum, possibilitando uma ação educacional mais coerente e
eficaz.
Se compactuarmos dos conceitos de Saviani em relação ao radical, rigoroso e de
conjunto na investigação filosófica a partir dos problemas de nossa existência é inevitável
que, dentre os problemas, estejam os relacionados à educação. O caráter problemático da
atividade educacional pode ser mensurado a partir das questões acima levantadas, o que faz
da reflexão filosófica uma necessidade para o educador. Cabe ao professor/filósofo
acompanhar a ação pedagógica de maneira a promover a passagem “de uma educação
assistemática (guiada pelo senso comum) para uma educação sistematizada (alçada ao nível
da consciência filosófica)” (Saviani, 1980, 54).
Para uma ação pedagógica mais humana como enfatizado por Paulo Freire na
“Pedagogia da Autonomia” e para uma educação mais lúcida e coerente, os envolvidos no
processo de formação necessitariam acompanhar critica e reflexivamente a atividade
educacional para explicitar a respeito de que homem se quer formar e dos pressupostos de
apropriação e construção do conhecimento que estão subjacentes aos métodos e
procedimentos utilizados.
A tarefa da Filosofia na Educação estará assim, orientada a oferecer aos docentes
uma possibilidade de reflexão diante dos problemas educacionais e encaminhando
soluções. Cabe a ela examinar a partir de qual concepção de homem, mesmo com a
amplitude de teorias a respeito, se deseja educar. Não há como direcionar objetivos
educacionais se não tivermos claros os valores determinantes de nossa ação. Para Fullat “a
pertinência da Filosofia da Educação adquire sua real importância se formos capazes de ver
que o fenômeno educacional está fortemente ligado à questão: ‘O que é um ser humano?”
(1995, 78).
Existem diferentes maneiras de se conceber a Educação e a Filosofia. As grandes
funções da Filosofia e da Educação “não podem se limitar ao estudo repetitivo dos textos
filosóficos à análise dos conceitos ou enunciados, ou a maneira ‘dita profunda’ de entender
as questões que a ciência ignora ou não tem meios para investigar” (Paviani, 1986, 17).
Questionando sobre a Educação, tem-se como importante que a Filosofia não permita a
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dogmatização da Pedagogia nem que a educação se “transforme em adestramento ou
qualquer outro tipo de pseudo-educação” (Aranha, 2002, 108).
Para além da qualificação técnica e científica espera-se que a formação do professor
contemple profundos pressupostos filosóficos. A preparação do pedagogo deverá então,
estar voltada a um projeto existencial para a comunidade brasileira englobando aqui, a
politização e a fundamentação filosófica de sua atividade. Difícil é entender um projeto
educacional fora de um projeto político, ético e antropológico, que articule o destino das
pessoas ao de uma comunidade humana afastado de uma visão de totalidade.
4 MOMENTO PARA UMA REFLEXÃO
A tendência atual na educação brasileira é a de integrar os aspectos formais e
materiais do ensino com os tendentes às transformações sociais.
Valoriza a escola
enquanto mediadora entre o aluno e a cultura, desempenhando seu papel pela transmissão e
assimilação dos conhecimentos inseridos na prática social. Partindo da compreensão das
diferentes visões da pedagogia, a pedagogia dos conteúdos procura proceder a uma análise
histórica do contexto e seus condicionantes, que atuam na formação do ser social. A escola
é considerada como resultado de necessidades e exigências sociais dando-lhe caráter de
transitoriedade a cada modalidade e ação formativa existente. Se analisarmos a educação
brasileira a partir do que encontramos em nossas escolas, podemos dizer que as tendências
aqui abordadas estão presentes, de alguma maneira, na prática pedagógica dos educadores.
Como esses professores analisam sua prática pedagógica?
A tarefa docente não se reduz a um mero repasse de conteúdos e na crença de que
ocorra uma apropriação espontânea pelos alunos. A prática educativa reveste-se de uma
transmissão e uma assimilação, simultâneos. O professor atua trazendo um conhecimento
sistematizado e no qual o aluno é capaz de reconstruí-lo com os recursos disponíveis para a
situação de aprendizagem. O ponto de partida e o de chegada nesse processo é a prática
social. Supõe-se um trabalho competente do professor, tanto no domínio metodológico,
como no domínio do conteúdo e seu conhecimento do grupo social da escola e de onde esta
está inserida, para que sua tarefa tenha efeitos formativos relevantes para as pretensas
transformações sociais.
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À Filosofia, direcionada para a Educação, cabe refletir sobre os caminhos da
educação. Não tem como finalidade fixar princípios e objetivos, não se reduzindo a “uma
teoria geral da educação enquanto sistematização dos seus resultados” (Saviani, 1980, 30).
Sua função será a de acompanhar como é produzida a realidade humana no seu conjunto,
que significado tem certos conteúdos, métodos e eventos pedagógicos no âmbito das
relações sociais, atuando de maneira crítica e reflexiva, de modo a explicitar os seus
fundamentos; entender a contribuição das disciplinas pedagógicas e avaliá-las quanto à sua
significação.
As atuais condições em que são oferecidas as oportunidades de ensino no país,
passam por um urgente redirecionamento das estruturas educacionais. A Filosofia da
Educação Brasileira, disciplina relativamente nova em nossos currículos, traz consigo a
possibilidade de uma reflexão que atinja as raízes, sinalizando com novas perspectivas para
um conjunto de alterações na formação de professores em nossas licenciaturas.
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