A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O RURAL NO SUL DO MARANHÃO E A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR PELOS SERTANEJOS ROSIMARY GOMES ROCHA1 Resumo: Tomamos neste trabalho o espaço rural e os sertanejos sul maranhense, como lugar e sujeitos de re-produção de modos de vida, dotados de singularidades e práticas culturais advindas de relações históricas da formação da região, e que estão expressadas nas experiências, na memória e no imaginário dos sujeitos. A região como espaço vivido e o lugar nos apresenta como categorias privilegiadas como forma de compreender o sentimento de pertencimento, que faz com que o rural do sertanejo maranhense, seja um espaço de significância, que contribui na forma em que estes sujeitos veem o mundo. Palavras-chave: Rural. Lugar. Maranhão Abstract: We take this work the countryside and the Maranhão south sertanejos as place and subject of re -production livelihoods endowed with singularities and cultural practices arising from historical relations training in the region , and are expressed in experiences , memory and imaginary subjects . The region as a living space and the place presents us as privileged categories in order to understand the feeling of belonging , which makes the rural backcountry of Maranhão , is a significance of space, contributing in the way these guys see the world . Key -words: Rural. Place. Maranhão 1. Introdução Um olhar profícuo sobre contemporaneidade permite que vejamos o espaço geográfico e a sociedade como palco de profundas reordenações e que a repensemos diante de toda uma complexidade existente, através dos diversos conflitos e contradições, seja no âmbito político, econômico, cultural e/ou ambiental. No Brasil o processo de mudanças é inerente ao desenvolvimento tecnológico, científico e idealista, que tem exigido a instalação de uma infraestrutura com vistas a favorecer os fluxos de pessoas, bens e serviços, traçando tessituras e meandros no espaço geográfico. O sul do Maranhão encontra-se inserido nessa lógica, através de elementos “modernizadores”, como a implantação e pavimentação de rodovias e ferrovias e a reestruturação produtiva no campo e na cidade. Diante disso, outro fator passa a existir, que é o intenso êxodo rural, ocasionado pela Acadêmica do curso de pós-graduação em geografia da Universidade Federal de Pernambuco – Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão, Campus de Grajaú – Bolsista Prodoutoral, Capes. Email: [email protected] 1 1777 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO demanda da terra como propriedade privada para a criação de gado e produção da soja, bem como pela precariedade em que é submetida a população pobre do campo. Na região, destaca-se a presença de sujeitos distintos (migrante sulista, sertanejos e indígenas), caracterizados por tempos e relações sócio espaciais diferenciadas, fazendo da localidade palco de disputas e conflitos, ao mesmo tempo em que procuram alternativas de reprodução neste novo tempo de (des)encontros, e, que coloca do Sul do Maranhão como lugar de fronteira e alteridade. Entretanto, em se tratando dos sertanejos, que são os sujeitos que nos interessa aqui, modos de vida específicos permeiam seus espaço vivido, embora não escapem de condições vinculadas a mecanismos mais gerais, já que os mesmos não encontramse isolados dos valores impostos pela sociedade urbano-industrial. Em conformidade com o exposto, o objetivo, neste artigo, é interpretar os sertanejos sulmaranhenses enquanto sujeitos que habitam o espaço rural, dando-o significações através da forma como constroem seu lugar, privilegiando especificidades nos modos de vida e de trabalho, relativos à memória e ao imaginário. Como procedimento metodológico, lançamos mão de levantamentos bibliográficos sobre a historiografia regional, sobre o mundo rural e o lugar; trabalho empírico através da observação e conversas informais com sujeitos sertanejos para nos situarmos acerca da vida no lugar. 2. Desenvolvimento O Sul do Maranhão apresenta aspectos definidores a saber, predominância de chapadas, em que a vegetação original é o Cerrado, presença de caudalosos e importantes rios, cidades precárias e com uma vinculação forte com o rural, que se deve à relação das condições sócio estruturais, como por exemplo, da ausência do Estado na disponibilização de políticas para as áreas urbanas e rural, como ainda, pelo fato de que um considerável índice da população aí estabelecida, ser originária do campo, que migraram para a cidade devido ao processo de chegada de aspectos modernizadores nas relações de trabalho e implantação do agronegócio. Sendo que com este veio também veio a substituição da vegetação Cerrado pelos cultivos para 1778 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO a exportação, empresas, degradação das bacias hidrográficas e surgimento de pequenos e pobres aglomerados urbanos. Os sujeitos que nos interessam neste trabalho, são os sertanejos, que tem forte vínculo com o espaço rural, seja porque aí residem e/ou residiram, mas que mesmo estando numa pequena cidade ou aglomerado urbano, a base familiar, as origens, a identidade é o sertão, pois estão na localidade, desde a ocupação feita pelos criadores de gado, tendo como vinculação a criação desses animais à solta nas chapadas e a produção alimentar feita em roças de toco, com o uso de tecnologias rudimentares e guardando relações demandadas pela natureza, como tempo de plantar e tempo de colher, de acordo com as precipitações anuais e redes de sociabilidades internas, expressas pelo compadrio em forma de mutirões, pelos adjuntos religiosos e/ou alguma outra festividade ou necessidade surgida, como nos momentos de perda de um ente do grupo. 3. O rural no Sul do Maranhão Para entendermos os fatores que condicionam à re-existência de uma espaço rural, designado de sertão no Sul do Maranhão, faz-se importante elencarmos fatores históricos e sociais constituidores da região. Em estudo anterior sobre a modernização da agricultura e o re-ordenamento territorial em Balsas-MA (ROCHA, 2009), demonstramos como se deu a ocupação da região, tendo como base, além de outros autores, Cabral (1992) e Carvalho (2000). Sobre a formação do Sul do estado, infere-se que foi feita diferentemente da do litoral, o que deixa transparecer que as formas de ocupação e o uso histórico do espaço respondem em parte pelas dinâmicas socioespaciais constituídas em seu interior (ROCHA, 2009, p. 13). Assim, as duas frentes (correntes) que constituíram o povoamento maranhense formaram duas bases sociais e econômicas diferenciadas, tendo a do litoral voltada para a agroexportação, principalmente do algodão, e a outra na pecuária, dotadas de características próprias e pertinentes para a formação socioespacial específicas de cada região (CABRAL, 1992; CARVALHO, 2000). Desta feita, entende-se que a região Norte do estado mantem singularidades diferenciadas da do Centro-Sul. 1779 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Com base na pecuária, a corrente do interior (Figura 01), vinda da Bahia, atravessando chapadas e rios, adentrou o Sul do Maranhão a partir de 1730, ocupando os campos naturais que recebeu assim a denominação de Pastos Bons. Teve como característica principal na sua fase inicial, o caráter privado de conquista, sem o apoio do Estado e da Igreja, e o empreendimento de muita violência contra as tribos indígenas (CABRAL 1992, ANDRADE 1998, CARVALHO 2000). Figura 01: Rota de Expansão da Frente Pastoril no Sul do Maranhão Fonte: Rocha (2009) 1780 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Sobre o estabelecimento do gado e da população vinculada à criação dos rebanhos, em 1819 foi fundado o povoado de Pastos Bons, servindo de apoio para o prosseguimento da expansão sobre o sertão, dando origem a vilas e povoados que seriam mais tarde transformados em cidades, a exemplo de Riachão, Carolina, Santo Antônio de Balsas (hoje Balsas), Porto da Chapada (hoje Grajaú) e algumas outras. “É aí neste caminho que se faz a colonização, descobre-se a terra, fixa-se o homem que parte para frente, guiando-se pelos passos sertanejos do gado” (COELHO NETO 1979, p. 20). Vê-se que fatores específicos vão se fincando na região e que se constituem ao longo do tempo em uma história que se expressa pela forma como se organizam as relações sociais, econômicas e culturais. As fazendas existentes na região e que até final de 1970, tinham como base o gado e não a terra, hoje veem-se reconfiguradas pela valorização fundiária e estabelecimento da agricultura mecanizada, principalmente na região de Balsas (ROCHA, 2009). Sendo que os sujeitos denominados sertanejos, pertencentes a famílias de vaqueiros, ainda são marcados pelo modo de vida rural, mas que se vinculam à contemporaneidade, seja pela substituição da foice e do machado pelo trator, pela busca e dependência de serviços na zona urbana e/ou pela perca de seus territórios e migração para as pequenas cidades. Lançando um olhar na verticalidade do espaço, podemos perceber que, mesmo que para alguns apressados na análise socioespacial, de que todos os lugares e sujeitos estejam relacionados à existência de um tempo espetacularizado pela super, mega velocidade das ações, e que por isso mesmo, torna-se superficial, ancoramos nos pressuposto estabelecido por Wanderley (?, p. 02), de que “as profundas transformações resultantes dos processos sociais mais globais [...], não se traduziram por nenhuma “uniformização” da sociedade, que provocasse o fim das particularidades de certos espaços ou certos grupos sociais”. E assim o rural co-existe nas sociedades modernas, como um espaço específico e diferenciado. O que para Wanderley (2001, p. 32), “isso não quer dizer a existência de um qualquer universo isolado, autônomo em relação ao conjunto da sociedade e que tenha lógicas exclusivas de funcionamento e reprodução”. E considera, “que este mundo rural mantém particularidades históricas, sociais, culturais e ecológicas, que o recortam como uma realidade própria, da qual fazem 1781 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO parte, inclusive, as próprias formas de inserção na sociedade que o engloba”. (p. 32). Esta região encontra hoje marcada pelo agronegócio e pela produção familiar e assim, pela presença de sujeitos que apresentam formas diversas de pensar o uso da terra, com tempos também diferenciados, traduzidos pelo uso de tecnologias modernas ou não. “Dessa forma, o rural emerge como um espaço híbrido, que apresenta um complexo jogo de interrelações, com agentes naturais e sociais e uma grande diversidade e dinamismo” (MARAFON, 2009, p. 383). Desta feita, entendemos que o rural sulmaranhense, é um espaço que está em movimento e que é carregado de transformações na contemporaneidade, encontrando-se vinculado às demais escalas. E os sujeitos aí presentes vêm reelaborando suas práticas, seus modos vida, mas guardando representações resultantes de experiências e relações próprias para com o lugar. E é com base nessas considerações, que pensamos ser importante a discussão dos elementos que dão sentido e caracterizam o “sertão” e o sujeito “sertanejo”. 4. O “sertão” e os “sertanejos” no Sul do Maranhão O sertão enquanto categoria de pensamento sociológico está inserido em um projeto de ocupação do território brasileiro, que se apresentou e se apresenta, como espaço incógnito, desconhecido, um lugar distante em oposição ao litoral. Sobre a localidade do sertão, Moraes (2012, p. 02) esclarece que “não há um espaço peculiar, cuja naturalidade própria, permita uma tipologização consistente da localização sertaneja”. Segundo esse mesmo autor, O sertão não é um lugar, mas uma condição atribuída a variados e diferenciados lugares. Trata-se de um símbolo imposto – em certos contextos históricos – a determinadas condições locacionais que acaba por atuar como um qualitativo local básico no processo de sua valoração. Enfim, o sertão não é uma materialidade da superfície terrestre, mas uma realidade simbólica: uma ideologia geográfica. (MORAES, 2012 p. 02). O sertão se caracteriza como um espaço possível de ser ocupado pelo movimento expansionista, que busca incorporá-lo a interesses econômicos. Para 1782 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Moraes (2012, p. 03), “trata-se de um qualitativo que induz um novo processo de domínio territorial sobre os espaços enfocados, isto é, que introduz um novo surto de dominação política no âmbito espacial delimitado pela qualificação proposta”. Carregando a imagem associada a um lugar isolado e distante, “constitui-se como uma categoria de entendimento do Brasil, como um lugar vazio de civilização” (LOPES, 2012, p. 85). Sendo que este fator tem sido um determinante para a inserção de mecanismos modernizadores e de ocupação por novos atores, com forma divergente de pensar a função da terra da do sertanejo, que se caracterizam pelo modo de vida rural específico e diferenciado. A paisagem é o elemento geográfico fundamental na caracterização do sertão, sendo pressuposto importante para se entender esse lugar, especialmente no sul do Maranhão, já que é por meio da paisagem natural que nasce e consolidase uma forte identidade sertaneja maranhense (Santos, 2012, p. 21). Ainda de acordo com Santos (2012, p, 21), Apesar de um pouco simplista, tal afirmação, é plausível concordar com parte dela, no momento em que a construção identitária no Maranhão se edifica na exclusão do nativo. Por força de um destino, o sertão nasce e cresce expulsando o índio para a implantação das fazendas de gado. Os “Pastos Bons”, como ficou conhecido o sertão maranhense, passam a ter existência social a partir do instante que surge o gado para consumir esses pastos. Não apenas o pasto, como também o clima, vegetação, as águas e todos os elementos geográficos, passam a ter um novo sentido, resignificado pelo colonizador, pelo criador de gado e pelo re-povoador; todos aos serviços de uma nova organização social. Para Marandola e Arruda (2005, p. 26), “o homem se faz no contato com o mundo e esse mundo não pode prescindir de sua espacialidade. [...]. Nesse sentido, os modos espaciais relacionados ao lugar são tão fundamentais quanto os modos de vida socioculturais”. Estudar esses aspectos requer um mergulho nas peculiaridades sócio espaciais, privilegiando o imaginário, as experiências e as representações dos sujeitos do lugar. Em seu livro sobre paisagem na geografia cultural, “short Loan: landscape”, John Wylie (2007, p. 6) esclarece que, “como vemos as coisas não é somente pela função biológica de nossos olhos. A maneira que vemos as coisas é uma forma cultural; nós vemos o mundo por perspectivas cultural particular, como fomos socializados e educados” (tradução nossa). 1783 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO É válido ressaltar que a abordagem cultural segue um caminho teórico que considera experiências e pensamentos que tratam e discutem as dinâmicas espaciais, valorizando os lugares, as paisagens, as ecologias culturais. De acordo com Hall (1997), “as práticas culturais se efetivam e se materializam no espaço a partir de uma rede de relações imbricadas que envolvem a memória, os costumes e os valores vivenciados por sujeitos sociais”. Destas relações é possível apreender os elementos que compõem os patrimônios materiais e imateriais dos grupos envolvidos. 5. O lugar e a re-existência do sertanejo: construindo ruralidades Em artigo escrito sobre o rural como categoria de pensamento, Carneiro (2008) destaca ser esta uma categoria que classifica e organiza o mundo social e suas ações. Entendemos que o “mundo” mencionado, refere se aos elementos objetivos e subjetivos, do espaço e dos sujeitos. Sendo que esses elementos que são constituídos pela natureza, habitantes, patrimônio cultural e sistema social, caracterizam-se por ser heterogêneo e compõe e constroem um lugar. A ruralidade, seria a permanência de espacialidades e sociabilidades estabelecidas por processos históricos e sistemas de valores presentes na constituição do imaginário social. E é através desses elementos, que as singularidades apresentam-se e corroboram para a re-existência dos sujeitos, em um tempo que se apresenta com grande velocidades nas mudanças espaciais. A re-existência se dar em um lugar, constituído de especificidades, dotado de identidade própria. O rural é assim visto aqui, como lugar de onde se vê e se vive o mundo. Um espaço representado pelos sujeitos que aí residem. “Lugar e sujeito aparecem assim inextricavelmente ligados; se instituem mutuamente”. (Berdoulay, 2012 p. 50, tradução nossa). Sobre lugar, Tuan (1975) apud Leite (1998, p. 02) aponta que “lugar é um centro de significados construído pela experiência”. Assim o “o lugar é uma entidade única, um conjunto „especial‟, que tem história e significado [...] não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade 1784 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO a ser esclarecida e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado” (TUAN, 1979 apud HOLZER, 1999, p. 04). Cresswell (2013, p. 11) faz a seguinte afirmação: [...]lugar não é apenas uma simples palavra , mas uma maneira de compreender o mundo [... ] uma forma de ver , conhecer e compreender o mundo. Quando olhamos para o mundo como um mundo de lugares nós vemos diferentes coisas . Vemos nexos e conexões entre pessoas e lugar. Vemos mundos de significado e experiência (tradução nossa). Os sujeitos do lugar carregam experiência própria de suas trajetórias e que são informados pela memória coletiva do grupo, da família e herdadas de gerações anteriores. Carneiro (2000, 34) assinala, que “os marcos ou pontos de apoio dessa memória são os próprios componentes da paisagem: rios, morros, montanhas, árvores..., que persistem mesmo que transformados ou destruídos pela ação do homem”. Na compreensão de Halbwachs (1990) apud Carneiro (2000, p. 62), “a memória coletiva encontra sua força e duração no fato de ser sustentada por um conjunto de indivíduos cuja lembrança do passado é referida a sua condição de membros do grupo”. A construção do lugar (mundo) sertanejo guarda forte ligação com a trajetória de vida desses sujeitos, carregada de experiência dos espaço e das paisagens no sertão. Implicando em “modos de vida” e “modos espaciais” (MARANDOLA E ARRUDA, 2005). Nesse sentido, Marandola e Arruda (2005), aponta que para entender a essência da espacialidade, fundada não somente em feições espaciais, mas também na dinâmica que envolve o homem e a sociedade, é necessário haver uma reflexão de cunho ontológico. E para isso vai buscar em Heidegger (2002) suporte para tal empreitada. Portanto, Marandola e Arruda (2005, p. 25) infere que “Heidegger na sua ontologia do Ser, aponta que o espacializar é encarado como um dos fundamentos ontológicos do Ser, referindo-se à relação do Ser com os outros e com o espaço”. Sobre esses aspectos, os autores acrescentam, ainda, o entendimento de que “o Ser somente é em algum lugar em relação ao espaço e à sociedade. A consciência existencial e a experiência são construídas quotidianamente nessa relação, entrelaçando os modos de ser, com os modos de vida” (p. 25). 1785 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Tal discussão nos remete ao entendimento da re-existência do sertanejo, enquanto sujeito, que habita e re-elabora suas práticas, em um tempo de apropriação material e imaterial do espaço por questões inerentes à interconexão global vinculadas ao processo capitalista de produção. No entanto as marcas no espaço ocorrem de forma distinta e por isso pensar a existência de singularidades e particularidades faz-se necessário. Estes pressupostos vão de encontro ao morar, habitar a terra, relacionando-se com o lugar por meio da existência, que aqui apontamos como re-existência, pelo fato de resistir e continuar existindo, apesar dos des-encontros. Nesse sentido, “o lugar transcende a materialidade, mas não está dissociado desta, pois aos objetos os homens atribuem significados que são construídos na vivência individual ou dos grupos” (MELLO, 2014 p. 65). Vemos que há a construção de um mundo material intermediado pelo imaterial. Tais aspectos estão inclusos no cotidiano dos sertanejo sulmaranheneses, que na maior parte das vezes não ultrapassa o deslocamento do lugar de morada, lar (sertão), com cidade mais próxima, onde é preciso se mantenha uma ligação esporádica por questões de serviços oferecidos no urbano a saber, comercialização de produtos, escola para os filhos, serviços de saúde, e ainda, pela vinculação familiar. 6. Considerações finais A construção de um lugar pelos sertanejos, no espaço rural do Sul do Maranhão, guarda especificidades que tem relação com a forma de ocupação dessa região que está relacionada à criação bovina, mas que não se vincula só a tal aspecto, mas também aos elementos da natureza, pelas relações de sociabilidades, o tempo dos sujeitos e o modo de perceber o espaço e a sim mesmo. Em observação in loco e em conversas informais com pessoas idosas e que residem, desde seus nascimentos na localidade, podemos notar o forte vínculo existente com o lugar. Os espaços da infância, da mocidade e dos caminhos trilhados, permanecem guardado na memória, como a casa onde nasceu e viveu a infância, as festividades religiosas, o trabalho na roça e nos afazeres domésticos, 1786 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO bem como as relações de sociabilidade com os irmãos, pais, tios, padrinhos e com os demais do grupo. Há que se mencionar que a espacialidade construída pelos sujeitos em toda sua vida, reflete na subjetividade, na objetividade e no imaginário social. Os sertanejos sulmaranhenses têm construído um lugar. Lugar esse, principalmente no espaço rural ou em aglomerados urbanos em que as práticas são muito mais rurais que urbanas, oriundas de experiências vinculadas fortemente com o cultural. Destaca-se ainda, o caráter de fronteira existente na região, que se caracteriza muito mais por ser social do que econômica. Ao refletir sobre esses aspectos, nossa inquietação parte da busca de compreender o mundo rural que qualifica o sertão e os sertanejos no/do Sul do Maranhão. Daí emerge as seguintes questões: quais realidades materiais e imateriais existentes no rural para podermos concebê-lo como um ente dotado de singularidades? Que características culturais conceituam os sertanejos como rurais? Como os rurais sul-maranhenses lidam com o diferente (como por exemplo a agroindústria)? 7. Referencial bibliográfico ANDRADE, Manoel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 6. ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1998. BERDOULAY, Vicent. O sujeito, o lugar e a mediação do imaginário. In: Revista Anthropos. Londres, ano XI, nº 2, p. 13-32, jul/dez. 2012. CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Caminhos do gado: conquista e ocupação do sul do Maranhão. São Luís: SIOGE, 1992. CARNEIRO, Maria José. Ruralidade: novas identidades em construção. 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