IMANENCIA DOS VALORES: FIM DA METAFÍSICA Gabriel Pereira FARIA 1 Mestrando ECCO/UFMT [email protected] José Carlos LEITE Dr. Prof. ECCO/UFMT [email protected] RESUMO: Faremos o percurso sobre o fim da metafísica. Nietzsche nega a metafísica dogmática, o ser como unidade, causa e fundamento. Opõe ao ser como fundamento o devir perpétuo, a mudança. O mundo é processo e relação. O anúncio da morte de “Deus” denuncia o fim da metafísica e coloca em questão os valores absolutos. Abre-se o território para as indagações do contemporâneo. O pensamento pós-metafísico é a passagem do paradigma ontológico para o da filosofia da consciência e desta para o da linguagem. Para Gadamer a realidade é discursiva. Váttimo introduz no contemporâneo uma hermenêutica ontológica, a realidade é desvelamento e aberturas, sendo uma interpretação persuasiva de uma época. O ser como evento e não como fundamento e unidade. PALAVRAS-CHAVE: Metafísica, Ser, Linguagem. Lançar critica aos valores estabelecidos é a marca desse filosofar nietzschiano e nestas criticas lança uma ação devastadora a metafísica clássica e moderna, desmorona tudo aquilo que é sinônimo de dogmatismo metafísico “ser como fundamento, como causa e fim ultimo”, “Deus”, “alma”, “sujeito”, “unidade”, “eu”, “substância”, “essência das coisas, do ente”, “razão”, “verdade”. Esses pressupostos metafísicos a partir da qual a modernidade foi pensada e que projeta os valores de forma hierárquica em outra realidade que não esta é a grande questão que o autor da Genealogia da moral se colocará de lado oposto. A realidade, o mundo em que vivemos aqui e agora tem uma causa primordial, um “ser”, uma “essências” das coisas, enfim, não há uma “unidade” que os modernos alardearam, no entender de Nietzsche. É processo e relação, é um devir contínuo. O autor opõe ao “ser” como fundamento o devir perpétuo, a mudança como configurações, 1 Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 arranjos temporários ocasionados pelo confronto entre conjuntos de forças. A vontade de potencia possibilita pensar a realidade, o mundo, a vida, os valores pelos seus próprios eventos, fenômenos, elas por elas mesmas, se agregando e se desagregando dando forma a outros arranjos. Esses arranjos estão em consonância com a terra. Os valores em consonância com a vida. Ao conhecimento lança-se mão do perspectivismo e do experimentalismo, justamente por que as coisas são plurais, contudo, cada um tem a sua singularidade. Perspectivismo, porque é preciso adotar diversas perspectiva para abordar uma questão, um problema, vira-lo ao avesso, evidenciar todas as suas possibilidades. Experimentalismo, porque é preciso fazer hipóteses interpretativas, fazer experimento com o próprio pensar, anuir todas as possibilidades de uma interpretação. Justamente porque as coisas e o mundo estão povoados de pluralismos e não de unidade. Convencido com Scarlett Marton, essas três palavras resume a filosofia de Nietzsche: pluralismo, experimentalismo e perspectivismo. Com o anuncio da morte de Deus Nietzsche denuncia o fim da metafísica, ou seja, o fim da espinha dorsal do pensamento da cultura ocidental, o fim da tradição de uma área filosófica, de uma forma de pensar que se encerraria no final do século XIX e início do XX. Na teoria do conhecimento são problematizados os pressupostos da verdade como objetivo final, tornando perempto o mundo verdade filosófico; no campo religioso e moral, o cristianismo é colocado em causa tanto como religião ao disseminar a concepção de mundo divino e verdadeiro, quanto como doutrina moral, pois, esta seria uma versão vulgarizada do platonismo, a diferença é que ao contrario da doutrina platônica ela ganha as massas populares. O cristianismo se torna a referencia de ética no mundo ocidental; a partir dela se constituem as bases das esferas importantes da nossa cultura, as bases da investigação das ciências formais e até mesmo o plano de organização da vida e do trabalho. O símbolo da morte de Deus configura-se o desaparecimento do horizonte metafísico em todas as suas esferas, filosófico, religioso e moral, baseando-se nas oposições de ser e devir, razão e instinto, verdade e falsidade, realidade e aparência, bem e mal. O autor coloca-se contra a sustentação de um conhecimento objetivo que não leva em conta os nossos afetos do corpo, as particularidades dos instintos e a complexidade da vontade. Todo conhecimento é Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 guiado por interesses e condicionamentos subjetivos, ideológicos; eles resultam de nossos impulsos e anseios, é justamente por isso que Nietzsche o considera sempre determinado por uma perspectiva, seja individual ou sócio-cutural. Com o desenvolvimento das ciências e o aprofundamento do iluminismo alcançando o seu ápice chegamos à experiência da morte de Deus configurando o desaparecimento dos valores absolutos que norteavam os horizontes das ações humanas. Contudo, ainda restou um único valor absoluto que é reconhecido pela consciência científica contemporânea, o valor absoluto da verdade. Logo, o autor problematiza e coloca em questão esse valor como todos os outros2. A morte de Deus coloca em questão a crença na origem divina, como também a crença absoluta no valor da verdade. Nietzsche é o filósofo do valor dos valores, e tem como preocupação trazer as condições históricas da emergência dos valores; e ao problematizar conceitos como bem e mal, justo e injusto, tem como consequência ultima a questão do valor da verdade. Nietzsche abre todo um campo, um território de possibilidade para pensar o contemporâneo, ou seja, a possibilidade de pensar diferente do que pensamos, sentir diferente do que sentimos; experimentar o aqui e agora sobre outras bases. O fim da metafísica ou pensamento pós-metafísico na filosofia contemporânea se dá, convencido Habermas, pela passagem do paradigma da ontologia (que se refere à metafísica grega e a clássica, ou seja, a metafísica realista) para o da filosofia da consciência (a critica kantiana, a substancia pensante cartesiana e a fenomenologia de husserliana; as filosofia que deram prioridade ao sujeito do conhecimento ou a consciência reflexiva, ou seja, as metafísicas idealistas) e desta para o paradigma da linguagem (a prioridade conferida às estruturas gramaticais e lógicas da linguagem ou das linguagens como maneira de organizar a realidade e dar-lhe um sentido e permitir a avaliação dos conhecimentos científicos), essas duas passagens conduzem ao pensamento pós-metafísico, sendo o ultimo paradigma o correspondente da época pós metafísica3. A partir de Nietzsche o pensamento pós-metafísico rompe com a tradição metafísica, a clássica e a moderna, entendidas por Habermas como paradigma ontológico e paradigma da filosofia consciente; e se instaura na filosofia contemporânea o paradigma da linguagem. Através da linguagem e fazendo uso da 2 3 Sirvo-me das Palavras e ponderações de Oswaldo Giacoia Junior, obra: Folha explica Nietzsche. Sirvo-me das Palavras e ponderações de Marilena Chaui, obra: Convite à Filosofia. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 gramática como ferramenta principal na investigação de problemas e não de sistemas, a filosofia se encontra em um novo momento e com novas denominações. Os problemas mudam de perspectivas, a forma de aborda-los, ou olhar que são atribuídos a eles influenciados por Nietzsche. Através da linguagem, da gramática as investigações contemporâneas se colocam no campo da imanência entre mundohomem, homens-coisas, homem-sociedade-instituições. Contudo essa nova forma de pensar a realidade no contemporâneo através da linguagem como ferramenta é denominada de metafísica contemporânea ou ontologia contemporânea. Há quem defende que a metafísica ou ontologia contemporânea da forma que se apresenta deveria ser classifica como descritiva porque ela não oferece uma explicação causal da realidade como a metafísica clássica ou moderna, mas se apresenta como uma descrição das estruturas do mundo e do processo do pensamento 4. A descrição das estruturas do mundo e do processo do pensamento se apresenta de forma possível na ontologia contemporânea, como uma realidade puramente discursiva do sujeito do conhecimento. Sujeito aqui é entendido apenas como recursos linguísticos. Sujeito para Nietzsche é apenas um arranjo momentâneo de uma complexa luta, confrontos de vontades. Não é uma “unidade” definida configurando um “ser”, uma “essência”. O corpo é um edifício de muitas almas. O autor deixa como herança para o contemporâneo, aquilo que ele chama de vícios linguísticos, os hábitos da língua ao tomar como “ser” ou modo de “ser” aquilo que não é senão modo de falar. Sujeito é uma simplificação conveniente ao falar do homem, entendendo como uma realidade imanente e não metafísica. A realidade é puramente discursiva, logo, produzir saberes, conhecimentos sobre a própria realidade. Sujeito é um lugar vazio e uma posição vazia, disponível e móvel num discurso, o mesmo se aplica aos objetos do discurso, esse objeto pode ser a realidade externa, natureza, mundo, sociedade. Compreendendo a realidade como discursiva os filósofos contemporâneos buscaram subsídio na hermenêutica antiga, contudo ultrapassou o seu alcance como compreensão de texto, o de desmontar os mínimos detalhes de um enunciado. Gadamer buscou compreender a hermenêutica como a totalidade de nossa experiência de mundo, ou seja, uma hermenêutica universal que atinge a 4 Sirvo-me das Palavras e ponderações Marilena Chaui, obra: Convite à Filosofia. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 relação geral do homem com o mundo5. Gadamer é herdeiro de Haedegger e este se vê enredado pelas questões ontológico-linguísticas. Ao entender que o “ser” que pode ser compreendido é linguagem, Gadamer nos convida a pensar os fundamentos da existência que foram questões de estudos e criticas até então pela metafísica de forma imanente pela linguagem; chamando-a de hermenêutica filosófica, buscando dar uma universalidade ao termo de investigação, buscando atender o novo momento, também a denominou de ontologia hermenêutica. Vattimo foi aluno de Gadamer e compreende que a hermenêutica filosófica se dá no eixo Heidegger-Gademer, cabendo a ele desenvolver a ontologia hermenêutica. Para Vattimo a hermenêutica se tornou idioma comum da cultura ocidental, não somente filosófica e isso se deu por sua compreensão da verdade como interpretação convencido com Nietzsche ao afirmar que não há fatos apenas interpretações. Essa afirmação nietzschiana nos lembra de que não existe um ser fundante, que não tem um valor em si mesmo e que tudo o que falamos do ser, dos entes, das coisas são interpretações, são valores que atribuímos a eles 6. Gadamer se propõe a criar uma nova forma de pensar que possa corresponder a história do ser e desta forma realizar o pensamento filosófico na época do fim da metafísica. O autor faz uma revisão crítica à metafísica entendendo que é possível filosofar sem ela, sem ter um fundamento imprescindível para legitimar o pensamento. Vattimo sai em defesa desse novo momento do pensar filosófico contra aqueles que o acusam de banalizar a filosofia a uma hermenêutica enquanto idioma comum da cultura ocidental, bem como os riscos de se restringir a um irracionalismo, relativismo e esteticismo. Organizou uma coletânea intitulada pensamento fraco e fraco porque não admite um ser como causa e princípio, uma fundamentação única, ultima e normativa na filosofia contemporânea. O autor se coloca contra o fundamentalismo da metafísica enquanto tradição filosófica, neste ponto ele converge com Heidegger e Nietzsche que é um filósofo antifundamentalista por excelência. 5 Sirvo-me das Palavras e ponderações Ricardo Corrêa de Araujo – Pensamento fraco, razão narrativa e sociologização da filosofia: a ontologia hermenêutica em questão – na obra: Questões Filosóficas. Organizada por Maria Cristina Theobaldo. 6 Sirvo-me das Palavras e ponderações de Ricardo Corrêa de Araujo – Pensamento fraco, razão narrativa e sociologização da filosofia: a ontologia hermenêutica em questão – na obra: Questões Filosóficas. Organizada por Maria Cristina Theobaldo. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 Convencido com Nietzsche, Heidegger não nega a verdade como conformidade, mas mostra seu aspecto secundário em relação ao desvelamento e aberturas, ou seja, horizonte histórico-linguístico-cultural sendo esta primária. A verdade não é um valor absoluto tendo o ser como fundamento; ela é conformidade, convenção, mas para ser tal convenção, antes se leva em conta os aspectos do desvelamento e aberturas que ocorrem, ou seja: históricos, o momento, as circunstancias; também o aspecto linguístico, quais tipos de signos estão sendo partilhados, de qual perspectiva; e ainda o cultural, os hábitos e costumes. Enfim são interpretações históricas. Partindo da interpretação de Heidegger, Vattimo não pensa o ser como fundamento e causa da verdade, mas como evento, acontecimento da historicidade dos desvelamentos e aberturas. A filosofia contemporânea a partir de Nietzsche rompe com a metafísica realista e idealista que atribui total crédito filosófico a razão e as suas premissas lógicas e se instaura, como podemos ver com Vattimo, uma razão narrativa, uma ontologia hermenêuticafilosófica7. O pensamento fraco fazendo uso de uma razão narrativa não tem a pretensão de apreender ou de representar o ser, ela se coloca na tentativa de interpretar, de produzir enunciados sobre o ser e os entes que só aparecem justificados no desvelamento e nas aberturas em que se inserem. A hermenêutica ontológica tendo como base a razão narrativa e se apresenta como uma filosofia da multiplicidade, a realidade é múltipla e sendo enquanto tal, devemos olhar, pensar o múltiplo como múltiplo; não como unidade, não há um ser fundante, mas eventos que ocorrem. A interpretação não é mera opinião, a interpretação tem critérios e dados nas aberturas, logo, históricas-linguísticas e culturais para interpretar8. O pensamento fraco pautado por razão narrativa não cria uma nova noção de ser, ela apenas recusa a metafísica tradicional com seus traços robustos, aquele discurso forte sobre o ser como fundamento. A hermenêutica ontológica se coloca como uma interpretação persuasiva de uma situação, de uma época, e não de um ser enquanto unidade. “O modelo narrativo de acontecimentos e de 7 Sirvo-me das ponderações de Ricardo Corrêa de Araujo – Pensamento fraco, razão narrativa e sociologização da filosofia: a ontologia hermenêutica em questão – na obra: Questões Filosóficas. Organizada por Maria Cristina Theobaldo. 8 Sirvo-me das ponderações de Ricardo Corrêa de Araujo – Pensamento fraco, razão narrativa e sociologização da filosofia: a ontologia hermenêutica em questão – na obra: Questões Filosóficas. Organizada por Maria Cristina Theobaldo. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 despojamento ou esvaziamento do ser é o anúncio nietzschiano da morte de Deus”. Vattimo está convencido antimetafísicas, ou antirepresentacionalismo. que seja, “O este anúncio se antifundacionalista, pensamento fraco se desdobra nas posturas antiessencialismo apresenta como e uma interpretação de nossa própria época potencialmente persuasiva para todos”; contudo, reconhece a sua própria contingencia. A interpretação ou narrativa contingente é que conta a história do ser como niilismo, como desvalorização dos valores supremos9. Na filosofia contemporânea continua a investigação do ser, não como fundamento, mas como evento; ou seja, o ser se apresenta de outro modo em nossa época. Então há problemas a serem investigados, existem coisas a serem questionados filosoficamente; há um ser que é, mas este ontológico se dá apenas dentro de uma história, ao falar da ontologia, fala-se apenas da história do ser. A ontologia hermenêutica é uma ontologia da atualidade, é uma reflexão filosófica que visa “trazer o ser em sua totalidade eventual, a linguagem interpretando-o como proveniência histórica e que nos chega pelo enfraquecimento, pelo niilismo”. O pensamento fraco se coloca na atualidade como um adversário ferrenho do discurso fundacionalista da tradição filosófica10. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Ricardo Corrêa. Pensamento fraco, razão narrativa e sociologização da filosofia: a ontologia hermenêutica em questão. In: THEOBALDO, Maria Cristina (Org.). Questões filosóficas: primeira aproximação. 1ª Edição, - Cuiabá: Edufmt, 2013. p. 13-25. GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Nietzsche. Coleção folha explica. São Paulo: publifolha, 2000. MARTON, Scarlett Z. Nietzsche: Das Forças Cósmicas Aos Valores Humanos. 1º Edição - São Paulo: Editora: Brasiliense, 1990. _______________ - Nietzsche, Filósofo da Suspeita. 1ª Ed. São Paulo, Editora: Casa do saber, 2010. 9 Sirvo-me das palavras e ponderações de Ricardo Corrêa de Araujo – Pensamento fraco, razão narrativa e sociologização da filosofia: a ontologia hermenêutica em questão – na obra: Questões Filosóficas. Organizada por Maria Cristina Theobaldo. 10 Sirvo-me das palavras e ponderações de Ricardo Corrêa de Araujo – Pensamento fraco, razão narrativa e sociologização da filosofia: a ontologia hermenêutica em questão – na obra: Questões Filosóficas. Organizada por Maria Cristina Theobaldo. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Genealogia da Moral. 9º reimpressão. Tradução, notas e posfácio: Paulo Cesar de Souza. – São Paulo: companhia das Letras, 1998. ________________________. Para Além do Bem e do Mal. 5º reimpressão. Tradução, notas e posfácio: Paulo Cesar de Souza. – São Paulo: Companhia das letras, 2005. ___________________. Humano, Demasiado Humano. 6º reimpressão. Tradução, notas e posfácio: Paulo Cesar de Souza. – São Paulo, Editora: Companhia das Letras, 2000. ________________. Obras incompletas . 3º Edição, Tradução e notas: Rubens Rodrigues Torres Filho, posfácio: Antônio Cândido, - São Paulo, Editora: Victor Civita, 1983 (Coleção os Pensadores). _________________- Vontade de Poder. 1ª reimpressão. Tradução: Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes - Rio de Janeiro: Editora: Contraponto editora LTDA, 2011. Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248