[Digite o nome do autor] MANUAL DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE HOSPITAL CRIANÇA CONCEIÇÃO 2016 1 MANUAL DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE - HCC COORDENADORA GERAL: ILÓITE MARIA SCHEIBEL ORGANIZADORES: ADRIANE BESCKOW ALEXANDRA SANTANA PORTO LUIZ ROBERTO BRAUN FILHO MARCIA FALCÃO FABRICIO COLABORADORES: ANTONIA PARDO CHAGAS CÉSAR RICARDO ALVES DE LIMA SARAH SELLA LANGER ILUSTRADORA: MARIA LUCIA MEDEIROS LENZ REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E FICHA CATALOGRÁFICA IZABEL ALVES MERLO REVISÃO ORTOGRÁFICA: SAMURI PREZZI MIRIAM QUINZIO DIAS REVISORES: Antoinette de Almeida Camur Brasília Itália C. da Silva Ache César Ricardo Alves de Lima Daniela Kersting Denize De Martini Denise Maria Todeschini Diego Malheiros Etelvina B. de S.C. de Venero Eliane Maria Alves Ilóite M. Scheibel Juarez Tonietto Joacir Vendrusculo Leon Gerschman Luiz Alberto Vanni Luiz Braun Filho Luiz Telmo R.Vargas Marcia Schneider Maria Elisa Kessler Maria Inês P.Portela Marcelo Almeida Azambuja Paulo Cezar Nunes Rodney F.de Carvalho Sandro Marcelo Prezzi Sheila Furtado Barboza Wanessa Paganella Pires xcvbnmqwertyuiopasdfghjklz xcvbnmqwertyuiopasdfghjklz AUTORES Alergia/Imunologia Regina Sumiko W. Di Gesu Cardiologia Isabel Elisa Ferraz Mendes Ligia Mambrini Só e Silva Soraya Abudanader Kalil Stelamaris Luchese Cirurgia João Carlos Ketzer de Souza Paulo Sergio Gonçalves da Silva , Residentes Cirurgia Fernanda Bereta dos Reis Matheus Dantas Verotti Taiana Vieira Dillengurf Dermatologia Rosane Merg Endocrinologia César Geremia Márcia K. Puñales Coutinho Marina Bressiani Residentes Endocrinologia Claudia Schüür Mariana Gassen dos Santos Fonoaudiólogia Letícia Wolff Garcez Maristela C. Tamborindeguy França Gastroenterologia Ana Regina Lima Ramos Raquel Borges Pinto Beatriz John dos Santos Hematologia Fabrizia Reno Sodero Faulhaber Pedro Paulo Albino dos Santos Hebiatria (serviço adolescentes HCC e GHC) Leonardo Vasconcellos Severo Lilian Day Hegel Priscila Coelho do Amaral Infectologia Marilia Comissoli Brust Intensivistas Fábio Luis Sechi Guilherme Unchalo Eckert Residente Intensivista Juliana Besutti Nefrologia Anelise Uhlmann Lourdes Rauber Neurologia Camila dos Santos El Halal Sócrates Salvador Richard Lester Khan Nutricão Daisy Lopes Del Pino Nutrologia Márcia Andréa de O. Schneider Odontologia Jacqueline Webster Rejane B. de Lima Otorrinolaringologia Fernando Barcellos Amaral Residente Otorrinolaringologia Luciana Lima Martins Costa Oftalmologia Gabriela Eckert Pediatria Luiz Telmo Romor Vargas llza Maria Correa M. Costa Anna Elizabeth de Miranda Residentes da Pediatria HCC Álvaro Alves Ferreira Filho Antonia Pardo Chagas Ana Cláudia Delai Ribeiro Deise Soares da Silva Francieli Spiazzi Sanfelice Gabriel Boschi Heitor Bittencourt Netto Heloisa Pittoli Silva Liege Ferreira Rodrigues Lucas Doleys Cardoso Luciana Frime Pipkin Maira Fedrizzi Paola Fialho Perondi Paula Gozzi Raquel De Mamann Vargas Ex-Residentes: Sarah Sella Langer Tamiris Mônica Pneumologia Fabiana Dubois Maria Isabel Athayde Camila S. Parreira Paulo Roberto S da Silva Psicologia Denise Nunes Mousquer Nair Macena de Oliveira Viviane Jacques Sapiro Psicopedagogia Sérgio Dorio de Carvalho Psiquiatra Breno Córdova Matte Reumatologia Pediátrica Ilóite Maria Scheibel Residente Reumatologia Matheus A. Eisenreich Lediane Lopes Outros autores Biomedicina Cesar R.Alves de Lima Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não tenha fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é dos autores de casa um dos capítulos. APRESENTAÇÃO Este é o primeiro manual de atendimento multidisciplinar e 30 livro de rotinas do HCC, sendo a última edição em 1995. Foi escrito, em sua maioria, por residentes do HCC/GHC e a revisão foi realizada pelos especialistas na área ou integrantes dos serviços. Tem a intenção de mostrar alguns dos atendimentos oferecidos aos pacientes no HCC como psicologia, fonoaudiologia, nutrição e revisar os assuntos mais frequentes no ambulatório e na hospitalização, servindo como um manual de rotinas dentro do HCC e um guia aos residentes que estão ingressando na vida médica pediátrica. Sem a intenção de substituir o livro texto, tem o compromisso de auxiliar na pesquisa rápida durante atendimento pediátrico com as condutas mais adequadas dentro do HCC. Propõe-se a revisões bianuais. A edição será em livro e estará disponível online adicionada a área de trabalho do HCC. Várias pessoas colaboraram com este manual, a quem devemos necessariamente agradecer: os autores, organizadores, colaboradores, revisores, bibliotecária e àqueles que não têm seu nome registrado, mas fizeram enorme diferença, como os auxiliares administrativos e amigos. A maior preocupação dos organizadores foi em valorizar o trabalho de cada um. O que aqui está escrito é muito valioso, pois foi fruto de trabalho extra dentro da instituição e feito com muito cuidado, pesquisa e interesse. A paixão por ensinar, ou participar na melhoria do atendimento ao paciente ou dos serviços, ou mesmo a amizade moveu este grupo. Bom proveito a todos! Ilóite M. Scheibel 26 /12/ 2016 “Se não procurares senão a recompensa, o trabalho vai parecer-te penoso; mas, se apreciares o trabalho por si mesmo, nele próprio terás a tua recompensa”. ( Lien Tolstoi) SUMÁRIO Capítulo 1 - Adolescentes: abordagem do adolescente.......................................................................................12 Capítulo 2 - Alimentação: nutrição saudável para crianças acima de 2 anos...................................................20 Capítulo 3 - Amigdalite/ dor de garganta na infância.........................................................................................27 Capítulo 4 - Analgesia e sedação: procedimentos em pacientes pediátricos ......................................................31 Capítulo 5 - Anemia..............................................................................................................................................37 Capítulo 6 - Aprendizagem: transtornos de aprendizagem e avaliação psicopedagógica..................................43 Capítulo 7 - Artrite séptica & Osteomielite ..........................................................................................................47 Capítulo 8 - Asma: manejo ambulatorial acima dos 2 anos de idade .................................................................52 Capítulo 9 - Audição: triagem auditiva................................................................................................................58 Capítulo 10 - Autismo: transtorno do espectro autista ........................................................................................63 Capítulo 11 - Baixa estatura na infância.............................................................................................................69 Capítulo 12 - Bronquiolite viral aguda ................................................................................................................74 Capítulo 13 - Cefaleias na infância e adolescência.............................................................................................78 Capítulo 14 - Cirurgia: patologias cirúrgicas......................................................................................................83 Capítulo 15 - Constipação ....................................................................................................................................90 Capítulo 16 - Corpo estranho: avaliação e manejo de ingestão..........................................................................94 Capítulo 17 - Convulsão febril .............................................................................................................................97 Capítulo 18 - Convulsão afebril: avaliação da criança com primeira crise epiléptica não-provocada ...........100 Capítulo 19 - Dentição: saúde bucal da criança ..............................................................................................104 Capítulo 20 - Depressão na infância e adolescência .........................................................................................110 Capítulo 21 - Dermatoses mais comuns na infância e adolescência ..............................................................116 Capitulo 22 - Diabetes Mellitus na infância e adolescência .............................................................................120 Capítulo 23 - Diarréia aguda .............................................................................................................................126 Capítulo 24 - Diarreia crônica ...........................................................................................................................132 Capítulo 25 - Distúrbios hidroeletrolíticos mais comuns em pediatria & fluidoterapia...................................140 Capítulo 26 - Dor abdominal..............................................................................................................................147 Capítulo 27 - Dor em membros ..........................................................................................................................152 Capítulo 28 - Enurese noturna...........................................................................................................................154 Capítulo 29 - Exantemáticas: doenças exantemáticas ......................................................................................156 Capítulo 30 - Febre no lactente..........................................................................................................................166 Capítulo 31 - Glomerulonefrite pós-infecciosa..................................................................................................171 Capítulo 32 - Hepatites virais A, B e C ..............................................................................................................173 Capítulo 33 - Hipertensão arterial sistêmica .....................................................................................................180 Capítulo 34 - Hiperatividade: TDAH na infância e adolescência ....................................................................186 Capítulo 35 - Imunodeficiências primárias .......................................................................................................193 Capítulo 36 - Infecção urinária..........................................................................................................................200 Capítulo 37 - Influenza.......................................................................................................................................203 Capítulo 38 - Insuficiência cardíaca em pediatria ............................................................................................208 Capítulo 39 - Meningites ....................................................................................................................................216 Capítulo 40 - Obesidade......................................................................................................................................221 Capítulo 41 - Oftalmo: patologias oftalmológicas .............................................................................................230 Capítulo 42 - Otalgia ..........................................................................................................................................239 Capítulo 43 - Pneumonia adquirida na comunidade ........................................................................................242 Capítulo 44 - Psicologia clínica HCC ................................................................................................................248 Capítulo 45 - Psiquiatria: emergências psiquiátricas na infância e adolescência ...........................................250 Capítulo 46 - Puberdade normal e patológica ...................................................................................................255 Capítulo 47 - Púrpura de Henoch Schoenlein/ vasculite por iga......................................................................261 Capítulo 48 - Púrpura trombocitopênica imunológica......................................................................................264 Capítulo 49 - Doença do refluxo gastroesofágico..............................................................................................267 Capítulo 50 - Secreção nasal..............................................................................................................................273 Capítulo 51 - Síndrome nefrótica .......................................................................................................................276 Capítulo 52 - Tireoide: distúrbios da tireoide hipotireoidismo & hipertiroidismo ..........................................281 Capítulo 53 - Tuberculose pulmonar na criança...............................................................................................287 CAPÍTULO 1 ADOLESCENTES: ABORDAGEM DO ADOLESCENTE LUCAS DOLEYS CARDOSO; LILIAN DAY HEGAL; LEONARDO V. SEVERO; PRISCILA COELHO DO AMARAL INTRODUÇÃO Conceito 1,2 A adolescência é um período do desenvolvimento que compreende o momento de transição entre a infância e a idade adulta, caracterizado por importantes alterações físicas, sexuais e psicossociais. É definida cronologicamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o período compreendido entre 10 e 19 anos de idade. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define a adolescência como a faixa etária entre 12 e 18 anos, podendo ser aplicável até os 21. No entanto, é fundamental destacar que a idade cronológica não é o melhor critério descritivo, devido ao caráter mutável dos fatores biológicos e psicossociais dessa fase. A Hebiatria é uma especialidade da Pediatria com área de atuação em medicina de adolescente. Caderneta de saúde do(a) adolescente Hoje, o Ministério da Saúde, através da Coordenação Geral de Saúde do Adolescente e Jovem, tem como foco de atendimento o crescimento e desenvolvimento, a saúde sexual e reprodutiva e a diminuição da morbimortalidade por causas externas, tendo como uma de suas ações a implementação da caderneta de saúde do(a) adolescente, que deve ser usada sempre que possível e contém informações sobre prevenção de doenças, mudanças corporais, saúde bucal, reprodutiva e sexual e alimentação. A CONSULTA DO ADOLESCENTE Em grande parte das consultas, o adolescente não procura espontaneamente o médico, mas é levado pelos responsáveis, frequentemente contra a sua vontade. Assim, é comum deparar-se com um jovem assustado, ansioso, inseguro ou até mesmo assumindo uma atitude de enfrentamento. Desta forma, é importante estabelecer um vínculo de confiança entre o médico e o paciente e sua família, a partir de uma atitude acolhedora, sensível e empática que garanta a confidencialidade. É essencial que o adolescente esteja seguro do caráter confidencial da consulta, e que ele e os seus responsáveis estejam cientes das situações nas quais o sigilo poderá ser rompido (riscos de morte do paciente ou de outras pessoas)2. Uma primeira consulta pode ser feita com o adolescente sozinho ou acompanhado da família, mas é indispensável um momento a sós onde o paciente tenha a oportunidade de se expressar livremente. Entretanto, é comum que o 12 adolescente não consiga expressar oralmente suas queixas, cabendo ao médico estar pronto para entender aspectos não relatados por ele. O pediatra deverá também entender que é esperado que o paciente falte às consultas agendadas, chegue atrasado, não siga as orientações e que compareça a consultas não marcadas. A consulta do adolescente deverá ter dois enfoques principais: o acompanhamento do desenvolvimento e da maturação sexual, identificando qualquer atraso ou desenvolvimento precoce, além da presença de comorbidades (asma, acne, atopias etc). Além disso, os diferentes aspectos a seguir deverão ser considerados. Exame Físico 2 O exame físico deverá ser completo e minucioso. O pudor deverá ser respeitado e os procedimentos do exame deverão ser esclarecidos. Um esquema inclui a análise do aspecto geral (hidratação, cor de mucosas); avaliação de peso, altura, IMC/idade e altura/idade (usar curvas e critérios da OMS); verificação da pressão arterial (pelo menos uma vez por ano); avaliação dos sistemas (respiratório, cardiovascular, pele, urinário etc) e avaliação do estadiamento puberal (critérios de Tanner). Exames Laboratoriais 3 Os exames básicos incluem Hemograma completo, perfil lipídico (CT, LDL, HDL, TGC), glicemia de jejum, Exame Comum de Urina (EQU), TSH e T4 livre, creatinina, e devem ser solicitados de acordo com a necessidade. Outros exames podem incluir o teste de tuberculose anual (jovens com HIV ou que convivem com alguém com HIV, encarcerados ou outros), triagem para Hepatite C (pacientes com história de uso de drogas injetáveis), triagem para DST (em pacientes sexualmente ativos) e o exame Papanicolau (nas mulheres sexualmente ativas). IMUNIZAÇÃO É fundamental atualizar, completar e agendar as doses na caderneta de saúde. Além das vacinas do calendário básico de vacinação da criança, outras vacinas são importantes na faixa etária da adolescência:4,5 Vacinas especiais podem ser adquiridas no CRIE(centro de referência de imunobiologicos) no Hospital Presidente Vargas. • Hepatite B: seguir esquema de 3 doses em adolescentes não vacinados ou sem registro de vacinação anterior; • Vacina adsorvida para Difteria e Tétano – dT: 3 doses naqueles sem vacinação anterior ou reforço a cada 10 anos naqueles já vacinados; • Febre Amarela: administrar 1 dose para os residentes ou viajantes para áreas com recomendação de vacina e dose de reforço a cada 10 anos; • Sarampo, Caxumba e Rubéola: considerar vacinado o adolescente com 2 doses da vacina e vacinar aqueles com apenas 1 dose; • Varicela: 1 dose até os 12 anos. Após os 13 anos, 2 doses com intervalo de 1 a 2 meses. • HPV: meninas de 9 a 13 anos, em 2 ou 3 doses de acordo com a indicação, e meninos de 12 a 13 anos, previsto para estar no esquema vacinal em 2018. SEXUALIDADE 13 Do início ao final da adolescência, o sexo e os seus aspectos anatômicos passam a gerar interesse crescente. Ocorre o início da prática masturbatória e, nos meninos, a primeira ejaculação e as emissões noturnas, que podem provocar ansiedade. É possível a ocorrência de incidentes isolados de exploração sexual mútua entre adolescentes do mesmo sexo, sem que isso signifique necessariamente sinal de homossexualidade6. Com o avançar da adolescência, pode ocorrer o começo da atividade sexual, cujo grau e idade de início variam. Durante esse período, jovens homossexuais, bissexuais e transgêneros passam a admitir suas identidades e atrações. É importante estar preparado para reconhecer as variações nos componentes da sexualidade, como a identidade de gênero, a orientação sexual e o comportamento sexual, identificando problemas psicossociais decorrentes desse descobrimento. É papel do pediatra orientar sobre os riscos de gravidez, HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) e identificar qualquer sinal ou sintoma de doença, reforçando a importância e estimulando o uso do preservativo durante qualquer tipo de relação sexual. ANTICONCEPCIONAIS O médico que atende a adolescente deverá informar e discutir sobre o uso de métodos anticoncepcionais (MAC), orais ou injetáveis, e orientar sobre a dupla proteção, associando preservativo, sempre que houver relação sexual, para evitar, além de uma gravidez indesejada, as DSTs. O uso de MAC deverá ser avaliado tendo em vista indicações e contraindicações7. Anticoncepcionais orais São distribuídos nos postos de saúde são cartelas de 21 comprimidos. A paciente deverá começar o uso no 1o dia de menstruação, continuamente até a cartela finalizar e fazer uma pausa de 7 dias, recomeçando a nova cartela no 8o dia. Nomes atualmente em uso como Ciclo 21, Nordette e Microvlar apresentam levonorgestrel 0,15 mg e etinilestradiol 0,03 mg, e outros como Diane, 2 mg de acetato de ciproterona e 0,035 mg de etinilestradiol. Pílulas anticoncepcionais de emergência (pílula do dia seguinte): Deverá ser utilizado nas seguintes situações: violência sexual, esquecimento de anticoncepcional oral ou injetável, ruptura de preservativo. Necessita ser usado até 72h após a relação desprotegida. ● anticoncepcionais orais com apenas progestogênio: levonorgestel 0,75mg, 1 comprimido de 12/12hs no total de 2 comprimidos; ● anticoncepcional combinado com 0,25mg levonorgestrel e 0,05mg de etinilestradiol: 2 comprimidos de 12/12hs no total de 4 comprimidos. Importante que este não é um método que deva ser usado repetidamente e sim de exceção. Anticoncepcionais injetáveis ● Mensal: Associação de progestágeno (enantato de noretisterona) e estrogênio (valerato de estradiol). Pelo posto de saúde temos o Mesigyna. Deverá ser aplicado 14 inicialmente no primeiro dia da menstruação, IM profunda e, após, a cada 30 dias + 3 dias. ● Trimestral: Depo-provera com 150 mg de acetato de medroxiprogerona. Uma injeção a cada 3 meses. Com acompanhamento para nova receita. Abuso de substâncias 8 Os adolescentes sofrem múltiplas influências biopsicossociais e ambientais sobre o uso de substâncias como o álcool, o tabaco, a maconha e outras drogas, e aqueles que iniciam o uso precocemente estão em maior risco de se tornarem dependentes. Enquanto o uso de drogas está mais ligado a condições sociais e com seus pares, o abuso é, geralmente, consequência de condições biológicas e psicológicas. São sinais de alerta sobre o uso de substâncias a mudança no padrão de humor, apetite ou sono, diminuição do desempenho escolar ou do interesse pela escola, perda de peso, comportamento secreto ou desaparecimento de itens de valor da casa. Quando identificado um comportamento atípico, a triagem é feita a partir da avaliação das relações com a família, escola e amigos e de perguntas diretas. O diagnóstico de abuso e dependência de substâncias responde a critérios diagnósticos específicos associados ao uso recorrente da substância. O tratamento requer abordagem multidisciplinar. ALIMENTAÇÃO A alimentação saudável deve ser sempre abordada durante a consulta. É importante responsabilizar não somente o paciente, mas também seus responsáveis, que deverão incentivar a adoção de uma dieta balanceada. É comum que os erros alimentares dos adolescentes sejam vistos também em outros membros da família, o que deve ser corrigido de maneira gradual. Além do estímulo ao consumo de diferentes grupos de alimentos, orientações alimentares devem incluir o planejamento do tempo para as refeições, evitar alimentos processados e ultraprocessados e comer com regularidade e atenção em ambientes apropriados9. HEEADSSS O método HEEADSSS é uma estratégia prática de avaliação psicossocial que pode ser usada para avaliar de que maneira os pacientes adolescentes convivem com diferentes aspectos pessoais e da sociedade. A última revisão do método inclui a avaliação da relação entre os jovens e a internet e o uso de celulares10. Cada letra do acrônimo HEEADSSS possui um significado que deve ser abordado a partir das oportunidades que surgem na consulta. H–Casa (Home): situação de moradia, presença de outros moradores na mesma casa e sua relação com eles. E–Educação e emprego: escola, desempenho escolar, trabalho ou planos para o futuro. E–Alimentação (Eating): hábitos alimentares, obesidade, distúrbios alimentares. A–Atividades: interesses, hobbies, uso de celulares, TV e computadores, desinteresse com outras ocupações. D–Drogas: uso de álcool, tabaco ou outras drogas, frequência e motivos. 15 S – Sexualidade: relacionamentos, atividade sexual, gravidez, DSTs, uso de preservativos. S – Suicídio e Depressão: comportamentos depressivos, ideias suicidas. S – Segurança: bullying, violência sexual, doméstica ou escolar. ABORDAGEM DO ADOLESCENTE COM DOENÇA CRÔNICA O aumento da prevalência de condições crônicas em adolescentes decorrido do avanço tecnológico da medicina das últimas décadas fez com que o atendimento ao paciente adolescente com doença crônica se tornasse mais comum. Nesses casos, a abordagem não será focada apenas no tratamento, mas também nas questões psicossociais, familiares e de desenvolvimento do paciente. Para esses pacientes, ser portador de doenças crônicas pode tornar-se uma fonte contínua de estresse para o adolescente e sua família, contribuindo para dificuldades de adaptação15. Será dever do médico ajudar os pacientes no manejo adequado de condições crônicas, permitindo que alcancem todo seu potencial de desenvolvimento. Nesses pacientes, algumas áreas psicossociais específicas serão mais vulneráveis a apresentarem problemas, como o relacionamento com familiares e a aquisição de independência. Ocorre também um aumento na prevalência de comportamento sexual de risco e de abuso de substâncias. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento dessas disfunções são o sexo masculino, a presença de doença psiquiátrica e/ou de criminalidade nos pais, conflitos familiares e baixo nível socioeconômico15. Os princípios gerais para o atendimento de pacientes com doenças crônicas serão: ● Educar o adolescente em relação a sua condição. ● Permitir que o adolescente expresse seus sentimentos em relação à doença. ● Envolver a família e o paciente no cuidado. ● Priorizar atendimentos multidisciplinares e com continuidade. ● Estabelecer limites para pacientes com comportamento de confronto. Acompanhamento no ambulatório de adolescentes: Serviço de Adolescentes HCC para pacientes de 10 a 14 anos e no GHC de 12 a 20 anos. A marcação de consulta é via regulação por posto de saúde, solicitando atendimento na medicina do adolescente, e/ou por interconsulta entre as especialidades. Equipe: Lilian Day Hagel, hebiatra Carla Ruffoni Ketzer de Souza, psiquiatra infantil e de adolescente Maria da Gloria Telles da Silva, psicóloga Sandra Maria Schoeder Evens, nutricionista Heloisa Arrussul Braga, assistente social Zinid Ricardo Bittencourt Diniz, clínico geral Wilian Graffetti Penafiel, odontóloga Leonardo Vasconcellos Severo, hebiatra ambulatório HCC Priscila Coelho do Amaral, hebiatra internação HCC 16 REFERÊNCIAS 1 EISENSTEIN, E. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolescência & Saúde. Rio de Janeiro, v.2, n. 2, p. 6-7, 2005. Disponível em: <file:///C:/Documents%20and%20Settings/usuario/Meus%20documentos/Downloads/v2n2a02.pdf>. Acesso em: 16 out. 2016. 2 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Orientações básicas de atenção integral à saúde de adolescentes nas escolas e unidades básicas de saúde.. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013. 3 BURSTEIN G.; CROMER, B. Prestação de cuidados de saúde para adolescentes. In: KLIEGMAN, R. et al. Nelson, tratado de pediatria. 19. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 663-671. 4 BRASIL.Ministério da Saúde. Calendário de vacinação: adolescente. Brasília,DF: Ministério da Saúde, 2016. Disponível em: <http://portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/pni/ >. Acesso em: 10 out. 2016. 5 BRASIL. Ministério da Saúde. Campanha contra o HPV. Brasília,DF: Ministério da Saúde, 2016. Disponível em: <http://portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/hpv/maisinfo.html>. Acesso em: 16 set. 2016. 6 CROMER, B.; BOCKTING, W.; BURSTEIN, G. Desenvolvimento do adolescente. In: KLIEGMAN, R. et al. Nelson, tratado de pediatria. 19. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 649660. 7 GORDON, C. M.; PITTS, S. A. Approach to the adolescent requesting contraception. Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, Philadelphia, v. 97, n. 1, jan. p. 9-15, 2011. 8 STAGER, M. Abuso de substâncias. In: KLIEGMAN, R et al. Nelson, tratado de pediatria. 19. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, p. 671-685, 2014. 9 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília,DF: Ministério da Saúde, 2014. 10 KLEIN, D.; GOLDENRING, J.; ADELMAN, W. HEEADSSS 3.0 The psychosocial interview for adolescentes updated for a new century fueled by media. Contemporary Pediatrics, Montvale, p. 1728, jan. 2014. Disponível em: <https://mmcp.dhmh.maryland.gov/epsdt/healthykids/Documents/Sec._4_Add_%20HEEADSSS.pdf>. Acesso em: 23 set. 2016. DIREITOS DO ADOLESCENTE Anna Elizabeth de Miranda SES/DAS/SSCA Política Estadual de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes 51-3388 5906/ [email protected] Folder cedido pela Secretaria da Saúde, Departamento de Ações em Saúde. Adolescentes são sujeitos de direitos, dotados de capacidade atuante em permanente construção, que têm discernimento para expressar opiniões e responsabilizar-se por seus atos. Como pessoas em condição especial de desenvolvimento, vão adquirindo maturidade nas relações que estabelecem em seus grupos de convivência e devem ter garantia de proteção integral e prioridade absoluta. DIREITOS DE ADOLESCENTES À SAÚDE APOIO DA REDE PÚBLICA: 17 Adolescentes têm direito a receber atenção em toda a rede pública de saúde, sem discriminação: nos postos de saúde, ambulatórios, equipes da saúde da família e hospitais que fazem parte do SUS. Em caso de violência, busque ajuda também nestes locais. DIREITO A ESCOLHAS: Adolescentes têm o direito de receber informações sobre qualquer aspecto de sua sexualidade. E também podem e devem escolher o método contraceptivo para o exercício de uma vida sexual saudável e responsável: preservativos masculino e feminino, pílulas, anticoncepcional injetável, diafragma, DIU e, se preciso, a contracepção de emergência (pílula do dia seguinte). Use sempre camisinha: é uma questão de proteção e liberdade. SOZINHO/A OU ACOMPANHADO/A NA CONSULTA: Adolescentes têm direito à escolha de realizar consulta médica sozinhos ou acompanhados por familiares, amigos ou parceiros. PRIVACIDADE PRESERVADA: Adolescentes têm direito à privacidade. Informações trocadas durante as consultas deverão se manter em sigilo e só poderão ser reveladas se você concordar ou sempre que houver prejuízo à sua saúde ou à saúde de outras pessoas. PREVENÇÃO É UM DIREITO E UM DEVER: Adolescentes têm direito à vacinação: Hepatite B, Difteria e Tétano (DT), Febre Amarela, Sarampo, Caxumba e Rubéola (SCR). A vacina contra o papilomavírus humano (HPV) está disponível para o sexo feminino. Mantenha a sua vacinação em dia. Se não estiver, procure o serviço de saúde. Política Estadual de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes Objetivo: Promover a atenção integral à saúde de adolescentes, de 10 a 19 anos, considerando as questões de gênero, a orientação sexual, a raça/etnia, o meio familiar, as condições de vida, a escolaridade e o trabalho, visando à promoção da saúde, à prevenção de agravos e à redução da morbimortalidade, tendo três eixos centrais: Eixo 1: Crescimento e Desenvolvimento Saudáveis ● Ampliação do acesso de adolescentes à atenção básica; ● Acompanhamento sistemático do crescimento e desenvolvimento; ● Monitoramento da situação vacinal: hepatite B, dTpa (gestantes), HPV (meninas), febre amarela, tríplice viral, dt; ● Avaliação da saúde bucal e acuidade visual; ● Orientação para alimentação saudável e atividade física; ● Promoção de hábitos saudáveis. Eixo 2: Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva ● Consolidação dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos de adolescentes, considerando a diversidade sexual e de gênero; 18 ● Estímulo à participação de adolescentes como promotores/as de saúde sexual e reprodutiva; ● Acesso ao teste rápido de gravidez na AB, com acolhimento; ● Acesso a métodos contraceptivos, preservativos e planejamento familiar, incluindo anticoncepção de emergência; ● Assistência à adolescente grávida, atendendo suas necessidades específicas; ● Ações educativas visando paternidade responsável; ● Atenção especial à adolescente no puerpério visando evitar uma segunda gestação não planejada; ● Acesso a teste rápido para HIV e Sífilis com aconselhamento; ● Identificação, notificação e atenção aos casos de violência sexual. Eixo 3: Redução da Morbimortalidade por Causas Externas ● Contribuição para a redução da morbimortalidade por causas externas em adolescentes em articulação com outros programas e políticas; ● Ações intersetoriais com foco na prevenção a agravos relacionados ao uso indevido de substâncias psicoativas; ● Implantação da linha de atenção integral à saúde de pessoas vítimas de violência (identificação, notificação e atendimento de casos de violência contra adolescentes); ● Incentivo à articulação e integração entre as equipes de saúde da FASE e da ESF para acompanhar adolescentes egressos/as e familiares; Atenção Básica: Um Espaço Possível para Atender Adolescentes • Oferecer a Caderneta de Saúde de Adolescentes; • Garantir o direito de adolescentes de serem atendidos/as sozinhos/as; • Proporcionar acomodações que permitam privacidade; • Garantir a confidencialidade da consulta; • Estabelecer vínculo de confiança, atitude de respeito e imparcialidade; • Proporcionar escuta atenta e sensível, apreendendo aspectos não expressos; • Oferecer tempo, disponibilidade e possibilidade de retorno; • Considerar os aspectos da vida social, hábitos, trabalho, escola, família, sexualidade, situação psicoemocional, história de violência, uso de tabaco/álcool/outras drogas; • Realizar exame físico completo, com avaliação do crescimento, do desenvolvimento e da saúde como um todo; • Estimular a realização de grupos de adolescentes; • Realizar busca ativa daqueles/as adolescentes em situação de vulnerabilidade, enfatizando as perspectivas individual, coletiva e comunitária; • Integrar as ações com as Escolas, Projetos e Programas Sociais. 19 CAPÍTULO 2 ALIMENTAÇÃO:NUTRIÇÃO SAUDÁVEL PARA CRIANÇAS ACIMA DE 2 ANOS HELOISA PITTOLI SILVA DAISY LOPES DEL PINO INTRODUÇÃO Os hábitos da família são determinantes para a boa ou má nutrição na infância. A disponibilidade e frequência de consumo dos alimentos, o tamanho das porções e o ambiente em que acontecem as refeições dependem da família. A melhora dos hábitos alimentares deve ser direcionada a todos os familiares, afim de que a criança cresça e desenvolva-se como o esperado1. O marketing tem tido impacto importante nas escolhas dos alimentos pelas crianças e, associado à capacidade de compra dos alimentos e acesso à informação, torna a população de menor renda e menor escolaridade mais suscetível às más escolhas nutricionais e suas consequências. As preferências recaem normalmente sobre produtos alimentícios ultraprocessados, com grande quantidade de gorduras sólidas, açúcar e sódio, como salgadinhos, pizzas, doces, refrigerantes e sucos industrializados. ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS CONFORME A IDADE 2 a 5 anos: A diminuição no ritmo de crescimento é própria dessa fase, tendo como consequência a diminuição das necessidades nutricionais e a redução do apetite. O comportamento alimentar da criança é imprevisível e transitório e deve ser manejado de modo a não perdurar por fases posteriores como transtorno alimentar. A neofobia, recusa em experimentar novos alimentos, é comum nessa fase, assim como a não-aceitação de alimentos em função de atividade física, estado emocional, temperatura ambiente, conflitos em relações familiares, entre outros fatores. Os alimentos que tem melhor aceitação são os de alta densidade energética, em especial os doces, sendo um desafio evitar esses excessos1,2,3 ● Fazer 5 a 6 refeições diárias em família, com horários regulares e em ambiente sem distrações. ● Intervalo de 2 a 3 horas entre as refeições, com tempo suficiente para que sejam realizadas. ● Pequenos volumes de alimento por refeição, respeitando a saciedade e evitando líquidos durante as refeições. ● Não substituir o almoço e o jantar por lácteos, nem oferecê-los próximo dessas refeições. 20 ● Evitar comentários que constranjam a criança durante as refeições ou a pressionem, como chantagens e recompensas, que podem reforçar recusa e fobias alimentares. ● Controlar o consumo de guloseimas, sem proibição absoluta, para que seja exceção e não interfira na aceitação das refeições. ● A criança deve participar da escolha, da compra e do preparo do alimento. ● Se houver recusa de algum alimento, prepará-lo de modo diferente, oferecendo-o em outra ocasião. ● É necessário investigar a queixa de inapetência, diferenciando as causas comportamentais, relacionadas à dinâmica familiar e ao comprometimento emocional da criança, das causas orgânicas, que podem estar relacionadas à deficiência de micronutrientes. Avaliar a possibilidade de dietas restritivas, sempre lembrando que a diminuição do apetite em algum grau é esperada nessa fase. 6 a 10 anos: O ritmo de crescimento é mais constante, havendo um ganho acentuado de peso próximo ao estirão. Há melhora na aceitação dos alimentos, em função de maior independência e socialização. Além da família, é muito importante o estímulo da escola. A maior oferta de alimentos ultraprocessados, ricos em gordura, e a diminuição do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados, em conjunto com a diminuição da atividade física, pelo estilo de vida atual, relacionamse com o aumento da taxa de obesidade e de “fome oculta”, causada por deficiências nutricionais pouco evidentes clinicamente, em criança com peso adequado ou elevado para idade. ● Orientar a rotina alimentar da família para que a criança adquira melhores hábitos alimentares. ● Todas as refeições devem ser realizadas: café da manhã, lanches, almoço e jantar. O café da manhã parece estar diretamente associado a um melhor desempenho escolar. ● Nos lanches é necessário evitar alimentos isentos de valor nutricional. O consumo dos alimentos vendidos no bar ou ao redor da escola deve ser limitado, pois normalmente são pouco nutritivos. Preferir a merenda oferecida pela escola. Quando o lanche vier de casa, esse deve ser composto por: - Um líquido para repor as perdas nas atividades físicas: sucos, chás, água de coco, preferencialmente sem açúcar; - Uma fruta prática para consumir com casca ou cuja casca possa ser retirada com facilidade: maçã, banana, pêra, morango, uva; - Um tipo de carboidrato, que fornece energia, cuidando com a quantidade, pois é apenas parte do lanche: pães (integrais, forma, sírio), bolachas sem recheio, bolos caseiros; - Um tipo de proteína, de preferência as lácteas, mas somente se for possível manter em temperatura adequada: queijos, requeijões, iogurtes. 21 PRINCÍPIOS BÁSICOS Saciedade:1 as crianças tem plena capacidade de determinar sua saciedade. Deve ser permitido à criança pequena que pare de comer quando quiser e, às maiores, que se sirvam sozinhas. Isso faz com que comam porções menores e tenham relação mais saudável com a comida. Local das Refeições:1 É necessário ficar atento ao que a criança come fora de casa. Essas refeições tendem a ter mais valor calórico, maior teor de gordura e de sódio, além de associarem-se com diminuição do consumo de leite e aumento da ingestão de bebidas açucaradas. As crianças que comem pelo menos 3 vezes por semana em casa, junto à família, consomem mais vegetais e frutas, tendem a tomar café da manhã e tem em geral melhor saúde, além de peso mais saudável. Estilo de Vida:1 O estado nutricional da criança relaciona-se com o tempo em frente à TV, as horas destinadas ao sono, a prática de atividade física, como também com as questões emocionais. Quem dorme por mais tempo se exercita mais, passa menos tempo em frente à televisão, lida melhor com frustrações e autoimagem, tende a alimentar-se melhor, resultando em melhor saúde geral. Cálcio:4,5,6 O cálcio, o fósforo e o magnésio desempenham papel importante no metabolismo ósseo. Crianças saudáveis recebem aporte adequado de fósforo e magnésio, porque esses minerais são facilmente absorvidos, estando presentes em quase todos os alimentos de origem animal e vegetal. Os laticínios, os ossos moles de peixes como salmão e sardinha e os vegetais folhosos verde-escuros são ótimas fontes de cálcio. O consumo de cálcio acima de 500mg ao dia, mesmo com um consumo insuficiente de vitamina D, previne o raquitismo. A maioria das crianças é capaz de alcançar a quantidade recomendada de cálcio (RDA: 1-3 anos 700mg; 4-8 anos 1000mg; 9-13 anos 1300mg) ingerindo 3 porções de produtos lácteos diariamente (4 porções para os adolescentes). A Sociedade Americana de Pediatria recomenda laticínios com menor teor de gordura para crianças a partir dos 2 anos de idade. (Tabela 1). Tabela 1. Quantidade Aproximada de Cálcio por Porção Alimentar Alimento Leite semidesnatado Leite desnatado Iogurte de frutas Queijo tipo minas frescal Porção 1 copo médio, 200ml 1 copo médio, 200ml 1 pote, 140g 1 fatia, 35g Cálcio (mg) 234 268 140 200 Fonte: Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO. 4ª edição. NEPA, UNICAMP, 2011. Vitamina D:2,4,5 A vitamina D está relacionada ao crescimento ósseo, sendo essencial na infância e adolescência. Porém, alcançar a ingestão adequada de vitamina D (Recomendações 2010 pelo Dietary Allowance- RDA para maiores de 1 ano: 15mcg ou 600UI/dia), apenas pela alimentação é muito difícil. A maior parte da vitamina D utilizada pelo corpo (colecalciferol, ou D3) origina-se da síntese cutânea obtida a partir do seu precursor, 7-deidrocolesterol, existente na pele de mamíferos, em 22 conjunto com a exposição ao sol. Considerar, portanto, a suplementação de vitamina D em grupos com baixa exposição solar. (Tabela 2) Tabela 2. Quantidade Aproximada de Vitamina D por Porção Alimentar Alimento Porção Sardinha enlatada em óleo, drenada 1 unidade, 42g Leite semidesnatado, 1% de gordura, com 1 copo médio, 200ml vitamina A e D Carne bovina, fígado cru 1 bife média, 100g Ovo de galinha, gema crua 1 unidade, 17g Vitamina D(UI) 81 96 49 37 Fonte: United States Department of Agriculture(USDA).Food Composition Databases, 2016. Tratamento com Vitamina D para 0-18 anos: Recomendações 2010 RDA. • Dose de 50,000U (1,250 mcg) 1 x semana por 3 semanas ou 2,000 U/dia (50 mcg/d) por 6 semanas ou 3 meses, ou 1000U dia por 6 meses, para nivel de 25-hydroxyvitamin D > 30 ng/mL Gorduras:6,7,8 A gordura é uma importante fonte de calorias, necessária para as crianças crescerem e para desempenharem as atividades diárias, não devendo ser severamente restrita. ● Em uma dieta saudável, 30% das calorias devem se originar das gorduras. Desse percentual, menos de 10% deve ser de gordura saturada, proveniente das gorduras animais. O restante deve ser composto por gorduras poliinsaturadas e monoinsaturadas, encontradas nos óleos vegetais, oleaginosas, peixes marinhos, óleo de oliva, abacate, castanha do Brasil, entre outros. Menos de 1% do total de gorduras deve ser do tipo trans (óleos vegetais modificados quimicamente na indústria, presentes nos alimentos industrializados e produtos de padaria, sendo mais prejudiciais para a saúde do que as gorduras saturadas). O colesterol deve ser consumido na menor quantidade possível, estando presente nos frutos do mar, vísceras e em menor quantidade nos ovos. Aderir a uma dieta saudável para, desde a infância, diminuir os níveis de colesterol e, se seguida pela adolescência e vida adulta, reduzir os riscos de doenças coronarianas ao longo da vida. ● As crianças a partir de dois anos de idade em geral tem indicação de seguir uma dieta que priorize gorduras saudáveis, incluindo carnes magras e produtos lácteos com menor teor de gordura, principalmente se a criança estiver com excesso de peso ou sobrepeso, ou se houver histórico familiar de hipercolesterolemia ou doença coronariana. ● Ao redor de 5 anos, a criança já deve estar bem habituada, assim como os pais, a uma dieta composta por alimentos com menor teor de gordura, incluindo os leites e derivados semidesnatados e desnatados, frango sem pele, peixe, carnes vermelhas magras, ovos, além de grãos integrais, frutas, legumes e vegetais folhosos. Açúcares:1,7,9 Os açúcares livres são monossacarídeos (como glicose ou frutose) e dissacarídeos (como sacarose ou açúcar de mesa) adicionados aos alimentos e 23 bebidas, e açúcares naturalmente presentes no mel, xaropes, sucos de frutas e suco de frutas concentrados. ● Nutricionalmente as pessoas não necessitam acrescentar nenhum tipo de açúcar à dieta. O consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas associa-se diretamente com maior ingestão de calorias e redução no consumo de frutas e vegetais entre crianças. ● Para crianças entre 2 e 5 anos, o consumo de bebidas açucaradas está negativamente associado à ingestão de leite. A recomendação é de que o consumo fique abaixo de 10% das calorias totais (100 a 180 kcal para crianças entre 2 e 11 anos), pois há fortes evidências de que consumos mais altos de bebidas açucaradas relacionam-se com obesidade e sobrepeso. ● Em geral, orienta-se limitar o consumo de carboidratos simples a 1 porção ao dia: (Tabela 3). Tabela 3. Porção Alimentar Do Grupo Do Açúcar, Conforme Faixa Etária Alimentos Açucarados Crianças de 2 a 3 anos Crianças acima de 4 anos Açúcar ½ colher de sopa 1 colher de sopa Doce de leite cremoso ½ colher de sopa 1 colher de sopa Geléia de fruta ½ colher de sopa 1 colher de sopa Mel 1 colher de sopa 2 colheres de sopa Suco artificial 1 copo pequeno 1 copo médio Fonte: Adaptado do Guia alimentar para população brasileira, Normas e Manuais Técnicos, 2008. Fibras:1,10 O baixo consumo de frutas e hortaliças está entre os principais fatores que levam ao adoecimento no mundo. As fibras alimentares dão saciedade e contribuem para a melhora do trânsito intestinal, prevenindo constipação. Os alimentos ricos em fibra normalmente são também boas fontes de vitaminas e minerais, e podem reduzir o risco de doenças coronarianas, certos tipos de câncer e obesidade. Boas fontes de fibras incluem, além de hortaliças e frutas, também feijões, oleaginosas e cereais integrais. O consumo da fruta na forma de suco natural deve ser limitado. As recomendações de fibras alimentares (AI) são: 19g de 1 a 3 anos, 25g de 4 a 8 anos, 26g e 38g para meninas e meninos de 9 a 13 anos, respectivamente (Tabela 4). Tabela 4. Porção Alimentar dos Grupos da Fruta, Hortaliça e Leguminosa, conforme faixa etária 7 a 10 anos 1 unidade média 1 fatia média Cozidos: 3-4 colheres de sopa Folhas cruas picadas: 1 pires 1 concha média 2 a 6 anos 1 unidade pequena 1 fatia fina Cozidos: 2-3 colheres de sopa Folhas cruas picadas: ½ pires ½ -1 concha pequena Grupo Alimentar Fruta, 3 a 4 porções Hortaliça, 3 a 4 porções Leguminosa (feijões), 2 porções Fonte: Adaptado do Guia alimentar para população brasileira, Normas e Manuais Técnicos, 2008. 24 Ferro:2,5 O Ferro é um mineral essencial para a vida, sendo fundamental para o crescimento saudável. A anemia ferropriva é uma das carências mais comuns e representa problema de saúde pública. O ferro heme presente nas carnes em geral é absorvido mais facilmente que o ferro não-heme, encontrado nos feijões e algumas hortaliças e frutas. ● Os alimentos ricos em cálcio, como os laticínios, e os polifenóis, presentes em chás e produtos à base de cafeína, pioram a biodisponibilidade do ferro. ● A vitamina C, abundante nos sucos cítricos, melhora a biodisponibilidade principalmente do ferro não-heme. Também existem disponíveis no mercado alimentos fortificados com ferro, como farinhas de trigo e milho, cereais matinais, leites enriquecidos com nutrientes entre outros. ● Uma dieta balanceada, com 5 a 20% de proteína (Tabela 5), composta por 2 porções ao dia de carne, leguminosa e hortaliças e 3 porções de fruta contribui para o aporte de ferro adequado (RDA: 7mg para crianças de 1 a 3 anos; 10mg para crianças de 4 a 8 anos; 8mg para jovens de 9 a 13 anos). Tabela 5. Porção Alimentar do Grupo da Carne e Ovos, conforme faixa etária Alimento Número de porções 1 a 3 anos 4 a 6 anos 7 a 10 anos 2 a 3 colheres de 4 colheres de sopa sopa de carne moída ou de carne moída ou Carnes bovina, desfiada, 2/3 de desfiada, 1 bife de frango, de 2 porções/ dia bife pequeno, 1 pequeno, 1 peixe e ovos sobrecoxa sobrecoxa média, 2 ovos cozidos pequena, 1 ovo cozido Fonte: Adaptado do Guia alimentar para população brasileira, Normas e Manuais Técnicos, 2008. 2 colheres de sopa de carne moída ou desfiada, ½ bife pequeno, 1 coxa pequena, 1 ovo cozido Sódio:5,11 A Organização Mundial da Saúde lançou recomendações para o consumo de sódio e potássio, com o objetivo de reduzir a pressão arterial e o risco de doenças crônicas não transmissíveis em adultos e controlar a pressão arterial em crianças. ● Para crianças e adolescentes de 2 a 15 anos, a ingestão máxima de 2g/dia de sódio e a ingestão mínima de 3,5g/dia de potássio devem ser ajustados às necessidades de energia de cada faixa etária. • Sódio: 1g de 1 a 3 anos; 1,2g de 4 a 8 anos; 1,5g de 9 a 13 anos; • Potássio: 3g de 1 a 3 anos; 3,8g de 4 a 8 anos; 4,5g de 9 a 13 anos. As frutas e hortaliças consumidas cruas e o aproveitamento da água do cozimento dos vegetais garantem o aporte necessário de potássio. O sódio está presente naturalmente em uma variedade de alimentos, como leite e carnes em geral. Também é encontrado em grandes quantidades nos alimentos ultraprocessados, como pães, biscoitos, condimentos, temperos prontos e aditivos da indústria alimentícia. É necessário restringir ao máximo o consumo dos alimentos industrializados, ter o hábito de ler os rótulos dos alimentos e controlar o acréscimo de sal às preparações, lembrando que 2g de sal (1 colher de cafezinho) contém 0,8g de sódio. 25 CONCLUSÃO Uma dieta balanceada, com equilíbrio entre a energia ingerida e a energia gasta, além da ingestão adequada de alimentos nutricionalmente densos (ricos em vitaminas e minerais, pouco calóricos, pobres em gorduras, açúcares e sódio), é essencial para as crianças atingirem seu potencial de crescimento e desenvolvimento, prevenindo doenças carenciais e cáries dentárias e diminuindo o risco de doenças crônicas como Diabetes Mellitus tipo II, câncer, obesidade, osteoporose e doença cardiovascular. REFERÊNCIAS 1. Position of the American Dietetic Association: Dietary Guidance for Healthy Children Ages 2 to 11 Years.Journal of the American Dietetic Association, v. 104, n. 4, p. 660-677, ISSN 0002-8223. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.jada.2004.01.030 >. Acesso em: 25 nov. 2016. 2. Departamento científico de Nutrologia - Sociedade Brasileira de Pediatria. Manual de orientação do Departamento de Nutrologia : Alimentação do lactente ao adolescente, alimentação na escola, alimentação saudável e vínculo mãe-filho, alimentação saudável e prevenção de doenças, segurança alimentar. 3°ed. Rio de Janeiro, RJ: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2012. Disponível em: < http://www.sbp.com.br/pdfs/14617a-PDManualNutrologia-Alimentacao.pdf >. Acesso em: 25 nov. 2016. 3.Departamento científico de Nutrologia - Sociedade Brasileira de Pediatria. Lanche Saudável Manual de Orientação. 1°ed. Rio de Janeiro, RJ: Sociedade Brasileira Pediatria, 2011. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/pdfs/Manual_Lanche_saudavel_04_08_2012.pdf >. Acesso em: Acesso em: 25 nov. 2016. 4.MUNNS, C. F. et al. Global Consensus Recommendations on Prevention and Management of Nutritional Rickets. J Clin Endocrinol Metab, v. 101, n. 2, p. 394-415, Feb 2016. ISSN 0021-972x. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1210/jc.2015-2175 >. Acesso em: 25 nov. 2016. 5.Institute of Medicine (US) Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes.Dietary Reference Intakes for Calcium, Phosphorus, Magnesium, Vitamin D, and Fluoride.National Academies Press (US), 1997. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/ >. Acesso em: 25 nov. 2016. 6. Institute of Medicine (US) Panel on Micronutrients. Dietary Reference Intakes for Thiamin, Riboflavin, Niacin, Vitamin B6, Folate, Vitamin B12, Pantothenic Acid, Biotin, and Choline.National Academies Press (US), 1998. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/ >. Acesso em: 25 nov. 2016. 7. Institute of Medicine (US) Panel on Dietary Antioxidants and Related Compounds. Dietary Reference Intakes for Vitamin C, Vitamin E, Selenium, and Carotenoids. National Academies Press (US), 2000. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/ >. Acesso em: 25 nov. 2016. 8.Institute of Medicine (US) Panel on Micronutrients. Dietary Reference Intakes for Vitamin A, Vitamin K, Arsenic, Boron, Chromium, Copper, Iodine, Iron, Manganese, Molybdenum, Nickel, Silicon, Vanadium, and Zinc. National Academies Press (US), 2001. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/ >. Acesso em: 25 nov. 2016. 9. Institute of Medicine of the National Academies. Dietary Reference intakes for Energy, Carbohydrate, Fiber, Fat, Fatty acids, Cholesterol, Protein and Amino Acids. Washington, DC: The National Academies Press, 2002/2005. Disponível em: < https://www.nap.edu/read/10490/chapter/1 >. Acesso em: 25 nov. 2016. 10. Institute of Medicine Panel on Dietary Reference Intakes for Electrolytes and Water Dietary Reference Intakes for Water, Potassium, Sodium, Chloride, and Sulfate. National Academies Press, 2005. ISBN 9780309091701. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=EzFqAAAAMAAJ >. Acesso em: 25 nov. 2016. 11. SAWKA, M. Dietary Reference Intakes for Water, Potassium, Sodium, Chloride, and Sulfate. Chapter 4-Water. DTIC Document. 2005. 26 CAPÍTULO 3 AMIGDALITE/ DOR DE GARGANTA NA INFÂNCIA LUCIANA LIMA MARTINS COSTA FERNANDO BARCELLOS AMARAL INTRODUÇÃO Conceito: As faringotonsilites agudas compõem o grupo das infecções de vias aéreas superiores que tem como manifestação principal a inflamação das estruturas faríngeas e dor de garganta. Epidemiologia: Tem prevalência elevada, sendo causa comum das consultas médicas na infância. 1 Etiologia: os agentes virais correspondem a cerca de 75% das infecções e os principais vírus causadores são o adenovírus, influenza, parainfluenza, Coxsackie, VSR, herpes e Epstein-Baar 2, enquanto as bactérias representam cerca de 20% dos casos, sendo o Streptococcus beta hemolítico do grupo A (EBHGA) ou Streptococcus pyogenes, o seu principal representante. 3,4 O principal objetivo do pediatra ao atender uma criança com faringite é justamente tentar identificar aquelas que tem faringite estreptocócica e instituir o tratamento apropriado, tendo em vista a profilaxia da febre reumática.3 Crianças menores de dois anos raramente apresentam doença bacteriana, após essa idade a incidência se eleva, tendo como faixa etária principal entre 3 e 15 anos. ,2, QUADRO CLÍNICO (Tabelas 1 e 2) Quadros virais: Apesar da baixa especificidade e sensibilidade para diagnóstico diferencial de faringite bacteriana, os quadros virais tendem a vir acompanhados de coriza, obstrução nasal, espirros, rouquidão, aftas e sintomas gastrointestinais, podendo estar acompanhados ou não de quadros febris2. Tabela 1. Manifestações clínicas associadas a faringites virais Adenovirus Coxsackie herpangina Mialgia, cefaléia e conjuntivite - febre faringoconjuntival Pequenas úlceras e vesículas no palato mole e pilares da amígdala. Dor abdominal. Herpes simples Múltiplas úlceras no palato, adenopatia cervical dolorosa com ou sem gengivoestomatite. Epstein-Barr – Adenopatia cervical, eventualmente generalizada, Mononucleose esplenomegalia e exantema após uso de ampicilina. 27 infecciosa Associada a resfriado comum Sensação de “garganta arranhando e coçando”, coriza nasal, tosse, anorexia e adenopatia cervical. Fonte: Pereira, MBR, Rotinas em Otorrinolaringologia, 2015. Quadros bacterianos: infecção por EBHGA costuma ter início súbito, não estando associada a outros sinais de envolvimento das vias aéreas superiores. Costuma o apresentar febre >38 C e odinofagia intensa. No exame físico há hiperemia, hipertrofia e exsudatos tonsilares, geralmente associados a adenomegalia dolorosa em cadeia cervical anterior e subângulo mandibular.3,4 Tabela 2. Manifestações clínicas nas faringoamigdalites virais e bacterianas Infecção por Infecção por Streptococcus Pyogenes vírus Coriza Conjuntivite Rouquidão Tosse Estomatite ulcerativa Diarreia Exantema viral Idade entre 5 e 15 anos Dor de garganta de início súbito Febre Cefaléia Hiperemia faringotonsilar Petéquias no palato Linfadenopatia cervical anterior dolorosa Ocorrência no inverno ou início da primavera História de contato com indivíduo com faringotonsilite estreptocócica Exantema escarlatiniforme Fonte: Pereira, MBR, Rotinas em Otorrinolaringologia, 2015. DIAGNÓSTICO Faringoamigdalite estreptocócica: ● Dados clínico-epidemiológicos. ● Confirmação pelo exame cultural (padrão ouro) ou pelo teste rápido de detecção do antígeno estreptocócico. ● A cultura, quando adequadamente coletada, apresenta sensibilidade de 90 a 95%, mas tem como desvantagem a demora na obtenção do resultado (cerca de 36h).2 ● Testes rápidos, apesar de ainda pouco disponíveis em larga escala em nosso país, fornecem um diagnóstico imediato, com especificidade de 96% e sensibilidade de 75%. Sendo assim, um teste rápido positivo não exige confirmação por cultura, podendo-se instituir tratamento imediato. Em crianças e adolescentes com alta suspeita clínica, um teste rápido negativo não exclui infecção bacteriana, sendo necessário confirmação por cultura3,4. ● Exames como ASLO, PCR e leucograma não estão indicados para o diagnóstico 28 de infecção pelo EBHGA.6 Diagnóstico diferencial com faringoamigdalite bacteriana ● Mononucleose infecciosa. É causada pelo vírus Epstein Baar, que apresenta tropismo por linfócitos B e pelas células epiteliais da faringe e das glândulas salivares. A tríade clínica é constituída por febre, angina e poliadenopatia. Podem ser encontrados sinais sistêmicos como linfadenomegalia, hepatomegalia (10%) e esplenomegalia (50%). É possível ocorrer rash cutâneo com os uso de penicilina/ampicilina. Investigação laboratorial: linfocitose ao hemograma (linfócitos >50% dos leucócitos), linfocitose atípica (10% ou mais dos leucócitos totais) e discreto aumento de transaminases. A pesquisa de anticorpos IgM e IgG contra antígenos do capsídeo viral (anti-VCA) constituem os exames de escolha. Níveis de IgM >1:10 e de IgG >1:320 evidenciam infecção aguda ou recente. O monoteste (pesquisa de anticorpos heterófilos ou teste de Paul Bunnell) não é fidedigno na fase inicial da doença e em crianças menores de 5 anos. 4 ● Simulam um quadro de mononucleose (síndrome mononucleose-like) o citomegalovírus, rubéola, toxoplasma, HIV, entre outros. ● Abscesso peritonsilar: Causa dor unilateral intensa, sialorreia, trismo, abaulamento unilateral com desvio de úvula e piora do estado geral. Na maioria das vezes tem etiologia polimicrobiana e germes anaeróbios. 3 TRATAMENTO Faringoamigdalite viral: ● Hidratação, analgésicos e antitérmicos. Reavaliação em 48-72h quando não houver remissão da febre. Faringoamigdalite bacteriana: ● Antibióticos de 1a escolha: penicilina G benzatina IM dose única (se < 20Kg: 600.000 UI; se >20Kg 1.200.000 UI); ou amoxicilina oral 50mg/Kg, 1x/dia (máx 1000mg), ou 25mg/kg/dose (máx. 500mg) 2x/dia, devendo-se manter o tratamento por 10 dias. 5,6 ● Azitomicina 12mg/Kg, 1x/dia (máx. 500 mg), por 5 dias. Devido ao crescimento da resistência aos macrolídeos, deve-se restringir o seu uso aos pacientes com história de hipersensibilidade às penicilinas. ● Amoxicilina+clavulanato, cefalosporinas de 2a geração como cefuroxima ou clindamicina.3 Na possibilidade de coinfecção por bactérias produtoras de betalactamase e anaeróbios, em situações de faringites recorrentes e crônicas. ● Além do tratamento específico, toda criança deve receber analgésicos e antitérmicos para alívio da odinofagia, que muitas vezes dificulta a alimentação. Benefícios no tratamento antimicrobiano: encurta a fase aguda da doença, diminui o potencial de transmissão, previne a febre reumática se utilizada dentro de um prazo de 9 dias após o início, previne as complicações supurativas (abscessos periamigdalianos e retrofaríngeo). A glomerulonefrite não é prevenida pelo tratamento antimicrobiano. Abscesso peritonsilar:Internação hospitalar + antibiótico venoso + drenagem por punção com agulha grossa. 3,4 29 Tratamento cirúrgico Recomenda-se amigdalectomia para crianças que atendam os critérios Paradise: ● Infecções recorrentes, que se repetem 7 vezes ao ano, ou 5 vezes por ano nos últimos 2 anos, ou 3 vezes ao ano nos últimos 3 anos e que se acompanham de uma ou mais manifestações ou testes: o ● febre > 38 C, adenopatia cervical dolorosa, exsudato tonsilar ou teste positivo para EBHGA, seja o teste rápido ou cultural. 4,5 A amigdalectomia também pode ser realizada nas seguintes condições: ● intolerância ou hipersensibilidade a vários antibióticos, história de abscesso peritonsilar, estomatite aftosa e febre periódica (PFAPA). Em casos de episódios não documentados de faringites infecciosas, recomenda-se um período de observação de 12 meses. REFERÊNCIAS 1 SIH, Tânia .Faringotonsilites agudas, In: SIH Tânia et al. VI Manual de otorrinolaringologia pediátrica da IAPO. Guarulhos: Lis, 2006. p. 55-64. 2. PEREIRA, M. B. R.; PEREIRA, D. R. R. Faringotonsilites. In: PILTCHER, Otavio B. et al. Rotinas em Otorrinolaringologia. Porto Alegre: Artmed, 2015. p. 287-291 3 FUNDAÇÃO OTORRINOLARINGOLOGIA. Seminários: faringotonsilites. São Paulo: USP, 2016. Disponível em: < http://forl.org.br/Content/pdf/seminarios/seminario_24.pdf> Acesso em: 28 set. 2016. 4. DI FRANCESCO, R. C. Adenóide e tonsilas palatinas: quando operar? In: : SIH Tânia et al. VI Manual de otorrinolaringologia pediátrica da IAPO. Guarulhos: Lis, 2006. p. 65-68 5. SCHULMAN, S. T. et al. Practice guidelines for the diagnosis and management of group A streptococcal pharyngitis. Clinical Infectious Diseases, Chicago, v. 35, n. 2, p.113-125. 2002. 6. BARBOSA, P.J. B. et al. Diretrizes brasileiras para diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v. 93, n. 3, p. 1-18, 2009. Suplemento 4. Disponível em:< http://www.proac.uff.br/farmacoclinica/sites/default/files/diretriz_FebreReumatica.pdf >. Acesso em: 28 set. 2016. 30 CAPÍTULO 4 ANALGESIA E SEDAÇÃO: PROCEDIMENTOS EM PACIENTES PEDIÁTRICOS DEISE SOARES DA SILVA; GABRIEL BOSCHI CAMILA DOS SANTOS EL HALAL; ILÓITE M. SCHEIBEL INTRODUÇÃO A dor é um fenômeno multidimensional predominantemente físico que deve ser reconhecida mesmo quando houver incapacidade de comunicação verbal pelo paciente, principalmente na faixa etária pediátrica1. O tratamento da dor e ansiedade é parte essencial ao cuidado pediátrico, sendo recomendado o emprego de protocolos para escolha adequada dos medicamentos, aumentando sua eficácia e reduzindo seus efeitos adversos2. AVALIAÇÃO DA DOR O autorrelato deve ser considerado para crianças a partir dos 5 anos de idade. Crianças menores podem ser avaliadas de forma indireta, através da resposta à dor com choro, agressividade e busca pelo conforto dos pais3. Em lactentes, a dor deve ser avaliada pela resposta de comportamento (choro, expressão facial e atividade motora), e fisiológica, observando, se possível o aumento da frequência cardíaca, queda de saturação de oxigênio e elevação da pressão arterial4. ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA DOR Apesar do manejo da dor basear-se predominantemente em medidas medicamentosas, abordagens não-farmacológicas, como respeitar o ciclo sono-vigília, controlar ruídos e luz, permitir a visita dos pais e atividades de recreação também podem atuar como adjuvantes no processo terapêutico2. Algumas recomendações importantes da OMS (Organização Mundial da Saúde)5 são: ● Respeitar a escada analgésica de dois degraus (Quadro 1) conforme a intensidade da dor; ● Utilizar a via de administração disponível, preferindo a via oral; ● Prescrever medicações a intervalos regulares; ● Tratamento individualizado com medicações e doses adequadas ao paciente. Escada analgésica: A Escada analgésica proposta pela OMS visa organizar e padronizar o manejo da dor, baseando-se numa escada, com cada degrau representando as opções medicamentosas para o grau de dor apresentado.5 Em 1986, codeína e tramadol foram suprimidas do segundo degrau (dor moderada), adicionando morfina em dose mais baixa. Essa decisão ocorreu por não existirem 31 estudos sobre o uso de tramadol em crianças, e pelo fato de que até 30% da população não possui biodisponibilidade genética para transformação da codeína em seu metabólito ativo, por deficiência da enzima hepática responsável. Quadro 1. Escada Analgésica (OMS) Dores fracas Paracetamol 200mg/ml, 1 gota/kg, 4/4h Ibuprofeno 100mg/ml, 1 gota/kg, 6/6h Dores moderadas Morfina 0,05 mg/kg/dose 4/4h (administrar em 10 minutos) Dores intensas Morfina 0,1 mg/kg/dose 4/4h (administrar em 10 minutos) (iniciar infusão 0,01mg/kg/h se necessário) Fonte: WHO Guideliness.2012 ANALGÉSICOS: Paracetamol; Ibuprofeno; Cetoprofeno; Morfina. ANALGÉSICOS SIMPLES Os medicamentos anti-inflamatórios não esteróides (AINE) podem ser utilizadas para o tratamento de dores menos intensas, principalmente após recuperação da sedação. A analgesia dessas medicações tem efeito semelhante em crianças e adultos e não há vantagem na administração injetável com relação ao uso oral. O Paracetamol é um inibidor da enzima ciclooxigenase, sem ação antiinflamatória, sendo efetivo para dores leves e moderadas com dose 10 - 15 mg/kg 4/4h, sendo que doses maiores não aumentam seu poder analgésico. O Ibuprofeno é um AINE que pode ser usado na dose de 5 - 10 mg/kg 6/6h, devendo ser usado com cautela pelo risco de sangramento digestivo e lesão renal. O Cetoprofeno é um AINE que tem sido estudado para uso de manejo de dor perioperatória nos últimos anos. Alguns trabalhos já concluíram que o seu uso em infusão contínua reduz o uso intermitente de opioides e mantém o mesmo nível de controle de analgesia que o uso de opioides em infusão. Atualmente recomendase a dose de ataque IV 1mg/kg em 10 minutos seguido de infusão de 4mg/kg em 24 horas e a dose via oral de 1mg/kg 6/6h.11 OPIÓIDES Os opióides são drogas analgésicas e sedativas que não causam amnésia. Antagonista: naloxona na dose 0,1 mg/kg (máximo 2mg), que apresenta início de ação em 2 minutos e duração entre 20 a 60 minutos, sendo comum repetir a medicação pelo efeito prolongado dos opióides. Morfina É um analgésico potente geralmente utilizado após grandes cirurgias e ventilação mecânica. Sua farmacocinética é influenciada pela idade, sendo que sua meia-vida e depuração assemelham-se a do adulto por volta dos 6 meses de idade. Seu efeito 32 analgésico ocorre após 10-15 minutos da infusão. Devido tolerância induzida pelos opióides, inicia-se com doses baixas, sendo possível aumentar conforme a necessidade. Dose endovenosa inicial 0,1-0,2 mg/kg (máximo 5mg), seguida de infusão de 0,01 mg/kg/h, proporciona alívio da dor e mantém a ventilação espontânea na maioria dos pacientes Recém-nascidos e pneumopatas têm reflexos respiratórios prejudicados, o que aumenta o risco de depressão respiratória. • SEDAÇÃO PARA PROCEDIMENTOS SEDAÇÃO é a redução controlada do nível de consciência e/ou percepção da dor, mantendo sinais vitais estáveis, via aérea patente e respiração espontânea adequada.6,7 É importante lembrar que nem todo paciente está apto à sedação para procedimentos eletivos, devendo-se reservar o uso de medicações sedativas fora do bloco cirúrgico ou da unidade intensiva para os pacientes saudáveis ou que apresentem doença sistêmica controlada (ASA 1 e 2- American Society of Anesthesiologists). O tempo de jejum dependerá dos tipos de alimentos (Tabela 1), lembrando que pacientes com doença neuromuscular, trauma, obesidade, alteração do estado mental ou patologias intra-abdominais apresentam risco elevado de aspiração durante sedação, mesmo após jejum.6 Tabela 1. Tempo de jejum preconizado pré sedação Tempo de Tipo de alimento Jejum Líquidos claros: água, sucos de fruta, bebidas gaseificadas, chá, 2 horas café 4 horas Leite materno 6 horas Leite de vaca ou fórmulas; refeição leve: torrada e líquidos claros 8 horas Alimentos sólidos Fonte: Adaptado de Coté C.J., Pediatrics, 2006.8 POR QUE SEDAR A CRIANÇA QUE IRÁ SER SUBMETIDA A UM PROCEDIMENTO COMO PUNÇÃO LOMBAR, INFILTRAÇÃO ARTICULAR, BIÓPSIA DE PELE, SUTURAS, REDUÇÃO DE FRATURAS? A realização de procedimentos pode gerar ansiedade e medo, e consequente pouca colaboração do paciente. Na maioria dos procedimentos, esses sintomas, associados à dor da punção, podem prejudicar a técnica adequada e, por conseguinte, o resultado do exame. Um exame com resultado pouco fidedigno pode, por sua vez, influenciar de maneira negativa o tratamento a ser instituído. 33 Nem toda a criança necessitará de sedação. Dependendo da colaboração e estado geral da criança, a sedação pode não ser necessária. NOTA: A punção lombar em lactentes deve ser preferencialmente realizada sem o uso de sedativos. Nesses pacientes, deve-se aplicar EMLA® (uma mistura de prilocaína e lidocaína), na região da punção cerca de 30 minutos antes do procedimento. O EMLA é um anestésico de aplicação tópica e NÃO deve ser utilizado em mucosas ou em áreas de pele muito extensas, e sim na região próxima ao procedimento.4 Lactentes jovens podem receber, além disso, 2 ml de glicose a 10% por sucção a partir de 2 minutos antes do procedimento, podendo-se manter gaze embebida na solução para sucção no transcorrer da punção. MATERIAL NECESSÁRIO PARA A REALIZAÇÃO DA SEDAÇÃO 6 - Acesso venoso, ou equipamento para punção venosa periférica - Oxímetro de pulso, usado em todos os pacientes durante todo o procedimento e na recuperação da sedação - Cateter de O2, que deve ser instalado se necessário - Ambu e máscara adequada para a criança, que deve estar conectado a uma fonte de oxigênio e pronto para uso caso necessário - Soro fisiológico 0,9% - Carro de parada cardiorrespiratória equipado Um médico da equipe assistente ou que realizou o procedimento deve acompanhar o paciente durante o período em que estiver sob efeito do sedativo, até recobrar a consciência. MEDICAÇÕES PARA SEDAÇÃO EM PEQUENOS PROCEDIMENTOS • Quetamina associada ao Midazolan ou isolados • Fentanil PRINCIPAIS DROGAS SEDATIVAS E ANALGÉSICAS HOSPITALARES 7,8,9,10 BENZODIAZEPÍNICOS Ação sedativa, hipnótica, ansiolítica, anticonvulsivante e relaxante muscular. Mecanismo de ação por aumento dos neurotransmissores inibitórios (GABA e Glicina). A depressão respiratória, um de seus efeitos adversos, é dose-dependente e potencializada pelo uso associado de opioides. O efeito cardiovascular é mínimo quando usado isoladamente,porém, no uso prolongado e associado com morfina, pode ocorrer hipotensão. O antagonista dos benzodiazepínicos é o flumazenil (0,01-0,02 mg/kg/dose EV rápida em intervalos 1 minuto até atingir nível de consciência desejado). Midazolam 34 Agente hidrossolúvel de rápido início de ação e cuja principal vantagem é produzir amnésia. Até 4 vezes mais potente que diazepam. Seu uso prolongado produz abstinência e tolerância. -Dose sedativa padrão EV de 0,1mg/kg/dose ou intranasal de 0,2mg/kg/dose é eficaz para procedimentos incômodos com mínima depressão respiratória. -Doses maiores de 0,4-0,5 mg/kg/dose (máximo 10 mg) podem ser utilizadas para procedimentos mais agressivos, porém necessitando manutenção de via aérea avançada. -A infusão contínua é 0,05-0,4 mg/kg/h associada ou não a um opióide produz sedação satisfatória a crianças submetidas a ventilação mecânica. Pode ser utilizado via oral, sublingual, intranasal e intramuscular, sendo que pela via oral apresenta início em até 15 minutos, enquanto que as vias intranasal ou sublingual são opções adequadas quando não houver acesso endovenoso disponível. Diazepam É o benzodiazepínico de menor custo, pouco hidrossolúvel, e com absorção intramuscular errática e incompleta. Seus metabólitos possuem meia-vida longa de 20 a 50 horas, sendo uma boa opção para pacientes em ventilação mecânica e sedação prolongada. Não é uma boa medicação para procedimentos, pois sua aplicação causa dor intensa tanto intramuscular quanto endovenoso. Aplicação EV rápida pode causar depressão respiratória e hipotensão. -0,1mg/kg EV é adequada para sedação em procedimentos pouco desconfortáveis. -para sedação mais intensa, a dose pode ser aumentada até 0,5mg/kg e repetida em intervalos de 2/2h a 4/4h. -Dose via oral máxima recomendada é de 3 mg/kg 6/6h. QUETAMINA É um agente anestésico dissociativo, com marcado efeito analgésico e propriedades amnésicas. Apesar de seu efeito inotrópico negativo e propriedades vasodilatadoras, a quetamina preserva a estabilidade hemodinâmica por seus efeitos simpáticos secundários. -0,5-2 mg/kg EV é adequada para induzir sedação com preservação dos reflexos de via aérea e controle respiratório, permitindo realizar procedimentos com mínimo desconforto. -Dose para induzir sedação profunda de 2-4 mg/kg sendo necessária a manutenção de via aérea e ventilação artificial. -Para sedação de pacientes em ventilação mecânica a dose de infusão é 1040mcg/kg/min. 35 Devido seu efeito broncodilatador e simpático secundário, é um ótimo agente de indução anestésica em pacientes com asma aguda grave e instabilidade cardiorrespiratória. Assim como benzodiazepínicos, seu uso prolongado causa tolerância e abstinência. Devido seu mecanismo de ação, a quetamina pode induzir alucinações, principalmente próximo ao momento de despertar do paciente. Assim, frequentemente se administra midazolam em associação para minimizar-se o efeito alucinógeno da quetamina em pacientes maiores de 8 anos. FENTANIL É um opióide semissintético de rápido início de ação e 100 vezes mais potente que a morfina. Dose efetiva para procedimentos dolorosos: 1mcg/kg, porém costuma necessitar infusão para atingir sedação contínua. Como esta medicação necessita ajustes frequentes de doses devido risco de impregnação, além de rigidez de parede torácica, seu uso não é recomendado fora de Unidades Intensivas. REFERÊNCIAS 1.BARTHOLOMÉ S, López-Herce J, Freddi N. Analgesia e sedação em crianças: uma abordagem prática para situações mais frequentes. J Pediatria (Rio J).v. 83,p.:S71-82. 2007 2.LAGO P, Piva J, Garcia P. Analgesia e Sedação em UTIP. In: Piva J, Garcia P. Medicina Intensiva em Pediatria. 2ª edição. Rio de Janeiro: REVINTER;.p. 1103-1125, 2015. 3.CL von BAEYER. Children's self-report of pain intensity: What we know, where we are headed. Pain Res Manage , v.14,n.1, p.39-45, 2009. 4.SILVA YP, Gomez RA, Máximo TA, Silva ACS. Avaliação da Dor em Neonatologia. Rev Bras Anestesiol. v.57,n.5, p.565-574. 2007. 5.WHO Guidelines on the Pharmacological Treatment of Persisting Pain in Children with Medical Illnesses. Geneva: World Health Organization; 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/ Acesso em: 01 dez. 2016. 6.BARCELOS ALM, Piva JP. Sedação e analgesia em emergência pediátrica. Scientia Medica (Porto Alegre). v. 22, n.3, p. 153-161, 2012. 7. GREEN SM, Roback MG, Kennedy RM, Krauss B. Clinical Practice Guideline for Emergency Department Ketamine Dissociative Sedation: 2011 Update. Ann Emerg Med . v. 57, n.5: p.449-461, 2011. 8.COTE CJ. Guidelines for Monitoring and Management of Pediatric Patients During and After Sedation for Diagnostic and Therapeutic Procedures: An Update. Pediatrics . v.118, n.6, p. 2587-2601, 2006 9.BARNES S, Yaster M, Kudchadkar S. Pediatric Sedation Management. Peds in Rev v.37, p.203212, 2016. 10.DOCTOR K, Roback M, Teach S. An update on pediatric hospital-based sedation. Curent Op Pediatrics . v.25, p.310-16, 2013. 11. HOWARD ML, Isaacs AN, Nisly SA. Continuous Infusion Nonsteroidal Anti-Inflamatory Drugs for Perioperative Pain Management. Journal Pharmacy Practice.p.1-16, 2016. 36 CAPÍTULO 5 ANEMIA RAQUEL DE MAMANN VARGAS; ANTÔNIA PARDO CHAGAS PEDRO PAULO A. DOS SANTOS; CÉSAR RICARDO A. DE LIMA INTRODUÇÃO 1,2 Definição: De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), anemia pode ser conceituada como a redução da concentração de hemoglobina (Hb) dois desviospadrão abaixo da Hb média da população, considerando-se faixa etária e gênero. Deste modo, os valores da normalidade são variáveis, conforme mostra a seguir: Tabela 1. Valores normais de Série Vermelha (± 2dp) Fontes: KLIEGMAN, Robert M. et al. Nelson: Tratado de Pediatria. 19 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ). 2 Epidemiologia: A anemia é uma doença com alta prevalência, atingindo mais de 2 bilhões de pessoas no mundo atual. A deficiência de ferro é o distúrbio nutricional mais comum no mundo. Estima-se que 30% da população global tenha anemia ferropriva, fato que pode interferir diretamente no desenvolvimento neurocognitivo das crianças afetadas. Fisiopatologia: A anemia apresenta diversas etiologias possíveis que devem ser diferenciadas para que o tratamento adequado seja realizado. Em geral, há uma incapacidade nos eritrócitos em carrear uma quantidade adequada de oxigênio aos tecidos, levando à redução dos eritrócitos ou da concentração de hemoglobina. 37 QUADRO CLÍNICO 1,4 Geralmente são poucos os achados no exame clínico. Características clínicas como palidez (em mucosas, língua, palmas, bases da unha), irritabilidade e sonolência podem surgir especialmente em níveis de Hb menores que 7-8 g/dL. Sopros cardíacos podem estar presentes na anemia. DIAGNÓSTICO Exames laboratoriais: Hemograma O volume corpuscular médio (VCM), define os tipos de anemia microcítica, normocítica, macrocítica, conforme fluxograma Figura 1. Possibilita definir a causa conforme a história ou orientar a continuidade das investigações 7. RDW, índice de anisocitose (variação de tamanho das hemácias). Ajuda a diferenciar a anemia ferropriva da talassemia quando se observa junto com VCM. Ambos tem VCM baixo, mas na talassemia o RDW é normal e na anemia ferropriva é aumentado. Investiga-se com eletroforese de Hg, o aumento de HgA e HgF na Talassemia8. Fluxograma 1. Uso do VCM e de reticulócitos na avaliação laboratorial de anemia Interpretação da série vermelha do Hemograma 38 A observação da forma, o tamanho e cor dos eritrócitos pode elucidar o diagnóstico como presença de drepanócitos indicando anemia falciforme; a presença de esferócitos, pode estar relacionada a diferentes anemias 1. Algumas das alterações morfológicas das hemácias e patologias relacionadas 5,6 : Dacriócito: Célula em forma de gota/lágrima comum em Mielofibrose, diseritropoiese severa, anemias hemolíticas, anemia megaloblástica. Resultam provavelmente da ação de macrófagos esplênicos sobre os eritrócitos normais. O número de dacriócitos diminui após a retirada do baço. Codócito ou target cells: célula em forma de alvo, com alterações na coloração, devido ao excesso de membrana em relação ao citoplasma. Presente em Hemoglobinopatia C, E ou S, talassemia e pacientes com hepatopatia. Drepanócito: células se apresentam em forma de foice. Intimamente relacionada ao diagnóstico de anemia falciforme. Equinócito: Hemácia com membrana irregular/crenada. Tratamentos com heparina podem levar ao seu aparecimento, assim como aumento de ácidos graxos no sangue. Acantócito: Eritrócitos de forma esférica e irregulares. Comuns em hepatopatias, hipofunção esplênica, esplenectomizados. Esquizócito: Células sem forma, fragmentadas. Em geral causadas por lesão mecânica ou induzidas por toxicidade. Esferócitos: Comum na esferocitose, aparecem em menores quantidades em anemias hemolíticas. Eliptócito: Células alongadas cujo aparecimento pode ter origem hereditária. Corpúsculo de Howell-Jolly: Compostas por restos celulares de DNA, em indivíduos sadios são eliminadas pelo baço, porém, estão presentes na esplenectomia ou anemias hemolíticas severas. Pontilhado basofílico: Pequenos pontos basofílicos no interior dos eritrócitos, sua presença pode estar relacionada à Beta talassemia minor, talassemia maior, intoxicação por chumbo, diseritropoiese e anemia hemolítica por deficiência de pirimidina-5-nucleotidase. Outros exames Laboratoriais7,8 A capacidade total de ligação do ferro (CTLF) aumenta na deficiência de ferro, mas diminui na inflamação. Saturação de Transferrina: Transportadora do ferro. Níveis menores que 16% indicam suporte insuficiente para uma eritropoiese normal. Ferritina sérica: Estoque de ferro. Teste mais sensível e específico usado na identificação da deficiência de ferro. tem alta sensibilidade para anemia ferropriva quando está em níveis baixos. Em níveis normais pensar em anemia mista ( ferropriva/ processo inflamatório ) e alta, está relacionada a processos inflamatórios. O esfregaço sanguíneo revela eritrócitos hipocrômicos e microcíticos com variação substancial no tamanho da célula. Outros achados que sugerem ferropenia: ferro sérico reduzido, trombocitose reacional ALGUNS TIPOS DE ANEMIA1,3,6 39 ___________________________________________________________________ ANEMIA FISIOLÓGICA DA INFÂNCIA Logo ao nascimento, o recém nascido tem maior nível de hemoglobina e hematócrito quando comparado ao adulto. No entanto, na primeira semana de vida estes índices começam a cair, sendo mais acentuado este declínio durante 3-6 semanas de idade. Os níveis mínimos de hemoglobina neste período são de 7-9 g/dL, sendo esta queda mais brusca em prematuros. Isto ocorre porque há um excesso de capacidade de aporte de oxigênio em relação às necessidades teciduais do oxigênio. O aumento do conteúdo de oxigênio no sangue e a baixa regulação da produção de eritropoetina (EPO) levam à supressão da eritropoese. A produção de EPO aumenta novamente e a eritropoese recomeça a partir do momento em que as necessidades de oxigênio tecidual sejam maiores que a entrega de oxigênio, isso ocorre por volta de 8-12 semanas de vida. Tratamento:Esta anemia deve ser considerada uma adaptação fisiológica e em geral não há um problema hematológico subjacente e nenhum tratamento é necessário. ___________________________________________________________________ ANEMIA FERROPRIVA7,8 Na anemia microcítica, a principal hipótese diagnóstica inicial é a anemia ferropriva. Sua incidência está relacionada aos aspectos do metabolismo do ferro e da nutrição. O ferro é absorvido no duodeno, e sua forma de obtenção é através de ingestão de alimentos ricos em ferro, tais como carne vermelha, folhas verdes, ovos, feijão e lentilha ou com alta biodisponibilidade, como o leite materno. Quadro Clínico: A maioria das crianças com anemia ferropriva é assintomática e a alteração é identificada em triagem laboratorial – recomendada aos 12 meses de idade ou antes se fatores de risco. Palidez pode estar presente, porém geralmente é relacionada com nível de hemoglobina em torno de 7-8 g/dL. Na maioria dos casos, é observada em conjuntiva, palmas das mãos, pregas plantares e leitos ungueais. Quando o nível de hemoglobina cai para menos de 5 g/dL, outros sintomas podem ser observados: anorexia, irritabilidade, letargia, sopro sistólico. Se ocorrer progressão desta queda, insuficiência cardíaca e taquicardia podem surgir. Além disso, a deficiência de ferro pode afetar funções motoras e intelectuais, levar à pica (desejo de ingerir substâncias não nutritivas) e pagofagia (desejo de ingerir gelo). Tratamento: Sais de ferro. Dose diária de 3 a 6 mg/Kg/dia, até a normalização da ferritina, cerca de 2 a 3 meses após o desaparecimento da anemia 3. A melhor absorção do ferro acontece com estômago vazio e com ingestão de vitamina C. Recomenda-se a administração em dose única, 30 minutos antes da refeição ou 2 horas após, quando o estômago está vazio e com maior acidificação no duodeno. Uma dose dia é similar a 2 ou 3 vezes dia e não aumenta significativamente os efeitos colaterais. Crianças maiores podem apresentar intolerância, podendo-se dividir a dose em 2 tomadas3. Sulfato ferroso é o mais econômico, mas formulações como fumarato ferroso, ferro gluconato etc podem ser mais palatáveis, com maior adesão. Tempo de uso de 2-3 meses, quando a ferritina é normalizada. 40 A melhor evidência do diagnóstico ainda é o aumento da hemoglobina à suplementação na quantidade adequada de ferro. Anemia refratária é definida como ausência de resposta, aumento de menos de 1g de hemoglobina, após 4-6 semanas de tratamento com ferro oral. Devido a isto é bom repetir hemograma em 30 dias para reavaliar o tratamento (adesão, dose etc)7. Transfusão de sangue7: Não há valores fixos para a sua indicação. Será indicada dependendo da causa e sintomatologia Concentrado de hemácias 10 a 15 ml/kg em 4 horas, com aumento aproximado de 3 a 5 g/dl de Hg. Profilaxia: A suplementação com ferro oral indicada pelo Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria está resumida na Tabela 2. Tabela 2. Recomendação quanto à suplementação de ferro em crianças Lactentes nascidos a termo, de peso 1 mg de ferro elementar/kg/dia a adequado para a idade gestacional partir do 6o mês (ou da introdução de outros alimentos) até 2 anos de idade Lactentes nascidos a termo, de peso Não necessitam de reposição adequado para a idade gestacional, em uso de fórmula infantil com ingestão mínima de 500 mL por dia Prematuros maiores que 1.500 g e recém2 mg de ferro elementar/kg/dia, o nascidos de baixo peso, a partir do 30 dia de durante todo o 1o ano de vida. vida Após esse período, 1 mg/kg/dia até 2 anos de idade Fonte: baseado no texto do artigo Iron-deficiency anemia.NEJM.2015 ANEMIA MEGALOBLÁSTICA3 Identificada quando houver macrocitose. Relacionada a drogas como hidroxiureia, metotrexato, trimetropin, zidovudina, 5fluoracil; deficiência nutricional de vitamina B12 e folato. Na ausência desta, encaminhar para hematologista excluir doenças medulares ANEMIA HEMOLÍTICA3 Anemia normocítica com presença de marcadores laboratoriais de destruição celular como LDH, aumento de bilirrubinas, queda haptoglobina, aumento reticulócitos. Podem ser autoimunes com teste de coombs positivo (infecção; LES; imunodeficiências) ou não imune com teste de coombs negativo (alteração de membrana), hemoglobinopatias e enzimopatias. REFERÊNCIAS 1.RICHARDSON, M. Microcytic Anemia. Pediatrics in Review. v.28, n. 1,p.5-14, 2007. 41 2.PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE DE QUALIDADE. Hemograma. Disponível em: <http://www.pncq.org.br/uploads/2012/06/valores_normais_hemograma.pdf> Acessado em 30 nov. 2016. 3..DAUDT L.E; MICHALOWSKI, M.B. Anemia na infância. In: LAGO P.M; FERREIRA C.T; MELLO E.D 4. BAIN, B.J. Células Sanguíneas: Um Guia Prático. 4.ed. Porto Alegre. Artmed, 2007 5 NAOUM, P.C. Interpretação Laboratorial do Hemograma. Academia de Ciência e Tecnologia . Disponível em <http://www.ciencianews.com.br/cien-news/inter-lab-hemo.htm> Acesso em: 30 nov. 2016. 6. Agência Nacional de Vigilância Sanitária /ANVISA. Anemia por deficiência de Ferro. Ano IV nº 09, Junho 2013. 7.CAMASCHELLA, C.Iron-Deficiency Anemia.N Engl J Med 2015;372:1832-43. DOI:10.1056/NEJMra1401038. 8. JANUS,J. MOERSCHEL, S.K. Evaluation of Anemia in Children.Am Fam Physician. v.81, n.12, p.1462-71, 2010. 42 CAPÍTULO 6 APRENDIZAGEM:TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA SÉRGIO DÓRIO DE CARVALHO INTRODUÇÃO Os Transtornos de Aprendizagem podem ser explicados como um grupo heterogêneo de transtornos que se manifestam por dificuldade, em grau significativo, na aquisição e uso da escrita, leitura, fala, raciocínio ou habilidade matemática. Configura-se como um transtorno do neurodesenvolvimento de origem biológica, sendo essa a base da alteração cognitiva, e que acarreta dificuldade persistente em aprender habilidades acadêmicas fundamentais. Esta origem biológica comumente se manifesta em alterações comportamentais. Trata-se de um grupo de transtornos que, de forma recorrente, é manifesta em ambulatórios e internação pediátrica, com status de comorbidade, através da queixa de fracasso escolar. Esse déficit em adquirir ou assimilar informações prejudica de forma impactante o processo natural na aquisição das habilidades acadêmicas e sociais, sendo de mau prognóstico na vida adulta, refletindo em alterações de conduta afetiva e emocional. A prevalência do Transtorno de Aprendizagem nos domínios acadêmicos da leitura, escrita e matemática é de 5 a 15% entre crianças em idade escolar, em diferentes idiomas e culturas1. PROCESSOS DE APRENDIZAGEM Sabe-se que a aprendizagem pode ser explicada como uma modificação comportamental resultante da exposição do ser humano ao meio, sendo essa um processo evolutivo e constante. Desta forma, a fisiologia da aprendizagem estuda os processos e os mecanismos dessa aquisição, buscando responder a uma demanda recorrente aos profissionais de saúde e educação: por que meu filho não aprende? Resumidamente, pode-se partir de parâmetros básicos necessários para uma aprendizagem eficaz, e que servirão de esteio para a resposta demandada2: a) apresentar integridade das funções do sistema nervoso central e periférico; b) apresentar estabilidade psicoemocional para que a aprendizagem ocorra; c) não ter sofrido privação educacional/cultural; d) ter recebido método educacional eficaz às suas especificidades. 43 É importante, ainda, fazer-se a distinção entre dificuldade de aprendizagem e distúrbio de aprendizagem, sendo a primeira oriunda de questões psicopedagógicas e sócio-culturais e, a segunda, um comprometimento orgânico. Desta forma, a Psicopedagogia surge da união de três áreas de conhecimento pedagogia, psicologia e psicanálise -, podendo ser compreendida como o estudo de como se dá a aprendizagem e, assim, delinear e explicar os problemas que podem estar comprometendo o processo normal esperado.3 CLASSIFICAÇÃO Os Transtornos de Aprendizagem podem ser divididos em Primários e Secundários, de acordo com sua origem. ● Transtornos de Aprendizagem Primários são aqueles cuja causa não pode ser atribuída a elementos psico-neurológicos bem estabelecidos. São caracterizados como disfunções cerebrais, e os principais seriam: Transtorno de Leitura, Transtorno da Matemática e o Transtorno da Expressão Escrita. ● Transtornos de Aprendizagem Secundários são aqueles resultantes de alterações biológicas bem definidas, como as lesões cerebrais, a epilepsia, o déficit cognitivo e as alterações comportamentais ou afetivas como: Comportamento Disruptivo, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno de Oposição e Desafio, Depressão Infantil e casos extremos de Ansiedade de Separação. O CID.10 qualifica os Transtornos de Aprendizagem no capítulo Transtornos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares (F81); já no DSM-V, situam-se na categoria Transtornos de Neurodesenvolvimento e devem ser parametrizados em leve, moderado ou grave, de acordo com o grau de limitação. Cabe ainda, como parâmetro, a categorização dos três transtornos mais recorrentes dentro dos Transtornos de Aprendizagem, assim como as suas especificidades: ● Disgrafia: dificuldade na parte motora e espacial envolvendo disfunção da coordenação global e fina. Caracteriza-se por má caligrafia, com formato incompreensível, aglutinação, má regulação do espaço e lateralidade. ● Dislexia: dificuldade de leitura independente de instrução convencional recebida, apresentando diminuição na sequência normal de identificação da palavra, principalmente na decodificação grafema/fonema. ● Discalculia: importante comprometimento do pensamento matemático, demonstrado por fracasso na aritmética básica, não reconhecimento dos sinais matemáticos ou multidígitos e inversões. 44 DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO Qualidade necessária à toda avaliação psicopedagógica que investiga os Transtornos de Aprendizagem é ser de caráter multiprofissional, haja vista que a problemática também é multifatorial6, característica esta que ultrapassa a relação direta de causa e efeito, sendo necessário levar em conta todas as esferas que o sujeito participa, tendo, portanto, uma visão biopsicossocial. Sugere-se: a) Equipe multidisciplinar envolvendo: médico da criança, psicólogo, psicopedagogo, pedagogo, terapeuta e família; b) Construir anamnese com especial ênfase em: evolução perinatal, marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e histórico da vida escolar; c) Elaborar diagnóstico diferencial tendo como quadros basais de corte: deficiência mental, lesões cerebrais, alteração de sensopercepção, epilepsia, depressão, ansiedade e TDAH; d) Classificar em transtorno primário (endógeno) ou secundário (adquirido). Até o DSM-IV os Transtornos de Aprendizagem eram diagnosticados quando o desempenho em leitura, matemática ou escrita estava abaixo do esperado para a idade ou nível intelectual. Assim sendo, quando havia uma discrepância entre o nível intelectual estimado e o nível de realização. Contudo, a partir do DSM-V, o foco se volta para o caráter interventivo sofrido ou não, e a eficácia do mesmo sobre o transtorno, sendo: ● Apresentar o sintoma de prejuízo da aprendizagem que persiste por pelo menos 06 meses, apesar da intervenção dirigida a esta dificuldade. Nota-se que é necessário, através da entrevista clínica, averiguar se a criança já sofreu intervenção reparadora como: apoio psicopedagógico, professora auxiliar, classes de reforço etc. O DSM-V aponta ainda como critérios diagnósticos: ● Dificuldades iniciadas nos primeiros anos escolares; ● Habilidades acadêmicas abaixo do esperado para a idade, causando prejuízo acadêmico ou social, a partir de testes padronizados; ● Não podem ser explicados por deficiências intelectuais, físicas ou adversidades psicossociais. Sugere-se, ainda, avaliação neurológica quando se elabora o diagnóstico diferencial, buscando, assim, mapear as estruturas anatômicas e de funcionalidade do sistema nervoso central da criança. MANEJO E ENCAMINHAMENTOS Dados os prejuízos em escalada que se sobrepõem em razão dos Transtornos de Aprendizagem, sugere-se, após diagnóstico, intervenção imediata visando reparar ou minimizar aspectos psicossociais. Recomenda-se: ● acompanhamento psicopedagógico; ● acompanhamento terapêutico ambulatorial com psicólogo, terapeuta ocupacional ou psicoterapeuta, quando necessário; ● classe especial ou reforço escolar no contraturno; 45 ● uso de medicação no controle dos distúrbios disruptivos, ansiosos, de alteração de humor e TDAH, conforme avaliação médica especializada; ● psicoeducação dos familiares e cuidadores visando a compreensão do caso. REFERÊNCIAS 1.DSM-5. Transtorno Específico de Aprendizagem. ACACIA, Psicologia e Psiquiatria. Disponível em: <http://www.acaciapsi.com.br/transtorno-especifico-da-aprendizagem/> Acesso em: 15 set. 2016. 2. ANDRADE, Luciana Bozzi de. Psicopedagogia e distúrbios de aprendizagem: uma visão diagnóstica. Revista de psicologia, v.13, n.19, 2011. 3.CHAMAT, L. S. J. Técnicas de diagnóstico psicopedagógico. São Paulo: Vetor, 2004. 4.Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento da CID – 10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas – Coor. Organiz. Mund. da Saúde. Trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993. 5.American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. 5th.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013. 6.BONALS, J.; CANO, . In: BONALS, J.; CANO, S. M. e cols. Avaliação Psicopedagógica. São Paulo. Ed. Artmed. 2010. 7. APA. (Associação Americana de Psiquiatria). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV). Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 46 CAPÍTULO 7 ARTRITE SÉPTICA & OSTEOMIELITE MATHEUS A. EISENREICH ILÓITE M. SCHEIBEL INTRODUÇÃO Conceito: Artrite séptica (AS) é uma infecção intra-articular, mais frequentemente provocada por bactérias. O joelho é o mais afetado em 50% das vezes, seguido por quadril, ombros e cotovelos.1 Osteomielite é uma grave infecção óssea que acomete principalmente membros inferiores.2 Incidência/prevalência: Para ambos, em países em desenvolvimento a incidência é de 1-7 por 100.000 crianças, com distribuição semelhante entre meninos e meninas. 3 Etiologia ● Staphylococcus aureus é o agente mais frequente em 80% das vezes. Este coco gram positivo está associado a celulite, abscesso, endocardite, osteomielite crônica e uso de drogas. O segundo germe mais frequente é do gênero Streptococcus (pyogenes, viridans, pneumoniae)3. ● Usuários de drogas endovenosas podem ter o envolvimento das articulações esternoclavicular, sacroilíaca, sínfise púbica. A etiologia pode ser pseudomonas, cândida, ou mista3. ● Em mordida de animais, pesquisar a Pasteurella multocida3. ● Kingella kingae, coco gram negativo que coloniza a faringe e pode causar AS em grandes articulações, osteomielite e bacteremia sem foco, principalmente em crianças menores de 4 anos3. ● Neisseria gonorrhoeae em jovens saudáveis sexualmente ativos. ● Staphylococcus aureus meticillina resistente (MRSA) corresponde a 5 a 25% das AS3. Patogênese O processo de agressão mais frequente, tanto na infecção óssea quanto da sinóvia é por via hematogênica, de foco à distância, como um abscesso ou lesão dentária. Outras formas são a inoculação direta por ferida traumática e por difusão a partir de tecido lesado como celulite3. Na AS, o germe atravessa a membrana sinovial, penetra no líquido sinovial e prolifera. Mediadores inflamatórios e pressão na articulação levam a destruição da cartilagem e perda óssea4. A osteomielite é mais frequente na metáfise dos ossos. A concentração bacteriana leva a processo inflamatório local e, após, necrose e abscesso. A infecção pode estender-se até a articulação levando a uma AS3. 47 QUADRO CLÍNICO ● Em crianças, a limitação e a dor articular podem ser erroneamente consideradas traumáticas e protelar o diagnóstico e tratamento da AS2. ● Na AS e na osteomielite, tipicamente, a criança tem dor aguda no membro acometido, manca ou recusa-se a colocar o peso sobre o membro acometido e/ou fica em posição antálgica. Apresenta sintomas sistêmicos como febre (34 a 60%), sudorese (15-34%), tremor (15-24%)3. ● As crianças muito pequenas podem não ter os clássicos sinais e sintomas da artrite séptica4. ● Os critérios de Kocher podem auxiliar a definir o diagnóstico: 1. VSG >40 mm/h; 2. leucócitos >12.000; 3. febre >38.7oC; 4. Recusa em colocar o peso sobre a perna lesada. Se existirem 3 critérios, a probabilidade de ser AS é >de 96%; havendo 4, 99%. Houve o acréscimo de PCR, que na AS tende a ser > 20mg/dL. Se existir somente um critério, a criança pode ser liberada para casa com repouso e anti-inflamatório não esteróide, com reavaliação em 24-48 horas1. ● Em 80% das vezes AS é monoarticular. ● Artrite gonocócica pode ser mono ou poliarticular, acomete punhos, tornozelos, mãos, pés, ombros e joelhos. Com ou sem lesões de pele. ● A osteomielite é classificada em aguda, se durar 2 semanas do diagnóstico, subaguda entre 2 semanas e 3 meses e crônica além dos 3 meses. ● Osteomielite multifocal é mais frequente em neonatos. ● Osteomielite de calcâneo pode se manifestar por dor insidiosa. ● Dor intensa e localizada em um ponto nas costas pode ser osteomielite de coluna. ● Há um pico de incidência em pré-púberes devido, provavelmente, a intensa atividade física e microtraumas. ● Osteomielite aguda deveria ser considerada em pacientes com febre de origem desconhecida. No exame físico, deve-se palpar os membros superiores e inferiores, ossos como o esterno e mobilizar as articulações a procura de pontos dolorosos, pois a criança raramente diz onde sente a dor. DIAGNÓSTICO Faz-se uso principalmente da clínica e exame físico detalhados. O padrão ouro no diagnóstico é a identificação de germe por punção articular na AS e na osteomielite pode ser feita com agulha percutânea. Este exame não é realizado no HCC. AS é uma emergência médica, sendo imperativo rápido diagnóstico e início do tratamento. A conduta frente a uma criança com suspeita de AS por apresentar dor articular, febre, edema, calor é internar para artrocentese para caracterizar o líquido sinovial e iniciar antibioticoterapia endovenosa. Na AS é importante determinar se é intra ou periarticular para o diagnóstico diferencial com lesão de bursa, pele (celulite extensa). A diferenciação é possível no exame físico, que identifica forte limitação ao movimento passivo e ativo no 48 comprometimento intra-articular e, na periarticular, geralmente a dor ocorre somente ao movimento ativo.1,3 Laboratório: Solicitar no líquido sinovial (LS)1,2: • Bacteriologia: gram (positividade em 30%), cultura/antibiograma e, conforme clínica e epidemiologia, pesquisa direta de BAAR, pesquisa direta e cultural para gonococo; • Hematologia: citológico (>50.000 células/ml e 90% de polimorfonucleares é sugestivo de infecção); • A pesquisa de glicose e proteína no LS não é útil, pois tem baixa sensibilidade e especificidade4. ● Pedir cultura de gonococo (bacteriologia) de outros locais como lesões de pele, urina, orofaringe, região genital, se for considerada possibilidade de infecção por gonococo. ● Solicitar hemocultura (positiva em 30-40% dos casos de AS e osteomielite em crianças), hemograma, PCR, VSG, função renal e hepática, eletrólitos. Estes exames auxiliam na escolha do antibiótico e no acompanhamento da evolução da doença. ● PCR é útil para o seguimento e sua queda indica boa resposta ao tratamento, mesmo se persistir a febre. O VSG aumenta rapidamente e declina lentamente, não sendo adequado para seguimento. Procalcitonina é também útil, mas ainda de alto custo para ser utilizado em rede pública1. Diagnóstico diferencial da AS é principalmente com sinovite de quadril e artrite idiopática juvenil (AIJ) 4. A AIJ é de mais lenta progressão, tem menos dor, pouca febre e não apresenta eritema. A sinovite de quadril tem menos alteração laboratorial com menos leucocitose, provas inflamatórias baixas, menos febre, tem rápida resposta com anti-inflamatório. Diagnóstico por imagem: Não há imagem patognomônica para AS1. ● RX não faz diagnóstico de AS, mas avalia lesão articular; ● RX identifica osteomielite (imagem de mordida de rato) somente após 2-3 semanas; ● RX é feito inicialmente para descartar fratura, sarcoma de Ewing ou outra condição maligna. Em locais sem outras condições de exame, este será de grande serventia; ● Ressonância Magnética é o melhor método de imagem na suspeita de osteomielite2; ● Tomografia é útil na osteomielite, mas há muita exposição à radiação; ● Cintilografia óssea com tecnécio é sensível e mais útil em infecções multifocais, osso longo e na falta de sintomas de fácil localização; ● Ultrassom: útil para articulações de difícil exame físico como quadril, sendo muito sensível na identificação de derrame. Permite diferenciar se a lesão é intra ou extra-articular. 49 TRATAMENTO ● Não há estudos evidenciando tempo de antibioticoterapia (Quadro 1). O tratamento endovenoso pode variar de 2 a 7 semanas e o oral 2 a 4 semanas. Geralmente 4 a 6 semanas no total, conforme resposta clínica e laboratorial. Podemse utilizar os seguintes parâmetros para substituir a via endovenosa por oral: cessar febre e dor, retornar com mobilização adequada da articulação e PCR <3 mg/dl 1. ● Na AS a drenagem será feita pelo ortopedista, principalmente em articulações como quadril e ombros, para minimizar a pressão intra-articular 4. ● Uso de anti-inflamatórios não hormonais podem ser útil para mitigar sintomas como febre e dor. ● Uso de corticoide é ainda controverso. Dois trabalhos em AS associaram o uso de dexametasona com mais rápida melhora clínica, laboratorial e menor tempo de internação4. ● Para alérgicos à penicilina: clindamicina 25-40mg/kg/dia a cada 6-8 horas EV ou oral (máximo 1,8g/dia); cefalosporina de segunda geração como cefuroxima, 150 mg/kg/dia de 8/8 horas EV (máximo 6g/dia)2. ● Para pacientes de alto risco de sepse por gram negativos como E. coli, pseudomonas (ITUs recorrentes, cirurgia abdominal): tratar com cefalosporina de segunda ou terceira geração + oxacilina ou vancomicina2. ● Para Staphylococcus aureus meticilina resistente (MRSA): vancomicina ou clindamicina. ● O tratamento da osteomielite é 90% conservador. Intervenção cirúrgica em casos de abscesso de Brodie na osteomielite subaguda e crônica2. TRATAMENTO NA ALTA HOSPITAR ● Antibiótico oral como cefuroxima (30 mg/kg/dia de 12/12 horas, máximo 1g/dia), cefalexina (50 a 100 mg/kg/dia, a cada 6-8 horas, máximo 4g/dia) ou clindamicina3. ● Fisioterapia motora é importante precocemente para reduzir sequelas como contraturas e deformidades ósseas e articulares3 Quadro 1. Antibióticos Tratamento empírico de Artrite Séptica baseado no GRAM Gram Antibióticos e dose Cocus gram + Oxacilina 150-200mg/kg/dia, 6/6 horas EV (máximo 8g /dia) ou Vancomicina 40-60mg/kg/dia EV (máximo 2g/dia) cada 6-8h Cocus gram – (gonococo) Bacilos gram – (E.coli, P. aeruginosa, Klebsiela) Ceftriaxona 100mg/kg/dia, 12/12 horas (máximo 2g/dia) Ceftazidima 150mg/kg/dia, 8/8 horas EV (máximo 6g) ou Cefepime 150mg/kg/dia, 8/8h EV (máximo 6 g/dia) ou Piperacilina tazobactam 100mg/kg/dia, cada 6-8 h EV, máximo 3g/dia ou Imipenem 100mg/kg/dia, 6/6h (máximo 4g/dia) 50 Sem germe identificado Oxacilina ou Vancomicina + Ceftriaxona ou Cefepime ou Gentamicina 2mg/kg/dose 8/8horas EV, ou 6 mg/kg/dose única (máximo 120mg/dia) Fonte: Taketomo C.K. Pediatric Dosage Handbook, 14 th edition. Lexicomp, 2007-2008. PROGNÓSTICO Mortalidade em crianças é de cerca de 1%. O tratamento precoce evita sequelas incapacitantes. O tratamento até 5 dias do início dos sintomas evita sequelas por necrose avascular e lesão em platô de crescimento.1 SEGUIMENTO Em caso de suspeita de AS, o primeiro procedimento é a punção articular. Poderá ser feita às cegas por reumatologista ou ortopedista ou guiada por ultrassom por médico habilitado. O ortopedista deve avaliar a necessidade de colocação de dreno. O clínico avaliará o tempo de tratamento e paraefeito dos medicamentos. Tanto AS quanto osteomielite poderão ser acompanhadas pela melhora clínica e PCR. Se houver melhora clínica, PCR reduzindo em 2-3 dias, normalizar em 20 dias e germe não for MRSA, há a possibilidade de retirar ATB em 3 semanas4. Iniciar fisioterapia motora precocemente para evitar sequelas. REFERÊNCIAS 1.DODWELL, E.R. Osteomyelitis and septic arthritis in children: current concepts. Curr Opin Pediatr. v.25,n.1,Feb, p.58-63, 2013. 2.PELTOLA, H, Paakkonen M. Acute Osteomyelitis in Children. N Engl J Med, v.370, p.352-60, 2014. 3. LAXER ,R. M. et al. Infectious Arthritis and Osteomyelitis In: Petty RS, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderburn L. Textbook of Pediatric Rheumatology, 7th edition, Philadelphia, Elsevier, p.540-2, 2016. 4. HOROWITZ, D.L et al. Approach to septic arthritis. Am Fam Physician, v.15, n.84,sept p.65360, 2011. 51 CAPÍTULO 8 ASMA: MANEJO AMBULATORIAL ACIMA DOS 2 ANOS DE IDADE MARIA ISABEL ATHAYDE INTRODUÇÃO Asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas, caracterizada por episódios recorrentes de hiper-responsividade brônquica, com limitação variável ao fluxo aéreo, resultando em falta de ar, tosse e sensação de aperto no peito, em resposta a determinados desencadeantes e com alívio espontâneo ou após uso de medicações específicas. É uma das doenças crônicas de maior incidência no mundo durante a infância1,2. Resulta da interação entre genética, exposição ambiental a alérgenos e irritantes, e outros fatores específicos que levam ao desenvolvimento e manutenção dos sintomas.1 Abaixo de 2 anos o diagnóstico de asma é controverso em função de peculiaridades desta faixa etária e fisiopatologias diversas para explicar a crise de sibilância recorrente.1,2Portanto o tópico deste capítulo se aplica a crianças acima de 2 anos de idade. QUADRO CLÍNICO/ DIAGNÓSTICO O diagnóstico de asma em pediatria em geral é clínico. Sintomas de falta de ar, tosse, sensação de aperto no peito e chiado recorrentes,, com variação de intensidade em momentos do dia ou relacionados a determinados desencadeantes, e que apresentam alívio espontâneo ou com medicações específicas, como broncodilatador, são muito sugestivos de asma. Desencadeantes: exercício físico, variação de temperatura, contato com fumaça ou outros irritantes, infecções respiratórias (em especial as virais). 2 Exame físico: Na crise aguda pode-se observar dispnéia em graus variados, taquipnéia e ausculta pulmonar com sibilos ou por vezes crepitação. Estes sinais devem ter melhora com uso de medicação de alívio (broncodilatador e corticóide). No período intercrise, em geral, o exame físico é normal. A presença de sintomas respiratórios persistentes ou outros achados como baqueteamento digital, deformidades torácicas ou alterações sistêmicas devem fazer pensar em diagnósticos diferenciais 2,3 (Quadro 1) . 52 Passado familiar: Em geral, há história familiar ou pessoal de atopia, tais como eczema atópico ou rinite alérgica. Mas a ausência deles não exclui o diagnóstico. Exames complementares: em pediatria, geralmente, não são necessários para o diagnóstico, mas são úteis em caso de dúvida diagnóstica. -Radiografia de tórax terá seu papel na investigação de diagnóstico diferencial na asma de difícil controle ou complicações. Na crise aguda não se solicita de rotina. -Testes de função pulmonar são utilizados, por vezes, como exame de seguimento ou para tentar confirmação diagnóstica, em especial em crianças maiores: ● Espirometria: Crianças acima de 5 anos em geral já conseguem realizar. Exame normal (a maioria dos casos) não exclui o diagnóstico. Auxilia em diagnóstico diferencial e seguimento. ● Espirometria com broncoprovocação por medicação ou com teste de exercício. Uso sugerido na dúvida diagnóstica. Não disponível no GHC ● Oscilometria: Útil em crianças menores não aptas a realizar espirometria. Também não realizado no GHC. Quadro 1. Diagnósticos diferenciais comuns em asma Patologia Sinais e sintomas IVAS de repetição Tosse e congestão nasal que duram <10 dias, sem complicação. Assintomático quando bem. Doença do refluxo Tosse em geral pós alimentar, vômitos, pobre resposta ao gastroesofágico tratamento de asma, infecções respiratórias recorrentes. Início súbito dos sintomas, estridor durante atividades, Aspiração de corpo tosse crônica, alteração radiológica e ausculta pulmonar estranho localizadas (história negativa para aspiração não exclui). Traqueomalácia “Barulho” para respirar quando chora ou se alimenta (inspiratório se extratorácico ou expiratório se intratorácico), sintomas desde o nascimento. Tuberculose Persistência de tosse e febre, sem melhora com antibioticoterapia. História de contato. Alteração radiológica persistente. Cardiopatia congênita Presença de sopro cardíaco, cianose, baixo peso, taquipnéia. Baixo peso, tosse iniciada nos primeiros meses de vida, Fibrose cística infecções respiratórias de repetição, fezes com gordura. Baqueteamento digital. História familiar. Discinesia ciliar primária Tosse e infecções respiratórias recorrentes, incluindo sinusites e otites. Situsinversus ocorre em cerca de 50%. Doença pulmonar crônica História de prematuridade, ventilação mecânica da prematuridade/ prolongada, longo tempo dependente de oxigênio. bronquiolite obliterante Anel vascular Estridor, sintomas de engasgo, vômitos. Imunodeficiência Febre e infecções recorrentes, incluindo não respiratórias, baixo peso. História de óbitos na família, história familiar. 53 Fonte: BTS, GINA 2016. Todos esses diagnósticos diferenciais terão em comum a ausência de resposta ao tratamento de asma ou ao tratamento preventivo que será abordado posteriormente. SINAIS DE ALERTA PARA INVESTIGAÇÃO DE OUTRAS CAUSAS Sintomas persistentes ou iniciados desde o nascimento, sintomas constitucionais associados e/ou exame físico alterado, como déficit ponderal e baqueteamento digital, aliados àfalta de resposta ao tratamento. TRATAMENTO Visa qualidade de vida do paciente, com o controle dos sintomas, e também reduzir risco de exacerbações e efeitos colaterais do tratamento.2 1o passo: educação em asma, alertando para o entendimento e reconhecimento dos sintomas, da cronicidade dos mesmos e do objetivo do tratamento. Estabelecer um bom vínculo médico/paciente é sempre um importante componente da terapia. 2o passo : Medicações: ● 1.Medicações da crise aguda: Beta 2 agonista de curta ação (broncodilatadores- BD) e corticoides sistêmicos. ● 2.Medicações para terapia preventiva: A escolha terapêutica dependerá da frequência e intensidade dos sintomas. A base da terapia a longo prazo (preventiva) são os corticoides inalados, que se apresentam em diferentes opções e dispositivos. A escolha do tipo será baseada no que melhor se adequar ao paciente. Controle da asma: O quadro 2 pode ser usado para avaliar o controle da asma em crianças até 5 anos, considerando as últimas 4 semanas, e orientar a necessidade de profilaxia ou não. Na prática é útil também em pacientes maiores. Quadro 2. Avaliação do controle da Asma Sintomas Sintomas diurnos de asma mais que 1 vez por semana Controle da Asma Nenhum: Bem controlado Limitação de atividade por asma Necessidade de medicação de alívio mais que 1 vez por semana 1-2 sintomas: Parcialmente controlado 3-4 sintomas: Sem controle Despertar noturno ou tosse noturna por asma Fonte: Adaptado de J. Bras. Pneumologia, 2012. Outras questões importantes na decisão de iniciar ou trocar a terapia: ● História de internações ● Necessidade de sala de observação ● Internações em UTI 54 O tratamento da asma divide-se em degraus ou etapas (“steps”) de acordo com a gravidade/intensidade dos sintomas(Quadro 3). Quadro 3. Etapas de tratamento de manutenção baseados no estado de controle Etapas de Tratamento etapa 1 etapa 2 etapa 3 etapa 4 etapa 5 Dose moderada ou alta de CI + LABA. Dose moderada ou alta de CI+LABA+ Antileucotrieno. CI+LABA+ teofilina de ação lenta Adicionar um ou mais da etapa 4: CO em dose mais baixa e tratamento com IgE Educação e controle ambiental BD de curta ação por demanda Opções de Dose baixa de CI medicamentos com ou sem controladores antileucotrieno para etapas 2e5 Dose baixa de CI+LABA. Dose média ou alta de CI. Dose baixa de CI+ teofilina de ação lenta BD: broncodilatador; CI: corticoide inalatório; CO: corticoide oral; LABA: long-acting beta agonist (b2 -agonista de ação prolongada). As opções preferenciais para as etapas 2, 3 e 4 estão evidenciadas em itálico. Fonte: J. Brás. Pneumologia, 2012: ● Recomenda-se reavaliação do paciente a cada 3 meses para incremento ou descalonamento da terapia.2 ● Em geral, inicia-se com dose de Beclometasona spray oral 400 – 500 mcg/dia, mas doses menores (entre 100-200 mcg/dia) também podem ser usadas, divididas em 2 aplicações diárias. ● Lembrar que a associação corticoide inalado + beta 2 de longa ação está liberada para uso em crianças acima de 4 anos. ● O antileucotrieno tem resposta variável em crianças com sibilância induzida por vírus e também na asma induzida por exercício. 2 (GINA 2016) ● As teofilinas são pouco usadas em pediatria. ● Anti IgE (omalizumabe) é reservado para casos de asma de difícil controle, com recomendação do especialista.2,3 ● Lembrar que controle ambiental, principalmente eliminar o tabagismo, faz parte das recomendações de tratamento. ● Em relação ao uso da profilaxia, orientar a família sobre a segurança de administração, os possíveis efeitos colaterais e cuidados para evitá-los, a necessidade de uso diário e por longo período e esclarecer dúvidas sobre os mitos e medos relacionados ao uso das “bombinhas”. Estas orientações são de extrema importância para uma boa adesão ao tratamento. Quadro 4. Doses de corticoides inalados para crianças de 6 a 11 anos Corticoide inalado Beclometasona (HFA)* Dose baixa (mcg) 50-100 55 Dose média (mcg) >100-200 Dose alta (mcg) >200 Budesonida (pó seco) Ciclesonida Fluticasona (propionato-HFA) Mometasona 100-200 80 100-200 110 >200-400 >80-160 >200-500 >220-440 >400 >160 >500 >440 Fonte: Breur, 2015. Nota: *No nosso meio há distribuição gratuita de Beclometasona spray oral e também em cápsula inalada, portanto acaba sendo amplamente usada. Em geral, a dose inicial será entre 200 e 400 mcg/dia. ESCOLHA DO DISPOSITIVO DE INALAÇÃO Ao iniciar o tratamento, precisamos determinar o melhor dispositivo para o paciente, adaptado a sua faixa etária e capacidade de execução. Além disso, ensinar familiar e paciente a usá-lo, além de reavaliar a técnica inalatória a cada consulta. A via inalatória é preferencial por ter ação mais rápida, com menos efeitos colaterais e menor deposição sistêmica.2 Os dispositivos disponíveis são na forma de spray oral ou inaladores de pó seco, com diferentes apresentações. O spray oral deverá ser sempre usado com aerocâmaras valvuladas (espaçadores) com intuito de reduzir deposição de medicação em cavidade oral e efeitos colaterais (especialmente quando se usa corticoide inalado), além de aumentar a oferta em via aérea. 2 O uso de broncodilatador via nebulização ou na forma de spray oral tem a mesma ação. A preferência da via de administração pode ser deixada a critério da família ou do serviço de atendimento de emergência. No entanto, o uso de spray oral tende a ser mais prático (dispensa fonte de energia e é menor) e, em especial para o paciente que já usa corticoide inalado, de mais fácil execução.4Em casos especiais, onde optou-se por corticóide inalado via nebulização, observar que a máscara cubra nariz e boca adequadamente para evitar que o vapor atinja os olhos. Crianças até 6 anos em geral ainda não estão aptas ao uso de inaladores de pó seco, portanto prescreve-se spray oral com espaçador. Maiores de 6 anos podem ter capacidade para usá-los, mas precisa-se checar a técnica inalatória antes de prescrevêlos. A cada consulta, checar sempre o tipo de espaçador (espaçadores “artesanais” muitas vezes são inadequados), a adaptação do mesmo ao tamanho da face da criança, técnica inalatória e adesão. Todos estes aspectos são importantes para a adequada resposta ao tratamento.2 QUANDO ENCAMINHAR AO ESPECIALISTA A ausência de resposta ao tratamento instituído deve sempre ter alguns questionamentos como adesão, técnica inalatória e uso adequado do dispositivo escolhido. Fator ambiental como tabagismo deve também ser sempre questionado. A pergunta a seguir deve ser “é asma?”, principalmente em pré-escolares onde os sintomas podem não ser típicos. Comorbidades como obesidade, rinite alérgica e 56 doença do refluxo devem ser lembrados. Não será abordado neste capítulo, mas o adolescente tem características especiais de manejo, em função das transformações físicas e psicológicas neste grupo etário e o impacto das mesmas no que se refere a doença crônica.2 Sugere-se encaminhar ao especialista nas seguintes situações: ● Diagnóstico duvidoso; ● Sintomas presentes desde o nascimento ou doença pulmonar perinatal; ● Vômitos em excesso; ● Infecção respiratória inferior grave; ● Tosse persistente; ● História familiar de doença respiratória incomum ou de óbitos de irmãos; ● Baixo peso; ● Falha em responder ao tratamento com dose alta de corticoide inalado; ● Achados incomuns como estridor; ● Alteração radiológica persistente; ● Ansiedade da família com diagnóstico ou terapia.3 TRATAMENTO DA EXACERBAÇÃO Não será abordado neste capítulo o manejo em sala de emergência, mas todo o paciente e sua família devem ter um plano de ação escrito para manejo da crise aguda. O conhecimento do manejo e a realização precoce do mesmo reduzem as visitas em emergência e também internação hospitalar.2 REFERÊNCIAS 1 COMISSÃO DE ASMA DA SBPT. Grupo de Trabalho das Diretrizes para Asma da SBPT.Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma - 2012. Jornal Brasileiro de Pneumologia, Brasília, v. 2, Supl.1, p.S1-S46. abr. 2012. Disponível em: <<http://www.santacasasp.org.br/upSrv01/up_publicacoes/8011/10569_Diretriz%20Asma.pdf >. Acesso em: 30 set. 2016. 3 GLOBAL INITIATIVE FOR ASTHMA .What’s new in GINA 2016? Disponível em: <http://chicagoasthma.org/wp-content/uploads/2016/07/Whats-new-in-GINA2016.pdf>.Acesso em: 30 set. 2016. 4 BRITISH THORACIC SOCIETY. British guidelineonthe management ofasthma: a nationalclinicalguideline. 2014. Disponível em: < https://www.brit-thoracic.org.uk/documentlibrary/clinical-information/asthma/btssign-asthma-guideline-2014/ > Acesso em: 12 out. 2016. 5 BREUER, O. et al. Implementationof a policychange: replacementofnebulizersbySpacers for thetreatmentofAsthma in Children. Israel Medical AssociationJournal, Israel, v. 17, jul. 2015. Disponível em:< https://www.ima.org.il/FilesUpload/IMAJ/0/156/78317.pdf>. Acesso em: 12 out. 2016. 57 CAPÍTULO 9 AUDIÇÃO: TRIAGEM AUDITIVA MARISTELA C. TAMBORINDEGUY FRANÇA LETÍCIA WOLFF GARCEZ INTRODUÇÃO A Triagem Auditiva Neonatal (TAN), ou Teste da Orelhinha, é uma avaliação que busca detectar a perda auditiva congênita e/ou adquirida no período neonatal o mais precocemente possível. Deve ser realizada em todos os recém nascidos, preferencialmente até o final do primeiro mês de vida, o que possibilitará um diagnóstico mais definitivo por volta do 4º e 5º mês, bem como o início da reabilitação até os 6 meses de idade1,2,. Indicadores de risco para perdas auditivas congênitas, do período neonatal ou progressivas na infância1 (IRDA): • História familiar de perda auditiva congênita; • Permanência na UTI por mais de 5 dias, envolvendo: circulação extracorpórea, ventilação assistida, exposição a medicamentos ototóxicos e diuréticos de alça, hiperbilirrubinemia com níveis de exsanguineotransfusão, infecções intrauterinas, como citomegalovirose, herpes, rubéola, sífilis e toxoplasmose; • Anomalias craniofaciais; • Síndromes com perda auditiva sensorioneural ou condutiva associadas, dentre as quais: Waardenburg, Alport, Pendred, Jervell e Lange-Nielson; • Doenças neurodegenerativas, como neuropatias sensoriomotoras, síndrome de Hunter, ataxia de Friedreich e síndrome de Charcot-Marie-Tooth; • Infecções pós-natais associadas à perda auditiva sensorioneural, incluindo meningites bacterianas e virais confirmadas (especialmente herpes vírus e varicela); • Traumatismos cranioencefálicos (TCEs), especialmente fraturas do osso temporal; • Quimioterapia. O Teste da Orelhinha consiste em procedimento eletrofisiológico, objetivo e indolor, que não necessita da participação ativa do examinado. São recomendadas as técnicas de Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico Automático (PEATE) – mais conhecido como BERA – e Emissões Otoacústicas (EOA), que tecnicamente são testes de screening de alta acurácia.1,3,4 As EOA são uma opção amplamente utilizada por ser de fácil aplicabilidade e menor custo e podem detectar alterações periféricas cocleares ou sugerir alterações condutivas. Nos casos de bebês que apresentam fatores de risco para perda de 58 audição, a indicação é que seja realizado o BERA automático, com o objetivo de investigar também a integridade da via auditiva1,5,6. Desde 2012, o BERA automático passou a ser realizado em todos os recém nascidos internados na UTI e UCI Neonatal do Hospital da Criança Conceição (HCC), por ser um público que apresenta IRDA em quase sua totalidade. Os exames são realizados por meio de aparelho portátil, geralmente à beira do leito, e a condição ideal para a realização do teste envolve um ambiente silencioso, com o bebê tranquilo e preferencialmente dormindo. Rotinas para a realização da TAN Todas as crianças que nascem na maternidade do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) e permanecem no alojamento conjunto sem apresentarem IRDA são submetidas à triagem auditiva pelo método de emissões otoacústicas à beira do leito ou, ao receber alta, são agendadas para realização do teste no ambulatório do Serviço de Fonoaudiologia do mesmo hospital. Nos bebês com IRDA é realizado o PEATE (BERA) automático. Recém nascidos que necessitam de internação na UTI e UCI neonatal do HCC realizam o teste durante esse período. Isso ocorre porque há recomendação de utilização de protocolo específico para recém nascidos internados em unidades de cuidados intensivos e/ou intermediários, em virtude dos fatores de risco a que estão expostos.1 Para triagem auditiva destes bebês, é utilizado o PEATE (BERA) automático, realizado na própria Unidade. Bebês que passam no teste recebem alta ou seguem em acompanhamento no ambulatório. Seguimento ambulatorial ● Crianças que passam na triagem e não tem fator de risco associado recebem alta. ● As que passam no teste, mas apresentam fator de risco para perda auditiva, são acompanhadas ambulatorialmente conforme conduta definida pela equipe hospitalar. No HCC, a família é orientada a agendar a primeira revisão no ambulatório de monitoramento auditivo, aos 6 meses de idade. Crianças que apresentam alteração na triagem (ausência de resposta em uma ou ambas orelhas) tem o reteste agendado para o prazo máximo de 30 dias, também em nível ambulatorial, ou já recebem alta com agendamento para avaliação diagnóstica no HNSC. A detecção precoce da perda auditiva permite intervenção adequada e prognóstico mais favorável ao seu desenvolvimento, com a minimização de sequelas orgânicas, cognitivas e emocionais.7 Uma perda auditiva, ainda que discreta, pode alterar o desenvolvimento da comunicação oral e ter impacto no desenvolvimento cognitivo e na integração social da criança.8 Portanto, é de suma importância a conclusão do diagnóstico até os 3 meses de vida, para que a criança tenha possibilidade de estar protetizada até os 6 meses. 59 A protetização e terapia fonoaudiológica o mais precocemente possível tem o objetivo de maximizar as potencialidades, possibilitando formas de comunicação e prevenindo, assim, possíveis agravos à saúde e ao desenvolvimento.2 Uma criança que falha no reteste é encaminhada pelo fonoaudiólogo para realizar o exame BERA Diagnóstico no HNSC, serviço de fonoaudiologia. A partir dessa avaliação, define-se nova conduta: nos casos em que for detectada perda auditiva, inicia-se o processo de reabilitação auditiva por meio de Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI ou Prótese Auditiva) e acompanhamento. O Fluxograma a seguir resume o seguimento da criança a partir da TAN.3 O HNSC é habilitado em alta complexidade pelo Ministério da Saúde, através das Portarias 587 e 589/2004, a conceder este benefício para usuários do SUS. Fluxograma 1. Seguimento dos pacientes a partir da realização do Teste da Orelhinha Fonte: O autor, 2016. Perda auditiva e suas implicações no desenvolvimento da criança Estima-se que a prevalência da perda auditiva neonatal seja de 3 a 5 para cada 1000 nascimentos em bebês que não apresentam riscos para perda auditiva, aumentando para 2 a 4 em cada 100 nascidos quando provenientes de UTI.9,10,11 60 Estudos mostram que bebês de risco tem maior chance de falhar na triagem auditiva, principalmente quando prematuros, em razão do somatório de intercorrências e da imaturidade da via auditiva.12,13 A linguagem é um claro exemplo de função superior do cérebro, cujo desenvolvimento se sustenta, por um lado, em uma estrutura anatomofuncional geneticamente determinada e, por outro, no estímulo verbal dado pelo meio. Portanto, é dependente de fatores orgânicos, cognitivos e emocionais. Dentre os aspectos orgânicos, envolvem-se as funções do sistema sensório-motor-oral e, sobretudo, a audição. Segundo alguns autores,2, 14 a perda auditiva congênita bilateral permanente influencia o desenvolvimento da comunicação e, em alguns casos, a saúde mental e o desenvolvimento cognitivo. O início do tratamento no primeiro ano de vida pode minimizar a maioria desses efeitos adversos.2 Para a criança, os primeiros anos de vida são determinantes no que se refere às habilidades auditivas e de linguagem, pois é a etapa de maior plasticidade neuronal da via auditiva. Ao ser privada da estimulação sonora e dos sinais acústicos da linguagem oral, tende a apresentar déficit significativo no seu desenvolvimento linguístico e a excluirse, podendo apresentar importantes distúrbios emocionais e de aprendizagem; ao passo que, ouvindo bem, os estímulos são recebidos de forma adequada e a informação se transforma e se traduz em conhecimento de mundo, organização do pensamento e, finalmente, em expressão de linguagem – a fala. 2, 8 REFERÊNCIAS 1.JOINT COMMITTEE ON INFANT HEARING. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics, Evanston, v. 120, n. 4. p. 898-921, outubro 2007. 2. MOELLER, M. P. Early intervention and language development in children who are deaf and hard of hearing. Pediatrics, Evanston, v. 106, n. 3, p. e43, setembro, 2000. 3.U.S.PREVENTIVE SERVICES TASK FORCE. Newborn hearing screening. In: U.S. preventive services task force evidence syntheses, formerly systematic evidence reviews. 2001. Disponível em: <http://www.ahrq.gov/clinic/gcpspu.htm>. Acesso em: 15 set. 2016 4. NORTON, S. J. et al. Identification of neonatal hearing impairment: evaluation of transient evoked otoacustic emission, distortion product otoacustic emission, and auditory brain stem response test performance. Ear and Hearing. Baltimore. v. 21, n. 5, p. 508-528, outubro 2000. 5. JOHNSON, J. L. A multicenter evaluation of how many infants with permanent hearing loss pass a two-stage otoacustic emissions/automated auditory brainstem response newborn hearing screening protocol. Pediatrics, Evanston, v. 116, n. 3, 663-672, setembro, 2005. 6. SININGER, Y. S.; ABDALA, C.; CONE-WESSON, B. Auditory thresld sensitivity of the human neonate as measured by the auditory brainstem response. Hearing Research. Amsterdam, v. 104, n. 1, p. 27-28, fevereiro, 1997. 7. YOSHINAGA-ITANO, C. et al. Language of early and later-identified children with hearing loss. Pediatrics, Evanston, v. 102, n. 5, p. 1161-1171, nov. 1998. 8. HAGE, S. R. V. et al. Diagnóstico de crianças com alterações específicas de linguagem por meio de escala de desenvolvimento. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 62, n. 3A, p. 649653, setembro, 2004. 9. BORGES, C. A. B. et al. Triagem auditiva neonatal universal. Arq.Internacionais de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 28-34, jan./mar. 2006. 10 NATIONAL CENTER FOR HEARING ASSESSMENT AND MANAGEMENT. Early Hearing Detection and Intervention Components. Disponível em: <http://www.infanthearing.org>. Acesso em: 15 set. 2016. 61 11. KENNEDY, C.; MCCANN, D. Universal neonatal hearing screening moving from evidence to practice. Archives of Disease in Childhood: Fetal and Neonatal Edition, London, v. 89, n. 5, p. F378F383, setembro, 2004. 12. KORRES, S.Newborn hearing screening: effectiveness, importance of high-risk factors, and characteristics of infants in the neonatal intensive care unit and well-baby nursy. Otology Neurotology, v. 26, n. 6, p. 1186-1190, novembro 2005. 13. PEREIRA, P. K. S. et al. Programa de triagem auditiva neonatal: associação entre perda auditiva e fatores de risco. Pró-Fono: Revista de Atualização Científica, Barueri, v. 19, n. 3, p. 267-278, jul./set. 2007. 14. KENNEDY, C. et al. Universal newborn screening for permanent childhood hearing impairment: an 8-year follow-up of a controlled trial. Lancet, London, v. 366, n. 9486, p. 660-662, 2005. 62 CAPÍTULO 10 AUTISMO: TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA HEITOR BITTENCOURT NETTO BRENO MATTE INTRODUÇÃO O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento de base biológica caracterizado por prejuízos em dois domínios principais: 1) Déficit na comunicação e interação social; 2) Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades. Com o DSM-5 (2013), essa categoria substituiu subtipos anteriores (como Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância Não Especificado, entre outros). TEA é quatro vezes mais frequente em meninos. As melhores estimativas de prevalência giram em torno de 0,8% no mundo. Deficiência intelectual está presente em mais da metade dos casos, e epilepsia em até um terço dos casos (maior risco com maior prejuízo cognitivo). A patogênese do TEA envolve a interação entre múltiplos genes, fatores epigenéticos e moderadores ambientais, contribuindo para a grande heterogeneidade clínica. A herdabilidade do TEA é alta (próxima de 75%), de maneira que fatores genéticos são responsáveis pela maior parte da variação fenotípica. Fatores perinatais (exposição a teratógenos, infecções, baixo peso ao nascer, asfixia perinatal) podem funcionar como um “second hit” que modula fatores genéticos pré-existentes. Não há evidência de associação entre imunizações e TEA. QUADRO CLÍNICO Critérios do DSM-5 para TEA : A.Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia: 1.Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, e dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais. 2.Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na 63 compreensão e uso de gestos e ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal. 3.Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, ou ainda ausência de interesse por pares. B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia: 1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos (estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas). 2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (por exemplo, sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente). 3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (por exemplo, forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos). 4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (por exemplo, indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento). C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida). D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente. Os sintomas de TEA mais frequentemente são identificados no segundo ano de vida. Dada a grande heterogeneidade clínica dentro do espectro, várias trajetórias são possíveis, desde desenvolvimento normal e depois um platô, até atrasos grosseiros dos principais marcos do desenvolvimento perceptíveis já no primeiro ano, e inclusive regressão de marcos ao longo do segundo ou terceiro ano de vida. Atrasos e desvios no desenvolvimento da linguagem frequentemente são o motivo para a busca de atendimento, e as crianças com TEA às vezes não tem nem a intenção de se comunicar. Há manifestações frequentemente associadas, mas que não fazem parte da definição do TEA. ● Déficit intelectual ocorre em mais de 80% dos casos. Nos 20% com inteligência dentro da faixa normal, as habilidades verbais costumam ser bem inferiores que as habilidades não verbais. 64 ● Prejuízo na linguagem, variantes menos extremas, como a ecolalia, o uso de linguagem idiossincrática ou o uso de prosódia monótona. ● Outras alterações motoras e de tônus, macrocefalia e habilidades especiais (“ilhas de alto funcionamento”) também são descritas. DIAGNÓSTICO É clínico a partir da história e observações do comportamento. A avaliação de TEA deve ser feita preferencialmente por equipe acostumada com o diagnóstico e tratamento deste transtorno, após a suspeita ter sido identificada pelo médico de família ou o pediatra. A fase de avaliação tem por objetivos definir o diagnóstico de TEA, excluir condições que podem ter sintomas semelhantes, detectar comorbidades que precisem de tratamento ou avaliação genética e determinar dificuldades e potencialidades de cada paciente. ● História familiar (casos prévios de TEA, atrasos de linguagem, déficit intelectual, X-frágil e outras síndrome que cursam com déficit intelectual, outros transtornos mentais) e psicossocial (com foco na rede de suporte familiar). ● Exame clínico com medidas antropométricas (incluindo perímetro cefálico), manifestações neurocutâneas (que podem identificar as máculas hipopigmentadas da esclerose tuberosa), dismorfologias (que podem sugerir síndromes genéticas específicas) e alterações no exame neurológico (hipotonia discreta, assimetrias no exame neurológico e achados focais podem indicar avaliação adicional, como neuroimagem). Além da avaliação clínica, é recomendável o uso de uma ferramenta diagnóstica com boa especificidade, como o ADI-R, o CARS e o ADOS-2. ● Testes adicionais podem ser necessários para excluir condições que produzem sintomas semelhantes. Não são necessários de rotina: medição da acuidade visual e auditiva, avaliação genética (cariótipo e análise para X frágil), avaliação metabólica (quando há letargia, hipotonia, vômitos, desidratação, déficit intelectual/sensorial), EEG (quando houver suspeita de epilepsia) e neuroimagem, avaliação neuropsicológica e cognitiva (com avaliação separada de componentes verbais e não verbais), avaliação psicopedagógica. TRATAMENTO É importante o tratamento multidisciplinar abrangente e individualizado. Os objetivos do tratamento são melhorar o funcionamento do paciente, maximizar a sua autonomia e independência e aumentar a qualidade de vida do paciente e da família. A intervenção precoce pode melhorar o desfecho funcional. O tratamento se baseia em intervenções comportamentais e educacionais em vários ambientes diferentes, que podem ocasionar melhora dos sintomas nucleares do TEA e auxiliar no desenvolvimento do paciente. As medicações funcionam como adjuvantes, auxiliando no tratamento de sintomas-alvo específicos e comorbidades. 65 Ainda que parte dos tratamentos seja fornecida por especialistas, o médico de família ou pediatra deve ter papel de gerenciamento do tratamento, fornecendo suporte e educação para a família, fazendo a triagem de comorbidades e encaminhando para os tratamentos necessários. Esse papel de gerenciamento do pediatra ou médico de família é ainda mais relevante se considerarmos que indivíduos com TEA tem dificuldade de acesso ao tratamento por uma série de razões. Intervenções comportamentais Com uma intervenção adequada, pode haver melhora nas habilidades adaptativas, nos comportamentos negativos e no funcionamento cognitivo e acadêmico. As intervenções são usualmente aplicadas por educadores em escolas especiais ou terapeutas treinados em centros multidisciplinares. Programas de intervenção aumentam chance de bons resultados: tratamento individualizado para cada criança; envolvimento da família no tratamento; equipe treinada em TEA; regime de mais de 20h/semana de tratamento; ajuste do programa conforme a evolução do caso; uso concomitante de medicação caso necessário; currículo com foco em atenção, imitação, comunicação, jogo e interação social; atividades estruturadas e ambiente previsível e suportivo. A participação da família nas intervenções facilita que os familiares consigam interagir melhor com a criança. Estimulação da linguagem parece particularmente eficaz quando incorporada à rotina da criança, ainda que intervenções fonológicas tradicionais também possam ser úteis. As intervenções específicas para treinamento de habilidades sociais também são eficazes. Intervenções de terapia ocupacional são úteis para melhorar o funcionamento adaptativo e habilidades motoras, que podem ser limitantes para o funcionamento diário. Em crianças mais velhas e adolescentes, o foco deve ser ajudar o paciente a melhorar a competência social, a regulação de emoções e comportamentos e as habilidades de funcionamento adaptativo e vocacionais necessárias para obter a maior independência possível. Infelizmente as intervenções com equipe multidisciplinar especializada ao longo do tratamento com psiquiatra, neurologista, psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e educador especial são muito pouco disponíveis pela rede de saúde pública, tornando-se inviável para famílias que não conseguem pagar caro por ela. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Adjuvante às intervenções comportamentais, pois não tem efeitos sobre os sintomas nucleares do TEA. Úteis para tratar comorbidades e sintomas-alvo específicos que estejam causando prejuízo funcional ou dificultando o aproveitamento do tratamento comportamental. Em pacientes com TEA, é mais frequente a ocorrência de efeitos adversos e de efeitos paradoxais; além disso, as dificuldades de comunicação social inerentes ao 66 transtorno tornam mais difícil a determinação exata de qual sintoma-alvo merece tratamento e a identificação de efeitos adversos específicos. Desatenção e hiperatividade não causados por ansiedade: pode ser indicado o uso de metilfenidato; outros estimulantes, clonidina, risperidona e outros antipsicóticos atípicos também podem ser considerados. Agressividade e autoagressões: é possível indicar risperidona e aripiprazol; dependendo da causa da agressividade (ansiedade, hiperatividade), outras classes de medicação podem ser consideradas, como inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e estimulantes. Comportamentos repetitivos e rituais rígidos e para sintomas de ansiedade, a primeira escolha seria o uso de ISRS. Oscilações de humor: o uso de antipsicóticos atípicos e ISRS parece uma opção razoável. Sintomas depressivos: é possível usar ISRS ou antidepressivos duais (venlafaxina, por exemplo). Distúrbios do sono que não melhoram com higiene do sono e outras medidas comportamentais e precisam de tratamento medicamentoso, há evidências de eficácia do uso de melatonina. Estabilizadores do humor, como o ácido valproico, também são frequentemente usados para agressividade ou agitação, em especial quando o paciente não tem boa tolerância com o uso de antipsicóticos atípicos ou precisa de mais de um agente para atingir a melhora do sintoma-alvo. Independentemente do agente utilizado, é importante iniciar com doses baixas, monitorar o paciente com frequência e fazer aumentos de dose graduais até chegar à menor dose eficaz. PROGNÓSTICO É difícil ocorrer em crianças pequenas, especialmente antes de 3 anos de idade. Alguns casos mais leves deixam de ter o diagnóstico quando crescem (mas usualmente mantém sintomas residuais na área social, comportamental ou da linguagem); outros mantém o diagnóstico, mas com melhora na intensidade dos sintomas nucleares. Os casos mais graves às vezes respondem pouco, mesmo com tratamento intensivo. Fatores associados a pior prognóstico são a falta de atenção compartilhada aos 4 anos, falta de fala funcional aos 5 anos, QI < 70, epilepsia e outras comorbidades, bem como quadro severo de TEA. REFERÊNCIAS 1.AUGUSTYN, M. Autism spectrum disorder: Terminology, epidemiology, and pathogenesis [Internet]. Revisão de Literatura: Jul 2016. Disponível em: < http://www.uptodate.com/contents/autism-spectrum-disorder-terminology-epidemiology-andpathogenesis?source=search_result&search=Autism+spectrum+disorder%3A+Clinical+features&selec tedTitle=4~112> Acesso em: 31 dez. 2016. 67 2.AUGUSTYN, M.; TORCHIA, M. M. Autism spectrum disorder: Clinical features [Internet]. Revisão de Literatura: Jul 2016. Disponível em: < http://www.uptodate.com/contents/autismspectrum-disorder-clinicalfeatures?source=search_result&search=Autism+spectrum+disorder%3A+Clinical+features&selectedTi tle=1~112> Acesso em 31 dez. 2016. 3.AUGUSTYN, M., Autism spectrum disorder: Diagnosis [ONLINE]. Revisão de Literatura: Jul 2016. Disponível em: < http://www.uptodate.com/contents/autism-spectrum-disorderdiagnosis?source=search_result&search=Autism+spectrum+disorder%3A+Clinical+features&selected Title=2~112: Acesso em: 31 dez. 2016. 4.BRIDGEMOHAN, C. Autism spectrum disorder: Screening tools [Internet]. Revisão de Literatura: Jul 2016. Disponível em: < http://www.uptodate.com/contents/autism-spectrum-disorderdiagnosis?source=search_result&search=Autism+spectrum+disorder%3A+Clinical+features&selected Title=2~112> Acesso em: 31 dez.2016. 5.WEISSMAN, L., BRIDGEMOHAN, C., Autism spectrum disorder in children and adolescents: Overview of management [ONLINE]. Revisão de Literatura: Jul 2016 Disponível em: http://www.uptodate.com. 6.WEISSMAN, L., BRIDGEMOHAN, C. Autism spectrum disorder in children and adolescents: Complementary and alternative therapies [Internet]. Revisão de Literatura: Jul 2016. Disponível em: <ttp://www.uptodate.com/contents/autism-spectrum-disorderdiagnosis?source=search_result&search=Autism+spectrum+disorder%3A+Clinical+features&selected Title=2~112> Acesso em 31 dez. 2016. 7.WEISSMAN, L., BRIDGEMOHAN, C. Autism spectrum disorder in children and adolescents: Pharmacologic interventions [ONLINE]. Revisão de Literatura: Jul 2016. Disponível em: < http://www.uptodate.com/contents/autism-spectrum-disorder-in-children-and-adolescentspharmacologic-interventions> Acesso em: 31 dez. 2016. 8.VOLKMAR, F.; SIEGEL, M.; WOODBURY-SMITH, M., et al. Practice parameter for the assessment and treatment of children and adolescents with autism spectrum disorder. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry. p.53,v.2, p. 237-257. 68 CAPÍTULO 11 BAIXA ESTATURA NA INFÂNCIA MÁRCIA PUÑALE; CÉSAR GEREMIA; MARINA BRESSIANI MARIANA GASSEN DOS SANTOS; CLAÚDIA SCHURR INTRODUÇÃO Conceito: A baixa estatura (BE) é definida como crescimento abaixo do 3º percentil para idade e sexo ou abaixo de dois desvios padrão para a média da idade populacional. É uma causa frequente de consulta pediátrica. A maioria dos casos de BE é familiar ou causada por variações no padrão normal do crescimento, contudo é importante identificar causas patológicas como distúrbio primário de crescimento e doenças crônicas subjacentes. Prevalência: É difícil estabelecer a prevalência de BE em um determinado momento, mas estima-se que varie de 3 a 5%. A prevalência de deficiência do hormônio de crescimento (DGH) é de 1 a cada 4.000 (1:3.000-9.000) crianças com BE. QUADRO CLÍNICO Na consulta, a avaliação do peso, comprimento/estatura, IMC e proporções corporais deve ser realizada e plotada em curvas específicas para idade e gênero. Até os dois anos de idade, a criança deve ser medida deitada e após essa faixa etária, a estatura deve ser avaliada na posição supina (estadiômetro). A velocidade de crescimento (VC), corresponde a quantos centímetros a criança cresceu no intervalo de um ano e deve ser calculada através de duas medidas com um período mínimo de 6 meses entre elas. As proporções corporais devem ser avaliadas através da medida dos segmentos superior (SS), inferior (SI) e envergadura. A relação entre SS/SI é um critério clínico útil no diagnóstico das displasias/doenças osteometabólicas. A envergadura corresponde à medida da estatura da criança. O cálculo do canal de crescimento (estatura alvo familiar - EA) deve ser realizado e colocado na curva de referência na idade final da curva (aos 19 anos). Os dados de VC, ganho de peso, proporções e cálculo da estatura alvo familiar estão sumarizados nas Tabelas 1,2,3: As crianças que apresentem um ou mais dos seguintes critérios devem ser investigadas: ● Estatura abaixo do 3º percentil ou abaixo de 2DP da média populacional; ● VC menor que o 3º percentil por 6 meses ou se persistir abaixo do 25º percentil, mesmo na ausência de baixa estatura; ● Queda de percentil da estatura após a idade de 18 a 24 meses; ● Estatura abaixo de 2DP em relação à estatura alvo familiar; 69 ● Evidência de disfunção hipotálamo-hipofisária (hipoglicemia, microfalus, criptorquidia, hipoplasia nervo óptico, lesão intracraniana ou história de irradiação), com desaceleração da VC, mesmo com estatura normal. Tabela 1. Velocidade de crescimento e ganho de peso conforme idade Idade VC Ganho Peso Nascimento – 1 ano 20-27 cm/ano 7,0 kg/ano 1 ano – 2 anos 10-13 cm/ano 2,5 kg/ano 2 anos – 3 anos 8 cm/ano 2,5 kg/ano 3 anos – 4 anos 7 cm/ano 2,5 kg/ano 4 anos – pré-púbere 5-7 cm/ano 2,5 kg/ano Puberdade meninos 10-14 cm/ano 3,0 kg/6 meses Puberdade meninas 08-12 cm/ano 3,0 kg/6 meses Tabela 2. Valores da relação SS/SI em relação à idade Nascimento 1,7 3 anos 1,3 8-10 anos 1,0 Tabela 3 Estatura Alvo Familiar Sexo masculino Estatura Pai + (Estatura mãe + 13) / 2 ± 8,5cm Sexo feminino Estatura Mãe + (Estatura pai – 13) / 2 +- 8,5cm DIAGNÓSTICO A investigação de baixa estatura consiste em anamnese e exame físico minuciosos, além de exames laboratoriais e de imagem (ver Figura 1 - algoritmo para avaliação de baixa estatura). As causas mais comuns de baixa estatura incluem: Variações da normalidade: baixa estatura familiar e retardo/atraso constitucional do crescimento e puberdade; ● Condições genéticas/congênitas/cromossômicas (síndrome de Turner, Noonan, Russel-Silver, etc.); ● Displasias esqueléticas; ● Patologias crônicas sistêmicas (doença celíaca, asma, doença inflamatória intestinal); ● Anormalidades endocrinológicas (hipotireoidismo, hipercortisolismo, deficiência de GH); ● Privação psicossocial. Na anamnese devem ser investigados: ● História gestacional, incluindo uso de drogas, doenças, evolução da gestação; ● Dados neonatais e perinatais: IG, peso, comprimento ao nascer, intercorrências; ● História do crescimento – idade quando foi percebida a diminuição do crescimento; 70 ● História nutricional; ● Sinais de doença crônica e/ou uso de medicações como glicocorticóides; ● História familiar, incluindo estatura dos pais e irmãos, idade do estirão de crescimento e puberdade do pai/irmãos e menarca da mãe/irmãs. Ao exame físico deve ser realizada: ● Antropometria; ● Exame clínico pediátrico geral; ● Exame da genitália para classificação de estádio puberal conforme estadiamento de Tanner. Os exames complementares inicialmente solicitados devem incluir: ● Hemograma completo; ● Velocidade de hemossedimentação; ● Glicemia de jejum / CO2 total; ● Perfil eletrolítico (cálcio, fósforo, sódio, potássio); ● Função hepática: TGO, TGP, albumina, fosfatase alcalina; ● Função renal: uréia e creatinina; ● Função tireoidiana: TSH, T4 livre/T4 total; ● Radiografia de mão e punho esquerdo (IO) para avaliação da maturação da idade óssea. Os exames complementares para seguimento da investigação são: ● Cariótipo (em meninas sempre; em meninos quando alteração genital); ● Anticorpos anti-transglutaminase ou anti-endomísio IgA e IgA sérica (doença celíaca); ● IGF-1 e IGFBP-3 (deficiência de GH); ● Testes de estímulo para o GH (deficiência de GH); ● Ressonância magnética (RNM) de hipófise (deficiência de GH, Panhipopituitarismo). Causas Específicas de Baixa Estatura 1- Baixa estatura familiar (BEF) A baixa estatura familiar é a principal causa de BE e caracteriza-se pela desaceleração do crescimento entre 3º e 4º anos de vida, havendo queda do canal de crescimento para o alvo familiar. Caracteriza-se por apresentar VC normal e IO compatível com a idade cronológica. 2- Retardo/atraso constitucional de crescimento e puberdade (RCCP) O retardo constitucional caracteriza-se pela desaceleração do crescimento entre 3º e 4º anos de vida, havendo queda do canal de crescimento, porém abaixo do alvo familiar. Caracteriza-se por apresentar VC normal e IO atrasada (2-4 anos) em relação à idade cronológica, porém IO compatível com idade estatural. Caracteriza-se por história familiar de atraso de crescimento ou de maturação sexual. 3- Crianças nascidas pequenas para idade gestacional (PIG) A maioria normaliza sua estatura (“catch-up”) nos primeiros dois anos de vida. Os pacientes prematuros e PIG recuperam o crescimento mais lentamente, 71 esperando-se a normalização da estatura até 4 anos de vida. No entanto, cerca de 1015% das crianças nascidas PIG apresentam baixa estatura na vida adulta. A investigação deve ser realizada quando as crianças não realizam “catch-up” ou estão abaixo de 2DP para média populacional após o período de recuperação do crescimento. 4-Deficiência de Hormônio de Crescimento (DGH) A DGH pode ser congênita ou adquirida, ocorrendo em uma incidência de 1:3000 a 9000 crianças. História de traumatismo craniano (TCE), infecção de sistema nervoso central, trauma ao nascimento ou irradiação pode sugerir causa adquirida; enquanto recém nascido com DGH congênita pode apresentar episódios de hipoglicemia, icterícia persistente e deformidades da linha média. Deve-se suspeitar de DGH em uma criança que nasce com comprimento normal, posteriormente apresentando queda na curva de crescimento, sem outra doença orgânica subjacente. Estas crianças apresentam atraso de IO e peso preservado ou discretamente aumentado para idade. A investigação da DGH é realizada através da dosagem de IGF-1 e IGFBP-3 baixa; testes de estímulo de GH (clonidina, insulina, glucagon, arginina, L-dopa) e RNM de hipófise (diminuição de volume ou agenesia da hipófise, neurohipófise ectópica, desvio da haste hipofisária). Considera-se como diagnóstico a realização de dois testes com estímulos diferentes com valores de pico GH < 5ng/ml ou um teste estímulo associado a alterações estruturais na RNM de hipófise. Figura 1- Fluxograma de investigação de baixa estatura Fonte: O autor, 2016. TRATAMENTO 72 O tratamento quando indicado depende da etiologia da baixa estatura. Por exemplo: reposição de hormônio tireoidiano no hipotireoidismo, correção de deficiências nutricionais (cálcio, proteínas, ferro etc). Os casos de atraso constitucional do crescimento e puberdade geralmente não necessitam de tratamento, pois a estatura tende a normalizar após o início da puberdade. Na deficiência de GH está indicado o uso de Somatotropina (GH recombinante) em doses diárias de 0,1UI/kg/dia (33ug/kg/dia), subcutâneo, diariamente à noite. O tratamento com hormônio de crescimento também pode ser indicado pelo especialista, em pacientes com insuficiência renal crônica, Síndrome de Turner, Síndrome de Noonan, Síndrome de Prader-Willi, em nascidos PIG sem “catch-up” e em pacientes com baixa estatura idiopática. SEGUIMENTO O seguimento da BE é realizado com consultas a cada 3-6 meses para avaliação da estatura e velocidade de crescimento. A estatura de uma criança associa-se mais a IO do que a idade cronológica, sendo a IO realizada a cada 12 meses. Na puberdade de crianças nascidas PIG, principalmente no sexo feminino, a IO pode ser realizada a cada 6 meses, devido ao avanço rápido da maturação óssea nesses pacientes e menor estirão puberal. Nos pacientes com DGH, o seguimento é realizado com a dosagem de glicemia, TSH (hipotireoidismo), IGF1 e IGFBP3 e EQU (hematúria), que deve ser realizada a cada 6 meses, e IO anual. REFERÊNCIAS 1 BACKELJAUM, P. F. et al. Distúrbios da secreção e ação do hormônio do crescimento/ fator de crescimento insulina-símile. In:SPERLING, M. A. Endocrinologia pediátrica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, p. 247-344, 2015. 2. WALES, J. K. Evaluation of growth disordes. In: BROOK, C. G. D.;CLAYTON, P., et al (Ed.). Brooks Clinical Pediatric Endocrinology. 6ed. Singapore: Wiley Blackwell, cap. 7, p.124-154, 2009. 3. BARSTOW, C.; RERUCHA, C. Evaluation of Short and Tall Stature in Children. Am Fam Physician, v. 92, n. 1, p. 43-50, Jul. 2015. ISSN 0002-838x 4. AMIN, N.; MUSHTAQ, T.; ALVI, S. Fifteen-minute consultation: The child with short stature. Arch Dis Child Educ Pract Ed, v. 100, n. 4, p. 180-4, 203, Aug 2015. ISSN 1743-0585. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1136/archdischild-2014-306488 >. Acesso em: 31 dez. 2016. 5. OOSTDIJK, W. et al. Diagnostic approach in children with short stature. Horm Res, v. 72, n. 4, p. 206-17, 2009. ISSN 0301-0163. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1159/000236082 > Acesso em: 31 dez. 2016. 6. ARGENTE, J. Challenges in the Management of Short Stature. Horm Res Paediatr, v. 85, n. 1, p. 2-10, 2016. ISSN 1663-2818. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1159/000442350 >. Acesso em 31. dez. 2016. 73 CAPÍTULO 12 BRONQUIOLITE VIRAL AGUDA FABIANA DUBOIS; PAULO R.SILVA DA SILVA JULIANA BESUTTI; TAMIRIS MÔNICA INTRODUÇÃO Conceito: Infecção aguda das vias aéreas que acomete bronquíolos, geralmente de etiologia viral, caracterizada por aumento de secreção de muco, edema e necrose do epitélio da mucosa, associada ou não a broncoespasmo, com sintomatologia de obstrução das vias aéreas inferiores. • Síndrome clínica que ocorre em crianças menores de 2 anos de idade. • Geralmente precedida por febre, coriza e tosse, com duração de 3 a 5 dias, prosseguindo com dificuldade ventilatória, taquipnéia, tosse e sibilância. • Em geral, reserva-se o termo Bronquiolite Viral Aguda (BVA) para o primeiro episódio de sibilância com as características descritas acima. • É uma das principais causas de internação hospitalar, no inverno, em crianças abaixo de 1 ano. • 1 a 3% das crianças com bronquiolite internam. Etiologia: Principais agentes etiológicos envolvidos: Vírus Sincicial Respiratório, Rinovírus, Metapneumovírus humano, Bocavírus, Adenovírus, Influenza, Parainfluenza. Pode haver infecção simultânea por mais de 1 vírus. QUADRO CLÍNICO Sintomas de vias aéreas superiores (rinorréia) seguidos por acometimento do trato respiratório inferior com sibilância e crepitações, podendo apresentar diferentes graus de disfunção respiratória. Tipicamente definida como primeiro episódio de sibilância em uma criança até 2 anos de idade sem outra causa para sibilância. DIAGNÓSTICO Fundamentalmente clínico com as seguintes características: ● Idade entre 0 e 2 anos com pico entre 3 a 6 meses ● Início agudo de sintomas respiratórios como coriza, tosse, espirros precedidos ou não de febre ● Taquipnéia, com ou sem insuficiência respiratória ● 0 a 2 meses: FR >60 mrpm ● 2 meses a 1 ano: FR >50mrpm ● 1 a 5 anos > 40 mrpm ● Sinais clínicos de obstrução das vias aéreas inferiores, como sibilos, expiração prolongada. Crepitantes bibasais podem estar presentes. ● Ápice dos sintomas em 3 a 5 dias 74 ● Apnéia, sem outros sinais clínicos, principalmente nos pacientes abaixo de 6 semanas Exames complementares: ● Radiografia de tórax: Pacientes com quadro clínico típico não necessitam de estudo radiológico do tórax. A radiografia de tórax pode ser realizada nas seguintes situações: quando há dúvida diagnóstica, quando a evolução clínica não segue o padrão habitual. Achados habituais: retificação das cúpulas diafragmáticas, proeminência do espaço retroesternal, infiltrado peribrônquico vascular e, em algumas situações, atelectasias. ● Hemograma Não auxilia na diferenciação diagnóstica entre infecções virais e bacterianas. ● Gasometria arterial Considerar nos pacientes com piora da disfunção ventilatória (quando fornecimento de O2 for maior que 50%) e na suspeita de falência respiratória. ● Culturais Não é necessária a coleta de culturais para pacientes com quadro clínico típico de bronquiolite, uma vez que infecções bacterianas são muito pouco frequentes. ● Pesquisa de Vírus respiratórios Testes para identificação viral não são recomendados de rotina a menos que o diagnóstico implique em alteração do manejo do paciente e seus contatos. No entanto, a identificação viral de pacientes na emergência, ou hospitalizados, reduz a utilização de antibióticos e orienta medidas de controle de infecção hospitalar. Critérios de encaminhamento para atendimento hospitalar ● Sinais clínicos de insuficiência respiratória (batimento de asas nasais, tiragem subcostal, intercostal e supraesternal, FR>70 mrpm, cianose) ● Hipoxemia <92% em ar ambiente ● Dificuldade para dormir, letargia, apnéia ● Incapacidade de ingerir líquidos, desidratação ● Suporte social inadequado ● Considerar admissão em pacientes de alto risco: Idade abaixo de 12 semanas, prematuridade (particularmente abaixo de 32 semanas), doença cardiopulmonar com repercussão hemodinâmica, desordem neuromuscular e imunodeficiência. TRATAMENTO Na bronquiolite é importante a máxima observação e o mínimo manuseio necessário. A maioria pode manter-se em tratamento ambulatorial com desobstrução nasal, suporte hídrico, antitérmicos, orientação familiar e revisões. ● Suporte hídrico: Pacientes com incapacidade de manutenção de via oral necessitam de sonda nasogástrica ou hidratação endovenosa. 75 ● Broncodilatadores: Sem indicação para a maioria dos pacientes. Em pacientes com antecedentes pessoais de atopia ou história familiar de asma pode ser tentado teste terapêutico com broncodilatador se sinais de desconforto respiratório. É fundamental a técnica correta com spray ou nebulizador para avaliação da resposta terapêutica. ● Brometo de ipratrópio: sem benefícios. ● Corticosteróides: Não indicados. ● Antimicrobianos: Não deve ser usado no tratamento de rotina a não ser em caso de suspeita de infecção bacteriana concomitante. ● Oxigenioterapia: Principal forma de tratamento. Pacientes com sinais de insuficiência respiratória, com o objetivo de manter a saturação acima de 92%. ● Fisioterapia respiratória: Sem benefícios documentados, exceto em pacientes com grandes áreas de atelectasias ao RX de tórax. ● Aspiração de vias aéreas: Indicada quando há acúmulo de secreções dificultando alimentação, deve ser realizada da forma menos traumática possível, devido mucosa estar friável pela presença da infecção. ● Solução hipertônica: Não recomendado seu uso nas emergências. Porém, pode reduzir o tempo de internação em um dia nos pacientes hospitalizados. Critérios de alta hospitalar ● Hidratado, apto para se alimentar ● Manutenção de sono tranquilo ● Sem sinais de esforço respiratório ● Responsáveis capacitados nos cuidados da criança no domicílio e com percepção de sinais de piora clínica ● Sem necessidade de oxigênio: Sat O2 >92% em ar ambiente por pelo menos 4 horas, inclusive durante o sono. REFERÊNCIAS 1 NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CARE EXCELLENCE. Bronchiolitis in children: diagnosis and management. 2015. Disponível em: < https://www.nice.org.uk/guidance/ng9/resources/bronchiolitis-in-children-diagnosis-and-management51048523717>. Acesso em: 18 out. 2016. 2 AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Clinical practice guideline: the diagnosis, management and prevention of bronchiolitis. Pediatrics, Elk Grove Village, v. 134, n. 5, nov. 2014. Disponível em:< http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/early/2014/10/21/peds.20142742.full.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016. 3 CINCINNATI CHILDREN´S HOSPITAL MEDICAL CENTER. Bronchiolitis Guideline Team. Evidence based clinical practice guideline for medical management of bronchiolitis in infants 1 year of age or less presenting with a first time episode. Current Revision Publication, Cincinatti, v. 16, nov. 2010. Disponível em: < http://www.lmep.com/Portals/9/KBase/Patient%20Ed/Pediatrics/RSVBronchiolitis%20Protocol--Cincinnati.pdf> Acesso em: 15 set. 2016. 4 MARCONDES, Eduardo. Pediatria básica: pediatria clínica especializada. v. 3. 9. ed. São Paulo: Sarvier, 2004. 5 ALBERT EINSTEIN HOSPITAL ISRAELITA. Diretrizes assistenciais: Bronquiolite: diretrizes para o diagnóstico, tratamento e prevenção. São Paulo:Hospital Israelita Albert Eistein, 2008. Disponível em: < http://www.saudedireta.com.br/docsupload/1341342951Bronquiolite.pdf>. Acesso em: 3 out. 2016. 76 6 STOLLAR F. et al. Virologic testing in bronchiolitis: does it change management decisions and predict outcomes? European Journal of Pediatrics, Heidelberg, v. 173, p.1429-31, 2014. 7 SCHINDLER, M. Do bronchodilators have an effect on bronchiolitis? Critical Care, Bethlehem, v. 6, .n. 2, p. 111-112, 2002. Disponível em:< https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC137289/pdf/cc1466.pdf> Acesso em: 11 out. 2016. 8 FREA, R. Adult oxygen therapy made easy. In: Respiratory Therapy Cave.[Post]. 5 ago. 2010. Disponível em: < http://respiratorytherapycave.blogspot.com.br/2010/08/oxygen-therapy-madeeasy.html >. Acesso em: 2 set. 2016. 77 CAPÍTULO 13 CEFALEIAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA CAMILA DOS SANTOS EL HALAL INTRODUÇÃO Cefaleia é uma queixa comum em pediatria, podendo causar impacto importante na qualidade de vida, interação social e desempenho escolar 1,2. Prevalência: tem uma variação de 3 e 8% entre crianças de até 3 anos, 19,5% aos 5 anos e entre 37 e 51,5% aos 7 anos 2. Aos 15 anos, a frequência varia entre 57 e 82% 3. Até a puberdade, a prevalência é maior entre meninos e, a partir desse período, torna-se mais frequente entre meninas3. Classificação A International Headache Society, em sua mais recente classificação4, divide as cefaleias em 3 grupos: 1. primárias: onde se incluem a enxaqueca, cefaleia tensional e trigeminal; 2. secundárias: atribuídas a traumatismos, patologias vasculares, infecção, patologias intracranianas não-vasculares, doenças psiquiátricas ou dores faciais ou cranianas devido a patologias do crânio, pescoço, olhos, orelhas, nariz, seios da face, dentes, boca ou outras estruturas faciais ou cervicais 3. neuropatias cranianas dolorosas. Na infância, predominam as cefaléias primárias5, porém é importante saber reconhecer os sinais que indicam que o quadro pode se dever a uma patologia subjacente. DIAGNÓSTICO O diagnóstico correto é norteado essencialmente por uma anamnese adequada, que engloba as seguintes perguntas:5 1. Você tem um ou mais de um tipo de dor de cabeça? 2. Como as dores de cabeça começaram? 3. Quando as dores de cabeça começaram? 4. As dores vêm piorando, estão estáveis ou estão melhorando? 5. Com que frequência as dores ocorrem todo mês? Ou toda semana? Ou todos os dias? 6. Quanto tempo dura cada episódio? 7. As dores de cabeça ocorrem em um determinado horário ou em alguma determinada circunstância? 8. As dores de cabeça se associam a alimentos, situações, medicações ou atividades específicas? 9. Você tem algum sinal de que a dor de cabeça vai iniciar? 10. Onde se localiza a dor? 11. Qual a característica da dor (em aperto, latejante, em pontadas)? 12. Você tem sintomas associados às dores de cabeça? 78 13. O que você faz durante a dor? 14. O que faz a dor aliviar? 15. Alguma coisa faz a dor piorar? 16. Você tem algum outro problema de saúde? 17. Você toma medicações para outro problema de saúde regularmente ou de maneira intermitente? 18. Mais alguém na sua família tem dores de cabeça? Após a anamnese, o médico deverá ter condições de enquadrar o paciente em um dos 5 possíveis padrões temporais 6. Essa classificação, presente no Quadro 1, permitirá determinar a investigação e manejo necessários a cada paciente. Quadro 1. Padrões temporais de cefaléia na infância Aguda: episódio único, sem história prévia de cefaleia Aguda recorrente: recorrência de episódios, com período livre de dor entre eles Crônica progressiva: aumento gradual da frequência e intensidade Crônica não-progressiva (ou crônica diária): dor frequente ou constante Mista: crônica recorrente sobreposta a um padrão crônico diário . Em casos crônicos ou recorrentes, o preenchimento de um diário de cefaleia pode ajudar na avaliação diagnóstica, uma vez que avalia fatores como presença de horário preferencial da ocorrência da dor, características, sintomas associados, presença ou não de aura e fatores de piora ou de alívio. O exame físico detalhado auxilia na exclusão de causas orgânicas de cefaleia e deve contemplar avaliação de pressão arterial e temperatura axilar, palpação da cabeça e do pescoço procurando dor sinusal, aumento do volume da tireoide ou rigidez de nuca. A pele deve ser examinada em busca de sinais de doenças neurocutâneas, especialmente neurofibromatose e esclerose tuberosa, que podem estar associadas a tumores de sistema nervoso central. Também é importante a realização de exame neurológico, buscando alterações do estado mental, papiledema, assimetrias motoras, alterações da coordenação e do equilíbrio e dos reflexos tendíneos 3, 7. EXAMES COMPLEMENTARES Punção Lombar e Exames Laboratoriais Não há evidências que suportem a indicação de realização de exames laboratoriais e punção lombar de rotina em pacientes com cefaleia7. A punção lombar deve ser realizada em pacientes com cefaleia associada a febre e sinais meníngeos, com vistas a descartar infecções do sistema nervoso central. Na suspeita de pseudotumor cerebri, a medida de pressão de abertura é imperativa 6. Neuroimagem A realização de exame de tomografia computadorizada ou ressonância magnética de encéfalo em crianças com cefaleia recorrente e sem alterações no exame neurológico não 79 está indicada 7. O Quadro 2 traz as indicações de realização de exame de neuroimagem em crianças com cefaleia. Quadro 2. Indicações de neuroimagem em crianças com cefaleia Cefaleia aguda Pior cefaleia já experimentada Cefaleia crônica-progressiva Alterações neurológicas focais Papiledema Ataxia Presença de válvula de derivação ventrículo-peritoneal Doença neurocutânea (neurofibromatose ou esclerose tuberosa) Idade inferior a 3 anos Despertar noturno ou vômitos pela cefaleia Fonte: O autor, 2016. CLASSIFICAÇÃO E MANEJO Cefaleia Aguda: a maior parte das cefaléias agudas não-traumáticas se deve a condições médicas autolimitadas, como infecções de vias aéreas superiores, sinusite ou enxaqueca. A necessidade de investigação se dará conforme a apresentação clínica (vide acima). Enxaqueca : é a principal causa de cefaleia aguda recorrente e acomete cerca de 7,7% das crianças e adolescentes1, com um predomínio entre o sexo feminino (9,7% versus 6%). O Quadro 3 contém os critérios diagnósticos de enxaqueca4. Quadro 3. Critérios diagnósticos de enxaqueca A. Ao menos 5 episódios preenchendo os critérios B a D B. Crises de cefaleia durando de 4 a 72 horas (não tratado ou tratado sem sucesso) C. Cefaleia com ao menos 2 das seguintes características - Localização unilateral - Característica pulsátil - Intensidade moderada a grave - Piora com atividade física rotineira D. Durante a cefaleia, ao menos um dos seguintes: - Náuseas, vômito ou ambos - Foto e fonofobia E. Não atribuível a outra patologia O manejo adequado da enxaqueca inclui a permanência em ambiente escuro e silencioso, sendo o sono um dos tratamentos mais efetivos 3. O tratamento farmacológico da crise de enxaqueca (quadro 4) tem como objetivo alívio rápido e sustentado dos sintomas, devendo ser iniciado o mais precocemente possível, com vistas a abortar o quadro 8. Quadro 4. Tratamento farmacológico agudo da enxaqueca na infância e adolescência* 80 Acetaminofen 15 mg/Kg/dose, ou 500 a 1000 mg/dose Ibuprofeno (50mg/ml ou 100mg/ml) 10 mg/Kg/dose, ou 200-400 mg/dose 3 x dia Sumatriptano nasal ●10 mg para <40 Kg ●20 mg para >40 Kg Hidroxizine 10-25mg 2 a 3 vezes ao dia Prometazina 0,25 a 0,5 mg/Kg/dose Metoclopramida 1-2 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas Ondasetrona 0,3 a 0,4 mg/Kg/dia de 8 em 8 horas; 4-8 mg/dose *Atentar para possíveis efeitos colaterais e doses máximas conforme o peso e a idade do paciente. Consultar bibliografia específica conforme necessidade. Fonte: O autor, 2016. Manejo profilático da enxaqueca • Quando as crises excedem 3-4 episódios por mês ou quando os episódios são graves o bastante a ponto de interferir nas atividades diárias e desempenho escolar da criança. A flunarizina é efetiva, mas tem seu uso limitado pela sedação diurna em 10% e aumento de apetite em 20% dos usuários. A amitriptilina é efetiva, com resposta positiva de 84,2-89% dos usuários e com pouca sedação associada. Valproato ou divalproato de sódio mostrou redução de 50% no número de crises em 78,5% dos pacientes e 9,5% mostraram-se livres de crises após 4 meses de uso. Topiramato reduz a frequência, intensidade e duração das crises. Efeitos colaterais mais comuns são cognitivos (12,5%), perda de peso (5,6%) e sensoriais (2,8%). Somente 3 estudos avaliaram a resposta ao propranolol na faixa etária pediátrica, tendo esta medicação se mostrado superior ao placebo em somente um deles 8. Apesar disso, o propranolol é amplamente utilizado na prática clínica. O Quadro 5 resume as medicações utilizadas na profilaxia de enxaqueca: Quadro 5. Tratamento farmacológico profilático da enxaqueca na infância e adolescência Flunarizina ●5 mg para <40Kg ●5-10 mg para >40Kg Amitriptilina 0,25-0,5 mg/Kg/dia, podendo chegar a 1 mg /Kg/dia Valproato de sódio 10-45 mg/Kg/dia Topiramato 2-3 mg/Kg/dia – máximo de 200 mg/dia Propranolol 1-3 mg/Kg/dia de 8 em 8 horas Fonte: O autor, 2016. Cefaleia Tensional Cefaleia tipicamente bilateral, em aperto, de moderada leve a moderada, durando de minutos a dias. A dor não piora com atividade física rotineira e não se associa à náusea. No entanto, foto ou fonofobia podem estar presentes4. Na infância, pode estar associada a estresse emocional, doenças psiquiátricas e disfunção oromandibular9. Na fase aguda, pode- 81 se utilizar paracetamol ou ibuprofeno para manejo dos sintomas. Na necessidade de profilaxia, indicam-se amitriptilina ou valproato. REFERÊNCIAS 1ABU-ARAFEH, I et al. Prevalence of headache and migraine in children and adolescents: a systematic review of population-based studies. Developmental Medicine and Child Neurology, London, v. 52, n. 12, p. 1088-1097, 2010. 2 ANTONACI F. et al. The evolution of headache from childhood to adulthood: a review of the literature. Journal of Headache and Pain, Milano, v. 15, n. 15, 2014. Disponível em:. <https://www.ncbi.nlm.nih gov/pmc/articles/PMC3995299/pdf/1129-2377-15-15.pdf>.Acesso em: 20 set. 2016. 3 LEWIS DW. Headaches in children and adolescents. American Family Physician. Leawood, v. 65, n. 4, p. 625-632, 2002. 4 INTERNACIONAL HEADECHE SOCIETY. The International Classification of Headache Disorders. 3. ed. Cephalalgia, Scottsdale, v. 33, n. 9, p. 629-808, 2013. Disponível em:<file:///C:/Documents%20and %20Settings/usuario /Meus%20documentos/Downloads/1437_ichd-iii-beta-cephalalgia-issue-9-2013.pdf>. Acesso em: 20 set. 2016. 5 OZGE, A. et al. Overview of diagnosis and management of paediatric headache. Part I: diagnosis. Journal of Headache Pain, Milano, v. 12, n. 1, p. 13-23. 2011. 6 ROTHNER, A. D. The evaluation of headaches in children and adolescents. Seminars in Pediatric Neurology, Philadelphia, v. 2, n. 2, p. 109-118, 1995. 7 LEWIS, D. W. et al. Practice parameter: evaluation of children and adolescents with recurrent headaches: report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology and the Practice Committee of the Child Neurology Society. Neurology, New York,. v. 63 n. 4, p. 2215-2224, 2004. Disponível em: <http://www.neurology.org/content/63/12/2215.full.pdf+html>. Acesso em: 13 out. 2016. 8 TERMINE, C. et al. Overview of diagnosis and management of paediatric headache. Part II: therapeutic management. Journal of Headache Pain, Milano, v. 12, n. 1, p. 25-34, 2011. Disponível em: <https://www em:.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3072476/pdf/10194_2010_Article_256.pdf>. Acesso em: 13 out. 2016. 9 PARISI, P. et al. Tension-type headache in paediatric age. Acta Paediatrica, Oslo, v.100, n. 4, p. 1-5, 2011. Disponível em: <file:///C:/Documents%20and%20Settings/usuario/Meus%20documentos/Downloads/TENSION +HEADACHE+2010.pdf>. Acesso em: 21 set. 2016. 82 CAPÍTULO 14 CIRURGIA: PATOLOGIAS CIRÚRGICAS MATHEUS DANTAS VEROTTI; TAIANA VIEIRA DILLENGURF; FERNANDA BERETA DOS REIS; JOÃO CARLOS KETZER DE SOUZA CRIPTORQUIDIA Conceito: Falha na descida do testículo à sua posição normal escrotal. O testículo pode não existir, sendo chamado de “vanishing testis”; ou ele pode estar fora do escroto, sendo encontrado em umas das posições: • pré-escrotal (acima ou na entrada do escroto), • no anel inguinal externo, • canalicular, • ectópico (coxa, crural, pré-púbico ou supra-púbico), • abdominal (“peeping testis” - próximo ao anel inguinal interno). A Criptorquidia pode ser congênita ou adquirida (quando testículo já esteve na bolsa). Neste caso, pode ser: • ascendente (após nascimento, o testículo, anteriormente localizado na bolsa escrotal, ascende até a região inguinal); • aprisionado (testículo ascende após cirurgia realizada na região inguinal); • retrátil (extra escrotal, mas move-se facilmente até alcançar a posição escrotal e permanece por um período - reflexo cremastérico vigoroso). A descida escrotal ocorre em duas fases: 1) Trans-abdominal: ocorre no primeiro trimestre da gestação, estando localizado na região inguinal em torno da 10ª semana. 2) Inguino-escrotal: dependente de andrógeno, ocorre entre 25ª e 30ª semanas. Sendo assim, a prevalência da criptorquia é maior no prematuro, no primeiro mês de vida. Sua descida ao escroto pode ocorrer durante o primeiro mês, mas é improvável após o sexto mês de idade gestacional corrigida. Epidemiologia: • Ocorre em aproximadamente 3% dos recém nascidos – 60-70% nos < 1.500g • Mais frequente no lado direito (2:1) • Bilateralidade: 10 a 25% Quadro Clínico 2,3 ● História: quando foi percebida a ausência do testículo? Já houve testículo na bolsa escrotal? Já foi percebido algum abaulamento inguinal, perineal ou em coxa? 1 83 ● Exame físico: a criança deve ser examinada em local aquecido. a. Inspecionar a bolsa escrotal em posição supina observando a largura das pregas e corrugações da pele escrotal. Se muito menores que o lado normal, a bolsa nunca foi habitada. Buscar testículo em região inguinal, coxa ou períneo. b. Palpar a bolsa escrotal, distendendo o septo interescrotal, comparando os dois lados. Palpar a região inguinal. Tentar ordenhar o testículo palpado alto na região inguinal com a mão esquerda, usando a mão direita para guiá-lo até a bolsa. c. Manobra da posição agachada (de Bunce): com a criança de cócoras, ou sentada com a coluna encostada e pernas dobradas, relaxa-se o músculo cremastérico, e força-se o testículo para baixo tentando chegar até a bolsa. Investigação Diagnóstica: O diagnóstico é clínico. ● A US é útil para demonstrar testículos inguinais impalpáveis. Em lactentes com criptorquidia uni ou bilateral, associada a hipospadia, deve-se pensar na possibilidade de desordem do desenvolvimento sexual. ● A laparoscopia demonstra o testículo intra-abdominal ou sua ausência. Na dúvida de testículo retrátil ou criptorquídico baixo, pode-se indicar a gonadotrofina coriônica humana. Testículos impalpáveis bilaterais, deve-se diferenciar anorquia de testículo não descido bilateral. Solicitar testosterona, FSH e LH. Se FSH e LH são altos (três desvios acima da média), provavelmente trata-se de anorquia. Caso contrário, deve-se estimular com HCG 1.500 a 2.000 UI IM diário por 3 dias e após dosar testosterona, se esta se elevar (5 desvios acima da média) provavelmente há tecido testicular. Tratamento Hormonal: O tratamento é controverso. Os hormônios utilizados são Gonadotrofina Coriônica Humana e o Hormônio Liberador do Hormônio Luteinizante. As principais indicações são: criptorquidia bilateral, diferenciar entre testículo criptorquídico ou retrátil, testículo retrátil de menor tamanho que o normal descido, para determinar a presença de gônada em testículo impalpável bilateral, no tratamento de testículo ascendente adquirido. Posologia:50UI/kg/dose IM, 2x semana, por três a quatro semanas. Ou 1.500UI/m2, em dias alternados, 8-9 doses ou 250UI nos dois primeiros anos de vida, 500UI até seis anos e 1000UI acima dos seis anos, duas doses semanais por cinco semanas. Cirúrgico: Indicado antes de 1 ano de idade. Identifica-se o testículo, ligadura do conduto peritônio vaginal e fixação ao escroto em uma bolsa subdártica. Quando não se identifica testículo palpável unilateral, está indicada a videolaparoscopia para tentar identificar a presença de um testículo intra-abdominal, e tentar colocá-lo na posição escrotal. Riscos relacionados a criptorquidia: ● Infertilidade, ● Associação com hérnia inguinal, ● Torção do testículo, ● Trauma, ● Fatores psicológicos, ● Malignidade. 84 HEMANGIOMA INFANTIL Conceito: Tumores vasculares que apresentam involução espontânea na maioria dos casos até os 7-9 anos de idade. Podem ser superficiais ou profundos (cavernosos). Diagnóstico diferencial: malformações vasculares (mancha vinho do Porto, malformações venosas, arteriais e linfáticas). Tratamento: A. Propranolol 2-3 mg/kg/dia • Indicações de tratamento: risco de desfiguramento permanente ou bloqueio dos orifícios do corpo, obstrução das funções vitais (olhos, via aérea), tipo segmentar extenso, com ulceração ou hepático sem shunt. • Contra-indicações: asma brônquica, arritmias (bradicardia sinusal, bloqueio A-V), prematuridade, hipersensibilidade ao propranolol, hipotensão, insuficiência cardíaca, choque cardiogênico. • Avaliação para o uso do propranolol: • História e exame físico completo, pressão arterial, frequência cardíaca • ECG: bradicardia, arritmias, história familiar de doença cardíaca congênita ou arritmia ou história materna de doença do tecido conectivo. • ECG + ecocardiograma: história, sintomas ou sinais de doença cardiovascular, insuficiência cardíaca de alto débito, hemangiomas grandes de face e pescoço. B. CIRÚRGICO ● Fase proliferativa: falha ou contraindicação ao uso de medicamentos. ● Fase involutiva: sequelas de lesões que regrediram. HIGROMA CÍSTICO (LINFANGIOMA) Malformação congênita do sistema linfático. Exame físico: Locais mais comuns: pescoço, axilas, mediastino, regiões inguinais, retroperitônio. São irredutíveis, se deformam à compressão. Exames complementares: Radiografias de tórax e pescoço, ecografia cervical, TC e RNM podem ser necessários para planejamento cirúrgico. Tratamento: cirúrgico, com excisão completa da lesão quando possível. TORCICOLO CONGÊNITO Causado pela posição viciosa da cabeça e pescoço no período fetal, levando a assimetria facial e craniana por displasia fibrosa e encurtamento do músculo esternocleidomastóideo. Exame físico: Aparece como tumoração no interior do músculo esternocleidomastóideo entre a 2ª e 8ª semanas de vida. Nem sempre o torcicolo está presente na fase inicial. Tratamento: Massagens e fisioterapia na região afetada; cirurgia nos casos de falha do tratamento clínico ou crianças não tratadas até 1 ano de idade. _______________________________________________________________________ ANQUILOGLOSSIA 85 Encurtamento do freio lingual que restringe os movimentos da língua, impedindo sua protrusão além dos incisivos mandibulares. Raramente causa problemas de amamentação no peito, sucção incoordenada ou erros na articulação das palavras. Não causa retardo na fala. Exame físico: Pode causar deformação da ponta da língua à extrusão em “forma de coração”. Tratamento: Se o freio é delgado, pode desaparecer espontaneamente ou ser seccionado no consultório sem anestesia; caso contrário, cirurgia após os 6 meses de idade _______________________________________________________________________ CISTO TIREOGLOSSO Cisto cervical mediano causado por falha na obliteração do trato tireoglosso. Exame físico: Tumoração superficial, lisa, de consistência elástica, fixa aos planos profundos e móvel à deglutição. Pode estar ou não fistulizado. Exames complementares: Ecografia cervical (avalia o cisto e a tireóide). Diagnóstico diferencial: Cisto dermóide, linfonodos de linha média, tireóide ectópica, cisto branquial. Tratamento: Cirúrgico quando feito o diagnóstico. CISTOS, SEIOS E FÍSTULAS BRANQUIAIS Anomalias dos arcos branquiais que persistem após o nascimento, não sofrendo reabsorção completa. Podem secretar muco claro, pus (quando infectados), ou, no caso de fístulas, saliva e líquidos ingeridos. Exame físico: ● Primeiro arco: tumoração facial posterior ou anterior à orelha ou na região submandibular. ● Segundo arco: cistos ou fístulas no bordo anterior do músculo esternocleidomastóideo. ● Terceiro e quarto arcos: orifício externo se encontra no 1/3 médio ou inferior do pescoço (semelhante ao segundo arco), porém o trajeto fistuloso se comunica com a faringe abaixo do osso hióide. Tratamento: excisão cirúrgica a partir dos 6 meses de idade. _______________________________________________________________________ CISTOS PRÉ-AURICULARES Orifício localizado junto à região anterossuperior da orelha que se comunica com cisto ou seio pré-auricular. Tratamento: Somente se sintomáticos. Em vigência de infecção, tratar com antibióticos e compressas morna. Alguns requerem drenagem. _______________________________________________________________________ POLIDACTILIA Número maior de dedos das mãos e/ou dos pés do que o normal. Exame físico: Qualquer dedo pode estar duplicado, os mais comuns são o polegar e o 5º dedo. Podem ser articulados e não articulados. Tratamento: Encaminhar a um cirurgião pediátrico quando estiver com 2-3 anos de idade. Polidactilia não articulada pode ser tratada com anestesia local em recém nascidos. 86 _______________________________________________________________________ SINDACTILIA Presença de dedos das mãos e/ou pés adjacentes fusionados por falha na separação na vida intra-uterina. Frequentemente associada a síndromes: Poland, Apert e outras. Exame físico: Mais comum nas mãos entre os 3º e 4º dedos e nos pés entre os 2º e 3º dedos. Tratamento: Cirúrgico aos 3 anos de idade. _______________________________________________________________________ HÉRNIA INGUINAL Protrusão do conteúdo intra-abdominal (omento, intestino etc) através de um saco herniário, de causa congênita ou adquirida por fraqueza da fáscia transversalis. Epidemiologia: 1-5% das crianças. A probabilidade em prematuros é de 10-30%, enquanto em crianças a termo é de 3-5%. Mais comum em meninos, na proporção de 5:1. São mais frequentes à direita. Fatores de Risco: Prematuridade, fibrose cística, hidrocefalia com DVP, diálise peritoneal, criptorquidia, ascite, meningomielocele, entre outros. Diagnóstico: O diagnóstico de hérnia inguinal em crianças é tradicionalmente sugerido pela história de uma protuberância na virilha com choro e é confirmado em exame físico. Exame físico: Manobras que facilitam a palpação da hérnia incluem: manter a criança deitada e fazer com que ela levante a cabeça, pedir que a criança assopre um balão, examinar a criança em pé. Outro achado que pode auxiliar o médico é o sinal da luva de seda, que se apresenta como a palpação do cordão espermático espessado do lado referido. É comum um exame físico normal com uma história compatível para hérnia. Nesses casos, pode-se pedir aos pais que tirem uma foto. Uma boa história é suficiente para indicar cirurgia. Explorações negativas são raras. Exames complementares, em geral, não são necessários. Tratamento é cirúrgico. Não é necessário restringir as atividades da criança previamente à cirurgia. _________________________________________________________________________ HÉRNIA ENCARCERADA O objetivo da cirurgia da hérnia inguinal é evitar um possível encarceramento, no entanto cerca de 90-95% das hérnias encarceradas podem ser reduzidas clinicamente. Fator de risco: Prematuridade Quadro clínico: Paciente com choro inconsolável, dor abdominal intermitente e vômitos, associados a uma massa na região inguinal, por vezes, hiperemiada. ● Distensão abdominal e sangue nas fezes são sinais mais tardios. Sinais de peritonite indicam hérnia estrangulada. ● Pode ser difícil distinguir uma hidrocele de cordão de uma hérnia encarcerada. ● No caso de uma criança em bom estado geral, aparentemente tranquila, lembrar desse diagnóstico diferencial. Transiluminação é um bom recurso para elucidar o diagnóstico. Peritonite ou choque séptico são contraindicações absolutas à tentativa de redução. Sintomas de obstrução intestinal são uma contraindicação relativa. Técnica de redução manual 87 ● Hidratação IV, sedação, aplicação de pressão firme e constante ao redor da zona de encarceramento. Sucesso na redução geralmente é percebido como um “ploft” e diminuição da massa palpável. ● Após redução da hérnia é razoável aguardar 48 horas para herniorrafia, de modo a reduzir o edema. ● É importante avaliar o nível de entendimento familiar, facilidade de acesso ao hospital, assim como o estado geral da criança ao considerar alta hospitalar após redução. Aproximadamente 12-17% dos pacientes com hérnia apresentarão um episódio de encarceramento. Tratamento por Redução: ● Se a redução não for possível é necessária cirurgia de urgência. Encarceramento de ovário geralmente não causa isquemia. Em meninas assintomáticas, com um ovário não doloroso à palpação, pode-se realizar a cirurgia de modo eletivo com brevidade. _________________________________________________________________________ HÉRNIA UMBILICAL Defeito de fechamento das estruturas músculo-aponeuróticas do anel umbilical. Epidemiologia: Maior prevalência em afrodescendentes, prematuros e em crianças de baixo peso ao nascer. Manejo: Observação até 3-4 anos de idade. ● A aplicação de pressão, seja com objetos ou curativos, sobre a hérnia NÃO aumenta a chance de fechamento e pode irritar a pele. ● Segundo alguns estudos, a chance de fechamento até os 6 anos é menor se o defeito for maior que 1,5 cm. ● A chance de encarceramento é muito menor que nas hérnias inguinais, cerca de 0,2%. O risco é maior nas hérnias menores, com defeito entre 0,5 e 1,5 cm. _____________________________________________________________________ HÉRNIA EPIGÁSTRICA Hérnias na linha média entre o apêndice xifóide e a cicatriz umbilical. Não confundir com diástase de reto, que corresponde a uma fraqueza generalizada da linha média e geralmente resolve espontaneamente ao redor dos 10 anos. Conduta: Hérnias epigástricas não resolvem espontaneamente e necessitam tratamento cirúrgico. _________________________________________________________________________ HIDROCELE É a coleção anormal de fluido seroso entre as camadas visceral e parietal da túnica vaginal, também podendo estar junto ao cordão espermático. Em crianças, é a causa mais comum de edema escrotal indolor. Conduta: A maioria dos cirurgiões opta por observar até 2 anos de idade, porque até 90% dos casos resolve espontaneamente até essa idade. Em adolescentes, atentar para a possibilidade de tumor testicular, já que uma hidrocele acompanha até 15% dos tumores nesse órgão. Especialmente nos casos de testículo impalpável, uma ecografia pode ser de grande valia. 88 _________________________________________________________________________ FIMOSE Quando não se consegue retrair o prepúcio para liberar a glande. Cerca de 10% dos meninos até 3 anos ainda terá dificuldade de tração da glande sobre o prepúcio. Conduta: Tranquilizar os pais sobre a fimose fisiológica, quando o prepúcio é saudável, sem cicatriz no orifício do prepúcio. ● Quando o prepúcio for retratil, gentilmente tracioná-lo na hora do banho para limpar. ● Um curto curso de corticóide tópico 2x/dia por 2 a 8 semanas (creme de hidrocortisona 1%), pode ajudar. Indicações cirúrgicas médicas: Balanopostites de repetição, episódios de parafimose, fibrose cicatricial, como a balanite xerótica. Considerando essas indicações a postectomia tem indicação em apenas 2-10% dos pacientes. _________________________________________________________________________ PARAFIMOSE Ocorre quando o prepúcio é retraído atrás da corona (ou coroa) do pênis e não pode ser devolvido para a posição anterior ou normal. Isto pode causar o aprisionamento do pênis, prejudicando a drenagem sanguínea. Conduta: Lubrificação do prepúcio e ponta do pênis e, em seguida, apertando suavemente a ponta do pênis, puxa-se o prepúcio para frente. Se esta é ineficaz, uma pequena incisão para aliviar a tensão pode ser realizada. Circuncisão de emergência é exceção. REFERÊNCIAS 1.SOUZA, J. C. K. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca, 2008. 2.MARTINS, J. L. et. al. Guia de cirurgia pediátrica. São Paulo: Manole, 2007 3.KOLON, T. F. et al. Evaluation and treatment of cryptorchidism: AUA guideline. Journal of Urology, Baltimore, v. 192, n. 2, p. 337-345, ago, 2014. Disponível em:< http://fulltext.study/download/3861050.pdf >. Acesso em: 30 set. 2016. 4. BRANDT, M. L.Pediatric Hernias. Surgical Clinics of North America, Philadelphia, v. 88, p. 27-43, 2008. Disponível em: < http://itarget.com.br/newclients/cbc.org.br/wp-content/uploads/2013/07/092010SCNA.pdf>. Acesso em: 28 set. 2016. 5. PALMER, L. S. Hernias and hydroceles. Pediatrics in Review, Elkgrove Village, v. 34, n. 10, p. 457-464, out. 2013. 6. WANG, K. S. Assessment and management of inguinal hernia in infants. Pediatrics, Evanston, v.130, n. 4, p. 768-773, out..2012. Disponível em: <http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/130/4/768.full.pdf >. Acesso em: 28 set. 2016. 7. DRAKE, T.;RUSTOM, J.; DAVIES, M. Phimosis in childhood..BMJ, Salisbury, v. 346, p. 1-4, 2013. 8. RESENDE, D. A. Q. P. et al. Coleções na bolsa testicular: ensaio iconográfico correlacionando achados ultrassonográficos com a ressonância magnética. Radiologia Brasileira, Rio de Janeiro, v. 47, n. 1, jan./fev. p.43–48, 2014. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rb/v47n1/pt_0100-3984-rb-47-01-43.pdf >. Acesso em: 30 set.2016. 89 CAPÍTULO 15 CONSTIPAÇÃO FRANCIELI SPIAZZI SANFELICE ANA REGINA LIMA RAMOS INTRODUÇÃO1, 2,3 Conceito: É muitas vezes associada à defecação dolorosa e/ou infrequente, incontinência fecal e dor abdominal. Incidência/Prevalência: prevalência estimada de 30% em todo o mundo. Em 17% a 40% das crianças, a constipação começa no primeiro ano de vida. Quadro 1. Roma III-2006. Critérios diagnósticos para Constipação Funcional ≥2 dos seguintes na ausência de patologia orgânica, Para uma criança com idade <4 anos (durante 1 mês pelo menos) 1. ≤2 evacuações por semana 2. ≥1 episódio de incontinência por semana após a aquisição do controle esfincteriano 3. História de retenção excessiva das fezes 4. História de evacuações dolorosas ou difíceis 5. Presença de fecaloma 6. História de fezes de grande diâmetro que podem obstruir o vaso sanitário Acompanhando sintomas que podem incluir irritabilidade, diminuição do apetite e / ou saciedade precoce, que podem desaparecer imediatamente após a passagem de fezes volumosas. Para uma criança com uma idade ≥4 anos com critérios insuficientes para síndrome do intestino irritável (1vez/semana por pelo menos 2 meses) 1. ≤2 evacuações no banheiro por semana 2. Pelo menos um episódio de incontinência fecal por semana 3. História da postura de retenção ou retenção voluntária excessiva de fezes 4. História de evacuações dolorosas ou difíceis 5. A presença de fecaloma 6. História de fezes de grande diâmetro que podem obstruir o vaso sanitário. No caso de constipação não complicada, definiu-se constipação como um sintoma caracterizado pela ocorrência de qualquer uma das seguintes manifestações, independentemente do intervalo entre as evacuações: 90 ●eliminação de fezes duras, na forma de cíbalos, seixos ou cilíndricas com rachaduras; ●dificuldade ou dor para evacuar; ●eliminação esporádica de fezes muito calibrosas que entopem o vaso sanitário; ●frequência de evacuações inferior a três por semana, exceto em crianças em aleitamento materno exclusivo. A constipação crônica funcional é caracterizada por desvios no funcionamento de mecanismos fisiológicos da evacuação, os quais são dependentes de fatores constitucionais e hereditários, fatores alimentares, episódios de evacuação dolorosa e fatores comportamentais³. QUADRO CLÍNICO 2 O principal papel da história, exame físico na avaliação da constipação, é para excluir outros distúrbios que se apresentam com dificuldades para a defecação e identificar complicações. As informações que devem ser obtidas na anamnese incluem a idade do início dos sintomas, o sucesso ou fracasso no treinamento esfincteriano, frequência e consistência das fezes, dor e/ou sangramento durante a passagem das fezes, a coexistência de dor abdominal ou incontinência fecal (se presente e se for também noturna), o comportamento retentor, a história dietética, mudanças no apetite, náuseas e/ou vômitos e perda de peso. A pseudoconstipação ocorre em aproximadamente 5% dos lactentes (<6 meses) em aleitamento natural predominante. É fisiológico e não requer tratamento. As manifestações clínicas consideradas complicações da constipação crônica funcional são a dor abdominal recorrente, os vômitos, fezes com sangue, as infecções urinárias de repetição, a retenção urinária e a enurese. A diminuição do apetite e a anorexia ocorrem com frequência, podendo atuar como um fator de agravo e perpetuação da constipação. Sinais de alarme para causas orgânicas de constipação: atraso na eliminação do mecônio (após 48h de vida), febre, vômito ou diarreia, sangramento retal e distensão abdominal grave. As causas orgânicas mais importantes são doença de Hirschsprung e fibrose cística. A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) também pode estar envolvida na constipação. As manifestações de proctite e colites alérgicas podem ser fatores desencadeantes de evacuações dolorosas com consequente retenção fecal. Exame físico: distensão abdominal, massa fecal palpável no abdome, fissura anal e presença de fezes impactadas no reto². DIAGNÓSTICO2,3 ● A hipótese de constipação funcional deve ser considerada como primeira hipótese. ● Radiografia simples de abdome não está indicada, mas pode ser útil para confirmar retenção de fezes nos casos de história duvidosa, falta de colaboração durante a realização do exame físico e obesidade. ● As crianças com déficit de crescimento e dor abdominal recorrente devem realizar rastreamento sorológico (anticorpo antitransglutaminase IgA) para doença celíaca 91 A Sociedade Americana de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição e a Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição publicaram algoritmos para o diagnóstico de constipação em crianças, resumido a seguir: ● Se o paciente apresentar constipação por mais de 2 semanas, não acompanhadas de sinais de alarme (retardo na eliminação do mecônio, febre, vômitos, diarreia com sangue, déficit de crescimento, ampola retal vazia) deve ser estabelecido o diagnóstico inicial de constipação crônica funcional. Deve-se assim iniciar o tratamento habitual; ● Quando o paciente não apresenta boa resposta ao tratamento convencional, recomenda-se realizar os seguintes exames: TSH, T4, pesquisa de anticorpos da doença celíaca (antitransglutaminase IgA), dosagem de cloro no suor, dosagem de cálcio e chumbo; ● Se os exames do item anterior forem normais e se houver persistência da constipação, deve-se descartar a doença de Hirschsprung, com o emprego da manometria anorretal. O enema baritado auxilia no diagnóstico da Doença de Hirschsprung. ● Se, após todos os procedimentos descritos, não houver controle da constipação, considerar a realização do enema baritado, ressonância magnética de medula espinhal, biópsia retal profunda e internação para observação. ● Lembrando que algumas denominações podem gerar confusão conceitual e por isso devem ser esclarecidas: ● Disquezia do lactente: condição ocorrida em lactentes menores de 6 meses, caracterizada por pelo menos 10 minutos de choro e esforço intensos, antecedendo a eliminação de fezes amolecidas ou macias. ● Encoprese/Soiling/Escape fecal: atualmente a denominação dessas apresentações foi substituída por INCONTINÊNCIA FECAL, cujo significado é evacuar em local inapropriado, podendo ser de causa orgânica ou funcional. ● Pseudoconstipação funcional: evacuação de fezes macias, menos de 3x/semana, que ocorre em lactentes em aleitamento materno exclusivo. TRATAMENTO3 É fundamental que seja reforçada a importância do recondicionamento do hábito intestinal, o que inclui orientação de permanência da criança sentada no vaso sanitário ou penico por um período de 5 a 10 minutos após as grandes refeições, a fim de aproveitar o reflexo gastrocólico. Desimpactação: primeira linha no tratamento quando há identificação de massa fecal na palpação abdominal, toque retal ou radiografia simples de abdome. - Com enemas diários por cerca de 2 a 4 dias. Se necessário, devem ser mantidos até a completa eliminação das fezes e a criança apresentar 1 a 2 evacuações amolecidas por dia². - Com Polietilenoglicol 3350 (Muvinlax®) na dose de 1,5g/kg/dia, por 3 dias. Manutenção: envolve, especialmente, a utilização de laxantes. Tabela 1 Tabela 1. Medicações laxativas mais utilizadas em crianças: AGENTE Óleo Mineral DOSE 2 a 11 anos: 1-3ml/kg/dia 12/12h (máx. 45 ml/d) 92 OBSERVAÇÕES Contraindicado em < 2 anos e criança em risco de 12 anos ou mais: 15 – 45ml/d Hidróxido de Magnésio Lactulose (10g/15ml) 1 a 11 anos: 1-3ml/kg/dia 12/12h (máx. 45 ml/d) 12 anos ou mais: 15 – 45ml/d 1 a 11 anos: 1-3ml/kg/dia 12/12h Polietilenoglicol 3.350 (Muvinlax®) PEG 4000 - manipulação 0,4 a 0,8 g/kg/dia(PEG 3350) Enema fosfatado (Fleet® enema) Solução de Glicerina 12% 6 ml/kg (até 135ml) aspiração. (risco de causar pneumonia lipoídica) Contraindicado em paciente com insuficiência renal Doses elevadas podem provocar hipernatremia. Para crianças > 6 meses 0,32 – 0,76 g/kg/dia (PEG 4000) Deve ser evitado em < 2 anos 250 ml/dia a 1000 ml/dia (dose máxima) SEGUIMENTO Cerca de 50% dos pacientes apresenta melhora e permanece sem uso de laxativos entre 6 e 12 meses após início do tratamento3. Aproximadamente 10% permanece assintomático enquanto está em uso de laxativos e 40% mantém sintomas apesar do uso deles3. Um total de 50% a 80% das crianças se recupera em 5 a 10 anos, respectivamente. O atraso no início do tratamento por mais de 3 meses em relação ao início dos sintomas está correlacionado com tempo maior de duração dos sintomas. Em relação ao papel da dieta, o consumo de fibras ocasionaria um trânsito intestinal mais rápido e aumento no peso das fezes, o que facilita a evacuação. Entretanto, não se pode inferir que uma dieta pobre em fibras seja causa de constipação. Em relação ao consumo de líquidos, é recomendado pelos bons hábitos de higiene alimentar3. REFERÊNCIAS 1 TABBERS, M. M. et al. Evaluation and treatment of functional constipation in infants and children: evidence-based recommendations from ESPGHAN and NASPGHAN. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, New York, v. 58, n. 2, p. 258-274. 2014. 2 MORAIS, M. B. ; MAFFEI, H. V. L.; TAHAN, S. Constipação intestinal. In: CARVALHO, E.; SILVA, L. R.; FERREIRA, C. T. Gastroenterologia e nutrição em pediatria. São Paulo: Manole, 2012. p. 46693. 3 GOTZE, D. R. et al. Constipação intestinal. In: LAGO, P. M. et al. Pediatria baseada em evidências. São Paulo: Manole, 2016. p. 163-179 93 CAPÍTULO 16 CORPO ESTRANHO: AVALIAÇÃO E MANEJO DE INGESTÃO ANA REGINA LIMA RAMOS PAULO SERGIO GONÇALVES DA SILVA Frente a suspeita de ingestão de corpo estranho (CE) avaliar: HISTÓRIA a)esclarecer o tipo de corpo estranho (se é radiopaco ou não); b)verificar a presenças de sintomas; c)localizar o CE; d)verificar cirurgias prévias e malformações congênitas. EXAME FÍSICO a) Manifestações respiratórias: tosse, estridor, cornagem, dispnéia – sugestivas de localização na árvore respiratória; b) Manifestações digestivas: disfagia, sialorreia, regurgitação, recusa alimentar e posição antálgica – sugestivas de impactação na hipofaringe ou no esôfago cervical; c) Presença de enfisema subcutâneo – sugestivo de perfuração esofágica ou traqueal. DIAGNÓSTICO: Exames complementares a. Raios X simples em PA e perfil do pescoço, tórax e abdômen: Além de localizar o CE informarão sobre possíveis complicações (enfisema, pneumotórax ou pneumoperitônio). Se o CE for radiopaco, o raio X indicará sua localização. Mas se o raio X for negativo e a criança estiver sintomática, está indicada a Endoscopia (EDA) para diagnóstico e tratamento de CE radiotransparente. b. Endoscopia: O exame endoscópico tem dois objetivos: diagnóstico da presença de CE e avaliação dos danos causados pela permanência e terapêutico, promovendo a remoção do CE. Se indicado, o procedimento deverá ser cuidadosamente esclarecido aos pais, inclusive sobre a necessidade de anestesia com intubação e de uma possível dilatação de estenose subjacente. Além disso, terão o direito de saber dos possíveis riscos do procedimento. O termo de consentimento informado para a execução, assinado pelos pais, deverá sempre ser solicitado. TRATAMENTO A remoção dos corpos estranhos deve se realizar o mais rápido possível, de acordo com a Tabela 1. Se houver necessidade de retirada de urgência, o paciente deverá ser encaminhado para serviço de referência (HPS), pois não dispomos de plantão de 94 endoscopia. Caso contrário, solicitar consultoria para equipe de gastroenterologia (suspeita de ingestão) ou cirurgia pediátrica (suspeita de aspiração). Tabela 1. Conduta frente a ingestão de corpo estranho Tipo de CE Localização Conduta Esôfago Com sintomas – remoção imediata Sem sintomas – em até 24 horas Moeda Estômago Objetos longos (> 3cm) Esôfago Objetos com diâmetro > 25 Estômago mm e Objetos pontiagudos Baterias Bolo alimentar Remoção endoscópica (desde que segura) Esôfago Remoção imediata. Tempo máximo de observação: 4 horas Estômago Com sintomas: remoção imediata Sem sintomas: remoção em < 24 horas se menores de 5 anos e se bateria > 20mm. Em maiores de 5 anos e baterias pequenas – observação e controle com raio X – remover se permanecer por mais de 48h. Remoção endoscópica imediata Tempo máximo de observação: 24 horas Esôfago Magnéticos (principalmente Esôfago se múltiplos) Estômago Bolinhas de gel (ou brinquedos que se expandem em contato com a água) Com sintomas – remoção imediata Sem sintomas - eletiva Se não houver eliminação até 4 semanas deverá ser retirado por endoscopia Remoção endoscópica de urgência Com sintomas -Remoção imediata Sem sintomas – em até 24 horas Com sintomas -Remoção imediata Sem sintomas – em até 24 horas Remoção imediata – risco de obstrução Não aparecem no raio X. Se endoscopia não obtiver sucesso – observação por risco de obstrução distal. Acompanhamento com equipe cirúrgica Fonte : Kramer 2015 COMPLICAÇÕES: As complicações provocadas por CE ingeridos estão vinculadas à permanência prolongada destes no esôfago, ao tipo, forma e dimensões que tenha o CE. Peças de 95 brinquedo de forma irregular e de grandes dimensões (3 a 4 cm), objetos perfurocortantes e baterias alcalinas têm sido os mais citados como promotores de complicações. As complicações são incomuns, mas a morbidade associada pode ser grave e ameaçadora da vida. CE por tempo prolongado tem uma maior incidência de complicações, como perfuração esofágica, formação de abscessos, mediastinite, peritonite e formação de fístulas. Na suspeita de complicação, o paciente deverá permanecer internado. SEGUIMENTO: Após a remoção geralmente não há necessidade de seguimento, mas será indicado se necessário. O manejo das complicações será direcionado de acordo com o tipo de complicação, sendo que as perfurações com ou sem fístulas podem necessitar de NPO, NPT e antibioticoterapia. Raramente será necessário tratamento cirúrgico. REFERÊNCIAS 1 ALTOKHAIS, T. I. et al. Esophageal foreign bodies in children: emphasis on complicated cases. Asian Journal of Surgery , Hong Kong, 2016. No Prelo. Disponível em: < http://www.easianjournalsurgery.com/article/S1015-9584(16)00010-5/pdf>. Acesso em: 10 set. 2016. 2 KRAMER, R. E. et al. Management of Ingested foreign bodies in children: a clinical report of the NASPGHAN Endoscopy Committee. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, New York, v. 60, n. 4, p. 562-574, abr. 2015. .Disponível em: < Http://www.naspghan.org/files/documents/pdfs/cme/jpgn/Management_of_Ingested_Foreign_Bodies_in_C hildren_.28.pdf>. Acesso em: 10 set. 2016. 96 CAPÍTULO 17 CONVULSÃO FEBRIL SÓCRATES SALVADOR INTRODUÇÃO Conceito: Crise convulsiva febril é definida pela ILAE - International League Against Epilepsy, como convulsão ocorrida em associação com doença febril, na ausência de envolvimento infeccioso do SNC ou alteração hidroeletrolítica e metabólica em lactente com idade superior a 2 meses, sem história de convulsões afebris prévias. As crises convulsivas são a priori classificadas em: 1,2 ● Crise convulsiva febril simples: Atividade tônico-clônica sem componente focal, de curta duração (menor que 15 min), um único episódio durante o quadro febril (70 % dos casos), pós ictal de menos de 1 hora. ● Crise convulsiva febril complexa: Componente focal, prolongada (por mais de 15 min), múltipla (30% dos casos), Paralisia de Todd. ● Status epilepticus: mais de 30 minutos. EPIDEMIOLOGIA Apresentam frequência estimada de 2 a 4% no Brasil, EUA e Europa ocidental e 9 a 18% no Japão. Podem ocorrer desde o 2o mês até o 7o ano de vida, porém tem a prevalência maior entre o 6o mês e o 3o ano, com pico de incidência no 18o mês. CARACTERÍSTICAS Ocorrem mais frequentemente entre a primeira hora e 24 horas do início da febre. Fatores de risco para o primeiro episódio de crise convulsiva são história familiar de crise convulsiva febril, atraso no desenvolvimento, internação em UTI neonatal por tempo superior a 30 dias e o pico de temperatura. DIAGNÓSTICO 2,3 Feito através de anamnese e exame físico detalhados. Na convulsão febril complexa, considerar a coleta de hemograma, eletrólitos, screening toxicológico, hemocultura. - O principal ponto na avaliação da criança com crise convulsiva febril é a exclusão de processo infeccioso do SNC com a realização de punção lombar. - Sabe-se que a prevalência de meningite em presumível crise convulsiva febril é de 2 a 5%, segundo a maioria dos estudos. -Importante lembrar que a maioria das crianças que apresentam meningite apresentam fatores de risco associados, dentre estes pode-se destacar crise convulsiva na chegada da emergência, crises focais, achados sugestivos (petéquias, alteração de consciência prévia à crise ou algumas horas após) e alterações no exame neurológico. 97 - A Academia Americana de Pediatria recomenda fortemente a realização de punção lombar em menores de 6 meses. Entre 6 meses e 18 meses, a recomendação é que pode-se optar por manter em observação por 24 horas ou puncionar e, a partir de 18 meses, na ausência de sinais sugestivos, a punção lombar e desnecessária. - Também está recomendada a punção lombar em paciente persistentemente letárgico. Considerar punção lombar na idade entre 6 a 12 meses se: a. História sugestiva de meningite; Pré-tratamento com antibiótico; b. Sem vacina para Haemophilus ou Streptococcus pneumoniae. OBS: É baixo o grau de infecção do SNC em crianças na primeira crise convulsiva febril. Exames complementares: Solicitação de exames laboratoriais não tem valor estatístico em pacientes acima dos 6 meses. Coletar exames laboratoriais somente se estes forem auxiliar na investigação da causa da febre. 2 Neuroimagem ou EEG: 1,3 Exames de imagem (TC de crânio e/ou RNM) somente devem ser realizados em pacientes com status epiléptico febril, convulsão febril recorrente e convulsão febril complexa. Crianças podem ter EEG alterado após a crise convulsiva sem significado patológico. EEG tem valor limitado, não necessariamente predizendo chance de recorrência de crise convulsiva febril ou desenvolvimento posterior de epilepsia. Crises febris recorrentes 3 Aproximadamente 1/3 dos pacientes com a primeira crise irá experimentar a recorrência e apenas 10% apresentarão três ou mais crises. A recorrência é mais frequente no intervalo de 1 ano. Os fatores de risco mais associados com a recorrência são a história familiar positiva de crise convulsiva febril, crise na primeira hora de início da febre, idade do primeiro episódio inferior a 18 meses (fator mais importante) e febre inferior a 39oC no momento da crise. TRATAMENTO Divide-se em dois 3: 1. Tratamento agudo da crise convulsiva febril (igual a qualquer evento convulsivo) 2. Tratamento para prevenir novos episódios de crise convulsiva febril Antipiréticos: Seu uso intensivo no início do quadro febril para reduzir o risco de crise convulsiva febril é controverso. Usado para reduzir desconforto associado à febre. De acordo com Sullivan JE e cols4, não há evidência de que o tratamento da febre afete o curso da doença ou de complicações neurológicas. Seu uso durante a febre também não reduz o risco de recorrência da convulsão febril. 98 Anticonvulsivantes profiláticos devem ser usados apenas em casos de recorrências (3 ou mais episódios convulsivos com intervalo superior a 24 horas entre os episódios)5. -Diazepam oral ou retal preventivo: estudos mostram modesto efeito quando comparado com o placebo na utilização de diazepam profilático no início dos quadro febris. -Fenobarbital: efetivo na redução de risco de recorrência de crises convulsivas febris. Seu uso deve ser cauteloso e por curto tempo devido aos possíveis efeitos colaterais. -Valproato de sódio: também se mostrou eficaz na redução da recorrência de crises convulsivas febris. Morbimortalidade5 Mortalidade é extremamente rara, mesmo em casos de status epilépticos febris. Morbidade: Estudos não mostraram diferença nos desfechos de habilidades cognitivas, performance na escola, QI e memória. Critérios para admissão hospitalar: após a primeira crise convulsiva, febril e não febril:3 -idade menor de 1 ano; -glasgow <15 até uma hora após a convulsão; -não parece bem, irritabilidade, vômitos, letargia; -sinais meníngeos (como kernig, fotofobia, rigidez de nuca); -desconforto respiratório ou hipóxia; -convulsão complexa. Critérios de alta para casa -convulsão febril simples com normalização neurológica; -exclusão de infecção bacteriana grave que necessite de medicação endovenosa ou cuidados hospitalares; -entendimento por parte do cuidador e possibilidade de retornar se recorrer crise; -condições de seguimento para reavaliar a causa da febre. REFERÊNCIAS 1.GRAVES, R. C.; OEHLER, K.; TINGLE, L. E. Febrile seizures: risks, evaluation, and prognosis. Am Fam Physician, v. 85, n. 2, p. 149-53, Jan 15 2012. ISSN 0002-838x. Disponível em: < http://dx.doi.org/ >. 2.Neurodiagnostic evaluation of the child with a simple febrile seizure. Pediatrics, v. 127, n. 2, p. 389-94, Feb 2011. ISSN 0031-4005. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1542/peds.2010-3318 >. 3.HAMPERS, L. C.; SPINA, L. A. Evaluation and management of pediatric febrile seizures in the emergency department. Emerg Med Clin North Am, v. 29, n. 1, p. 83-93, Feb 2011. ISSN 07338627. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.emc.2010.08.008 >. 4. SULLIVAN, J. E.; FARRAR, H. C. Fever and antipyretic use in children. Pediatrics, v. 127, n. 3, p. 580-7, Mar 2011. ISSN 0031-4005. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1542/peds.2010-3852 >. 5. The Royal Children´s Hospital Melbourne. Febrile Convulsion. 2011. Disponível em: <http://www.rch.org.au/clinicalguide/guideline_index/Febrile_Convulsion/ >. 99 PÍTULO 18 CONVULSÃO AFEBRIL:AVALIAÇÃO DA CRIANÇA COM PRIMEIRA CRISE EPILÉPTICA NÃO-PROVOCADA CAMILA DOS SANTOS EL HALAL INTRODUÇÃO Conceito: Define-se como crise epiléptica um episódio, ou um aglomerado de episódios de descargas neuronais anormais paroxísticas que se manifestam com alterações motoras, sensoriais, autonômicas ou comportamentais ocorridos em um período de 24 horas1, 2. Crise epiléptica não-provocada é aquela em que não se identificam fatores deflagradores, tais como febre, infecções do sistema nervoso central, intoxicação ou traumatismos crânio-encefálicos 1, 3. Estes episódios podem ocorrer isoladamente e, portanto, nem sempre são sinal de um quadro de epilepsia 4 . Incidência/prevalência: Estima-se que a incidência de crises epilépticas nãoprovocadas únicas, ou seja, em pacientes que não evoluirão para diagnóstico que epilepsia, seja de 23-61 por 100.000 pessoas-ano 2,5. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Na avaliação inicial de um paciente com queixa de um episódio paroxístico, deve-se buscar determinar se o episódio de fato foi epiléptico. O Quadro 1 resume alguns dos principais diagnósticos diferenciais frente a um paciente com suspeita de crise epiléptica. A descrição cuidadosa do evento é de grande valor, e devem-se buscar informações a respeito de eventos precipitantes, sintomas premonitórios, semiologia do episódio, duração e descrição do período pósictal 1. Quadro 1. Diagnóstico Diferencial de Crises Epilépticas Síncope Crise de perda de fôlego Acidente vascular cerebral Estereotipias Tics Torcicolo paroxístico benigno Vertigem paroxística benigna Síndrome dos vômitos cíclicos Masturbação Síndrome de Sandifer 100 Spasmus nutans Crises Psicogênicas BRUE (Brief Resolved Unexplained Event) Fonte: O autor, 2016. INVESTIGAÇÃO Após feito o diagnóstico de crise epiléptica, o médico deve avaliar a necessidade de prosseguir a investigação do episódio. Exames Laboratoriais: Não existem evidências de que a realização de exames laboratoriais em crianças acima de 6 meses de idade que retornaram ao seu estado basal seja benéfica 5. Exames laboratoriais devem ser prescritos conforme a apresentação clínica do paciente, e se houver a presença de vômitos, diarréia, desidratação, ou se não houver retorno do paciente a sua condição basal 1, 5, 6. Exames toxicológicos devem ser considerados se houver a possibilidade de ingestão acidental de substância potencialmente tóxica 5, 6. Punção Lombar: A punção deve ser realizada de rotina em menores de 6 meses de idade, ou em crianças de qualquer faixa etária que se apresentem com alteração persistente do estado de consciência ou com sinais de irritação meníngea 1, 5. Eletroencefalograma: Descargas epileptiformes ou ondas lentas focais no eletroencefalograma (EEG) têm se mostrado preditores de recorrência de crises epilépticas, com estudos indicando risco de mais de 50% nessas crianças, quando comparadas a crianças com EEG normal (25% de risco de recorrência) 5. O EEG fornece informações que auxiliam no diagnóstico do evento, identificação de possível síndrome epiléptica, e predição de desfecho a longo prazo 4 Algumas alterações, como lentificações do traçado, podem ser transitórias e estar presentes nos primeiros dias após um episódio epiléptico devendo, portanto, ser interpretadas com cautela 5. Apesar do momento ideal para realização de EEG não estar claro na literatura, é consenso que este deve ser realizado após um primeiro episódio de crise epiléptica não-provocada. Neuroimagem: Até um terço das crianças que se apresentam com um primeiro episódio de crise epiléptica têm alterações na neuroimagem. Desse total, somente cerca de 2% têm alterações significativas ao exame, influenciando no manejo e, dentre estes, a maioria apresenta crises com componentes focais ou alterações ao exame neurológico 5. Assim, não há evidências suficientes para a realização de neuroimagem de rotina em pacientes que apresentaram um primeiro episódio epiléptico não-provocado. Se um estudo de neuroimagem for realizado, deve-se dar preferência, quando possível, à ressonância magnética 5, 101 As indicações de neuroimagem de urgência após um primeiro evento epiléptico são paresias que não se resolvem nas primeiras 24 horas após o evento, ou a persistência de alteração de sensório algumas horas após a crise 5. Devem realizar exame de neuroimagem5: crianças com alterações cognitivas ou motoras de etiologia desconhecida, alterações não-explicadas ao exame neurológico, crise de início parcial com ou sem generalização secundária, na presença de um EEG com alterações que não representem epilepsia parcial benigna da infância ou primariamente generalizada, ou em crianças menores de 1 ano. Fatores de risco para recorrência: O risco de recorrência de crise entre crianças com exame neurológico normal e sem história prévia de patologias neurológicas é de ao redor de 40% em 2 anos 8,9. O Quadro 2 traz os principais fatores de risco para recorrência de crises epilépticas 10. Quadro 2. Fatores de risco para recorrência de crises epilépticas não-provocadas História familiar de epilepsia História prévia de crise convulsiva febril Exame neurológico alterado Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor Crise epiléptica parcial EEG alterado TRATAMENTO ● O tratamento precoce com medicações antiepilépticas reduz o risco de recorrência no primeiro ano após o episódio 7 . ● Não há evidência de que, a longo prazo, o prognóstico em relação a remissão de crises se altere ou que haja redução de mortalidade quando comparado aos pacientes cujo tratamento foi iniciado após o segundo episódio 7, 11, . ● Não iniciar terapia medicamentosa após o primeiro episódio de crise epiléptica 11 , considerando-se os potenciais para efeitos das medicações e a falta de benefício a longo prazo. No entanto, cada caso deve ser avaliado isoladamente para se definir indicação terapêutica, levando-se em consideração a semiologia da crise e sua consequente relação com o risco de recorrência, consequências físicas e psicológicas de uma possível recorrência, além do desejo do paciente e de seus cuidadores 4, 11 REFERÊNCIAS 1. GHOFRANI, M. Approach To The First Unprovoked Seizure- PART I. Iran J Child Neurol. v. 7 n. 3, p.1-5. 2013 2. HAUSER, W.A.; BEGHI, E. First seizure definitions and worldwide incidence and mortality. Epilepsia. v.49, n.1, p. 8-12. 2008 3. NICOLE-CARVALHO, V.; HENRIQUES-SOUZA, A.M. Management of the first convulsive seizure. J Pediatr Rio de Janeiro. v.78, n.1, p. 14-8. 2002 4.WILDEN, J.A.; COHEN-GADOL, A.A. Evaluation of first nonfebrile seizures. Am Fam Physician. v. 86, n.4, p. 334-40. 2012 102 5. HIRTZ, D.; ASHWAL, S.; BERG, A., et al. Practice parameter: evaluating a first nonfebrile seizure in children: report of the quality standards subcommittee of the American Academy of Neurology, The Child Neurology Society, and The American Epilepsy Society. Neurology. v. 55, n. 5, p. 616-23. 2000 6. ASPASIA, M.B.P.; FARRELL, K.M.; CONNOLLY, M.M. Approach to a child with a first afebrile seizure. BC Medical Journal. v. 53, n. 6, p.274-7. 2011. 7. GHOFRANI, M. Approach To The First Unprovoked Seizure- PART II. Iran J Child Neurol. v. 7, n. 4, p.1-5. 2013 8. SHINNAR, S.; BERG, A.T.; MOSHÉ, S.L. et al. Risk of seizure recurrence following a first unprovoked seizure in childhood: a prospective study. Pediatrics. v. 85, n. 6. p. 1076-85. 1990 9. BERG, A.T. Risk of recurrence after a first unprovoked seizure. Epilepsia. v. 49, n. 1, p.13-8. 2008 10.WIEBE, S.; TÉLLEZ-ZENTENO, J.F.; SHAPIRO, M. An evidence-based approach to the first seizure. Epilepsia. v. 49, n. 1, p. 50-7. 11. HIRTZ, D.; BERG, A.; BETTIS,D.; et al. Practice parameter: treatment of the child with a first unprovoked seizure: Report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology and the Practice Committee of the Child Neurology Society. Neurology. v.60, n. 2, p.16675. 2003 103 CAPÍTULO 19 DENTIÇÃO: SAÚDE BUCAL DA CRIANÇA JACQUELINE WEBSTER REJANE B. DE LIMA INTRODUÇÃO O cuidado com a saúde bucal torna-se imprescindível para a manutenção da saúde geral do indivíduo. CÁRIE DENTÁRIA A cárie dentária é um processo de dissolução do esmalte e/ou dentina, causada por ação bacteriana na superfície do dente, resultado de uma má higiene bucal1. A mancha branca ativa, representa o primeiro sinal clínico da cárie, devido ao acúmulo do biofilme (placa) dental e tem aparência esbranquiçada com superfície opaca e rugosa (figura 1). Deve ser removida pela escova e pelo fio dental, bem como soluções enxaguatórias bucais com soluções antimicrobianas complementares à higiene bucal1. Figura 1. Placa dentária ou biofilme. É recomendada que a primeira consulta odontológica seja próxima ao nascimento do primeiro dente decíduo ou de leite, que ocorre geralmente entre 6 meses de idade e 12 meses 2. O exercício muscular durante a amamentação favorece a respiração nasal e previne grande parte dos problemas de desenvolvimento das arcadas e posicionamento dos dentes. Cárie precoce (cárie de mamadeira noturna): amamentação com açúcar na mamadeira ou quando a criança dorme com a mamadeira na boca e também relacionada ao uso prolongado de medicamentos contendo sacarose 1. Caso o hábito da chupeta já esteja instalado, deve-se procurar removê-lo antes dos 3 anos de idade, prevenindo as alterações e/ou possibilitando sua reversão natural (figura 2). 104 Figura 2. Mordida aberta anterior e mordida cruzada ___________________________________________________________________________ ERUPÇÃO DENTÁRIA O primeiro dente decíduo deve surgir na cavidade bucal em torno dos 6 meses de vida até os 12 meses. Após esse período deve ser investigado, pois há possibilidade (rara) de anodontia (ausência) (figura 3)3. A dentição decídua está completa por volta dos 24/30 meses de idade (Figura 4). Figura 3. Anodontia do dente 82 Figura 4. Ilustração da erupção dos dentes decíduos Dentes decíduos: são em número de 10 para cada arcada (totalizando 20 dentes decíduos), sendo quatro incisivos, dois caninos e quatro molares para cada arcada. Dentes permanentes são em número de 16 para cada arcada e começam a erupcionar em torno de seis anos de idade. Pode ocorrer: ● Dente natal já presente no nascimento ● Dente neonatal, presente nos primeiros trinta dias, podendo ser da série normal ou extranumerário. O exame clínico e radiográfico poderão indicar se o dente deverá permanecer na cavidade bucal da criança. Se houver risco de aspiração deverá ser removido4. 105 ___________________________________________________________________________ CÁRIE PRECOCE DA INFÂNCIA Uma das principais doenças bucais, a cárie dentária, quando ocorre em crianças menores de 3 anos, torna-se um importante alerta de risco, pois há maior probabilidade de ela desenvolver cárie na dentição decídua e permanente 5 . Cárie precoce da infância: expressão atual para a cárie de bebê, cárie de amamentação ou cárie de mamadeira. Figura 5. Cárie precoce da infância É um tipo peculiar de cárie avançada, que afeta a dentição decídua em criança bem jovem. Tem sempre um componente sociocultural relacionado à alimentação noturna e à ausência de higiene. Esse tipo de cárie tem característica própria de uma cárie incontrolável, Nos casos mais graves, chega a afetar também os incisivos inferiores. As lesões mais sérias estão também ligadas ao consumo abusivo de carboidratos. Sabe-se que o microrganismo com maior potencial cariogênico é o Estreptococos do Grupo Mutans. A contaminação da boca dos bebês pode acontecer, ainda, quando mães e adultos mal informados beijam as crianças na boca6. ___________________________________________________________________________ HIGIENE BUCAL Existem diversas dúvidas sobre a época ideal para iniciar a higiene bucal do bebê, além dos métodos a serem utilizados. Bebês sem dentes: a limpeza da cavidade bucal do bebê deve ser iniciada a partir dos primeiros dias de vida. A limpeza pode ser realizada com uma gaze ou fralda limpa embebida em água potável, passada delicadamente na gengiva e em toda mucosa oral, pelo menos uma vez ao dia. Bebês em fase de erupção dentária: iniciar o uso da escova dental macia com pasta contendo flúor. O uso do fio dental está indicado, uma vez ao dia, quando os dentes estão juntos. _____________________________________________________________________ GENGIVITE A gengivite é a inflamação do tecido gengival. No bebê, quando ela ocorre, está associada à má higiene bucal. O tratamento é o restabelecimento de uma adequada higiene do meio oral. 106 Figura 6.Gengivite. Gengivoestomatite herpética Caracteriza-se pelo surgimento de vesículas com base avermelhada e centro formado por depressão recoberta por uma membrana fibrinosa, resultante da necrose epitelial. É mais frequente em crianças de 1 a 5 anos de idade. Manifesta-se por toda a boca e é autolimitada, com duração de 10 a 14 dias. O tratamento consiste em medidas para reduzir o desconforto da criança tais como alimentação líquida e nutritiva e bochechos com substâncias anestésicas, para aliviar a sintomatologia dolorosa, quando da mastigação e deglutição 7. BRUXISMO O bruxismo é a movimentação repetitiva dos músculos da mastigação caracterizado por apertar e ranger os dentes. Tal condição é multifatorial, involuntária e parafuncional. Na literatura, as deficiências nutricionais, alergias, distúrbios endócrinos, presença de más oclusões e fatores psicossociais como medo, ansiedade e estresse elevados têm sido frequentemente apontados como possíveis causas da ocorrência de bruxismo em crianças. Além disso, em estudos recentes, associações significativas foram observadas entre bruxismo e fatores ambientais, condições do sono, aspectos psicológicos comportamentais como episódios de agressividade, perfeccionismo e hostilidade, além de presença de hábitos deletérios na infância como o hábito de morder objetos e o aleitamento prolongado8. Uma das principais características clínicas do bruxismo é o desgaste dental que se evidencia clinicamente na forma de facetas de desgaste, as quais variam de leve a grave e podem estar localizadas ou presentes em toda a dentição (Figura 8). O tratamento envolve a etiologia e envolve múltiplos profissionais. Figura 7. Desgaste dos dentes em criança com bruxsismo _____________________________________________________________________ TRAUMATISMO EM DENTES DECÍDUOS 107 Muitos são os fatores relacionados com os traumatismos dentários nas crianças, tais como: quedas (andar /correr), cair de objetos (cama, berço), bater em objetos (cama, mesa, escada), cair de objetos móveis (carrinho de bebê), acidente automobilístico e até mesmo devido a espancamento ou síndrome da criança espancada. A consulta quase sempre tem um caráter de urgência e os aspectos anamnésicos devem ser realizados com muita objetividade, onde perguntas devem ser priorizadas. Os aspectos clínicos da consulta devem observar não só o trauma dentário, mas a correta manipulação da mandíbula e da maxila com o intuito de perceber alguma possível fratura 9. Devido à íntima relação entre o ápice radicular do dente decíduo e o germe do dente permanente, algumas alterações no processo de erupção e de formação dentária devem ser consideradas 7. Manejo da Lesão traumática em: ● Dentição decídua • Se o traumatismo provocou mobilidade leve no dente e este não mudou de posição, não há necessidade de encaminhar imediatamente ao CirurgiãoDentista. Deve-se orientar aos pais darem alimentação líquida ou pastosa para a criança nas primeiras 48 horas. O Dentista deve ser procurado até 30 dias após o traumatismo, pois é necessário acompanhamento radiográfico e nos casos que envolvem fratura de estrutura dentária será feita a reabilitação. • Se o traumatismo for mais severo e o dente estiver com muita mobilidade e fora de posição, dificultando a oclusão dentária, a criança deve ser encaminhada ao atendimento dentário imediatamente. ● Em caso de avulsão dentária (quando o dente sai completamente do alvéolo), não é indicado o reimplante de dente decíduo 7. Se não houve laceração de tecidos moles que exijam sutura, os pais devem ser orientados a colocar gaze por 5 minutos sobre o local da avulsão para conter o sangramento e manter dieta líquida nas primeiras 24 horas. Posteriormente procurar atendimento odontológico para avaliação e acompanhamento 9. É comum a criança sofrer traumatismo nos incisivos superiores decíduos sem apresentar dor. Porém, em muitos casos a consequência desse traumatismo é a necrose do dente, provocando seu escurecimento. A necrose do dente decíduo pode afetar o dente permanente que está em formação. Os pais devem ser orientados a procurarem atendimento odontológico para a criança que apresente dente escurecido mesmo que ela não relate dor. Lesões traumáticas que afetam as regiões dos lábios, bochechas, língua e palato em crianças menores de 5 anos, deve-se suspeitar de abuso infantil 7. ● Em dentição permanente: Em caso de avulsão de dentes permanentes (o dente sai totalmente do alvéolo), tanto a equipe de saúde como os pais podem ter a seguinte conduta: pressionar o local com uma gaze por 5 minutos para reduzir o sangramento, pegar o dente pela coroa (ponta externa) e nunca pela raiz, lavar o dente com água (não esfregar), colocar o dente novamente na boca e, caso não se consiga 108 recolocá-lo, colocar o dente em um copo com leite ou soro fisiológico. Levar a criança imediatamente ao dentista 9. Figura 8. Intrusão dentária do incisivo Figura 9. Avulsão dentária A Assim, o conceito de saúde tornou-se muito mais complexo e relacionado com as várias dimensões que fazem parte do ser humano. Ter uma saúde perfeita é ter equilíbrio entre estas várias dimensões. Significa também ter qualidade de vida, bemestar e felicidade. Diante do exposto e certos de que um dos direitos do cidadão, o exercício da cidadania, está associado à manutenção das funções de mastigação, fala, respiração e deglutição e, respeitando os princípios da integralidade, equidade e universalidade, a odontologia exerce um papel importante dentro do contexto da assistência as pessoas usuárias do SUS. Da mesma forma se faz importante entendermos as áreas de atuação do cirurgião-dentista na saúde pública que são as Unidades Básicas de Saúde e os serviços que as compõem, os CEOs (Centro de Especialidades Odontológicas) e os Hospitais. REFERÊNCIAS 1 SILVA , J. B. O. R.; SOUZA, I. P. R. ; TURA, L. F. R. Saúde bucal da criança: manual de orientação para profissionais e estudantes da área da saúde. Campo Belo: Universidade José do Rosário Velano UNIFENAS, 2006. 2 AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Section of Pediatric Dentistry. Oral health risk assessment timing and establishment of the dental home. Pediatrics, Evanston, v. 111, n. 5, maio, p. 1113-1116, 2003. Disponível em: < http://pediatrics.aappublications.org/content/111/5/1113 .full.pdf+html >. Acesso em: 20 out.2016. 3 YKEDA, F.; RAMALHO, L. T. O. Atlas e texto interativo de histologia e embriologia bucal. São Paulo: UNESP, 2002. 4 ADEKOYA-SOFOWORA, C. A. Natal and neonatal teeth: a review. The Nigerian Postgraduate Medical Journal, Philadelphia, v. 15, n. 1, mar. p. 38-41,. 2008. 5 BRANDÃO, I. M. G. et al. Cárie precoce: influência de variáveis sócio-comportamentais e do locus de controle da saúde em um grupo de crianças de Araraquara, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p.1247-1456, jun. 2006. 6 OLIVEIRA, A. L. B. M; TORRES, J. M. Influência de medidas preventivas na infecção oral primária em crianças . Revista de Odontologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 26, n. 2, maio-ago. 2014. Disponível em:< http://arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/ revista_odontologia/pdf/maio_agosto_2014/Odonto_26_2014_133-141.pdf >. Acesso em:12 set. 2016. 7 BRASIL. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Gerência de Saúde Comunitária Atenção à saúde da criança de 0 a 12 anos. Porto Alegre : Hospital Nossa Senhora da Conceição, 2009. 8 FEITOSA, G. M. A. et al. Bruxismo na infância: perfil de comportamento, características do sono e sintomatologia. Revista Bahiana de Odontologia, Salvador, v. 7, n. 2, p. 94-104, jun. 2016. Disponível em:< https://www5.bahiana.edu.br/index.php/odontologia/article/view/918/621 >. Acesso em: 14 set. 2016. 9 FLORES, M. T. et al. Guideline for the management of traumatic dental injuries. III. Primary teeth. Dental Traumatology, Copenhagen, v. 23, n. 4, p. 196-202, jul. 2007. 109 CAPÍTULO 20 DEPRESSÃO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA BRENO MATTE INTRODUÇÃO Transtornos do humor começam cedo na vida, com a maioria dos primeiros episódios ocorrendo antes da vida adulta. Na faixa dos 10 aos 24 anos, a depressão está associada a pelo menos metade dos casos de suicídio e é o fator com maior carga global de doença entre todas as causas, correspondendo a mais de 8% dos anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs). A prevalência de episódios depressivos aumenta com a idade (1-2% ao longo da fase pré-escolar; 5-20% ao longo da adolescência). Após a puberdade, há um aumento da razão feminino:masculino de 1:1 na infância para 2:1 na adolescência, o que pode ter relação com fatores hormonais. A herdabilidade (proporção da variância do fenótipo que é relacionada com fatores genéticos) do transtorno é de aproximadamente 40%. Fatores de risco com componentes biológicos (história familiar de depressão, baixo peso ao nascer e doenças clínicas crônicas) e sociais (perdas, abuso e negligência, disfunção familiar, conflitos e frustrações) funcionam como mediadores da incidência e recorrência dos episódios, condicionados pelo grau de resiliência e pela maneira como o paciente enfrenta as adversidades. A maioria dos pacientes se recupera de um primeiro episódio de depressão, mas o transtorno tem uma tendência a ser recorrente (50% ou mais de recorrência em 5 anos). QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Em geral, sintomas depressivos são relatados de maneira mais confiável pelos pacientes do que por terceiros; ainda assim, obter informações de várias fontes (paciente, família, escola) é a melhor estratégia durante a avaliação. Os critérios diagnósticos (Tabela 1) tem algumas adaptações para crianças e adolescentes (como a possibilidade da irritabilidade ser um sintoma cardinal nesta fase do desenvolvimento), mas há vários sintomas (como culpa excessiva, indecisão e pensamentos de suicídio) pouco aplicáveis em crianças pequenas. Além disso, observa-se uma maior frequência de flutuações de sintomas, reatividade de humor e irritabilidade na depressão infantil, o que contribui para que ela seja menos detectada que a depressão em adultos. Mesmo os sintomas cardinais podem variar conforme a faixa etária: o humor deprimido pode ter maior variabilidade temporal em crianças pequenas (tornando 110 difícil a delimitação de um episódio) e pode ser expresso indiretamente como isolamento social em adolescentes. A anedonia pode apresentar-se como dificuldade de se divertir em crianças pequenas e como tédio em adolescentes. Os sintomas neurovegetativos da depressão são pouco frequentes em crianças pequenas. Diante de uma grande variabilidade na apresentação clínica não capturada pelos critérios diagnósticos, é importante estar atento a manifestações mais facilmente observáveis, como mudanças no padrão de sono, irritabilidade, queda no desempenho escolar e diminuição no convívio social. O uso de escalas (CDRS, CDI) e de entrevistas semiestruturadas (KSADS, DAWBA) pode ser um auxiliar interessante para o diagnóstico de depressão. Tabela 1.Critérios diagnósticos para Depressão – DSM-5 Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança em relação ao funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste, vazio, sem esperança) ou por observação feita por outras 1 pessoas (p. ex., parece choroso). (Nota: em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável) Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicada por relato subjetivo ou observação feita por outras 2 pessoas). Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma alteração de mais de 5% do peso corporal em um mês), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias. 3 (Nota: em crianças, considerar o insucesso em obter o ganho de peso esperado) Insônia ou hipersonia quase todos os dias. 4 Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas, não 5 meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento). Fadiga ou perda de energia quase todos os dias. 6 Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) 7 quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente). Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase todos os dias (por 8 relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas). Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente 9 sem um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica. A ocorrência do episódio depressivo maior não é mais bem explicada por transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante, outro transtorno do espectro da esquizofrenia e outro transtorno psicótico especificado ou transtorno da esquizofrenia e outro transtorno psicótico não especificado. Nunca houve um episódio maníaco ou um episódio hipomaníaco (exceto mania induzida por substância ou secundária a outra condição médica). O diagnóstico diferencial de depressão é extenso: 111 A B C D E ● A tristeza é um sentimento normal, mas pouco tolerado por questões culturais contemporâneas, e deve ser diferenciada da síndrome depressiva. ● Várias condições clínicas, como hipotireoidismo, anemia, infecções, câncer e doenças autoimunes, podem causar quadros semelhantes à depressão. ● O Transtorno de Ajustamento é uma reação de humor a um estressor identificável que se inicia até 3 meses depois do estressor ocorrer e cessa em até 6 meses após o término do estressor, não gerando sintomas e prejuízo suficientes para se diagnosticar um episódio depressivo pleno. ● Outros transtornos psiquiátricos, como Transtorno de Oposição e Desafio e Abuso de Substâncias, podem associar-se a alguns sintomas semelhantes aos da Depressão. ● Uma área problemática é a avaliação de sintomas depressivos em pacientes com Deficiência Intelectual, que costumam ter sintomas em múltiplos domínios. ● Ainda mais desafiante (mas extremamente importante em função das implicações no tratamento) é a diferenciação entre episódio depressivo unipolar e bipolar. É necessário avaliar cuidadosamente se já houve na vida do paciente episódios maníacos ou hipomaníacos e estar especialmente atento diante de pacientes com história familiar de Transtorno Bipolar ou Psicose (Tabela 2). Quando há depressão bipolar, o tratamento medicamentoso é baseado não em antidepressivos, mas em estabilizadores de humor e antipsicóticos atípicos. Tabela 2. Critérios diagnósticos para Episódio Maníaco - DSM-5 Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável e aumento anormal e persistente da atividade dirigida a objetivos ou da energia, com duração A mínima de uma semana e presente na maior parte do dia, quase todos os dias (ou qualquer duração, se a hospitalização se fizer necessária). Durante o período de perturbação do humor e aumento da energia ou atividade, 3 (ou mais) dos seguintes sintomas (4 se o humor é apenas irritável) estão presentes em grau significativo e representam uma mudança notável do comportamento habitual: 1 Autoestima inflada ou grandiosidade. Redução da necessidade de sono (p. ex., sente-se descansado com apenas três horas de sono). 2 Mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando. 3 Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados. 4 Distratibilidade (i.e., a atenção é desviada muito facilmente por estímulos externos 5 insignificantes ou irrelevantes), conforme relatado ou observado. Aumento da atividade dirigida a objetivos (seja socialmente, no trabalho ou escola, seja 6 sexualmente) ou agitação psicomotora (i.e., atividade sem propósito não dirigida a objetivos). Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas (p. ex., envolvimento em surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos 7 financeiros insensatos). A perturbação do humor é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional ou para necessitar de hospitalização a fim de prevenir dano a si mesmo ou a outras pessoas, ou existem características psicóticas. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento, outro tratamento) ou a outra condição médica. Nota: para episódios hipomaníacos, a duração mínima é de 4 dias. 112 B C D As comorbidades psiquiátricas estão presentes em mais da metade dos casos de depressão avaliados em contextos clínicos. As mais frequentes são: ● Transtornos de Ansiedade, TDAH, Transtorno de Oposição e Desafio e Transtornos por Uso de Substâncias (em adolescentes). Diante de um quadro de depressão, é importante avaliar se há risco de suicídio. Uma triagem com boa sensibilidade e especificidade para risco de suicídio em crianças e adolescentes deprimidos pode ser feita com algumas perguntas sobre as últimas semanas: • Pensamentos de que o paciente ou sua família estariam melhor se o paciente estivesse morto? Desejo de morrer? Pensamentos de suicídio? • História de tentativa de suicídio prévia na vida? • Presença de pensamentos de suicídio ocorrendo no momento da avaliação? • Em crianças e adolescentes, são frequentes as autolesões superficiais com objetivo de aliviar sentimentos negativos. Tais situações certamente requerem tratamento, mas usualmente não representam risco de vida agudo. • Situações mais graves, como depressão com sintomas psicóticos, ideação suicida intensa, plano de suicídio bem estruturado, comportamento autolesivo grave ou tentativa de suicídio recente, são consideradas emergências psiquiátricas e devem ser encaminhadas para avaliação especializada com brevidade, de preferência em um serviço de emergência psiquiátrica que tenha estrutura para atendimento de situações de risco e possibilidade de indicação de internação psiquiátrica, caso necessário. TRATAMENTO Psicoeducação, suporte para a família, avaliação de comorbidades e monitoramento de situações de risco devem fazer parte de todos os acompanhamentos. ● Episódios depressivos leves podem ser tratados com medidas pouco específicas, como psicoeducação, medidas de suporte contra estressores ambientais específicos e programas de exercício físico. ● Episódios de gravidade moderada exigem medidas mais específicas. Em termos de psicoterapia sistemática, há evidências de eficácia de Terapia CognitivoComportamental (TCC) e Terapia Interpessoal (TIP), com tamanho de efeito pequeno a moderado sobre sintomas depressivos. Abordagens psicodinâmicas, ainda que frequentemente utilizadas, foram pouco testadas em ensaios clínicos. • Episódios moderados a graves podem ser tratados com medicação, psicoterapia ou uma combinação de ambas, não havendo ainda evidências suficientes para uma recomendação formal de qual é o melhor regime para o tratamento inicial destes casos, já que todas as modalidades parecem ter 113 • • • • • tamanho de efeito apenas moderado, e as taxas de resposta a placebo são muito grandes nesta faixa etária. Caso a medicação seja indicada, o que ocorre com muita frequência no âmbito da saúde pública, dada a dificuldade de acesso a psicoterapias individuais sistemáticas pela rede de saúde, as opções mais usadas estão na Tabela 3. Paroxetina e antidepresivos tricíclicos (amitriptilina, imiptramina, nortriptilina, clomipramina), agentes frequentemente usados em adultos, não se mostraram mais eficazes que placebo em crianças e adolescentes. Fluoxetina é sugerida como uma primeira escolha (70-80% dos pacientes tem uma resposta clínica e aproximadamente 50% atingem a remissão). Remissão (não só ter resposta clínica) deve ser sempre o objetivo do tratamento agudo, já que pacientes que continuam com sintomas residuais tem mais chance de recorrência no futuro e de cronificação do quadro. Os antidepressivos costumam demorar 2 semanas ou mais para fazer efeito. Havendo resposta sem remissão completa, na ausência de efeitos adversos limitantes, é razoável um aumento de dose a cada 4-6 semanas. Tabela 3. Antidepressivos mais usados para tratar depressão em crianças e adolescentes Medicação Dose Efeitos adversos principais 20 – 60 mg/dia 1x/dia (em casos selecionados, o Fluoxetina uso cuidadoso de doses maiores pode ser indicado em adolescentes) Escitalopram 10 – 30 mg/dia 1x/dia Citalopram 20 – 60 mg/dia 1x/dia Sertralina 50 – 200 mg/dia 1x/dia Venlafaxina 37,5 – 225 mg/dia 2x/dia (há formulações de liberação estendida para uso 1x/dia) Duloxetina 20 – 40 mg/dia 1x/dia Bupropiona 3 – 6 mg/kg/dia 2x/dia (há formulações de liberação estendida para uso 1x/dia) 114 Mudanças de apetite e peso (para mais ou para menos), insônia, sedação, náusea, diarréia, constipação, boca seca, cefaléia, tontura, tremores, agitação, efeitos adversos sexuais, acatisia, desinibição de comportamento. Mais raros: sangramentos, hiponatremia, hipotensão. Cefaleia, nervosismo, diminuição de apetite, insônia, sedação, náusea, diarréia, sudorese, hiponatremia, SIADH, aumento de pressão arterial (dose-dependente), síndrome de abstinência se retirada brusca. Náusea, diarréia, diminuição de apetite, boca seca, constipação, sedação, sudorese, insônia, aumento discreto na pressão arterial, retenção urinária, síndrome de abstinência se retirada brusca. Boca seca, constipação, náusea, diminuição de apetite e peso, mialgia, insônia, tontura, cefaléia, agitação, ansiedade, tremor, dor abdominal, sudorese, rash, aumento de pressão arterial, convulsões. Em casos resistentes ao tratamento agudo, sem melhora após 6-12 semanas, é importante uma reavaliação do diagnóstico, das comorbidades, da adesão ao tratamento e da presença de estressores psicossociais. Neste ponto, casos que vinham sendo tratados somente com psicoterapia devem ter recomendação de uso de medicação concomitante, e casos que vinham recebendo somente medicação talvez devam ter acréscimo de psicoterapia. Além disso, é recomendável uma troca do antidepressivo por outro inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS) ou venlafaxina. Depois de atingida a remissão dos sintomas, é recomendável a continuação do tratamento por 6-12 meses usando o mesmo regime do tratamento agudo; a fase de continuação tem o objetivo de evitar as recaídas, que são frequentes quando a medicação é suspensa precocemente. Terminada a fase de continuação, considera-se que o paciente esteja recuperado do episódio depressivo, e é razoável uma suspensão gradual da medicação (redução de até 25% da dose por semana) para a maioria dos pacientes, mantendo a vigilância sobre sinais de recorrência. Em alguns casos mais graves (quando já houve mais de dois episódios depressivos prévios ou quando o episódio tratado foi muito grave, com sintomas psicóticos ou alto risco de suicídio), é indicado um tratamento de manutenção após o término da fase de continuação, por mais 1-3 anos. REFERÊNCIAS 1.BROWN, H.E.; PEARSON, N.; BRAITHWAITE, R.E., et al. Physical activity interventions and depression in children and adolescents: a systematic review and meta-analysis. Sports Med. v. 43, p. 195-206, 2013. 2.COX, G.R.; CALLAHAN, P.; CHURCHILL, R., et al. Psychological therapies versus antidepressant medication, alone and in combination for depression in children and adolescents. Cochrane Database Syst Rev 11:CD008324, 2013. 3.GORE, F.M.; BLOEM, P.J.; PATTON, G.C., et al. Global burden of disease in young people aged 10-24 years: a systematic analysis. Lancet. v.377, p. 2093-102, 2011. 4.MAALOUF, F.T.; BRENT, D.A. Child and adolescent depression intervention overview: what works, for whom and how well? Child Adolesc Psychiatr Clin N Am. v 21, p. 299-312, 2012. 5.ROCHA, T.B.M.; ZENI, C.P.; CAETANO, S.C., et al. Mood disorders in childhood and adolescence. Rev Bras Psiq. v.35, p. 822-831, 2013. 6.THAPAR, A.; COLLISHAW, S.; PINE, D.S., et al. Depression in adolescence. Lancet. v. 379, p. 1056-67, 2012. 7.THE AACAP WORK GROUP ON QUALITY ISSUES. Practice Parameter for the Assessment and Treatment of Children and Adolescents With Depressive Disorders. J. Am. Acad. Child Adolesc. Psychiatry. v.46, n.11, p. 1503-1526, 2007. 115 CAPÍTULO 21 DERMATOSES MAIS COMUNS NA ADOLESCÊNCIA INFÂNCIA E ROSANE MERG DERMATITE ATÓPICA Definição: Dermatose inflamatória crônica com períodos de recorrência e relação com crises de asma e rinite alérgica ou urticárias. Mostra-se como eczema pruriginoso recorrente, que geralmente inicia-se na infância. Dos casos, 80% apresentam antecedentes familiares e/ou pessoais de atopia1,2. Patogênese: Há um limiar de reatividade anômalo a inúmeros antígenos. É multifatorial: fatores genéticos, imunológicos, não imunológicos e ambientais. Os valores da imunoglobulina E (IgE) são elevados em 80% dos casos, Ocorre maior suscetibilidade a infecções virais, fúngicas e bacterianas. O Staphylococcus aureus é encontrado em 90% das lesões de pele de pacientes com dermatite atópica, e somente em 5% de pessoas saudáveis. DIAGNÓSTICO Clínico: A partir da anamnese e morfotopografia das lesões com presença de prurido, cronicidade e história familiar e pessoal de atopia. TRATAMENTO • Educação do paciente e seus familiares no sentido de esclarecer a natureza crônica da doença, buscando transmitir orientações de autocuidados e informações atualizadas sobre o tratamento. • Orientações quanto fatores desencadeantes: usar sabões de glicerina neutro para roupa em geral, lavar roupas novas antes de usar, fazer banhos rápidos com água morna, tecido de algodão a 100%; sabonetes e xampus a base de aveia e sem perfume. Não são recomendados banhos de imersão. • Hidratação da pele ( cremes de aveia). Para restabelecer a barreira cutânea Medicamentos tópicos: Corticóides: Em crianças menores de 2 anos usar de baixa potência (ex. hidrocortisona). Crianças acima de 2 anos,baixa e média potência (ex. valerato de dexamentasona, desonide).Corticóides de alta potência para adultos e adolescentes (ex. valerato de betametasona).2 Imunomoduladores: pimecrolimus 1 % creme, tacrolimus 0,03 – 1% pomada. Indicados nos casos menos intensos ou regiões com maior risco de efeitos colaterais aos corticóides e ainda em caso de manutenção. Antibióticos em lesões infectadas: mupirocina a 2%, acido fusídico a 2%, gentamicina 0,1%, antissépticos , triclosan , permanganato de potássio. ___________________________________________________________________ DERMATITE SEBORREICA 116 Definição: Afecção crônica, recorrente, acomentendo regiões ricas em glândulas sebáceas. Etiologia: Não é completamente conhecida. Fatores predisponentes: predisposição familiar, calor, umidade. Fator desencadeante ou agravante: tensão emocional, a presença de Malassezia furfur e no lactente, a presença de Candida albicans. Não há relação alimentar. A deficiência de zinco faz um quadro similar.2,3 Tratamento • Couro cabeludo: remover escamas com óleo mineral, loção de corticoides de baixa ou média potencia. Associar com antifúngico, sabonetes ou xampu anti-seborreicos. • Tronco e áreas de dobras: creme de corticóides com antibacteriano e antimicótico, cremes ou pastas protetoras, terapia sistêmica nos quadros graves com prednisona. ___________________________________________________________________ ESCABIOSE (Sarna) Tem como agente etiológico o Sarcoptes scabiei variedade hominis. O aparecimento da erupção pruriginosa ocorre após um período de incubação de 3 a 4 semanas. Quadro Clínico: O prurido é elemento fundamental. As causas do prurido são alérgicas ou mecânicas. A lesão típica são pápulo-eritematosas ou eritematocrostosas, sulcos subcórneos, eminência acarina.4 Diagnóstico A partir da característica das lesões em áreas típicas e prurido noturno intenso. Áreas afetadas como os espaços interdigitais da mão, a superfície de flexão do punho, cotovelos, genitália, axila, umbigo, linha da cintura, mamilos e nádegas. Na criança, a escabiose também pode envolver a cabeça e o pescoço. Em bebês a erupção pode ser generalizada, envolvendo a cabeça, pescoço, face, palmas e solas, com uma tendência precoce para a formação de pústulas. Ainda, a história de prurido familiar e a prova terapêutica contribuem para o diagnóstico7. Tratamento Tópico: Benzoato de benzila (acarsan), Lindano (nedax®), deltametrina a 10% (detacid®), Permetrina a 5% (Nedax plus®). Usar à noite e repetir em sete dias Antibióticos como cefalosporina na exacerbação da afecção e resistência ao tratamento, Anti-histamínico eletivo para prurido Oral: Ivermectina 200mcg/kg dose única ( comprimidos de 6mg), em crianças acima de 5 anos ou 15 kg, Profilaxia: Tratamento dos contatos . ___________________________________________________________________ TINHA DO COURO CABELUDO OU CAPITIS Tinha é uma infecção superficial da pele, couro cabeludo, unhas ou cabelo causada por fungos que invadem o estrato córneo e usam a queratina como nutriente. Há 3 117 gêneros: Trichophyton, Epidermophyton e Microsporum. É uma dermatofitose comum em crianças e altamente contagiosa. É adquirida a partir de contato com indivíduos, cães ou gatos infectados e pela terra.5 Tratamento Tópicos; Cetoconazol xampu, Sistêmicos griseofulvina 15 a 20 mg/kg/dia, terbinafina:250 mg/kg/dia, fluconazol, itraconazol por 3-6 semanas.5 ___________________________________________________________________ ACNE Acne é uma doença de pele bastante frequente, que acomete a maior parte dos adolescentes. As principais modificações que ocorrem na pele e nos cabelos estão relacionadas à atividade hormonal que se inicia nessa fase. A acne deve ser tratada o mais precocemente possível: O controle dessa doença é recomendável não só por razões estéticas, como também para preservar a saúde da pele e a saúde psíquica, além de prevenir cicatrizes. Noções e recomendações essenciais para o controle da acne Pode ocorrer piora relacionada ao estresse, período menstrual, certos medicamentos como os corticóides, exposição exagerada ao sol, contato com óleos, graxas ou produtos gordurosos, época do ano (pode piorar no inverno) e, principalmente, ao hábito de mexer nas lesões (“espremer cravos e espinhas”).O bom cuidado começa com higiene adequada da pele com um sabonete ou produto de limpeza indicado. Acne não se relaciona diretamente com a alimentação e, apesar de vários tabus, não é necessária nenhuma dieta ou restrição alimentar para seu tratamento. Tratamento Em formas leves o tratamento pode ser apenas local, com inúmeros produtos existentes no mercado, isolados ou combinados como ácido salicílico, peróxido de benzoíla, retinoides (tretinoína, adaptaleno). Os antibióticos tópicos, clindamicina e eritromicina, podem ser usados, de preferência, associados no mesmo produto aos retinoides ou peróxido de benzoíla. Com a piora do quadro, associa-se o tratamento, por via oral,com antibióticos específicos, da classe das ciclinas (tetraciclina, doxiciclina, minociclina, limeciclina) ou macrolídeos (eritromicina), sempre associados ao tratamento local com retinoides ou peróxido de benzoíla ou ácido azeláico6. REFERÊNCIAS 1.CASTRO, A.P.B.M, SOLÉ , D e cols. Guia prático para o manejo da dermatite atópica: opinião conjunta de especialistas em alergologia da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia e da Sociedade Brasileira de Pediatria. Rev Bras Alergia Imunopatol. v.29,p.268-82, 2006. 2.Portal da sociedade brasileira de dermatologia. http://www.sbd.org.br/doencas/dermatiteseborreica-2/ Acesso em: 19 dez.2016. 3.FLEISCHER, A.B, Diagnosis and Management of Common Dermatoses in Children: Atopic, Seborrheic, and Contact Dermatitis. Clin Pediatr (Phila). v.47,n. 33,p. 1-16.2008. 4. GOLANT ,A.K.; LEVITT J. Scabies : A Review of Diagnosis and Management Based on Mite Biology. Pediatrics in Review.v.33, p.1-14 ,2012 DOI: 10.1542/pir.33-1-e1 5. SHY R.Tinea Corporis and Tinea Capitis. Pediatrics in Review. v..28, n.5, 2007. 118 6. YEO L; ORMEROD A.Treatment of Acne in Children. Am J Clin Dermatol. v. 15, n.77–86. 2014. DOI 10.1007/s40257-013-0057-1 7. ANDREWS, R.M. et al. Skin Disorders, Including Pyoderma, Scabies, and Tinea Infections. Pediatr Clin N Am. v. 56, p.1421–1440, 2009. 119 CAPITULO 22 DIABETES MELLITUS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA MÁRCIA PUÑALES; CÉSAR GEREMIA; MARINA BRESSIANI MARIANA GASSEN DOS SANTOS; CLAÚDIA SCHURR INTRODUÇÃO Conceito: O DM é uma doença crônica caracterizada por hiperglicemia secundária a distúrbios na secreção pancreática (diabetes mellitus tipo 1- DM1) e/ou ação da insulina (diabetes mellitus tipo 2 -DM2). Classifica-se em DM2, DM1, DM gestacional e outras formas de diabetes (diabetes monogênico, drogas, doenças pancreáticas, endocrinopatias, infecções e síndromes genéticas). A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação aguda grave em pacientes com DM1. CAD é a principal causa de morte em indivíduos com DM1. Prevalência: O DM2 afeta aproximadamente 90-95% da população mundial e o DM1 ocorre em 5-10% dos casos diagnosticados. Na infância, adolescência e adulto jovem a principal forma de diabetes é o DM1. DM1 tem sido diagnosticado também em crianças em idades mais precoces e apresenta um incremento anual na incidência de 3,0%. Nos dias atuais, devido ao aumento da epidemia da obesidade infantil, o DM2 tem sido cada vez mais diagnosticado na população pediátrica. A CAD ocorre como primo-manifestação em 15 a 67% dos novos-casos, principalmente em crianças menores de 4 anos. Estima-se um risco anual de 1 a 10% em crianças e adolescentes com diagnóstico prévio de DM1, sendo as infecções e omissão de doses de insulina as principais responsáveis por esses episódios. Fisiopatologia: A deficiência absoluta ou relativa de insulina, associada ao aumento de hormônios contrarreguladores (cortisol, glucagon, adrenalina e hormônio do crescimento), leva ao aumento do catabolismo e hiperglicemia. A hiperglicemia crônica ocasiona aumento da osmolaridade plasmática, desviando fluidos do intracelular para o extracelular e levando à desidratação. Ao atingir níveis acima de 180mg/dl, a glicemia ultrapassa o limiar de reabsorção renal, provocando glicosúria, diurese osmótica e consequentemente perda de água e de eletrólitos (Na, K, P, Mg). Essas alterações associadas à diminuição da ingestão e vômitos podem levar a grave desequilíbrio hidroeletrolítico e desidratação. A falta da insulina, associada à aceleração do catabolismo, causa lipólise, com consequente aumento da oxidação hepática de ácidos graxos em corpos cetônicos, ocasionando a cetonemia e acidose metabólica (CAD) 120 QUADRO CLÍNICO As manifestações clínicas referentes à hiperglicemia crônica são poliúria, polifagia e polidipsia. E se não for realizado o tratamento com insulina imediatamente, podem evoluir com náuseas, vômitos, anorexia progressiva, emagrecimento, visão turva, dor abdominal, cansaço, sinais de desidratação, alteração do sensório (sonolência, obnubilação), respiração rápida e profunda (Kussmaul), hálito cetônico e febre (associada a processo infeccioso bacteriano ou viral). No DM1, as manifestações clínicas são abruptas, enquanto no DM2 são de forma insidiosa. O edema cerebral é a complicação mais grave da CAD e ocorre em 1 a 2% dos casos e elevada morbimortalidade (40 a 90%), sendo mais prevalente em crianças menores de 5 anos e primo-diagnóstico. Geralmente ocorre 4 a 12 horas após o início do tratamento e as manifestações clínicas são cefaléia, diminuição da consciência, de evolução rápida e deterioração do sensório, pupilas dilatadas, bradicardia e parada respiratória. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de diabetes baseia-se na dosagem da glicemia de jejum de 8 horas, com níveis de glicemia ≥126mg/dL (tabela1), confirmada em pelo menos duas ocasiões na ausência de sinais característicos de hiperglicemia (poliúria, polidipsia e polifagia) ou teste de tolerância oral à glicose (1,75g/m2 até 75g) em 2 horas ≥200mg/dL ou hemoglobina glicada A1c ≥6,5% (método certificado NGSP-National Glycohemoglobin Standardization Program) ou dosagem de uma glicemia casual ≥200mg/dL, na presença de sinais e sintomas clássicos. A CAD é definida por hiperglicemia > 200mg/dL, acidose metabólica (pH venoso <7,3 ou bicarbonato <15 mmol/L), com aumento de anion gap, associado a cetonemia, cetonúria e glicosúria. Quando existir dúvida no diagnóstico do tipo de diabetes (DM1, DM2 ou monogênico), a dosagem de marcadores sorológicos, associados ao DM1, auxiliam no diagnóstico: Anticorpos anti-ilhotas pancreáticas (ICA), anti-insulina (IAA), antitirosina fosfatase (IA2), antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD) e transportador zinco-8 (ZnT-8). A dosagem do peptídeo C, que avalia a reserva de insulina, também é útil no diagnóstico diferencial, estando baixo ou indetectável no DM1, normal ou aumentado no DM2. Tabela 1. Critérios diagnósticos do diabetes mellitus: 121 TRATAMENTO O tratamento do diabetes visa manter um bom controle metabólico, diminuir as internações por complicações agudas como hipoglicemias, principalmente as graves e noturnas, e cetoacidoses, prevenir ou postergar as complicações crônicas (microvasculares e macrovasculares), diminuir a ocorrência de problemas psicossociais (depressão, transtornos alimentares, desajuste social) e estimular a adoção de hábitos de vida saudável. ● Insulinoterapia em esquema intensivo (basal-bolus), seja com múltiplas aplicações de insulina ao dia, seja com sistema de infusão contínua de insulina. ● Terapia nutricional com contagem de carboidratos, prática de atividade física regular e planejada e automonitorização. ● O objetivo do tratamento do DM é manter as glicemias ao longo do dia dentre os limites da normalidade, evitando ao máximo a ampla variabilidade glicêmica. A American Diabetes Association (ADA), International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes (ISPAD) e Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) recomenda como metas glicêmicas: ● Glicemia pré-prandial entre 90 e 145 mg/dl e A1c < 7,5% para crianças e adolescentes (0-18 anos): ● Glicemia pré-prandial entre 80 e 130 mg/dl e A1c < 7,0% ou <6,5%, para adultos (>19 anos). Os principais pilares do tratamento são: 1. Insulina: A reposição de insulina em esquema basal-bolus inclui uma insulina basal, responsável em evitar a lipólise e a liberação hepática de glicose no período interdigestivo e uma insulina prandial (bolus refeição) associada a doses complementares de insulina para corrigir as hiperglicemias (pré ou interprandiais bolus correção). A dose de insulina total diária recomendada deve ser individualizada (idade, peso corporal, estadio puberal, duração e fase do diabetes, estado do local de aplicação de insulina, ingestão de alimentos e sua distribuição, principalmente carboidratos, resultados da automonitorização e da hemoglobina glicada A1c, rotina diária e das intercorrências como infecções e dias de doença) e está demonstrada na tabela 2. A dose total de insulina diária recomendada em indivíduos com DM1: • varia de 0,5 a 1U/kg/dia, sendo 50-60% insulina basal (NPH: 2-4x dia, Glargina: 1 x dia, Detemir: 1-2 x dia ou Tresiba: 1x dia) • e 40-50% insulina bolus (Lispro, Asparte ou Glulisina, antes das principais refeições: 3-4 x dia). Tabela 2. Doses de insulina total diária recomendada em diferentes situações 122 LOCAIS DE APLICAÇÃO DA INSULINA: A aplicação de insulina deve ser realizada através de rodízio planejado dos locais de aplicação para evitar as lipo-hipertrofias: Região posterior do braço (mais gordura); vastos lateral das coxas (vasto medial dói ao caminhar); abdome,mas aplicar distante do umbigo (tecido pouco resistente com absorção irregular); nádegas nos quadrante laterais superiores. A lipo-hipertrofia, visualizada como nódulo, é o principal efeito adverso do tratamento intensivo com insulina, ocorrendo em aproximadamente 50% dos casos. Nessas áreas ou regiões de aplicação, a insulina pode ser absorvida de forma errática, ocasionar oscilações glicêmicas e prejudicar controle glicêmico. A monitorização da glicemia capilar domiciliar (automonitorização) deve ser realizada pelo menos 3-5 vezes ao dia, antes das principais refeições e ocasionalmente pós-prandiais, ao deitar, na madrugada, antes do exercício físico e após episódios de hipoglicemia. 2. Plano Alimentar: O plano alimentar deve ser balanceado (qualidade, quantidade e horários) e individualizado, distribuído em: 50 a 60% de carboidratos, 10 a 20% de proteínas e 25 a 30% de lipídeos (<10% do total de gordura saturada e <300 mg/dia de colesterol). Prefere-se o plano alimentar baseado na contagem de carboidratos (maior efeito na glicemia), ajustando a dose da insulina de ação rápida (Regular) ou ultrarrápida (Lispro, Asparte ou Glulisina) de acordo com a quantidade de carboidrato ingerida em cada refeição. 3. Atividade Física: Recomenda-se a prática de atividade física regular (três ou mais vezes por semana) e planejada de pelo menos 150 minutos/semana. Crianças menores devem ser estimuladas a realizar diariamente atividades lúdicas (brincar, pular corda, andar de bicicleta, entre outras). TRATAMENTO da CETOACIDOSE Visa a correção da desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos, equilíbrio ácido-básico e hiperglicemia e identificação e tratamento dos fatores precipitantes (infecções, situações estresse). • A forma grave de CAD deve ser manejada em unidades de terapia intensiva, pois requerem monitorização e cuidados especiais; • A correção da desidratação e distúrbios hidroeletrolítico é realizada através de duas fases: fase inicial de expansão rápida de 1 a 4 horas; fase de manutenção e reposição de perdas, mais lenta de 20 a 22 horas. • Líquidos: repor perdas com soro fisiológico 0.9% 10-20mL/kg em 1-2 horas. Repetir ou administrar em menor tempo se o paciente estiver muito desidratado ou em choque hipovolêmico; 123 • • • • A reexpansão inicial usualmente não deve exceder 40ml/kg nas primeiras 4 horas de tratamento. Manter subsequente administração de líquidos com solução salina 0,9% ao redor de 2.000 ml/m2/dia; A reposição de potássio deverá ser iniciada junto com a reidratação inicial, antes do início da insulinoterapia numa dose de 20-40 mEq/l, se o potássio estiver normal ou diminuído e ajustado de acordo aos níveis séricos de normalidade. Se hipercalemia, aguardar diurese e os níveis normalizarem. Na grande maioria dos casos não é necessária reposição de fosfato; Iniciar tratamento com insulina 1 a 2 horas após o início da expansão volumétrica rápida inicial, na dose de 0,05-0,1U/Kg/h em infusão endovenosa contínua, em uma velocidade de 1 ml/Kg/h (0,1 UI/Kg/h) em bomba de infusão; O objetivo inicial é corrigir a acidose e manter a glicemia entre 150-250 mg/dl durante a infusão com insulina contínua; ● Ao atingir valores de 250mg/dl, adiciona-se solução glicossalina; ● Se não for possível a infusão endovenosa e em situações de CAD não complicada, a administração de insulina de ação rápida ou análogo de ação ultrarrápida subcutânea ou intramuscular a cada 1 a 2 horas na dose de 0,1-0,15U/Kg pode ser uma boa opção terapêutica; ● Quando a glicemia estiver <250mg/dl, inicia-se a reposição via oral de fluidos e a infusão de insulina pode ser reduzida para 0,05U/Kg/h. A acidose é reversível pela hidratação e tratamento com insulina. SEGUIMENTO As complicações crônicas do diabetes causam grande morbimortalidade, sendo decorrentes do tempo de diabetes, tempo de mau controle, fatores genéticos e presença de doenças associadas como hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, sedentarismo e tabagismo. O tratamento intensivo em esquema basal-bolus reduz de forma significativa o desenvolvimento das complicações crônicas micro e macrovasculares. Os pacientes com DM1 necessitam de atendimento por uma equipe multi e interdisciplinar (endocrinologista, oftalmologista, pediatra, nefrologista, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, assistente social, dentista e educador físico) com consultas frequentes e atendimentos em ambulatório ou hospital-dia. Nas consultas, avaliam-se o controle glicêmico (diário de anotações e glicosímetro), o resultado da hemoglobina glicada (0-18 anos: <7,5% e ≥19 anos: 7,0%), a presença de complicações agudas (hipoglicemia e cetoacidose) e o crescimento (curvas) e sinais puberais. O rastreamento de patologias associadas como hipotireoidismo (tireoidite de Hashimoto) e doença celíaca deve ser realizado anualmente com dosagens de TSH e anticorpos tireoidianos e anticorpo antitransglutaminase IgA. Além disso, dependendo do tempo de diabetes e idade do paciente, deve ser realizado o rastreamento anual das complicações crônicas (neuropatia: exame pés, nefropatia: 124 creatina sérica, albuminúria e creatininúria amostra, retinopatia: exame de fundo de olho) e em casos específicos a investigação de doença macrovascular (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e trombose) e neuropatia autonômica, com exames laboratoriais e específicos. REFERÊNCIAS 1 INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION. Diabetes Atlas. International Diabetes Federation. 7.ed. Brussels: IDF, 2015. Disponível em: <http://www.diabetesatlas.org/resources2015-atlas.html > . Acesso em: 12 set.2016. 2 AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Standards of medical care in diabetes-2016: summary of revisions. Diabetes Care. Alexandria, v. 39, Supl 1, p. p. s4-s5. jan. 2016. Disponível em: < http://care.diabetesjournals.org/content/diacare/39/Supplement_1/S4.full.pdf>. Acesso em: 12 set.2016. 3 TSCHIEDEL, B. et al. Establishment of a collaborative work team management for type 1 diabetes mellitus patient. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, São Paulo, v. 52, n. 2, p. 219-232. 2008. 4 INTERNATIONAL SOCIETY FOR PEDIATRIC AND ADOLESCENT DIABETES Global IDF/ISPAD Guideline for diabetes in childhood and adolescence 122 p. 2011. Disponível em:< http://www.idf.org/sites/default/files/Diabetes-in-Childhood-and-Adolescence-Guidelines.pdf >. Acesso em: 15 out. 2016. 5 SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2015-2016. Sociedade Brasileira de Diabetes. 2016. Disponível em: <http://www.diabetes.org.br/sbdonline/images/docs/DIRETRIZES-SBD-2015-2016.pdf> Acesso em: 14 set. 2016. 6 TSCHIEDEL, B. ; PUÑALES, M. Insulinas: insulinizando o paciente com diabetes. 2. ed. Rio de Janeiro: A C Farmacêutica, 2013. 125 CAPÍTULO 23 DIARRÉIA AGUDA RAQUEL DE MAMANN VARGAS BEATRIZ JOHN DOS SANTOS INTRODUÇÃO Conceito: diarreia é caracterizada por três ou mais evacuações amolecidas ou aquosas em 24 horas, ou pelo menos uma evacuação amolecida ou aquosa com sangue (OMS). É considerada aguda quando tem duração menor que 14 dias 1,2 . Epidemiologia: É uma das principais causas de morbi/mortalidade nos países em desenvolvimento. A mortalidade global pode estar em declínio, no entanto a incidência global permanece inalterada 1,2. Etiologia: Causas parasitárias (Tabela 1) , infecciosas (Tabela 2) ou não infecciosas como medicamentos, intoxicação alimentar, intolerância alimentar. A gastroenterite é causada por infecção adquirida através da via fecal-oral ou por ingestão de alimentos ou água contaminados 1,2. Tabela 1. Parasitas causadores de diarreia e tratamento Parasitas Antiparasitários Giardia lamblia Metronidazol: 20-30 mg/kg/dia (máx. 750 mg), 3 x dia , 5-7 dias Albendazol: 15 mg/kg/dia (máx. 400 mg), tomada diária única, 5 dias ( 10ml=400mg/ cp=400mg) Entamoeba histolytica Metronidazol: 35-50 mg/kg/dia (máx. 750 mg), 3 x dia, 7-10 dias ( 5ml/250mg) Ascaris lumbricoides Mebendazol 100mg (5ml) 2xdia, 3 dias Albendazol: 15 mg/kg/dia (máx. 400 mg), dose única Clostridium difficile Metronidazol 15 a 20 mg/kg/dia a cada 12 horas por 7 dias. Fonte: Approach to the adult with acute diarrhea in resource-rich settings. UPTODATE, versão 2015. Tabela 2. Principais Patógenos Relacionados às Gastroenterites Etiologia Rotavírus Epidemiologia 20 – 40% Período de Sinais e incubação sintomas 24 a Vômitos em geral precedem a ocorrência de diarreia aquosa. Febre baixa 72 horas 126 Tratamento Cuidados de suporte E. coli 15 – 25% enteropatogênica E. coli 6a Fezes aquosas às vezes com muco. Pode haver febre Cuidados de suporte. Fezes aquosas, dor abdominal, vômitos, febre e grande perda hídrica. Cuidados de suporte. Raramente há necessidade de ATB Diarreia sanguinolenta, dor abdominal e vômitos Cuidados de suporte. Monitorar função renal, Hb e plaquetas. Estudos indicam que ATB podem promover o desenvolvimento de SHU Diarreia aquosa ou mucossanguinolenta fétida, dor abdominal, prostração e febre Cuidados de suporte. Em casos graves ATB pode ser indicado precocemente. A síndrome de GuillianBarré pode ser uma complicação Dor abdominal, tenesmo, cólicas intensas, febre, fezes com muco, pus e sangue Cuidados de suporte. ATB pode ser considerado. 48 horas Início súbito com vômitos, dor abdominal, febre e diarreia aquosa ou muco sanguinolenta Cuidados de suporte. Exceto para S. typhi e S. paratyphi ATB não são indicados a menos que haja disseminação extra intestinal 24 a Diarreia aquosa e 72 horas vômitos abundante Cuidados de suporte com hidratação agressiva. Em caso de cólera confirmada TMP-SMX é recomendado 48 horas 10% enterotoxigênica 6a 72 horas E. coli entero- Rara. 10% 1a hemorrágica dos casos de 8 dias SHU Campylobacter 5 – 10% (aves, gatos, cães 2a 5 dias são portadores assintomáticos) Shigella Principal causa 12 horas de disenteria a 5 dias Alta infectividade Salmonella Cólera 3 a 5% DA rara. (Vibrio cholerae) Comum em 6a surtos pode levar a choque em poucas horas Cryptosporidium 5 – 10%. Comum 2 a 10 dias em creches e enfermarias. Alta contagiosidade Diarreia aquosas, câimbras estomacais, Raramente há necessidade de ATB Cuidados de suporte. Autolimitado desconforto gástrico , febre baixa DA: diarreia aguda; ATB: antibióticos; SHU: Síndrome hemolítico-urêmica; Hb: hemoglobina; TMP-SMX: sulfametoxazol-trimetoprim. Fonte: Kliegman R.M, 2013. Fisiopatologia Há dois mecanismos básicos envolvidos2,3: 1.Osmótico: Quando há aumento da osmolaridade luminal, ex. diarreia por rotavírus, ocorre dano na mucosa do intestino delgado proximal e redução na concentração da lactase, com aumento da lactose não digerida na luz intestinal. O excesso de açúcar ao 127 ser fermentado por bactérias dá origem a ácidos graxos de cadeia curta e gases - o que explica a distensão e dor abdominal 2.Secretor: Estímulo aos mediadores da secreção ou da inflamação por meio de exotoxinas produzidas por patógenos bacterianos como cepas de Shigella. A perda de sódio é mais elevada na diarreia secretora. Secundariamente a esses mecanismos, podem acontecer também alterações na motilidade intestinal. DIAGNÓSTICO 1-2 A partir da anamnese e exame físico, sendo importante informações como duração do episódio atual, características das fezes (aquosas ou sanguinolentas), frequência e volume das evacuações, presença de vômitos etc. Exclusão de causas não infecciosas: laxantes, antiácidos, antibióticos, excesso de bebidas lácteas. Condições sanitárias de moradia, viagem recente a lugares endêmicos Desidratação: A desidratação é a principal complicação da diarreia aguda e a sua avaliação deve ser realizada de imediato (Tabela 3). A perda aguda de peso ocorrida durante o episódio diarréico é considerada o melhor parâmetro para avaliar a desidratação. Tabela 3: Classificação do Estado de Desidratação Sintoma Estado mental Desidratação leve (<3% déficit de peso) Desidratação moderada Desidratação grave (3% - 9% de déficit de peso) (≥ 9% de déficit de peso) Bem; alerta Normal, fatigado ou agitado, Apático, letárgico, irritável inconsciente Sede Bebe normalmente Sedento Incapaz de beber Frequência Normal Normal a aumentada Taquicardia. Bradicardia em casos muito graves cardíaca Amplitude de pulso Normal Normal a diminuída Fraca ou impalpável Respiração Normal Normal a rápida Profunda Olhos Normal Levemente fundos Muito fundos Lágrimas Presentes Diminuídas Ausentes Boca e língua Úmidas Secas Muito secas Turgor Recuo instantâneo Recuo em < 2 seg Recuo em > 2 segundos Enchimento capilar Rápido Lento Muito lento Extremidades Quentes Frias Frias, moteadas, cianóticas Débito urinário Normal a diminuído Diminuído Mínimo Fonte: Laboratório: Investigar menores de 6 meses, imunodeficientes, surtos, suspeita de Síndrome hemolítico-urêmica (SHU) e em casos de toxemia. Principais exames: 128 ● Pesquisa de leucócitos fecais: indica infecção por germe invasor; ● Parasitológico de fezes: triagem inicial sendo necessário coletar 3 amostras em dias diferentes; ● Coprocultura: baixa positividade (pode ser útil em casos mais graves). ● Pesquisa de vírus: mais sensível nos primeiros 5 dias ● Hemograma e hemocultura: na suspeita de bactérias enteroinvasivas TRATAMENTO 2-3-4 Será de acordo com o grau de desidratação (Tabela 3). ● Hidratação oral: A terapia de reidratação oral (TRO) deve ser preferencialmente usada, enquanto que a venosa (TRV) se restringe a casos de falha da TRO ou desidratação grave. ● Soluções hipotônicas, com osmolaridade de 245 mOsm/Kg e concentração de sódio de 60-75 mEq/. Foi demonstrado que crianças que fizeram uso destas soluções evoluíam com menos vômitos, menores perdas fecais, menor duração da doença e menor necessidade de hidratação venosa; ● Na dificuldade de conseguir o reidratante oral, orientar a família a preparar o soro caseiro até conseguir adquiri-lo. Receita para 1 litro de soro caseiro: ingredientes: sal, açúcar e água Uma colher de sopa rasa de sal. • Oito colheres de sopa rasas de açúcar. • Um litro (cinco xícaras) de água potável limpa, filtrada ou fervida e esfriada. Soro oral para favorecer a aceitação, deve ser dado em pequenas porções; ● 50 -100 ml a cada evacuação diarréica, para crianças abaixo de 2 anos; ● 100 -200 ml a cada evacuação diarréica, para crianças entre 2 a 10 anos; ● Livre volume para os maiores de 10 anos. Hidratação por sonda nasogástrica (gastróclise) ● Pacientes que não toleram a TRO, por vômitos ou pelo grau de desidratação. ● Vantagens: em crianças com difícil acesso, permitir rápido início do tratamento e menor custo. A velocidade de administração é de 20 a 30ml/kg/hora até a reidratação. Hidratação endovenosa ou intraóssea: necessária e vital em casos de desidratação grave. Solução salina isotônica (solução salina 0,9%), preferível pois previne a hiponatremia sem causar hipernatremia. ● 20 ml/kg administrado em 1 hora. Após a estabilização do paciente, manter solução de manutenção e repor perdas. Alimentação: O jejum ou a restrição alimentar podem retardar o processo de renovação das células enterócitos danificadas pelo processo infeccioso. É consenso que se mantenha o aleitamento materno ou alimentação habitual corrigindo erros alimentares. Evitar pausas alimentares (exceto nos casos de desidratação grave). 129 Fluidos como energéticos, refrigerantes e sucos ricos em sorbitol não devem ser usados como repositores de perdas devido ao baixo teor de sódio e à elevada osmolaridade. MANEJO MEDICAMENTOSO 5,6 Sintomáticos: ● Febre: antitérmicos. ● Redução na oferta de leite e derivados na dor abdominal tipo cólica (comum na diarreia osmótica) ● Analgésicos como paracetamol ou dipirona no tenesmo (componente inflamatório importante). ● Contra Indicados: Medicamentos antiespasmódicos, pois inibem o peristaltismo intestinal facilitando a proliferação de germes e prolongando o tempo do quadro e adstringentes pois melhoram somente a consistência das fezes, sem diminuir as perdas, além de espoliar sódio e potássio. Antieméticos: ● Na maioria das vezes o quadro de náusea/vômitos cede ao se hidratar a criança, pois a desidratação, mesmo que subclínica, pode causar vômitos. ● Metoclopramida e dimenidrato: de maneira geral deve-se evitar o uso, pois podem provocar manifestações extrapiramidais e são depressores do sistema nervoso central prejudicando a TRO. ● Ondansetrona; reduz o risco de desidratação e de hospitalização em pacientes que apresentam alta frequência de vômitos. Antidiarreicos:.Não há indicação de acordo com diretrizes internacionais Zinco: A recomendação atual da OMS é utilizar em crianças em grupo de risco: residentes de regiões com saneamento mais precário, desnutridos, crianças com episódios recorrentes de diarreia ou histórico de hospitalização. ● dose :10 mg/dia por 14 dias para < 6 meses e 20 mg/dia para > 6 meses. Probióticos: Não se recomenda de rotina, pois até o momento não há dados suficientes na literatura que garantam sua eficácia. Antibióticos: Antibióticos não estão indicados na maioria dos episódios de diarreia aguda, mesmo quando a etiologia é bacteriana. A quase totalidade dos casos tem um curso autolimitado e benigno desde que o paciente se mantenha hidratado. A OMS recomenda o uso de antimicrobiano nos casos mais graves de disenteria, especialmente em pacientes desnutridos ou com comprometimento do sistema imunitário, após tentativa de reidratação em que a criança permaneça com o estado geral comprometido. De modo geral, a literatura evidência casos específicos: -Shigella: • O Ministério da Saúde preconiza sulfametoxazol + trimetoprim (SMZ + TMP) 50 mg/kg/dia a cada 12 horas por 5 dias. • No entanto, observa-se a elevada resistência a este ATB. Nesse caso, ácido nalidíxico 50 a 60 mg/kg/dia a cada 6 horas por 5 dias. Ciprofloxacino 20 – 30 mg/kg/dia a cada 12 horas por 7 a 10 dias, surgem como opções adequadas. Se 130 paciente menor de 6 meses ou indicação de hospitalização: ceftriaxona, IV, 50 mg/kg/d 1 vez por dia por 5 dias. • Como alternativas: azitromicina 5 ( 10mg/kg dose por 3 dias): indicados pelas Soc.Eur. de Gastroenterologia(ESPGHAN), bem como pela Soc.Eur.de Doenças Infecciosas Pediátricas (ESPID), - Giardíase: metronidazol 15 a 20 mg/kg/dia a cada 12 horas por 7 dias; - Campylobacter: eritromicina 30 mg/kg/dia, a cada 6 horas por 5 dias (só se usado precocemente); - Amebíase: metronidazol 40 mg/kg/dia a cada 8 horas por 10 dias; - Cólera: tetraciclina 50 mg/kg/dia a cada 6 horas por 3 dias (para crianças acima de 8 anos). Se menor de 8 anos de idade: SMZ + TMP 50 mg/kg/d de sulfa a cada 12 horas por 3 dias; - Salmonella: em lactentes menores de 3 meses ou no caso de hemocultura positiva: cefalosporina de 3ª geração por 10 a 14 dias ou ciprofloxacino 30 mg/kg/d por 10 a 14 dias; - E. coli: apenas em casos de doença grave ou epidemias. SMZ + TMP 50 mg/kg/d de sulfa a cada 12 horas por 5 dias; PROFILAXIA O UNICEF (United Nations Children’s Fund) e a OMS publicaram, em 2009, um relatório propondo sete medidas a serem implantadas ao redor do mundo como estratégia para o controle da doença diarreica. Estão relacionadas a maior comprometimento governamental e melhorias nas condições sanitárias, como: - suprimento de água em quantidade suficiente e qualidade a todas as residencias às residências, promoção de saneamento comunitário amplo, vacinação contra sarampo e rotavírus - A vacina contra o rotavírus pode diminuir hospitalizações em até 66% nos países em desenvolvimento; promoção do aleitamento materno, suplementação de vitamina A e tratamento com Zinco1. REFERÊNCIAS 1. KLIEGMAN, R.M. et al. Nelson: Tratado de Pediatria. Elsevier, Rio de Janeiro. v. 19, p.132-36. 2013. 2. LA TORRE, F. P. F.; CESAR, R.G.; PASSARELLI, M. L. B. Emergências. In:Pediatria Protocolos da Santa Casa. Manole. v. 2 p. 309-16. 2013. 3. BRANDT, K.G.; DE CASTRO A.M.M.; DA SILVA, G.A. Acute diarrhea: evidence-based management. J Pediatr. Rio de Janeiro. Setembro 2015. 4. NUNES, M.R.; MAGALHÃES, P.P.; PENNA, F.J., et al. Diarrhea associated with Shigella in children and susceptibility to antimicrobials. J Pediatr. Rio de Janeiro. v. 88, n.125-8. 2012 5.MARTINS, S.; LOPES, A.; COUTO, C., et al. Diagnóstico e tratamento da Gastroenterite Aguda – as perspectivas da ESPGHAN-ESPID e da SLAGHNP. Acta Pediatr Port, v.42, n.4, p.172-6. 2011. 6.World Gastroenterology Organisation Global Guideline Diarreia aguda em adultos e crianças: uma perspectiva mundial. Fevereiro de 2012 .http://www.worldgastroenterology.org/UserFiles/file/guidelines/acute-diarrhea-portuguese-2012.pdf 131 CAPÍTULO 24 DIARREIA CRÔNICA RAQUEL DE MAMANN VARGAS BEATRIZ JOHN DOS SANTOS INTRODUÇÃO 1-2 Conceito: De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), diarreia persistente se caracteriza por episódio diarreico de causa presumivelmente infecciosa por um período igual ou superior a 14 dias, podendo acarretar agravo do estado nutricional e condição de alto risco de vida. Diarreia crônica é estabelecido quando a criança apresenta diarreia por mais de 30 dias ou se ocorrem, pelo menos, 3 episódios em menos de 2 meses. Incidência/prevalência: A doença diarreica ainda é responsável por uma grande proporção de mortes (16%) em crianças menores de 5 anos, secundada apenas por pneumonia (17%). Esta proporção abrange 2 a 4 milhões de mortes por ano mundialmente. Episódios recorrentes nos primeiros anos de vida, em geral, levam à má absorção intestinal e consequentemente à desnutrição, acarretando agravos na curva pôndero-estatural, nas funções intelectual e cognitiva e aumento da morbimortalidade por outras patologias. Nos países desenvolvidos, a diarreia crônica é relacionada a doenças que causam má absorção; ao passo que nos países em desenvolvimento está mais associada a infecções intestinais de repetição. Patogênese: A patogênese da diarreia crônica está associada com a doença de base. O raciocínio clínico baseado na faixa etária pode guiar para as possibilidades das causas mais prevalentes (Quadro 1). Quadro 1 – Principais causas de diarreia crônica relacionadas por faixa etária 0 a 30 dias 1 a 24 meses 2 a 18 anos Alergia Alimentar Diarreia pós gastroenterite Diarreia pós gastroenterite Síndrome do intestino curto congênito Alergia alimentar Intolerância a lactose Deficiência congênita da lactase Uso excessivo de sucos Uso excessivo de sucos Abetalipoproteinemia Doença celíaca Doença celíaca Doença de Hirschsprung Enteropatia autoimune Associada a antibiótico 132 Pseudo-obstrução intestinal Síndrome do cólon irritável Enteropatia autoimune D. Inflamatória Intestinal Intolerância aos dissacarídeos Intolerância à proteína lisinúrica Diarreia congênita por cloro ou sódio Linfangiectasia neonatal QUADRO CLÍNICO As manifestações clínicas estão associadas à doença de base e às características do quadro diarreico como tempo e quantidade. As medidas antropométricas são essenciais para avaliar o estado nutricional e, nos adolescentes, a avaliação do estágio puberal deve ser incluída. Quando não há comprometimento nutricional importante, o raciocínio clínico pode ser voltado a hipóteses de síndrome do cólon irritável, diarreia crônica não específica do lactente, intolerância à lactose, má absorção de carboidratos, entre outros. A desnutrição geralmente está relacionada a doenças de má absorção graves. Suspeitando-se de diarreia crônica funcional, os critérios de Roma III (Tabela 1) podem guiar o diagnóstico. Além disso, é de fundamental importância avaliar manifestações extra intestinais como artrite, doença perianal, alterações pulmonares – associadas à doença inflamatória intestinal (DII). Tabela 1. Critérios de Roma III para Diarreia Funcional Neonatos e crianças menores de 4 anos: Critérios diagnósticos para diarreia funcional Passagem diária recorrente, indolor, de 3 ou mais fezes não formadas Sintomas que duram mais de 4 semanas Início dos sintomas entre 6 e 36 meses de idade Evacuações que ocorrem durante as horas de vigília Sem perda de peso com ingestão calórica adequada Crianças e adolescentes de 5 a 18 anos: Critérios diagnósticos para SII Sem evidência de processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico que explique os sintomas Desconforto abdominal (sensação não descrita como dor ou dor associada com 2 ou mais dos seguintes, por pelo menos 25% do tempo): Melhora com a defecação Início associado com mudança na frequência das evacuações 133 Início associado com mudança na forma das fezes SII: Síndrome do Intestino Irritável. DIAGNÓSTICO 1-2-3 A partir da anamnese e exame clínico completos abordando questões como: história alimentar pregressa e relação com a introdução dos alimentos; características das fezes (com sangue, muco, partículas de alimentos não digeridos, consistência),etc. Laboratório: Exames a serem considerados conforme a suspeita clínica na Tabela 2. Imagens: Conforme a suspeita clínica, auxiliarão a esclarecer o fator causal. • A ecografia abdominal possibilita observar espessamentos das alças intestinais e outras alterações. • Em casos específicos, o trânsito intestinal ou o REED podem auxiliar na detecção de anormalidades estruturais. Na suspeita de DII a enterotomografia e a enterorresonância podem ser úteis. • Alterações na absorção de vitaminas, ferro e oligoelementos como zinco podem indicar a necessidade de endoscopia digestiva alta. Ex. doença celíaca causando anemia ferropriva. Tabela 2. Investigação Diagnóstica da Criança com Diarreia Crônica Exames Doenças relacionadas Anemia microcítica ou megaloblástica (doença Hemograma celíaca, DII); Acantocitose (abetalipoproteinemia, hipobetaliproteinemia); Leucocitose (DII); Linfopenia (imunodeficiência); Eosinofilia (atopia – APLV; parasitose); Neutropenia (SDS) Plaquetas Plaquetose (DII) VSG Elevação (DII, tuberculose) Albumina sérica Hipoalbuminemia (DII) Colesterol e triglicerídeos Investigação de abetalipoproteinemia Eletrólitos, glicemia, ureia, DII, enteropatias perdedoras de proteínas, doença creatinina, transaminases, celíaca (transaminases) lípase, amilase Dosagem do anticorpo Triagem inicial para doença celíaca. Se a IgA sérica antitransglutaminase (TTG) for baixa pedir Anti-TTG IgG. da classe IgA e da imunoglobulina A Teste do hidrogênio expirado O teste de hidrogênio expirado é o preferencial para e teste de tolerância oral a diagnosticar intolerância a lactose, alta sensibilidade lactose e especificidade (não é feito no HCC). Imunoglobulinas, anti-HIV Imunodeficiências EPF e pesquisa nas fezes de Infecções parasitárias antígeno para Giárdia (não temos no HCC) 134 Osmolaridade das fezes Cultura de fezes Substâncias redutoras e pH fecal Calprotectina fecal Elastase fecal Concentração de alfa 1 antitripsina fecal Pesquisa de sangue oculto Diferencia diarreia osmótica e secretora Detecção de patógenos específicos Avalia má absorção de carboidratos Boa acurácia para detecção de inflamação na mucosa intestinal (não é feito no HCC) Disfunção pancreática exócrina (FC, SSD) Enteropatia perdedora de proteínas Diarreia infecciosa ou inflamatória - baixa sensibilidade e especificidade Pesquisa de gordura nas fezes Esteatócrito (semi quantitativo): avalia perda de gordura fecal. Pesquisa de gordura nas fezes Esteatócrito Método de Van de Kamer (quantitativo), método de eleição (não temos no HCC) Eletrólitos no suor Suspeita de fibrose cística Pesquisa das toxinas A e B do Clostridium difficile (uso de antibióticos) Clostridium difficile Vitaminas A, D, E, B12, TP, folato, zinco, ferro, ferritina Alergia: IgE específica Redução na fibrose cística, abetalipoproteinemia, doença celíaca, DII, ressecções ileais, SSD Suspeita de alergia alimentar VSG: Velocidade de hemossedimentação; SSD: Síndrome de Shwachaman-Diamond; APLV: Alergia à proteína do leite de vaca; FC: fibrose cística. TRATAMENTO 2-3-4 A base do tratamento está relacionada com a manutenção do estado nutricional e manobras para evitar a cronificação do quadro. O tratamento pode ser dividido em manejo dietético, antibióticos, probióticos e reposição de micronutrientes (zinco). Agentes antidiarreicos não são recomendados. Manejo dietético: manutenção da alimentação e do aleitamento materno, associada a terapia de reidratação oral e reposição de zinco. Dietas com ingredientes disponíveis localmente ou preparações comerciais. A antibioticoterapia não é indicada de rotina. Geralmente, o uso de antibióticos é feito quando há comprovação do patógeno específico – Shigella spp ou Entamoeba histolytica, por exemplo. Os dados de pesquisas são insuficientes para recomendar o uso de qualquer antibiótico nos quadros de diarreia persistente de causa desconhecida. As evidências para o uso de probióticos na diarreia persistente são limitadas.5 Segundo Guarino e colaboradores, zinco é um importante fator na prevenção e terapêutica da diarréia crônica por restaurar o epitélio e estimular a resposta imune.6 SEGUIMENTO 135 O acompanhamento destes pacientes dependerá da evolução clínica e dos critérios diagnósticos estabelecidos. Em crianças com diarreia crônica sem repercussão nutricional, causas funcionais devem ser consideradas. REFERÊNCIAS 1.ANDRADE, J. A.; FAGUNDES-NETO, U. Persistent diarrhea: still an important challenge for the pediatrician. J Pediatr (Rio J), v. 87, n. 3, p. 199-205, May-Jun 8 2011. ISSN 0021-7557. Disponível em: <http://dx.doi.org/doi:10.2223/JPED.2087 > Acesso em: 23 out. 2016. 2,PINTO,R.B.; RAMOS, A.R.L.; SANTOS, B.J. Diarreia persistente/crônica In: LAGO, P. M. e FERREIRA, C. T., et al. Pediatria Baseada em Evidências. Porto Alegre: Manole, 2016. cap.13 , p.141-153. 3.ZELLA, G. C.; ISRAEL, E. J. Chronic diarrhea in children. Pediatr Rev, v. 33, n. 5, p. 207-18; May 2012. ISSN 0191-9601. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1542/pir.33-5-207 >Acesso em: 23 out. 2016. 4.LEE, K. S. et al. How to Do in Persistent Diarrhea of Children?: Concepts and Treatments of Chronic Diarrhea. Pediatr Gastroenterol Hepatol Nutr, v. 15, n. 4, p. 229-36, Dec 2012. ISSN 22348646 (Print)2234-8840 (Electronic). Disponível em: < http://dx.doi.org/10.5223/pghn.2012.15.4.229 > Acesso em: 23 out. 2016. 5.BERNAOLA APONTE, G. et al. Probiotics for treating persistent diarrhoea in children. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 8, 2013. ISSN 1465-1858. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD007401.pub3> Acesso em: 23 out. 2016. 6.GUARINO, A.; LO VECCHIO, A.; BERNI CANANI, R. Chronic diarrhoea in children. Best Practice & Research Clinical Gastroenterology, v. 26, n. 5, p. 649-661, ISSN 1521-6918. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1016/j.bpg.2012.11.004 >. Acesso em: 23 out. 2016. 136 CAPÍTULO 25 DISFAGIA INFANTIL – NEONATOLOGIA E PEDIATRIA LETÍCIA WOLFF GARCEZ; MARISTELA C. TAMBORINDEGUY FRANÇA; LETÍCIA KURTZ; JULIANA KRAUSE SACHETTI INTRODUÇÃO Conceito A disfagia é uma alteração no processo de deglutição decorrente de causas neurológicas e/ou estruturais, que acarreta desordens sensoriais e/ou motoras na ingestão ou no transporte do alimento da boca ao estômago1. Pode estar presente no período neonatal, por vezes sendo classificado como um distúrbio transitório, ou ter início em qualquer fase da infância. Apresenta-se de forma isolada ou como sintoma de outras doenças. Prevalência Cerca de 30% dos recém nascidos prematuros apresentam dificuldade na transição da alimentação enteral para a via oral, e grande parte dos bebês internados em UTI Neonatal tem a disfagia como sintoma de outra patologia de base. Na população pediátrica, a prevalência da disfagia é estimada em cerca de 25 a 45% em crianças com o desenvolvimento típico e em cerca de 33 a 80% em crianças que apresentam alterações do desenvolvimento2. Etiologia – Fatores de Risco Entre os principais fatores de risco para a disfagia infantil estão a prematuridade, os quadros de hipóxia perinatal, paralisia cerebral e outros transtornos do desenvolvimento, malformações craniofaciais e dos tratos respiratório e digestivo, síndromes genéticas e dismórficas, doenças neuromusculares e traumatismo cranioencefálico (TCE). QUADRO CLÍNICO Intercorrências pré, peri ou pós natais isoladas podem levar a dificuldades no início do processo de alimentação. No recém nascido que apresenta dificuldade em receber a dieta por via oral, os sintomas manifestam-se geralmente por ausência ou diminuição dos reflexos orais, sucção débil e incoordenação das funções de sucção, respiração e deglutição. Esta inabilidade pode levar à aspiração do conteúdo ingerido para as vias aéreas, contribuindo para a piora do quadro clínico geral. Em crianças maiores, a disfagia orofaríngea pode se manifestar clinicamente por meio de sinais e sintomas, como dificuldade na mastigação, acúmulo de alimento na cavidade oral, alteração no tempo do trânsito oral, regurgitação nasal, escape anterior de saliva, tosse e estridor crônico, engasgos durante a alimentação, dor no peito, globus faríngeos (sensação de alimento parado na garganta), cianose, náusea, taquipnéia, apnéia ou respiração ruidosa durante a alimentação, além da presença associada de desidratação, perda de peso, diminuição do apetite, recusa ou maior gasto de tempo para se alimentar e afecções pulmonares, como a pneumonia aspirativa3,4. 137 Quando não diagnosticada e tratada adequadamente, a disfagia pode causar complicações no sistema respiratório, no estado nutricional e no equilíbrio hídrico5,6 DIAGNÓSTICO O fonoaudiólogo é o profissional habilitado para avaliar e tratar as alterações funcionais da deglutição. Sua atuação tem como objetivo prevenir e reduzir complicações a partir do gerenciamento da deglutição de maneira segura e eficaz. Com a intervenção em tempo adequado espera-se minimizar as complicações clínicas relacionadas à disfunção, reduzindo o tempo de internação e a taxa de re-internações por pneumonia aspirativa1,7. ENCAMINHAMENTO E AVALIAÇÃO Para crianças internadas na UTI e UCI Neonatal, UTI pediátrica ou internação pediátrica que apresentam sinais de disfagia, a solicitação é realizada através de consultoria via sistema eletrônico ao serviço de fonoaudiologia. Crianças com necessidade de avaliação e/ou acompanhamento fonoaudiólogo, atendidas por profissionais de outras áreas no ambulatório do HCC, podem ser encaminhadas via interconsulta. A troca de informações entre a equipe multiprofissional é essencial para o planejamento terapêutico A avaliação fonoaudiológica pode ocorrer durante o período de internação ou em nível ambulatorial e envolve tanto a avaliação indireta das estruturas orofaciais quanto avaliação funcional direta da deglutição com alimento. Quando realizada à beira do leito preferencialmente deve preceder os horários de alimentação. Havendo necessidade de avaliação objetiva, complementa-se com a videofluoroscopia da deglutição, exame radiológico que permite visualizar de forma dinâmica o processo de deglutição; é realizado no setor de Raio X com acompanhamento do fonoaudiólogo. A criança necessita ser submetida previamente à avaliação clínica da deglutição para o agendamento da videofluoroscopia para verificar a possibilidade de ingesta por via oral. SEGUIMENTO As crianças internadas recebem acompanhamento fonoaudiológico até a alta com objetivo de reabilitar a função de deglutição. Quando necessitam continuidade desse processo, são encaminhadas para seguimento ambulatorial. O agendamento é feito preferencialmente no momento da alta. O ambulatório de disfagia tem como principal objetivo fornecer gerenciamento da alimentação de forma segura e eficaz para as crianças atendidas. Quando necessário, são realizados encaminhamentos para atendimento fonoaudiológico sistemático na cidade de origem visando reabilitar a função da deglutição em conjunto com estes profissionais. REFERÊNCIAS 1.AMERICAN SPEECH and HEARING ASSOCIATION. Communication facts: incidence and prevalence of communication disorders and hearing loss in children. Rockville, MD: ASHA; 2004. 2.LEFTON-GREIF M. Pediatric dysphagia. Physical Medicine and Rehabilitation Clinics of North America, 19,837-851, 2008. 138 3. SANTINI SC. Disfagia neurogênica. In: FURKIN, A. M.; SANTINI, C. R. Disfagias orofaríngeas. São Paulo: Pró Fono, 2001. 4 MEJÍA PAH, CAÑAVERAL MVL, BLANCO OFS, PIEDRAHÍTA PAM, MÚNERA O LM. Guía de práctica clínica basada en la evidencia para el diagnóstico de disfagia en niños. Latreia. v. 22, n. 2, jun. 2009. 5.SAKATA SH. Disfagia em crianças com paralisia cerebral. São Paulo: Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica; 1999. 6.PADOVANI AR, MORAES DP, MANGILI LD, ANDRADE CRF. Protocolo fonoaudiológico de avaliação do risco para disfagia (PARD). Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Vol. 12, Nº 3, p. 199 – 205, 2007. 7. HINCHEY J. A., SHEPARD T., FURIE K., SMITH D., WANG D., TONN S. Formal Dysphagia Screening Protocols Prevent Pneumonia. Stroke; New York, v. 36; sep., p. 1972-76, 2005. 139 CAPÍTULO 26 DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO MAIS COMUNS EM PEDIATRIA & FLUIDOTERAPIA DE MANUTENÇÃO JULIANA BESUTTI GUILHERME ECKERT INTRODUÇÃO As necessidades basais de líquidos e íons para crianças foram determinadas em 1957 por Holliday-Segar. A fórmula por eles descrita estima a necessidade diária basal de líquido, sódio (Na), potássio (K) e glicose para crianças hígidas. Ela não considera perdas anormais (vômito, diarreia), febre, sudorese, estresse, catabolismo e infecção. Quando utilizada para paciente internados, tanto o volume diário quanto a concentração dos eletrólitos recomendados podem não ser adequados, devendo-se realizar ajustes na prescrição do soro. Estudos têm demonstrado que crianças doentes apresentam valores aumentados de hormônio antidiurético (ADH) circulante, o que pode levar à retenção hídrica, hiponatremia e outros distúrbios hidroeletrolíticos. Verificou-se também maior risco de hiponatremia grave nos pacientes que utilizaram solução hipotônica (risco aumenta de 2 a 5 vezes). Portanto, é recomendado a utilização de solução isotônica para a maioria das crianças hospitalizadas, principalmente aquelas em período perioperatório, com doenças pulmonares, cardíacas ou neurológicas. A solução hidroeletrolítica de manutenção de escolha é a solução isotônica: Glicose 5%, NaCl = 150 mEq/L e K = 40 mEq/L Recomendação de volume de 100ml/kg/dia ou 1500-2000ml/m2/dia. Porém, a escolha deve ser individualizada levando-se em consideração as características da criança e do ambiente: idade, peso, condição saúde/doença, perdas sensíveis e insensíveis. Aporte de glicose glicose a 5% com 17 calorias/100 ml (20% da necessidade basal). Nos Quadros 1 e 2, seguem-se as formas de calcular a reposição hídrica na criança. 140 Quadro 1: Cálculo do soro de manutenção segundo Holliday-Segar. Até 10 kg 100 ml/kg/dia De 10 a 20 kg 1000 ml + 50ml/kg/día para cada kg acima de 10 kg De 20 a 30 kg 1500 ml + 20ml/kg/dia para cada kg acima de 20 kg Fonte:Piva, 2015 Quadro 2: Cálculo do soro de manutenção pela superfície corporal SC =[(Peso (kg) x 4) + 7] Volume 1500-2000 ml/m2/dia 90 + Peso (kg) Fonte: Piva 2015 Após o cálculo do volume total, dividir por 24h, obtendo-se o gotejo em ml/h e escolher um dos exemplos de soro no quadro 3. Quadro 3: Tres exemplos de solução isotônica conforme o volume SG 5 % ----- 250ml NaCl 20% --- 10ml KCl 10% ---- 5 ml SG 5% ------ 500ml NaCl 20% -- 20 ml KCl 10% --- 10 ml SG 5% --------1000 ml NaCl 20% ---- 40 ml KCl 10% ---- 20 ml Fone: o autor , 2016 DISTÚRBIOS DO SÓDIO Nível sérico adequado: 136-145 mEq/L. Geralmente desequilíbrios desse íon tem risco de comprometimemento cerebral, Estão mais relacionadas à alteração do volume hídrico corporal que com a medida do sódio corporal total. HIPONATREMIA (Na <136 mEq/L.) ● DHE mais comum em pacientes internados ● Associada a aumento da mortalidade. ● Nos casos crônicos, há uma adaptação cerebral e menor lesão tecidual. ● São consideradas emergências os casos de instalação aguda (<48h) e graves (Na <125 mEq/L). Causas mais comuns: espoliação de Na (vômitos e diarreia) e oferta de água sem Na ( solução hipotônica), Quadro 4. Quadro 4 – Causas de hiponatremia hipotônica. Volume Extracelular Normal Diuréticos tiazídicos Hipotireoidismo Insuficiência adrenal SIHAD Volume Extracelular Aumentado Insuficiência cardíaca congestiva Volume Extracelular Diminuído Perda renal de sódio Diuréticos Cirrose Síndrome nefrótica Diurese osmótica Insuficiência renal aguda Insuficiência adrenal e crônica 141 Neoplasias Psicose aguda Gravidez Nefropatia perdedora de sal Acidose tubular aguda Lesão do SNC Cetonúria Doenças inflamatórias Diarreia e vômitos Doenças desmielinizantes Hemorragia Hemorragia Sudorese excessiva Traumas Sequestro “terceiro espaço” Fármacos/medicamentos Doenças pulmonares Obstrução intestinal Peritonite Infecções/sepse Pancreatite Insuficiência respiratória aguda Lesão muscular Ventilação com pressão positiva Pós-operatório Dor SIDA *SIHAD: Secreção inapropriada do hormônio antidiurético. * SNC: Sistema nervoso central. Fonte: Dutra VF,2012. QUADRO CLÍNICO Quadro 5 - Sintomas da Hiponatremia Hiponatremia Aguda ( < 48h) Náuseas, vômitos Letargia Cefaleia Câimbras Desorientação Convulsão, coma Insuficiência respiratória Edema agudo pulmonar não cardiogênico Fonte: Piva,2015 Hiponatremia Crônica (> 48h) Fadiga Náuseas Tontura Alteração da marcha Confusão Letargia Cãimbras CORREÇÃO DA HIPONATREMIA ● Hiponatremia aguda correção lenta não excedendo a 10-12 mEq/L em 24h, para prevenir síndrome da desmielinização osmótica, doença grave, com desmielinização principalmente dos neurônios da Ponte, levando a convulsões, coma e óbito. A solução mais usada para acorreção é a salina hipertônica a 3%, Fórmula para correção do sódio: Volume de sódio em mEq =P x ( Na desejado - Na sérico)x 0,6 Corrigir para Na desejadodo= 136mEq/L Como preparar NaCl 3%: NaCl 3% = Agua destilada 85 ml + NaCl 20% 15 mL 142 Concentração de sódio: NaCl 3%: 1ml= 0,5 mEq de sódio NaCl 20%: 1ml= 3,4 mEq de sódio HIPERNATREMIA (sódio sérico > 145 mEq/L) Causas: ganho de sódio ou pela perda de água livre, ou pela combinação desses Está sempre associada à hiperosmolalidade. Sintomas relacionados às alterações no conteúdo da água cerebral: letargia, astenia, irritabilidade, convulsões e coma. Quadro 6 - Causas de hipernatremia Perda de água sudorese, febre, exposição a altas temperaturas - queimaduras Infecções respiratórias Perdas gastrintestinais: vômitos, diarreia, má absorção, algumas enterites infecciosas Perdas renais Diabetes insipidus central /nefrogênico Falha no aumento da permeabilidade do traumatismo craniano a água em resposta ao HAD Congênita Fármacos: lítio, demeclociclina, diuréticos de alça Hipercalcemia, hipocalemia Diurese osmótica: glicose, ureia, manitol Insuficiência renal aguda e crônica Anemia falciforme Aumento da degradação periférica da HAD: gravidez Disfunção hipotalâmica: hipodipsia primária, hipernatremia essencial Perda de água para dentro das células:exercício intenso, convulsões, rabdomiólise Ganho de sódio: ingestão / infusão de cloreto ou bicarbonato de sódio hipertônico / enemas ou eméticos hipertônicos / diálise hipertônica Hiperaldosteronismo primário Síndrome de Cushing Fonte: Piva, 2015 CORREÇÃO DA HIPERNATREMIA ● Correção lenta para evitar edema cerebral ou lesão neurológica ● 0,5 mEq/L/h ou 10mEq/L em 24h: se a instalação foi crônica há mais de 48h ● 1-2mEq/L/h se a instalação foi aguda. ● A correção do déficit de água livre pode ser feita com solução hipotônica, soro glicosado a 5% ou água destilada. DISTÚRBIOS DO POTÁSSIO Nivel sérico adequado: 3,5 a 5,0 mEq/1 Os distúrbios do potássio estão relacionadas principalmente ao risco de arritmias cardíacas HIPOCALEMIA: potássio sérico < 3,5 mEq/L. Causas: Quadro 7 Manifestações : 143 ● < 2,5 mEq/L: lesão músculos e células renais tubulares com aparecimento de fraqueza ou paralisias; ● em torno de 2 mEq/L: Pode ocorrer paralisia ascendente e insuficiência respiratória. Além disso, a miopatia pode evoluir para rabdomiólise, gerando mioglobinúria e insuficiência renal aguda. ● Alterações no eletrocardiograma (ECG): depressão do segmento ST, aumento de amplitude da onda U e redução das ondas T, progredindo para alargamento do QRS e prolongamento do espaço PR. (Figura 1) Figura 1: Manifestações ECG da hipocalemia Fonte: Dutra VF, 2012 Quadro 7: Causas de Hipocalemia Alcalose Hipotermia Perdas: vômitos/diarreia Baixa ingesta: anorexia Distúrbios endocrinológicos: - hiperaldosteronismo - hipercortisolismo - acidose tubular renal Insuficiência cardíaca congestiva Associadas a fármacos - agonistas β₂ adrenérgicos - insulina - diuréticos - anfotericina B - aminoglicosídeos - cafeína - teofilina Fonte: Piva, 2015 CORREÇÃO DA HIPOCALEMIA ● Remoção das causas; ● Reposição de potássio: 2-5 mEq/kg/dia, via oral ou parenteral; ● Oral: Cloreto de Potássio KCl 6%: K = 0,8 mEq/ml; ● Endovenosa: Cloreto de Potássio KCl 10%: K = 1,34 mEq/ml. Se K sérico < 2,5 mEq = push K 0,2 a 0,5 mEq /Kg/hora em 2-6 hs; -Veia periférica: 80 mEq/L de potássio; -Acesso Central: 150 – 200 mEq/L de potássio; -A hipomagnesemia está associada à hipocalemia. Deve-se repor magnésio em casos refratários. HIPERCALEMIA: potássio sérico > 5,5 mEq/L; Causas: aporte excessivo, liberação excessiva das células, excreção renal diminuída ou a combinação desses. 144 Quadro clínico: Os sinais e sintomas geralmente aparecem quando o nível sérico ultrapassa 7 mEq/L: parestesias, fraqueza e distúrbios neuromusculares e de condução, arritmias, bloqueios, fibrilação e parada cardiorrespiratória. ECG: onda T apiculada, diminuição do intervalo QT, intervalo PR prolongado, redução da onda P, prolongamento do intervalo QT (figura 2) Figura 2: manifestações ECG da hipocalemia Fonte: Dutra VF,2012 Quadro 8: Causas de Hipercalemia Fármacos AINE, IECA Ciclosporina Diuréticos Poupadores de K Digoxina, Espironolactona, Heparina, Intoxicação digitálica Betabloqueadores, Succinilcolina Diminuição do Excreção urinária volume circulante diminuída efetivo Lesão Celular Aumento da liberação de potássio Insuficiência cardíaca congestiva Síndrome nefrótica Cirrose Trauma Acidose Hemólise Metabólica Transfusões Deficiência de insulina Infecções graves Hiperglicemia Radioterapia Hiperosmolaridade Lise tumoral Hipoaldosteronismo Insuficiência renal aguda Insuficiência renal crônica *AINE: Anti-inflamatório não esteroide. * IECA: Inibidor da enzima conversora da angiotensina Fonte: Piva, 2015. CORREÇÃO DA HIPERCALEMIA ● Sempre revisar prescrição e remover fontes de potássio. ● 3 ações:1.bloquear os efeitos eletrofisiológicos, 2.desviar o potássio para o meio intracelular ou 3.remover o excesso de potássio do sangue. 1. Bloquear os efeitos eletrofisiológicos ● Usar estabilizadores de membrana: Gluconato de Cálcio a 10% 1mL/kg diluído em partes iguais em água destilada (administrar lentamente EV 30 minutos). 145 obs: apenas antagoniza ação “tóxica” sobre o miocárdio, sem reduzir a concentração sérica do K. 2. Desviar o potássio para o meio intracelular (3 formas) ● Se houver repercussão eletrocardiográfica: Bicarbonato de Sódio: 1-2 mEq/kg. ● Beta 2 adrenérgicos: Nebulização 0,1-0,3mg/kg (4 a 8 jatos) ou Salbutamol EV 4mcg/kg em 20 minutos (repetido após 2h). ● Glicoinsulina: Glicose a 25% na dose 0,5 a 1g/kg e insulina 1 unidade para cada 5g de glicose infundida. 3. Remover o potássio ● Resinas de troca - Sulfato de Poliestireno de Cálcio (Sorcal) – troca potássio por cálcio na razão de 1,2 mEq de potássio por grama de resina – Dose: 1g/kg diluídas em SG 10%, sorbitol ou manitol (1g de resina para cada 4 ml de soro) – Via oral ou retal. ● Hemodiálise ou diálise peritoneal. REFERÊNCIAS 1.Piva JP; Garcia PCR. Piva e Celiny - Medicina Intensiva em Pediatria. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revinter;p.401-20, 2015. 2.Dutra VF, Tallo FS, et al. Desequilíbrios hidroeletrolíticos na sala de emergência Rev Bras Clin Med. São Paulo,v.10,n.5, set-out,p.410- 29, 2012. 146 CAPÍTULO 27 DOR ABDOMINAL HELOISA PITTOLI SILVA ANA REGINA LIMA RAMOS INTRODUÇÃO1,2,3 A dor abdominal é uma das queixas mais frequentes na prática pediátrica tanto em ambulatórios quanto em emergências. Epidemiologia: Estima-se que 10 a 22% dos escolares no Brasil tenham queixas de dor abdominal crônica 2 e 5-10% das consultas de emergência devem-se à dor abdominal1, que variam de benignas e funcionais até ameaçadoras à vida. Somente 5 a 10% desses pacientes terão causa orgânica. Patogênese3: Nas vísceras, o estímulo nociceptivo é em geral causado por distensão e produz dor contínua e difusa, frequentemente sentida em pontos diferentes da topografia do órgão afetado, pelo dermátomo de inervação. A inflamação pode diminuir o limiar doloroso. Localização da dor e órgãos afetados: ● Epigastro: fígado, pâncreas, vias biliares, estômago, intestino superior ● Periumbilical: delgado distal, ceco, apêndice (apendicite inicial) ou cólon proximal ● Suprapúbica: cólon distal e transverso, trato urinário ou outros órgãos pélvicos ● Local da lesão: cólon ascendente e descendente, ceco e apêndice (apendicite tardia) Dor somática é intensa e localizada, de modo que a víscera inflamada em contato com a parede abdominal (peritônio) produzirá uma localização da dor previamente difusa. Na evolução da peritonite, porém, pode haver irradiação da dor associada à rigidez da parede, defesa involuntária e hiperestesia cutânea. Dor referida: As dores abdominais podem dever-se a causas torácicas e pélvicas, como pneumonias e infecções urinárias, por exemplo Dor abdominal funcional2,3 Corresponde a 90% dos casos de dor abdominal crônica. Os critérios de Roma VI se referem aos distúrbios funcionais do trato gastrintestinal, incluindo as crianças. Distúrbios funcionais: combinação de sintomas gastrintestinais variáveis, crônicos ou recorrentes (pelo menos 1x/semana, por pelo menos 2 meses), não explicáveis por alterações bioquímicas ou estruturais. Podem ser divididos em: ● Dispepsia funcional: dor/desconforto em abdome superior sem alívio com evacuação nem associação com alteração de hábito intestinal 147 ● Síndrome do intestino irritável (SII): desconforto/dor abdominal associado com 2 ou mais dos seguintes em pelo menos 25% das vezes: melhora com evacuação, relação com mudança na frequência ou na forma das fezes ● Enxaqueca abdominal: dor aguda (>1h), intensa, periumbilical, que interfere nas atividades + 2 ou mais dos seguintes: anorexia, náusea, vômito, cefaleia, fotofobia ou palidez. Ocorre 2 ou mais vezes em 12 meses. ● Dor abdominal funcional da criança (dor episódica ou contínua que não preenche critério para os acima, que ocorre pelo menos 1x/semana, por pelo menos 2 meses) / síndrome da dor abdominal funcional (dor presente em pelo menos 25% do tempo + 1 ou mais dos seguintes: perda de atividades regulares ou sintomas somáticos associados). Causas orgânicas de dor abdominal 1 Constipação: avaliar hábito intestinal da criança. A presença de <3 evacuações na semana, encoprese após desfralde, evacuações cibalosas, com dor ou esforço podem indicar constipação, que justifica a dor; avalie crescimento, se há massa abdominal ou alguma alteração de períneo. Intussuscepção intestinal: causa mais comum de obstrução intestinal na criança, caracterizada por invaginação da alça intestinal para a luz da alça distal. A presença de sangramento (fezes em “geléia de framboesa”) e massa abdominal palpável ajudam o diagnóstico, porém só estão presentes em 50%. O quadro pode ser indolor em crianças <4 meses. O RX de abdome (escassez de gás em no QID, massa intracolônica, ou sinais de obstrução) pode ser utilizado, porém ecografia tem maior sensibilidade (sinal do alvo ou pseudorim). Evite realizar enema pelo risco de perfuração e peritonite. Má-rotação intestinal: ocorre em graus variáveis, sintomáticos ou não, podendo evoluir com necrose e perda de segmentos do intestino. 90% dos casos de volvo intestinal associado ocorrem antes do 1o ano de vida e podem ser sugeridos por vômitos biliosos, irritação, dor e distensão abdominal e hematoquezia. O exame de escolha é o RX intestinal contrastado com bário (aspecto em “saca-rolhas”), porém outros métodos podem ser usados (RX simples, TC, RNM; ecografia não é indicada de rotina por ser menos sensível). O volvo é emergência, necessitando de suporte (hidroeletrolítico e glicêmico), antibioticoterapia e correção cirúrgica. Apendicite: emergência pediátrica mais comum, tem risco de perfuração de 80100% em menores de 3 anos e cerca de 38% após essa idade. Dor à descompressão e percussão de QID é indicativa, porém não é essencial para diagnóstico. Recomenda-se associar achados de exame físico, hemograma sugestivo e imagem. Isolados não são sensíveis ou específicos o suficiente. TC e RNM são boas opções, quando disponíveis, nos casos de alta suspeita sem confirmação por outros métodos de imagem. Hérnia encarcerada: considerar quando há aumento de volume abrupto, piora com esforço abdominal. Estrangulamento é marcado por sangramento nas fezes e vômitos biliosos. 148 Torção gonadal: em mulheres, a torção tem sinais e sintomas inespecíficos, freqüentemente diagnosticados como causados por apendicite. Ecografia tem valor para diagnóstico. A torção testicular pode ser suspeitada pela clínica local, sendo importante considerar que também pode causar dor abdominal, além da dor testicular. Também se investiga com ecografia com Doppler. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO 2,3 Ao deparar-se com um paciente queixando dor abdominal, primeiramente devem ser realizados história e exame físico completos (se necessário separadamente dos pais, dependendo da idade), em vistas de determinar se a dor é aguda ou crônica, descartar abdome cirúrgico e sinais de alarme, alguns deles os seguintes: ● Localização fora do eixo central ● Dor localizada ● Criança <5 anos ● Dor que acorda a criança à noite ● Associada a mudança de hábito intestinal, disúria, rash, artrite ● Sangramento digestivo / anemia ● Vômitos de repetição / biliosos ● Sintomas constitucionais (febre recorrente, anorexia, letargia) ● Perda ponderal ou retardo de crescimento ● Visceromegalias ● Icterícia ● Irradiação da dor para ombro, região inguinal ou dorso ● Edema ● Hérnia de parede abdominal ● História familiar de DII ou doença celíaca Para tal, é recomendado avaliar: ● Localização (apontar) ● Qualidade (aperto, “fincada”, difusa, em queimação) ● Irradiação (escápula direita na cólica biliar, dorso na pancreatite, inguinal ipsilateral na litíase renal) ● Gravidade ● Tempo (início e duração, fatores de melhora e piora – alimentação e evacuações – , quando ocorre, se acorda à noite pela dor) ● Sintomas associados ● Hábito intestinal ● Hábito alimentar ● História médica pessoal, sexual (adolescentes) e familiar Importante avaliar antropometria e sinais vitais. Em adolescentes, questionar atividade sexual, violência, uso de drogas e ideação suicida. Além da inspeção, ausculta, percussão e palpação abdominal, considerar toque retal para avaliar 149 fissura, sangramentos ou fecaloma. Durante o exame físico tente distrair a criança para permitir melhor exame, flexionar joelhos para diminuir resistência da parede. Exames complementares devem ser solicitados para corroborar suspeitas: ● Dor funcional: hemograma, VSG, PCR, glicemia, creatinina, enzimas hepáticas e pancreáticas, EQU e urocultura, EPF, sangue oculto nas fezes e ecografia abdominal (se possível, com Doppler) ● Causas orgânicas: solicitar conforme a suspeita diagnóstica ● Causa orgânica com sangramento, perda ponderal, perda de atividades de rotina, suspeita de doença inflamatória intestinal, doença péptica ou síndromes de má-absorção intestinal: acrescentar EDA ou colonoscopia Reconheça limitações dos exames de imagem; RX de abdome pode mostrar perfuração ou obstrução, enquanto ecografia evidência cálculos urinários e biliares, torção gonadal, intussuscepção, estenose pilórica e apendicite. TC deve ser reservada para casos de suspeita de tumor, por exemplo. Considere a radiação utilizada antes de indicar o exame. Tabela 1. Diagnóstico diferencial da dor abdominal em sala de emergência >12 anos ITU, constipação, dor funcional, doença estreptocócica GEA, doença inflamatória intestinal, pneumonia, hepatite, pancreatite, nefrolitíase, DIP Trauma, apendicite, torção gonadal, cetoacidose diabética, asma, gravidez ectópica 5-12 anos ITU, constipação, dor funcional, doença estreptocócica GEA, doença inflamatória intestinal, pneumonia Trauma, apendicite, torção gonadal, cetoacidose diabética, asma 1-5 anos ITU, constipação <1 ano Cólica, DRGE, APLV Idade Comum / benigna GEA, púrpura de HenochSchonlein, pneumonia, divertículo de Meckel Trauma, apendicite, asma GEA, má rotação intestinal sem volvo Urgência Trauma, agressão, volvo intestinal, enterocolite necrotizante, hérnia encarcerada, estenose pilórica, intussuscepção Emergência Fonte: Smith J, Fox SM. Pediatric Abdominal Pain , 2016.1 TRATAMENTO E SEGUIMENTO 1,2,3 ● Nos casos de dor abdominal funcional, não há tratamento específico. ● É importante tranquilizar a família da benignidade do quadro, valorizando as queixas e explicando a inadequação de tratamento medicamentoso. Não caracterizar como psicológica, uma vez que somente 10% dos pacientes com dor funcional têm quadro psicológico associado: quando presente, abordar, se necessário com encaminhamento adequado. ● Como manejo conservador deve ser otimizada a dieta da criança, visando melhor nutrição e funcionamento do sistema gastrintestinal (fibras e líquidos, entre outros nutrientes). 150 ● Não há terapia específica para a síndrome do intestino irritável ou outras patologias funcionais, podendo ser tentados os analgésicos simples para alívio dos sintomas ou probióticos, apesar destes últimos ainda não terem comprovação de eficácia nesses casos. ● Importante evitar uso de anti-inflamatórios, tanto esteroidais quanto nãoesteroidais, pelos efeitos colaterais consideráveis e que incluem piora da dor abdominal (por mecanismos próprios). REFERÊNCIAS 1.SMITH J, Fox SM. Pediatric Abdominal Pain: An Emergency Medicine Perspective. Emerg Med Clin N Am. v.34, p.341–361, 2016. 2.SPOLIDORO J.V.N, Eloi JC. Dor abdominal. “In”: Lago PM, Ferreira CT, Mello ED, Pinto LA, Epifanio M. Pediatria Baseada em Evidências, 1ª edição. Porto Alegre: Manole, p. 155-161, 2016. 3.SREEDHARAN R, Liacouras C. Functional Abdominal Pain (Nonorganic Chronic Abdominal Pain). “In”: Kliegman RM, Stanton BF, St-Geme-III JW, Schor NF. Nelson Textbook of Pediatrics. 20a edição. Philadelphia: Elsevier; p.1884-1887, 2016. 151 CAPÍTULO 28 DOR EM MEMBROS LEDIANE MOREIRA LOPES ILÓITE M. SCHEIBEL INTRODUÇÃO Conceito: Também denominada dor noturna benigna ou dor do crescimento, é caracterizada por dor do tipo não inflamatória, extra-articular, que compromete membros inferiores, incluindo coxas, panturrilhas e tornozelos. Ocorre mais à tarde e noite, intermitente, podendo intercalar períodos remissivos que podem durar dias, semanas ou meses. A dor melhora com massagem manual ou uso de antiinflamatórios, analgésicos não opioides . Seu diagnóstico é de exclusão1. Incidência/prevalência: Pode acometer 15 % de todas as crianças, com incidência relatada entre 3% e 37%. As idades mais freqüentes variam entre 2 a 10 anos. A duração tende a ser em média de 2 anos. Etiologia: A causa da dor é desconhecida. Ocorre principalmente em crianças mais ativas, ou que tenham dias mais agitados. Há também a descrição de estar relacionada a pequenas deformidades ortopédicas como pés planos, fadiga e distúrbios emocionais. Crianças mais elásticas, ou mais flexíveis, que conseguem, por exemplo, colocar as mãos no chão sem dobrar os joelhos, ou outras manobras que caracterizam a criança como hipermóvel, tendem a ter mais dores em membros1,2. QUADRO CLÍNICO A dor geralmente é de forte intensidade, bilateral, noturna, podendo inclusive acordar a criança à noite. A duração varia de minutos a horas e ao acordar no dia seguinte, está assintomática 2,3. A criança pode se queixar, também, de dor abdominal e de cabeça. O exame físico é normal, exceto pela possibilidade da presença de maior flexibilidade articular3. DIAGNÓSTICO A história deve ser típica e exame físico sem alteração para ser considerado este diagnóstico. Na dúvida, pode ser realizado hemograma e dosagem de marcadores inflamatórios, além de exame de imagem com radiografia de extremidade inferior. Estes resultados devem ser normais. Investigação adicional é necessária se houver presença de sintomas atípicos: dor unilateral, diurna, associada a hiperemia e/ou edema articular e sintomas constitucionais como febre, perda de peso e sintomas persistentes. 152 Se os sintomas são intensos e todos os resultados de exames forem negativos, devese considerar a avaliação da síndrome das pernas inquietas Considerar cintilografia óssea se os sintomas forem persistentes e a dor não puder ser localizada, e se os níveis de VHS e/ou PCR forem elevados 2. Diagnóstico diferencial das dores musculoesqueleticas em membros inferiores1,2 • Músculoesquelética benigna: dor em membros /dores do crescimento, tendinite, apofisite; • Trauma: entorses, fraturas, luxações, corpo estranho, trauma não-acidental; • Infecção: artrite séptica, osteomielite, discite; • Imunomediada: artrite idiopática juvenil, doença de Lyme, artrite reativa; • Adquirida: deslizamento epifisário da cabeça do fêmur, doença de LeggCalve-Perthes, doença de Kohler, coalizão tarsal, navicular acessório, osteocondrite dissecante; • Neoplásico: leucemia, linfoma, sarcoma de Ewing, osteossarcoma. • Dor referida: escoliose, espondilólise, espondilolistese; • Neurológico: síndrome dolorosa complexa regional, síndrome das pernas inquietas; • Metabólico: raquitismo. TRATAMENTO É primordial, para o sucesso do tratamento, que os pais prestem apoio psicológico e afetivo com um bom suporte emocional. Para isto, devem ser convencidos da benignidade do problema, para passar tranquilidade à criança. Há a preocupação dos pais, frequentemente, da associação de dores nas pernas com leucemia ou tumores ósseos.2,4 O tratamento, na crise, melhora com uso de compressas mornas, massagem manual suave e às vezes há necessidade de medicações tipo acetaminofeno ou antiinflamatório como ibuprofeno. A massagem nas pernas antes de a criança deitar pode impedir que acorde com dor à noite.4 Deve ser estimulada a fazer atividade física, podendo ser evitado os esportes de impacto neste período2. REFERÊNCIAS 1.AD Duey-Holtz et al. Acute and Non-Acute Lower Extremity Pain in the Pediatric Population: Part I. J Pediatr Health Care. 2012; 26: 62-68. 2.Duey-Holtz A, Collins L .S, Hunt L.B, Cromwell P.F. Acute and Non-Acute Lower Extremity Pain in the Pediatric Population: Part II. J Pediatr Health Care. 2012; 26: 216-230. 3.Forni J.E.N , Jalikhian W. Dor do crescimento. Rev Dor São Paulo 2011; 12(3):261-4 4.Lowe RM . Hashkes P.J. Growing pains: a noninflammatory pain syndrome of early childhood. Rheumatology 2008; 4 (10): 542-9 153 CAPÍTULO 29 ENURESE NOTURNA ANELISE UHLMANN INTRODUÇÃO Conceito: Incontinência urinária intermitente durante o sono em crianças com mais de 5 anos. Epidemiologia: A enurese é um problema comum entre crianças e adolescentes com uma prevalência de 10% aos 6 anos, 5% aos 10 e de 0,5-1% nos adolescentes e adultos. Apesar de ser considerada uma condição benigna e com taxa de 15% de resolução espontânea por ano, pode ocorrer comprometimento de autoestima e rendimento escolar. Se ambos os pais foram enuréticos, há o risco de 77% de a criança apresentar enurese e de 43% se somente o pai ou a mãe foram. Etiologia: Os fatores associados incluem: apnéia de sono por hipertrofia de amígdalas (limiar mais elevado de despertar e poliúria noturna por peptídeo natriurético atrial), constipação, abuso sexual, déficit de atenção e hiperatividade, alteração de conduta, dificuldade de aprendizado. Fisiopatologia: Três fatores estão envolvidos na fisiopatologia: ● Poliúria noturna ● Ausência de inibição do reflexo de micção (aumento de atividade do detrusor) ● Alteração do despertar Devido a um desequilíbrio entre a produção de urina durante a noite e a capacidade vesical, a bexiga torna-se completamente repleta durante a noite e a criança necessita acordar para esvaziá-la ou urina involuntariamente durante o sono. Classificação: A enurese noturna pode ser classificada em: ● Primária, se nunca conseguiu ficar mais de 6 meses seco. ● Secundária, quando a criança inicia a perder urina durante o sono após ter ficado mais de 6 meses seca. ● Enurese secundária ao início de desordem convulsiva e certas medicações como ácido valpróico e clozapina. A enurese não monossintomática é quando ocorrem sintomas diurnos associados. Em um estudo realizado na Inglaterra, 68,5% eram monossintomáticas e 31,5% não monossintomáticas. DIAGNÓSTICO ● História. 154 ● Somente solicitar um exame comum de urina para excluir diabetes insipidus (Densidade urinária <1010). ● Pesquisar sintomas urinários diurnos, constipação, produção de urina à noite (pesagem de fraldas e a primeira micção da manhã). ● A ecografia de trato urinário não é necessária a não ser que ocorram sintomas urinários diurnos. TRATAMENTO Na enurese noturna não monossintomática, é aconselhável seguir uma sequência de eventos: 1.Tratar constipação se presente. 2.Tratar sintomas de trato urinário inferior (bexiga disfuncional). 3.Se desordem de comportamento presente, tratar primeiro. 4.Se a enurese noturna persiste, então iniciar tratamento padrão da enurese noturna monossintomática (alarme, desmopressina). As medidas de suporte incluem: redução de ingesta de líquidos após as 17h, micção regular durante o dia, dieta rica em fibras, reforço positivo com calendário de noites secas e molhadas, evitar coleito e evitar consumo de cafeína. Alarme: É o melhor tratamento para desordem do despertar. Recomendado para crianças acima dos 7 anos. A taxa de sucesso inicial é de 80% com taxas de recidiva baixas, especialmente quando a produção de urina à noite não é tão alta e a capacidade vesical não é tão diminuída. MEDICAÇÕES ● Desmopressina em comprimidos (0,2mg): Em caso de produção elevada de urina durante a noite, com taxa de sucesso de 70%. A taxa de recidiva após suspensão de uso é alta e recentemente tem sido recomendada a retirada gradual. ● Imipramina: Em caso de capacidade vesical diminuída, é possível o tratamento com anticolinérgico. Alcança uma taxa de resposta de 50% e alta taxa de recidiva. Foram descritas cardiotoxicidade e morte com overdose. Seu uso deve ser desencorajado como tratamento de primeira linha. REFERÊNCIAS 1.NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CLINICAL EXCELLENCE (NICE). The management of bedwetting and nocturnal enuresis in children and young people. summary can be found in BMJ. v. 27, n. 341, p.5399. Outubro 2010 2. NEVÉUS, T.; VON GONTARD, A.; HOEBEKE, P., et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: report from the Standardisation Committee of the International Children's Continence Society. J Urol. v. 176, n. 1, p. 314-24. julho 2006 3. NEVÉUS T. Nocturnal enuresis-theoretic background and practical guidelines. Pediatr Nephrol. v. 26 n.8 p. 1207-14. Agosto 2011 4.BOTTOMLEY G. Treating nocturnal enuresis in children in primary care. Practitioner. V. 255, n.1741, p. 23-6. junho 2011 5.HARARI MD. Nocturnal enuresis. J Paediatr Child Health. v. 49, n.4, p. 264-71. abril 2013 6. EUROPEAN SOCIETY FOR PAEDIATRIC UROLOGY/EUROPEAN ASSOCIATION OF UROLOGY (ESPU/EAU). Guidelines on Pediatric Urology. ESPU/EAU. Março 2016 155 CAPÍTULO 30 EXANTEMÁTICAS: DOENÇAS EXANTEMÁTICAS ÁLVARO A. FERREIRA FILHO ILÓITE M.SCHEIBEL INTRODUÇÃO Doenças exantemáticas são um grupo de condições caracterizadas pelo surgimento agudo de um exantema (rash cutâneo). As possíveis etiologias são: infeciosas, medicamentosas e reumatológicas, sendo as causas infecciosas as mais comuns. As possíveis formas de aparecimento das lesões exantemáticas são 1: 1.Aspecto maculopapular: lesões maculares (apenas alteração de cor) / lesões papulares (lesões elevadas com <0,5 cm de diâmetro). Ainda pode ser caracterizado como: A.Morbiliforme: lesões maculopapulares avermelhadas entremeadas com áreas de pele sã. B.Rubeoliforme: lesões maculopapulares rosadas e com pápulas menores. C..Escarlatiniforme: acometimento homogêneo da pele por lesões papulares puntiformes, sem área de pele sã, gerando uma pele áspera. D.Urticariforme: lesões maculopapulares eritematosas, maiores e de limites imprecisos 2.Aspecto vesicular: lesões de conteúdo líquido e seroso com até 1 cm de diâmetro. Apresentando conteúdo purulento são chamadas de pústulas 3.Se há descamação, podemos avaliá-la de duas formas: ● Furfurácea: descamação fina (como “caspa”) ● Lamelar: grosseira (em lascas) 4.Exantema purpúrico: alterações vasculares que não desaparecem a dígito pressão, associados ou não a distúrbios das plaquetas. ________________________________________________________________ SARAMPO 1 Doença causada pelo vírus RNA Morbillivirus da família Paramyxoviridae. Transmissão: ● 3 dias antes da erupção cutânea até 5 dias do seu início. ● O vírus é transmitido por gotículas de secreção respiratória ou pequenas partículas de aerossol (ficam suspensas no ar até 01 hora). ● Cerca de 90% das pessoas, sem imunidade prévia, que entrarem em contato com o vírus irão adquirir a doença. Clínica: Período de incubação: sem sintomas, pode durar de 8 a 12 dias. Ocorre pela entrada do vírus no organismo via mucosas e migração aos linfonodos regionais, onde acontece a 156 primeira viremia. A segunda viremia espalha os vírus pelas superfícies corporais iniciando a fase prodrômica. Fase Prodrômica: ● Febre progressiva até o início do exantema e queda progressiva após. ● Pode apresentar tosse intensa, conjuntivite bilateral não purulenta com fotofobia. Manchas de Koplik: enantema patognomônico – manchas branco-azuladas de 1mm de diâmetro e halo eritematoso em mucosa jugal (entre a bochecha e a gengiva) pode aparecer também em mucosa vaginal e conjuntival. Fase exantemática: ● Exantema dura em torno de 5 dias. ● As lesões são do tipo máculopapulares morbiliformes (com áreas de pele sã) ● Progressão craniocaudal lenta vindo a atingir as extremidades só no 3º dia de rash (pode acometer região palmo plantar). O exantema adquire coloração acastanhada e desaparece no mesmo sentido em que surgiu dando início a uma descamação fina com aspecto furfuráceo -“farelo”. Detecção através dos anticorpos IgG e IgM para sarampo. Todos os casos com IgM positivo devem ser notificados Vigilância epidemiológica. (Doenças de notificação compulsória: (51) 3289-2471 / 2472 / 2473 / 2474 em Porto Alegre). Complicações • Otite média aguda é a complicação bacteriana mais comum no sarampo. • Pneumonia é a principal causa de morte, podendo ocorrer pelo próprio vírus (pneumonia intersticial de células gigantes) ou por uma infecção bacteriana oportunista (S. Pneumoniae, H. Influenzae, S. aureus). Tratamento ● Medidas de apoio clínico e sintomático. ● O tratamento com Vitamina A reduz a morbimortalidade da doença 2. • Duas doses, no dia do diagnóstico e no dia posterior, de 50.000 unidades em crianças menores de 06 meses, 100.000UI entre 06 e 12 meses e 200.000 UI em crianças maiores de 12 meses. Profilaxia: Evitar contato com não imunizados até 4-6 dias após o início do exantema. Precaução para aerossóis e isolamento, tanto hospitalar como domiciliar. Vacinar o contactantes em até 72 horas. A gamaglobulina pode ser feita até 06 dias após a exposição na dose de 0,25mL/Kg intramuscular em pacientes de risco, menores de 01 ano e grávidas, e 0,5mL/Kg em imunossuprimidos. _____________________________________________________________________ RUBÉOLA 3 Agente: vírus de RNA do gênero Rubivírus da família Togaviridae. Transmissão: Contato com gotículas respiratórias em suspensão ou secreções nasofaríngeas, ou na gravidez causando quadro de rubéola congênita. Transmissão se dá entre 5 dias antes do exantema e 6 dias após. Clínica: • Período de incubação: 14 a 21 dias. 157 • Fase Prodrômica: Assintomáticas em geral, mas pode ocorrer febre baixa, dor de garganta, conjuntivite, cefaléia, mal-estar e anorexia. A linfadenomegalia é um dos sinais mais comuns e característicos da doença, podendo surgir em cadeias retroauricular, cervical posterior e pós-occipital, sempre dolorosas. • Fase exantemática: Exantema maculopapular róseo (rubeoliforme). Progride de forma crânio-caudal rapidamente e dura em torno de 3 dias. Desaparece tão rápido quanto surgiu (pode estar desaparecendo do rosto enquanto aparece em tronco e extremidades). Não apresenta descamação. Pode haver lesões em palato mole puntiformes rosadas = manchas de Forschheimer. Detecção através dos anticorpos IgG e IgM para rubéola. Todos os casos com IgM positivo devem ser notificados. Doenças de notificação compulsória: (51) 3289-2471 / 2472 / 2473 / 2474). Complicações: Não são comuns na não congênita e não são graves. Pode ocorrer artrite, principalmente em mulheres adultas, em pequenas articulações das mãos. Também pode ocorrer trombocitopenia, mais em mulheres adultas, e encefalite pós-infecciosa 7 dias após início do exantema. Tratamento: Somente sintomáticos. Profilaxia: ● Afastamento das atividades até 7 dias após início do exantema e cuidar contato com mulheres grávidas. ● Bloqueio vacinal com a tríplice viral dentro de 72 horas da exposição nos contatos suscetíveis. ● Gestantes não devem receber a vacina por se tratar de vírus vivo. _______________________________________________________________ ERITEMA INFECCIOSO 4 Agente: parvovírus B19. Esse vírus tem tropismo por células eritropoiéticas em formação o que pode levar à interrupção da eritropoiese. Transmissão: gotículas grandes de nasofaringe. Quando surge o exantema o vírus já não é mais transmissível. Clínica • Período de Incubação: 17/ 18 dias. • Fase Prodrômica: poucos sintomática com alguns sintomas inespecíficos leves. • Fase Exantemática: evolução muito característica: Primeiramente surge um eritema malar bilateral em “face esbofeteada” com palidez peribucal. Após 1-4 dias o eritema se espalha para tronco e extremidades, poupando palmas das mãos e plantas dos pés. O padrão se dá por lesões maculares eritematosas com um aspecto rendilhado ou reticulado com clareamento central. Não apresenta descamação e desaparece de 01 a 03 semanas e pode recidivar aos esforços físicos e exposição solar. Complicações 158 Artropatia; crise aplásica transitória que em um indivíduo hígido pode não levar a sintomas, mas em pacientes falcêmicos pode ter sua eritropoiese interrompida; infecção fetal levando à óbito no primeiro e segundo trimestre de gestação, mas sem levar a anomalias congênitas se o feto sobreviver. Tratamento: Nenhuma terapia específica; manejo das complicações. Profilaxia Não há necessidade de isolamento, pois após o exantema já não há mais transmissão do vírus. Não há vacinas para esse vírus. EXANTEMA SÚBITO 5 Agente: A antiga roséola é causada pelo herpesvirus 6 (HHV), mais comum, ou 7 Transmissão: se dá por meio de saliva e secreções de vias respiratórias. • Típica em lactentes, com pico de incidência entre os 6 e 9 meses. • A maior fonte da infecção é transmitida por adultos saudáveis portadores desses vírus nas glândulas salivares. A transmissão Clínica • Período de incubação: 7 a 15 dias. • Fase Prodrômica: Febre alta é marcante. Outros sintomas como irritabilidade, hiperemia de mucosas respiratórias e linfadenomegalias. A febre desaparece em 72 horas e repentinamente. • Fase exantemática: Aparecimento repentino de um exantema maculopapular róseo não pruriginoso, com progressão do tronco para o crânio e extremidades logo após o desaparecimento da febre. Complicações: A mais comum pode ser convulsão pela natureza do vírus ser neurotrópico. Aproximadamente 10-20% das convulsões febris em lactentes são causadas pelo HHV 6. Tratamento: Somente sintomáticos. Em pacientes imunocomprometidos pode-se usar ganciclovir, mas com eficácia interrogada. Profilaxia: Não há necessidade de vacinação. _____________________________________________________________________ VARICELA 7 Agente: Vírus varicela-zoster (VVZ). Infecção pode ser:: -Primária: A infecção varicela ou “catapora”. -Latente: Os vírus ficam latentes nos gânglios sensoriais. Quando reativam a doença geram um quadro de herpes-zóster, “cobreiro” -Infecção recorrente. Transmissão: -Por meio de secreção respiratória e do líquido gerado pelas lesões cutâneas, podendo ser disseminado tanto pelo contato direto quanto por aerossóis. 159 -Período de transmissão vai de 02 dias antes do exantema até todas lesões se tornarem crostosas. Clínica: -Período de incubação: 10 a 21 dias -Fase Prodrômica: Crianças pequenas quase não tem pródromos enquanto as maiores podem apresentar febre, mal-estar, anorexia e dor abdominal. -Fase Exantemática: -Presença de lesões polimórficas. -Inicia-se o exantema com lesões do tipo mácula eritematosa, pruriginosa, que evolui para pápula, em seguida para vesícula, com conteúdo cristalino, após para uma pústula com umbilicação central e só então à uma crosta. -Entre 24-48 horas a pústula vira uma crosta. -As lesões em uma mesma região podem iniciar em tempos diferentes dando origem ao polimorfismo regional característico da doença. -A distribuição da lesão é craniocaudal, com início em couro cabeludo, com concentração central: em tronco e face. -Podem acometer mucosas orais. -Nos casos secundários, dentro de um domicílio (entre irmãos, por exemplo), o exantema em geral é mais intenso. -No momento em que todas as lesões se tornaram crostosas e as novas pararam de aparecer o paciente não transmite mais a doença e poderá retornar às suas atividades. -As crostas somem, mas sem deixar cicatrizes, se há cicatriz provavelmente houve uma infecção bacteriana naquela lesão. Complicações: -Infecções bacterianas cutâneas principalmente por Streptococcus do Grupo A e Staphylococcus aureus; -Pneumonia, principal causa de óbito em varicela; -Complicações de sistema nervoso central como encefalite e ataxia cerebelar aguda; Síndrome de Reye (disfunção hepática, hipoglicemia e encefalopatia) provocada pelo uso de AAS em vigência de varicela (e também influenza). Tratamento: Sintomático e compressas ou banhos com permanganato de potássio para prevenção de infecção bacteriana secundária. Para essa doença há possibilidade de realizar um tratamento específico com Aciclovir, que pode modificar o curso da doença. Porém, não é indicado para crianças hígidas, somente as em risco de doença mais grave ou de complicações. ● Aciclovir oral: dose de 20mg/kg/dose (máximo de 800 mg) 04 vezes ao dia por 05 dias. Deve ser iniciado dentro das primeiras 24 horas de exantema e até 72 horas (sem ser eficaz após esse período) nas seguintes situações: pacientes com mais de 13 anos, crianças com mais de 12 meses com doenças cutâneas ou pulmonares crônicas; pacientes que usam cronicamente AAS ou corticóide; uso intermitente ou por curto prazo de corticosteróides orais ou aerossol; e o segundo caso dentro de um domicílio. 160 Aciclovir venoso: dose de 500 mg/m2/dose de 8/8 horas por 7-10 dias (em maiores de 01 ano e até 48 horas do início da lesão). Deve ser usado em doença grave ou progressiva, com envolvimento de órgãos; imunossupressão; recém-nascido com varicela neonatal por exposição perinatal (10mg/kg/dose 8/8 horas) Profilaxia: -Afastamento da escola até estabilização das lesões. Paciente internado entra em isolamento aéreo (transmissão por aerossóis). -Vacinação: A vacina contra varicela entrou no calendário do Ministério da saúde em 2013 incluída na tetraviral. Essa vacina é administrada aos 15 meses se a primeira dose da tríplice viral foi realizada. A SBP recomenda que todas as crianças recebam duas doses dessa vacina. Também deve ser realizada em profissionais da saúde suscetíveis a doença assim como familiares e pessoas expostas. Deve ser realizada em imunocompetentes em convívio com imunossuprimidos, em pacientes maiores de 01 ano, suscetíveis a doença no momento da internação hospitalar em enfermaria onde haja caso de varicela, em doadores de medula óssea e órgãos sólidos, em receptores de transplante de medula óssea, em pacientes com HIV se assintomáticos e sem imunossupressão grave e asplênicos e portadores de trissomias. A prevenção pós-exposição pode ser feita por vacinação de bloqueio até 3-5 dias de exposição para controle de surtos em hospitais ou creches, deve ser feita em comunicantes suscetíveis imunocompetentes maiores de 1 ano. Também deve ser realizada através do uso de imunoglobulina humana antivaricela zóster (IGHAVZ) em até 96 horas, via intramuscular na dose de 125 UI a cada 10 Kg de peso (dose máxima de 625 UI) em comunicantes suscetíveis, com contato evidente com pacientes doentes e se tiver risco de varicela grave (imunodeprimidos, grávidas, recém-nascidos prematuros <28 semanas). NOTIFICAÇÃO: somente os casos graves. _______________________________________________________________________ ENTEROVIROSES NÃO-PÓLIO 8 Agente: Enterovírus da família Picornaviridae, divididos em 05 subgrupos: poliovírus, coxsackie A, coxsackie B, echovírus e enterovírus. Transmissão: via fecal-oral, respiratória, transmissão vertical e por fômites. Crianças infectadas podem transmitir os vírus por via respiratória por 3 semanas e pelas fezes até 7-11 semanas. Clínica: -Período de Incubação: 3-6 dias. -Fase Prodrômica: quadros febris inespecíficos ou sintomas respiratórios. -Fase Exantemática: -Síndrome Mão-Pé-Boca: causada pelo Coxsackie A16 (também pode ser causada por outros enterovírus). Lesões maculopapulares, vesiculares ou pustulares em mãos, pés e boca (por toda a cavidade oral). -Doença Febril Inespecífica: principal apresentação clínica das infecções por enterovírus. Exantemas variados com distinção difícil de outros quadros de doenças exantemáticas. 161 -Herpangina: Coxsackie A16 entre outros. Ocorre odinofagia junto as pápulas eritematosas que se tornam vesículas e evoluem até úlceras centrais com halos eritematosos. Lesões pequenas (<5mm). Duração de cerca de 1 semana. obs. enterovírus podem causar outros quadros diversos sem exantema. Complicações: Sem complicações relevantes Tratamento:Somente de suporte Profilaxia: Não existem vacinas. A melhor prevenção é a higiene já que a transmissão se dá além da via respiratória, pela via fecal-oral. _____________________________________________________________________ SÍNDROME DA MONONUCLEOSE INFECCIOSA 9 Agente: Vírus Epstein-Barr em 90% dos casos, nos outros 10% pode ser causada por CMV, toxoplasmose, rubéola, HIV, vírus da hepatite e adenovírus. Cerca de 95% da população adulta apresenta marcadores para infecção pregressa. Transmissão: contato com saliva de pessoas infectadas, “doença do beijo”. Indivíduos assintomáticos podem ter infecção latente com eliminação intermitente do vírus. Clínica: -Período de incubação: de 4-6 semanas. -Fase Prodrômica: -A maioria das crianças tem infecção assintomática. -Podem apresentar cefaléia, mal-estar, febre, calafrios e dor de garganta intensa. -Os adolescentes têm um quadro gradual e prolongado entre 2-4 semanas com piora progressiva da odinofagia e febre. 90% apresenta linfadenopatia generalizada (mais em cadeias cervicais anterior e posteriores e submandibulares), 50% esplenomegalia e 10% hepatomegalia. Pode haver dor abdominal por aumento súbito do tamanho do baço. Odinofagia por faringite com achados, no exame clínico, iguais à estreptocócica: hipertrofia amigdaliana e exsudato com petéquias em palato. -Fase exantemática: 3-15% podem apresentar um exantema maculopapular. Uma característica importante é o aparecimento de exantema após o uso de amoxicilina ou ampicilina (através de uma vasculite imunomediada), fato comum já que a clínica é parecida com faringite estreptocócica. Na avaliação complementar temos leucocitose com 20-40% de linfócitos atípicos e pode haver plaquetopenia. A pesquisa de anticorpos heterófilos como o Monoteste (teste rápido de lâmina) tem ótima sensibilidade e Valor de Previsão de positividade (VPP) em maiores de 4 anos e testes sorológicos específicos como anticorpos IgM, IgG, anti-VCA. Complicações: Ruptura de baço é grave e pode ocorrer em casos de trauma abdominal (acidentes ou esportes). Pode ocorrer também acometimento neurológico como ataxia, convulsões, paralisia de nervo facial e síndrome de Guillain-Barré Tratamento: Sintomáticos e repouso, evitando possíveis traumas abdominais. Profilaxia: Não há profilaxia. _____________________________________________________________________ ESCARLATINA 10 162 Mais frequente entre 5-15 anos. Agente:Streptococcus pyogenes ou estreptococo beta-hemolítico do grupo A produtor de exotoxina pirogênica. O exantema aparece mais comumente após uma faringite causada pelos agentes acima, mas também pode surgir de outros tipos de infecção pelos mesmos agentes. Transmissão: Gotículas de saliva ou secreção nasal. Os pacientes podem permanecer assintomáticos e colonizados pela bactéria em orofaringe. A transmissão é interrompida 24 horas após o início da terapia com antibióticos. Clínica: -Período de incubação: 2-5 dias -Fase Prodrômica: odinofagia e febre na ausência de tosse. Faringe hiperemiada com petéquias em pálato, exsudato amarelado e adenomegalia cervical anterior -Fase exantemática: -Surge 24-48 horas após o início do quadro com aspecto típico (maculopapular) confluente, textura áspera à pele, progredindo do pescoço e pregas cutâneas até se espalhar para todo corpo em 24 horas (poupa região palmar e plantar). -Em algumas situações, ocorre língua saburrosa e esbranquiçada que evolui para língua em “framboesa”, após 3-4 dias (hipertrofia das papilas linguais). -Outros sinais encontrados: Sinal de Filatov – palidez perioral com bochechas vermelhas e testa hiperemiada- e Sinal de Pastia – petéquias e linhas hiperpigmentadas na superfície flexora dos braços e raízes das coxas. - Descamação laminar em extremidades após 5-7 dias e pode durar até 8 semanas. O diagnóstico é clínico mas pode ser auxiliado pelo swab de orofaringe e cultura faríngea. Complicações supurativas e febre reumática. Tratamento: Tem por interesse diminuir as complicações, encurtar a doença e prevenir a febre reumática erradicando o estreptococo da orofaringe, por isso os antibióticos orais devem ser feitos por pelo menos 10 dias. As opções são: -Penicilina V oral: 250 mg/dose (até 27 Kg) ou 500 mg/dose (acima de 27 Kg) 2-3x ao dia por 10 dias. -Penicilina G benzatina: 600.000 UI (até 20 Kg) ou 1.200.000 U (acima de 20 Kg) em dose única via intramuscular.11 -Eritromicina: estolato de eritromicina 20-40mg/kg/dia dividido em 2 a 4 vezes ao dia VO ou etilsuccinato de eritromicina 40mg/kg/dia de 2-4 vezes ao dia, ambos durante 10 dias para alérgicos a penicilina Profilaxia: Não há profilaxia. A transmissão é interrompida 24 horas após o início da terapia com antibióticos. ____________________________________________________________________ DOENÇA DE KAWASAKI 12 A causa da doença não é bem estabelecida. É uma doença da infância com predominância na Ásia e idade média entre 2-3 anos. 163 Uma vasculite que acomete as artérias de médio e pequeno calibre especialmente as coronárias, cursa com processo inflamatório intenso na parede vascular que pode levar a aneurismas após a regeneração, estenoses e oclusões dos vasos acometidos. Clínica: -Fase Aguda: O diagnóstico de Doença de Kawasaki é definido pela presença de 5 dos 6 sinais e sintomas: 1.Febre: sintoma obrigatório; alta e por pelo menos 05 dias. 2.Congestão ocular: conjuntivite bilateral sem exsudato. 3.Alterações em lábios e cavidade oral: eritema, fissuras, língua em framboesa, hiperemia. 4..Linfadenopatia cervical: unilateral (geralmente) e com diâmetro mínimo de 1,5cm. 5..Exantema polimórfico: mais em tronco e região inguinal, maculopapular, escarlatiniforme, multiforme. Vesículas diminuem a probabilidade do diagnóstico. 6.Alterações de extremidades: eritema em regiões palmoplantares e edema de mãos e pés. Esses são os sinais e sintomas da forma clássica, ainda podemos encontrar a forma incompleta: ● Febre há 5 dias + 2 ou 3 dos critérios clínicos anteriores + PCR >3mg/dl ou VHS >40 + achados laboratoriais abaixo: ● 3 ou mais: albumina <3 g/dl; anemia; elevação de TGO e TGP; Plaquetas >450.000 após 7º dia; Leucócitos > 15.000; Leucocitúria > 10 leucócitos/campo ● Ou menos de 3 dos achados acima, mas com ecocardiograma compatível -Fase Subaguda: marcada por descamação, trombocitose, pico do aparecimento de aneurismas coronarianos aumentando o risco de morte súbita. Dura cerca de 2 semanas -Fase de Convalescença: até 8 semanas. Todos os sinais clínicos desaparecem. VHS mantém elevado. Complicações: Além dos aneurismas pode ocorrer miocardite. Tratamento13: O tratamento se faz com o objetivo de diminuir o risco de aneurismas. Apenas 2-4% dos pacientes tratados com AAS e imunoglobulina nos primeiros 10 dias de doença evoluirão para aneurismas coronarianos (contra 25% sem tratamento). -AAS: dose antiinflamatória 80-100mg/kg/dia 6/6 horas até o paciente estiver afebril por 48 -72 horas. -Imunoglobulina venosa: 2g/Kg em 12 horas, dose única. Se retornar a febre em 36 horas pode-se fazer nova dose. Profilaxia: Não há profilaxia. Acompanhamento: Ecocardiograma deve ser repetido em 6-8 semanas após o início da doença. Durante a fase de convalescença mantém-se AAS em dose antiplaquetária 35mg/Kg/dia até 6-8 semanas, quando se repete o ecocardiograma. Se não houver alterações coronarianas, suspender a medicação, e, se houver, manter 164 indeterminadamente (AAS ou clopidogrel). Se o aneurisma desaparecer, o AAS deve ser mantido por mais 2 anos REFERÊNCIAS 1.. MASON, W.H. Sarampo. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al. Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, p.1335-40, 2009. 2. MOSS,W.J;GRIFFIN,D.E. Measles. Lancet. v.379, n.9811, p.153-64. 2012 doi: 10.1016/S01406736 (10)62352 3. MASON, W.H. Rubéola. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al. Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, p.1341-44, 2009. 4.KOCH, W.C.. Parvovírus. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al. Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro. Elsevier, p. 1361-3, 2009. 5. LEACH, C.T. Roséola (Herpesvírus Humanos 6 e 7). In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al. Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro. Elsevier, p. 1384-86, 2009 6.KOCH, W.C.. Parvovírus. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al. Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro. Elsevier, p. 1361-3, 2009. 7. MYERS, M.G.; SEWARD, J.F.; LARUSSA, P.S. Vírus Varicela-Zoster. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al.: Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro. Elsevier, p. 1370-5, 2009. 8.ABZUG, M.J. Enterovírus Não-pólio. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al.: Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro. Elsevier, p. 1354-60, 2009. 9. JENSON, H.B. Vírus Epstein-Barr. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al.: Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro. Elsevier, p. 1376-80, 2009. 10 MARQUES, H.H.S.; SKANE, P.T. Infecção Estreptocócica. In: JÚNIOR, D.C.; BURNS, D.A.R.; LOPEZ, F.A. Tratado de Pediatria da Sociedade Brasileia de Pediatria. 3ª edição. Barueri, SP: Editora Manole, p.1505-14, 2014. 11.BARBOSA,P.J.B.; MULLE, R.E et al. Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e Prevenção da Febre Reumática. Arq Bras Cardiol.v.93,n.3,:p.1-18, 2009 12.BERNSTEIN. Doença de Kawasaki. In: KLIEGMAN, R.M.; BEHRMAN, R.E.; JENSON, H.B., et al. Tratado de Pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro. Elsevier, p.1993, 2009. 13.SCUCCIMARRI,R. Kawasaki Disease. Pediatr Clin N Am, v.59,p. 425–45.2012 165 CAPÍTULO 31 FEBRE NO LACTENTE PAOLA FIALHO PERONDI ILZA MARTINS COSTA; FÁBIO SECHI INTRODUÇÃO 1,2,3 Conceito: Febre é convencionalmente definida como a temperatura corporal > 38ºC, temperatura essa que sofre oscilações ao longo do dia. Os valores mais altos ocorrem ao final do dia e os mais baixos pela manhã. Apesar de a temperatura retal ser a padrão-ouro, ela causa grande desconforto e, em nosso meio, admitimos o uso da temperatura axilar como método de aferição. A febre, sendo parte de um complexo fenômeno de defesa e resposta inflamatória do organismo, não deve ser confundida com doença e, sim, considerada um sinal de atenção. Também se deve evitar a confusão entre febre e hipertermia, que resulta da incapacidade do organismo de dissipar calor de forma efetiva. Febre Sem Sinal Localizatório é definida como presença de febre de até 7 dias de duração, sem identificação da causa após anamnese e exame físico detalhados. A maioria destas crianças apresenta doença infecciosa aguda autolimitada ou está em fase prodrômica de uma doença infecciosa benigna. Poucas tem infecção bacteriana grave. Febre de Origem Indeterminada, definida por febre documentada por profissional de saúde durante 3 semanas de acompanhamento ambulatorial ou 1 semana de acompanhamento hospitalar. Epidemiologia: Aumento nos níveis de temperatura em crianças corresponde a 20 a 40% das consultas pediátricas. Recém-nascidos com febre tem risco de 7% de ter infecção grave. Patogênese: A manutenção da temperatura do corpo é mediada pelo hipotálamo, que age como um termostato. Estímulos exógenos, no geral infecções, induzem resposta dos macrófagos com subsequente liberação de pirógenos endógenos. Tais citocinas estimulam o hipotálamo a elevar o ponto de ajuste da temperatura. A febre compreende essa resposta fisiológica aos estímulos, geralmente com subsequente vasoconstrição periférica, diminuição da sudorese e tremores da musculatura estriada com sensação de frio. Por sua vez, a hipertermia, é um aumento não regulado da temperatura, podendo estar associada a problemas de tireóide, atividade física, excesso de roupas e temperatura ambiental muito elevada. Vem acompanhada de vasodilatação periférica, sensação de calor e sudorese. 166 Etiologia: A maioria das crianças com febre sem foco apresenta um quadro de doença aguda autolimitada, grande parte de etiologia viral, ou está na fase prodrômica de uma doença infecciosa benigna. Uma menor porcentagem pode ser acometida por infecções bacterianas graves, como por exemplo: bacteremia oculta, pneumonia oculta, infecção urinária, meningite bacteriana, artrite séptica, osteomielite e celulite (Tabela 1). Tabela 1. Principais causas de febre divididas por faixa etária Faixa Etária Etiologia Sepse e meningite causadas por estreptococos do grupo B, Recém-nascido Escherichia coli, Listeria monocytogenes, vírus herpes e (até 28 dias) enterovírus. Crianças de 1 a 3 meses Doença bacteriana grave em 10 a 15%, bacteremia em 5% e infecção do trato urinário. Bacteremia oculta < 0,5% das crianças imunizadas contra Haemophilus influenzae tipo b e vacina pneumocócica conjugada, infecção do trato urinário. Fonte: Adaptado de Nield e Kamat,2014 Crianças de 3 a 36 meses Febre alta (>40ºC) pode sugerir: meningite, bacteremia, pneumonia, insolação e síndrome de encefalopatia por choque hemorrágico. É imprescindível observar o surgimento de petéquias na vigência de quadro febril, já que podem estar relacionadas a bacteremia e meningite causadas por Neisseria meningitidis, H. influenzae tipo b, Streptococcus pneumoniae. CLASSIFICAÇÃO:1 Existem diversos critérios que classificam crianças como sendo de baixo ou alto risco para desenvolvimento de doença invasiva. Dentre eles, o mais utilizado atualmente são os Critérios de Rochester: Quadro 1.Critérios de Rochester Os bebês são de baixo risco se: Aparentarem bom estado geral, exame físico normal, a termo, sem antibioticoterapia prévia e os seguintes exames laboratoriais: ● Leucócitos totais entre 5.000 e 15.000/mm³ e neutrófilos imaturos ≤ 1.500/mm³ ● < 10 leucócitos/campo no Exame Qualitativo de Urina ● < 5 leucócitos/campo no Exame de Fezes com diarréia Fonte: Adaptado de Nield e Kamat,(2014 167 MANEJO:1,4,5 Para avaliação e conduta, estratificam-se as crianças em faixas etárias: Recém-Nascidos: Compreendem um grupo de desafio diagnóstico, visto que as manifestações clínicas são limitadas. Se há suspeita de elevação de temperatura devido ao aquecimento externo, deve-se fazer alívio das roupas e reaferir a temperatura em 15-30 minutos. Se temperatura normal – afebril. Todo recém-nascido febril deve ser hospitalizado e investigado com: ● Hemograma completo + hemocultura, exame qualitativo de urina + urocultura, punção lombar (bacterioscópico, citológico, glicose, proteínas e cultural), Velocidade de Hemossedimentação e PCR para enterovírus deve ser considerada. ● Na presença de sintomas respiratórios, uma radiografia de tórax deve ser realizada. ● Iniciar antibioticoterapia empírica até resultado de exames culturais. Crianças de 1 até 3 meses: É a faixa etária mais heterogênea e com controvérsias em relação à conduta de acordo com o serviço. É também onde mais se aplicam os testes de classificação de risco citados anteriormente. Pode ser feita uma subdivisão entre crianças até os 2 meses e crianças com mais de 2 meses de vida: Crianças < de 2 meses: Coleta de hemograma completo + hemocultura, exame qualitativo de urina + urocultura, punção lombar (bacterioscópico, citológico, glicose, proteínas e cultural). O exame de líquor é recomendado pela maior taxa de meningite em relação às crianças com > de 2 meses. Se exames alterados, proceder com internação e antibioticoterapia empírica. Caso a criança apresente-se sem aspecto toxêmico e com exames dentro da normalidade, a conduta é variável: reavaliação em 12 a 24h, internação com antibioticoterapia ou antibioticoterapia ambulatorial + reavaliação. Crianças entre 2 e 3 meses de vida: Proceder com coleta de hemograma completo + hemocultura, exame qualitativo de urina + urocultura. Se alterado, prosseguir investigação com realização de punção lombar e radiografia de tórax associada à internação e antibioticoterapia. Se apenas alteração em exame urinário, prosseguir conforme protocolo de infecção urinária do serviço. Se exames sem alterações, a criança pode receber alta sem terapia empírica, entretanto, deve-se orientar sinais de gravidade e assegurar reavaliação em 24h. Crianças de 3 a 36 meses: Se o paciente está em bom estado geral, com calendário vacinal com pelo menos 3 doses de vacina pneumocócica e previamente hígido: não está indicada a coleta de exames complementares. Apenas orientações e reavaliação se necessário. Nos pacientes não vacinados ou com temperatura > 39ºC, em todas as meninas, nos meninos < 6 meses ou < 2 anos não circuncidados: proceder com coleta de hemograma completo + hemocultura, exame qualitativo de urina + 168 urocultura. Caso hemograma apresente alterações, está indicada a realização de radiografia de tórax. Ao optar por terapia ambulatorial ou reavaliação, deve-se levar em conta a capacidade de entendimento dos responsáveis de seguir as orientações dadas, bem como a facilidade ou não de acesso ao atendimento médico. TRATAMENTO:2,4,5 No geral, a terapia empírica consiste em cefalosporina de 3ª geração associada à ampicilina se alteração liquórica. Nos maiores de 3 meses, o tratamento pode variar de acordo com o resultado inicial dos exames, compreendendo o uso de amoxicilina, amoxicilina com clavulanato, cefuroxima ou ceftriaxone. ANTIBIÓTICO EMPÍRICO:6 a. Se baixo risco observar sem ATB (Quadro1). b. Criança de risco, com menos de 28 dias ou aparência toxêmica ou alto risco para infecção bacteriana: ATB EV (Tabela 2) e admissão hospitalar. Tabela 2: ANTIBIÓTICO PARENTERAL EMPÍRICO Neonatos < 1 semana Neonatos 1-4 semanas Lactentes de 1-3m Cefotaxima 50 mg/kg (75-100 mg/kg se suspeita de meningite) EV a cada 12 horas mas ampicilina 25-50 mg/kg a EV a cada 8 horas (100 mg/kg se suspeita de meningite) Cefotaxima 50 mg/kg (75-100 mg/kg se suspeita de meningite) EV a cada 8 horas EV mais ampicilina 25-50 mg/kg EV a cada 6 horas (100 mg/kg se suspeita de meningite) Ceftriaxona 50-100 mg/kg EV uma vez ao dia (alguns especialistas recomendam adicionar ampicilina) Fonte: Pires EMS, 2015 Além da terapia antimicrobiana, há disponibilidade da terapia antipirética, entretanto, há a necessidade cada vez maior de combater o pânico dos pais e de muitos profissionais de saúde em relação aos quadros febris, conhecido como “febrefobia”. As medicações não devem ser utilizadas buscando apenas o alívio da temperatura em crianças que demonstram bem estar, sendo reservadas para aquelas que sentem desconforto ou dor no período febril. Estudos demonstram que antipirético não previne convulsões febris. Tais medicações devem ser utilizadas em regime de monoterapia e não de forma superposta ou escalonada, baseada no grau de temperatura (Tabela 3). Tabela 3. Antitérmicos conforme a idade Medicamento Dose (mg/kg/dose) Intervalo 169 Formulações Idade para uso Ácido acetilsalicílico Dipirona Acetominofeno Ibuprofeno 10-15 4 a 6 horas 15 a 20 4 a 6 horas 10 a 15 4 a 6 horas 10 6 a 8 horas Comprimido Gotas, solução, comprimido, supositório Gotas, solução, comprimido, supositório Gotas e suspensão > de 7 anos - > de 6 meses Fonte: Pires EMS, 2015 Métodos físicos, como compressas e banhos frios, não são efetivos no controle de febre, além de causarem desconforto aos pacientes. MANEJO AMBULATORIAL:7 ● criança estável, com fácil acesso a serviço de saúde se houver piora ● que se consiga dar retorno dos exames positivos como hemocultura ● possa ter revisão em 24 horas ● sem antibiótico O paciente pode receber alta quando: ● Ausência de febre (>48h), sinais de toxemia, desidratação e distúrbios metabólicos ● Paciente estável e com boa aceitação alimentar ● Cultura negativa (>48h) SEGUIMENTO: 3,5 Após o resultado dos exames culturais, as drogas antimicrobianas podem ser adequadas de acordo com o antibiograma caso não esteja ocorrendo resposta ao tratamento, caso contrário, pode ser mantida a terapia empírica. REFERÊNCIAS 1.NIELD, L. S.; KAMAT, D.; KLIEGMAN, R M. et al Febre sem foco. Tratado de Pediatria. 19. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, Cap. 170. p. 896-902.Rio de Janeiro. 2014. 2. BLANK, D. PEDIATRIA baseada em evidências. Manoele. Cap. 59. p. 655-665. Barueri. 2016. 3. MACHADO, B. M. Avaliação clínica de crianças de 0 a 36 meses com febre sem sinais localizatórios. 142 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pediatria, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 4 - ALLEN, C H., Fever without a source in children 3 to 36 months of age, UpToDate, Fevereiro, 2016. 5 – PIRES, E. M. S. G. Febre sem sinais localizatórios. Diretriz Assistencial. Hospital Israelita Albert Einstein. Elaborado em 15 de setembro de 2014. Aprovado em 28 de agosto de 2015. São Paulo, 2015. 6. American College of Emergency Physicians Clinical Policies Committee, American College of Emergency Physicians Clinical Policies Subcommittee on Pediatric Fever. Clinical policy for children younger than three years presenting to the emergency department with fever. Ann Emerg Med. v.42, n.4,p.530-45,2003 editorial can be found in Ann Emerg Med.v.42, n.4,Oct. p.546,2003 170 CAPÍTULO 32 GLOMERULONEFRITE PÓS-INFECCIOSA ANELISE UHLMANN INTRODUÇÃO Conceito: Glomerulonefrite aguda pós-infecciosa (GNDA) ocorre devido a uma resposta imunológica do rim causada por infecção não renal, classicamente estreptocóccica. Epidemiologia: Ocorre mais frequentemente em países subdesenvolvidos, sendo mais frequente na faixa etária dos 6-10 anos e em meninos. Etiologia: Streptococcus, Staphylococcus (mais em adultos e rara em crianças), outras bactérias gram positivas incluindo pneumococo, enterococo e listeria, viroses e infecções por parasitas e fungos. Patogênese: A natureza do insulto glomerular inicial é desconhecida, mas acredita-se ser devido ao depósito no glomérulo do complexo imune e com ativação de complemento. QUADRO CLÍNICO Frequentemente assintomática, mas podem ocorrer sintomas de síndrome nefrítica aguda, incluindo hematúria macroscópica, oligúria ou anúria e edema, sintomas de hipertensão como cefaléia, confusão e convulsão e disfunção respiratória se houver edema pulmonar e sintomas inespecíficos como anorexia, náusea, vômito e mal estar. A Glomerulonefrite pós-estreptocócica tipicamente ocorre entre 1 a 4 semanas após amigdalite ou até 6 semanas após impetigo. Com outros organismos não há este período de latência, coincidindo com a infecção. Trabalho3 realizado em crianças hospitalizadas encontrou: hematúria (99,3%), proteinúria (82,6%), hipertensão (64,5%) e edema (85,5%). Exame físico: Observa-se hipertensão arterial, febre e edema facial e periorbitário DIAGNÓSTICO Testes laboratoriais: Testes urinários: 1. Proteinúria em pequena quantidade ou em faixa nefrótica 2. Hematúria (60% macroscópica) Exames para identificação da glomerulonefrite relacionada a infecção incluem: 1. Evidência sorológica da infecção como ASLO 2. Complementos séricos (C3 e C4); C3 baixo em 90% das crianças com GNDA, os 2 baixos pensar em Lupus, somente C4 baixo suspeitar de GN crioglobulinêmica 3. Creatinina: N ou alto 4. Hemograma: normal ou leucocitose, neutrofilia, anemia normocitica 5. VSG e proteína C reativa: normal ou elevados TRATAMENTO Considerar hospitalização se houver hipertensão ou insuficiência cardíaca. O uso de antibióticos não reverte a glomerulonefrite, mas penicilina é sugerida para tratar infecção documentada e prevenir disseminação para contatos. O tratamento é principalmente de suporte e pode incluir: (Para doses e volume, consultar capítulo Síndrome Nefrótica) 171 a. Furosemida e restrição de sódio para sobrecarga de fluido e hipertensão, durante fase aguda; b. Anti-hipertensivos se hipertensão persistente ou proteinúria; c. Vasodilatadores para hipertensão mantida; d. Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (enalapril ou captopril) não são usados na fase aguda; e. Diálise pode ser necessária nos casos de insuficiência renal aguda, sobrecarga de fluido ou distúrbio eletrolíticos que não respondem ao tratamento. COMPLICAÇÕES 1.Síndrome nefrítica - 50-90% da síndrome nefrítica aguda em crianças é causada por GN pós estreptocócica em países subdesenvolvidos; 2.Alteração grave da função renal pode acontecer em pacientes com síndrome nefrítica rapidamente progressiva; 3.Insuficiência renal aguda; 4.Doença renal crônica em crianças; 5.Vasculite cerebral complicando GN (alterações na tomografia de crânio); 6.Encefalopatia transitória secundária a hipertensão; 7.Trombocitopenia e anemia hemolítica. PROGNÓSTICO: O prognóstico é muito bom nos pacientes em que os sintomas da glomerulonefrite duram menos de 2 semanas e a função renal e os complementos melhoram em 4-8 semanas. A hematúria geralmente dura até 6 meses e a proteinúria pode persistir. O prognóstico é pior em adultos e nos pacientes com proteinúria nefrótica. REFERÊNCIAS 1 KANJANABUC, H. T.; KITTIKOWIT, W.; EIAM-ONG, S. An update on acute postinfectious glomerulonephritis worldwide. Nature Review Nephrology. v. 5, n. 5, p. 259-269. maio 2009. 2 AHN, S. Y,; INGULLI, E. Acute poststreptococcal glomerulonephritis: an update. Current Opinion Pediatrics, Philadelphia, v. 20, n. 2, p. 157-162. abr. 2008. Disponível em:< http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/130/3/e710.full.pdf >. Acesso em: 29 out. 2016. 3 RODRIGUEZ-ITURBE, B.; MUSSER, J. M. The current state of poststreptococcal glomerulonephritis. Journal of the American Society of Nephrology, Baltimore, v. 19, n. 10, p. 1855-1864, out. 2008. Disponível em:< http://jasn.asnjournals.org/content/19/10/1855.full.pdf+html>. Acesso em: 29 out. 2016. 4 NATIONAL GUIDELINE CLEARINGHOUSE. Kidney Disease: improving global outcomes (KDIGO) Glomerulonephritis Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Glomerulonephritis. Kidney International, v. 2, n. 2, p. 139-274.2011. Suplemento. Disponível em: < https://www.guideline.gov/summaries/summary/38244 >. Acesso em: 29 out. 2016. 172 CAPÍTULO 33 HEPATITES VIRAIS A, B E C RAQUEL BORGES PINTO LIEGE FERREIRA RODRIGUES INTRODUÇÃO As hepatites virais são doenças provocadas por diferentes agentes etiológicos com tropismo primário pelo parênquima hepático, tais como: vírus das hepatites A, B, C, D e E. Estes apresentam características epidemiológicas, clínicas e laboratoriais semelhantes, porém com importantes particularidades. Neste capítulo abordaremos as hepatites A, B e C, que são as mais frequentes em nosso meio.1 HEPATITE A Doença infecciosa aguda, causada pelo Vírus da Hepatite A (VHA), pode apresentar-se na forma aguda ou fulminante. Não cronifica. Agente etiológico: Vírus da Hepatite A (VHA). Vírus RNA, da família Picornaviridae.1 Modo de transmissão: A principal via de contágio é a fecal-oral, além de contato inter-humano ou por meio de água ou alimentos contaminados. A transmissão parenteral é rara.1 Período de incubação: de 15 a 45 dias.1 Período de transmissibilidade: Ocorre desde duas semanas antes do início dos sintomas até, pelo menos, uma semana após o início da icterícia, de outros sintomas clínicos ou da elevação dos níveis das enzimas hepáticas.1 QUADRO CLÍNICO Na maioria das vezes é autolimitada e de caráter benigno. Em menores de seis anos geralmente é pouco sintomática ou assintomática. Os sintomas incluem: indisposição, fadiga, anorexia, náuseas, vômito, desconforto abdominal, febre, colúria, acolia, icterícia e diarréia.1 Formas atípicas da doença: colestática, polifásica, recorrente ou associada a pancreatite e aplasia de medula.2 DIAGNÓSTICO: IgM anti-HVA (técnica de imunoensaio). Positiva entre 5 a 10 dias após a infecção e geralmente está indetectável entre 4 e 6 meses da infecção. O teste anti-HVA total (IgG) permanece reagente após a infecção ou imunização durante toda a vida do paciente.1 Complicações: ● Hepatite fulminante: ocorre em apenas 1% dos casos, mas é a principal causa de insuficiência hepática aguda em nosso meio.2 ○ Diminuição dos fatores de coagulação e presença de encefalopatia hepática no período de até 8 semanas após o início da icterícia. ○ A mortalidade é de 40 a 80%. 173 TRATAMENTO É preconizado repouso relativo até regularização das aminotransferases. Evitar drogas hepatotóxicas, como o paracetamol e restringir a ingestão de álcool por 6 meses. SEGUIMENTO: Após a alta, as consultas devem ser realizadas com intervalos de duas semanas no primeiro mês. As consultas subsequentes devem ser mensais acompanhadas de seguimento laboratorial com dosagem de aminotransferases, tempo de protrombina (TP), bilirrubinas e albumina. No início do acompanhamento, realiza-se adicionalmente GGT (gama-glutamil transferase) fosfatase alcalina e proteínas totais e frações.3 O critério de alta inclui: Remissão dos sintomas, normalização do TP e das transaminases (pelo menos 2 dosagens normais com intervalo de 4 semanas). Medidas de prevenção: A hepatite A pode ser prevenida através da utilização da vacinação contra o VHA e da melhoria das condições de vida, com adequação do saneamento básico e medidas educacionais de higiene. HEPATITE B INTRODUÇÃO Mais de 360 milhões de pessoas são infectadas cronicamente pelo vírus da hepatite B (VHB) no mundo. Apesar da incidência ter diminuído drasticamente após a implementação dos programas de imunização universal, um número significante de crianças ainda são infectadas, sendo a transmissão perinatal responsável por mais de 50% das infecções crônicas.4 Após a exposição, o risco de cronicidade é maior para recém-nascidos (90%), lactentes e crianças menores de 5 anos (25-30%) e maiores de 5 anos (25-30%) do que para adolescentes e adultos (<5%).4 Agente etiológico: Vírus da Hepatite B (VHB). Vírus DNA, da família Hepadnaviridae.1 Modo de transmissão: Ocorre por via parenteral (compartilhamento de agulhas e seringas, tatuagens, piercings, procedimentos odontológicos ou cirúrgicos, etc.), e predominantemente por via sexual. A transmissão vertical também é causa comum de infecção.1,3 O risco de transmissão para recém-nascido de gestantes com evidência de replicação viral é de 70 a 90% e entre 10 a 40% nos casos sem evidência de replicação viral.3 Período de incubação: 30 a 180 dias.1 Período de transmissibilidade: Duas a três semanas antes dos primeiros sintomas, mantendo-se durante a evolução clínica da doença. O portador crônico pode transmitir por vários anos. QUADRO CLÍNICO E COMPLICAÇÕES A hepatite B pode apresentar-se de forma aguda ou crônica. Apenas 30% manifestam a forma ictérica. A hepatite aguda costuma ser identificada pelo aumento dos níveis séricos das aminotransferases associado a sintomas de uma infecção viral inespecífica, com leves alterações gastrintestinais. Após essa fase inicial, pode ocorrer a forma ictérica da doença, seguida de uma fase de convalescença, com melhora progressiva do quadro clínico do indivíduo.1 174 Na forma crônica, caracterizada por persistência da positividade do HBsAg por mais de 6 meses, os pacientes costumam ser assintomáticos. A infecção crônica pode ser dividida em 4 fases: 1a fase:imunotolerância; 2a fase: imunoclearence; 3a fase:portador inativo e 4.reativação. A maioria das crianças e adolescentes com hepatite B crônica, permanece na fase imunotolerante, caracterizada por alta replicação viral e pouca lesão hepática. Apesar da maior parte das crianças com hepatite B crônica apresentarem um curso benigno durante a infância e adolescência, cerca de 3-5% e 0,015% podem desenvolver cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC) antes da vida adulta, respectivamente.4 DIAGNÓSTICO: Os marcadores sorológicos (Tabela 1) podem ser detectados no soro, plasma ou sangue de pacientes infectados por meio de imunoensaios que apresentam, em média, especificidade acima de 99% e sensibilidade acima de 98%. O HBsAg também pode ser detectado por meio de testes rápidos.1 Tabela 1. Marcadores sorológicos para hepatite viral B Marcador Significado HBsAg Infecção pelo VHB - aguda ou crônica Anti-HBc IgM Infecção pelo VHB - aguda ou recente Anti-HBC total (anticorpos IgG) Janela imunológica, infecção crônica VHB Anti-HBs Imunidade pós infecção ou vacina HBeAg Alta replicação e infectividade Anti-HBe Baixa replicação e infectividade Anti-HBc IgG Recuperação ou infecção crônica Anti-HBc IgG + Anti-HBs Infecção passada (“cura”) Anti-HBc IgG + HBsAg Infecção crônica Fonte: Adaptado Manual técnico para o diagnóstico das Hepatites Virais, MS, 2015. Fluxograma 1. Diagnóstico laboratorial pelo vírus da hepatite Fonte: Manual técnico para o diagnóstico das Hepatites Virais, MS, 2015. 175 Fluxograma 2. Diagnóstico laboratorial pelo vírus da hepatite B em menores de 18 meses Fonte: Manual técnico para o diagnóstico das Hepatites Virais, MS, 2015. TRATAMENTO Na forma aguda, acompanhamento ambulatorial, com tratamento sintomático, repouso relativo, dieta conforme aceitação. Não ingerir bebidas alcoólicas, por pelo menos seis meses.4 Cinco medicações são aprovadas para o tratamento de hepatite B crônica em crianças: interferon-α (> 12 meses de idade), lamivudina (> 3 anos), adefovir (> 12 anos), entecavir (> 12 anos) e mais recentemente, tenofovir (16 anos). O tratamento está indicado nas seguintes situações:4 ● ● ● ● ● HBsAg positivo por mais de 6 meses; TGP persistentemente elevada, >1,5 vezes o valor de referência ou >60 UI/L; HBV-DNA ≥ 2000 UI/mL; Biópsia hepática com atividade inflamatória e/ou fibrose moderada a intensa; Ausência de contraindicações ao tratamento. SEGUIMENTO Nas crianças com hepatite B crônica deve ser mantido acompanhamento regular por toda a vida, mesmo nos carreadores inativos, devido ao risco de desenvolver cirrose, CHC e reativação da infecção.4 Ultrassonografia de abdome deve ser realizada a cada 6 ou 12 meses, dependendo do grau de fibrose. Assim como qualquer criança com hepatopatia crônica, a vacina contra hepatite A deve ser realizada pelo risco de descompensação da doença. Medidas de prevenção: A vacinação contra o VHB é altamente eficiente. Sorologia Anti-Hbs pós-vacinação está indicada somente para população de alto risco (recémnascidos filhos de mães HBsAg positivas ou pacientes imunodeprimidos) e deve ser solicitada 1-2 meses após o final da última dose do esquema vacinal. Se for negativa, pode ser realizada mais 3 doses da vacina.4 176 Outras formas de prevenção são a adoção de práticas sexuais seguras com o uso de preservativo e o não compartilhamento de objetos de uso pessoal (lâminas de barbear, escovas de dente, material de manicure e pedicure, objetos para o uso de drogas, confecção de tatuagem e colocação de piercing).1 Atualmente está recomendado o tratamento de gestantes HBsAg positivas com viremias elevadas (>106 UI/ml) durante o último trimestre da gestação com Tenofovir.4 _____________________________________________________________________________________________________ HEPATITE C INTRODUÇÃO A prevalência da hepatite C crônica é de aproximadamente 0,1 a 2%. Crianças com hepatite C crônica diferem de adultos em vários aspectos como: modo de transmissão, taxa de clearance, progressão para fibrose e potencial de cronificação quando adquirida no período neonatal. Agente etiológico: Vírus da Hepatite C (VHC). Vírus RNA, da família Flaviviridae.1 Modo de transmissão: Ocorre principalmente por via parenteral. A transmissão sexual é pouco frequente,1,5 e a transmissão via hemoderivados é insignificante.5 O mecanismo primário de infecção em crianças é a transmissão vertical. Gestantes com carga viral elevada ou coinfectadas pelo HIV apresentam maior risco de transmissão para o recém-nascido. Não há evidência de que o parto normal ou aleitamento materno aumentem o risco de infecção do bebê. A amamentação não está contraindicada, porém é prudente evitar se houver sangramento mamilar ou mastite.5 Período de incubação: 15 a 150 dias.1 Período de transmissibilidade: Inicia-se uma semana antes do surgimento dos sintomas e mantém-se enquanto o paciente apresentar RNA-HCV reagente. QUADRO CLÍNICO Crianças infectadas pelo HCV através da transmissão vertical são assintomáticas ao nascimento e apresentam poucas manifestações clínicas nos primeiros 5 a 10 anos de vida. A infecção aguda pelo VHC é infrequente em pediatria e costuma ser assintomatica. Aproximadamente 20 a 30% dos casos podem apresentar icterícia, e 10 a 20%, apresentam sintomas inespecíficos, como anorexia, mal estar e dor abdominal.1 COMPLICAÇÕES Diferentemente dos adultos infectados pelo VHC que apresentam uma alta propensão para infecção crônica (70-80% dos casos), as crianças possuem uma alta taxa de resolução espontânea, usualmente nos primeiros 24 meses de idade, quando adquirem a doença pela via perinatal.5 DIAGNÓSTICO As técnicas utilizadas de imunoensaios detectam o anticorpo anti-HCV (Fluxograma 4), que indica contato com o VHC. O Anti-HCV não é útil para avaliação da transmissão materno-infantil antes dos 18 meses, pois a IgG atravessa a barreira placentária. Pode ser feito quantificação de carga viral após os 2 meses de vida.5 Se indetectável, deverá ser confirmado com a repetição do teste após 3 a 6 meses da coleta da 1a amostra.5 177 Os testes de biologia molecular permitem uma detecção mais precoce da infecção pelo HCV e são utilizados para confirmação dos casos anti-HCV reagentes.1 A hepatite C crônica é definida como RNA-HCV detectável por pelo menos 6 meses.1 A documentação da soroconversão da criança deve ser confirmada com a realização de sorologia anti-HCV entre 12 e 18 meses de idade.1 Fluxograma 3. Diagnóstico da infecção pelo vírus da hepatite C Fonte: Manual técnico para o diagnóstico das Hepatites Virais, MS, 2015. TRATAMENTO A indicação de tratamento de hepatite C crônica em crianças deve ser considerado quando ocorre elevação persistente das transaminases (por mais de 6 meses) e a biópsia hepática apresentar inflamação e/ou fibrose moderada. Os tratamentos atualmente disponíveis em pediatria são interferon alfa (α-IFN), interferon peguilado (IFN PEG) e ribavirina.5 SEGUIMENTO Crianças com hepatite C crônica que não tem indicação de tratamento devem ser avaliadas anualmente. As avaliações periódicas devem incluir: transaminases, bilirrubinas, albumina, HCV RNA, hemograma com plaquetas, TP e RNI (se cirrose presente). Se doença hepática significativa (cirrose) considerar ecografia e dosagem de alfa-fetoproteína anual ou semestralmente.5 REFERÊNCIAS 1.BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. O Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.p.68, 2015. 2.Ferreira CT, Silveira TR. Hepatites virais: aspectos da epidemiologia e da prevenção. Rev. Bras. Epidemiol.v. 7, n.4, p.:473-87, 2004. 178 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Hepatites virais: o Brasil está atento. Ministério da Saúde – 3. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, p.60, 2008. 4.Sokal EM, Paganeli M, Wirth S, Socha P, Vajro P, Lacaille F, Kelly D, Vergani G. Management of chronic hepatitis B in childhood: ESPGHAN clinical practice guidelines. Consensus of an expert panel on behalf of the European Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition.Journal of Hepatology, v.59, p 814-29, 2013. 5.Mack CL, Gonzalez-Peralta RP, Gupta N, Leung D, Narkewicz MR, Roberts EA, Rosenthal P, Schwarz KB, NASPGHAN Practice Guidelines: Diagnosis and Management of Hepatitis C Infection in Infants, Children, and Adolescents. JPGN. v..54, n.6,p.838-55, 2012. 179 CAPÍTULO 34 HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA ANA CLÁUDIA DELAI RIBEIRO LOURDES RAUBER; ILÓITE M. SCHEIBEL INTRODUÇÃO Definição: Hipertensão arterial sistêmica (HAS) é definida como a pressão arterial sistólica (PAS) e/ou pressão arterial diastólica (PAD) maior ou igual ao percentil 95 para sexo, idade e altura em 3 ou mais ocasiões ( anexos 1 e 2). Classificação: ● Pré-hipertensão: PAS e/ou PAD maior ou igual ao percentil 90 e menor que o 95. Adolescentes, assim como adultos, com PA maior ou igual a 120/80mmHg são definidos como pré-hipertensos. ● Hipertensão do jaleco branco: paciente apresenta níveis de PA acima do percentil 95 em consulta médica, mas é normotenso em outro ambiente. É necessário MAPA para realizar esse diagnóstico. ● Hipertensão estágio 1: PA entre os percentis 95 e 99 mais 5 mmHg. ● Hipertensão estágio 2: PA maior que o percentil 99 mais 5 mmHg. Incidência/prevalência: HAS em lactentes e crianças pequenas é incomum, com prevalência menor que 1%. Quando presente, é indicativa de hipertensão secundária. Hipertensão primária aumentou em prevalência em paralelo com a epidemia da obesidade. Estima-se que 4% dos jovens americanos sejam hipertensos, e 10% tenham pré-hipertensão.¹ Etiologia/Fisiopatologia: ● Hipertensão primária: geralmente associada à obesidade. Normalmente apresentam valor de PA no percentil 95 ou um pouco acima disso, com história familiar de hipertensão ou doença cardiovascular. A causa tende a ser multifatorial: hereditariedade, dieta, estresse e obesidade podem estar implicados no seu desenvolvimento. ● Hipertensão secundária: causada na maioria das vezes por doenças renais. Doenças cardiovasculares e endocrinológicas são etiologias adicionais. A hipertensão renal – glomerulonefrite crônica, refluxo ou nefropatia obstrutiva, SHU e doenças renais policísticas ou displásicas – ou renovascular caracteriza 90% dos casos de hipertensão secundária. Outras causas a serem consideradas: coarctação de aorta, trombose de veia renal, shunt arteriovenoso, causas endocrinológicas (hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, hiperplasia adrenal, Síndrome de Cushing), outras síndromes (Willians, Turner), abuso de drogas, tabagismo e uso de anticoncepcionais orais. 180 QUADRO CLÍNICO Na hipertensão primária normalmente as crianças apresentam-se assintomáticas, com aumentos discretos de PA detectados em exame de rotina ou em avaliação para prática esportiva. São comuns as lesões subclínicas de órgãos alvo, como a hipertrofia de ventrículo esquerdo, presente em 40% das crianças com hipertensão. Outras manifestações comuns são a retinopatia hipertensiva e a microalbuminúria. ● Na hipertensão secundária existem elevações de PA variadas, e normalmente não produzem sintomas. As manifestações clínicas encontradas podem ser características da doença de base. DIAGNÓSTICO ● Baseia-se em anamnese e exame físico detalhados, buscando descobrir causas subjacentes, avaliação para comorbidades, e triagem para evidências de lesão de órgão alvo. ● Anamnese: informações de sinais/sintomas que sugiram doença renal (hematúria, edema), cardíaca (palpitações, dor torácica, dispneia) ou de outros sistemas (endócrino, reumatológico). Passado médico, como internações prévias, traumas, infecções urinárias, problemas para dormir. História familiar de HAS, obesidade, DM, apnéia do sono, doença renal, doenças endocrinológicas. Drogas/medicações em uso ou de uso prévio. ● Exame físico: buscar as principais causas de HAS secundária, usando as informações da anamnese para guiar o exame. Adolescentes acima do peso com história familiar positiva e alterações leves de PA normalmente não necessitam de uma investigação tão detalhada. ● Todas as crianças com diagnóstico de HAS devem realizar os seguintes exames para avaliar comorbidades: ○ Hemograma, EQU, ureia, creatinina, eletrólitos, urinálise, urocultura, perfil lipídico, glicemia de jejum ○ Ecocardiograma, ecografia renal ○ Exame de retina ● Outros exames como polissonografia, imagem renovascular, arteriografia, MAPA, entre outros, serão guiados pelo estágio no qual a criança será classificada (pré-hipertensão, estágio 1 ou 2) e pelos achados na anamnese, exame físico e fatores de risco que a mesma apresentar. Aferição da PA : ● Deve ser realizada em todas as crianças acima de 3 anos: ▪ Período de repouso mínimo de 5 minutos sentada. ▪ Método preferido é pela auscultação, com manguito adequado ao braço da criança. Colocar o braço apoiado, com a fossa cubital no nível do coração. ▪ Manguito adequado: largura da bolsa de no mínimo 40% da circunferência do braço superior, cobrindo no mínimo 2/3 do braço e 80-100% do seu comprimento. ▪ PAS é indicada pelo aparecimento do 1o som de Korotkoff e a PAD pelo 5o. 181 ▪ MAPA: útil na avaliação de hipertensão do jaleco branco, resistência à terapia medicamentosa e pacientes com episódios de hipotensão com uso de medicação anti-hipertensiva. PREVENÇÃO: ● Controle da pressão é parte da prevenção de doenças cardiovasculares e AVC. ● As abordagens de prevenção à HAS e fatores associados a esta, como obesidade, incluem redução de peso e de ingesta de sódio, estímulo à atividade física e orientação ao não consumo de álcool e fumo na adolescência. TRATAMENTO ● HAS relacionada a obesidade: Mudança de estilo de vida para diminuição de peso através de dieta e exercícios. ○ Atividade física regular, restrição de atividades sedentárias e modificações dietéticas precisam fazer parte dessa terapêutica. Esta estratégia deve ser usada para todos os pacientes pediátricos com valores de PA acima do percentil 90. ● Indicações de terapia com drogas anti-hipertensivas: ○ Hipertensão secundária, hipertensão sintomática, evidência de lesão de órgãoalvo, diabete melitus tipo 1 e 2 e resposta insuficiente a mudanças de estilo de vida. ● Anti-hipertensivos (Tabela 3): ○ Iniciar com 1 agente anti-hipertensivo, otimizar a sua dose e, se o valor alvo de PA não for alcançado ou houver efeitos colaterais, uma segunda droga pode ser adicionada. ● Classes aceitáveis de drogas na pediatria: IECA, bloqueadores do receptor de angiotensina, beta-bloqueadores, bloqueadores do canal de cálcio e diuréticos. ● O alvo da terapia é a redução da PA abaixo do percentil 95 em HAS não complicada e abaixo do percentil 90 na HAS complicada, que se caracteriza pela presença de lesão de órgão alvo, comorbidades ou presença de fator de risco, como a dislipidemia. Tabela 3. Medicamentos anti-hipertensivos e doses preconizadas Medicamentos Dose inicial Dose máxima 5 mg Anlodipino (6-17a) 2,5 mg posologia 1x dia Nifedipina XL 0,25-0,5 mg/kg/d 3 mg/kg/d- até 120mg/dia 1x dia Captopril 0,3-0,5 mg/kg/dose 6 mg/kg/dose 3x dia Enalapril 0,08 mg/kg/d- até 5mg/d 0,6 mg/kg/dia- até 40mg/dia 1x dia Losartana 0,7 mg/kg/d- até 50mg/d 1,4 mg/kg/d- até 100mg/dia 1x dia Propranolol 1-2 mg/kg/d 4 mg/kg/d até 640mg/dia 2-3x dia Atenolol 0,5-1 mg/kg/d 2 mg/kg/d 1-2x dia Furosemida 0,5-2 mg/kg/dose 6 mg/kg/d 1-2x dia 182 Hidroclorotiazida 1mg/kg/d 3 mg/kg/d até 50mg/dia 1x dia Espironolactona 1mg/kg/d 3,3 mg/kd/d até 100mg/dia 1-2x dia Clonidina (>12a) 0,2 mg/kg/d 2,4mg/kg/dia 2x dia Hidralazina 0,75 mg/kg/d 7,5 mg/kg/d- até 200mg/dia 1x dia Fonte: NIH publication, 2005. REFERÊNCIAS 1. US DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES; NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH; NATIONAL HEART LUNG AND BLOOD INSTITUTE The Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of high blood pressure in children and adolescents. NIH publication, 2005. Disponível em: <https://www.nhlbi.nih.gov/files/docs/resources/heart/hbp_ped.pdf>. 2. LANDE, M. B. Hipertensão Sistêmica. In: KLIEGMAN,R.; JENSON, H.B.; et al. Nelson Tratado Pediatria. 19ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013 cap. 439, p.1637-1645. 3. KOCH, H. K.; FURUSAWA, E.; SILVA, A. C. S. Hipertensão Arterial. In: LOPEZ, F. A.;JUNIOR, D. C., et al (Ed.). Tratado de Pediatria - Sociedade Brasileira de Pediatria. 3ed. Barueri, SP: Manole, 2014. cap. 8, p.1967-1712. ANEXOS Tabela 1: Níveis de Pressão arterial para meninas por idade e pecentil de estatura Tabela 2: Níveis de Pressão arterial para meninos por idade e pecentil de estatura Fontes: Fourth US Task Force Report on Hypertension ,1987 183 Tabela 1: Níveis de Pressão Arterial para meninas por idade e pecentil de estatura 184 Tabela2: Níveis de Pressão Arterial para meninos por idade e percentil de estatura 185 CAPÍTULO 35 HIPERATIVIDADE: TDAH NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA BRENO MATTE INTRODUÇÃO O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurodesenvolvimental que se manifesta na infância com sintomas de desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade inadequados para a idade do sujeito, atingindo cerca de 5% das crianças e adolescentes no mundo e sendo mais frequente em meninos. O transtorno vem tendo maior visibilidade nos últimos anos; ainda assim, a prevalência mundial parece não estar aumentando, e a dificuldade de acesso a avaliações, o subdiagnóstico e o subtratamento ainda são problemas relevantes no Brasil. Ao longo da vida, o TDAH causa prejuízo funcional nos domínios escolar/acadêmico, ocupacional, emocional, comportamental e familiar/social, aumentando o risco de desfechos negativos como abuso de substâncias, comportamento antissocial, acidentes de trânsito, gravidez na adolescência, DST, entre outros. Há alta frequência de comorbidades, em especial com Transtorno de Oposição e Desafio (em até 70% dos casos) e Transtorno de Conduta (em até 1/3 dos casos, principalmente em meninos), Transtornos de Ansiedade e Depressão (em até 1/3 dos casos) e Transtornos do Aprendizado (em até metade dos casos). O TDAH tem etiologia complexa. Há uma base genética robusta, com herdabilidade (proporção da variância fenotípica explicada por fatores genéticos) de aproximadamente 75%. Há alterações em áreas como córtex pré-frontal e estriado, gerando prejuízos em funções executivas (memória de trabalho, flexibilidade, planejamento antecipado, abstração) e na inibição de respostas comportamentais. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Os sintomas de hiperatividade/impulsividade costumam ser identificados mais cedo, na idade pré-escolar, ter um pico de intensidade na idade escolar e diminuir ao longo da adolescência e da vida adulta. Os sintomas de desatenção costumam ser identificados mais tarde, na idade escolar, e persistir ao longo da adolescência. Existe uma tendência geral de declínio dos sintomas com o crescimento (principalmente no domínio de hiperatividade/impulsividade); entretanto, em até 65% dos casos há a manutenção de alguns sintomas na vida adulta. A prevalência de TDAH em adultos gira em torno de 2,5%. 186 O diagnóstico de TDAH é clínico. Ainda não há testes adicionais (laboratoriais, genéticos, de imagem, eletroencefalográficos, neuropsicológicos) com desempenho diagnóstico suficiente para ter uso fora de contextos de pesquisa. Utiliza-se os critérios diagnósticos estabelecidos pelo DSM-5, resumidos na Tabela 1. Durante a avaliação, é muito importante verificar não só a quantidade de sintomas (critério A), mas também se houve início na infância (critério B), se o quadro é pervasivo (critério C) e se há clara presença de prejuízo funcional (critério D). Avaliar apenas a lista de sintomas pode aumentar a detecção de falsos positivos. Obter informações de múltiplos informantes (o próprio paciente, família, escola) é fundamental não só em função da exigência da pervasividade dos sintomas para o diagnóstico, mas também porque é frequente que a apresentação clínica varie entre os ambientes e que não haja concordância entre os informantes quanto à intensidade dos sintomas. Escalas para medição de sintomas (como a SNAP-IV) são úteis na avaliação inicial e no monitoramento da resposta ao tratamento, ainda que isoladamente não sejam suficientes para realizar o diagnóstico. O diagnóstico diferencial de TDAH é extenso: ● Deficiência Intelectual e Transtornos do Espectro Autista, podem ser diferenciadas de TDAH através de uma avaliação da história do desenvolvimento do paciente. ● Transtornos psiquiátricos serão diferenciados através de escalas comportamentais mais abrangentes (CBCL, por exemplo) e entrevista para avaliação de outros sintomas além das queixas de desatenção e agitação. ● Abuso, negligência, disfunções familiares mais graves e outras situações estressoras podem ser identificadas com uma avaliação psicossocial cuidadosa. ● Baixa acuidade visual e auditiva, com uma triagem de visão e audição. Apesar de não ser rotina, pode ser desejável a realização de testes adicionais para avaliar outras causas para as dificuldades do paciente. Em algumas situações clínicas, pode-se considerar avaliação com geneticista para síndromes neurodesenvolvimentais específicas (como X-frágil e síndrome alcoólica fetal), polissonografia para transtornos de sono, avaliação clínica e laboratorial para doenças clínicas específicas (anemia, desnutrição, diabetes, disfunções de tireoide). Mais frequentemente, pode ser útil realizar avaliação neurológica e eletroencefalográfica (EEG) para epilepsia, testagem psicométrica para medição de inteligência e detecção de Deficiência Intelectual e avaliação psicopedagógica para detecção de dificuldades e transtornos específicos do aprendizado. 187 Tabela 1. Critérios diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade – DSM-5 1. Seis* (ou mais) sintomas de desatenção (duração mínima de 6 meses, em grau inconsistente com a fase do desenvolvimento, causando impacto negativo direto nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais): Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em a tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades. Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades b lúdicas. Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente. c Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos d escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho. Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades. e Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam f esforço mental prolongado. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades. g Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos. h Frequentemente apresenta esquecimento em atividades diárias. i 2. Seis* (ou mais) sintomas de hiperatividade/impulsividade (duração mínima de 6 meses, em grau inconsistente com a fase do desenvolvimento, causando impacto negativo direto nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais): Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira. a Frequentemente levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça b sentado. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado. c Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer d calmamente. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado". e Frequentemente fala demais. f Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido g concluída. Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez. h Frequentemente interrompe ou se intromete. i Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estavam presentes antes dos 12 anos de idade. Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estão presentes em dois ou mais ambientes (p. ex., em casa, na escola, no trabalho; com amigos ou parentes; em outras atividades). Há evidências claras de que os sintomas interferem no funcionamento social, acadêmico ou profissional ou de que reduzem sua qualidade. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou outro transtorno psicótico e não são mais bem explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno dissociativo, transtorno da personalidade, intoxicação ou abstinência de substância). *Observação: para adultos, 5 sintomas em cada uma das dimensões são suficientes para o diagnóstico 188 A B C D E TRATAMENTO O tratamento visa a melhorar os sintomas de TDAH e o prejuízo funcional que eles acarretam. ● Em pré-escolares, o tratamento inicial deve ser não farmacológico (medidas comportamentais), e a medicação é encarada como adjuvante nos casos mais graves. ● Em escolares, adolescentes e adultos, o tratamento inicial já deve envolver uma combinação de medidas comportamentais e medicação. ● Em todas as faixas etárias, é recomendável que as comorbidades psiquiátricas também sejam tratadas; usualmente, é desejável que o tratamento de transtornos de humor e ansiedade já esteja instituído antes de um eventual uso de medicação para TDAH. As medidas comportamentais tem um tamanho de efeito moderado na melhora clínica, sendo mais eficazes para agressividade e dificuldades de relacionamento do que para os sintomas nucleares do TDAH. Ainda assim, são componentes fundamentais de qualquer programa de tratamento. Como princípio geral, os adultos devem realizar o reforço positivo dos comportamentos desejáveis do paciente, estimulando-o a querer repeti-los; e o reforço negativo dos comportamentos indesejáveis do paciente, estimulando-o a querer cessá-los. Tais orientações ao paciente, família e escola podem ser feitas durante as consultas clínicas ou através da organização de um tratamento psicoterápico familiar com enfoque cognitivo-comportamental para treinamento dos pais. A psicoterapia individual sistemática para crianças e adolescentes, além de pouco disponível na rede de saúde pública, tem pouco efeito sobre os sintomas nucleares do TDAH; quando indicada, o modelo mais eficaz é o de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), com foco na solução de problemas, que pode ser útil para casos selecionados de crianças maiores e adolescentes. Em termos práticos, algumas mudanças ambientais costumam ser úteis e devem ser orientadas pelos profissionais de saúde: ● manter uma rotina estruturada, com horários regulares e locais específicos para estudo, brinquedo e objetos pessoais; ● diminuir as distrações durante os momentos de concentração (estudar sem telas ligadas; sentar na frente da sala de aula; conforme o caso, fazer provas em ambiente separado); ● usar estratégias de comunicação favoráveis (dar ordens e tarefas curtas, uma de cada vez; quebrar tarefas longas em várias tarefas menores; olhar nos olhos do paciente), usar reforços visuais (listas, bilhetes, murais, agenda); ● favorecer a participação do paciente em atividades em que ela tenha um bom desempenho (se possível, envolvendo atividade física); ● manter limites claros e consistentes, relembrando-os frequentemente; reconhecer e recompensar imediatamente o comportamento positivo; ● ajudar o paciente a planejar meios de lidar com situações de conflito (pensar antes de agir, chamar um adulto); 189 ● aplicar a disciplina de maneira calma e coerente. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO é um dos pilares do manejo do TDAH. • MEDICAMENTOS ESTIMULANTES, Agentes estruturalmente semelhantes à anfetamina, são a primeira escolha, pois funcionam desde as primeiras doses, tem tamanho de efeito grande sobre os sintomas do transtorno e geram boa resposta em 80% das crianças tratadas. Antes de iniciar um estimulante, as crianças com história sugestiva de epilepsia devem passar por uma avaliação com neurologista e/ou EEG, e as crianças com história pessoal de problemas cardíacos, dor precordial, síncope, dispneia ao exercício ou com história familiar próxima de arritmias ou morte súbita devem passar por uma avaliação com cardiologista e/ou eletrocardiograma (ECG). É sempre recomendável uma avaliação básica de índices de crescimento ponderoestatural, assim como a medição de pressão arterial (PA) e frequência cardíaca (FC) pré-tratamento. Os efeitos adversos mais frequentes são diminuição de apetite (usualmente sem reflexos intensos no peso, crescimento e altura-alvo), insônia, cefaleia, náusea/dor abdominal, aumentos discretos de FC (3-10 bpm) e PA (2-6 mmHg) e surgimento/exacerbação de tiques. Priapismo e convulsões são efeitos adversos menos frequentes, mas mais graves. A associação causal de estimulantes com arritmia/morte súbita não está estabelecida; ainda assim, é prudente suspender a medicação e realizar avaliação cardiológica caso surjam sintomas cardíacos durante o tratamento. Metilfenidato de liberação imediata (Ritalina, disponível em comprimidos de 10 mg): primeira alternativa dentre os estimulantes. O efeito é de curta duração (entre 2 e 4 horas): múltiplas doses por dia e até mesmo reforço de dose dentro de um mesmo turno escolar podem ser necessários, tornando a posologia pouco cômoda. É recomendável o início com dose baixa, como 5 mg/dia, e aumento gradual a cada poucos dias até uma dose-alvo inicial de aproximadamente 0,7-1,2 mg/kg/dia. A dose máxima usual é de 60 mg/dia, ainda que, em casos selecionados, o uso judicioso de doses um pouco maiores possa ser indicado quando houver espaço para melhora e ausência de efeitos adversos, até a faixa de 2-3 mg/kg/dia, com monitoramento frequente de efeitos adversos. Metilfenidato de liberação imediata é o agente mais barato dentre os estimulantes e pode ser disponibilizado gratuitamente aos pacientes com TDAH mediante processo administrativo junto ao estado após preenchimento de formulários padronizados de solicitação de medicamentos especiais. Metilfenidato de longa ação (Ritalina LA de 10, 20, 30 e 40mg – é possível abrir a cápsula; Concerta de 18, 36, 54mg – é necessário usar a cápsula inteira), A duração de efeito é de 8-12h, permitindo uma tomada única diária. São mais caras que o metilfenidato de liberação imediata, mas têm posologia mais confortável. São úteis quando há dificuldade de adesão a várias tomadas diárias e quando há efeito 190 rebote após o término do efeito das formulações de liberação imediata. Por terem pico de ação menos intenso, são em tese mais adequadas quando o paciente tem familiares com uso abusivo de substâncias. Lisdexanfetamina (Venvanse 30, 50 e 70mg) é um precursor de dextroanfetamina que tem duração de efeito de 12h. Por não ser uma formulação de metilfenidato, é uma escolha razoável quando há efeitos adversos com metilfenidato, antes de uma troca para agentes de segunda linha. Todos os estimulantes são prescritos em receituário controlado tipo A (amarelo), disponível para todo médico cadastrado no seu Conselho Regional de Medicina, mesmo não sendo especialista. MEDICAÇÕES NÃO ESTIMULANTES São consideradas de segunda linha no tratamento medicamentoso do TDAH. Em situações de falha no tratamento ou efeitos adversos intoleráveis com agentes estimulantes, é razoável uma reavaliação diagnóstica cuidadosa, uma intensificação do tratamento não farmacológico (considerar psicoterapia sistemática, se ainda não foi iniciada) e uma tentativa de uso de medicações não estimulantes, ainda que o tamanho de efeito sobre os sintomas seja de pequeno a moderado. Bupropiona (dose máxima de 300 mg/d ou 6 mg/kg/dia em crianças menores, usualmente em duas tomadas diárias) é um antidepressivo noradrenérgico que não deve ser usado em crianças com histórico de epilepsia. Imipramina (dose máxima de 200 mg ou 4 mg/kg – agente disponível gratuitamente na rede de saúde) e nortriptilina (dose máxima de 100 mg ou 2 mg/kg) são antidepressivos tricíclicos que podem ser usados em uma tomada única diária; doses médias-altas de tricíclicos, como as recomendadas para tratamento de TDAH, tem maior potencial de desencadear arritmias; assim, é prudente a realização de ECG mesmo que não haja sintomas cardíacos nem história pessoal ou familiar de arritmias. Clonidina (5-10 µg/kg/dia divididos em 2-3 tomadas diárias, com máximo de 400 µg/dia; iniciar gradualmente e, em casos de descontinuação, diminuir gradualmente em função do efeito hipertensivo de rebote; atentar para a janela terapêutica estreita e risco de hipotensão em caso de intoxicação) é um alfa-agonista com algum efeito sobre a hiperatividade/impulsividade e pouco efeito sobre a desatenção, também utilizado em casos de tiques induzidos ou exacerbados por metilfenidato. No início do tratamento, é desejável que haja consultas frequentes (semanais ou quinzenais) para ajuste de dose da medicação, monitoramento de efeitos adversos e revisão das medidas comportamentais adotadas pela família e pela escola. Após a melhora clínica, o seguimento pode ser espaçado para consultas mensais ou a cada alguns meses. Com o uso de estimulantes, que tem rápido início de ação, é razoável considerar a realização de pausas da medicação no final de semana, que costumam funcionar melhor quando o paciente tem pouco prejuízo funcional fora do ambiente escolar. 191 Durante as férias escolares, é possível considerar pausas mais longas em casos selecionados. O tratamento deve durar enquanto os sintomas continuarem causando prejuízo funcional significativo. Ausência de necessidade de ajuste de dose com o crescimento e possibilidade de redução de dose sem perda do efeito são indícios de que a intensidade dos sintomas está diminuindo; nestes contextos, pausas mais longas na medicação podem oferecer uma informação clinicamente valiosa e auxiliar na decisão pelo término do tratamento. REFERÊNCIAS 1. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (2013). Diagnostic and statistical. manual of mental disorders (5th ed). Washington, DC. 2.DIAS, T.G.C.; KIELING, K.; GRAEFF-MARTINS, A.S., et al. Developments and challenges in the diagnosis and treatment of ADHD. Rev Bras Psiquiatr v. 35, p. 40–50. 2013 3. FARAONE, S.V.; BIEDERMAN, J.; MICK, E. The age-dependent decline of attention deficit/hyperactivity disorder: a meta-analysis of follow-up studies. Psychol Med v.36, n.2, p.15965. 2006 4. KLEIN, R.G.; MANNUZZA, S.; OLAZAGASTI, M.A., et al. Clinical and functional outcome of childhood attention-deficit/hyperactivity disorder 33 years later. Arch Gen Psychiatry. v. 69, p.1295-303. 2012 5. MATTOS, P.; ROHDE, L.A.; POLANCZYK, G.V. O TDAH é subtratado no Brasil. Rev Bras Psiquiatr . v. 34, p. 513-516. 2012 6.POLANCZYK, G.; DE LIMA, M.S.; HORTA, B.L., et al. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. p. 164-942. 2007 7.POLANCZYK, G.; WILLCUTT, E.G.; SALUM, G.A., et al. ADHD prevalence estimates across three decades: an updated systematic review and meta-regression analysis. International Journal of Epidemiology. p. 434–442.2014 8. THAPAR, A.; COOPER, M.; EYRE, O., et al. What have we learnt about the causes of ADHD? J Child Psychol Psychiatry. p. 54-3. 2013 9.The AACAP Work Group on Quality Issues. Practice Parameter for the Assessment and Treatment of Children and Adolescents With Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. v.46, n.7, p.894-921. 2007 192 CAPÍTULO 36 IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS REGINA WATANABE DI GESU SARAH SELLA LANGER INTRODUÇÃO Conceito: As Imunodeficiências Primárias (IDP) são doenças hereditárias que possuem, em comum, anormalidades nos mecanismos de defesa do hospedeiro que podem ocasionar maior suscetibilidade às infecções de repetição, além da associação a maior incidência de neoplasias e doenças autoimunes. Englobam no mínimo 300 defeitos genéticos imunológicos responsáveis por mais de 200 doenças1, 2. Epidemiologia Estima-se que a prevalência nos Estados Unidos é de aproximadamente 1 em 1200 nascidos vivos, sendo a deficiência de IgA a mais comum, acometendo aproximadamente 1 em cada 300 a 500 3,4. Fisiopatologia A alteração de funcionamento do sistema sistema imune pode dar origem às Imunodeficiências Primárias (IDPs). Fenótipos clínicos originados por um genótipo podem ser diversos, de acordo com variados fatores 5,6. Existem cerca de 200 fenótipos diferentes que predispõe os indivíduos afetados às infecções recorrentes, inflamação crônica e sistêmica, reações de hipersensibilidade, autoimunidade e câncer 7. Por causa desta diversidade, as imunodeficiências foram divididas em grupos para facilitar a compreensão1: 1. imunodeficiências que afetam imunidade celular e humoral 2. imunodeficiências combinadas associadas a síndromes 3. deficiências predominantemente de anticorpos 4. doenças de desregulação imunológica 5. defeitos congênitos de fagócitos 6. defeitos de imunidade intrínseca e inata 7. desordens autoinflamatórias 8. deficiências de complemento 9. fenocópias de imunodeficiência primária QUADRO CLÍNICO As manifestações mais frequentes das IDPs são as infecções de repetição, todavia outras condições podem anteceder ao quadro de recorrência dos processos infecciosos. Para auxiliar nos sinais clínicos que indiquem necessidade de investigação, foram estabelecidos os Dez Sinais de Alerta para IDP na criança, 193 (quadro 1) e também os Doze Sinais de Alerta para IDP em lactentes (Quadro 2) 9,10 Quadro 1. 10 Sinais de Alerta das IDPs, adaptados para o Brasil Duas ou mais pneumonias no último ano Quatro ou mais novas otites no último ano Estomatites de repetição ou monilíase por mais de dois meses Abscessos de repetição ou ectima Um episódio de infecção sistêmica grave (meningite, osteoartrite e septicemia) Infecções intestinais de repetição/diarréia crônica Asma grave, doença de colágeno ou doença autoimune Efeito adverso ao BCG e/ou infecção por Microbactéria Fenótipo clínico sugestivo de síndrome associada à Imunodeficiência História familiar de Imunodeficiência Fonte: Adaptado de Brazilian Group for Immunodeficiency, 2007. Quadro 2. 12 Sinais de Alerta para IDPs em lactentes Infecções graves e/ou persistentes por bactérias, fungos ou vírus Reações adversas a vacinas atenuadas, especialmente BCG Diabetes mellitus persistente ou outra manifestação inflamatória/autoimune Clínica semelhante à septicemia, sem isolamento microbiano Lesões cutâneas extensas Diarreia persistente Defeitos cardíacos congênitos (especialmente anomalias conotruncais) Retratos da queda do coto umbilical (> 30 dias) História familiar de IDP ou morte precoce por infecções Linfocitopenia persistente ou outra citopenia ou leucocitose sem infecção Hipocalcemia com ou sem convulsões Ausência de imagem tímica ao RX tórax Fonte: Adaptado de Carneiro-Sampaio, M. et al 2011. Órgãos acometidos nas Imunodeficiência ● Vias aéreas: otites, pneumonias e sinusites são as manifestações mais comuns entre os pacientes imunodeficientes, principalmente no grupo dos defeitos humorais. ● Pele: eczema e abscessos de repetição sinais importantes de alerta. ● Gastrointestinal: diarréia crônica, doença celíaca e doença inflamatória intestinal podem fazer parte do quadro clínico ● O fígado e as vias biliares também podem estar comprometidos com alterações como hepatomegalia, abscessos e granulomas hepáticos, hepatite autoimune e colangite esclerosante.11 194 ● Alterações auditivas, neurológicas, ósseas, endocrinológicas, fâneros e anexos e articulares. As autoimunidades, desordens linfoproliferativas e malignidades também estão descritas nos quadros clínicos das imunodeficiências. 11, 12 ● As infecções parasitárias recorrentes, como a giardíase também são frequentes em algumas doenças como Imunodeficiência Comum Variável. DIAGNÓSTICO Ao suspeitar de IDP é necessário avaliar os seguintes aspectos da história clínica9,10: 1.Idade do paciente: a. Período neonatal: ● Síndrome DiGeorge, Síndrome Wiskott Aldrich, síndromes combinadas (SCID – imunodeficiência combinada grave), relacionada a anticorpos (Síndrome Hiper IgM, Agamaglobulinemia ligada ao X), defeitos de fagócitos (defeitos de adesão leucocitária) e doenças de desregulação imunológica (IPEX). b.Após 6 meses ● Defeitos humorais (agamaglobulinemia ligada ao X e hipogamaglobulinemia transitória da infância). c. Após 4 anos. ● Prevalecem os defeitos de anticorpos (deficiência seletiva de IgA e hipogamaglobulinemia comum variável). 2.Sexo: ● herança ligada ao X, sendo maior a prevalência no sexo masculino. 3.Início dos primeiros sinais e sintomas ● Caracterizar sinais e sintomas – atentar para condições como broncoespasmo recorrente e refluxo gastroesofágico; ● Caracterizar infecções – número, gravidade, focos infecciosos, resposta a tratamentos instituídos e identificação dos agentes; ● Internações – número e necessidade de cuidados intensivos; 4.Comorbidades ● Histórico neonatal – peso de nascimento, idade gestacional, Apgar, necessidade de internação em UTI neonatal, infecções neonatais, tempo de queda do coto umbilical e triagem neonatal; ● Histórico vacinal – reações adversas a imunização principalmente de organismos vivos e atenuados como a BCG; ● História familiar – comorbidades maternas e paternas, história de óbitos infantis sem causa aparente, história de imunodeficiência, consanguinidade; O EXAME FÍSICO deve avaliar: 1. Desenvolvimento pôndero-estatural; 2. Tecido linfóide (linfonodos e tonsilas); 3. Hepatimetria e presença de outras visceromegalias (esplenomegalia); 4. Articulações – hipermobilidade; 5. Cicatriz vacinal de BCG – cicatrizes amplas podem sugerir quadros anteriores de reação adversa à BCG; 195 6. Estigmas faciais; 7. Dentes e cabelos. Complementação laboratorial 6 1. Hemograma completo 13 – observar linfopenia, eosinofilia, neutropenia (severaabaixo 500 células) neutrofilia – acima 100.000 nas infecções, plaquetopeniamicroplaquetas; 2. Sorologia HIV – imunodeficiência secundária ao vírus HIV; 3. Albumina (hipoalbuminemia) – descartar imunodeficiência secundária; 4. Dosagem de Imunoglobulinas (IgA, IgE, IgG e IgM) – na indisponibilidade de dosagem de imunoglobulinas é possível avaliar a fração gamaglobulina por meio da eletroforese de proteínas; 5. Radiografia de tórax e cavum – avaliar presença de timo e tecido linfóide; 6. Testes cutâneos de hipersensibilidade tardia (Reação de Mantoux); 7. Teste de redução NBT ou Di-hidrorodamina (DHR) – nas avaliações de abscessos de repetição. Mediante necessidade de aprofundar investigação laboratorial, podem ser solicitadas sorologias para rubéola e hepatite (avaliação de resposta vacinal), anticorpos antipolissacarideos, imunofenotipagem de subpopulações de linfócitos, CH50, TRECs (círculos de excisão do receptor de linfócito T) e estudo genético. TRATAMENTO 1. Dieta: oferecer alimentos cozidos e descascados além de liberação de aleitamento materno após descartar infecção por CMV com IgG negativo materno 13. 2. Profilaxia de infecções por Pneumocystis jirovecii nas imunodeficiências combinadas graves e na síndrome Hiper IgM com sulfametoxazol+trimetoprim (SMT+TMP). Em neonatos com menos de 6 semanas, a pentamidina pode ser alternativa no intuito de evitar complicações hepáticas. 3. Antibiótico profilático nos casos de imunodeficiência humoral em que pacientes apresentam infecções de repetição, mas mantém níveis de IgG sem indicação de reposição. Opções de antibióticos: ● Amoxicilina (50mg/kg/dia em 2 ou 3 tomadas), amoxicilina+clavulanato (50 mg/kg/dia em 2 tomadas) ou SMT+TMP (30mg/kg/dia em 2 tomadas- evitar em pacientes com neutropenia). 4. Palivizumabe (anticorpos monoclonais) na profilaxia de infecção por vírus sincicial respiratório, causador de quadros pulmonares graves nestes pacientes. 5. A Reposição de imunoglobulina humana está indicada em casos de defeitos primários com hipogamaglobulinemia e/ou produção de IgG sem função adequada, bem como de imunodeficiência combinada grave e imunodeficiências humorais, conforme os critérios14: a.IgG < 200 mg/dL – todos os pacientes devem repor, exceto aqueles com hipogamaglobulinemia fisiológica sem infecções b.IgG 200-500 mg/dL – associado a infecções recorrentes e graves 196 c.IgG > 500 mg/dL – quando há deficiência de anticorpos específicos e infecções graves e recorrentes É realizada em intervalos de 3-4 semanas com dose de 400-600 mg/kg EV. A via subcutânea (semanal ou quinzenal, 100-150mg/kg/semana)14 pode ser indicada, mas ainda não se encontra padronizada no GHC. Prescrição de Imunoglobulina: 1. Deve-se observar que o paciente esteja hidratado 2. Se ocorrer reação colateral ( febre, cefaléia, calafrios etc) pode-se diminuir ou interromper o gotejo. 3. Prescreve-se em bomba de infusão para evitar infusão rápida sob risco de disfunção renal ou evento trombótico. 4. Solução com apresentação variável de 1,3,5 ou 6g por frasco: A infusão deve ser com aumento gradual. Dose inicial de 0,5mg/kg/min por 15 min. Aumenta-se para 1mg/kg/min nos próximos 30 minutos. A dose será aumentada 1mg/kg/min a cada 30 minutos, até o máximo de 3 mg/kg/min, conforme tolerância. Nunca acelerar o gotejo. 5. Os paraefeitos estão fortemente associados a rapidez de infusão 6. Para evitar paraefeitos como cefaleia pode-se prescrever analgésicos, como paracetamol, antes do início da infusão Cuidados na reposição de imunoglobulinas • Como é hemoderivado, o lote e o nome do produto infundido deve ser anotado a cada aplicação. • Pacientes com doença renal e diabéticos devem evitar produtos com sacarose, sorbitol ou maltose. • Pacientes com doença do metabolismo do aminoácido devem evitar produtos com prolina. • Produtos hiperosmolares constituem risco sério para ocorrência de distúrbios tromboembólicos, especialmente em recém-nascidos, cardiopatas e nefropatas. Monitorização do paciente: ● Controles laboratoriais: hemograma, enzimas hepáticas e função renal trimestralmente; ● Dosagens de imunoglobulinas a cada 6 meses tanto nos pacientes em reposição quanto nos demais; ● Quantificação de cargas virais (Epstein Barr e CMV) anualmente assim como ultrassonografia de abdômen; ● Tomografia de tórax a cada 3 anos, para controle de alterações torácicas. 5.Transplante de células tronco hematopoiéticas12 Opção de tratamento curativo, indicado em algumas IDPs. Outros tratamentos disponíveis são a reposição de enzimas sintéticas indicadas nas deficiências de adenosina deaminase e a terapia gênica, ainda em estudos. 6.Vacinas15 197 Pacientes podem ser vacinados com hepatite B, meningocócica, pneumocócica, tríplice bacteriana, vacina inativada de poliomielite (VIP) e influenza. Encaminhar ao CRIE ( centro de referencia em imunobiológicos), no Hospital Presidente Vargas (HPV) para receber as vacinas, com a indicação especificada. • Imunodeficiência combinada grave: NÃO devem receber vacinas atenuadas e de vírus vivos como BCG, vacina oral contra poliomielite (VOP), vacina contra rotavírus, vacina contra febre amarela e tríplice viral. Familiares destes pacientes também NÃO devem receber VOP. • Imunodeficiências humorais NÃO devem receber BCG, VOP e febre amarela; • Defeito de eixo IL12,23/ IFN gama NÃO podem receber vacinas vivas; • Doença granulomatosa crônica – NÃO receber vacinas bacterianas vivas atenuadas; • Defeitos de adesão leucocitária – NÃO receber vacinas virais e bacterianas atenuadas; • Defeito de complemento – DEVEM vacinar contra Pneumococo, Meningococo e Haemophilus (Hib). 7.Suplementos vitamínicos e reposição de elementos como ferro e zinco podem ser necessários. SEGUIMENTO É importante a identificação e tratamento precoces, evitando sequelas como as bronquiectasias observadas nas pneumonias repetidas e redução da mortalidade5. Pacientes com outras manifestações como alterações gastrointestinais, hematológicas e reumatológicas. Devem ser atendidos por equipe multidisciplinar. Apesar desses pacientes necessitarem de seguimento especializado, os cuidados de puericultura não devem ser deixados de lado, sendo necessária a troca de informações entre pediatras e especialistas. Um dos pontos relevantes do seguimento destes pacientes é a adequação das imunizações ao diagnóstico. 15 Conforme o diagnóstico estabelecido, a equipe responsável definirá qual a conduta adequada, incluindo desde profilaxia de infecções até transplante de células tronco-hematopoiéticas. Ao realizar o tratamento de maneira adequada e controlando riscos de infecções destes pacientes é possível que tenham melhora da sobrevida e sobretudo de qualidade de vida. REFERÊNCIAS 1.PICAR C, Al-Herz W, Bousfiha A, Casanova JL, Chatila T, Conley ME, et al. Primary Immunodeficiency Diseases: an Update on the Classification from the International Union of Immunological Societies Expert Committee for Primary Immunodeficiency 2015. J Clin Immunol. v.35, n.8, p.696-726, 2015. 2.BOUSFIHA AA, Jeddane L, Ailal F, Al Herz W, Conley ME, Cunningham-Rundles C, et al. A phenotypic approach for IUIS PID classification and diagnosis: guidelines for clinicians at the bedside. J Clin Immunol. v.33, n.6:p.1078-87, 2013. 198 4.BOYLE JM, Buckley RH. Population prevalence of diagnosed primary immunodeficiency diseases in the United States. J Clin Immunol. v.;27,n.5. p.497-502, 2007. 5.McCUSKER C, Warrington R. Primary immunodeficiency. Allergy Asthma Clin Immunol,v.7, Suppl 1:S11, 2011. 6.JÚNIOR PR. Imunodeficiências primárias: aspectos relevantes para o pneumologista. J Bras Pneumol. v.5, n.10,p.1008-17, 2009. 7.ERRANTE PR, Franco JL, Espinosa-Rosales FJ, Sorensen R, Condino-Neto A. Advances in primary immunodeficiency diseases in Latin America: epidemiology, research, and perspectives. Annals of the New York Academy of Sciences. 1250: p. 62-72, 2012. 8.GOUDOURIS ES, Kovalhuk LCS. Imunodeficiências: clínica. In: Solé, Dirceu (Ed.); Bernd, Luiz Antônio Guerra (Ed.); Rosário Filho, Nelson (Ed.). Tratado de Alergia e Imunologia Clínica. São Paulo: Atheneu; p. 443-62, 2011. 9.Immunodeficiency BGf. Imunodeficiência Primária: Os dez sinais de alerta. In: Bragid, editor. 2007. 10.CARNEIRO-SAMPAIO M, Jacob CM, Leone CR. A proposal of warning signs for primary immunodeficiencies in the first year of life. Pediatr Allergy Immunol.22(3): p. 345-6, 2011. 11.LEHMAN H, Hernandez-Trujillo V, Ballow M. Diagnosing primary immunodeficiency: a practical approach for the non-immunologist. Curr Med Res Opin. 2015;31(4):697-706. 12.ROXO JÚNIOR P. Quando suspeitar de Imunodeficiência Primária. PRONAP - Módulos de Reciclagem. 17. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria. p. 18-29. 2014. 13.WALKOVICH K, Connelly JA. Primary immunodeficiency in the neonate: Early diagnosis and management. Semin Fetal Neonatal Med. 2016;21(1):35-43. 14.CONDINO-Neto A, Costa-Carvalho B, Grumach AS, King A, Bezrodnik L, Oleastro M, et al. Guidelines for the use of human immunoglobulin therapy in patients with primary immunodeficiencies in Latin America. Allergologia et immunopathologia. v.42 (3) p. 245-60, 2014. 15.ASBAI/SBIM. Asma, alergia e imunodeficiências.Guia de Imunização SBIm/ASBAI 2015-2016 16. THOMBY K.A; Henneman A . Evidence-based strategies to reduce intravenous immunoglobulin-induced headaches.Ann Pharmacother. v.49, n.6, p.715-26, 2015. 199 CAPÍTULO 37 INFECÇÃO URINÁRIA ANELISE UHLMANN LOURDES RAUBER INTRODUÇÃO É a infecção bacteriana mais comum em crianças e até 30% dos lactentes e crianças apresentam recorrência após 6-12 meses do primeiro epidódio. A infecção urinária pode ser sinal de anormalidade renal. Diagnóstico rápido e tratamento são importantes para prevenção de dano renal a longo prazo. QUADRO CLÍNICO Cistite: inflamação de mucosa vesical urinária com sintomas de trato urinário inferior (disúria, freqüência, urgência,urina fétida, incontinência e dor suprapúbica). Pielonefrite: comprometimento de trato urinário superior com sintomas sistêmicos (febre e dor em flanco). DIAGNÓSTICO Exame comum de urina (piúria e ou bacteriúria) e Urocultura com teste. ● A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda coleta por sondagem vesical ou punção suprapúbica em crianças com menos de 2 anos e sem controle miccional. Em crianças com controle miccional, pode ser feito coleta por jato médio com higiene prévia de meato uretral. Investigação por ecografia: A AAP recomenda que todas as crianças com menos de 2 anos e ITU febril deveriam realizar ecografia renal e vesical. O NICE (National Institute for Health and Clinical Experience) é mais seletivo e recomenda só para crianças com menos de 6 meses e para crianças com ITU de repetição ou atípicas. ITU atípica: crianças seriamente doentes, jato urinário fraco, massa abdominal ou vesical, aumento de creatinina, sepse, falha de responder a 48h de antibiótico e infecção com outra bactéria que não seja Escherichia coli. No HCC, solicitar ecografia de trato urinário durante a hospitalização e, se alterada, solicitar consultoria com Nefrologia Infantil ou encaminhar para acompanhamento ambulatorial. Outros exames indicados: Uretrocistografia Miccional e Cintilografia Renal com DMSA. A cintilografia renal com DMSA é um exame de acompanhamento e pode ser realizado na fase aguda para esclarecimento diagnóstico. O método bottom-up indica primeiramente a Uretrocistografia Miccional e, se mostrar RVU, solicitar DMSA. Já o método top-down realiza primeiramente Cintilografia Renal com DMSA e, se alterado, realizar Uretrocistografia Miccional. No HCC a uretrocistografia miccional é indicada pelo nefrologista infantil. 200 TRATAMENTO: Tanto o NICE quanto a AAP concordam que o tratamento oral é tão eficaz quanto o endovenoso em crianças não sépticas e capazes de ingestão oral. O NICE recomenda 10 dias de tratamento, enquanto a AAP não mostra diferença significativa entre 7, 10 ou 14 dias. O antibiótico a ser escolhido deve levar em conta o padrão local. ● Cefalosporina de 2a geração: No nosso meio indica-se este antibiótico na ITU febril, devido à alta resistência à Cefalosporina de 1a geração. O antibiótico deverá ser substituído pelo de menor espectro após o resultado do antibiograma (tabelas 1 e 2). Pode ser iniciado com antibiótico intramuscular ou endovenoso. Após 24-48h sem febre, prosseguir com antibiótico oral conforme antibiograma e, se internado, dar alta hospitalar. Tabela 1. Antibióticos de uso oral Agente Dose diária mg/kg Sulfametoxazol+trimetroprim 40/8mg Cefalexina 50-100mg Cefuroxime 30-50mg Nitrofurantoína 6mg Amoxicilina+clavulinato 40mg+5,7mg Número de doses/dia 2x 4x 2x 3x 2x Fonte:. Grabe M., 2013. Tabela 2. Agentes de uso endovenoso ou intramuscular Agente Dose diária mg/kg intervalo Gentamicina 7,5 2-3x(EV) 1x (IM) Amicacina 15 2x Ceftriaxone 50-100mg 1-2x Fonte:.Grabe M., 2013. Indicação de hospitalização: ● Criança menor que 2 meses; ● Sem condições de via oral; ● Bacteremia ou urossepse, imunocomprometido; ● Família sem condições sócio-econômicas de conseguir a medicação ou administrá-la. PROFILAXIA com antibiótico: É benéfica quando a ecografia pré-natal sugerir uropatia, e será mantida até o término da investigação nos casos de trato urinário severamente dilatado, na uropatia obstrutiva (até correção cirúrgica) e em RVU grau 3-5 (Tabela 3). Tabela 3. Profilaxia com antibiótico para recorrência de ITU. Agente Dose Limitações mg/kg/dia 201 Nitrofurantoína (Macrodantina) 100mg 1-2 diluído em 10ml de água sendo que cada 1ml=10mg Sulfametoxazol+trimetroprim 0,5ml/kg Cefalosporina de 1a geração ¼ da dose terapêutica Não recomendada para crianças com < 3meses Não recomendado para crianças com < 2meses Não recomendada para uso prolongado Fonte:. Grabe M., 2013. REFERÊNCIAS 1.CARA-FUESTES G, Nirupama G and Garin EH The RIVUR study: a review of its findings. Pediatric Nephrol.v. 30, p.703-6, 2015. 2.SIMÕES E SILVA AC and Oliveira EA Update on the approach of urinary tract infection in childhood J. Pediatr (Rio J.), v. 91(6 Suppl1): S2-S10, 2015. 3.TULLUS K What do the latest guidelines tell us about UTIs in children under 2 years of age. .Pediatric Nephrol v.27, p.509-11, 2012. 4.GRABE M, Bjerklund-Johansen TE, Botto H, et al; European Association of Urology. Guidelines on urological infections, 2013. 202 CAPÍTULO 38 INFLUENZA ILÓITE M. SCHEIBEL MARILIA C. BRUST INTRODUÇÃO Existem 3 tipos de vírus influenza: A, B e C. O vírus influenza C causa apenas infecções respiratórias brandas. O vírus A e B são responsáveis por epidemias sazonais, sendo o A responsável pelas pandemias. O vírus A é ainda classificado em subtipos de acordo com as proteínas de superfície Hemaglutinina e Neuraminidase. Os subtipos A(H1N1) e A(H3N2) circulam atualmente em humanos, o H7N9 é de origem aviária, e pode causar doença grave em humanos.1 A vacina é capaz de promover imunidade durante o período de maior circulação dos vírus, reduzindo o agravamento da doença. EPIDEMIOLOGIA ● O período de incubação dura de 1 a 4 dias. ● Transmissibilidade inicia 24 horas antes do início dos sintomas. Nos adultos dura até três dias após o final da febre e nas crianças pode durar em média dez dias, podendo prolongar-se por mais tempo em pacientes imunossuprimidos. QUADRO CLÍNICO Início abrupto de febre (≥ 37,8°C),calafrios, mal-estar, cefaleia, mialgia, dor de garganta, artralgia, prostração, rinorreia, tosse seca. Podem ainda estar presentes: Diarreia, vômito, fadiga, rouquidão, hiperemia conjuntival. A febre usualmente declina após dois ou três dias e normaliza em torno do sexto dia. • SÍNDROME GRIPAL (SG) Febre de início súbito, mesmo que referida, acompanhada de tosse ou dor de garganta e pelo menos um dos seguintes sintomas: • cefaleia, mialgia ou artralgia, na ausência de outro diagnóstico específico; em crianças com menos de 2 anos de idade, considera-se também como caso de síndrome gripal: febre de início súbito e sintomas respiratórios (tosse, coriza e obstrução nasal), na ausência de outro diagnóstico específico. SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE (SRAG) Síndrome gripal com dispneia ou os seguintes sinais de gravidade: ● SpO2 < 95% em ar ambiente; ● Sinais de desconforto respiratório ou aumento da frequência respiratória avaliada de acordo com a idade; ● Piora nas condições clínicas de doença de base; 203 ● Hipotensão em relação à pressão arterial habitual do paciente; ● Indivíduo de qualquer idade com quadro de Insuficiência Respiratória Aguda, durante período sazonal. COMPLICAÇÕES Geralmente tem resolução espontânea em sete dias, embora a tosse, o mal-estar e a fadiga possam permanecer por algumas semanas. As complicações mais comuns são: pneumonia bacteriana e por outros vírus; sinusite; otite; desidratação; piora de doenças crônicas como insuficiência cardíaca, asma ou diabetes; pneumonia primária por influenza. SINAIS DE AGRAVAMENTO (todas as idades): ● Dispneia, taquipneia ou hipoxemia – SpO2 < 95%; ● Persistência ou aumento da febre por mais de três dias (pode indicar pneumonite primária pelo vírus influenza ou secundária a uma infecção bacteriana); ● Exacerbação de doença preexistente; ● Disfunções orgânicas graves (exemplo: insuficiência renal aguda); ● Miosite comprovada por CPK (≥ 2 a 3 vezes); ● Alteração do sensório; ● Exacerbação dos sintomas gastrointestinais em crianças; ● Desidratação, inapetência; ● Em crianças, também observar batimentos de asa de nariz, cianose, tiragem intercostal. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS E DE IMAGEM ● Hemograma (leucocitose, leucopenia ou neutrofilia); ● Bioquímica do sangue (alterações enzimáticas, musculares e hepáticas); ● Radiografia de tórax: Infiltrado intersticial localizado ou difuso ou presença de área de condensação. MANEJO CLÍNICO Os benefícios do uso do antiviral em pacientes com SG e SRAG foram observados no manejo clínico de pacientes durante a pandemia de 2009. Os antivirais fosfato de oseltamivir (Tamiflu®) e zanamivir (Relenza®) são medicamentos inibidores de neuraminidase (Quadro 1). ● Usados precocemente, podem reduzir a duração dos sintomas e, principalmente, a ocorrência de complicações da infecção pelo vírus influenza. ● Maior benefício clínico quando iniciado até 48 horas do início dos sintomas. Porém, o fosfato de oseltamivir pode ainda ser benéfico para pacientes hospitalizados se iniciado de quatro a cinco dias após o início do quadro clínico. PVR negativo não exclui influenza (se suspeita clínica, manter precauções e oseltamivir) Quadro 1. Tratamento e quimioprofilaxia antiviral na Influenza 204 • • • • • Fosfato de oseltamivir (Tamiflu®): Adulto: 75 mg, 12/12h, 5 dias Criança maior de 1 ano de idade: • ≤ 15 kg: 30 mg, 12/12h, 5 dias • 15 a 23 kg: 45 mg, 12/12h, 5 dias • 23 a 40 kg: 60 mg, 12/12h, 5 dias • > 40 kg: 75 mg, 12/12h, 5 dias Criança menor de 1 ano de idade: • 0 a 8 meses: 3 mg/Kg, 12/12h, 5 dias • 9 a 11 meses: 3,5 mg/kg, 12/12h, 5 dias Zanamivir (Relenza®): • Adulto 10 mg: duas inalações de 5 mg, 12/12h, 5 dias • Criança ≥ 7 anos 10 mg: duas inalações de 5 mg, 12/12h, 5 dias Quimioprofilaxia: ampliar uso para mais 7 dias da exposição Fonte: Protocolo Influenza, 2015. Indicações de utilização de Equipamento de Proteção Individual • Máscara cirúrgica descartável ou máscara de proteção respiratória, em procedimentos como aspiração de secreções respiratórias nos suspeitos ou confirmados. • Utilizar luvas descartáveis ao contato com sangue, pele não íntegra etc; • Utilizar protetor ocular ou protetor de face em risco de respingos de sangue ou secreções. • Utilizar gorro descartável apenas em situações de risco de geração de aerossóis. SÍNDROME GRIPAL EM PACIENTES COM CONDIÇÕES E FATORES DE RISCO PARA COMPLICAÇÕES O oseltamivir (Tamiflu®) é indicado, independentemente da situação vacinal, principalmente nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas. Fatores de risco para complicações: Crianças < 2 anos; indivíduos com doença crônica: pneumopatias (incluindo asma), cardiovasculopatias (excluindo hipertensão arterial sistêmica), nefropatias, hepatopatias, doenças hematológicas (incluindo anemia falciforme), distúrbios metabólicos (incluindo diabetes mellitus); com disfunção cognitiva, lesões medulares, epilepsia, paralisia cerebral, AVC ou doenças neuromusculares, por risco de aspiração; população indígena. ● Todos os pacientes que apresentarem sinais de agravamento devem também receber de imediato o tratamento com o fosfato de oseltamivir (Tamiflu®). SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE (SRAG) ● Indicar internação hospitalar. ● Hidratação venosa e oxigenoterapia; ● Monitoramento clínico; ● Início imediato do tratamento com oseltamivir (Tamiflu®) após a suspeita clínica, independentemente da coleta de material para exame laboratorial; 205 ● Coleta de amostras de secreções respiratórias para exame laboratorial, preferencialmente antes do início do tratamento. INDICAÇÕES PARA INTERNAÇÃO EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: • Instabilidade hemodinâmica persistente após reposição volêmica. • Sinais e sintomas de IRA, incluindo hipoxemia 90% em AA. • Evolução para outras disfunções orgânicas, como insuficiência renal aguda, insuficiência hepática, disfunção neurológica. IMUNOSSUPRIMIDOS • Tratamentos mais longos podem ser necessários devido à replicação viral prolongada. Alguns autores sugerem o uso de doses dobradas nestes pacientes. • Para os pacientes que vomitam até uma hora após a ingestão do medicamento, deve ser administrando uma dose adicional. QUIMIOPROFILAXIA ● Os medicamentos antivirais apresentam de 70 a 90% de efetividade na prevenção da influenza e constituem ferramenta adjuvante da vacinação. ● Quimioprofilaxia indiscriminada NÃO é recomendável, pois pode promover o aparecimento de resistência viral. ● A quimioprofilaxia não é recomendada se o período após a última exposição a uma pessoa com infecção pelo vírus for maior que 48 horas. INDICAÇÕES DA QUIMIOPROFILAXIA PARA INFLUENZA • Pessoas com risco elevado de complicações não vacinadas ou vacinadas há menos de duas semanas da exposição. • Crianças com menos de 9 anos de idade necessitam da segunda dose feita há 1 mês para serem consideradas vacinadas. Com menos de duas semanas após a segunda dose, deverão receber quimioprofilaxia se tiverem comorbidades. • Pessoas com graves deficiências imunológicas (medicamentos, AIDS) • Trabalhadores de saúde não vacinados ou vacinados a menos de 15 dias, que manipularam amostras de origem respiratória, envolvidos em procedimentos invasivos geradores de aerossóis ou de secreção de caso suspeito ou confirmado de influenza sem o uso adequado de EPI. • Residentes de alto risco em instituições fechadas e hospitais de longa permanência, durante surtos na instituição. NOTIFICAÇÕES Todo o caso de síndrome respiratória aguda grave hospitalizado deve ser notificado (Sinan influenza Web). Nos casos de surtos, a vigilância epidemiológica local deverá ser prontamente notificada/informada. REFERÊNCIAS 206 1 BRASIL.Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Influenza. 2016. Disponível em:< http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/influenza>. Acesso em:12 set. 2016. 2 BRASIL.Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de tratamento de Influenza. Brasília DF.: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em:< http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/dezembro/17/protocoloinfluenza2015-16dez15-isbn.pdf>. Acesso em: 12 set. 2016. 207 CAPÍTULO 39 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA EM PEDIATRIA PAULA GOZZI; ISABEL ELISA F. MENDES; LIGIA MAMBRINI SÓ E SILVA; SORAYA ABUDANADER KALIL; STELAMARIS LUCHESE INTRODUÇÃO Conceito: Síndrome clínica complexa, com múltiplas etiologias e manifestações, na qual o coração não supre a circulação de forma apropriada aos tecidos, resultando em um conjunto de sinais e sintomas. Estes são desencadeados pela ativação de sistemas neuro-humorais e moleculares, como adrenérgico, angiotensinaaldosterona, que em conjunto com fatores genéticos e ambientais determinarão o remodelamento cardíaco. O termo é ambíguo especialmente para crianças, cuja etiologia mais comum é o “shunt” da esquerda para direita e função sistólica preservada. Em pediatria, está associado a prejuízo do crescimento e do desenvolvimento da criança 1,2. Incidência/prevalência: A Insuficiência Cardíaca (IC) pode apresentar-se ao nascimento, associada à cardiopatia congênita, ou desenvolver-se posteriormente, dependendo das múltiplas causas, como as miocardiopatias. A incidência de cardiopatia congênita é de 0,8/1000 nascidos vivos por ano, sendo que destas, uma pequena parte desenvolve sinais e sintomas de IC na infância. Em países desenvolvidos, a cardiomiopatia primária tem incidência de 0,8 a 1,3 casos por 100.000 crianças na faixa etária de zero a 18 anos e corresponde a 60% das indicações de transplante cardíaco 1,2 Etiologia 1,3: Pode ser causada por sobrecarga de volume (aumento da pré-carga), obstrução ao fluxo sanguíneo (aumento da pós-carga) ou disfunção miocárdica (em menos de 5% dos casos). As causas de IC podem ser divididas em categorias conforme a função ventricular, ou de acordo com a faixa etária: Causas de IC divididas em categorias: 1.a. Com disfunção ventricular: ● Estrutural: cardiomiopatia primária (dilatada, hipertrófica, restritiva, não compactada, displasia arritmogênica ventricular direita) ou cardiomiopatia secundária (miocardite, isquemia miocárdica, arritmias, exposição a antraciclina) ● Congênita: cardiopatia complexa com disfunção ventricular (ou após cirurgia). ● Não cardíaca: sepse, insuficiência renal, hipoglicemia, hipoxemia, hipocalcemia. 1.b. Função ventricular preservada: ● Aumento de pré-carga: “shunt” esquerda-direita (defeito septal ventricular ou atrial, canal artrial patente, janela aortopulmonar, defeito septal 208 atrioventricular, ventrículo único com fluxo sanguíneo pulmonar não obstruído), insuficiência valvar. ● Aumento de pós-carga: estenose aórtica ou pulmonar, coarctação de aorta, interrupção do arco aórtico, hipoplasia de ventrículo esquerdo. 2.Causas de disfunção miocárdica de acordo com a faixa etaria. Primeiro mês de vida ● Cardiopatias congênita: hipoplasia de ventrículo esquerdo, coartação da aorta, estenose aórtica, transposição dos grandes vasos, drenagem venosa anômala pulmonar total, canal arterial patente (prematuro), fístulas arteriovenosas, anomalia de Ebstein. ● Distúrbio do ritmo cardíaco: taquiarritmias e bloqueio atrioventricular total. ● Disfunção do miocárdio: isquemia neonatal, sepse, doenças metabólicas, miocardite. ● Outros: persistência do padrão de circulação fetal, hipotireoidismo neonatal, broncodisplasia, insuficiência renal, hipertensão arterial sistêmica. Entre um e seis meses ● Cardiopatias congênita: truncus arteriosus, coartação da aorta, shunt esquerda-direita ● Distúrbios do ritmo cardíaco: taquicardia paroxística supraventricular ● Disfunção do miocárdio: sepse, doenças metabólicas, miocardite. Acima de seis meses ● Cardiopatia congênita: comunicação interventricular, comunicação interatrial ampla, permeabilidade do canal arterial, defeito do septo atrioventricular. ● Distúrbio do ritmo cardíaco: taquiarritmias ● Disfunção do miocárdio: sepse, miocardite, fibroelastose endomiocárdica. ● Outros: sepse, hipertensão arterial sistêmica, anemias. Crianças maiores ● Cardiopatia congênita não operada: síndrome de Eisenmenger, Ebstein, prolapso de valva mitral com insuficiência valvar, estenose das valvas aórtica ou pulmonar. ● Cardiopatia congênita operada: tetralogia de Fallot, anastomose átrio e cavopulmonar, “shunt” sistêmico-pulmonar, falência de ventrículo sistêmico. ● Cardiopatia adquirida: febre reumática, miocardites, endocardites, pericardites. ● Distúrbios do ritmo cardíaco Patogênese 2,3 Os fatores que conduzem a falência cardíaca são variados e podem ser resumidos em cinco grandes categorias: 1.Diminuição da função contrátil. 2.Sobrecarga de volume. 3.Sobrecarga de pressão. 4.Disfunção diastólica. 209 5.Alteração no sistema vascular periférico. Com a redução do débito cardíaco há aumento da atividade neuro-hormonal, gerando aumento da contratilidade e da frequência cardíaca, vasoconstrição periférica e retenção de sal e fluidos para manutenção da pressão arterial. Conforme a IC progride, esses mecanismos compensatórios passam a causar efeitos adversos: aumento da demanda de O2 pelo miocárdio para compensar o aumento da FC e da contratilidade, fatores neuro-hormonais, (tais como renina, aldosterona, peptídeo natriurético, norepinefrina) podem levar a cardiotoxicidade direta e necrose, congestão venosa sistêmica e pulmonar e - com a evolução da doença - baixo débito cardíaco e choque. CLASSIFICAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA1,2,4 A classificação da insuficiência cardíaca pode ser baseada na intensidade da limitação funcional ou na sintomatologia, com o objetivo de estabelecer medidas de intervenção precoce e/ou preventiva. ● Classe I: Pacientes assintomáticos e sem limitações para atividade física cotidiana. ● Classe II: Pacientes com sintomas desencadeados por atividades cotidianas, resultando em leve limitação à atividade física. ● Classe III: Pacientes com sintomas desencadeados por atividades menos intensas que as cotidianas e resultando em moderada a importante restrição à atividade física. ● Classe IV: Pacientes com sintomas em repouso, resultando na inabilidade de realizar qualquer atividade física sem desconforto. Classificação de Ross para crianças e lactentes ● I Assintomáticos ● II Lactentes: taquipnéia leve ou sudorese às mamadas; sem atraso do crescimento. Crianças maiores: dispnéia aos exercícios. ● III Lactentes: taquipnéia importante ou sudorese às mamadas, tempo de mamada prolongado; atraso do crescimento. Crianças maiores: dispnéia importante aos exercícios. ● IV Pacientes sintomáticos em repouso: taquidispnéia com tiragem intercostal, gemidos e sudorese em repouso. QUADRO CLÍNICO 1,3 Os sintomas podem variar de acordo com a idade da criança e a fisiopatologia. Sintomas de IC de acordo com a idade ● Lactentes: taquipnéia e sudorese durante alimentação, fadiga, irritabilidade, redução do volume alimentar, baixo ganho de peso. ● Crianças pequenas: dor abdominal, náusea, vômito, inapetência, déficit de crescimento, fadiga e tosse/chiado crônicos ou recorrentes, ● Crianças mais velhas: intolerância ao exercício, anorexia, dor abdominal, chiado no peito, dispneia, edema, palpitações, dor torácica e síncope. 210 Sinais e Sintomas conforme a fisiopatologia ● Congestão venocapilar pulmonar: dispnéia nos esforços, taquipnéia, mamada em pausas, ortopnéia (maior conforto no colo), tosse, roncos, sibilos, broncoespasmo, terceira bulha (VE), gemido expiratório, crepitações, edema agudo de pulmão. ● Congestão venosa sistêmica: hepatomegalia, ingurgitamento jugular, edema, ganho rápido de peso, ascite, terceira bulha (VD), edema de membros inferiores, edema palpebral, anasarca. ● Ação adrenérgica: irritabilidade, agitação, taquicardia, baixo ganho de peso, sudorese fria e cefálica, pele úmida e fria, nervosismo, ansiedade, palpitação. ● Baixo débito e choque: apatia e fadiga, extremidades frias, cianose periférica, enchimento capilar lento, hipotensão, pressão convergente, oligúria, precórdio hipoativo. Evolução clínica da insuficiência cardíaca 1. NORMAL: Sem sintomas. Capacidade normal ao exercício. Função ventricular normal. 2. DISFUNÇÃO DE VE ASSINTOMÁTICO: Sem sintomas. Capacidade normal ao exercício. Função ventricular diminuída. 3. ICC COMPENSADA: Sem sintomas. Capacidade ao exercício diminuída. Função ventricular diminuída. 4. ICC DESCOMPENSADA: Sintomas de ICC. Capacidade ao exercício bem diminuída. Função ventricular bem diminuída. 5. ICC REFRATÁRIA: Sintomas não responsivos ao tratamento clínico, com sinais de baixo débito. DIAGNÓSTICO1,3 Baseado na história e exame físico, associados a exames laboratoriais e imagem, conforme necessidade e suspeita etiológica. ● Laboratório: Marcadores séricos inespecíficos de inflamação, como leucograma, PCR, VSG podem estar alterados. Troponina I > 0,1 ng/dl ou troponina T > 0,052 ng/dl são muito sugestivos de miocardites. BNP (peptídeo natriurético cerebral) auxilia a distinguir IC de doenças respiratórias ou outras não cardíacas, e como indicador prognóstico. Níveis de BNP>100 pg/ml estão associados com ICC e > 300 pg/ml refletem pior prognóstico. ● Métodos gráficos: ECG, holter e teste de esforço- úteis para a avaliação do ritmo cardíaco nas taquicardiomiopatias e no bloqueio atrio-ventricular. O ECG também fornece informações úteis como sobrecarga de câmaras nas cardiopatias congênitas. 211 ● ● ● ● ● ● Ecocardiograma: utilizado para diagnóstico e acompanhamento da insuficiência cardíaca. Fornece informações sobre anatomia e morfologia cardíacas, avaliação hemodinâmica, função cardíaca sistólica e diastólica além de diversas variáveis. RX Tórax: altamente preditivo de cardiomegalia, útil na avaliação do fluxo sanguíneo pulmonar. Ressonância Magnética ou Tomografia cardiovascular: fornece informações adicionais em casos selecionados. Biópsia endomiocárdica: padrão ouro para diagnóstico de miocardite, entretanto, a sensibilidade é baixa. Cateterismo cardíaco: útil quando os exames não foram conclusivos, principalmente no planejamento cirúrgico ou associado ao cateterismo terapêutico. síndromes genéticas associadas a cardiopatias congênitas, como: síndrome de Down, Noonan, Turner, Marfan, DiGeorge, entre outras. TRATAMENTO2,3 Tratamento corretivo cirúrgico ou intervencionista. Medicamentoso: para controle dos sintomas de insuficiência cardíaca. Medidas gerais: ● Repouso e sedação caso necessário. ● Controle da temperatura corporal. ● Oxigenioterapia. ● Controle do equilíbrio hidroeletrolítico. ● Suporte nutricional. ● Tratamento de co-morbidades (infecções, anemia, hipo/hipertireoidismo). TRATAMENTO DA IC CRÔNICA NA DISFUNÇÃO SISTÓLICA DO VENTRÍCULO ESQUERDO, COM CIRCULAÇÃO BIVENTRICULAR 1. Diuréticos: Têm papel fundamental no manejo dos sintomas de congestão sistêmica e pulmonar de crianças com IC aguda ou crônica; a. Furosemida: dose (oral ou EV) de 1-6 mg/kg/dia, fracionada em 1-4 doses diárias. O pico de ação ocorre após 1-2 h, com duração de 6-8 h. b.Hidroclorotiazida: dose (oral) de 1-2 mg/kg/dia, dividida em 1-2 doses diárias. Início de ação em 2 h, com duração de 6-12 h. 2. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA): estudos mostram redução dos sintomas e melhora da sobrevida. Devem ser utilizados com muito cuidado em neonatos e lactentes jovens devido à imaturidade renal e risco de hipotensão, sendo indicado o início com doses mais baixas e titulando o aumento da dose em alguns dias. a. Captopril: (administração por via oral) 212 ● Neonato: dose inicial de 0,05-0,1 mg/kg/dose a cada 8-24 h. Dose terapêutica: 0,5-2 mg/kg/dia a cada 6-24 h. ● Crianças: dose inicial de 0,15-0,5 mg/kg/dose a cada 8-24 h. Dose terapêutica: 2,5-6 mg/kg/dia a cada 6-24 h. ● Quando houver necessidade de administrar uma fração do comprimido, recomenda-se que a medicação seja dissolvida em água por um período de 10 minutos. b. Enalapril (administração por via oral) ● Indicado em crianças > de 2 anos de idade. ● Crianças: dose inicial de 0,05-0,1 mg/kg/dose a cada 12-24 h. Dose terapêutica: 0,2-5 mg/kg/dia a cada 12-24h. 3.Betabloqueadores: Os benefícios são atribuídos ao controle da atividade simpática, diminuição da frequência cardíaca e melhora da função sistólica ventricular esquerda. a. Carvedilol: dose inicial de 0,01 mg/kg/dose a cada 12 h. A dose deverá ser aumentada a cada 2-3 semanas, a depender da tolerância. Dose terapêutica: 0,6-2 mg/kg/dia em duas doses diárias (12/12 h). Dose máxima: 50 mg/dia. b. Metoprolol: dose inicial de 0,1-0,2 mg/kg/dose, a cada 12 h. Dose terapêutica de 0,5-2 mg/kg/dia, em duas dose diárias (12/12 h). 4. Antagonista da aldosterona (espironolactona): está indicado nos pacientes que já estão em uso de doses otimizadas de betabloqueadores e IECA quando ainda não houve melhora na função ou no remodelamento ventricular. a. Espironolactona: dose de 1-2 mg/kg/dia dividida em 1- 2 doses diárias. Deve-se controlar níveis séricos de potássio, pelo risco de hiperpotassemia, especialmente em crianças em uso concomitante de inibidores da ECA. 5. Digoxina: Embora em adultos tenha mostrado melhora na qualidade de vida e redução de hospitalizações, o uso de digoxina para IC em crianças é controverso. Pode ser usada como anti-arrítmico. 1 mês a 2 anos: 10 mcg/kg/dia, divididos em duas doses diárias. 2-5 anos: 7,5-10 mcg/kg/dia, divididos em duas doses diárias. 5-10 anos: 5-10 mcg/kg/dia, divididos em duas doses diárias. > 10 anos: 2,5-5 mcg/kg/dia, em uma dose diária. TRATAMENTO DA IC CRÔNICA NA DISFUNÇÃO DIASTÓLICA DO VENTRÍCULO ESQUERDO 1. Diuréticos: Reduzem a congestão pulmonar, entretanto o uso exagerado de diuréticos pode acarretar redução do débito cardíaco. 2. IECA, bloqueadores de canais de cálcio e betabloqueadores: melhoram a função diastólica. 3. Anticoagulação: Naqueles pacientes que apresentam grandes dilatações atriais, o risco de formação de trombos é muito elevado. 213 TRATAMENTO DA IC CRÔNICA NO VENTRÍCULO DIREITO SISTÊMICO 1. Diuréticos: devem ser utilizados nos pacientes que apresentam sinais de hipervolemia. 2. Digitálicos: podem ser utilizados nos pacientes com disfunção de VD e que apresentem sintomas de IC. Não são recomendados para pacientes assintomáticos. 3. IECA: devem ser utilizados nos pacientes sintomáticos que apresentam disfunção de VD sistêmico. TRATAMENTO DA IC AGUDA Antes de iniciar o tratamento, é importante avaliar se o paciente está congesto ou não, bem ou mal perfundido e se existe uma causa removível para o quadro agudo de IC. Os padrões de apresentação da ICA podem ser representados em um diagrama 2×2 e divididos em grupos A, B, C, D (Figura 1) Na evidência de comprometimento hemodinâmico e choque, pode ser necessário o uso de agentes inotrópicos e cuidados intensivos (Figura 2). Figura 1. Padrões de apresentação da Insuficiência Cardíaca Aguda Fonte: Canadian Journal of Cardiology, 2013. Figura 2.Fluxograma de manejo da ICC 214 Fonte: Canadian Journal of Cardiology, 2013. Prognóstico 1,3 É difícil estabelecer o prognóstico exato devido ao amplo espectro das enfermidades. Nas últimas décadas houve grandes avanços na cirurgia cardíaca e cateterismo intervencionista para tratamento das cardiopatias congênitas, permitindo grande melhora da qualidade de vida, bem como na sobrevida desses pacientes. Apesar do prognóstico, geralmente favorável para as miocardiopatias, os recémnascidos e lactentes são o grupo de risco para miocardite viral e, neste grupo,a mortalidade aumenta. REFERÊNCIAS 1 AZEKA E. et al. Diretriz brasileira de insuficiência cardíaca e transplante cardíaco, no feto, na criança e em adultos com cardiopatia congênita, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v.103, Supl. 2, p.1-126, 2014. 2 KANTOR P. F. et al. Presentation, diagnosis, and medical management of heart failure in children: Canadian Cardiovascular Society Guidelines. Canadian Journal of Cardiology, Oakville, v. 29, p. 1535-1552, dez. 2013. 3 CAUDURO, A. S. Insuficiência cardíaca congestiva pediátrica. In: RAMIRES, J. A. ; KALIL FILHO, R.; ATIK, E. Cardiopatias congênitas: guia prático de diagnóstico, tratamento e conduta geral. São Paulo: Atheneu, p. 3-17. 4 AMERICAN HEART ASSOCIATION. AHA medical/scientific statement. 1994 revisions to classification of functional capacity and objective assessment of patients with diseases of the heart. Circulation, Waltham, v. 90, n. 1, p.644-645, 1994. 215 CAPÍTULO 40 MENINGITES RICHARD LESTER KHAN MARILIA COMISSOLI BRUST INTRODUÇÃO Conceito: A meningite é uma doença inflamatória das leptomeninges, os tecidos que envolvem o cérebro e medula espinhal. Meningite reflete inflamação da aracnóide e do líquido cefalorraquidiano (LCR), tanto no espaço subaracnóide quanto nos ventrículos cerebrais.1,2 A suspeita de meningite bacteriana é uma emergência médica, e devem ser tomadas medidas de diagnóstico imediatas para estabelecer a causa específica, de modo que a terapia antimicrobiana adequada possa ser iniciada.2 FISIOPATOLOGIA As bactérias chegam ao sistema nervoso central (SNC) mais frequentemente através da corrente sanguínea. Os patógenos têm acesso à corrente sanguínea em consequência da colonização nasofaríngea ou de infecções locais.2 A meningite também pode decorrer da invasão direta de germes (trauma crânioencefálico ou malformações).3 Ao atingirem o SNC, por meio de locais vulneráveis da barreira hematoencefálica, os microrganismos encontram um ambiente favorável a sua multiplicação, em virtude da ausência de defesas locais. À medida que ocorre a replicação bacteriana, são liberadas substâncias da membrana ou da parede celular do agressor que estimulam a produção de citocinas (fator de necrose tumoral e interleucina I). Essas substâncias desencadeiam uma resposta inflamatória, atraindo leucócitos para o espaço subaracnóideo. O processo inflamatório prossegue e outras substâncias são liberadas, como o fator ativador de plaquetas, ocorrendo lesão do endotélio vascular e alterando a permeabilidade da barreira hematoencefálica. Surgem edema vasogênico citotóxico e intersticial, com aumento da pressão intracraniana e diminuição da pressão de perfusão cerebral levando a uma hipoxemia e início do metabolismo anaeróbico com consequente consumo de glicose e aumento de lactato culminando em dano cerebral irreversível.4 ETIOLOGIA: Apresentada nos Quadros 1 e 2. Quadro 1: Perfil etiológico das meningites bacterianas conforme idade Do nascimento aos 3 meses E. coli, Estreptococos B, Listeria monocytogenes. de vida Outros: estafilococos, Pseudomonas, Proteus, Salmonella, Klebsiella, Citrobacter, Haemophilus, 216 Dos 3 meses de vida aos 5 anos de idade Maiores de 5 anos de idade pneumococos, meningococos. Haemophilus, Pneumococos, Meningococos. Pneumococos e meningococos. Fonte: FONSECA L.F., 2010. Quadro 2: Outros agentes etiológicos da meningite Vírus Enterovírus (echo, coxsackie e poliovírus). Arbovírus, vírus da caxumba, herpes (simplex, tipo 6, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, varicela-zoster), sarampo, rubéola, parvovírus, rotavírus, varíola, HIV e outros vírus que acometem o trato respiratório. Fungos Criptococo, Cândida, Histoplasma Parasitos Cisticerco, ameba, toxoplasma, tripanossoma, plasmódio, esquissomo. Fonte: FONSECA L.F., 2010. QUADRO CLÍNICO As manifestações clínicas variam de acordo com a idade, o tempo de doença e o agente etiológico.4 • Cefaléia, vômitos, febre e rigidez de nuca. Podem não ser encontrados em crianças menores. Na criança maior os sinais meníngeos estão mais presentes. • Outros sintomas frequentes: fotofobia, sonolência, petéquias, equimoses, convulsões e confusão mental. 3,4 • Nos recém-nascidos e lactentes jovens, a apresentação clínica é bem variada: apatia, abaulamento da fontanela, irritabilidade, vômitos, recusa alimentar, desidratação, palidez, desconforto respiratório, sepse, instabilidade térmica e olhar vago.2,3 DIAGNÓSTICO Punção Lombar: Deve ser realizada na suspeita de meningite 5 e em crianças com bacteremia e sinais meníngeos ou febre persistente (mesmo se não apresentarem sinais meníngeos), uma vez que a bacteremia pode progredir para meningite dentro de horas. Exames a serem solicitados no LCR ,6 (Quadro 3) 1. CITOLÓGICO: contagem de células e diferenciação; 2. BIOQUÍMICO: glicose e concentração de proteína; 3. BACTERIOLÓGICO: coloração de Gram e cultura. Repetir a punção lombar em 24-36 horas de antibiótico em: • RN com sepse por bactéria gram negativa e punção inicial normal; • Meningite por pneumococo resistente; 217 • Pacientes com evolução clínica não satisfatória, puncionar quando necessário e de acordo com a avaliação clínica. 4 Contra-indicações para punção incluem: • comprometimento cardiopulmonar, sinais de aumento da pressão intracraniana, edema papilar, esforço respiratório alterado, sinais neurológicos focais, e infecção da pele sobre o local para a punção lombar. Outros exames para acompanhar tratamento e estado geral: Hemograma, plaquetas, TP, KTTP, eletrólitos, hemocultura, VSG, creatinina e , dependendo do quadro clínico : gasometria arterial, RX etc. Quadro 3: Padrão liquórico nas diferentes meningites Tipo de Aspecto Citometria Citologia Glicose meningite liquórico MBA Em uso de antibiótic o Proteínas Cultura Aumentada 100-500 mg/dl Normal ou aumentada Positiva Turvo ou purulento 1000 a 10.0000 PMN Diminuída <10mg% Claro ou pouco turvo <500 PMN ou MN Diminuída ou normal Claro <500 MN Claro 100-400 MN Normal ou pouco diminuída Diminuída ou normal Aumentada 100 a 150 mg/dl Aumentada 100 a 150 mg/dl Claro 10-1000 MN Normal Aumentada 50 a 100 mg/dl TB Fúngica Viral Positiva (rara) Positiva (rara) Cresciment o em cultura específica Negativa MBA: Meningite bacteriana aguda. TB: tuberculose. PMN: Polimorfonucleares. MN: Mononucleares Fonte: FONSECA L.F., 2010. TRATAMENTO Meningite bacteriana é uma emergência neurológica e a terapia deve ser instituída o mais breve possível após diagnóstico instituído, logo após a coleta de líquor (Quadro 4). Este esquema deve ser reavaliado quando os resultados da cultura e testes de sensibilidade antimicrobianos estiverem disponíveis. Quadro 4: Tratamento empírico inicial conforme idade Idade Tratamento empírico 218 0 a 7 dias de vida Ampicilina 150mg/kg/dia 8/8h + cefotaxima 100mg/kg/dia 8/8h ou ampicilina + gentamicina 5mg/kg/dia 12/12h 7 a 28 dias de vida 1 a 3 meses Ampicilina 200mg/kg/dia 6/8h + gentamicina 7,5mg/kg/dia 8/8h 3 meses a 5 anos Maiores de 5 anos Ceftriaxona 80-100mg/kg/d 12/12h ou cefotaxime 300mg/kg/dia 8/8h Ampicilina + cloranfenicol ou ceftriaxona Ceftriaxone 100mg/kg/dia 2x ou cefotaxime 300mg/kg/dia 3x (máx. 12g/dia); Associar com vancomicina se resistência do S. pneumoniae a Penicilina ≥2.0 µg/ml. Fonte: Fonseca L.F., 2010. TEMPO DE TRATAMENTO11 A duração deve ser individualizada conforme resposta clínica. (revisões atuais “stewardship” só em adultos) Neisseria meningitidis: 7-10 dias Haemophilus influenzae: 7-10 dias Streptococcus pneumoniae: 10-14 dias Streptococcus agalactiae: 14-21 dias Listeria monocytogenes: 21 dias Bacilos gram-negativos anaeróbios: 21 dias Nas meningites bacterianas sem identificação do germe: 10 dias Tratamento conforme diagnóstico presumido pelo GRAM Após o resultado da cultura, ajustar conforme o antibiograma:12 - Diplococos gram positivos - S. pneumoniae: Cefotaxime ou ceftriaxone + Vancomicina - Cocos gram negativos - N. meningitidis: Cefotaxime ou ceftriaxone - Bacilos gram positivos - L. monocytogenes: Ampicilina ou penicilina G - Cocos em cadeia gram positivos - S. agalactiae: Ampicilina ou penicilina G - Coco-bacilos gram positivos - H. influenzae: Cefotaxime ou ceftriaxone - Bacilos gram negativos - E.coli: Cefotaxime ou ceftriaxone Dexametasona: Na suspeita de meningite bacteriana, 10-20 min antes, ou no mínimo concomitantemente com a primeira dose do antibiótico 11,12 ● Dose de 0,15 mg/kg a cada 6h por 4 dias; ● Reduz perda auditiva em crianças com meningite por Haemophilus influenzae tipo B e grave perda em M. pneumococcal se início precoce. Não reduziu mortalidade. 219 QUIMIOPROFILAXIA ● Neisseria meningitidis: Rifampicina 20mg/kg/dia de 12/12 hs, por 2 dias ● Haemophilus: Rifampicina 20 mg/kg/dia, 1x/dia, por 4 dias COMPLICAÇÕES O risco de morte ou complicações de desenvolvimento está relacionado com a idade e condição subjacente do paciente, o patógeno causador, a gravidade e duração da doença no momento da apresentação e, ocasionalmente, os atrasos no início da terapia com antibiótico. 7 Dentre as complicações neurológicas da meningite bacteriana mais frequentes, estão: edema cerebral e aumento da pressão intracraniana, crises epilépticas, déficits focais (perda auditiva, paralisia de nervo craniano, hemiparesia e ou tetraparesia), ataxia, anormalidades cerebrovasculares, empiema ou efusão subdural, hidrocefalia e disfunção hipotalâmica. PROGNÓSTICO A mortalidade é de aproximadamente 5% nas meningites por H. influenzae e meningocócica; 20 % nas meningites pneumocócicas; 3% das causadas por Listeria nos países desenvolvidos. O risco de mortalidade e sequelas está relacionado com a gravidade da doença.2 REFERÊNCIAS 1. KAPLAN, S.L.; EDWARDS, M.S.; NORDI, D.R.; et al. Bacterial meningitis in children older than one month: Clinical features and diagnosis. 2015 Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/bacterial-meningitis-in-children-older-than-one-month-clinicalfeatures-and-diagnosis. Acesso em 10 de agosto 2016. 2. CARNEY P.R; GEYER J.D. Prática Pediátrica Neurológica. Gen Grupo Editorial Nacional. USA.E-Book. Ed.Guanabara Koogan, 2012. 3. MOURA-RIBEIRO, M.V.L.; FERREIRA, L.S. Meningites aguda bacteriana na infância. Condutas em Neurologia Infantil da Unicamp. Revinter, v.2, p. 2-9, 2009 4. FONSECA, L.F.; PIANETTI, G.; XAVIER, C.C. Meningites bacterianas na infância. In: Compêndio de Neurologia Infantil.Medbook. v2, n. 28, p. 349-57, 2010 5. KIM, K.S. Bacterial meningitis beyond the neonatal period. In:.Textbook of Pediatric Infectious Diseases. Elevier Saunders. Philadelphia v.7, p. 425, 2014. 6. KIMBERLIN, D.W. Meningococcal infections. In: Red Book. Report of the Committee on Infectious Diseases, American Academy of Pediatrics. v. 30 p. 547, 2015 7.TUNKEL, A.R.; HARTMAN, B.J.; KAPLAN, S.L., et al. Practice guidelines for the management of bacterial meningitis. Clin Infect Dis. v.1, n. 39 p. 1267-84. Novembro 2004. 8, KIM, K.S. Acute bacterial meningitis in infants and children. Lancet Infect Dis. v. 10, n. 1, p. 3242. Janeiro 2010 9. SPILF Société de Pathologie Infectieuse de Langue Française. Practice guidelines for acute bacterial meningitis (except newborn and nosocomial meningitis). Med Mal Infect. v.39, n. 6, p. 356-67. junho 2009. 10.CHÁVEZ-BUENO, S.; MCCRACKEN, G.H. Bacterial meningitis in children. BMJ. v. 28, n.340, p. 3209. junho 2010. 11.TUNKEL A,R;HARTMAN B,J; KAPLAN L,K el al. Practice Guidelines for the Management of Bacterial Meningitis. Clinical Infectious Diseases. v.39,p.1267–84, 2004. 12. BROUSWER M,C; TUNKEL A,R; BEEK D. Epidemiology, Diagnosis, and Antimicrobial Treatment of Acute Bacterial Meningitis.Clinical Microbiology Review.v.23, n.3, p.467-92, July 2010. 220 CAPÍTULO 41 OBESIDADE HELOISA PITTOLI SILVA MÁRCIA ANDRÉA DE OLIVEIRA SCHNEIDER INTRODUÇÃO Conceito: Obesidade resulta do acúmulo de excesso de gordura corporal por desequilíbrio energético, em geral, de origem multifatorial 1. Epidemiologia: A obesidade é um problema de saúde pública, mais marcado nas áreas urbanas. Não parece ter relação com sexo (apesar da prevalência de obesidade em meninos ser maior) ou área geográfica. 2,4 A Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-09) revelou que 33,5% das crianças de 5 a 9 anos estavam com excesso de peso, sendo obesos 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas. Entre os adolescentes de 10 a 19 anos, de 1974/1975 a 2008/2009, o excesso de peso aumentou de 3,7% para 21,5% nos meninos e de 7,6% para 19,4% nas meninas.7 Patogênese: Diversos fatores internos e externos estão relacionados com o mecanismo da obesidade. Entre os fatores endógenos (6% dos casos) estão: alterações na leptina, neuropeptídeos, grelina, colecistoquinina, adiponectina; causas especificamente endócrinas (Síndrome de Cushing, hipotireoidismo, insulinoma); causas genéticas (Síndrome de Prader Willi ou Bardet –Biedl)1,3. A combinação de consumo de alimentos com elevada densidade calórica e ultraprocessados com baixa frequência de atividade física é o principal fator exógeno (95 a 98% dos casos) para o desenvolvimento da obesidade. Fatores de risco:5,6 1. Fatores Perinatais: Obesidade materna pré-concepção; excesso de ganho de peso gestacional; retardo de crescimento intrauterino (CIUR) com catch-up precoce; peso de nascimento elevado (RN Grande para idade gestacional); ausência de aleitamento materno e desmame precoce; tabagismo na gestação. 2. Fatores Familiares: Pais obesos (até 15x mais risco se ambos); história familiar de doenças crônicas não transmissíveis; doença cardiovascular precoce (homens < 55 anos e mulheres < 65 anos). 3. Estilo de vida: Hábito de não tomar café da manhã; sedentarismo e tempo de tela >2h/dia; hábitos alimentares familiares não-saudáveis 4. Fatores Socioeconômicos: Baixa renda; baixo nível de educação materna. 221 DIAGNÓSTICO O diagnóstico é essencialmente clínico. A anamnese completa deve identificar idade de início do problema, dados perinatais, uso de medicamentos, hábitos, história alimentar detalhada, padrão de atividade física e história familiar (de obesidade e doenças crônicas).1 No exame físico é mandatória uma antropometria adequada com peso e altura/comprimento. A partir dessas medidas, calcula-se o Índice de Massa Corporal (IMC = Peso (kg) / Altura (m)²). O IMC não é um indicador específico de excesso de gordura corporal, existem outros métodos de aferição, mas exigem treinamento (pregas cutâneas) ou são de custo elevado (Bioimpedanciometria), sendo pouco disponíveis. Na prática, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) seguem os parâmetros adotados pela Organização Mundial da Saúde (OMS 2006/2007) - Tabela 1.8 Tabela 1. Índices antropométricos conforme idade e escore Z e percentil Valores Índices antropométricos crítico Crianças de 0 a 5 anos Crianças de 5 a 10 anos Peso para Peso IMC Peso IMC para para por para idade idade estatura idade idade P3 a 15 ou Z -2 a -1 Peso adequado para a idade Eutrofia Eutrofia Risco de sobrepes o Risco de sobrepes o Peso adequado para a idade Adolescentes IMC para idade Eutrofia Eutrofia Sobrepeso Sobrepeso Obesidade Obesidade Obesidade grave Obesidade grave P15 a 85 ou Z -1 a +1 P85 a 97 ou Z +1 a +2 P97 a 99,9 ou Z +2 a +3 Peso elevado para a idade >P99,9 ou >Z +3 Sobrepeso Sobrepeso Obesidade Obesidade Peso elevado para a idade Fonte: OMS 2006/7. A medida da circunferência abdominal identifica obesidade central, e valores acima do percentil 90 têm maior risco de desenvolver resistência insulínica, dislipidemia, hipertensão e doença cardiovascular. (tabela 2). A técnica é simples: 222 medir com fita inextensível, no ponto médio entre a crista ilíaca e a borda inferior da última costela. A complementação do exame físico com estadiamento puberal, medida da pressão arterial, investigação de sinais clínicos de resistência insulínica (acantose nigricans) e alterações ortopédicas auxilia no diagnóstico das complicações. Exames complementares1 Solicitar o perfil lipídico de crianças entre 2 e 10 anos com sobrepeso ou obesidade ou que possuam outros fatores de risco: pais com colesterol maior que 240 mg/dl e familiares (pais ou avós) do sexo masculino com história de doença arterial isquêmica com menos de 55 anos e do sexo feminino com menos de 65 anos. Colesterol total, lipoproteína de alta densidade (HDL), lipoproteína de baixa densidade (LDL) e triglicerídeos. Para diagnóstico das outras complicações: glicemia e insulina de jejum, perfil hepático (AST, ALT, GGT), além de ecografia abdominal (avaliação de estetatose). A dosagem de insulina de jejum está indicada na criança com acantose nigricans ou com a circunferência da cintura acima do percentil 90. Tabela 2. Percentil de Circunferência Abdominal conforme sexo e idade: Fonte: OMS QUADRO CLÍNICO:1 A obesidade é um fenômeno clínico “puro” e assintomático. O pediatra deve estar atento e pesquisar as repercussões que são responsáveis pelo aparecimento das complicações, muitas vezes encontrados na avaliação complementar (Quadro 1). Quadro 1. Complicações frequentes associadas à obesidade Acantose nigricans, infecção fúngica, estrias, celulite, Dermatológicos acne, furunculose, hirsutismo 223 Ortopédicos Cardiovasculares Respiratórios Hepáticos Gastrintestinais Geniturinários Sistema nervoso Joelho valgo, pé plano, epifisiólise da cabeça do fêmur, osteocondrites, artrites degenerativas, hiperlordose lombar com inclinação anterior de pelve, dores articulares (decorrentes dos anteriores) – quadril, joelhos e tornozelos Hipertensão Arterial Sistêmica Síndrome da apneia obstrutiva do sono (aumenta risco CV, sonolência diurna, déficit de atenção e aprendizado), asma Colelitíase, doença gordurosa não-alcoólica (com possível hepatite e cirrose) Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), constipação Síndrome dos ovários policísticos (hiperandrogenismo), pubarca precoce, incontinência urinária Pseudotumor cerebral; problemas psicossociais Fonte: GAHAGAN S.,2016. As principais complicações são: Síndrome Metabólica:10 A Síndrome Metabólica é uma associação de condições incluindo HAS, dislipidemia, alteração do metabolismo glicídico e obesidade (aumento da circunferência da cintura). Não há consenso sobre o melhor critério para a pediatria. A classificação adotada pela SBP é da International Diabetes Federetion (IDF)10 (Tabela 2). Tabela 2. Critérios para Síndrome Metabólica conforme idade Idade Critérios/ 6-10 anos 10-16 anos >16 anos CA ≥ CA ≥ percentil CA ≥90cm Adiposidade (homens) ou ≥80cm percentil 90 90 (mulheres) Sem valores Glicemia de Glicemia de jejum Glicemia definidos jejum ≥100mg/dL para ≥100mg/dL diagnóstico de SM Sem valores Triglicerídeos Triglicerídeos Dislipidemia definidos ≥150mg/dL ou ≥150mg/dL ou para HDL≥40mg/dL HDL≥40mg/dL ou em uso de (homens) ou diagnóstico ≥50mg/dL de SM hipolipemiantes (mulheres) ou em uso de hipolipemiantes Sem valores PA≥130 ou PA≥130 ou Hipertensão definidos 85mmHg ou em 85mmHg ou em uso arterial 224 para diagnóstico de SM uso de antihipertensivo de anti-hipertensivo Fonte: International Diabetes Federetion (IDF) 2012 Estes critérios são criticados pois não levam em conta a resistência insulínica, mas apenas a glicemia, que raramente altera na faixa pediátrica; os pontos de corte são diferentes daqueles indicados para crianças como os critérios do perfil lipídico e de pressão arterial (que não leva em conta sexo, idade e altura). Resistência Periférica à Insulina (RPI) A RPI é a base para o desenvolvimento de HAS, dislipidemia, esteatose hepática e aterosclerose. Caracteriza-se pelo declínio na capacidade da insulina estimular o uso da glicose pelos músculos e tecido adiposo. Além de suprimir a produção de glicose pelo fígado e alterar o metabolismo de proteínas, lipídios e função endotelial. Valores diagnósticos: a. Insulina de jejum sérica > 15 mcUI/ml b. HOMA (Homeostasis Model Assessment of Insulin Resistance) HOMA-IR = (glicemia jejum (mmol/l) × insulinemia jejum (uU/mL) = Valor > 4,0 405 Intolerância à glicose e Diabetes Mellitus: Glicemia de jejum < 100 mg/dl= normal A Tabela 3 exemplifica os valores de glicemia e a investigação indicada quando glicemia de jejum alterada: Tabela 3. Diagnóstico conforme valores glicêmicos Exame Valores 100 a 126 mg/dl Glicemia de jejum 8-12h ≥ 126 mg/dl Glicemia ao acaso Se glicemia de jejum alterada: TTG - 2h 75g ou 1,75g de maltodextrina/Kg/P Diagnóstico Glicemia de jejum alterada Diabetes Mellitus ≥200 mg/dl 140-200 mg/dl Diabetes Mellitus Intolerância à glicose ≥200 mg/dl Diabetes Mellitus Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes, 2007. Dislipidemia É a alteração nos níveis do perfil lipídico. Na tabela quatro 4 estão listados os valores alterados e desejáveis do perfil lipídico propostas pela SBP e Sociedade de Cardiologia para Crianças. Tabela 4. Valores dos lipídios Lipoproteínas (mg/dL) Desejáveis Limítrofes 225 Aumentados Colesterol total LDL-C HDL-C Triglicerídeos <150 <100 >45 <100 150-169 100-129 >170 >130 100-129 >130 Fonte: Xavier H.T.et al, 2013. Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS): Ver capítulo de HAS A causa mais comum de HAS na infância é a obesidade, por isso a aferição da pressão arterial deve ser rotineira pelo profissional de saúde. Medidas elevadas de pressão sistólica e/ou diastólica observadas em três medições acima ou igual ao percentil 95 para idade, sexo e percentil da altura, em posição sentada, com manguito adequado para a circunferência braquial e técnica correta, confirma o diagnóstico de HAS.10 No capítulo de HAS consta a tabela de pressão arterial conforme idade. TRATAMENTO O tratamento da obesidade deve ser multidisciplinar. Envolve redução da ingestão calórica e aumento do gasto energético o que, por sua vez, necessita de modificação comportamental de grande monta e envolvimento familiar, que é um dos maiores contribuintes para a adesão ao tratamento. O envolvimento parental resulta em maior conhecimento sobre nutrição e cuidados com a saúde. É importante que haja esclarecimento da cronicidade da doença e, portanto, do tratamento, e que seja garantida continuidade do seguimento. A presença de psicólogo e atendimento em grupo é desejável, já que o tratamento costuma ter insucessos e dificuldades importantes. Os adolescentes conseguem entender consequências mais facilmente, respondendo bem a grupos de outros adolescentes. Porém, mesmo nestes casos, é necessário reforçar que a criança não é única responsável pelo problema. Esclarecer a importância dos outros fatores associados, tanto familiares quanto biológicos, auxilia nesse processo. Pesquisas mostram que intervenções dietéticas e de atividade física centradas na escola, além de dieta individualizada apresentam ótimo resultado para perda ponderal e prevenção de obesidade e diminuição de fatores de risco para doença cardiovascular.1,4,6 As crianças com maior peso tendem a serem vítimas de bullying mais frequentemente do que as outras, independentemente de sexo, raça, status socioeconômico, perfil demográfico da escola, habilidades sociais ou acadêmicas. O que for factível para que essa realidade se atenue e/ou que o paciente possa lidar com isso de forma mais saudável deve ser feito.Observe: ● Dependência e superproteção materna ● Ansiedade dos pais (identificar choro como fome) levando à superalimentação ● Dificuldade de imposição de limites ● Trocas afetivas exclusivamente por meio de alimento 226 ● O sentido de ser gordo no grupo familiar (Como são os familiares? O que é esperado nas reuniões?) O manejo de obesidade antes de tudo deve ser preventivo. Começar o mais cedo possível tem maior chance de reverter hábitos e evitar início de alterações clínicas mais severas. Merece atenção, também, abordar a qualidade e quantidade do sono, uma vez que o padrão fragmentado e insuficiente auxilia no ganho de peso e doença cardiovascular.1,4,6 Abordagem Nutricional 4,6 Reeducação alimentar e mudança de comportamento devem ser gradativos ( Figura 3). Basear-se no perfil pessoal, idade, condição econômica e desenvolvimento puberal, além das morbidades. É adequado evitar dietas restritivas, prontas ou alimentos diet pela possibilidade de comprometimento do crescimento e desenvolvimento. A utilização de adoçantes, pode não representar mudança significativa na ingestão calórica diária e dificultar a adesão. Do mesmo modo, há espaço para negociações, o paciente e a família devem ser capazes de manejar sua própria alimentação dentro da rotina e a criança estimulada a alcançar controle de seus hábitos. Isso pode ser alcançado estabelecendo metas factíveis a cada consulta: ● Comer à mesa, sem distrações, preferencialmente em casa com a família; ● Estabelecer porções e não repetir o prato; ● Respeitar horários das refeições e evitar alimentos fora de hora; ● Experimentar novos alimentos e insistir nas tentativas (incentivar os pais a oferecer, principalmente quando crianças pequenas); ● Optar por água durante as refeições e para saciar a sede; ● Mastigar bem e somente ingerir líquido após deglutir (não facilitar deglutição com líquidos); ● Diminuir guloseimas, alimentos ultraprocessados, bebidas açucaradas (sucos e refrigerantes); ● Diminuir a quantidade de gorduras saturadas, trans e colesterol: consumir mais preparações cozidas e assadas; ● Restringir o sal das preparações para até 4-5g/dia; ● A família deve dar exemplo. *Para mais orientações, consulte o capítulo de Nutrição Saudável. 227 Fluxograma 1. Alvos potenciais para a prevenção da obesidade na infância e na adolescência Fonte: DANIELS, et al., 2008. Atividade Física1,4,6 Basear a escolha nas limitações e preferências para evitar a perda de motivação. Priorizar atividade aeróbica de baixo impacto de introdução gradativa e a diminuição de atividade sedentária para 2h/dia. Estimular locomoção a pé ou por bicicleta, se possível (Figura 3). É importante que haja atividades apropriadas para a idade, que gerem prazer e que ofereçam variedade. Combinar atividades de brincadeira desorganizada, ao ar livre, recreação estruturada, atividades atléticas mandatórias (no colégio, por exemplo) e aulas de educação físicas diárias (idealmente). Crianças >6 anos e adolescentes devem fazer pelo menos 1h diária de atividade física, a maioria atividade aeróbica de intensidade alta (pelo menos 3x na semana) ou moderada. É indicado algum treinamento de força (escalar brinquedos em parquinhos, cabo-de-guerra) 3x na semana ou mais e reforço ósseo, como correr, pular corda, tênis ou basquete. Medicação1 O uso de medicação não é comum para crianças e adolescentes. Quando considerado, deve ser avaliada minuciosamente a origem da obesidade. Entre os medicamentos destacam-se os emagrecedores primários (Sibutramina, Orlistat), os que auxiliam a perda ponderal por outras ações 228 (antidepressivos, anticonvulsivantes) e os tratamentos para doenças manifestas com obesidade (hormônios tireoideanos, metformina). No Brasil, a Sibutramina e o Orlistat não estão liberados para crianças e adolescentes. Os inibidores da recaptação da serotonina não são indicados especificamente para tratar obesidade, mas são indicados no tratamento de depressão, compulsões e transtorno obsessivo compulsivo (TOC), condições que podem ser concomitantes sendo adjuvantes à terapia. REFERÊNCIAS 1.GAHAGAN S. Overweight and Obesity. “In”: KLIEGMAN, R.M.; STANTON, B.F.; ST-GEMEIII, J.W.; SCHOR, N.F. Nelson Textbook of Pediatrics. 20a edição. Philadelphia: Elsevier; p 307316, 2016 2.CARVALHO, C.A.; FONSÊCA, P.C.A.; PRIORE, S.E., et al. Consumo alimentar e adequação nutricional em crianças brasileiras: revisão sistemática. Rev Paul Pediatr.. v.33, n.2, p. 211-21, 2015 3.MOLINA, M.C.B.; LOPÉZ, P.M.; FARIA, C.P., et al. Preditores socioeconômicos da qualidade da alimentação de crianças. Rev Saúde Pública. v.4, n.5, p. 785-92, 2010 4.ACADEMY OF NUTRITION AND DIETETICS. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Nutrition Guidance for Healthy Children Ages 2 to 11 Years. J Acad Nutr Diet. p. 125776, 2014 5.WEBER, A.P.; HENN, R.L.; VICENZI, K., et al. Adesão aos “10 passos da alimentação saudável para crianças” e fatores associados em escolares. Rev Nutr.v.8,n.3,p.289-304, 2015 6.MINISTÉRIO DA SAÚDE. Alimentação saudável. “In”: Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica nº 33. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. 1ª edição. p.131-56, 2012 7.IBGE (Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística). Pesquisa de Orçamentos Familiares: 20082009. Disponível em URL: www.ibge.gov.br 8.SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Avaliação nutricional da criança e do adolescente – Manual de Orientação. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia; 2009. 9.FERNANDEZ, J.R.; REDDEN, D.T.; PIETROBELLI, A., et al Circumference Percentiles in Nationally Representative Samples of African-American, European-American, and MexicanAmerican Children and Adolescents. The Journal of Pediatrics. p. 439-44, 2004 10. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Nutrologia. Obesidade na infância e adolescência – Manual de Orientação. São Paulo: SBP, 2ª edição, 2012. 229 CAPÍTULO 42 OFTALMO: PATOLOGIAS OFTALMOLÓGICAS GABRIELA UNCHALO ECKERT CONJUNTIVITE INTRODUÇÃO Conceito: A conjuntivite é um processo inflamatório da conjuntiva. Pode ter origem infecciosa, imunológica ou traumática CONJUNTIVITE BACTERIANA AGUDA: Definição: Inflamação conjuntival causada por infecção bacteriana (normalmente autolimitada, durando 1 a 2 semanas). A disseminação se dá em geral pelo contato direto com as secreções infectadas. Etiologia: Principalmente Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureus, Moraxella e Haemophilus influenzae. Quadro clínico: Hiperemia conjuntival, sensação de “areia nos olhos”, queimação, fotofobia e secreção ocular. Geralmente é bilateral. Não há alteração na acuidade visual. Diagnóstico: Clínico. A secreção ocular é mucopurulenta, diferenciando-se da conjuntivite viral que apresenta secreção aquosa. A hiperemia conjuntival é mais intensa na periferia e menos intensa junto à córnea. A conjuntiva tarsal tem aspecto vermelho-vivo com poucas papilas. A investigação laboratorial só é necessária nos casos persistentes, em pacientes imunocomprometidos, em neonatos e em suspeita de conjuntivite bacteriana hiperaguda. Tratamento ● Higiene de pálpebras e cílios com soro fisiológico. ● Uso de antibiótico de amplo espectro (tratamento empírico), 1 gota 4-6 x dia por 5 dias, como cloranfenicol, tobramicina, polimixina B, ciprofloxacina ou ofloxacina. ● Em caso de queixa de alteração visual, o paciente deve ser avaliado por oftalmologista. ___________________________________________________________________ CONJUNTIVITE VIRAL Epidemiologia: É a conjuntivite mais frequente e de caráter contagioso. A disseminação se faz pelo contato com a secreção ocular ou por via respiratória. Normalmente há história de infecção recente de trato respiratório superior ou contato com portadores de conjuntivite. O período de incubação do vírus é de 4-10 dias e, após instalado o quadro, o vírus pode ser transmitido por até 12 dias. 230 Etiologia: Comumente causada por adenovírus Quadro Clínico: Irritação ocular, lacrimejamento, hiperemia conjuntival, quemose e secreção mucóide. Associada a reação folicular na conjuntiva tarsal. Pode apresentar hemorragias subconjuntivais puntiformes e pseudomembranas nos casos graves. É frequentemente acompanhada de linfadenopatia pré-auricular. Infiltrados corneanos subepiteliais podem se desenvolver 1-2 semanas após o início da conjuntivite e podem diminuir acuidade visual. O ideal é sempre medir acuidade visual separadamente após 3-4 semanas de um caso exuberante de conjuntivite viral. Se houver redução da visão, encaminhar para um oftalmologista. Diagnóstico: Clínico. O teste confirmatório pode ser realizado no consultório com o kit rápido de imunocromatografia Tratamento: ● Uso de lágrimas artificiais com frequência (até hora em hora) ● Compressas geladas várias vezes ao dia durante 1-2 semanas ● Se houver surgimento de membranas ou pseudomembranas conjuntivais, elas devem ser removidas delicadamente com uso de anestésico tópico. Nestes casos, pode ser associado corticóide tópico (dexametasona 0,1%) 4 x dia por uma semana, com redução lenta e gradual. ● Afastamento do trabalho ou escola por 7-10 dias (até desaparecimento dos sintomas) ● Corticóides tópicos não devem ser usados rotineiramente (somente em casos específicos como formação de pseudomembranas e infiltrados subepiteliais), pois eles até podem melhorar os sintomas, mas prolongam o tempo de recuperação da infecção. ● Nos casos em que houver a necessidade de uso de corticoide tópico o ideal é encaminhar ao oftalmologista, pois 30% das pessoas tem aumento da pressão intraocular com o uso destas medicações. ___________________________________________________________________ CONJUNTIVITE ALÉRGICA Epidemiologia: Possui três formas de apresentação: rinoconjuntivite alérgica, ceratoconjuntivite vernal e ceratoconjuntivite atópica. Etiologia: reação de hipersensibilidade do tipo I e tipo IV. 1.RINOCONJUNTIVITE ALÉRGICA: É a forma mais comum de alergia ocular. Quadro clínico e diagnóstico Hiperemia conjuntival, lacrimejamento, prurido ocular, edema palpebral e conjuntival, associados a espirros e coriza. Ao exame oftalmológico percebe-se papilas na conjuntiva tarsal. 231 2.CERATOCONJUNTIVITE VERNAL: É uma inflamação ocular extensa, bilateral e recorrente que afeta principalmente meninos e adultos jovens. Nesta forma de apresentação, há importante papel da imunidade celular, medida por IgE. A maioria dos pacientes é atópica ou tem história familiar de atopia. Quadro Clínico: Os pacientes queixam-se de prurido ocular intenso, lacrimejamento, fotofobia, queimação ocular e secreção mucosa. Apresentam papilas hipertróficas na conjuntiva tarsal (até papilas gigantes), nódulos gelatinosos no limbo e acometimento corneano, que pode variar de ceratite ponteada até ulceração e formação de placas. Os pacientes também apresentam maior incidência de ectasias corneanas (ceratocone, degeneração marginal pelúcida e ceratoglobo). 3.CERATOCONJUNTIVITE ATÓPICA: Doença rara e potencialmente grave que raramente afeta crianças, ocorrendo principalmente em jovens portadores de dermatite atópica. Quadro Clinico: semelhante ao de ceratoconjuntivite vernal, porém perdura por muitos anos e tem alto índice de morbidade visual. Ocorrem alterações crônicas, como espessamento e fissuras palpebrais, blefarite, infiltração e palidez conjuntiva, ceratite punctata, defeito epitelial e até ulceração corneana. Nas exacerbações há quemose, hiperemia conjuntival, hipertrofia papilar e ceratite punctata. Tratamento: O tratamento depende da gravidade do quadro clínico. Para todos os pacientes são utilizados colírios lubrificantes várias vezes ao dia (com preferência pelas preparações sem conservantes). Tratamento preventivo ● Evitar os alérgenos. ● Uso tópico de estabilizadores de mastócitos (cromoglicato) 2 a 4 x dia, ● Agentes duplos (estabilizadores de mastócitos e anti-histamínicos): 1 a 2 x dia como olopatadina 0,1% ou 0,2%, cetotifeno 0,025%, nedocromil 2%, epinastina 0,05% e alcaftadina 0,25%) ● Agentes imunomoduladores: tacrolimus 0,03% e a ciclosporina 0,05% Tratamento na crise ● Compressas frias e lágrimas artificiais ● Anti-histamínicos tópicos (levocabastina 0,05% e difumarato de emedastina 0,05%) ou com agentes duplos ● Anti-inflamatórios esteróides tópicos em casos severos, devendo-se dar preferência aos menos potentes como fluormetolona 0,1%, prednisolona 0,125% e Etabonato de loteprednol 0,2% pelo menor efeito hipertensivo ocular. Nos casos mais graves, pode-se utilizar dexametasona 0,1% e prednisolona 1%, sendo usado em altas doses e com redução progressiva rápida assim que estabilizado o quadro. ● Deve ser prescrito colírio de antibiótico em defeitos e ulcerações corneanas. Esses casos precisam sempre ser acompanhados por um oftalmologista pelo risco de complicações. 232 Em raros casos orientamos o uso sistêmico de anti-histamínicos quando a queixa é basicamente ocular, pois a longo prazo podem causar olho seco e piora dos sintomas. Nos casos mais resistentes ao tratamento pode ser utilizado imunoterapia (rinoconjuntivite alérgica e ceratoconjuntivite vernal) ou imunossupressão sistêmica (ciclosporina VO 2-2,5 mg/kg/dia) nos casos graves de ceratoconjuntivite atópica. ________________________________________________________________ CONJUNTIVITE NEONATAL (Ophthalmia Neonatorum) Epidemiologia:É uma forma distinta de conjuntivite que ocorre nas primeiras quatro semanas de vida. Etiologia: Química (nitrato de prata ou pomada de eritromicina), Neisseria gonorrehea, Neisseria meningitidis, Clamydia trachomatis, Haemophilus sp., Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Streptococcus viridans, Moraxella catarrhalis e Escherichia coli, conforme tabela 1. Quadro clínico Início dos sintomas pode ocorrer nos primeiros dias de vida ou até 30 dias. A criança pode apresentar desde hiperemia conjuntival leve e secreção discreta até edema conjuntival importante e secreção copiosa. Alguns microorganismos podem causar ulceração corneana e perfuração ocular. Diagnóstico Através de coleta de secreção ocular com realização de coloração de gram e giemsa e cultura. Sempre lembrar de investigar a mãe e o pai do bebê. Tratamento: Depende da causa da conjuntivite. ● Química: Não necessita de tratamento. ● Gonocócica: Ceftriaxone em dose única 25-50 mg/kg via intramuscular. ● Clamídia: eritromicina oral 12,5 mg/kg/dia dividido em 4 doses por 14 dias (pode-se associar tratamento tópico com eritromicina pomada). Tabela 1: Etiologia mais frequente na conjuntivite dos 0-14 dias de vida Período Agente Etiológico mais provável Primeiras 24 horas Química 2º-5º dia pós-parto Neisseria gonorrehea e Neisseria meningitidis 5º-8º dia pós-parto Haemophilus sp., Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa 5º-14º dia pós-parto Clamydia trachomatis sorotipos D-K 6º-14º dia pós-parto Herpes simples ESTRABISMOS Definição: Desalinhamento dos eixos visuais. 233 Prevalência na Infância: 2-4% da população pediátrica no mundo, em Natal, RN, foi 2,9%. Classificação: Direção do desvio: ● Esodesvio (desvio convergente), exodesvio (desvio divergente) ou hiper/hipodesvio (desvios verticais). ● Frequência do desvio: tropias (desvios manifestos), intermitentes (quando há períodos de controle e descontrole do estrabismo) e forias (desvios latentes). Diagnóstico: ● Teste de Hirschberg: visualização da simetria do reflexo de um foco de luz nas córneas do paciente (reflexos assimétricos indicam estrabismo e simétricos, ausência de desvio manifesto). ● Teste de cover/uncover: visualização de movimento dos olhos de acordo com a oclusão de um dos olhos. O paciente é solicitado a olhar para um ponto fixo (longe ou perto) e após é realizada a oclusão de um dos olhos (p.ex. olho direito). Se nesse momento houver movimentação (fixação) do olho contralateral (no caso, o olho esquerdo), há uma tropia. Se não houver movimento, procedemos com a retirada da oclusão do olho inicial. E se esse olho movimentar (refixação do olhar), o diagnóstico é de foria. Nas situações em que não há movimentação em nenhum destes momentos (cover/uncover), realizamos o mesmo procedimento no olho contralateral. Caso ocorra desvio ou movimentação, classificaremos novamente como tropia ou foria, além de determinar qual o olho preferencial (no caso o esquerdo, que não movimentou durante o teste). Importante ressaltar que, ao nascimento, os bebês podem apresentar desvios intermitentes que em geral melhoram após o quarto mês de vida. Estrabismos presentes após este período ou desvios permanentes já ao nascimento devem ser encaminhados ao oftalmologista. FORMAS CLÍNICAS DE ESTRABISMO 1.ESOTROPIAS: a) Esotropia Infantil: Etiologia: ainda desconhecida. Incidência: 1:1000 crianças Apresentação clínica: Desvio convergente de início precoce (primeiro ano de vida). Apresenta grande amplitude, podendo haver nistagmo, hiperfunção de músculos oblíquos e posição viciosa de cabeça associados. Tratamento: realizado pelo oftalmologista. Inclui tratamento da ambliopia e, na maioria dos casos, cirurgia. b) Estrabismo acomodativo: Etiologia: envolve três fatores: hipermetropia não corrigida, convergência acomodativa e insuficiência de divergência. 234 Quadro clínico: É o mais frequente dos desvios oculares adquiridos. A idade de início é em torno dos 2 aos 5 anos de vida (raro em menores de 1 ano). Pode se iniciar de forma intermitente e após torna-se constante ou já ser constante desde o começo. Associado à hipermetropia (em torno de 4,00 dioptrias esféricas). Tratamento: realizado pelo oftalmologista e inclui tratamento da ambliopia e prescrição de óculos com grau total (o que melhora completamente o desvio em vigência da correção óptica). Nos casos em que o desvio for parcialmente acomodativo (quando os óculos não compensam totalmente o estrabismo), a cirurgia poderá ser indicada. c) Esotropia comitante: Quadro clínico: geralmente associado com história familiar e sem hipermetropia concomitante. Tratamento: realizado pelo oftalmologista, incluindo tratamento da ambliopia e, na maioria dos casos, cirurgia. d) Esotropia de início recente em maiores de 5 anos: Quadro clínico: Pelo desvio iniciar após o período crítico de desenvolvimento visual, causa diplopia. Devemos sempre excluir causa sistêmica (tumores do sistema nervoso central, hidrocefalia, doença desmielinizante, traumas...). Tratamento: tratamento da doença de base. Dependendo do tamanho do desvio, podem ser utilizados óculos com lentes prismáticas para compensar o desvio e melhorar diplopia. Casos refratários poderão necessitar de correção cirúrgica. 2. EXOTROPIA Quadro clínico: Desvio divergente dos olhos que pode ser intermitente e, que se inicia em torno dos dois primeiros anos de vida. Casos de exotropia congênita são bastante raros e, sempre que diagnosticados, o paciente deve ser submetido à avaliação neurológica com exame clínico e de imagem. Tratamento: realizado pelo oftalmologista e inclui tratamento da ambliopia e, na maioria dos casos, cirurgia. 3. HIPO/HIPERTROPIAS Quadro clínico: Desvios verticais isolados não são muito frequentes em crianças. Na maioria das vezes estão associados com desvios horizontais e são causados por hiper ou hipofunção de músculos oblíquos ou mau posicionamento das polias (estruturas responsáveis por manter os músculos extraoculares em suas posições). Podem também ocorrer por hipo ou hiperfunção de músculos retos verticais. Tratamento: realizado pelo oftalmologista e inclui tratamento da ambliopia e, na maioria dos casos, cirurgia. 4. AMBLIOPIA Definição: redução da acuidade visual central por deprivação sensorial que ocorre em crianças menores de 6-7 anos. A acuidade visual é uma função que deve ser 235 aprendida e desenvolvida. Para que isto ocorra, a criança, neste período crítico de desenvolvimento da visão, deve ter uma experiência visual plena, sem desvios oculares, erros refrativos ou condições que obstruam o eixo visual (catarata, cicatrizes corneanas...). Prevalência: 3-5% Diagnóstico: medida da acuidade visual. Em lactentes, pode-se inferir a visão ocluindo um dos olhos e observando a reação do mesmo à oclusão. Existem testes mais específicos que podem ser empregados (como o teste de Teller) para uma medida objetiva da visão. Em crianças pré-verbais e verbais deve-se medir acuidade visual com tabela de Snellen (com figuras para os não alfabetizados e letras para os alfabetizados). Tratamento: Inicialmente prescrição óptica e tratamento das causas de obstrução do eixo visual. Se, após os tratamentos acima, a diferença se mantiver pode-se realizar tratamento oclusivo ou penalização com colírio cicloplégico no olho dominante, para estimulação do olho amblíope. ESTRABISMOS ASSOCIADOS A PARALISIA DE NERVO CRANIANO a) Paresia/Paralisia III nervo craniano: Nas crianças é usualmente congênita. Os casos adquiridos podem indicar doenças neurológicas como neoplasia do sistema nervoso central, aneurismas, entre outras doenças graves. Nestes casos, é imprescindível a realização de investigação neurológica. Quadro clínico: a criança em geral apresenta exotropia, hipotropia e ptose palpebral (associada ou não a midríase pupilar). Estas alterações motoras ocorrem, pois o III nervo é responsável pela inervação dos músculos retos mediais, verticais, oblíquos inferiores e levantadores da pálpebra. Tratamento: realizado pelo oftalmologista e inclui tratamento da ambliopia e, na maioria dos casos, cirurgia (em geral o resultado cirúrgico é pobre pela lesão acometer a maioria dos músculos extraoculares). b) Paresia/Paralisia de VI nervo craniano: A grande maioria dos casos são adquiridos (casos congênitos são na sua maioria pacientes que na realidade são portadores de Síndrome de Duane) decorrentes de traumas, doenças sistêmicas e neoplasias. Quadro clínico: como este nervo é responsável pela movimentação do músculo reto lateral, o paciente apresenta esotropia com limitação importante de abdução do olho acometido. Tratamento: realizado pelo oftalmologista e inclui observação, oclusão do olho não afetado para evitar contratura do reto medial do olho afetado, aplicação de toxina botulínica no músculo antagonista a paralisia ou cirurgia (após 4-6 meses sem melhora com tratamentos acima). c) Paresia/Paralisia de IV nervo craniano: 236 Pode apresentar-se de forma congênita ou adquirida (neste caso as causas mais comuns são trauma contuso encefálico, acidentes vasculares cerebrais, diabetes, entre outros). Nos casos congênitos, pode haver assimetria facial com hipoplasia de face do olho contralateral a paresia/paralisia. Quadro clínico: Hipertropia do olho afetado, mais evidente em adução. Nos casos com boa amplitude de fusão, o paciente pode não apresentar desvio aparente, mas apenas torcicolo (o paciente adota uma determinada posição viciosa de cabeça para compensar a visão dupla e seu desvio). A posição comumente adotada nestes casos é a inclinação da cabeça para o ombro contrário ao olho afetado. Portanto, para o diagnóstico, é importante realizar o teste cover/uncover com o paciente na posição mais reta possível. Tratamento: realizado pelo oftalmologista e inclui observação, tratamento da ambliopia ou cirurgia (nos desvios grandes ou com torcicolos muito evidentes). PSEUDOESTRABISMO É uma condição benigna, onde os olhos parecem ter algum desvio, mas, na realidade, estão alinhados. Pode ser causado por pregas epicânticas ou ângulos kappa (âgulo entre o eixo visual e o anatômico) positivos ou negativos, dando impressão de exotropia ou esotropia respectivamente). _____________________________________________________________________________________________________________________________ HORDÉOLO/ CALAZIO INTRODUÇÃO São as alterações palpebrais mais comuns na infância. 1.HORDÉOLO Conceito: Infecção aguda das glândulas lacrimais (pode acometer toda a extensão das glândulas). Normalmente causada por Staphiloccocus aureus. Apresentação clínica: nódulo eritematoso e doloroso (em casos severos pode ter edema importante com quadro semelhante a celulite pré-septal). Tratamento: pode resolver espontaneamente. O ideal é orientar uso de compressas mornas e antibiótico tópico como tobramicina ou ciprofloxacina pomada oftalmológica. 2.CALÁZIO Definição: inflamação lipogranulomatosa (estéril) que ocorre após episódio de hordéolo. Apresentação clínica: nódulo bem delimitado e indolor (pode ser mais visível ao inverter a pálpebra). Tratamento: resolução espontânea. Nos casos em que não há resolução em 2- 3 meses, pode-se realizar injeção intralesional com corticóide ou drenagem cirúrgica. 237 Os pacientes com hordéolo e calázio de repetição normalmente apresentam blefarite (inflamação crônica das pálpebras com formação de pequenas crostas em torno dos cílios) que deve ser tratada com higiene palpebral com xampu infantil e antibiótico oral (em casos severos). REFERÊNCIAS 1.OLINTSKY, S.E.; NELSON, L.B. A Color handbook pediatric Clinical Ophthalmology, London, 2012. 2.HOYT, C. S.; Taylor, D. Pediatric Ophthalmology and Strabismus. Elsevier Saunders. 4º edição, 2013. 3.LUEDER, G.T.; Archer, S.M.; Hered, R.W.; et al. Pediatric Ophthalmology and Strabismus, American Academy of Ophthalmology, 2015-2016. Basic and Clinical Science Course, 2015. 4.GARCIA CAA; Sousa AB; Mendonça MBM; Andrade LL; Oréfice F. Arq. Bras. Oftalmol. vol.67 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2004 238 CAPÍTULO 43 OTALGIA LUCIANA LIMA MARTINS COSTA FERNANDO BARCELLOS AMARAL INTRODUÇÃO Várias doenças podem causar otalgia, pois a orelha tem rica inervação através de vários nervos cranianos (V, VII, IX, X) e cervicais.1,2 Otalgia pode ser classificada como: ● Primária: quando a dor se origina na orelha; ● Secundária: quando a dor tem origem fora da orelha, como exemplos a faringoamigdalite aguda ou disfunção têmporo-mandibular. ¹ Principais diagnósticos diferenciais de otalgia são: 1. OTITE MÉDIA AGUDA (OMA) 3 Quadro clínico: Otalgia de início recente, febre, irritabilidade, recusa alimentar. Pode apresentar otorreia no caso de OMA supurada. Diagnóstico: Anamnese e exame físico. Membrana timpânica hiperemiada e abaulada. Abaulamento é o sinal mais importante para o diagnóstico de OMA. Otorreia e perfuração de membrana timpânica estarão presentes no caso de OMA supurada. Tratamento ● Sempre oferecer tratamento sintomático para controle da dor. ● Deve ser iniciada antibioticoterapia nos casos de OMA (bilateral ou unilateral) em crianças de 6 meses ou mais com sinais ou sintomas severos (otalgia moderada a severa por pelo menos 48h ou febre de 39º ou mais). Pode ser prescrito antibiótico ou oferecida observação, desde que com garantia de seguimento, baseado em decisão conjunta com os pais/cuidadores para OMA unilateral em crianças de 6 a 23 meses sem sinais de gravidade e em crianças de 24 meses ou mais com OMA unilateral ou bilateral sem sinais de gravidade. Quando é optado por observação, deve-se garantir que o ATB possa ser iniciado dentro de 48-72h caso a criança apresente piora. Quando optado pelo início de antibioticoterapia: ● Amoxicilina (45 mg/Kg/dia) é a primeira escolha para pacientes que não tenham recebido ATB nos últimos 30 dias, não apresentem conjuntivite purulenta concomitante e não sejam alérgicos à medicação. ● Antibiótico com inibidor da Betalactamase (amoxi-clavulanato) deve ser prescrito para crianças que tenham feito uso de antibiótico nos últimos 30 dias, 239 apresentem conjuntivite purulenta concomitante ou tenham história de OMA recorrente não responsiva a Amoxicilina. ● Azitromicina é a droga de escolha para pacientes alérgicos, já que as quinolonas são proibidas para a faixa pediátrica. ● Ceftriaxona nos casos com complicações. Para crianças com menos de 2 anos e ou com sintomas severos, terapia com tempo padrão de 10 dias é recomendada, já para crianças de 6 anos ou mais com sintomas leves a moderados, 5 a 7 dias de tratamento é adequado. Para crianças com OMA recorrente (3 episódios em 6 meses ou 4 episódios em 1 ano, com um episódio nos últimos 6 meses) deve ser considerada a indicação de tubo de ventilação. Vacina antipneumocócica: recomendada para todas as crianças a fim de reduzir a frequência de OMA atribuída aos sorotipos vacinais e também a vacina antiinfluenza para reduzir os casos de OMA associados a influenza. Aleitamento materno até pelo menos os 6 meses de idade e o ambiente livre de cigarro também reduzem o risco de a criança apresentar OMA. 2. OTITE EXTERNA DIFUSA (OE) 2 Inflamação difusa do conduto auditivo externo (CAE), que pode se estender para o pavilhão e também membrana timpânica. Ocorre mais frequentemente no verão devido à maior exposição a fontes de água com contaminação bacteriana em banho de piscina e rios. Quadro clínico: Otalgia intensa, sensação de plenitude aural, hipoacusia, febre, otorreia. Diagnóstico: Anamnese e exame físico. Edema e hiperemia do conduto auditivo externo (CAE), com ou sem otorréia, dor a manipulação do pavilhão auditivo. Pode haver celulite do pavilhão auditivo e pele adjacente. Tratamento: Tratamento sintomático para controle da dor. Limpeza do CAE, gotas otológicas com corticoide e antibiótico são altamente eficazes como primeira linha de tratamento. Não deve ser prescrito antimicrobiano sistêmico como terapia inicial para OE não complicada a menos que haja extensão além do CAE ou tenha sido identificado o agente causador específico. A terapia tópica deve ser suplementada com antimicrobiano sistêmico em pacientes com diabetes, os quais tem marcado aumento da morbidade, e em pacientes com imunodeficiência primária ou HIV/AIDS, pois a OE tem maior probabilidade de extensão a tecidos profundos. 3. MASTOIDITE AGUDA 3,4,5 É uma complicação da OMA. Quadro clínico: Otalgia, febre, prostração, otorreia. Diagnóstico: Anamnese e exame físico. Edema e hiperemia da região retroauricular, podendo haver flutuação. Deslocamento anterior do pavilhão auricular. Otorreia e 240 edema de CAE. Normalmente cursa com alteração na membrana timpânica, como abaulamento, efusão ou perfuração. Tratamento: Sintomático, analgesia. Antibioticoterapia parenteral como Cefuroxima, Ceftriaxone. Avaliação otorrinolaringológica ● avaliar necessidade de miringotomia com ou sem tubo de ventilação; ● abordagem cirúrgica nos casos de complicação extra ou intracraniana; ● evolução clínica insatisfatória apesar do tratamento clínico adequado. 4. OTITE EXTERNA LOCALIZADA (FURUNCULOSE) 2 Quadro clínico: Otalgia, otorreia, edema focal, lesão pustular em CAE. Diagnóstico: Anamnese e exame físico. Presença de um folículo piloso infectado no terço externo do CAE. Tratamento: Tratamento sintomático para controle da dor. Calor local, incisão e drenagem ou antibioticoterapia sistêmica com cobertura para S. aureus. 5. RAMSEY HUNT (HERPES ZOSTER OTICUS) 2 Quadro clínico: Otalgia severa, paralisia ou paresia facial, hipo/ageusia nos dois terços anteriores da língua, diminuição do lacrimejamento do lado envolvido. Diagnóstico: Anamnese e exame físico. Vesículas no terço externo do CAE e concha. Tratamento: Analgésicos, terapia antiviral sistêmica e corticoterapia. REFERÊNCIAS 1.ROSENFELD, R. M. et al. Clinical practice guideline: acute otitis externa. Otolaryngol Head Neck Surg, v. 150, n. 1 Suppl, p. S1-s24, Feb 2014. ISSN 0194-5998. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1177/0194599813517083 >. 2. LIEBERTHAL, A. S. et al. The diagnosis and management of acute otitis media. Pediatrics, v. 131, n. 3, p. e964-99, Mar 2013. ISSN 0031-4005. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1542/peds.2012-3488 >. 3..FRANCOIS, M. et al. [Acute external mastoiditis in children: report of a series of 48 cases]. Arch Pediatr, v. 8, n. 10, p. 1050-4, Oct 2001. ISSN 0929-693X (Print)0929-693x. 4.KIM, S. H. et al. Clinical Differences in Types of Otalgia. J Audiol Otol, v. 19, n. 1, p. 34-8, Apr 2015. ISSN 2384-1621 (Print). Disponível em: < http://dx.doi.org/10.7874/jao.2015.19.1.34 >. 5.VAN DEN AARDWEG, M. T. A. et al. A Systematic Review of Diagnostic Criteria for Acute Mastoiditis in Children. Otology & Neurotology, v. 29, n. 6, p. 751-757, 2008. ISSN 1531-7129. Disponível em: < http://journals.lww.com/otologyneurotology/Fulltext/2008/09000/A_Systematic_Review_of_Diagnostic_Criteria_for.5.aspx >. 241 CAPÍTULO 44 PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE CAMILA Z. PARREIRA SCHMIDT INTRODUÇÃO Conceito: Pneumonia é uma inflamação do parênquima pulmonar causada habitualmente por bactérias, vírus ou fungos. Incidência: A incidência estimada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 150 milhões de episódios de pneumonia por ano em crianças menores de 5 anos, dos quais 7 a 13% necessitam internação hospitalar devido a gravidade.1 Etiologia: Tabela 1. O Streptococcus pneumoniae é a principal causa de pneumonia na infância. Os vírus são os principais agentes em crianças pequenas e, em crianças maiores, o S. pneumoniae, seguido por Mycoplasma e Clamydia pneumoniae.2 Tabela 1. Agentes mais comumente encontrados em PAC, de acordo com a idade Idade RN Streptocococos grupo b Gram negativos ; E. coli 1-3 meses Clamídia trachomatis Ureaplasma urealiticum Vírus Bordetela pertusis 1-12 meses Vírus S. pneumoniae Hib S. Aureus Moraxella Catarallis 1-5 anos Vírus S. pneumoniae Mycoplasma C. trachomatis > 5 anos S. pneumoniae M. pneumoniae C. pneumoniae PAC: Pneumonia adquirida em comunidade. Fonte: Ostapchuk M, Roberts. Am Fam Physician. 2004 QUADRO CLÍNICO: Tabela 2. Taquipnéia é o sinal mais sensível e junto com tiragem subcostal indicam gravidade. Criança afebril tem valor preditivo negativo de 97% para pneumonia adquirida na comunidade. Deve-se ter cuidado especial em RN e lactentes, pois os sintomas costumam ser inespecíficos.3 Tabela 2. Clínica de pneumonia conforme o agente etiológico PNEUMONIA Bacteriana CAUSA S. pneumoniae IDADE Todas as idades 242 CLÍNICA Início abrupto, tosse produtiva, febre alta, prostração, aparência muito doente, dor abdominal e/ou torácica, foco ao Rx de tórax Atípica Chlamydia trachomatis <3 meses Taquipneia, leve hipoxia, sibilos, febre baixa ou afebril, bom estado geral, tosse persistente seca, infiltrado intersticial Atípica Mycoplasma > 5 anos Início gradual, febre baixa, dor de garganta, mialgia, cefaléia, tosse com ou sem paroxismo, conjuntivite (clamídia), infiltrado ao Rx de tórax Viral Múltiplos vírus Todas as idades, mais comum ente 3m e 5 anos Febre baixa ou ausente, sibilos, taquipnéia, infiltrado intersticial Fonte: Ostapchuk M.Am Fam Physician. 2004. 1,2,3 DIAGNÓSTICO: Laboratorial: Pouco valor na distinção entre vírus e bactérias. Exames laboratoriais não devem ser realizados de rotina em pacientes tratados ambulatorialmente. Hemocultura: Em pacientes internados, a coleta deve ser realizada em todos os pacientes. Apesar de baixa sensibilidade, quando positiva traz informações epidemiológicas importantes. Pesquisa de vírus respiratório: Na suspeita de infecção viral, deve ser realizada o mais precocemente possível, a fim de orientar precauções de controle de infecção e o uso inapropriado de antibiótico. Radiológico: Atualmente, considera-se que a radiografia de tórax não deve ser rotina em pacientes com infecção aguda do trato respiratório inferior.2 Muitos artigos contestam a utilidade da radiografia de tórax no diagnóstico diferencial entre vírus e bactérias. Rx de tórax não deve ser solicitado para controle de cura de PAC.1 ● Deve ser repetido após consolidação lobar, aparente pneumonia redonda ou em pacientes com sintomas persistentes.2 Avaliação da gravidade:2 Taquipneia e tiragem subcostal são achados sempre encontrados em pacientes com pneumonia grave, sendo hipoxemia o principal critério de internação. Indicações de internação 5 ● Idade < 2 meses; ● Desnutrição grave; ● Impossibilidade de aceitar dieta via oral; ● Hipoxemia, saturação menor que 92% em ar ambiente; ● Doença de base debilitante (cardiopatia, pneumopatia crônica, anemia falciforme, imunodeficiência, entre outras); ● Complicações (derrame pleural, abscesso pulmonar, pneumatocele); ● Falha terapêutica ambulatorial; 243 ● Estrutura familiar insatisfatória. TRATAMENTO:,3,4 Conduta em crianças que manterão tratamento em domicílio: ● Devem ser avaliadas se sinais de piora ou não tiverem melhora após 48 horas do início do tratamento. ● Os familiares devem ser orientados quanto ao manejo da febre, hidratação, modo de administrar antibióticos e sinais de piora. Tratamento ambulatorial: O tratamento pode ser suspenso entre 3 e 5 dias após o desaparecimento dos sintomas clínicos.1 IDADE 2 meses a 5 anos 6 a 18 anos Tabela 3. Tratamento domiciliar 2 ANTIBIÓTICO INICIAL Amoxicilina Amoxicilina / segunda opção macrolídeos Fonte. Diretrizes clínicas na saúde suplementar: pneumonia adquirida na comunidade na Infância, 2011 Tratamento em pacientes internados: Antibiótico intravenoso deve ser usado para tratamento de pacientes com impossibilidade de receber via oral (por exemplo, vômitos). Amoxicilina, ampicilina ou penicilina cristalina podem ser usados, já que a maior parte dos casos são sugestivos de S. pneumoniae. Outras opções de tratamento são amoxicilina-clavulanato, cefuroxima e cefotaxima.2 Importante lembrar que em pacientes com pneumonia extensa, de evolução rápida e com comprometimento importante do estado geral, deve-se optar pela introdução de oxacilina associada a cloranfenicol ou cefalosporina de terceira geração devido a possibilidade de infecção por Staphylococcus aureus.1,5 Tabela 4. Tratamento empírico, em pacientes internados, conforme a idade IDADE PATÓGENOS ANTIBIÓTICO Todas as idades vírus Sem indicação < 3 dias Estreptococos do grupo B, Penicilina cristalina ou ou bacilos gram negativos, ampicilina asssociada a listeria( raro) amicacina ou gentamicina >3 dias Staphylococcus aureus, Penicilina cristalina ou ou epidermidis, bacilus gram ampicilina associada a negativos amicacina ou gentamicina 1mes a 3 meses S. pneumoniae, B.lactamicos ( Pen, Haemophilus influenzae, cristalina, amoxicilina) S, aureus cloranfenicol, oxacilina Pneumonia afebril Chlamydia trachomatis, macrolideos ureaplasma urealyticum Todas as idades vírus Sem indicação 244 < 3 dias Estreptococos do grupo B, bacilos gram negativos, listeria( raro) Penicilina cristalina ou ampicilina + amicacina ou gentamicina Fonte: Diretrizes clínicas na saúde suplementar: pneumonia adquirida na comunidade na Infância, 2011. Tabela 5. Doses dos antibióticos propostos para tratamento de pneumonia bacteriana Amicacina Amoxicilina Amoxicilina + Clavulanato Ampicilina Azitromicina Ceftriaxona Cefuroxima Cefotaxima Clindamicina Cloranfenicol 15mg/kg/dia 8/8h ou 12/12 h 50mg/kg/dia- 8/8h- VO- ou 90 mg/kg/dia de 12/12h ou 8/8h 50mg/kg/dia- 8/8h- VO- ou 90 mg/kg/dia de 12/12h ou 8/8h 100 mg/kg/dia 6/6h VO 200 mg/kg/dia 6/6h IV/IM 10mg/kg primeiro dia e apos 5mg/kg/dia por mais 4 dias 50-100mg/kg/dia 8/8h EV Max 6g 30 mg/kg/dia VO 12/12h e 100mg/kg/d EV 8/8h 200 mg/ kg/dia IV 8/8 horas 30 a 40 mg/kg/ dia 3 a 4 x (MAX 1.8 g/d), 50 a 70 mg/kg/dia 6/6h; máximo 1 g dia VO ou IV. Em pneumonias graves19 Eritromicina 30-40 mg/kg/dia 6/6h VO 7-10 dias Gentamicina 5-7,5 mg/kg/dia 8/8h EV ou 1x dia Levofloxacin 16 ta 20 mg/kg/ dia 2 x (MAX 750 mg/dia Oxacilina 100-200 mg/kg/dia 6/6h IV Penicilina G Cristalina 100.000 U/kg/dia 4/4h ou 6/6h IV. Aumentar para 300m/kg/dia se a febre não ceder em 3 dias e não houver outra causa como derrame Pen G procaína 50000U/kg dia IM ou 12/12horas SMZ+TMP ( 40/8) 40 mg/kg/dia de SMZ ou 7 mg/kg/dia de TMP 12/12h VO ( 40/8 mg/ml) Vancomicina 40mg/kg/dia 6/6h Fonte: Diretrizes clínicas na saúde suplementar: pneumonia adquirida na comunidade na Infância, 2011. Complicações: devem ser consideradas se a criança permanece com febre ou clinicamente instável após 48–72 horas do início da administração de antibióticos. A complicação mais freqüente da PAC na infância é o derrame pleural parapneumônico. Os principais agentes etiológicos são os mesmos encontrados em pneumonias não complicadas. A ultrassonografia é recomendada em caso de dúvida diagnóstica, indicada também para avaliar volume do derrame pleural e aspecto e ainda para determinar melhor local para toracocentese ou drenagem quando necessário. Quando houver a possibilidade de toracocentese, o líquido pleural deve ser examinado com testes bioquímicos, exame direto para bactérias e bacilos álcoolácidos resistentes, citologia diferencial de células e cultura para bactérias e micobactérias.1 Prevenção: Recomenda-se a vacina contra Influenza, Hib e pneumocócica. Indicações para Unidade de Tratamento Intensivo 4,5 ● Gasometria: hipóxia <70% de PaO2 e >45% PaCO2; 245 ● Deterioração do estado de alerta e piora do esforço respiratório, devido hipercarbia ou hipoxemia; ● Taquipneia: FR > 70 movimentos respiratórios por minuto em menores de 12 meses e > 50 mrpm em maiores; taquicardia e evidente piora clínica por exaustão, com ou sem aumento da PaCO2; ● Oximetria <92% com máxima suplementação possível de O2; ● Apnéia recorrente ou respiração irregular; ● Instabilidade hemodinâmica: sustentada taquicardia, inadequada pressão arterial, necessidade de suporte medicamentoso para manter pressão e perfusão. PNEUMONIAS COMPLICADAS POR DERRAME PLEURAL/ EMPIEMA4,6 A presença de febre persistente em pneumonia pode indicar o aparecimento de necrose do parênquima ou, mais comumente, derrame pleural. Estas complicações nem sempre necessitam a troca de antibiótico e os casos devem ser analisados individualmente. Os critérios para indicar drenagem e o seguimento do paciente com derrame pleural dependem da avaliação clínica, critérios bioquímicos, mas também do volume e aspecto do derrame pleural. Este capítulo não abordará tais aspectos. A tomografia de tórax só tem utilidade em pneumonias complicadas que exigirão estudo mais completo para definir condutas cirúrgicas e investigar diagnósticos diferenciais. Sugere-se que a realização de tomografia de tórax seja discutida com especialista ou cirurgião. Quando puncionar? ● Sugere-se em crianças maiores quando houver derrame >1cm ao RxTx. Quais exames pedir? ● RxTx AP e em decúbito, com raios horizontais, será útil em derrames livres e quando não houver opacidade total do hemitórax (nesse caso, melhor opção é realizar ultrassonografia). ● Ultrassonografia – confirma presença do derrame, diferencia de consolidação, mostra características do derrame, tais como volume e presença de septos e loculações, avalia espessura pleural e informa o melhor local para punção em derrames septados;2,5 ● Exames do líquido pleural: Ph*, LDH, *glicose, proteínas, Gram e cultural, citologia diferencial de células, cultura (para bactérias) e pesquisa direta de BAAR. Na suspeita de DP por tuberculose pleural, solicitar ADA (adenosina deaminase) exame externo no HCC. A celularidade é de extrema importância, em especial em derrames volumosos e livres, pois o predomínio de linfócitos sugere diagnóstico diferencial com tuberculose, neoplasias. *não solicitamos pH e glicose no HCC, por labilidade dos exames. QUANDO COLOCAR DRENO: Quando, na análise do líquido pleural houver sinais de empiema (Quadro 3). A precocidade na colocação do dreno promoverá recuperação mais rápida e melhor evolução, com menor tempo de internação. 2,4 246 Quadro 3: Sinais de empiema pH* < 7,2 Gram com presença de bactérias no líquido pleural Glicose < 40 -Derrames volumosos e criança com disfunção respiratória, hipoxemia LDH > 1000 -Paciente grave com infecção associada, que mantém febre - instabilidade ventilatória e/ ou aumento da coleção Fonte : . BTS guidelines for the management of pleural infection in children. Thorax , 2016 REFERÊNCIAS 1.DIRETRIZES brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria 2007. Jornal Brasileiro de Pneumologia, São Paulo, v. 33, Supl 1, p.S 31-S 50, 2007. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v33s1/02.pdf>. Acesso em: 15 set. 2016. 2 SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. Diretrizes clínicas na saúde suplementar: pneumonia adquirida na comunidade na Infância: diagnóstico e classificação de gravidade. Brasília, DF: Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, 2011. 3 STEIN, R.T.; MARÓSTICA, P. J. C. Community acquired bacterial pneumonia. In: CHERNICK, V. et al. kendig’s disorders of the respiratory tract in children. 7. ed. Amsterdã: Elsevier. 2012. p. 441. 4 BRADLEY, J. S. et al. The management of community-acquired pneumonia in infants and children older than 3 months of age: clinical practice guidelines by the Pediatric Infectious Diseases Society and the Infectious Diseases Society of America. Clinical Infectious Disiases, Chicago, v. 53, n. 7, p. e25-76, 2011. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/pdfs/CommunityAcquired_pneumonia_Clinical_Practice_Guidelines.pdf >. Acesso em: 15 set. 2016. 5 HARRIS, M. et al; British Thoracic Society Standards of Care Committee. British Thoracic Society guidelines for the management of community-acquired pneumonia in children: update 2011. Thorax., v. 66, Suppl 2, p .ii1-23, 2011. Disponível em: <thorax.bmj.com/content/66/Suppl_2/ii1.full.pdf+html> Acesso em: 10 out. 2016. 6.. BALFOUR-LYNN I. M. et al. BTS guidelines for the management of pleural infection in children. Thorax, London, v. 60, Suppl 1, p. i1-i21, 2005. Disponível em: <http://thorax.bmj.com/content/60/suppl_1/i1.full.pdf+html>. Acesso em: 10 out. 2016. 247 CAPÍTULO 45 PSICOLOGIA CLÍNICA HCC: SOBRE A ESPECIFICIDADE DA CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇA NO CONTEXTO HOSPITALAR DENISE NUNES MOUSQUER; NAIR MACENA DE OLIVEIRA VIVIANE JACQUES SAPIRO A prática clínica hospitalar suscita reflexões acerca do inevitável diálogo que se estabelece entre os diferentes campos do conhecimento que se ocupam da etiologia e terapêutica de múltiplas enfermidades. A respeito do surgimento de uma doença orgânica, vários estudos têm sido realizados em torno dos pressupostos da Medicina, utilizando-se de referenciais da Psicanálise e outras disciplinas, estudos que investigam os aspectos subjetivos implicados na construção de sintomas clínicos. Neste contexto, ao abordarmos o campo da prática médica baseada na capacidade de produzir diagnósticos e terapêuticas a partir de realidades cientificamente observáveis, nos confrontamos com a existência no homem de uma outra realidade, cuja anatomia é de ordem psíquica. Desde Freud sabemos como as paralisias histéricas, tão frequentes em sua época, resultavam da distância que separava a anatomia real de uma outra anatomia, de ordem imaginária. Uma anatomia que funcionaria na realidade psíquica do doente, segundo a qual qualquer palavra que indicasse uma parte do corpo designaria algo inteiramente diverso do objeto do especialista em anatomia real. Portanto, frente a um sintoma orgânico, estamos diante de uma hipótese diagnóstica, de uma terapêutica e de um prognóstico presumido. Estaremos também frente a um trabalho de investigação de outra ordem, de caráter subjetivo, que nos dirá acerca do lugar que este sintoma ocupa na vida mental do paciente. Por esta via, é importante destacar que um sintoma somático, mesmo que associado a uma lesão orgânica comprovada, pode, legitimamente, ser objeto de uma investigação focalizada no inconsciente. Apontando para o caráter dialético desta questão, nos remete a pensar que, da mesma maneira que o achado de uma causa psicologicamente compreensível não nos exime de investigar as causas orgânicas implicadas no surgimento da doença, o achado de uma causa eficiente também não nos exime da tarefa de investigar sua origem no terreno das significações inconscientes. Esta dupla via de abordagem possibilita estabelecer uma diferença entre o que seria da ordem da visão sobre a doença (corpo visível através de exames) e o que se representaria enquanto olhar sobre aquele sujeito que adoece. No campo da Pediatria, a abordagem interdisciplinar das afecções orgânicas tem sido objeto de interesse de inúmeros pesquisadores, cujos estudos ressaltam a 248 necessária articulação entre a vida psíquica da criança enferma e seu corpo biológico, numa alusão à importância da subjetividade no contexto da doença orgânica, no seu surgimento e em seus avatares. De inevitável a necessário, este diálogo interdisciplinar se impõe no convívio científico das diversas disciplinas, cujas intervenções guardam suas especificidades. Na nossa prática clínica hospitalar, esta abordagem se faz no exercício diário de uma escuta dirigida à criança e às suas diferentes formas expressivas: lúdicas, gráficas e verbais. A criança que nos chega vem acompanhada de seus outros parentais e, estes, por sua angústia diante do desconhecido da doença que lhe acomete. A introdução da Psicanálise neste cenário nos conduz a interrogações e hipóteses em face do sujeito que ali está presente, para além de sua anatomia orgânica que demanda cuidados. Recorrendo à história do Serviço de Psicologia, importante destacar que até o ano de 2015, vínhamos recebendo para avaliação e tratamento patologias psíquicas de qualquer ordem: manifestações orgânicas, comportamentais e nas aprendizagens. A partir de 2016, com o apoio da atual direção do HCC, passamos a acolher, em ambulatório, somente casos de problemática psíquica associada a patologias orgânicas graves e crônicas, condizentes com a especificidade da clínica hospitalar. Os que se constituem exceção são acolhidos a partir de sua vinculação com o interesse no estudo/pesquisa de desdobramentos que a patologia em questão situa para a infância contemporânea. É inegável a importância da infância na formação de adultos saudáveis e capazes. Reconhecendo a correlação direta da saúde mental da criança como definidora dos destinos e considerando que a vivência da realidade em um hospital pediátrico não pode se furtar a tais enfrentamentos, o Serviço de Psicologia está organizado para intervir em 3 linhas básicas: ● Internação, com atendimento ao paciente e familiares através de consultorias, rounds clínicos, reuniões de equipes e reuniões com pais e familiares ● Ambulatório, a partir de encaminhamento médico ● Formação, ensino e pesquisa através de estágio curricular em Psicologia Clínica e no programa de Residência Integrada em Saúde. REFERÊNCIAS 1.Freud, Sigmund – Estudos sobre a Histeria, 1893 – 1895. 2. Freud, Sigmund- Os Três Ensaios sobre a Sexualidade, 1905. 3.Freud, Sigmund - Luto e Melancolia,1915. 4.Freud, Sigmund – Além do Princípio do Prazer, 1920. 5.Bergès, Jean – O Corpo na Neurologia e na Psicanálise, Editora CMC, 2008. 6.Mannoni, Maud – A Criança, sua Doença e os outros, Editora Guanabara Koogan S.A, 1987. 7.Guir, Jean - A Psicossomática na Clínica Lacaniana, Editora Jorge Zahar,1988. 8.Benoit, Pierre - Medicina e Psicanálise- Teoria e Casos Clínicos, Editora Jorge Zahar, 1989. CAPÍTULO 46 249 PSIQUIATRIA: EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA BRENO MATTE HEITOR BITTENCOURT NETTO INTRODUÇÃO As emergências psiquiátricas em crianças e adolescentes usualmente não surgem repentinamente, ocorrem como a expressão final e mais grave de longo período de desajuste do paciente com o meio e de relacionamento familiar disfuncional, durante o qual há gradual agravamento da psicopatologia do paciente, culminando com a situação pontual que exige atendimento urgente. É muito frequente que haja fatores desencadeantes para as situações de emergência, tais como crises familiares, perda de pessoas importantes, doença, separação dos pais, abandono e bullying grave. Dentre as várias causas que levam crianças e adolescentes a emergências psiquiátricas, este capítulo vai se concentrar principalmente em comportamento suicida e agressividade, que são as mais frequentes. Avaliação psiquiátrica de emergência Situações de urgência psiquiátrica em crianças e adolescente em geral representam uma grande crise familiar, em que a desorganização do paciente pode vir acompanhada de desorganização dos adultos. É importante que a avaliação inicial faça um levantamento dos sintomas apresentados pelo paciente: ● motivo da ida à emergência e sintomas associados; ● histórico prévio de psicopatologia; ● riscos envolvidos (suicídio, agressão, fuga, exposição moral, dilapidação do patrimônio, abuso físico e sexual, negligência grave); ● fatores desencadeantes e rede de suporte disponível (recursos da família, da comunidade e da rede de saúde para enfrentar a situação). A avaliação deve obter informações do maior número de fontes possível (paciente, pais, escola, pediatra que acompanha a família). Com crianças pequenas, a avaliação em geral é feita com os pais junto, e recursos lúdicos podem ser muito úteis. Em adolescentes, é importante que haja também momentos sem os familiares na sala, já que alguns tópicos (relacionados a uso de substâncias ou sexualidade, por exemplo) podem ser mais fáceis de abordar sem os adultos. É importante assegurar ao paciente a confidencialidade das informações, mas deixar claro que a confidencialidade não é um valor absoluto e que pode ser necessário pedir a ajuda dos pais caso haja situações de risco que o adolescente não consiga enfrentar sozinho. Independentemente da idade do paciente, é importante tentar que a avaliação seja feita em um ambiente com privacidade, em separado dos 250 demais pacientes e seus familiares, para facilitar a coleta de informações e o entendimento da situação. Tentar definir se o comportamento apresentado é primariamente psiquiátrico ou se é uma manifestação comportamental de uma causa clínica ou neurológica. Na fase de avaliação, algumas situações exigem uma intervenção imediata, como agitação psicomotora, agressividade, comportamento suicida e rebaixamento de consciência, pois podem oferecer risco de graves danos físicos ou mesmo risco de morte. Uma das principais decisões a serem tomadas pela equipe é se será necessário ou não indicar uma internação em ambiente protegido, com base na intensidade dos riscos envolvidos e na integridade da estrutura de suporte disponível em casa, na comunidade e na rede de saúde. Caso a estrutura de suporte seja frágil, o limiar de risco para indicar uma internação deve ser mais baixo. Situações como comportamento suicida, agressividade intensa, psicose, depressão grave com sintomas psicóticos, labilidade de humor severa, impulsividade grave, ambiente de risco e falha de tratamento ambulatorial rigoroso muitas vezes acabam justificando uma internação. Em geral, são preferíveis as internações em hospitais gerais ao invés de hospitais psiquiátricos (pela possibilidade de co-manejo clínico e exames complementares mais completos), e em unidades abertas com acompanhante familiar ao invés de unidades fechadas sem acompanhante. Comportamento suicida ● A incidência de suicídio aumenta com a idade; ● 3a causa de morte em adolescentes em 2010, de acordo com a OMS. Na adolescência, a incidência de suicídio vem crescendo mais do que em outras faixas etárias; ● Há comorbidade psiquiátrica em mais de 90% dos casos de óbito por suicídio. Frequentemente há um evento pontual desencadeante; ● Entre os fatores de risco populacionais para suicídio na adolescência estão: tentativas prévias de suicídio e transtorno de humor (para ambos os sexos), idade superior ou igual a 16 anos e abuso de substância (fatores de risco principalmente para meninos); ● Perfil de maior risco (Tabela 1). Tabela 1. Parâmetros para diferenciar situações de maior e menor risco durante um atendimento por comportamento suicida: 251 Fonte: Scivoletto et al, 2010. Situações de maior risco ou de fragilidade da rede de suporte devem originar internações psiquiátricas para proteção do paciente. Em algumas situações pontuais, pode-se considerar o uso de medicações sedativas, caso haja risco muito alto de suicídio, agitação e ambiente pouco seguro; lembrar que benzodiazepínicos podem ter efeito paradoxal, ainda mais em crianças. Em situações de risco mais baixo, após um período de observação, pode-se pensar em uma liberação da emergência quando o risco está esbatido, há supervisão adequada e o ambiente em casa está protegido de armas, medicações e outros itens potencialmente perigosos. Os pactos de não suicídio tem validade questionável. Após a liberação, é fundamental organizar um tratamento para oferecer suporte aos desajustes familiares e tratar a psicopatologia do paciente, com atenção a medicações potencialmente letais, que devem ser evitadas ou, caso não seja possível, devem ser supervisionadas e controladas pela família. Agressividade e agitação psicomotora São a 1a causa de emergências psiquiátricas no mundo. São comportamentos inespecíficos, que podem ocorrer como expressões de quase todo transtorno psiquiátrico ou mesmo em crianças sem comorbidades psiquiátricas, se estiverem em ambiente muito desfavorável. Na avaliação, é importante verificar se a agressividade é um estado transitório ou um traço mais estável do paciente, se é proativa ou reativa, se é solitária ou induzida por um grupo e se há psicose associada. É importante investigar se há gatilhos para a agressividade (se é um comportamento motivado ou imotivado, imprevisível), se há sinais de alerta que permitam antever a agressão e se há história prévia de agressividade que tenha justificado internação ou contenção física ou mecânica. Algumas escalas podem ser utilizadas, como a Escala de Agressividade Aberta (“Overt Aggression Scale”). O tratamento visa a proteger o paciente, terceiros e propriedade. Vários níveis de intervenção são possíveis, de acordo com a gravidade da situação. No nível 1, usado em situações de agressividade mais leve, como agressividade verbal ou expressões de agressividade física que não causem lesões, 252 as intervenções não são restritivas da liberdade do paciente (ignorar gatilhos/provocações, trocar de ambiente, negociar com os pares, técnicas de relaxamento e treinamento de adultos para conversas durante crises). No nível 2, usado em situações de agressividade mais grave, usam-se medidas que restringem a liberdade do paciente, como isolamento e contenção (física, mecânica e química). Medidas restritivas não devem ser usadas como punição, por conveniência da equipe ou por equipe sem um treinamento específico. Dentre as intervenções restritivas, o isolamento é em geral a primeira escolha, por preservar mais a autonomia e ser mais seguro. O paciente pode ser acompanhado ou conduzido até a sala de isolamento, onde os objetos potencialmente perigosos (cinto, tênis, celular, chave etc) são retirados pela equipe. A sala deve ser neutra, segura e ventilada. O período na sala de isolamento termina quando a equipe determinar que a agressividade melhorou e o paciente já estiver conseguindo se controlar sozinho Para casos mais graves, de franca agressividade física do paciente, ou quando não há uma sala adequada para isolamento, podem ser adotadas técnicas de contenção física ou contenção mecânica (mais usual para adolescentes, no qual o paciente é contido numa cama ou maca com o uso de faixas em membros superiores, inferiores e peitoral). Os métodos de contenção física e mecânica pressupõem uma grande assimetria de força física entre a equipe e o paciente; crianças maiores devem sempre ser contidas por mais de um adulto, e adolescentes devem ser contidos por 4 pessoas (uma para cada membro), o que permite evitar que o paciente machuque alguém ou seja machucado durante o processo. Durante a contenção mecânica, é importante que um membro da equipe que conheça bem o paciente fique ao seu lado para conversar em tom calmo e explicar que se trata de uma medida para protegê-lo e proteger as outras pessoas e que, assim que a agressividade passar, a contenção pode começar a ser desfeita. A contenção termina quando a equipe percebe que a agitação e agressividade cessaram, usualmente alguns minutos depois de ter sido feita. A descontenção é posta em prática aos poucos, com reavaliações constantes. Enquanto o paciente permanecer contido, deve ficar acompanhado e atendido em suas necessidades (verificação de sinais vitais, ajuste da altura da cabeceira, oferecimento de água, verificação do conforto térmico, atendimento a necessidades fisiológicas etc). Para contenção química, usada isoladamente ou como uma complementação à contenção física ou mecânica, é preferível o uso de medicações VO ou IM, como antipsicóticos, anti-histamínicos e benzodiazepínicos. Breves considerações sobre outras situações de emergência psiquiátrica Intoxicações agudas Os agentes mais comuns nas emergências incluem álcool, cocaína/crack, inalantes e drogas sintéticas. Em crianças, a ingestão acidental é frequente. Em adolescentes, o uso proposital é mais comum, por abuso de substância ou tentativa de suicídio. As apresentações clínicas são variadas, como agitação 253 psicomotora, agressividade, psicose, alterações do sensório e alterações cardiovasculares. Diante da suspeita de intoxicação, os exames toxicológicos devem ser coletados rapidamente, para aumentar a chance de detecção do agente causal. Tabela 2. Intoxicação por alguns dos agentes mais frequentemente encontrados nos serviços de emergência Fonte: Scivoletto et al, 2010. Sintomas psicóticos agudos O diagnóstico mais provável depende da faixa etária. Em adolescentes, são comuns transtorno bipolar e esquizofrenia. Em crianças, a psicose sem outras especificações é mais comum. Quadros muito agudos devem levantar a suspeita de intoxicação ou problemas orgânicos. Sintomas ansiosos e conversivos A apresentação pode mimetizar quadros clínicos potencialmente graves. Assim, é prudente considerar o diagnóstico psiquiátrico como de exclusão. Além disso, pode haver ocorrência de problemas clínicos e psicossomáticos. Caso se opte por medicar, benzodiazepínicos de curta ação em baixa dose são adequados, porque facilitam as reavaliações seriadas. REFERÊNCIAS 1. TONEZER, J.; MULLER, T.; ROCHA, G.P.,et al. Clinical Profile in Brazilian Children and Adolescents Receiving Psychiatric Services In the Emergency Department. Pediatr Emerg Care. Junho 2015 2.SADKA, S. Psychiatric emergencies in children and adolescents. New directions for mental health services. v.67, p. 65-74. 1995 3.SHAFFER, D.; PFEFFER, C. R. Practice parameter for theassessment and treatment of children and adolescents with suicidal behavior. Journalof the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, v.40, n.7, p.24S-51S. 4.AMERICANACADEMY OF PEDIATRICS. Addressing mental health concerns in primary care: A clinician’s toolkit. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics. 254 CAPÍTULO 47 PUBERDADE NORMAL E PATOLÓGICA MARIANA GASSEN DOS SANTOS; CLAÚDIA SCHURR MÁRCIA PUÑALES; CÉSAR GEREMIA; MARINA BRESSIANI INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA A puberdade é a fase de transição física, hormonal e psicológica da infância para a vida adulta, caracterizada pela secreção pulsátil do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) e ativação do eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal. É um processo complexo que envolve fatores genéticos, metabólico-nutricionais, ambientais e étnicos que causam a aceleração do crescimento linear e a aquisição da função reprodutiva. O estado nutricional é um importante fator para o início e para a progressão da puberdade, tanto o excesso de peso como a desnutrição influenciam nesse processo de amadurecimento. Alguns autores sugerem que disruptores-endócrinos, substâncias exógenas que alteram a função do sistema endócrino-hormonal, como os fitoesteroides (isoflavonas-soja), bisfenol A (plástico, mamadeiras), pesticidas entre outros, possam ter alguma influência na idade de início da puberdade. O início da puberdade é marcado pelo desenvolvimento de telarca em meninas (Tanner 2 - normalmente entre 8 a 13 anos, mais precoce na raça negra: 6,5 anos) e aumento do volume testicular nos meninos (Tanner 2 - normalmente entre 9 anos e 6 meses a 13 anos e 6 meses, correspondendo a um volume testicular > 34mL ou comprimento testicular >25 mm). Conceito: A definição clássica da puberdade precoce consiste no desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários antes dos 8 anos ou menarca antes dos 9 anos nas meninas e o aumento do volume testicular antes dos 9 anos nos meninos. Estudos epidemiológicos recentes sugerem que a idade do início da puberdade tem sido mais precoce principalmente nas meninas (5-7 anos), no entanto, podendo ocorrer também em meninos (8-9 anos). A prevalência de puberdade precoce central é cerca de 10 vezes maior em meninas (0,2% meninas e 0,05% meninos). QUADRO CLÍNICO A puberdade normal caracteriza-se por duas fases: • Adrenarca: secreção dos androgênios adrenais, ACTH-independente e responsável pela secreção dos androgênios adrenais (DHEA e S-DHEA). Caracterizada pelo desenvolvimento dos pelos pubianos e axilares, odor axilar e oleosidade da pele. 255 • Gonadarca: ocorre uma diminuição da sensibilidade ao “Gonadostato” que causa ativação ou desinibição dos neurônios hipotalâmicos neurossecretores de fator de liberação das gonadotrofinas (LHRH), provocando aumento da liberação das gonadotrofinas hipofisárias (LH e FSH). Essas gonadotrofinas são liberadas em picos e estimulam as gônadas (ovários e testículos) a produzir seus respectivos hormônios (ovários: estradiol e testículos: testosterona). Clinicamente, a gonadarca se caracteriza pelo aumento do volume das mamas (meninas) e dos testículos (meninos). A puberdade pode ser classificada em normal ou patológica de acordo com o processo fisiopatológico subjacente: 1. Variantes do desenvolvimento puberal normal: formas isoladas de telarca, pubarca ou sangramento vaginal, de causa hormonal ou não. 2. Puberdade precoce central (PPC), puberdade precoce dependente de gonadotrofina ou puberdade precoce verdadeira: maturação do eixo hipotálamohipofisário-gonadal (HHG). A forma idiopática representa 90% dos casos nas meninas e as causas orgânicas são mais frequentes (60-70%) nos meninos, sendo o hamartoma hipotalâmico a principal causa nestes. 3. Puberdade precoce periférica ou independente de gonadotrofinas, ou pseudopuberdade precoce: secreção excessiva de hormônios sexuais gonadais ou adrenais de causas genéticas ou tumorais, ou por tumor de células germinativas secretoras de gonadotrofina coriônica humana (hCG), exclusivamente em meninos, ou ainda de fonte exógena. Fatores associados à puberdade precoce: • Menarca precoce materna • Baixo peso ao nascer ou excesso de peso • Obesidade na infância e primeira infância • Exposição ao estrogênio e a produtos químicos • Crianças adotadas • Retardo de crescimento intra-uterino e pequenos para idade gestacional • Causas genéticas: mutações ativadoras nos genes da KISS1/KISS1R, anomalias cromossômicas. DIAGNÓSTICO Crianças com aparecimento precoce e/ou evolução acelerada dos caracteres sexuais secundários em ambos os sexos e/ou velocidade de crescimento acima do esperado para sexo e idade e/ou estatura acima do canal genético familiar necessitam ser investigados. A avaliação diagnóstica inicial consiste em: • Avaliar história familiar completa (idade de início da puberdade dos pais, idade da menarca da mãe e irmãs). • Avaliar história pessoal: dados do nascimento (peso e comprimento ao nascer), idade de início da puberdade e progressão das manifestações púberes, 256 investigar qualquer evidência sugestiva de disfunção do SNC (cefaléia, aumento do perímetro cefálico, deficiência visual, crises convulsivas etc). • Avaliar a velocidade de crescimento (>acima do percentil 75). Classificar o estádio puberal de Marshall e Tanner. Progressão rápida dos estadios puberais, aumento da velocidade de crescimento e avanço rápida na maturação óssea podem caracterizar quadros de puberdade rapidamente progressiva ou precocidade sexual. O desenvolvimento de pelos pubianos é resultante do efeito androgênico inicialmente proveniente das glândulas adrenais e posteriormente proveniente das gônadas sexuais. Nas meninas, a presença de pelos pubianos na ausência de desenvolvimento mamário (telarca) sugere doença adrenal, pubarca precoce idiopática ou exposição a andrógenos exógenos. Nos meninos, a medição do volume testicular pode sugerir a causa da puberdade, estando aumentados na puberdade precoce central e prépúberes na puberdade precoce periférica. Em meninos, as causas orgânicas são mais comuns, principalmente quanto mais precoce a idade ao diagnóstico da puberdade. • Identificar sinais sugestivos de causas específicas de puberdade precoce: lesões de pele hiperpigmentadas, com bordas irregulares características de neurofibromatose ou de síndrome McCune-Albright. Avaliação hormonal • LH basal: A dosagem do LH basal e/ou após estímulo com GnRH de ação rápida é recomendada para documentar a ativação do eixo gonadotrófico. Considerase como puberal, LH > 0,6U/L pela técnica de imunofluorimetria (IFMA) e LH > 0,3U/L por imunoquimioluminescência (ICMA) ou eletroquimioluminescência (ECLIA). • Teste de estímulo com GnRH: O teste de estímulo com análogo de GnRH de ação prolongada com dosagem de LH 30, 60 e 120 minutos, deve ser realizado quando a dosagem do LH basal não for conclusivo, considerando-se como puberal por LH >7 U/L (IFMA) e LH >5U/L (ICMA ou ECLIA) • Estradiol e FSH basal: A dosagem de estradiol e FSH basal pouco auxilia no diagnóstico de puberdade no sexo feminino. • Testosterona total: A dosagem de testosterona total apresenta boa sensibilidade para o diagnóstico de puberdade precoce, embora não permita distinguir entre causa central e periférica. • Gonadotrofina coriônica humana (hCG): A dosagem do hCG auxilia a diagnosticar a presença de tumores no sexo masculino. No entanto, a interpretação dos resultados em crianças abaixo de 2 anos deve ser cautelosa, pois nessa faixa etária os níveis são normalmente elevados, devido à mini puberdade fisiológica. Exames de imagem: • Radiografia de mão e punho esquerdo (Rx IO): A radiografia de mão e punho para idade óssea geralmente avança (> 1 ano ou 2 DP) nos casos de puberdade precoce. 257 - Ecografia pélvica com Doppler das artérias uterinas: auxilia na avaliação diagnóstica em meninas, identificando o volume uterino e ovariano, detectar cistos e processos neoplásicos. O volume uterino >1,8ml e comprimento entre 5-8 cm (>4,5cm), relação corpo-cérvice 1,5-2,0:1 (>1,2), endométrio >3mm e presença de mais de 6 folículos ≤ 1,0 cm, volume ovariano > 2,0 cm3 e índice de pulsatilidade (IP) <2,5 são indicativos de estimulação hormonal. • Ressonância nuclear magnética (RNM) de hipófise. Estudos moleculares: A análise molecular tem contribuído na identificação de genes (makorin ring-finger 3-MKRN3, Kisspeptin- KISS1 e receptor Kisspeptin-KISS1R) implicados em algumas formas de puberdade precoce central idiopática ou associada à história familiar. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial é importante em relação às variantes normais de desenvolvimento como: • Telarca precoce isolada, que consiste no desenvolvimento isolado de mama até os 2 anos de vida, sem crescimento mamilar, sem outros sinais de androgenização, sem aceleração do crescimento linear, sem aumento da velocidade de crescimento ou da idade óssea. A maioria dos casos tem regressão espontânea até os 2 anos de idade. • Adrenarca precoce isolada, que consiste no aparecimento de pubarca (pelos pubianos) e axilares (pelos axilares), aumento da oleosidade da pele (comedões e acne) e odor axilar antes dos 8 anos em meninas e antes dos 9 anos em meninos. É mais comum no sexo feminino, negras e pequenos para idade gestacional, podendo apresentar maior risco de resistência insulínica (obesidade, diabetes, dislipidemia e hipertensão), esteatose hepática e síndrome de ovários policísticos na vida adulta. TRATAMENTO O objetivo de tratamento da puberdade precoce visa diminuir a evolução rápida do desenvolvimento puberal, evitar o avanço rápido da maturação óssea, bloqueando os picos de secreção de gonadotrofinas. Além disso, melhorar as alterações psicossociais e aliviar a ansiedade dos pais e curar a patologia sempre que possível (lesões ou tumores). O tratamento com bloqueadores de secreção de gonadotrofinas é indicado para crianças com puberdade precoce progressiva, desenvolvimento puberal acelerado e potencial de estatura abaixo do alvo genético familiar. O agonista de GnRH (GnRHa) é o tratamento de escolha: estimulação contínua levando a dessensibilização e diminuição na liberação de LH e, em menor grau, de FSH. Acetato de leuprorrelina e o acetato de triptorrelina são os mais utilizados. A dose do GnRHa varia nos diferentes países (EUA: 200-300 mcg/kg / EUROPA: 80120 mcg/kg). No Brasil, preconiza-se uso 75-100 mcg/kg, que corresponde a uma 258 ampola de 3,75mg a cada 28 dias intramuscular ou subcutâneo. Estão disponíveis no mercado nacional outras formulações como os análogos de 7,5mg e os análogos trimestrais (11,25mg, aplicados a cada 76-84 dias). Os implantes subdérmicos de ação prolongada que liberam doses terapêuticas de GnRHa por 12 a 24 meses (histrelina 50mg) ainda não estão disponíveis para comercialização no Brasil. A principal complicação do falta de tratamento ou tratamento mais tardio da puberdade precoce central é a baixa estatura final (fusão prematura das epífises ósseas), abaixo do alvo genético familiar. Essa perda da altura final se correlaciona inversamente com a idade de início da puberdade. Além da baixa estatura final, a falta de tratamento, causa alterações psicológicas e distúrbios de conduta importantes, com desajustes na escola e na comunidade, advindas tanto do efeito hormonal na parte física como emocional, inclusive muitas vezes causando bullying e baixa autoestima. O tratamento da puberdade precoce periférica é individualizado (cirurgia, bloqueadores de ação periférica de andrógenos, glicocorticóides entre outros) e depende de sua etiologia (tumores, cistos, genética, hipotireoidismo). SEGUIMENTO A principal forma de seguimento é a clínica, observando características como a diminuição da turgidez das mamas, ausência de sangramento vaginal, diminuição da velocidade de crescimento e melhora da previsão de estatura final, que são sinais de boa evolução. Os pelos normalmente não regridem, porém ocorre uma lentificação das fases de pilificação e estadiamento. Recomenda-se que Rx IO seja realizado a cada 6-12 meses, avanços rápidos na IO sugerem que o bloqueio não está sendo realizado de forma eficaz, muitas vezes tendo que modificar a dose administrada do análogo ou o tempo entre as aplicações. O exame hormonal de escolha é a dosagem de LH após GnRha mantido inferior a 4UI/L independente do método laboratorial (ECLIA, RIA ou ICMA). As dosagens de estradiol e testosterona devem estar sempre suprimidas. A suspensão do tratamento deve levar em consideração a idade cronológica, a adequação psicossocial, idade óssea e o desejo do paciente. Recomenda-se uma idade óssea entre 12,5 anos nas meninas e 13,5 nos meninos como indicador para o melhor momento para suspensão. REFERÊNCIAS 1 BRITO, V. N et al. Central precocious puberty: revisiting the diagnosis and therapeutic management. Archives of Endocrinology and Metablism, São Paulo,. v. 60, n. 2, p.163-72. 2016. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/aem/v60n2/0004-2730-aem-60-2-0163.pdf >. Acesso em : 16 set. 2016. 2 CAREL, J. C. ; LÉGER, J. Precocious puberty. New England Journal of Medicine, Boston. v. 58, n. 22, p.2366-2377, 2008. Disponível em:< http://www.medecine.upstlse.fr/desc/fichiers/Puberte%20precoce%20Nejmag%20carel%202008.pdf >. Acesso em: 16 set. 2016. 3 WITCHEL, S. F. Disorders of puberty: take a good history! Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, Philadelphia, v. 101, n. 7, p. 2643-2646, 2016. 259 Disponível em: < http://press.endocrine.org/doi/pdf/10.1210/jc.2016-2116 >. Acesso em: 20 out. 2016. 4.Genetics, genome-wide Association Studies, and Menarche. Seminars in Reproductive Medicine. New York, v. 34, n. 4, p.205-214, 2016 5 SHIN Y. L. An update on the genetic causes of central precocious puberty. Annals of Pediatric Endocrinology & Metabolism, Chungcheong, . v. 21, n. 2, p. 66-69, 2016. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4960016/pdf/apem-21-66.pdf>. Acesso em: 28 out. 2016. 6 PRUSINSKI, L. ; AL-HENDY, A. ; YANG, Q. Developmental exposure to endocrine disrupting chemicals alters the epigenome: Identification of reprogrammed targets. Gynecology Obstetetric Research.v. 3, n. 1, p. 1-6, 2016 Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4966680/pdf/nihms789272.pdf>. Acesso em: 28 out.2016. 260 CAPÍTULO 48 PÚRPURA DE HENOCH SCHOENLEIN/ VASCULITE POR IGA MAIRA FEDRIZZI ILÓITE M.SCHEIBEL INTRODUÇÃO Trata-se da vasculite de pequenos vasos mais comum na infância 1. Possui incidência de 10-18 casos/100.000 habitantes por ano, e é mais prevalente no sexo masculino (2:1).1 A etiologia é desconhecida 1. QUADRO CLÍNICO: 2 ● Caracteriza-se pela presença de petéquias, púrpura ou equimoses, principalmente em membros inferiores, após 5-7 dias de uma infecção do trato respiratório. ● Artrite: afeta principalmente joelhos e tornozelos, em dois terços dos casos, e pode possuir característica migratória. ● Dor abdominal: A preocupação no envolvimento gastrointestinal concentrase nos quadros de intussuscepção e hemorragia. ● Renal, desde proteinúria e hematúria leves a síndrome nefrótica e insuficiência renal ● Sistema nervoso central raramente acometido, com crises convulsivas e hemorragia. ● Edema escrotal, edema de face e lombar. ● A ordem do aparecimento dos sintomas é variável, podendo a púrpura vir após 2-3 dias dos demais sintomas, dificultando o diagnóstico. DIAGNÓSTICO:2,3 Os achados laboratoriais de rotina não são específicos e nem tem valor diagnóstico. Podem apresentar anemia normocrômica, devido às perdas agudas ou crônicas pelo trato gastrointestinal, trombocitose e leucocitose leves, assim como elevação de hemossedimentação (VHS). Considerando aspectos clínicos e demais exames complementares, pode-se lançar mão dos critérios diagnósticos propostos por Eular/Press (Liga Europeia contra o reumatismo) em 2010: ● Presença de acometimento cutâneo através da típica púrpura palpável não trombocitopênica, e mais um dos seguintes critérios: 261 1. artrite/artralgias; 2. dor abdominal difusa; 3. envolvimento renal (hematúria/proteinúria); 4. biópsia com vasculite leucocitoclástica ou GNDA por deposição de IgA. Quando houver indícios de acometimento do trato gastrointestinal, a realização de ecografia de abdome total torna-se prudente, sendo comum o achado de aumento de linfonodos mesentéricos, líquido peritoneal (exsudato), edema segmentar como duodenite, hemorragia de alça intestinal. Em casos atípicos, a realização de biópsia de lesão de pele define o diagnóstico com o achado de vasculite leucocitoclástica (infiltrado de leucócitos polimorfonucleares na parede dos vasos) e depósitos de IgA. TRATAMENTO 2 ● Analgésicos para a artrite e dor abdominal leves. ● Corticóide: dores articulares e abdominais intensas. O corticóide não previne a presença de nefrite, porém, quando houver proteinúria/hematúria, está indicado, pois recupera a lesão renal em 63% das vezes. Outras indicações de corticosteróide incluem nefrites graves, orquiepididimite e comprometimento do sistema nervoso central. ● As lesões cutâneas não serão tratadas pois são autolimitadas e sem gravidade. Doses dos fármacos 3 ● Paracetamol 10 mg/kg dose 6/6h 3-7 dias; ● Ibuprofeno 20-40 mg/kg/dia 8-8horas 3 a 7 dias; ● Prednisona ou prednisolona na dose de 1 a 2 mg/kg/dia por até 2 semanas, com posterior redução em 1 semana, para evitar rebote; ● Pulsoterapia com Metilprednisona na dose de 20-30mg/kg/dia por 3 dias consecutivos, nos casos de sangramento ou síndrome nefrótica (no máximo 1g/dia). SEGUIMENTO3 ● É adequado acompanhar o paciente por no mínimo 6 meses, pois 97% dos pacientes que podem fazer lesão renal, o farão neste período. 2/3 dos casos não apresentarão mais sintomas após o primeiro mês e 94% após o sexto mês do início do quadro. 1/3 poderá recidivar. ● A maior preocupação no diagnóstico e seguimento desses pacientes é o comprometimento renal. Recomenda-se o seguimento com avaliações periódicas da urinálise de 3/3 meses por, pelo menos, 2 anos. ● Os pacientes que apresentarem alterações laboratoriais transitórias devem ser rigorosamente acompanhados por, no mínimo, 5 anos, ou toda a vida, pelo risco de insuficiência renal e, na gravidez, deve-se ficar atento para maior chance de préeclâmpsia. ● A biópsia renal é indicada se o paciente apresentar síndrome nefrítica ou nefrótica, insuficiência renal aguda ou insuficiência renal crônica e manutenção da proteinúria de 24 horas superior a 1 g/dia/m2 após 1 mês ou entre 0,5 e 1g/dia/m2 por 3 meses ou mais. 262 REFERÊNCIAS 1 ARDOIN S. P.; FELS, E. Síndromes vasculíticas: Púrpura de Henoch-Schönlein. In: KLIEGMAN R. M. et al. Nelson tratado de pediatria. 19. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 868-871. 2 TING, T. Diagnosis and management of cutaneous vasculitis in children. Pediatric Clinics of North America. Philadelphia, v. 61, p. 321–346, 2014. 3 BROGAN, P.; BAGGA, A.. Leukocytoclastic vasculitis: Henoch–Schönlein Purpura and hypersensitivity vasculitis. In: —PETTY, R. E. rt al. Textbook of pediatric rheumatogy. 7. ed . Philadelphia: Saunders/ Elsevier. 2016. p. 452-458. 263 CAPÍTULO 49 PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA MAIRA FEDRIZZI; FABRIZIA RENO SODERO FAULHABER; PEDRO PAULO ALBINO DOS SANTOS INTRODUÇÃO Conceito: Desordem causada por anticorpos antiplaquetários dirigidos às plaquetas circulantes e aos megacariócitos produtores na medula óssea. É a causa mais comum de trombocitopenia em crianças. Infecções agudas e vacinação estão entre as causas mais frequentes, podendo preceder a plaquetopenia em várias semanas. A maioria dos casos é autolimitado, com 80% de resolução espontânea em 6 a 12 meses. Epidemiologia: Pico de incidência entre 2 e 5 anos de idade, sobretudo nos meses de inverno e primavera. Sem predileção por gênero. Fisiopatologia: Anticorpos estão dirigidos contra antígenos da superfície plaquetária (geralmente GPIIb-GPIIa, GPIIb-GPIIX e GPIa-IIa). Plaquetas ligadas aos anticorpos são reconhecidas pelos receptores Fc do Sistema Retículoendotelial, e então destruídas, principalmente no baço. QUADRO CLÍNICO São dependentes, sobretudo, da extensão da plaquetopenia: petéquias, equimoses, hematomas, sangramentos orais, epistaxe, enterorragia, hematúria, AVC hemorrágico (felizmente raro). O exame clínico característico geralmente é normal, exceto pelas manifestações hemorrágicas já descritas. Hemograma normal, exceto trombocitopenia (atenção para a grande prevalência de anemia microcítica e hipocrômica, característica da ferropenia no nosso meio). Importante observar: alterações em leucócitos (leucocitose às custas de linfócitos e com neutropenia, mononucleares atípicos), anemia normocítica/normocrômica sem hemorragia detectável, esplenomegalia, hepatomegalia, linfonodomegalias, febre sem foco infeccioso aparente, dor osteoarticular, devem levar à suspeita de outras patologias como leucose, Lúpus, infecções como EBV, CMV e HIV, ou outras causas de hiperesplenismo. DIAGNÓSTICO • É inteiramente de exclusão. • Manifestações clínicas conforme descrito em quadro clinico. • Hemograma com plaquetopenia; séries vermelha e branca normais. • FAN em criança maiores de 4 anos. 264 • • • Coagulograma (TP, KTTP, Tempo de Trombina e Fibrinogênio) normal. Outros exames deverão ser dirigidos às alterações encontradas na avaliação inicial (culturais, estudos radiológicos). Resposta adequada ao tratamento dirigido à PTI. TRATAMENTO • Está baseado tanto nas manifestações clínicas quanto na plaquetometria. Deverá ser iniciado o mais rapidamente possível em casos de sangramento ativo (mucosas, AVC, intracavitários após traumas) independentemente do número de plaquetas. • Dieta para trombocitopenia (alimentos macios, contra danos à mucosa bucal). • Controle rigoroso dos sinais vitais, monitorizando a TA, e de episódios de tosse importantes – aumenta a pressão intracraniana. • Rotinas para paciente trombocitopênico (repouso relativo no leito; evitar quedas e traumatismos; deambulação e uso de banheiro/banho somente com acompanhamento; não usar AAS e AINES; não puncionar vasos profundos; monitorizar sangramentos). • Importante: orientar responsável sobre os riscos de sangramentos e cuidados a serem dispensados ao paciente, sempre registrando em prontuário. • Sintomáticos • Manter acesso venoso adequado, evitando heparinização. Transfusão de concentrado de plaquetas: NÃO é utilizada como rotina devido ao fato das plaquetas transfundidas, ao entrarem na corrente sanguínea, serem marcadas pelos anticorpos causadores da PTI, e também serem destruídas em poucos minutos. Está indicada em casos de sangramento ativo, AVC, traumas graves e outras situações que possam acarretar risco de óbito. Deverá ser administrada na forma filtrada, na quantidade de 1U para cada 5 kg, e repetidas conforme a necessidade, às vezes em infusão contínua (grandes sangramentos, AVC). Pré-medicar o paciente com anti-histamícos (dexclorfeniramina ou semelhante) antes das transfusões. Tratamento medicamentoso 1. Imunoglobulina Humana Endovenosa (IgG IV): ● Tratamento de escolha na fase aguda, com plaquetometria abaixo de 20.000/mm³, sobretudo abaixo de 10.000/mm³. ● Também indicada se sangramento ativo, independente da plaquetometria. ● Dose total recomendada é de 2 g/kg, que poderá ser dividida e administrada em 2 a 5 dias. A dose-intensidade, nos casos de trombocitopenia extrema e/ou sintomática (1 g/kg/dia, 2 dias) é a preferida, pois oferece maior antagonização dos anticorpos antiplaquetários. Doses menores como 400 mg/kg a 800 mg/kg, em dose única, também podem ser eficazes, mas geralmente utilizadas 265 na manutenção periódica dos casos crônicos, com a finalidade de manter as plaquetas acima de 20.000/mm³. • A disponibilidade atual no mercado são frascos de 5 e 6 g. Recomenda-se, pelo custo do medicamento, que a dose seja calculada para menos, mas o mais próximo do peso do paciente (ex.: paciente com 20 kg, 4 frascos de 5 g ou 3 de 6 g). O tempo de infusão deverá ser de 4 a 6 horas, lento nos primeiros 30 minutos. • Pelo fato deste medicamento ser derivado de plasma humano, tratado com pelo menos 2 métodos de esterilização, deverá haver a precaução a reações alérgicas (raramente ocorrem). • “push” de SF 0,9% se hipotensão, Prometazina e Hidrocortisona se necessário, O2 conforme a necessidade. • Sugere-se que o paciente seja sempre pré-medicado com Paracetamol e Dexclorfeniramina. Sugere-se oferecer paracetamol antes da infusão pelos efeitos colaterais de cefaleia e artralgias. 2. Corticosteróides: em geral se utiliza a Prednisona/Prednisolona nos casos mais brandos, pouco sintomáticos, nas doses de 1 a 2 mg/kg/dia, 14 dias, retirando em 7 dias (total de 21 dias), ou de 4 mg/kg/dia, 7 dias, retirando em outros 7 dias (total de 14 dias). Lembrar: proteção gástrica com Omeprazol; devido à alta prevalência de parasitose, administrar Mebendazol ou Albendazol concomitantemente; monitorizar a TA. Importante: na suspeita de leucose, NUNCA usar corticosteróide antes de aspirado de medula óssea! 3. Associação de IgG IV, pulsoterapia com Metilprednisolona (30mg/kg/dia, 1 a 3 dias), transfusão de plaquetas e esplenectomia de urgência nos casos de sangramentos graves, com risco de óbito e AVC. REFERÊNCIAS 1 LANZKOWSKY P. Manual of pediatric hematology and oncology. 5. ed. Elsevier, 2011. 2 ORKIN, S.; NATHAN, D. Nathan and Oski's. Hematology of infancy and childhood. 7. ed. Elsevier, 2009. 3 SCULLY, Marie et al. Guidelines on the diagnosis and management of thrombocytopenic purpura and other thrombotic microangiopathies. British Journal of Haematology, Oxford, v. 158, n. 3, ago. 2012. Disponível em:< http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2141.2012.09167.x/epdf>. Acesso em: 30 set. 2016. 4 NEUNERT, C. et al. The American Society of Hematology 2011 evidence-based practice guideline for immune thrombocytopenia. Blood: The Journal of Hematology, New York, v. 117, n. 16, abr. 2011. Disponível em: <http://www.bloodjournal.org/content/bloodjournal/117/16/4190.full.pdf?sso-checked=true >. Acesso em: 30 set. 2016. 266 CAPÍTULO 50 DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO LIEGE FERREIRA RODRIGUES BEATRIZ JOHN DOS SANTOS INTRODUÇÃO Conceito: O refluxo gastroesofágico (RGE) é um processo fisiológico, ocorre várias vezes ao dia e ocasiona poucos ou nenhum sintoma.1 Em oposição, a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) associa-se à presença de sintomas e/ou complicações decorrentes do retorno do conteúdo gástrico para o esôfago.1,2 Epidemiologia: prevalência de 4,3% aos 6 meses e 2% aos 18 meses1. Quando a sintomatologia prolonga-se por mais de 2 anos, a condição em geral costuma ser de caráter crônico, podendo persistir por toda infância e adolescência.3 Aproximadamente 5% das crianças que apresentam regurgitação terão DRGE e apenas 2% necessitam de investigação e 0,4% de cirurgia.4 Patogênese: O relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior (EEI) é definido como relaxamento esfincteriano sem correlação com deglutição e é considerado o mecanismo fisiopatológico mais importante do RGE, tanto no lactente como em crianças maiores.2 QUADRO CLÍNICO ● Em lactentes, vômitos e regurgitações são as manifestações mais comuns de DRGE, além de recusa alimentar, interrupção das mamadas, choro prolongado, irritabilidade e ganho de peso insuficiente. Podem ocorrer complicações extraesofágicos (Tabela 1).2,3 ● Em crianças maiores e adolescentes, são comuns dor epigástrica, azia, disfagia, queimação retroesternal, náuseas, eructação excessiva e vômitos. Muitos apresentam complicações otorrinolaringológicas como esofagite, estenose esofágica e esôfago de Barret (Tabela 1).2,5 ● Sinais de alarme: Necessitam de investigação complementar: crianças com regurgitação ou vômitos, abaulamento de fontanela, convulsões, micro ou macrocefalia, diarreia persistente, abdome distendido ou doloroso, febre, hematêmese, hematoquezia, hepatoesplenomegalia, início dos vômitos após 6 meses de vida, perda de peso ou parada no crescimento, vômitos biliosos (sugestivos de má rotação ou volvo), vômitos não biliosos incoercíveis (sugestivos de estenose pilórica ou aumento da PIC) e síndrome genética/metabólica.1,2,3 ● Grupos de risco para DRGE crônica e grave: Neuropatas, portadores de alterações anatômicas (hérnia de hiato, atresia esofágica), portadores de doenças respiratórias crônicas (fibrose cística), prematuridade, obesidade e doenças genéticas (Síndrome de Down, Cornélia de Lange).1,2,3 267 Tabela 1: Manifestações atípicas da DRGE 1,2 Manifestações orais - halitose - cáries Manifestações neurocomportamentais Manifestações otorrinológicas - alterações do sono - sinusite - irritabilidade - otite média - síndrome de Sandifer (postura anormal da cabeça com torcicolo, na presença de refluxo gastroesofágico) - dor retroesternal não cardíaca Fonte: O autor, 2016. Manifestações respiratórias - rouquidão - tosse crônica - soluços - estridor intermitente - laringite - broncoespasmo - pneumonia - cianose e apnéia DIAGNÓSTICO História detalhada e exame físico completo são fundamentais e muitas vezes suficientes para o diagnóstico. São úteis para diferenciar RGE e DRGE, e devem ser direcionados principalmente para excluir outras condições que se apresentam com vômitos e identificar as complicações da DRGE.1,2 ● REED: é um exame de baixo custo e fácil execução, porém com baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de DRGE. Útil para avaliação anatômica do trato digestório alto, deve ser solicitado para confirmar ou excluir alterações anatômicas, como estenose esofágica, anéis vasculares, pâncreas anular, hérnia hiatal, acalasia, má rotação intestinal ou estenose de piloro, que possam ocasionar sintomas semelhantes à DRGE.1,2,3,5 ● Cintilografia gastroesofágica: possibilita avaliação do tempo de esvaziamento gástrico. Baixa sensibilidade e especificidade para DRGE, não devendo ser solicitado de rotina.2,3,,6 Detecta aspiração pulmonar em pacientes com sintomas respiratórios crônicos e refratários.4 ● Ultrassonografia esofagogástrica: não é um bom exame diagnóstico para DRGE. Tem papel importante no diagnóstico diferencial com estenose hipertrófica de piloro. ● pHmetria esofágica: útil para diferenciar refluxo fisiológico do patológico, bem como para correlacionar os episódios de refluxo ácido com os sintomas, especialmente os extradigestivos (tosse, dor torácica).1,2,6 As principais indicações são: avaliação de sintomas atípicos ou extradigestivos da DRGE, pesquisa de RGE oculto, avaliação da resposta ao tratamento clínico em pacientes portadores de esôfago de Barrett ou de DRGE de difícil controle, além de avaliação pré e pósoperatória do paciente com DRGE.2,6 ● Impedanciometria intraluminal: detecta o movimento retrógrado de fluidos, sólidos e ar no esôfago, para qualquer nível, em qualquer quantidade, independente do pH. Atualmente, é sempre utilizada em conjunto com a 268 monitorização do pH, é superior à monitorização do pH isolada para detectar DRGE.1,2,6 ● Manometria esofágica: avalia a motilidade do esôfago, está indicada para os pacientes que apresentam disfagia e odinofagia, quadro sugestivo de dismotilidade esofágica. Pode ser anormal em pacientes com DRGE, mas os achados não apresentam sensibilidade ou especificidade para confirmar diagnóstico de DRGE.2 ● Endoscopia digestiva alta com biópsia: avalia o estado da mucosa esofágica e a coleta de material para estudo histopatológico. Sendo assim, possibilita o diagnóstico das complicações esofágicas da DRGE (esofagite, estenose péptica ou esôfago de Barrett) importante para terapêutica adequada e prognóstico.2,5 Também pode ser utilizada para diagnóstico diferencial com outras causas pépticas e não pépticas, tais como esofagite eosinofílica e úlcera duodenal.1,2,5,6 O exame permite descrever a gravidade da esofagite, através do grau de inflamação e erosão da mucosa. A classificação de Los Angeles é universalmente utilizada para avaliação de esofagite em adultos e crianças.2,3,6 TRATAMENTO CONSERVADOR (fluxogramas 1 e 2) ● Medidas Gerais: evitar tabagismo ativo em adolescentes e passivo em crianças, evitar roupas apertadas e, nas crianças com sondas nasogástricas, orientar infusões lentas.2 Orientações dietéticas ● Evitar alimentos que potencialmente diminuem o tônus do EEI ou aumentam a acidez gástrica: alimentos gordurosos, frutas cítricas, tomate, café, bebidas alcoólicas e gasosas. Refeições volumosas devem ser evitadas. Obesos apresentam DRGE com maior frequência e gravidade, sendo recomendada a redução do peso corpóreo.2,3 ● Não se deve recomendar suspensão do aleitamento materno.1,2 ● Não há evidências de que espessante seja uma medida eficaz para a DRGE, embora diminua o volume a frequência das regurgitações.1,2,3,4 Orientações posturais ● A posição prona é medida eficaz anti-RGE, porém não deve ser indicada devido ao risco de morte súbita em <1 ano. Posição sentada ou semi-sentada não é eficiente em diminuir refluxo. Para adolescentes é provável que a melhor posição seja o decúbito lateral esquerdo com cabeceira elevada.2 ● Lactentes não responsivos às medidas posturais e dietéticas, testar duas semanas de fórmulas extensamente hidrolisadas ou à base de aminoácidos, antes de iniciar o tratamento medicamentoso antiácido para a DRGE.2,3 269 Fluxograma 1. Investigação e tratamento RGE não complicado Fonte: Temas de Pediatria: Refluxo Gastroesofágico, 2013. Fluxograma 2. Investigação e tratamento de DRGE.3 270 Fonte: Temas de Pediatria: Refluxo Gastroesofágico, 2013. .3 TRATAMENTO MEDICAMENTOSO (Tabela 2) ● A terapia com supressão ácida é o pilar do tratamento. Os inibidores da bomba de prótons (IBP) são superiores aos antagonistas dos receptores da histamina na cicatrização da esofagite erosiva e no alívio dos sintomas. ● As formulações MUPS (multiunit pellets system) permitem o uso do omeprazol em qualquer idade e por sonda pois são solúveis e passíveis de diluição.4 ● Cuidar uso excessivo de IBP, pois pode causar deficiência de vitamina B12 e hipocloridria, que está associada a aumento das taxas de pneumonia adquirida na comunidade, GEA e candidíase e, em prematuros, enterocolite necrosante. ● Em crianças maiores e adolescentes com sintomas de DRGE pode ser feito uso empírico de IBP por um mês. Porém, a melhora com o tratamento não confirma diagnóstico de DRGE. O tratamento empírico não é recomendado para crianças menores. ● No Brasil não estão disponíveis procinéticos eficazes para o tratamento da RGE. Os procinéticos podem ser prescritos com avaliação criteriosa nos casos em que persistem os sintomas de náuseas ou plenitude pós prandial, mesmo com supressão ácida adequada.4 271 Tabela 2. Principais drogas usadas no tratamento da DRGE Droga Mecanismo de ação Dose Cimetidina Inibidor H2 20 – 40 mg/kg/dia 1 ou 2X/dia Ranitidina Inibidor H2 5 – 10 mg/kg/dia 2X/dia Omeprazol Inibidor da bomba de prótons 0,7 – 3,5 mg/kg/dia 1 ou 2X/dia Lanzoprazol Inibidor da bomba de prótons Domperidona Antagonista periférico do receptor D2 da dopamina. Pode ter algum efeito em diminuir o tempo de refluxo pós-prandial 1,4 mg/kg/dia ou 15 a 30 mg/dose 1 ou 2X/dia 0,3 – 0,6 mg/kg/dia 8/8h. 15 a 30 minutos antes das refeições. Fonte: O Autor, 2016. TRATAMENTO CIRÚRGICO Será considerado em pacientes com estenose péptica e esôfago de Barret, naqueles que não respondem ou respondem apenas parcialmente ao tratamento medicamentoso e continuam a apresentar complicações graves da DRGE, apneia ou esofagite erosiva grave. Os grupos pediátricos que mais freqüentemente necessitam correção cirúrgica são as que fazem parte do grupo de risco.1,2 REFERÊNCIAS 1 ONYEADOR, N.; PAUL, S. P. ; SANDHU, B. K. Paediatric gastroesophageal reflux clinical practice guidelines. Archives of Disease in Childhood Education & Practice, London, v. 99, p. 190-193, abr. 2014. 2 FERREIRA, T. F.; CARVALHO, E. Doença do refluxo gastroesofágico. In: CARVALHO, E.; SILVA, L. R.; FERREIRA, C. T. Gastroenterologia e nutrição em pediatria. Barueri: Manole, 2012. p. 91-132 3 TOPOROVSKI, M. S. Temas em Pediatria: refluxo gastroesofágico. São Paulo: Nestlé Nutrition Institute, 2013. 4 EPIFANIO, M.; BALDISSERA, M.; DIAS, E. M. Doença do refluxo gastroesofágico. In: LAGO, P. M.; FERREIRA, C. T.; MELLO, E. D. Pediatria baseada em evidências. Barueri: Manole, 2016. p. 123-132 5 WINTER, H. S. Clinical manifestations and diagnosis of gastroesophageal reflux disease in children and adolescents. UptoDate. 2015. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-gastroesophagealreflux-disease-in-children-andadolescents?source=search_result&search=gastroesophageal%20reflux%20disease%20in%20childre n&selectedTitle=3~150>. Acesso em 30/12/15. 6 FERREIRA, T. F. et al. Gastroesophageal reflux disease: exaggerations, evidence and clinical practice. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 90, n. 2, p. 105-118, 2014. 272 CAPÍTULO 51 SECREÇÃO NASAL LUCIANA LIMA MARTINS COSTA FERNANDO BARCELLOS AMARAL INTRODUÇÃO A secreção nasal – também chamada de rinorreia, coriza ou corrimento nasal – servirá como sintoma primordial, para então serem debatidas algumas das principais patologias nas quais se encontra presente. Fisiopatologia: O nariz e as cavidades nasais são responsáveis pela purificação, aquecimento e umidificação do ar inspirado, atuando como filtro de proteção dos pulmões para a troca gasosa nos alvéolos pulmonares. O fluxo de ar nas fossas nasais é necessário para adequada função dos sentidos do olfato e paladar; quando este fluxo é significativamente inibido, tais funções podem ser afetadas. Fundamental, ao debater secreção nasal, é o conhecimento da mucosa respiratória, composta por unidades mucociliares, glândulas submucosas e células caliciformes, devendo haver equilíbrio entre a produção de muco e seu escoamento através dos batimentos ciliares.1 Epidemiologia: Estima-se que 400 milhões de pessoas sofrem de rinite alérgica em todo o mundo, sendo a secreção nasal um de seus principais sintomas.2 Segundo o estudo ISAAC (International Study of Asthma and Allergies in Childhood), conduzido no Brasil, a prevalência média do diagnóstico de rinite foi de 19,9% para crianças de 6 a 7 anos,1 nas quais se observa um impacto negativo sobre a aprendizagem e o desempenho escolar.3 QUADRO CLÍNICO ● Resfriado comum: a rinorreia inicialmente é hialina, podendo se tornar purulenta na fase final do quadro. Apresentam febre baixa, normalmente sem comprometimento do estado geral. São autolimitados, com duração entre 3-5 dias. ● Síndromes gripais, por sua vez, apresentam sintomas com maior repercussão clínica, como febre alta, prostração e mialgia.4 ● Corpo estranho: característica a presença de secreção purulenta unilateral acompanhada de odor fétido, especialmente em crianças entre 2-4 anos.5 ● Rinossinusite aguda: os sintomas clínicos em crianças incluem congestão nasal, secreção nasal purulenta e tosse, resultando em distúrbio do sono. Dor facial e cefaléia podem estar presentes em crianças mais velhas. ○ Rinossinusite aguda é definida quando há sintomas com duração de 12 semanas ○ Rinossinusite crônica quando estão presentes há mais de 12 semanas. 273 ○ Rinossinusite aguda recorrente é definida como múltiplos episódios de rinossinusite aguda, em que os sintomas são completamente resolvidos entre esses episódios.6 ● Rinite alérgica deve ser lembrada quando há associação dos sintomas: espirros em salva, coriza clara abundante, obstrução nasal e prurido nasal, além da história clínica pessoal e familiar de atopia.1 A rinite alérgica está associada com o edema de mucosa, podendo resultar em disfunção da tuba de Eustáquio, e maior prevalência de otite média crônica nestes pacientes em relação às crianças em geral.7 DIAGNÓSTICO Resfriado comum, síndrome gripal, rinite alérgica e corpo estranho nasal: eminentemente clínicos, baseados na anamnese e exame físico básico, podendo ser auxiliados, eventualmente, pela solicitação de exames complementares. Sinusite aguda bacteriana: deve-se suspeitar quando os sintomas de infecção das vias aéreas superiores (IVAS) pioram após o 5º dia ou persistem por mais de 10 dias; Cerca de 20 a 40% das crianças com diagnóstico de sinusite aguda com base em critérios clínicos provavelmente tem IVAS. Pacientes com sintomas graves (avaliados subjetivamente através de questionamento aos pais), com distúrbios do sono e secreção nasal purulenta estão mais propensos àquele diagnóstico.8 Em quadros de rinossinusite aguda recorrentes deve-se investigar a presença de condições subjacentes (como variações anatômicas, imunodeficiências e doenças alérgicas), sendo que os principais fatores de predisposição são deficiência de imunoglobulina G, rinites em geral, hipertrofia adenoideana e desvio septal.9 Rinossinusite crônica é uma doença comum na infância, mas é muitas vezes subdiagnosticada por ter sintomas semelhantes ao resfriado ou à rinite alérgica. Nenhum sintoma clínico é patognomônico e seu diagnóstico frequentemente depende de exames complementares como nasofibroscopia ou exames de imagem (tomografia computadorizada, ressonância magnética). Sintomas como obstrução nasal, corrimento nasal, tosse, dor facial e halitose, especialmente quando em conjunto, devem alertar ao pediatra quanto à necessidade de uma melhor investigação. TRATAMENTO Lavagem nasal com soro fisiológico (NaCl 0,9%) é normalmente recomendada. Seu uso repetido (4-5 vezes ao dia) afeta favoravelmente o clearance mucociliar, além de retirar crostas, melhorando a drenagem dos seios paranasais e gerando conforto ao paciente. Antimicrobiano é reservado para pacientes com sinusite aguda com sintomas exuberantes ou com evolução ruim do quadro clínico, e deve ser eficaz contra S. pneumoniae e H. influenzae. ● Amoxicilina (45-50 mg/kg/dia por 10 dias) - primeira escolha. 274 Na falha terapêutica, em infecções graves ou recorrentes, as opções passam a ser: ● Amoxicilina em altas doses (80 a 90 mg/kg/dia), amoxicilina-clavulanato, cefalosporinas de segunda e terceira geração por via oral (cefaclor, cefuroxima), por 10 a 14 dias de administração.10 Corticóides tópicos estão indicados no tratamento das rinites em geral, promovem melhora significativa do prurido, espirros, coriza e congestão nasal.11 Deve-se atentar às formulações, com estudos demonstrando segurança em crianças a partir dos 2 anos de idade (mometasona, triancinolona, fluticasona e ciclesonida), a partir dos 4 anos (budesonida) e a partir dos 6 anos (beclometasona). Anti-histamínicos, descongestionantes, mucolíticos e expectorantes geralmente não são recomendados de forma isolada, mas podem ser utilizados, em alguns casos, como terapia complementar. SEGUIMENTO Para adequado seguimento é necessário, especialmente nos quadros crônicos como a rinite alérgica e as rinossinusites crônicas, a adesão ao tratamento pela criança. Esta é intimamente relacionada a fatores como: estrutura familiar, relação médicopaciente, facilidade e frequência de administração das medicações, custo do tratamento, entre outros.1 Em pacientes alérgicos, mostrou-se o benefício do controle ambiental quando associado ao uso do corticoide nasal, medidas como: uso de capa impermeável nos colchões e travesseiros, limpeza da casa com pano úmido, retirada de carpetes, exposição do ambiente à luz solar, além de evitar contato com animais domésticos peludos. REFERÊNCIAS 1.Solé D, Sakano E. III Consenso Brasileiro sobre Rinites. Braz J Otorrinolaryngol.v. 75, n.6, nov;p.52-60,.2012 2.Scarupa MD, Kaliner MA, et al. In-Depth Review of Allergic Rhinitis. World Allergy Organization. 2015, jun. 3.Zuberbier T, Lötvall J, et al. Economic burden of inadequate management of allergic diseases in the European Union: a GA(2) LEN review. Allergy.v.69, n.10,Oct., p 1-6,2014 4.Cristina G. Alvim e Laura M. L. B. F. Lasmar. Saúde da criança e do adolescente: doenças respiratórias. Belo Horizonte: Coopmed; Nescon UFMG,p.48-55, 2009 5. Kiger JR, Brenkert TE, Losek JD. Nasal foreign body removal in children. Pediatr Emerg Care.24,n.11, Nov.p.785-92, 2008 6.Criddle MW, Stinson A, Savliwala M, et al. Pediatric chronic rhinosinusitis: a restropective review. Amer J Otolaryngol.v.29,n.6,p.372-8, 2008 7. Pau BC, Ng DK. Prevalence of otitis media with effusion in children with allergic rhinitis, a cross sectional study. Int J Pediatr Otorhinolaryngol.v.84,p.156-60, May, 2016 8.Shaikh N, Hoberman A, Kearney DH, et al. Signs and Symptoms that Differentiate Acute Sinusitis from Viral Upper Respiratory Tract Infection. Pediatr Infect Dis J.v.;32, n.10,Oct.p.1061-5, 2013 9.Veskitkul J, Vichyanond P, et al. Clinical characteristics of recurrent acute rhinosinusitis in children. Asian Pac J Allergy Immunol. v.33, n.4, Dez.p.:276-80, 2015 10. Clinical Practice Guideline for the Diagnosis and Management of Acute Bacterial Sinusitis in Children Aged 1 to 18. American Academy of Pediatrics. Jun,p.100-6, 2013 275 CAPÍTULO 52 SÍNDROME NEFRÓTICA ANELISE ULHMANN INTRODUÇÃO Conceito: Síndrome nefrótica é uma manifestação de diferentes doenças glomerulares e caracterizada por proteinúria maciça (>50mg/kg/dia), edema, hipoalbuminemia (<2,5mg /dl) e hiperlipidemia. Pode ser classificada em primária (doença glomerular primária) ou secundária a doenças sistêmicas autoimunes, infecciosas, drogas, tumores e genética (Tabela 1). Epidemiologia: Acomete com maior frequência crianças menores de cinco anos e do sexo masculino, na proporção de 3:2 a 2:1. Em crianças maiores e adolescentes não há diferença entre os sexos. A prevalência fica ao redor de 16 casos por 100 mil crianças e a incidência anual varia de 2 a 7 casos por ano por 100 mil crianças abaixo de 14 anos. Quadro 1: Classificação da Síndrome nefrótica Primária Secundária a. Lesões mínimas (77%) b.Glomeruloesclerose segmentar e focal c.Glomerulonefrite d Membranoproliferativa Doenças autoimunes e vasculites - Lúpus eritematoso sistêmico - Púrpura de Henoch-Schonlein Doenças infecciosas bacterianas, virais ou parasitárias Drogas (anti-inflamatórios não hormonais) Tumores (linfoma) Genética QUADRO CLÍNICO O sintoma inicial é o edema progressivo, mole, frio e depressível que inicia na face e se estende por todo o corpo, influenciado pelo decúbito (na face ao acordar e em membros inferiores durante o dia). Alguns pacientes desenvolvem anasarca (edema generalizado). O edema geralmente inicia após uma picada de inseto ou uma infecção aguda de vias aéreas superiores e torna-se visível quando a retenção líquida excede 3 a 5% do peso. DIAGNÓSTICO 1. Urinálise (EQU), que se apresenta espumosa devido à proteinúria, leucocitúria com urocultura negativa e a presença de hematúria microscópica que pode ocorrer em 25% dos casos. Hematúria macroscópia é sugestiva de glomerulopatia mais grave. 276 2. Proteinúria de 24 h (>50mg/kg): Quando a coleta for difícil (crianças em uso de fraldas), pode-se fazer a coleta de uma amostra isolada de urina com relação proteinúria/creatininúria (P/C) conforme Quadro 1. Podemos utilizar o teste do ácido sulfossalicílico 3% no acompanhamento da proteinúria, misturando 1 parte de urina para 2 partes de ácido. Observa-se a turvidez sendo: (+) leve turvação, 1-30mg%; (++) turvação sem precipitação, 40100mg%; (+++) turvação com precipitação, 150-300mg%; (++++) precipitado floculento, >500mg%. As fitas reagentes detectam somente a albumina e baseiam-se em tons diferentes de verde. Quadro 1: Identificação de Proteinúria PROTEINÚRIA NÃO NEFRÓTICA PROTEINÚRIA NEFRÓTICA • • • -Amostra urinária: relação P/C>0,2 mg/mg (no HCC, proteinúria x 100/creatininúria) -Urina 24 horas > 4 mg/m2/hora P/C > 2mg/mg Urina 24 horas > 50mg/kg Proteinúria em amostra >300 mg/dl ou proteinúria >3+ na fita reagente Fonte: O autor, 2016. 3. Albumina < 2,5g%. 4. Colesterol aumentado, com relação inversa ao teor de albumina. 5. Eletrólitos (pode ocorrer hiponatremia), glicemia, creatinina (para avaliar a função renal). 6. Outros exames na suspeita de causa secundária: hemograma; FAN em crianças ≥ 10 anos ou com outros sinais de Lúpus Eritematoso Sistêmico; C3 e ASLO em crianças com hematúria macroscópica ou microscópica persistente; sorologia para hepatite B e C, tuberculose e HIV em populações de alto risco. 7. Radiografia de tórax para avaliação de edema pulmonar. 8. Biópsia renal está indicada nos menores de um ano (risco aumentado de doença congênita) e nos ≥ 12 anos (menor probabilidade de lesões mínimas em adolescentes), nos resistentes ao corticoide, na hematúria macroscópica ou microscópica persistente ou diminuição de C3, na hipertensão persistente, na alteração de função renal não devida a hipovolemia e na suspeita de causa secundária. TRATAMENTO 1. Medidas gerais e de suporte O manejo do edema inclui: • Restrição modesta de líquidos e de sódio para 1-2 g/dia ou 35mg/kg/dia com edema persistente ou se hipertensão. • Considerar uso de furosemida na dose de 1-3mg/kg/dia se edema persistente ou ganho de peso de 7-10%. 277 • A albumina 20% EV pode ser necessária para edema refratário e com sintomatologia, sendo a dose sugerida 0,5 -1g/kg por 2-4h seguida de furosemida na dose de 1-2mg IV. • A ingesta de proteínas deve ser de 1,5-2 g/kg/dia, entretanto em pacientes com proteinúria persistente, a ingestão deve ser de 2-2.5g/kg/dia. • A hiperlipidemia geralmente resolve com remissão de proteinúria. Sugere-se limitar ingesta de gordura a menos de 30% do total de calorias e com gorduras saturadas a <10% do total de calorias. • Se a pressão arterial permanecer acima do percentil 90 para a idade, iniciar anti-hipertensivos: inibidores de enzima de conversão (enalapril ou captopril) ou bloqueador do receptor de angiotensina (losartana) para manter PA abaixo do percentil 50.8 • Tratar infecções existentes e usar empiricamente vermífugo pois a hiperinfecção e disseminação do Strongyloides é associada a alta mortalidade e os testes são caros e os resultados demoram.7 • Ivermectina em crianças>15kg, 200 mg/kg/dia por dois dias ou • Albendazol, 400 mg 2 x dia por 3–7 dias ou • Thiabendazol, 25 mg/kg 2x d por 3 dias (mais tóxico) Sugestão: associar com 1 dose albendazol para cobrir outros helmintos. 2. Episódio inicial ● Iniciar prednisona ou prednisolona na dose de 2mg/kg/dia ou 60mg/m2/dia (máximo de 60mg) por 4-6 semanas. ● Manter corticoide na dose de 40mg/m2 ou 1,5mg/kg em dias intercalados (dose máxima 40mg) por 4-6 semanas e iniciar diminuição da dose semanalmente durante 2 a 5 meses. ● Durante infecções, sugere-se manter corticoide diário. ● Se não ocorrer resposta ao corticoide em 4 semanas, realizar pulsos de metilprednisolona, 20-30mg/kg/dia (máximo 1 grama), em dias alternados, máximo 6 pulsos. A resposta inicial ao tratamento é um fator prognóstico importante. Pacientes que respondem ao tratamento inicial raramente evoluem para insuficiência renal crônica. Aproximadamente 30% dos pacientes tratados não terão nenhuma recidiva e, portanto, estarão curados após o curso inicial da terapia. O uso prolongado de corticoide na fase inicial de tratamento não parece influenciar na taxa de recidiva. 3. Recidivas Na recidiva, aumentar ou reiniciar o corticoide com 2mg/kg ou 60mg/m2 diariamente até 3 dias sem proteinúria. Após remissão completa, manter dose de 1,5mg/kg ou 40mg/m2 (máximo 40mg) em dias intercalados. Os pacientes resistentes ao corticoide e os que não respondem ao tratamento inicial devem ser encaminhados para nefrologista infantil para tratamento específico. Devem realizar biópsia renal, avaliação de função renal e proteinúria. Estes 278 pacientes tem um risco de 50% de progressão para doença renal em fase terminal dentro de cinco anos de diagnóstico. Outros tratamentos Drogas alternativas podem ser utilizadas nas crianças recidivantes frequentes ou dependentes de altas doses de corticoide. Estas crianças devem ser acompanhadas pelo nefrologista pediátrico. Os tratamentos disponíveis incluem: agentes alquilantes como ciclofosfamida, levamisole, inibidores de calcineurina (ciclosporina ou tacrolimus), micofenolato de mofetil e rituximab. SEGUIMENTO ● As consultas de seguimento devem avaliar os efeitos colaterais das medicações em uso, especialmente no uso crônico de corticoide. ● Avaliação oftalmológica para detecção de catarata. ● Monitorar o crescimento, controlar o desenvolvimento de obesidade. ● Avaliar a diminuição do nível sérico de vitamina D e da massa óssea. ● As demais medicações possuem suas recomendações específicas. Sempre fornecer por escrito a dose da medicação e suas reduções. ● O calendário vacinal deve ser mantido atualizado, especialmente as vacinas da varicela e pneumocócica. Não utilizar vacinas de vírus vivos durante o uso de corticoide e inclusive não vacinar com pólio oral os contatos domiciliares (crianças menores), somente a injetável SALK. ● A frequência das consultas depende do curso clínico. No primeiro episódio ou nas recidivas infrequentes, primeira revisão quatro semanas após iniciar o corticoide seguido de consultas aos 3, 6, 12 e 24 meses após episódio inicial ou última recidiva. CONSIDERAÇÕES FINAIS A síndrome nefrótica deve ser manejada de acordo com os protocolos vigentes, respeitando a individualidade de cada criança em termos de uso de medicamentos, adesão familiar e entendimento sobre a patologia. Após o episódio inicial, a família deve ser educada em relação à doença, seu manejo e sua evolução. A aderência ao tratamento é de extrema importância, especialmente no episódio inicial. O pediatra deve tratar o episódio inicial e, se não houver remissão após 4 semanas de corticoide ou ocorrer recidiva, referir ao nefrologista pediátrico. A classificação da resposta ao tratamento com corticoide define os passos a serem seguidos durante a evolução. REFERÊNCIAS 1 LOMBEL, RM; GIPSON, DS; HODSON, EM. Treatment of steroid-sensitive nephrotic syndrome: new guidelines from KDIGO (Kidney Disease Improving Global Outcomes). Pediatr Nephrol. Berlin, Germani, v. 28, n.3, p.415-426, 2013 2 JEROME,C LANE; LANGMAN, CB. Pediatric Nephrotic Syndrome. Pediatr Nephrol, Berlin, Germani. 2014. 3 KIDNEY; 2012. Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) Glomerulonephritis Work Group. Brussels, Belgium: KDIGO Clinical Practice Guideline For Glomerulonephritis, Brussels, Belgium. 2012. 4 SINHA A; SAHA A; KUMAR M; et al. Extending initial prednisolone treatment in a randomized control trial from 3 to 6 months did not significantly influence the course of illness in children with steroid-sensitive nephrotic syndrome. Kidney International. v.87,p. 217-24,Mexico City, México, 2015 5 HOYER PF. New lessons from randomized trials in steroid- sensitive nephrotic syndrome: clear evidence against long steroid therapy. Kidney International v. 87, p.17-19, Mexico City, México, 2015 279 6 LOMBEL, RM; GIPSON, DS; HODSON, EM. Treatment of steroid-resistant nephritic syndrome in children: new guidelines from KDIGO Pediatr Nephrol. v. 28, n.3,p.409-14, Berlin, Germani. 2013 7. MEJIA, R;NUTMAN T.B.Screening, prevention, and treatment for hyperinfection syndrome and disseminated infections caused by Strongyloides stercoralis Curr Opin Infect Dis. v.25, n.4,p.458– 463, 2012 280 CAPÍTULO 53 TIREOIDE: DISTÚRBIOS DA TIREOIDE HIPOTIREOIDISMO & HIPERTIROIDISMO MARIANA GASSEN DOS SANTOS; CLAÚDIA SCHURR MÁRCIA PUÑALES, CÉSAR GEREMIA; MARINA BRESSIANI INTRODUÇÃO Tireoide Os distúrbios da glândula tireoide podem ser congênitos ou adquiridos, funcionais (hipotireoidismo e hipertireoidismo) ou nódulos, massas tireoidianas ou neoplasias. A glândula tireoide localiza-se na porção mediana, anterior e inferior do pescoço, apresenta origem endodérmica e peso normal de 10 a 30g. Possui uma citoarquitetura organizada em folículos, compostos pelas células foliculares, produtoras dos hormônios tireoidianos (HT) - tetra-iodo tironina (T4) e triiodotironina (T3) - e pelas células parafoliculares (células C) localizadas fora dos folículos, produtoras de calcitonina. A regulação da secreção dos HT é realizada através da secreção do TSH hipofisário e do TRH hipotalâmico. Os HT são importantes na organogênese do sistema nervoso central (SNC) até os 2 anos de vida, quando estimulam o crescimento dos dendritos e axônios, além de contribuir para a formação do córtex cerebral anterior, hipocampo, córtex auditivo e cerebelo. Em condições normais, todo o T4 e cerca de 20% do T3 circulantes são produzidos na tireóide. O restante 80% de T3 circulante é proveniente da deiodinação periférica do T4 através da deiodinase tipo 1 (D1) e tipo 2 (D2). Os HT se acoplam à tireoglobulina dentro da glândula, glicoproteína exclusivamente produzida na tireóide, responsável por fornecer os resíduos tirosil para síntese dos HT. Neste capítulo, serão abordados principalmente os distúrbios funcionais da glândula tireoidiana, sendo que o hipotireoidismo primário pode ser classificado em congênito ou adquirido: HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO O hipotireoidismo congênito (HC) ocorre em cerca de 1:2.000-4.000 recémnascidos (Brasil: 1:3.694), sendo uma das principais causas evitáveis de incapacidade intelectual. Quadro Clínico: A maioria dos recém-nascidos com hipotireoidismo congênito são assintomáticos ou apresentam poucas manifestações clínicas da deficiência de hormônio tireoidiano. 281 As manifestações clínicas encontradas são: letargia, fontanelas amplas, hipotermia, hipotonia, macroglossia, sonolência, icterícia prolongada, dificuldade para mamar, edema ocular, bócio, distensão abdominal, choro rouco, obstrução nasal, pele fria, pálida, seca e descamativa, cianose, hérnia umbilical e constipação intestinal. O HC pode ser transitório ou permanente: ● HC transitório (1:40.000) pode ser causado principalmente pela falta ou excesso de iodo materno, fetal ou no RN, podendo também ser causado pela passagem transplacentária de drogas antitireoidianas, auto-anticorpos maternos ou idiopático. Apresenta-se com bócio em alguns casos e geralmente por um período de curta duração, mas necessita normalmente de tratamento com reposição de levotiroxina até no máximo de 3 anos. ● HC permanente pode ser causado por disgenesias tireoidianas (1:4.000), disormonogênese (1:30.000) e de origem hipotalâmico-hipofisário (1:50.000150.000). Cerca de 85% dos casos permanentes do hipotireoidismo congênito são esporádicos (a maioria causada por disgenesia da tireóide) e 15% são hereditários (a maioria causada por erros inatos da síntese do hormônio tireoidiano). DIAGNÓSTICO Logo após o nascimento, as concentrações de TSH aumentam abruptamente para 60 a 80 mUI/L. Em 24 horas após parto, TSH diminui rapidamente para cerca de 20 mIU/L e em torno de uma semana de vida diminui lentamente para 6 a 10 mIU/L. Os programas de triagem neonatal com dosagens de T4 total ou TSH através do teste do pezinho são realizadas para detecção desta patologia, sendo coletados idealmente entre o 2º e 5º dia de vida, em papel filtro. A coleta não deve ultrapassar o 7° dia de vida. Os valores de referência de TSH e T4 livre no teste do pezinho variam conforme a idade gestacional (Tabela 1). Tabela 1. Valores de referência de TSH e T4 livre no teste do pezinho RNPT: recém nascido prematuro. Fonte: ???? TRATAMENTO Os objetivos gerais do tratamento são assegurar o crescimento linear, o desenvolvimento neuropsicomotor e a inteligência intelectual. A levotiroxina oral é o tratamento de escolha e a dose é ajustada para peso corporal. A Academia 282 Americana de Pediatria (AAP) e a Sociedade Europeia de Endocrinologia Pediátrica (ESPE) recomendam uma dose de levotiroxina entre 10 e 15 mcg/kg/dia. HIPOTIREOIDISMO ADQUIRIDO INTRODUÇÃO O hipotireoidismo adquirido é o distúrbio mais comum da função tireoidiana em crianças, sendo frequentemente de etiologia autoimune. O hipotireoidismo adquirido pode ter como causas: ● doenças da tireóide (hipotireoidismo primário: tireoidite crônica linfocitária autoimune ou subaguda); ● doença hipotalâmica-pituitária (hipotireoidismo central secundário ou terciário); ● uso de drogas como anticonvulsivantes (fenitoína, fenobarbital, carbamazepina e valproato), amiodarona ou tionamidas; ● pacientes submetidos a irradiação ou tireoidectomia. O hipotireoidismo primário pode ser subclínico ou apresentar manifestações clínicas, independente da etiologia. Quando não tratado em crianças pode ter efeitos deletérios sobre o crescimento, desenvolvimento neuropsicomotor e puberal e desempenho escolar. Entre as etiologias, a tireoidite crônica autoimune (Tireoidite de Hashimoto) é a causa mais comum de hipotireoidismo em crianças, resultando em atrofia tireoidiana ou bócio. É mais comum em adolescentes do sexo feminino e da raça branca. Entre todas as crianças com esta patologia, o bócio eutireoidiano é o mais comum. Algumas síndromes genéticas e outras doenças autoimunes apresentam maior risco de desenvolver a tireoidite crônica autoimune. Síndromes de Down (trissomia 21), síndrome de Turner, diabetes mellitus tipo 1, doença celíaca e, possivelmente, síndrome de Klinefelter apresentam maior risco de doença tireoidiana. A obesidade pode estar associada ao aumento dos níveis de TSH, sendo que 10-23% das crianças obesas apresentam uma discreta elevação da concentração sérica de TSH (5 a 10 mU/L) associada a valores de T3 livre normal ou ligeiramente elevado e valores normais de T4, geralmente hipotireoidismo subclínico e raramente necessitam de tratamento. A leptina sérica elevada, presente em crianças com obesidade, estimula o aumento da transcrição de hormônio liberador de tirotropina (TRH), causando aumento dos níveis de TSH. A causa mais comum de hipotireoidismo em todo o mundo é a deficiência de iodo (bócio endêmico), embora a deficiência de iodo sintomática esteja se tornando incomum devido a iodação do sal da dieta e dos produtos lácteos. QUADRO CLÍNICO A manifestação mais comum de hipotireoidismo em crianças é a diminuição da velocidade de crescimento, muitas vezes resultando em baixa estatura. O atraso de crescimento tende a ser insidioso no início e pode estar presente por vários anos antes de ocorrerem outros sinais e sintomas. Também pode ocorrer alteração do 283 desempenho escolar. Outros sintomas comuns são lentidão, letargia, intolerância ao frio, constipação, pele seca, cabelos quebradiços, edema facial e dores musculares. Se a causa for central, a criança pode ter cefaleia, sintomas visuais ou manifestações de outras deficiências hormonais. O achado físico mais comum de apresentação é uma glândula tireóide com aumento difuso (bócio). Porém, a glândula pode apresentar volume normal ou não ser palpável. As anormalidades do exame físico podem incluir baixa estatura, excesso de peso aparente (retenção de mais fluido do que propriamente obesidade), edema de face ou palpebral, bradicardia, pseudo-hipertrofia muscular e diminuição dos reflexos profundos. O desenvolvimento puberal é atrasado na maioria das crianças com hipotireoidismo. No entanto, algumas crianças tem precocidade sexual. Alguns pacientes apresentam a associação com hiperprolactinemia, raramente com galactorreia. A secreção de hormônio do crescimento e do IGF 1 podem ser normais ou diminuídas. O hipotireoidismo primário pode ser associado com o alargamento da sela turca, resultante da hiperplasia secundária de células tireotróficas. O alargamento pode ser evidenciado durante a imagem craniana realizada para avaliação da baixa estatura. Embora o alargamento da pituitária possa ser bastante pronunciado, raramente causa sinais ou sintomas (em contraste com tumor pituitário oA oftalmopatia de Graves, caracterizada pela inflamação dos músculos extra-oculares, gordura orbital e do tecido conjuntivo, o que resulta em proptose (exoftalmia), ocorre em um terço dos pacientes pediátricos. Contudo, ao contrário dos adultos, normalmente é leve, sem risco de perda de visão e frequentemente melhora após a remissão da doença. O hipertireoidismo tem efeito importante sobre crescimento, levando a um aumento da velocidade de crescimento, bem como avanço da maturação epifisária. Em relação a puberdade, a idade de início não parece sofrer interferência pela doença. As meninas que já tiveram menarca podem desenvolver oligomenorréia ou amenorréia secundária. DIAGNÓSTICO Todos os pacientes suspeitos de hipertireoidismo devem realizar dosagem de TSH, T4 livre, T3 total e anticorpos tireoidianos. O diagnóstico é confirmado pelos níveis de TSH suprimido, T4 livre e T3 total elevados. Ao contrário da avaliação de hipotireoidismo, obter dosagem de T3 é essencial porque a Doença de Graves inicial pode estar associada a elevação do T3 previamente aos níveis de T4. A presença do anticorpo estimulador do receptor de tireotropina (TSHR-Ab) confirma a doença de Graves de origem autoimune. Ultrassonografia e cintilografia (usando Iodo 123 ou Tecnécio 99m) da tireoide podem contribuir com o diagnóstico em uma pequena porcentagem de pacientes que são negativos para os anticorpos tireoidianos. 284 TRATAMENTO Crianças e adolescentes com hipertireoidismo de Graves podem ser tratados com antitireoidiano, iodo radioativo (RAI) ou tireoidectomia. A escolha da terapia é determinada através da análise individual dos riscos e benefícios das diferentes modalidades terapêuticas. O antitireoidiano metimazol (0,25 a 1,0mg/kg por dia) é primeira escolha e a única droga antitireoidiana disponível para tratamento medicamentoso em crianças e adolescentes. O propiltiouracil é contra-indicado nessa faixa etária devido aos efeitos adversos graves de hepatotoxicidade. A terapia antitireoidiana é recomendada como tratamento inicial com objetivo de remissão da doença em até 18 meses e permanência em eutireoidismo após a interrupção do tratamento. O propranolol (0,5 a 2,0 mg/kg/dia) pode ser utilizado como terapia coadjuvante ao metimazol, para pacientes com sintomatologia adrenérgica, como palpitações e tremores. Entre os efeitos colaterais descritos, 2 a 5% dos pacientes desenvolvem rash cutâneo, náusea, cefaleia, artralgia, faringite ou febre, que costumam ser transitórios. Efeitos maiores são representados por hepatite, vasculite, agranulocitose e leucopenia. Assim, se o paciente apresentar febre ou odinofagia deve realizar hemograma completo para avaliar neutropenia, bem como se apresentar dor em quadrante superior direito do abdome deve ser avaliada função hepática. Terapia definitiva (RAI ou tireoidectomia) deve ser considerada na ausência de remissão permanente da doença após terapia com drogas antitireoidianas ou se efeitos adversos graves causados pelas mesmas e tem como objetivo causar hipotireoidismo permanente. A RAI geralmente é indicada para crianças acima de 10 anos de idade, com bócio pequeno e glândula sem nódulos. A tireoidectomia total é um tratamento igualmente eficaz e seguro, sendo a terapia definitiva de escolha em crianças menores de 5 anos e em pacientes com glândula tireoide pesando acima de 80 gramas. Deve ser realizada preferencialmente por cirurgiões de cabeça e pescoço ou pediátricos que tenham grande experiência, ou seja, que realizem mais que 30 cirurgias por ano. SEGUIMENTO Medidas de T3 total e T4 livre devem ser realizadas após 4 semanas inicialmente e, após, a cada 6 a 8 semanas, conforme resposta individual. O TSH não deve ser utilizado para monitorar tratamento, visto que seus níveis demoram para normalizar. Hemograma de rotina não é recomendado, mas é importante alertar os pacientes em uso de metimazol quanto aos efeitos adversos da medicação. Assim, qualquer paciente em uso da medicação que desenvolva uma doença febril ou faringite deve ter o tratamento antitireoidiano interrompido até hemograma ser realizado. REFERÊNCIAS 285 1.JACOB, H.; PETERS, C. Screening, diagnosis and management of congenital hypothyroidism: European Society for Paediatric Endocrinology Consensus Guideline. ADC Education & Practice, London, v. 100, n. 5, p. 260-263, out. 2015. Disponível em:< http://ep.bmj.com/content/100/5/260.full.pdf >. Acesso em: 18 set. 2016. 2 HANLEY, P.; LORD, K.; BAUER, A. Thyroid disorders in children and adolescents: a review. JAMA Pediatrics, Chicago, v. 170, n. 10, p. 1008-1019. ago. 2016. 3 SALERMO, L. et al. Subclinical hypothyroidism in childhood -current knowledge and open issues. Nature Reviews: Endocrinology, London, jul. 2016. 4 BROWN, R. S. Disorders of the thyroid gland in infancy, childhood and adolescence. mar.2012. Disponível em: < http://www.thyroidmanager.org/wp-content/uploads/chapters/disordersof-the-thyroid-gland-in-infancy-childhood-and-adolescence.pdf >. Acesso em: 18 set. 2016. 5 SCHOENMAKERS, N, et al. Recent advances in central congenital hypothyroidism. Journal of Endocrinology, London, v. 227, n. 3, R51-71. dez. 2015. 6 CLARK, S. J. et al. Reference ranges for thyroid function tests in premature infants beyond the first week of life. Journal of Perinatology, Philadelphia, n. 21, v. 8, p. 531-536, dez. 2001. 286 CAPÍTULO 54 TUBERCULOSE PULMONAR NA CRIANÇA FABIANA DUBÓIS INTRODUÇÃO Epidemiologia A tuberculose (TBC) é uma doença infecto-contagiosa cuja transmissão se dá por via inalatória, através do contato com indivíduos bacilíferos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) identifica a doença como grave problema de saúde pública, pois vem, ao longo do tempo, permanecendo como a segunda causa de morte entre as doenças infecciosas em adultos, em todo o mundo, ficando atrás apenas da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana. Um terço da população mundial está infectada pelo Mycobacterium tuberculosis. De todos os adultos infectados pelo bacilo, cerca de 5 % desenvolverão a doença nos primeiros anos após a infecção primária. No entanto, o risco de desenvolver tuberculose na criança com infecção primária não tratada é muito maior do que no adulto. Por exemplo, a criança até 12 meses tem 50% de chance de desenvolver a doença após a infecção primária, sendo a doença pulmonar a forma mais prevalente. As informações reais acerca do problema da TBC infantil são ainda imprecisas, devido à dificuldade em relação ao diagnóstico da TBC em crianças, à falta de padronização do diagnóstico, erros diagnósticos e de notificação. Crianças em geral são abacilíferas e não transmitem a doença. Contudo, o adoecimento de crianças com TBC reflete que o controle da doença pode estar precário em uma determinada região – evento sentinela, indicando uma transmissão recente: deve ser procurado o caso índice – bacilífero que transmitiu a doença à criança. A OMS define como TBC pediátrica aquela que acomete pessoas menores de 15 anos de idade. Porém, a definição pelo Ministério da Saúde (MS) é de TBC pediátrica para indivíduos de até 10 anos de idade. Isso em função do critério terapêutico – que difere para crianças a partir de 10 anos: 3 drogas nos menores de 10 anos (RHZ) e 4 drogas para os maiores de 10 anos (RHZE). Fisiopatologia Em função da transmissão por via respiratória, a forma clínica pulmonar é a mais importante do ponto de vista epidemiológico 2 . Na etiologia da TBC pulmonar, os bacilos, por via inalatória, alojam-se no parênquima pulmonar e, sem a presença de anticorpos, multiplicam-se. Quando atingem os alvéolos, eles ocasionam uma rápida resposta inflamatória, envolvendo células de defesa e acontece a primoinfecção tuberculosa: a pessoa está infectada, mas o sistema imunológico está mantendo sob controle. 287 A maior parte das pessoas evolui para resolução dessa primoinfecção (porém as crianças evoluem com o desenvolvimento da doença com muito maior freqüência). Com o passar do tempo, o local de inoculação vai fibrosando, ocorrendo até calcificação do cancro de inoculação e/ou adenomeglia satélite. Através da bacilemia precoce, poucos bacilos podem alcançar órgãos distantes e aí permanecer dormentes e em determinado momento proliferar e causar lesões típicas da TBC doença. Caso ocorra falha nos mecanismos de defesa, os bacilos começam a se multiplicar. Em 5 % dos casos, a primoinfecção não é contida, mas em menores de 12 meses até 50%. TBC primária: Forma mais associada a TBC na infância. Ocorre por progressão do complexo primário para doença nos primeiros 5 anos após a primoinfecção. Há 3 formas: 1.ganglionar: É a forma inicial mais comum da TBC na criança, e sua complicação mais freqüente é o gânglio aderir-se ao brônquio, formando uma fístula que drena seu conteúdo para o interior do próprio brônquio, resultando numa pneumonia tuberculosa. Outra possibilidade é a disseminação hematogênica com manifestação miliar, meníngea ou ambas. 2.pulmonar: A TBC Pulmonar consiste de : ● Tosse persistente por 2 – 3 semanas ou mais, produtiva ou não (com muco e eventualmente com sangue), ● Febre vespertina (geralmente baixa), sudorese noturna e emagrecimento. ● Adinamia, perda do apetite, emagrecimento, irritabilidade ● Paciente poderá estar em bom estado geral, sem perda do apetite e ter grandes alterações radiológicas relacionadas a TBC. ● Lesões pulmonares pobres em bacilos. 3. Miliar que compromete não apenas os pulmões, mas muitos órgãos como rins, cérebro, meninges, supra-renal e ossos, resultantes da disseminação linfohematogênica do bacilo. Por contigüidade, ocorrem as formas pleural (adjacente ao pulmão), pericárdica (adjacente a gânglios mediastinais) e peritonial (adjacente a gânglios mesentéricos). TBC pós-primária: Forma mais associada a TBC no adulto. Ocorre Após 5 anos da infecção, quando o sistema imunológico não mantém os bacilos sob controle e eles voltam a se multiplicar rapidamente (reativação endógena).Também pode acontecer por reativação exógena, na qual ocorre uma nova exposição a outros bacilos que resistem à resposta imunológica. Cerca de 90% das pessoas infectadas nunca adoecem Os 10% restantes podem adoecer nos primeiros anos logo após a infecção (5%), ou quando apresentarem alguma forma de imunossupressão/ reativação (5%). Dos indivíduos que evoluíram para doença, 25% poderão curar-se espontaneamente, mesmo sem tratamento. Manifestações extrapulmonares da TBC em criança ocorrem em até 25% dos casos. Algumas são mais freqüentes, como: 288 ● Gânglios periféricos, pleura, ossos e meninges. ● A TBC do aparelho digestivo (peritonite e intestinal), pericardite e genitourinária são mais raras. ● As manifestações cutâneas parecem raras ou são pouco diagnosticadas. Tuberculose Pleural (que é considerada uma forma extrapulmonar de TBC) tem sido diagnosticada com freqüência em nosso meio. Quadro Clínico e laboratório/imagem: ● Os pacientes são pouco sintomáticos, ● Grandes volumes de líquido pleural ao RX de tórax. ● Geralmente, a ecografia de tórax evidencia líquido livre e volumoso ● Na toracocentese, o líquido é de aparência citrina com celularidade com predomínio de linfócitos (>80% no líquido pleural). ● Biópsia de pleura para confirmação diagnóstica já que é muito rara a identificação de BAAR no líquido pleural. ● Outro exame útil no líquido pleural , quando disponível, é a dosagem do ADA (Adenosina Deaminase) , que, se elevada, é fortemente indicativo de TBC pleural. DIAGNÓSTICO Exame bacteriológico direto de escarro: A ferramenta básica para o diagnóstico de TBC. No entanto, na infância, a TBC se caracteriza por apresentar formas fechadas, com pequeno número de germes nas lesões. O diagnóstico de TBC em crianças, na maioria das vezes, depende da tríade: (1) quadro clínico-radiológico compatível; (2) teste tuberculínico (se disponível); (3) história de contato. Na prática, recomenda-se à equipe de saúde em nível de atenção primária utilizar o sistema de pontuação (Quadro 1), pois possui alta sensibilidade e pode facilitar o diagnóstico. Características do sistema de pontos: ● Atribui, arbitrariamente, pontos a variáveis que o senso comum e a prática clínica consagraram como sugestivos de TBC. ● Aplicável para crianças até 10 anos e adolescentes com BAAR negativo ● Objetivo: auxiliar o diagnóstico de TBC em serviços de baixa densidade tecnológica, especialmente serviços ambulatoriais. Sistema de pontuação: • 40 pontos: permite iniciar o tratamento do paciente; • 30 pontos: pode ser considerado como indicativo de tuberculose e orienta o início do tratamento da criança a critério clínico; e • < 30 pontos: a criança deverá continuar a ser investigada. Deverá ser feito diagnóstico diferencial com outras doenças pulmonares e podem ser empregados métodos complementares de diagnóstico. 289 Quadro 1. Sistema de pontuação para diagnóstico de TB pulmonar em crianças (até 10 anos) e em adolescentes (com BAAR negativo). Teste Contato com Estado Quadro clínicoSinais e tuberculínic adulto com Nutricional radiológico sintomas o TB • Adenomegalia hilar ≥10 mm em ou padrão miliar. vacinados • Condensação ou Febre ou com BCG há infiltrado (com ou sem sintomas menos de 2 escavação) inalterado como tosse, anos ou ≥ Próximo, nos adinamia, Desnutrido > 2 semanas. 5mm em últimos 2 expectoração, grave • Condensação ou vacinados há anos infiltrado (com ou sem emagrecimen mais de 2 escavação) > 2 to, sudorese > Acrescenanos, não Acrescentar 2 semanas. semanas evoluindo tar 5 pts vacinados ou 10 pts com piora ou sem imunossupri melhora com Acrescentar midos antibióticos para 15 pts Acrescentar germes comuns. 15 pts Acrescentar 15 pts Assintomátic Condensação ou o ou com infiltrado de quaquer sintomas < 2 tipo < 2 semanas semanas Acrescentar 5 pts 0 pts Ocasional ou - 4 mm Infecção negativo 0 pts Respiratória 0 pts com melhora Radiografia normal após uso ou Menos 5 pts não de antibióticos . menos 10 pts pts: pontos Fonte Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil, 2011. O diagnóstico de certeza da TBC em crianças ocorre nas raras situações em que se consegue confirmação bacteriológica. Portanto, o sistema de pontos é o critério mais usado em nível de atenção primária. Vale ressaltar que a tuberculose é doença, em geral, de tratamento e acompanhamento realizados em nível de atenção primária. Na indisponibilidade do teste tuberculínico, o Ministério da Saúde recomenda, na nota informativa nº 8 de 2014, que o sistema de pontos continua valendo para diagnóstico de TBC em crianças menores de 10 anos levando em 290 consideração as demais variáveis. Quando a pontuação não atingir o valor de diagnóstico, a investigação adicional deverá ser avaliada caso a caso. Embora o pilar de avaliação e seguimento da TBC seja realizado em atenção primária, devido às peculiaridades diagnósticas em crianças, muitas vezes a investigação se dará em caráter hospitalar. Principalmente porque os sintomas de TBC são comuns a outras doenças pediátricas que motivarão a internação. Em nível terciário de atenção, recomenda-se que a confirmação do agente infeccioso seja feita sempre que possível. Na prática, o diagnóstico de TBC pode ser presumido através de um conjunto de dados indiretos: 1. História clínica; 2. Achados radiológicos; 3. História de contato com adulto bacilífero; 4. Teste tuberculínico; 5. O quadro agudo não melhora, apesar do tratamento usual para aquela patologia respiratória. ACHADOS RADIOLÓGICOS O aspecto mais comum do RX tórax em TBC em crianças é o da TBC primária – alargamento do mediastino por adenopatia, assim como opacidades persistentes ou atelectasias que não melhoram após o uso de antibióticos. Adolescentes podem apresentar quadro radiológico de TBC primária ou pósprimária (cavitação, consolidação miliar…). As crianças menores, até mesmo lactentes, podem apresentar características de TBC pós-primária como cavitações. Outro achado pode ser o de TBC miliar. HISTÓRIA DE CONTATO Uma história positiva aumenta a probabilidade da criança efetivamente ter TBC. A investigação pode levar à identificação de um caso de TBC em adulto não diagnosticado anteriormente. É recomendada a busca ativa de crianças que são contatos domiciliares diretos de casos de TBC bacilífera. Idealmente, estas crianças devem ser investigadas com uma abordagem incluindo observação clínica, teste tuberculínico e RX de tórax. TESTE TUBERCULÍNICO (Mantoux/PPD) e sua interpretação: • O teste tuberculínico (TT) indica contato. Não indica doença. • Está indicado em toda criança com suspeita de TBC. • Um teste positivo (>= 5 mm) indica infecção, mas não indica existência ou extensão da doença. • Quando um teste é sugestivo de infecção: • Se > 5 mm em crianças não vacinadas com BCG, crianças vacinadas há mais de 2 anos ou com qualquer condição imunossupressora. • Se > 10 mm em crianças vacinadas há menos de 2 anos. 291 TESTE IGRAs (interferon-gamma release assays). A grande dificuldade em diferenciar-se TBC ativa de latente (ILTB) motivou vários estudos visando obter-se um teste que fosse superior ao teste tuberculínico. Testes IGRAs in vitro, que medem a produção de interferon-gama por células T são mais sensíveis e específicos do que o PPD na ILTB. Porém, os estudos em crianças mostram dissociação entre os resultados dos IGRAs e do PPD,não assumindo o papel em detectar a ILTB5. EXAMES LABORATORIAIS E DE IMAGEM Comprovação bacteriológica: A pesquisa de BAAR no escarro deve ser tentada em todos os pacientes capazes de expectorar. Como a grande maioria dos pacientes pediátricos não é bacilífera, métodos diagnósticos auxiliares podem ser empregados. Os principais são: ● Lavado gástrico – sensibilidade da pesquisa de BAAR: 10 – 15 % e sensibilidade da cultura: 30 – 50 % ● Lavado broncoalveolar por broncoscopia: pode ser útil, embora seu rendimento não seja superior ao do lavado gástrico. ● Escarro induzido: pouco invasivo e com rendimento superior ao do lavado gástrico. Tomografia computadorizada A tomografia computadorizada de tórax (TC) geralmente não é recomendada, a menos que haja uma anormalidade questionável ao Rx de tórax e a definição diagnóstica ainda seja necessária. A TC e ressonância magnética podem ser muito úteis na avaliação de suspeita de doença do Sistema Nervoso Central e TBC óssea. Biópsia A biópsia é um procedimento invasivo, portanto deve ser empregada como método auxiliar restrito às crianças internadas com patologia a ser esclarecida, quando outros métodos como radiografia, baciloscopia, lavado gástrico e teste tuberculínico não forem suficientes para elucidar o diagnóstico. Este procedimento pode ser realizado em vários órgãos, dependo do tipo de apresentação da doença. No caso de TBC pleural, a biópsia de pleura é capaz de confirmar o diagnóstico. Por este motivo, deve ser estimulada quando houver suspeita clínica de TBC pleural por ocasião da realização de toracocentese diagnóstica. TRATAMENTO É importante ressaltar que o tratamento, na maioria das vezes,é realizado no ambulatório, sendo a hospitalização indicada nas formas graves da doença (miliar, SNC, óssea) ou pela necessidade de procedimentos diagnósticos (biópsia) e terapêuticos específicos (drenagem pleural, abscessos). O Ministério da Saúde recomenda para crianças até 10 anos de idade, como esquema básico, o tratamento com três fármacos na primeira fase – 2 primeiros meses (RHZ) e dois fármacos na segunda fase- 4 meses (RH) – quadro 2. Nos pacientes com mais de 10 anos, o tratamento segue o esquema para adultos, com a inclusão de mais um fármaco – Etambutol (E)– esquema RHZE nos primeiros 2 292 meses, seguido por RH nos 4 meses seguintes. Segundo o Ministério da Saúde, a exclusão do Etambutol em crianças justifica-se pela dificuldade em identificar neurite óptica como reação adversa na faixa etária até 10 anos. O tratamento da TBC com esquema básico é, na maioria dos casos, de 6 meses, exceto na TBC do SNC na qual a segunda fase é maior (7 meses). Quadro 2. Esquema básico de tratamento para crianças com TB com menos de 10 anos de idade. MEDICAMENTO PESO DA CRIANÇA Até 20kg >21 a 35kg mg/kg/dia mg/dia mg/dia >36 a 45kg >45 kg mg/dia Rifampicina (R) 10mg por Kg/dia 300 450 600 Isoniazida (H) 10mg por Kg/dia 200 300 400 Pirazinamida (Z) 35mg por Kg/dia 1000 1500 2000 Fonte: Sant´Anna C.C., 2015. Para crianças maiores de 10 anos de idade, faz-se o esquema RHZE ( 2 primeiros meses e RH 4meses). Utiliza-se comprimido em dose fixa combinada RHZE (150/75/400/275) : de 20 a 35 kg: 2 comprimidos, de 36 a 50 kg : 3 comprimidos, >50 kg : 4 comprimidos. Para a segunda fase, utiliza-se o comprimido RH (150/75) : de 20 a 35 kg: 2 comprimidos, de 36 a 50 kg: 3 comprimidos, > 50 kg: 4 comprimidos. TRATAMENTO DA TUBERCULOSE LATENTE O diagnóstico da infecção latente por TBC (ILTB) é feito pela positividade do teste tuberculínico associado à exclusão da doença ativa, através de uma avaliação clínica e radiografia de tórax. • O tratamento da ILTB, antigamente chamado de “quimioprofilaxia para TBC”, consiste na utilização de um quimioterápico, geralmente a isoniazida, como forma de prevenção ao desenvolvimento da TBC ativa. Ele reduz o risco de adoecimento em 60 – 90%. • Dose de isoniazida: 5 – 10 mg/kg até a dose máxima de 300 mg/dia. Dose única diária por 6 meses. • Indicação para tratamento da tuberculose latente: • Crianças (contatos de adultos bacilíferos) com TT > 5 mm, não vacinadas com BCG ou vacinadas há mais de 2 anos ou que tenham qualquer condição imunossupressora. • Crianças (contatos de adultos bacilíferos) com TT > 10 mm, vacinados com BCG há menos de 2 anos. 293 • Em adultos e adolescentes (>10 anos) com ILTB, a relação risco-benefício do tratamento com isoniazida deve ser avaliada. • Em situações de indisponibilidade de TT, está indicado o tratamento da ILTB em contatos menores de 15 anos de idade, prioritariamente crianças menores de 5 anos. • Em caso de contato com TBC multirresistente, não se recomenda o tratamento da ILTB, porém o contato deve ficar sob acompanhamento clínico periódico por 2 anos. SITUAÇÕES ESPECIAIS Tuberculose do recém nascido e profilaxia primária da ILTB A TBC no recém nascido pode ser congênita ou por exposição a contato bacilífero. A congênita é rara e está associada com o alto risco de mortalidade para o RN (em torno de 50%). Pode ser causada por disseminação hematogênica via placenta e veia umbilical ou por aspiração (ou ingestão) de líquido amniótico infectado. Será sempre uma abordagem hospitalar, pois o RN desenvolverá sintomas de infecção e precisará de investigação e medidas terapêuticas mais invasivas. SUGESTÃO DE CONDUTA EM CASO DE RN CONTATO COM TBC 1. RN coabitante de caso índice bacilífero O RN não deverá ser vacinado com BCG. Deverá receber isoniazida por 3 meses. Após este período, realiza-se exame de Mantoux. • Se Mantoux > 5 mm, a isoniazida deve ser mantida por mais 3 a seis meses e não há necessidade da vacina BCG. • Se Mantoux < 5 mm, suspende-se a isoniazida e vacina-se com BCG. • Em situação de indisponibilidade de Teste de Mantoux: vacina-se com BCG e prescreve-se isoniazida por 6 meses. Dose de isonizada: 5 a 10 mg/kg de peso até a dose máxima de 300 mg/dia No caso de bacilífero coabitante, deverá se manter em ambiente diferente do RN, mesmo sendo este indivíduo a mãe. Neste caso, ela deverá usar máscara cirúrgica durante a amamentação para diminuir o risco de contágio e realizar este ato em ambiente arejado. Estes cuidados serão mantidos até a obtenção de um exame de BAAR negativo, quando se reduz o risco de transmissão da doença, o que, em geral, ocorre após 15 dias do início do tratamento com tuberculostáticos.. Sugere-se a investigação da probabilidade de outros casos de TB ativa na família ou próximo a ela a fim de diminuir a possibilidade de o lactente vir a adquirir a doença a partir de outra fonte de infecção em seu domicílio. 2.RN nascido de mãe que tem / teve TBC ativa na gestação Se paciente assintomático, realiza-se Rx de tórax, ecografía abdominal. Se exames normais, poderá ser liberado. Se mãe bacilífera, seguem as recomendações do RN contato com adulto bacilífero. 294 Se exames alterados ou paciente sintomático, deverá ser investigada a possibilidade de TBC doença. Dependendo da clínica do paciente, poderá ser investigado através da realização de lavado gástrico, lavado broncoalveolar, aspirado traqueal (nos casos de paciente em ventilação mecânica), líquor, líquidos pleural e peritoneal, urina, hemocultura para M. tuberculosis, entre outros. Se há suspeita de TBC ativa na mãe na ocasião do parto, recomenda-se o exame histopatológico da placenta (e cultura para M. tuberculosis quando possível). IMPORTÂNCIA DA BUSCA DE CONTATOS Todas as crianças contatos de TBC bacilífera deverão ser investigadas em consulta clínica na unidade de saúde, quanto à possibilidade de tratamento da doença ou necessidade de tratamento da tuberculose latente. Assim como devem ser investigados todos os contatos de um paciente pediátrico com tuberculose sem identificação de caso índice. Muitas vezes é feito o diagnóstico do adulto (caso índice) somente após o diagnóstico da tuberculose na criança. REFERÊNCIAS 1.World Health Organization. Global tuberculosis control: WHO report 2012. Geneva: WHO; 2013. [acesso em 2015 Mar 4]; Disponível em : http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/75938/1/9789241564502_eng.pdf 2. World Health Organization. The Global Plan to Stop TB 2011-2015: transforming the fight. Towards elimination of tuberculosis. Geneva: WHO; 2011. [acesso em 2015 Mar 4]; Disponível em : http://www.stoptb.org/assets/documents/global/pla/TB_GlobalPlanYo StopTB2011-2015.pdf 3.Picon PD, Rizzon CFC, ott WP. Tuberculose: epidemiologia, diagnpostico e tratamento em clínica e saúde pública. Rio de Janeiro: Medsi; 1993 4. Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [acesso em 2016 Ago 23]; Disponível em : http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_de_recomendacoes_tb.pdf. 5. Sant´Anna C.C, Loboguerrero MA. Tuberculose em crianças e jovens. Rio de Janeiro. Atheneu, 2015. 295