António José de Oliveira: o itinerário de um escriba ISABEL PINTO [email protected] Do vasto panorama teatral do século XVIII, emerge a figura, ainda por rastrear biograficamente, de António José de Oliveira, copista de mais de duzentos textos de teatro, entre 1780 e 1797 (considerando apenas os textos datados), conservados em 34 volumes na Biblioteca Nacional de Portugal. Desse conjunto, salienta-se a anterior pertença de alguns textos, como O Falador Imprudente ou A Dama Espirituosa (1790), à censura, nomeadamente à Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros. Este dado, em articulação com a circunstância de se terem encontrado no Fundo da Real Mesa Censória, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, outras cópias de António José de Oliveira (ex: A Donzela Virtuosa (1786)), permite tirar ilações sobre, pelo menos, uma das vertentes da acção do escriba, que amiúde se dedicaria a copiar textos, posteriormente, submetidos à apreciação censória, por iniciativa de autores/ tradutores, empresários teatrais, livreiros, impressores, etc. Esta linha de acção é sublinhada pelo facto de certos manuscritos apresentarem, no final, cópia de uma licença (para impressão ou representação) concedida pela censura, como é o caso de O Verdadeiro Amigo (1782). Tratar-se-ia de uma estratégia comercial que lograva tornar mais “apetecíveis” determinados títulos, pois o rasto de aprovação que desta maneira se lhes juntava era reconhecido pelos interessados como bom augúrio de mais um desfecho favorável, ou seja, a obtenção de nova licença. Sabe-se, pelas contas dos teatros, que uma cópia de um texto, quando envolvia “partes”, i.e., o conjunto de falas de cada personagem, custava mais de 2000 réis. Recenseando, a título de exemplo, um ano de actividade de António José de Oliveira, o de 1782, contabilizamos doze cópias. Com um tal ritmo de trabalho, assumindo como corrente o preço acima referido e invocando a sua, até agora, principal linha de acção, não restam dúvidas de que António José de Oliveira era escriba profissional, ao ponto de a sua actividade admitir uma especialização em textos de teatro. A maioria dos textos desta colecção é traduções/ adaptações, a que se associam os nomes de autores espanhóis, franceses e italianos, ressalvando-se um inglês e um 1 suíço. Os felizes contemplados são: Alvaro Cubillo de Aragón, Angelo Anelli, Antoine La Motte, Antonio Palomba, Apostolo Zeno, Beaumarchais, Benoît-Joseph Marsollier des Vivetières, Caetano Martinelli, Carlo Goldoni, Caterino Mazzolà, Charles Claude Genest, Diderot, Edward Young, Filippo Livigni, Francesco Saveri Zini, François d’Arnaud, Gennaro Federico, Giovanni Bertati, Giovanni Guarini, Giuseppe Maria Diodati, Giuseppe Maria Foppa, Giuseppe Palomba, Giuseppe Petrosellini, Jacques Marie Boutet de Monvel, Jean-Baptiste Rousseau, Jean Racine, José de Cañizares, Juan Pérez de Montalbán, Juan Salvo y Vela, Luigi Caruso, Luis Vélez de Guevara, Marcello Bernardini, Molière, Néricault Destouches, Pedro Calderón de la Barca, Pietro Chiari, Pietro Metastasio, Salomon Gessner, Tommaso Grandi e Voltaire. Quanto a autores/ tradutores portugueses, a resenha é mais curta: Alexandre António de Lima, António Ferreira, António José de Paula, António José da Silva, Domingos dos Reis Quita, Francisco José Freire, Henrique José de Castro, Jaime Marcelino Pontes, João Xavier de Matos, Joaquim José de Sousa Rocha e Saldanha, José Maragelo de Osan, Luís Inácio Henriques, Manuel Ribeiro, Miguel Tibério Pedegache, Nicolau Luís, Pedro António Pereira, Rodrigo António de Almeida e Teresa de Melo Breyner. Os géneros que a compõem são igualmente numerosos e abrangem desde o pastoral e o histórico, passando pela ópera, comédia, drama, burleta, tragédia até à farsa e à tragicomédia. Considerando que tão faustosa variedade cabe nas duas últimas décadas do século dezoito, em que o Teatro de São Carlos já ombreava, em termos de oferta teatral, com outros teatros da capital, como o do Bairro Alto e o da Rua dos Condes, esta colecção oferece um contributo importante para aferir da indústria teatral portuguesa na segunda metade do século XVIII. 2