Eje 5: Nuevos desafios em la enseñanza de la filosofia.

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Eje 5: Nuevos desafios em la enseñanza de la filosofia.
O texto e os textos no ensino de Filosofia
Antônio José Lopes Alves
Doutor – Colégio Técnico – UFMG
[email protected]
Sabina Maura Silva
Doutora – Faculdade de Educação – UFMG
Brasil
[email protected]
Resumo:
O trabalho toma como ponto de partida o diagnóstico feito pelo filósofo
brasileiro Ricardo Terra, segundo o qual se dissemina no ambiente escolar um
padrão de prática pedagógica em filosofia que propõe a preterição do trabalho
com o texto propriamente filosófico em benefício de estratégias arrimadas na
referência ao “mundo vivido” ou nas “opiniões” do aluno. Partindo da senda
crítica assim principiada, a discussão se centra no tema do material didáticoinstrucional em filosofia. Nesse sentido, a argumentação levanta os principais
problemas enfrentados pelo profissional que leciona a disciplina quando da
eleição dos meios de abordagem do conteúdo e dos suportes pedagógicos à
discussão filosófica no ensino médio. A questão do livro didático é,
evidentemente, uma das mais importantes. No trabalho se discutem as
características mais relevantes, bem como os limites desse tipo de bibliografia
no cenário editorial brasileiro. Não se pretende discorrer, bem entendido, sobre
cada uma das obras disponíveis, o que seria inexequível, mas tão somente
sumariar os aspectos gerais – meritórios ou problemáticos – que atravessam
como ponto em comum as diversas opções de material didático editado, com o
fito de apontar pontos críticos que possam orientar a escolha ou não desse tipo
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de mediação instrucional. Por fim, o exame tem também como alvo as relações
que podem ser estabelecidas entre o texto filosófico estrito senso e os demais
registros textuais presentes na realidade social, como o jornalístico, o caricatural,
a crônica, etc., e que se apresentem como formas de enriquecer e diversificar os
procedimentos pedagógicos, no sentido de aproximar a filosofia do contexto de
vida do estudante do ensino médio.
No esforço de determinação, explicitação e discussão de possibilidades de
inserção do conhecimento filosófico no ensino médio, importa refletir, ainda que
sumariamente, acerca da própria formação contemporânea do docente. Para este fim,
servir-se-á aqui de um resumo de uma intervenção procedida pelo Professor Ricardo
Terra, publicado no Livro de Atas do XIII Encontro Nacional de Pós-Graduação em
Filosofia, realizado em 2006. Neste escrito, Terra produz um desalentador diagnóstico
da situação em que se encontra a abordagem do texto filosófico no interior de grades
curriculares dos cursos de graduação em filosofia:
Parece que os instrumentos pedagógicos e as pesquisas historiográficas
baseadas na análise de texto já não são mais suficientes para formar um
intelectual que tenha condições de contribuir, junto com intelectuais de outras
áreas, no diagnóstico de nosso presente. (TERRA, 2006, p. 316).
A evidenciação é tanto mais preocupante quando se considera o enfrentamento
do problema mesmo de trabalho com a tradição com alunos adolescentes. Afinal, no
momento em que a formação de leitura daquele que deve conduzir o processo
demonstra sua insuficiência no tocante à articulação entre o conhecimento filosófico e
os demais tipos de discurso, observa-se que o processo de formação no ensino médio
perde uma de suas condições acadêmicas básicas.
Ricardo Terra situa a emergência desse problema num decorrer de modificações
verificadas na estruturação do ensino de graduação em filosofia, as quais apresentam
também consequências, e pressuposições, de monta para a pesquisa na área da reflexão
teórica. Uma série de alterações ocorridas tanto no nível curricular quanto pedagógico
que causaram um deslocamento do centro de gravidade na formação filosófica: do
discurso produzido na história da filosofia, e consubstanciado num conjunto de autores
da tradição (remota ou recente) para a elaboração de um pensamento contemporâneo
que se pretende autorreferenciado. Nesse sentido, haveria nos departamentos de
filosofia um comportamento acadêmico predominante, pelo qual professores e
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comentadores “Fazem uma mistura sincrética de filosofias diversas com elementos das
artes e das ciências sem nenhum rigor”. (TERRA, 2006, p. 314). Miscelânea discursiva
que se impõe não somente em função de um vício ou moda universitária, nem mesmo
por um desejo de inovação educativa, mas em resposta a determinadas pressões sociais
e econômicas advindas das particularidades do desenvolvimento societário brasileiro
dos últimos 15 anos. Evidentemente, a natureza incompleta do processo de constituição
do capital entre nós, com seus vieses e matizes específicos, igualmente se articula com
uma integração subordinada do ponto de vista espiritual, que realiza a seu modo e
limites uma subsunção à produção científico-filosófica externa. O que redunda num
impulso difuso – confuso e/ou oportunista – de alçar a figura do filósofo ao espaço
midiático. Não é outro senão este o sentido que flagra Ricardo Terra ao referir
criticamente o desenvolvimento de uma cultura jornalística nos departamentos de
filosofia. Não se trata mais da ida da reflexão teórica à arena pública pelos jornais por
meio da pena do filósofo, como se verificou, em momentos e com sentidos distintos, nas
intervenções de Kant, Hegel ou Marx, fixando-se numa tradição de tentar se refletir com
rigor o cotidiano. Ao contrário, acaba-se de certo modo se apequenando a reflexão para
que ela responda às demandas afetivas e imediatas do público leitor, para que a filosofia
caiba como um grileiro na seara alheia. O barateamento das próprias referências
conceituais, postas como meramente discursivas, se dá por uma dupla via. De um lado,
a apresentação do filósofo fashion, dotado de uma imagem “atualizada” e cortês,
cultivando publicamente as mesmas futilidades e perplexidades tolas do “seu público”,
de outro, pela armação de uma formulação na qual se apresenta uma falsa identificação
entre a postura filosófica e aquela do “homem comum”. Assim, exempi gratia, o
filósofo frente à irracionalidade do discurso da punição extrema como remédio à
violência, da defesa irracional da pena de morte como panaceia, abdicando da crítica,
junta-se ao “sentimento” da população e passa a fazer coro com o murmúrio das pedras
que rolam pelo desfiladeiro1. Ao ceder em seu ofício específico do pensar referenciado,
o formador filosófico universitário termina por substituir sua produção específica, o que
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Veja-se em especial o modo impertinente como o Professor Renato Janine Ribeiro, pesquisador e autor
de obras de reconhecido valor acadêmico, veio a público manifestar-se através de artigo publicado no
Caderno Mais do jornal Folha de São Paulo, em 18/02/2007, a respeito do bárbaro assassinato de uma
criança, arrastada do lado de fora do carro, que dois assaltantes haviam roubado de sua mãe. Razão e
Sensibilidade, In Caderno Mais, Jornal Folha de São Paulo. São Paulo: Folha da Tarde, 2007
(http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68751.shtml).
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dele socialmente se espera, por uma apresentação meramente agradável ou sedutora.
Nesse sentido,
Com a pressão para se pensar a contemporaneidade e sem a ajuda da
perspectiva interdisciplinar com as ciências e artes para estabelecer padrões
teóricos consistentes, surgem trabalhos que vão contra o pretenso interdito do
filosofar que existiria nos bons Departamentos e, sem a ajuda da análise
rigorosa de texto, chegam a resultados perturbadores. (TERRA, 2006, p.
314).
Situação esta que é bastante diversa do que ocorria dantes, ainda que pese a falta
de penetração social da filosofia, em que, pedagógica e academicamente, “como cada
filósofo era analisado por ele mesmo, seguindo sua própria lógica, os cursos não
defendiam uma filosofia específica” (TERRA, 2006, p. 313). Com respeito ao último
problema, é importante mencionar o quanto as várias “leituras” que se fazem da tradição
acabam sendo moduladas por referenciais exógenos a cada um dos textos/autores objeto
de exame ou de exposição. Em certa medida, as posições hermenêuticas fundadas nas
proposituras de Nietzsche-Heidegger acabam por se sobrepor quase completamente à
letra e ao espírito dos demais pensadores. Tem-se assim o risco iminente de se construir
histórias da filosofia versão Sein und Zeit em lugar de um estudo aprofundado de
autores e das determinações sócio-históricas sob as quais estes elaboraram suas
formulações e questões. A tal ponto que, hoje, pode-se mesmo dizer que há uma
preponderância acadêmico-discursiva da analítica existenciária do Dasein nos modos
pelos quais se pesquisa e se ensina filosofia.
O curso problemático da maré montante não apenas afeta o âmbito circunscrito e
restrito do ofício acadêmico e da formação intelectual, mas se articula, segundo o autor,
com tendências extremamente deletérias no que respeita à vida social. Desse modo,
Outra resposta à pressão das questões contemporâneas é uma forma de
negação da filosofia que é também uma negação da política. Como a
revolução saiu do horizonte, resta um marxismo chorão que fica lamentando
os estragos do fetichismo sem se preocupar em propor qualquer tipo de ação
emancipadora, servindo de consolo hipercrítico à inação. Nesse quadro,
evidentemente, a filosofia e a política tornam-se irrelevantes. (TERRA, 2006,
p. 315).
O abandono deliberado ou depressivo das perspectivas de transformação social,
resultado igualmente das séries de dramas patéticos e terríveis nos quais soçobraram
transições revolucionárias no século XX, é uma das pressuposições objetivas do status
quo da formação filosófica na atualidade. O que não causa surpresa dado o fato de que
ao filosofar cabe, ao fim e ao cabo, o entendimento, a enunciação teórica e a propositura
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mesma de um de onde para onde dos homens. Na medida em que o mandato social de
mudança radical de rumos inexista no horizonte de eventos no médio prazo, resume-se o
pensar à autocomplacência discursiva das mazelas ou a um elegante queixume frente à
inautenticidade. A prospectiva de rumos – e das dificuldades neles implicadas – se
substitui então pelo consolo hipercrítico referido. O qual em muito se assemelha à
Crítica neo-hegeliana, teoricamente denunciada por Marx e Engels em A Ideologia
Alemã. No reino da “crítica crítica”, a compreensão conceitual da realidade era trocada
pela mera recusa verborrágica de ideias de mundo e a revolução social pela pura revolta
de um sujeito ensimesmado. Tais pensadores foram, por isso, ironicamente alcunhados
de carneiros em pele de lobo. No caso atual ocorre a abdicação mesma do uso do
disfarce, fica-se no festim irracionalista de uma consciência dominada pelo atual,
temperada com certa pitada de um simulacro de objeção radical. A negatividade
autofágica de algumas figuras e formulações filosóficas atinge o senso-comum como
imagem veraz da reflexão e transforma o discurso numa elegância esvaziada de
conteúdo e plena de exotismo no jargão. Nessa medida, emerge uma
(...) proposta pedagógica concreta, surgida nesse campo, que privilegia a
retórica em detrimento da lógica, transformando passagens conceituais em
passagens verbais. Trata-se da proposta de criação de um curso de
humanidades. (TERRA, 2006, p. 315).
O que resulta num abandono da cena social ou no aparecimento desta como um
ator cuja mise en scene se reduz a deslocar-se com leveza e irresponsabilidade,
porquanto não pretenda dizer do que não pode falar.
Ao lado disso, como aparente contraponto da situação, mas que mais e mais se
revela sua contrafação complementar, tem-se o fenômeno da especialização filosófica.
Processo de qualificação em pesquisa no qual “Formam-se especialistas em um autor ou
na obra de um autor” (TERRA, 2006, p. 315). Uma reação puramente acadêmica que
não resolve, apenas aprofunda a questão chave, na medida em que apenas transforma
ainda o pensar em ofício. A operacionalização da leitura se converte em isolamento de
uma fração da tradição do seu essencial, o conjunto ao qual se localiza em - e se
contrapõe a - uma dada perspectiva. Tomado como discurso em separado, objeto sem
contorno, interlocução solitária, solilóquio sem alvo, correntes, pensadores ou obras
assumem a figura de um objeto meramente abstrato, de um recorte sem página a ser
referida, texto sem contexto. O que não é fenômeno exclusivamente filosófico: “Com o
processo de especialização crescente nas ciências humanas há também uma
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especialização fortíssima nos próprios trabalhos realizados nos Departamentos de
Filosofia” (TERRA, 2006, p. 315). O que desencaminha a reflexão e a pode transformar
em mero jogo intelectual ou um terreno a ser dividido em feudos e protetorados
pretensamente autossuficientes. À dificuldade de se navegar no oceano se responde
meramente com a canalização das águas e a transmutação daquele em um conjunto de
pequeninas lagoas. Daí “(...) a formação de idiotas especializados” (TERRA, 2006, p.
315). Nesse diapasão arremata com certo desconsolo acerca da gravidade do dilema:
“de um lado, a tagarelice sobre a contemporaneidade ou o consolo hipercrítico à inação;
de outro, especialização idiotizante” (TERRA, 2006, p. 315).
É exatamente no interior deste contexto acadêmico altamente complicado que se
dá hoje a consolidação da inserção da filosofia como disciplina formal no ensino médio,
no Brasil. A normatização dessa presença na vida escolar só há muito pouco tempo se
deu por meio da lei 11.684 de 2 de junho de 2008, a qual modificou os termos da lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996. Esse dispositivo jurídico estabelece sem mais o
caráter pedagógico-institucional da filosofia (assim como da sociologia) como
disciplina obrigatória em todas as séries do ensino médio. O que liquidou de vez com o
debate, até certo ponto, protelatório em torno da forma como a inserção se daria. Até
aquele momento vicejavam aqui e acolá discussões voltadas ao estatuto curricular do
conhecimento filosófico na escola brasileira. Transversalidade? Complementaridade?
Ou a forma mais comum da disciplina? Se de uma parte se assinalava a possibilidade de
uma articulação transdisciplinar, de outra trazia embutida, deliberadamente ou não, uma
objeção virtual quanto à abordagem da filosofia como um conjunto de conhecimentos.
Embora pela lei a filosofia passe, afinal, a se configurar como uma disciplina escolar
como as demais, gozando de atribuições e respondendo um conjunto de demandas
definidas, inclusive de natureza prática, sendo uma das mais importantes a referente ao
conteúdo e a sua expressão como material didático-instrucional.
Consagrado como modo dominante, quase autoevidente, nos níveis do ensino
básico em praticamente todas as matérias de estudo, a utilização do livro didático
aparentemente poderia também solucionar esse encaminhamento. No entanto,
diferentemente do que ocorre com as demais áreas do conhecimento teórico, as quais,
de um modo ou outro, historicamente conheceram um assento curricular definido, com
fórmulas mais ou menos didáticas estabelecidas, no caso da filosofia, tal temática ainda
é uma verdadeira disputatio. A começar pela seleção do que apresentar – temas ou a
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história – bem como do modo – utilizando-se o texto filosófico ou apenas comentários
ou abordagens do autor. De certa forma, as opções de livros didáticos, cuja oferta
cresceu em número e variedade, espelham essa oscilação. Em alguns casos, tenta-se
ofertar o acesso aos textos – sob a forma de extratos – com comentários breves ou
contextuais. Em outros tantos, busca-se abarcar determinados territórios epistêmicos ou
disciplinares, servindo-se para isso de uma organização temática, na qual o conteúdo da
tradição apresenta-se distribuído por certos temas ou problemas. Algumas publicações
se dirigem à discussão das diferentes correntes nas quais estaria dividida a seara
filosófica. Um dos méritos dessas tentativas, principalmente das primeiras (ocorridas
em fins dos anos 1980 e durante a década de 1990), é o fato de se tentar estabelecer uma
dada organização dos problemas, bem como aliar uma configuração ainda “clássica”
com problemas da atualidade. Afora isso, há em quase todos os casos a apresentação da
reflexão do próprio filósofo.
No entanto, como tendência geral, observou-se na primeira década deste século
uma inflexão no sentido do abandono da compilação de escritos de autores filosóficos
como conteúdos desse tipo de publicação, dos quais se tem, na melhor das hipóteses,
apenas referências. Sob as escusas de tornar a linguagem e a ordenação mais
correspondente ao público do ensino médio, optou-se não somente pela eliminação do
texto da tradição, mas também de grande parte de um remetimento propriamente
conceitual. Impera mesmo em certos momentos a tentativa a “traduzir” ou verter num
linguajar semitribal ou de guetos, noções ou formulações que exigem para sua correta
compreensão e apropriação como referencial subjetivo certo cuidado com as palavras.
Além disso, observa-se uma aproximação demasiada de formas discursivas e
comportamentos mentais típicos do senso-comum, como que objetivando uma
“simplificação” de um modo de elaboração cuja meta é exatamente demonstrar a
natureza complexa da realidade. Obviamente que um dos desafios centrais a serem
enfrentados reside exatamente na exigência de conformar o filosofar, inclusive os
elementos estruturais próprios ao seu discurso, numa apresentação acessível aos alunos
do ensino médio. Nesse contexto, adequar significa, no limite da pertinência e da
correção conceituais, trazer ao nível de entendimento do sujeito em formação, não
menos que isso, a rede de significados e as problemáticas nela implicadas. É importante
ressaltar que, num equilíbrio sempre difícil, devem ser buscados meios de
operacionalizar a assimilação, intelecção e apropriação da reflexão, com o consequente
exercício de pensamento crítico e cuidadoso. O que não redunda, não obstante, num
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rebaixamento de exigências ou na simples facilitação verbal. Em geral, observa-se o
pendor pela construção de mediações discursivas cujas curvas são atraentes, mas que
distorcem o sentido preciso das questões. Conquanto clareza e precisão não sejam por si
determinantes na veracidade de um argumento, não o são, por isso, elementos
dispensáveis. Todo verbalismo deve ser então evitado, seja no sentido de um
academicismo descabido no ensino médio, mas igualmente naquele dos modismos e
formas popularescas.
O ponto principal da questão se situa na possibilidade de confluência, ou não, do
discurso da tradição com outras modalidades de produção cultural. Nesse âmbito, o que
é necessário estabelecer ou descobrir é uma forma didática própria ao conhecimento
filosófico, não por uma mera analogia com as outras disciplinas escolares, mas tendo
em vista o caráter da filosofia. É neste contexto de definições que pode ser pensada uma
relação pertinente e profícua do discurso filosófico com as várias formas de expressão
artísticas. Esta articulação surgiria como opção às soluções nitidamente mal
encaminhadas das propostas de livros didáticos para o ensino de filosofia no nível
médio.
Este encaminhamento se propõe inclusive pelo exame da proximidade que, em
certa medida, existe entre os dois âmbitos de conhecimento sobre o mundo. Não
obstante preservem cada qual sua dimensão específica, o filosofar como construção
argumentativa de cunho teórico universal e categorial, e o artístico como forma
expressiva que se dirige à æsthesis individual. O que se vislumbra é a instauração da
racionalidade num movimento em que confluam entendimento e sensibilidade. Rumo de
confluência que se põe na medida mesma em que a arte partilhe com a reflexão certas
determinações em comum. Porquanto o filosofar se destine a encontrar caminhos, a
subsidiar o agir por meio da mediação racional na descoberta de possibilidades,
(...) nesse aspecto, ela [a expressão artística, em suas variadas modalidades]
guarda um parentesco com a filosofia porque também esta, a partir de um
outro instrumental, conceitual, analítico, olha para o existente, não para
constatá-lo somente, mas para julgá-lo e para descobrir, em meio à
necessidade, a possibilidade de um ser outro(ALBINATI, 2010, p. 70).
A identificação não propriamente do ser, mas do poder-ser é este elemento da
reconfiguração artística que possibilita a sua comunicação com a reflexão teórica. Uma
característica que afasta ambas da esfera da praticidade imediata, ainda que não
necessariamente as oponha ao mundo cotidiano e às demandas do vivido. O vivido é
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então retomado num nível diferente daquele da imediaticidade. Reflexão e æsthesis
intentam colocar como visível a dimensão virtual objetivamente dada, mas não
diretamente
perceptível,
de
horizontes
prospectivos.
O
que
aponta
outro
compartilhamento entre ambas, na medida em sejam “marcadas pelo signo da
inutilidade. Escapando às exigências da eficácia e do imediatismo, filosofia e arte
guardam o lugar do humano” (ALBINATI, 2010, p. 70).
O fazer recurso às formas artísticas no ensino da reflexão filosófica pode ser
realizado por meio da mobilização de diversos meios. Desde aqueles mais próximos,
pela forma, ao discursivo, como a literatura, a poesia e o teatro, aos mais
performativamente distantes, como a música e as artes plásticas, oferecem
possibilidades operativas pedagógicas. A posição de conexões e pontes depende,
evidentemente, do grau de formação cultural e do desenvolvimento da sensibilidade
como um todo do professor. Nesse sentido, o exercício de si como sujeito estético é um
aspecto que precisa ser levado em consideração pelo docente como item de sua
qualificação continuada. Não apenas como estudo aprofundado da estética como campo
da filosofia, mas acima de tudo da arte enquanto terreno de experiência humana. Dentre
todas as manifestações artísticas, a produção cinematográfica talvez seja a que ofereça
mais potencialidade didática para o ensino de filosofia. Isto sob a condição de não ser
mobilizada como mero acessório, ilustração ou improviso de última hora, mas como um
tipo específico de textualidade. O cinema como texto pode ser articulado com o texto
filosófico em sentido estrito, em suas diversas dimensões de constituição e de
significação. Películas contêm camadas a serem “lidas” como meios de exposição ou de
evidenciação de conteúdos, questões e temáticas.
O cinema como narrativa dinâmica, como articulação de sentido por meio da
encenação e dos elementos existentes nesta, ou não, se explicita como uma posição
expressiva que recria o mundo como uma mundaneidade em segunda potência. Instaurase assim um espaço simbólico, onde determinados aspectos do real ganham relevo como
efetividade narrativa, não ao modo de um instantâneo, e sim como processualidade que
desnuda o complexo de possibilidades e aporias dos destinos humanos. Como forma
poética,
O cinema torna estranho o que nos é familiar, agindo, assim, de acordo com a
advertência hegeliana: de que “o bem-conhecido em geral, justamente por ser
bem-conhecido, não é reconhecido. É o modo mais habitual de enganar-se e
de enganar os outros: pressupor no conhecimento algo como já conhecido e
deixá-lo tal como está” (HEGEL, 1992, p. 37). (ALBINATI, 2010, p. 71).
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Este estranhamento do habitual é uma das características mais caras à reflexão
filosófica, a posição das pressuposições do concreto imediatamente vivido que desvela a
concatenação de elementos e relações que, apesar de insuspeita, delimita aquilo que é
dado. O dado é revelado como resultado de uma contínua elaboração objetiva de liames
societários reais, os quais determinam os indivíduos, suas atividades e objetivações.
Conquanto se identifiquem e se reconheçam essas comunidades, no entanto, o
próprio trabalho em que se lance mão da arte como mediação reflexiva precisa ser
proposto e efetivado arrimando-se na assinalação e no respeito das diferenças
específicas de ambas. A filosofia, assim como seu ensino, não pode ser simplesmente
recoberta pela arte, na medida em que esta última também tem suas limitações como
discurso. A expressividade não basta por si mesma como construção de um dado
entendimento qualificado. O academicismo não deve ser simplesmente substituído pelo
esteticismo. A dimensão de verdade da teoria precisa ter preservado seu espaço
prioritário; o compromisso com o verdadeiro, na medida do possível, continua no
horizonte do filósofo como signo de sua fidelidade às coisas. A amizade à sabedoria tem
como sua contrapartida também um amor respeitoso pela “coisa”, seja esta prazerosa ou
não, convidativa ou não, tocante ou não. A aula de filosofia deve ser resguardada de
tornar-se um mero cineclube. No contexto da discussão proposta, a narrativa fílmica é
uma mediação, entre outras, da reflexão e não o contrário. Daí ser tomada como
figuração textual e não como manifestação cultural autossuficiente. Acentuando a
diversidade, firma-se que:
(...) a filosofia é filosofia e a arte é arte. E o específico da filosofia começa
onde a arte nos deixa. Não há outro recurso senão o de percorrer o caminho
que ela nos ajuda a ver para encontrar, quem sabe, algo menor do que aquilo
que a arte nos anuncia, um algo, contudo que nós podemos compreender,
discutir, e, sobre o qual, edificar uma nova possibilidade de ser. (ALBINATI,
2010, p. 75).
Referências bibliográficas:
ALBINATI, A.S. O Ensino de Filosofia em diálogo com a Arte, In Sapere Audi volume
1, nº. 1. Belo Horizonte, PUC-MG, 2010, p. 66-76.
TERRA, R. História da filosofia e formação filosófica, In Plenárias da ANPOF
2006/2006. Salvador: Quarteto Editora, 2006, p. 313-316.
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El sujeto y la enseñanza de la filosofía
Leonardo Colella
Rocío Díaz Salazar
La teoría del sujeto de Alain Badiou se encuentra inscripta en su análisis general del ser
y el acontecer, desarrollado principalmente en Teoría del sujeto (1982), El ser y el
acontecimiento (1988) y Lógica de los mundos (2006). La constitución de un sujeto está
íntimamente relacionada con un “acontecimiento”, concepto que el autor utiliza para designar la
disrupción de un estado de normalidad de las situaciones existentes y de la regularidad de los
saberes instituidos que las tornaban inteligibles. A esta construcción que reúne y sujeta los
efectos de un acontecimiento y que decide sostener, impulsar y ser coherente con aquello que
trastorna el orden de una situación, Badiou la denomina sujeto. Y utiliza el concepto de
fidelidad para designar aquella decisión de sostener y ser consecuente con la disrupción de un
estado de cosas. Es decir, las activaciones subjetivas son promovidas por un acontecimiento y
sustentadas a través de un procedimiento de fidelidad.
La constitución del sujeto no depende meramente del ser; surge de una estructura pero
la atraviesa, precisa de un suplemento azaroso que Badiou designa acontecimiento. Se deviene
sujeto cuando el individuo es transportado más allá de sí mismo por la fuerza de un
acontecimiento. En tal aspecto, Badiou se aparta de Althusser y Lévy-Strauss pero también de
Sartre: el sujeto no es constituido ni constituyente, es un surgimiento; es el sustento de una
verdad que se genera en la situación a raíz de las consecuencias de un acontecimiento.
El concepto de verdad desarrollado por Badiou no se erige como un absoluto proveedor
de sentido o como una verdad trascendente, sino que constituye una ruptura inmanente en tanto
rastro acontecimiental propio de una situación. Una verdad atraviesa los saberes de una
situación, fuerza los conocimientos establecidos del estado dominante de las cosas. Según
Badiou, existirían al menos cuatro ámbitos en los que se producen acontecimientos y
procedimientos de verdad: la política, el arte, la ciencia y el amor.
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La educación no está contemplada por el autor como un ámbito independiente de
producción de verdades. Más bien, podríamos suponer que la educación institucionalizada
recogería las verdades de esos campos (científico, artístico, político, amoroso) y operaría a favor
de una recomposición de esos ámbitos transformando aquellas verdades (inscriptas en
situaciones particulares y desplegadas al interior de un acontecimiento) en saberes
institucionalizados. La institución educativa se apropia de los enunciados verdaderos de los
acontecimientos originados en cada campo y los transmite como parte de un saber instituido.
Desde esta perspectiva de análisis, la educación podría ser estudiada a partir de cada uno de los
procedimientos de verdad mencionados. Así podrían analizarse, por ejemplo, los aspectos
relacionados con el amor (acontecimiento, verdad, sujeto, etc.) en la educación.
En Elogio del amor, el autor plantea la constitución de un sujeto amoroso a partir del
encuentro contingente entre dos personas, la construcción de un nuevo mundo desde un punto
de vista descentrado respecto de uno mismo, la experiencia de ese mundo a partir de la
diferencia y no únicamente de la identidad. A ese encuentro azaroso que evade la ley de
ordenamiento de las cosas le otorga el estatuto de acontecimiento. En el amor, Badiou afirma
que existiría la experiencia del traspaso de la singularidad pura a un orden de valor universal:
que va desde lo particular de un encuentro hasta la experiencia de un mundo habitado desde la
diferencia y no sólo desde la uniformidad.
El amor contiene, además del primer momento asociado al encuentro, una duración, una
obstinación o fidelidad que el sujeto sostiene en el tiempo. Es decir, para la construcción
subjetiva se requiere, además del encuentro acontecimiental, una fidelidad que sostenga aquella
disrupción elemental del curso normal de las cosas.
El amor, para Badiou, es un “procedimiento de verdad” (como lo es también la política,
el arte y la ciencia). La verdad, en el ámbito del amor, es la posibilidad de una nueva vivencia
del mundo experimentado a partir de lo Dos, de la diferencia; es la prueba de que el mundo
puede ser vivido de otro modo que mediante una conciencia individual. Lo universal en el amor
consistiría en la experimentación de lo que es ser Dos. Este amor en el escenario de la
enseñanza de la filosofía nos permitiría indagar sobre la posibilidad de una experiencia del
filosofar desde un punto de vista descentrado de uno mismo, y ya no como un mero traspaso de
los resultados de un filosofar ajeno.
En un artículo denominado “Philosophy as Creative Repetition”, el filósofo
Alain Badiou propone una tesis en la que describe a la filosofía como una forma de
“repetición creativa”. En ella distingue esencialmente dos tendencias acerca de la
naturaleza de la filosofía. La primera de ellas, la interpreta como un conocimiento
reflexivo: conocimientos sobre la verdad y los valores en los ámbitos teoréticos y
prácticos, respectivamente. La forma que vehiculiza el desarrollo de esta tendencia es la
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de la explicación escolar, entendida como método de transmisión de aquellos saberes
reflexivos. La segunda postura concibe a la filosofía como una acción: una
transformación subjetiva, una conversión radical. En este caso, la filosofía es delimitada
por la singularidad de un acto, que Badiou asocia con la acusación ejercida contra
Sócrates de “corromper a los jóvenes”, cuyo rasgo distintivo sería impulsar el ejercicio
de la crítica y la revuelta por sobre la imitación y la obediencia. Esta segunda tendencia,
que interpreta a la filosofía como una actitud antes que como un conocimiento, no se
enseña mediante la explicación escolar, sino que se vive o se experimenta con otros, al
modo en que Sócrates dialogaba con los jóvenes en las calles de Atenas.
En este sentido, la idea de “repetición creativa”, aplicada al desarrollo de la
filosofía, describe la existencia de un acto que es formalmente común a todas las
corrientes filosóficas. En éstas, lo invariable sería el gesto de división que constituye el
acto filosófico: la distinción con respecto a otras filosofías y demás saberes; y la
reorganización de las experiencias teoréticas y prácticas a partir de esas nuevas
divisiones normativas. La filosofía se hallaría delimitada por el insistente dinamismo
entre lo que afirma y lo que cuestiona, por la relación tensional entre un ejercicio crítico
de afirmación, oposición y creación. A diferencia de la ciencia, en la que sus propias
novedades reemplazan las teorías anteriores, ella se constituye a partir de ese
permanente afirmar y refutar. Según Badiou, en la filosofía siempre existirá una
intención de reconstituir lo existente partiendo de disposiciones normativas nuevas: se
trata de poner de relieve el lazo entre el ser y el acontecer, lo que conforma el rasgo
propio de la “repetición creativa”.
Este gesto crítico, que se reitera a través de los diferentes filósofos, se lleva a
cabo bajo determinadas condiciones variables: lo que cambia es el contexto histórico.
Cuando el acto filosófico se enfrenta a la actualidad específica de cada contexto se
produce una nueva creación intelectual. El acto filosófico se ejerce, según Badiou, luego
del despliegue de algunos acontecimientos en política, ciencia, arte, amor. Estos
acontecimientos son su condición de posibilidad y, a la vez, proporcionan la necesidad
de impulsar un cambio a través de aquel invariante acto filosófico. En tal sentido, el
autor afirma que la filosofía dependería de algunos campos no-filosóficos que serían sus
“condiciones”.
Recapitulando, lo que hay de repetición en la filosofía es el gesto crítico del acto
filosófico, y lo que hay de creación es impulsado por el nuevo contexto específico en el
14
que se desarrolla dicho acto. Es por eso que el autor sugiere el concepto de “repetición
creativa” para definir a la filosofía.
Alejandro Cerletti propone emplear los conceptos de “repetición” y “creación”,
aplicados por Badiou a la filosofía misma, para el caso de la enseñanza y el aprendizaje
filosóficos. En el proceso de enseñanza y aprendizaje intervendrían dos aspectos articulados
entre sí: una dimensión “objetiva”, que incluiría los saberes preestablecidos, las obras
filosóficas, las investigaciones históricas, etc.; y una “subjetiva”, que estaría constituida por la
novedad de aquellos que despliegan la actitud filosófica, por su apropiación y recreación de los
problemas filosóficos. Estos diferentes aspectos estarían presentes en el interior del aula durante
el desarrollo de una clase. En ella, los problemas planteados apuntan en dos direcciones: hacia
la universalidad del saber filosófico y hacia la singularidad del sujeto de aprendizaje.
Badiou utiliza el concepto de “pensamiento” para caracterizar la toma de posición
subjetiva frente a los saberes preestablecidos. Pensar sería, en este sentido, interceder, atravesar
y reconstruir los saberes que enuncian lo que hay; el pensamiento constituiría una ruptura con
respecto a los saberes enciclopédicos que representan un estado de cosas dado.
La denominada enseñanza tradicional se agota en la transmisión de los saberes
filosóficos acumulados en su propia historia, dirección que asume el único sentido de profesor a
estudiante. En tal aspecto, la enseñanza de la filosofía no trascendería las fronteras de la
dimensión “objetiva”. Sin embargo, el “filosofar” sobrepasa los límites de la simple repetición,
ya que adopta como parte constitutiva de sí mismo el gesto crítico que permite el despliegue de
alguna novedad.
Para que la enseñanza de la filosofía haga propio el ejercicio de una “repetición
creativa”, se debe asumir la posibilidad de “hacer” filosofía al mismo tiempo que se la enseña y
se la aprende. El matiz creativo sería posible en la medida que exista una intervención subjetiva
que permita que los saberes preestablecidos sean revisados en el contexto específico de la clase.
De este modo, maestro y alumno comenzarían a “filosofar”, lo que implicaría que ellos mismos
desplieguen una repetición creativa en tanto desarrollen el gesto filosófico de la crítica de lo
establecido en su propio contexto y desde su propia mirada particular.
Si se pretende enseñar a “filosofar” es preciso suponer la necesidad de lograr un cambio
subjetivo en la forma de conceptualizar la propia realidad. Esto requerirá un singular proceso de
subjetivación en la enseñanza de la filosofía, ya que quienes filosofan se reapropian, de una
manera novedosa, de las preguntas y saberes filosóficos, y lo hacen desde su particular mirada.
Si bien la enseñanza de la filosofía actúa en articulación con sujetos individuales y se apoya en
factores objetivos, involucra una construcción subjetiva en sentido colectivo. El sujeto
constituido en el ámbito educativo parte de un pensar dialógico compartido, en el que confluyen
15
las miradas problematizadoras particulares. En este aspecto, el sujeto no sería el profesor o el
alumno, sino el vínculo construido por (y entre) ambos.
Con respecto a la relación maestro-alumno, podríamos pensar si es posible un vínculo
que permita desplegar un “mundo” a partir del prisma de la diferencia que constituya un único
sujeto, en analogía con el Sujeto del amor enunciado por Badiou. Asimismo, podríamos
considerar la posibilidad de un sujeto amoroso en la educación que fuerce el advenimiento de
ese nuevo mundo, y que éste no sólo sea utilizado como material transferible desde una
conciencia particular a otra. En sentido estricto, el amor para Badiou no es simplemente un
encuentro sino, además, una construcción, ya no desde una perspectiva unilateral, sino desde
una múltiple. De este modo, podemos afirmar en consonancia con la teoría de Badiou, que el
acontecimiento Jacotot2, que propone un nuevo vínculo igualitario entre maestro y alumno al
desconvenir con el estado de las relaciones pedagógicas de las instituciones educativas
modernas, hace posible la construcción de un sujeto en la educación.
La relación institucional entre profesor y estudiante que critica Rancière a través de la
figura de Jacotot está mediada por la tarea explicativa. La lógica de la “explicación” promueve
dos consecuencias problemáticas al interior del espacio de la enseñanza de la filosofía: por un
lado, al tratarse de la transferencia e incorporación de conocimientos filosóficos ya dados,
reproduce estos saberes sin trascender la dimensión objetiva, relegando el acto filosófico y su
dimensión creativa por fuera del ámbito de la enseñanza y el aprendizaje; por otro lado, al partir
de una desigualdad que intenta subsanar (la disparidad entre los conocimientos del maestro y
del alumno), obtura la construcción subjetiva de una experiencia colectiva al dividir las partes
vinculadas afirmando la capacidad intelectual de una por sobre la incapacidad “provisoria” de la
otra.
Sin embargo, la enseñanza de la filosofía, entendida como repetición creativa, requiere
la construcción de un nuevo vínculo entre maestro y alumno que supere la lógica de la
“explicación”, ya que ésta postergaría la intervención subjetiva del gesto filosófico al consistir
simplemente en un proceso gradual de transmisión de saberes. Si se considera a la filosofía
principalmente como una actividad, la enseñanza de la filosofía no podría quedar circunscripta a
la construcción de un vínculo maestro-alumno determinado por la asimetría de conocimientos y
cuyo objetivo principal fuera la explicación. Por el contrario, la enseñanza de la filosofía
implicaría trascender la dimensión objetiva de los saberes acumulados en su historia, y
desplegar ella misma un nuevo vínculo que afirme la igualdad entre maestro y alumno en
referencia al “filosofar”.
2
El acontecimiento Jacotot refiere a un conjunto de experiencias educativas del pedagogo
Joseph Jacotot analizadas por Rancière en El maestro ignorante (1987), que básicamente
representan la posibilidad de una nueva forma de vínculo entre maestro y alumno, en el que
se abandona la lógica de la transmisión de saberes. Más adelante será abordado más
descriptivamente.
16
En el marco de la teoría del sujeto de Alain Badiou, que demanda para la construcción
subjetiva la doble instancia del acontecimiento y la fidelidad, la propuesta de la “igualdad de las
inteligencias” planteada por Rancière, abre un nuevo modo de relación entre maestro y alumno,
por lo que asume la posibilidad de una disrupción elemental en el contexto de las situaciones
educativas. Este nuevo escenario configura la enseñanza y el aprendizaje filosóficos como una
posición superadora del ámbito de reproducción de los saberes prefigurados por su historia (la
enciclopedia) y del problema de la reapropiación actualizada de ellos a partir de los problemas
del presente (el pensamiento).
El maestro ignorante se construye a partir de las experiencias pedagógicas de la figura
de Joseph Jacotot, que a comienzos del siglo XIX y por circunstancias azarosas provocaron en
él un cambio de perspectiva con respecto a la enseñanza tradicional. Jacotot se vio forzado a
abandonar Francia y a dictar clases de literatura francesa en una universidad de los Países Bajos.
Él no hablaba holandés y sus estudiantes no comprendían el francés. A través de una edición
bilingüe de Telémaco de Fenelón, sus alumnos, poco a poco, comparando página por página,
renglón por renglón, palabra por palabra, no sólo terminaron por comprender el texto completo,
sino que realizaron ensayos críticos que contenían valiosas observaciones personales sobre la
obra, expresados en el nuevo idioma. A ésta, se sumaron muchas otras experiencias en las que
Jacotot lograba exitosamente que sus alumnos aprendieran temáticas que él no sabía. El
replanteo pedagógico elaborado por Rancière-Jacotot consideraba la posibilidad de aprender sin
las explicaciones de un maestro (lo que no significaba prescindir de la figura del maestro, sino
renunciar a su función de “transmisor” o “explicador”).
La lógica de la explicación supone un proceso de transmisión de ciertos saberes que el
maestro posee y que el alumno no y, consecuentemente, demanda cierta subordinación
intelectual que configura un escenario de segmentación jerárquica entre poseedor y desposeído.
Rancière señala que las instituciones educativas modernas han adoptado el rol de reproducir esta
desigualdad jerárquica hasta el punto de convertirla en su propia condición de posibilidad: de tal
forma que el sentido de la escuela acabe por convertirse en la perpetua designación de
desiguales-inferiores, cuyo criterio diferenciador sería la carencia de ciertos saberes y su
característica distintiva la incapacidad de obtenerlos por medio propio. La función esencial del
maestro explicador sería la inscripción de quienes aprenden en un circuito dominado por
estructuras estamentales y por una lógica de superiores e inferiores.
A través de la experiencia de Jacotot, Rancière sugiere que es posible pensar en la
construcción de una nueva relación entre maestros y alumnos que no esté mediada por el
recurso de la explicación. El maestro emancipador no es quien transmite su propio saber, sino
quien, a través del vínculo entre voluntades, enseña al otro a ejercer su propia inteligencia. El
conocimiento pierde la única dirección, antes desplegada desde el maestro hacia el alumno, para
configurar nuevos y múltiples sentidos. Los saberes no constituyen un universo diferenciador
17
(entre aquél que los posee y aquellos que no), sino que, por el contrario, asumen la forma de
interrogantes compartidos que sostienen el vínculo entre el maestro y el alumno, en el que se
verifica la igualdad de las inteligencias.
El nuevo vínculo entre maestro y alumno iniciado a partir del acontecimiento Jacotot,
no se erige con la finalidad de reducir aquello que el aprendiz ignora mediante la transmisión de
contenidos, sino que lo hace construyendo un nuevo mundo a partir de la observación, el
pensamiento y la acción de ambos, lo que podría desplegar un proceso educativo de
subjetivación que se sostenga en una experiencia de pensamiento colectivo y no en la
constatación de la desigualdad de las inteligencias que instituye la lógica de la transmisión de
saberes.
La propuesta de Rancière, lejos de apuntar a la constatación de una desigualdad e
intentar progresivamente a futuro disuadirla mediante la transferencia de contenidos, postula la
igualdad como punto de partida para extraer de ella toda la potencia de sus consecuencias. En
efecto, no se trata de corroborar la carencia de ciertos conocimientos, sino de instar al descrédito
de la inferioridad de las inteligencias. Desde una perspectiva rancieriana, la inteligencia no es
interpretada como la posesión de ciertos saberes o como el ejercicio de ciertas facultades
intelectivas complejas, sino más bien, como la capacidad de pensar y decidir sobre la propia
vida a través de la posibilidad de indagarse a uno mismo y poner en cuestión la relación que se
tiene con los saberes. Esta variante de carácter gnoseológico permite afirmar que la igualdad de
las inteligencias, en vez de ser un objetivo a conquistar mediante la explicación, debe ser un
postulado filosófico-político inicial para toda propuesta de enseñanza que se pretenda filosófica.
En “Escuela, producción, igualdad”, un texto publicado posteriormente a El maestro
ignorante, Rancière intenta describir el escenario en el que el nuevo vínculo “igualitario” sería
posible. Para ello realiza un análisis histórico de la Francia postrevolucionaria que le permite
identificar y abstraer la forma-escuela y sustraerla de varios aspectos constitutivos de las
instituciones educativas modernas. La forma-escuela no es definida por una finalidad social
externa, sino que asume la fisonomía de una forma simbólica que justamente establece una
separación con los tiempos, espacios y ocupaciones sociales. La forma-escuela asume una
particular distribución de los tiempos, ya que no se constituye en el lugar “exclusivo” para el
aprendizaje, sino que es definida principalmente por la figura del ocio. La scholé separa dos
usos del tiempo: el que se utiliza forzadamente para la producción y el que se dispone
libremente al estar dispensado de las exigencias del trabajo. Por ello, la scholé griega delimitaba
el modo de vida de los iguales, hacía de los escolares de la Academia o del Liceo los iguales por
excelencia.
Así, la forma-escuela tomaría distancia con respecto a las necesidades del universo
laboral y a la transmisión de contenidos proveedores de herramientas útiles para la vida
productiva. En este sentido, este aspecto formal que Rancière destaca de la scholé desestimaría
18
la hipótesis de la escuela como una institución de distribución de las ciencias cuyas
consecuencias serían la justicia distributiva. En contraposición a ello, la forma-escuela
constituiría un posible escenario de igualdad al relegar a los “escolares” del mundo social
desigual e incluirlos en el mismo tiempo de ocio. La escuela moderna ha olvidado que no es un
medio para conquistar, eventualmente a futuro, una presunta igualdad (ya que ninguna igualdad
futura es garantizada a través de la transferencia de ciertos saberes), sino que ella misma
alberga, formalmente, un espacio-tiempo igualitario en el que todos pueden “aprender por
aprender”, potencia que se halla interrumpida por el mismo afán desigualitario del modelo
“explicador”.
La escuela, para Rancière, no sería el lugar de promoción de una ciencia útil para la vida
social, sino más bien, un espacio privilegiado para la verificación de la igualdad, y por lo tanto,
sus eventuales consecuencias transformadoras irrumpirían de la distancia que disponga con
respecto a la lógica del universo explicativo y productivo.
Precisamente, lo que interesaba a Jacotot era verificar esta igualdad. De este modo,
cuando enseñaba francés en Lovaina se proponía enseñar algo más a sus estudiantes que una
lengua extranjera. Incluso enseñó hebreo a un hijo “discapacitado mental” de su impresor, pero
tampoco lo realmente importante para él era el hebreo. No se trataba de un método para explicar
la ciencia al pueblo, se trataba de un anuncio a la vez intrépido y provocador: cualquier hombre
puede lo que puede otro hombre. Jacotot no hizo más que dedicarse a proclamar lo que el azar
lo llevó a descubrir: la igualdad de las inteligencias.
El mundo de la ilustración tuvo que oírlo. La conmoción fue más allá de Lovaina,
Bruselas y La Haya, atravesó París y Lyon, se expandió por Europa hacia el norte y hacia el
este, lo oyeron en Inglaterra y en Prusia, traspasó al imperio ruso y sus ecos alcanzaron el
continente americano. Durante dos décadas, la República del Saber sufrió un cimbronazo en sus
raíces al momento de su propia fundación.
Pero para mediados del siglo XIX, el acontecimiento Jacotot fue perdiendo vigor. La
fuerza de la industria, la República, la opinión pública y la prensa requirieron un método
acelerado para la instrucción de las masas: un amplio sistema de enseñanza graduado, nacional
y profesional. Demandaron, asimismo, métodos expeditivos para enseñar, entre otras cosas, a
leer: la explicación. Y así el progresismo ilustrado reactivaba el viejo principio de la
desigualdad de las inteligencias.
Pero la voz disonante de Jacotot, desplegada en aquel momento histórico clave, se erige
en la actualidad como testimonio de otra vía posible para la educación. El nuevo escenario
educativo, delimitado a raíz del vínculo igualitario entre maestro y alumno, constituye una
disrupción del estado de las relaciones pedagógicas de las instituciones modernas. Este
acontecimiento abre la posibilidad para la construcción de un sujeto que sostenga (y a la vez, se
sostenga en) aquello que trastorna el orden de las cosas. Este sujeto supone el desarrollo de un
19
pensamiento compartido que despliegue una actitud creadora y crítica respecto de los antiguos
saberes. En la enseñanza de la filosofía como repetición creativa, maestro y alumno devienen un
único sujeto del filosofar, en el que afirman, verifican y actualizan el postulado de la igualdad
de las inteligencias.
Referencias bibliográficas:
BADIOU, Alain. Éloge de l'amour. Paris: Flammarion, 2009.
BADIOU, Alain. L’être et l’événement. París: Seuil, 1988.
BADIOU, Alain. Logiques des mondes. L’être et l’événement, 2. París: Seuil, 2006.
BADIOU, Alain. “Philosophy as Creative Repetition”. The Symptom, Issue 8, Winter 2007.
BADIOU, Alain. Théorie du sujet. París: Seuil, 1982.
CERLETTI, Alejandro. La enseñanza de la filosofía como problema filosófico. Buenos Aires:
Libros del Zorzal, 2008a.
CERLETTI, Alejandro. Repetición, novedad y sujeto en la educación. Buenos Aires: Del
Estante Editorial, 2008b.
RANCIÈRE, Jacques. “Ecole, production, égalité”, en L’école de la démocratie, Edilig:
Fondation Diderot, 1988.
RANCIÈRE, Jacques. Le Maître ignorant. Cinq leçons sur l'émancipation intellectuelle. París:
Fayard, 1987.
20
Literatura visual: desarrollando la imaginación moral.
Cuando les pido a mis alumnos que presenten ejemplos de falacias lógicas o problemas
morales que les vengan a la mente, los ejemplos más complejos provienen de películas
o series de televisión que han visto. El problema es que mis alumnos no siempre son
capaces de establecer por qué estos ejemplos son tan interesantes o complejos—muchas
veces los alumnos son únicamente capaces de repetir lo que han visto o escuchado, pero
su capacidad crítica de análisis es tal que no les permite entender los diferentes niveles
de complejidad a los que sus ejemplos parecen referirse. Los alumnos se sienten
emocionalmente atraídos por los ejemplos que mencionan, quizá por la forma en la que
la imaginación moral funciona, pero será necesario enseñarles a analizar y a reflexionar
de una manera más compleja para que puedan entender las diferentes capas presentes en
los programas de televisión y películas que se han convertido en la nueva forma literaria
de nuestros días. La idea de ser alguien culto o letrado está en evolución dada la
presencia de la literatura visual.
Con tal de explorar la literatura visual de una manera más crítica y de ayudar a los
alumnos a ver este tipo de literatura no sólo como un pasatiempo, en este estudio
propongo que se les enseñe a los alumnos a tomar fotografías. A través de la creación
de fotografías la persona experimenta, de manera muy gráfica y significativa, temas que
tienen que ver con la reflexión ética, la simpatía y empatía y el pensamiento y análisis
crítico. Todas estas funciones son necesarias en el desarrollo de una sociedad liberal
que respeta los derechos del otro en la práctica y no sólo en teoría.
De acuerdo a Marjorie Garber en su libro The Use and Abuse of Literature la literatura
tradicional—novelas, poemas, ensayos, etc.—solía ser la forma a través de la cual la
gente compartía y se volvía parte del mismo mundo, o como la autora señala, el uso de
21
ciertos “literary taglines or touchstones were once a kind of cultural code of mutual
recognition among educated people” (9).3 La autora señala que en los últimos años los
estudios literarios han tenido que enfrentarse a un sinnúmero de problemas entre los
cuales se encuentra, precisamente, la designación de los trabajos que forman parte del
canon. El canon literario estaba sustentado, discute Garber, por trabajos realizados
mayormente por hombres provenientes de naciones afluentes en Europa y de los
Estados Unidos, pero a partir del nacimiento de la post-modernidad, el postcolonialismo y los estudios culturales, ese canon ha sido difícil de defender. Trabajos
de otras latitudes están siendo estudiados en algunas de las mayores casas de estudio del
mundo (por ejemplo 100 años de soledad, de Gabriel García Márquez, Things Fall
Apart, de Chinua Achebe, y Beloved, de Toni Morrison, sólo por mencionar algunos
ejemplos), lo cual ha creado el problema de la definición del canon pero también de lo
que forma parte de ese mundo letrado.4 Pero la literatura tradicional, y el ser letrado, no
solamente se ha visto cambiada por dichas influencias sino también por el desarrollo de
lo que Garber llama literatura visual. La literatura visual, nos dice la autora incluye
“moving images (films, videos, television, MTV, advertising) as well as paintings and
photographs” (Garber, 13).5
Esa idea de “unidad” y “unanimidad” de la que hablaba Garber anteriormente, en
nuestros días, la autora nos dice, incluye películas, vídeos, fotografías, pinturas, etc.
Anteriormente uno consideraba que era parte de ese mundo culto ya sea porque entendía
o porque hacía una referencia literaria y otros entendían de que se hablaba al decir “esto
es tan confuso como el Ulises de Joyce” o “esa situación es tan compleja que parece
escrita por Víctor Hugo.” Ahora muchos de los alumnos que tenemos en clase se
sentirían perdidos o desorientados al escucharnos hablar de esa manera. El mundo que
ellos comparten está mas bien representado por citas como “Hasta la vista, baby” o
referencias como “eres team Edward o team Jacob”? El mundo de las películas y de la
3
“eslóganes literarios o criterios fueron alguna vez códigos culturales mutuamente reconocidos por
personas con cierto grado de educación.” Traducción propia.
4
Un comentario curioso que Garber menciona en su libro es que los programas de estudios liberales
surgieron en los Estados Unidos basados en la iniciativa del profesor Mortimer Adler y el rector de la
Universidad de Chicago, Robert Hutchins. Ellos crearon el programa llamado “Chicago Great Books”
para asegurarse que hombres de negocios que no habían estudiado artes pudieran pertenecer a ese mundo
letrado. El programa, de acuerdo con Garber, estaba diseñado para ““allow successful business and
professional men to remedy the omission of literary reading in their early years” (58).
5
“Las imágenes móviles (filmes, vídeos, televisión, MTV, publicidad) así como las pinturas y las
fotografías.“ (Traducción propia)
22
pantalla chica se ha convertido en ese referente cultural que, al menos en el salón de
clase, nos une.
Aunque miles de personas sintonizan el mismo programa televisivo, es válido
preguntarnos si, al igual que pasa con la literatura tradicional, los videntes comprenden
lo que está pasando frente a sus ojos. Ciertamente el valor artístico o incluso ético de
algunas películas o progamas televisivos puede ser poco, pues su complejidad es no
existente, pero este criticismo no merece ser extendido a todo lo que se ve o produce en
forma visual. Hay películas (Cidade de deus de Meirelles, Y tu mamá también de
Cuarón) que requieren que el vidente analice no sólo la historia que acaba de ver—¿por
qué se cuenta la historia? ¿cuáles efectos ha usado el director para capturar nuestra
atención?—sino también las reacciones que ha tenido a ella—¿cuáles personajes le
parecieron más interesantes? ¿qué situaciones reflejan circunstancias en que el
espectador se ha visto? Pero estas pregunta, que se refieren a la utilización de las
capacidades críticas de aprendizaje y la imaginación moral, muchas veces son
descartadas.
De alguna manera pareciera ser que la facilidad con la que nos sentamos frente a la
literatura visual es directamente proporcional al esfuerzo que utilizamos en examinarla.
La literatura visual se presenta frente a nosotros y, aunque nos envuelve a lo largo de su
duración, una vez que la pantalla se ha tornado negra, pareciera que no hay mucho
énfasis en continuar la conversación (claro que hay disciplinas que se encargan de
estudiar este tipo de literatura, pero hablando del público en general la norma pareciera
ser otra).
Los libros parecen ser tomados más en serio, por académicos y no-
académicos, que una película. Y aunque un tradicionalismo parece alimentar esta
tendencia, cuando uno ve más allá de las cualidades artísticas del artículo al que uno se
está refiriendo, las historias que se nos están transmitiendo, por cualquiera de estos
medios, están regidas por los mismos criterios.
En su libro Damaged Identities, Narrative Repair Hilde Lindemann habla precisamente
acerca de el punto mencionado en el párrafo anterior cuando la filósofa define historias
en base a cuatro características. La filósofa dice que las historias son:
depictive, being representations of human experience; they are selective in what they
depict; they are interpretative, offering a particular way of constructing the acts, events,
23
and personae that are represented; and they are connective, creating relationships among
their own elements and to other stories (11-12).6
Los cuatro elementos que Lindemann recupera se refieren a la manera en que las
historias crean una representación de interacciones humanas (o antropomórficas);
seleccionan lo que se incluye en las narrativas; son interpretativas de lo que ocurre—no
existe una posición objetiva en una historia—y son conectivas, puesto que crean
relaciones entre sus propios elementos y los elementos de otras historias.
Es la
determinación de estos cuatro criterios lo que ha hecho a las historias o narrativas
cruciales en el desarrollo de la Ética Narrativa.
Para filósofos interesados en Ética Narrativa, tanto la literatura tradicional como la
visual se convierten en campos que pueden ser usados para la reflexión ética. Las
historias que nos llegan por cualquiera de estos medios tienen los mismos cuatro
elementos a los que se refiere Lindemann y, por ende, nos ayudan a pensar en la manera
en que la ética se desarrolla: siempre como parte de una historia más grande, siempre
enmarcada por aquél que cuenta la historia, con detalles que se consideraron tan
importantes que no han sido descartados, y evocando la reflexión
y el uso del
pensamiento crítico para poder entender por qué esta historia es relevante. Filósofos
como Martha Nussbaum, Alasdair MacIntyre o el teólogo Stanley Hauerwas también
enfatizan que las narrativas nos hacen pensar de modo tal que activan nuestra simpatía y
empatía. Historias que capturan las vidas de otros nos hacen ponernos en su lugar y
cuestionarnos ¿qué haría yo en esa situación? Esta pregunta surge como resultado de
la simpatía que se siente por la historia del otro—me siento afectado por lo que te
pasa—y la empatía que entonces se genera—entiendo lo que te pasa como si me pasara
a mí. Esta conjunción de simpatía y empatía refuerza nuestra respuesta ética hacia
otros. Pero para poder realmente estar con el otro es necesario que entendamos su
situación de una manera concreta, he ahí que el pensamiento crítico se convierte en
necesario en este juego de fuerzas.
Martha Nussbaum, en su libro Love‘s Knowledge, declara que,
We do ‘read for life,’ bringing to the literary texts we love (as to texts admittedly
philosophical) our pressing questions and perplexities, searching for images of what we
might do and be, and holding these up against the images we derive from our
6
“describen, son representaciones de experiencias humanas; son selectivas en lo que describen; son
interpretativas, ofreciendo una manera particular de construer los acontecimientos, eventos y persoajes
que son representados; y son conectivas, creando relaciones entre sus propios elementos y los de otras
historias.” (Traducción propia)
24
knowledge of other conceptions, literary, philosophical, and religious. And the further
pursuit of this enterprise through explicit comparison ad exploration is not a diminution
of the novels at all, but rather an expression of the depth and breadth of the claims that
those who love them make for them. (1992, 29)7
Cuando leemos, de acuerdo con la filósofa, leemos porque esta actividad está
interconectada con nuestra vida: leemos porque traemos a esos textos nuestras preguntas
más imperativas acerca de cómo vivir nuestras vidas. A través de estas interacciones
con el texto llegamos a una comprensión de nuestra vida interior. Pero esta conexión
sólo es possible si leemos de manera que nos volvamos “finamente conscientes.”
Este término, usado por Nussbaum, refleja la complejidad con la que debemos leer y
vivir nuestras vidas. La filósofa, referenciando a Henry James, agrega que, “Moral
knowledge, James suggests, is not simply intellectual grasp of propositions; it is not
even intellectual grasp of particular facts; it is perception. It is seeing a complex,
concrete reality in a highly lucid and richly responsible way; it is taking what is there
with imagination and feeling” (1992, 152).8 Es nuestra percepción que debe refinarse
para poder responder a las necesidades del otro de manera más completa.
Esta
percepción es, evidentemente, la piedra angular de nuestro entendimiento de los actos
éticos y, por ende, algo que debe enseñarse y refinarse cuando se enseña ética; pero
entonces la pregunta surge: ¿Cómo refinar esta percepción en un curso que dura sólo
doce semanas? Sobre todo en un curso que tiene sus objetivos temáticos definidos y los
alumnos deben, a la vez, aprender las teorías presentadas por Kant, Aristóteles y Mill,
sólo por mencionar algunos.
La inclusión de historias en el salón de clases es esencial.9 Pero las historias que se
incluyen en clase son usualmente elegidas por el profesor con un fin particular en mente
y los alumnos simplemente digieren y ejercitan esas habilidades que el profesor ha
7
“Ciertamente leemos ‘para nuestra vida,‘ traemos a los textos literarios que amamos (así como a textos
filosóficos) nuestras preguntas y perplejidades más importantes, buscando en ellos imágenes o ideas de lo
que podríamos hacer o de quien podríamos ser, y sometemos estas imágenes a una comparación con las
imágenes que derivamos de nuestros conocimientos de otras concepciones, literarias, filosóficas y
religiosas. Y el hecho de que hacemos esto de manera explícita, comparando y explorando las novelas,
no disminuye la valía de las novelas, sino que demuestra la profundidad y amplitud con la cual aquellos
que incurren en esta actividad ven a las novelas.” (Traducción propia.)
8
“El conocimiento moral, sugiere James, no es simplemente un entendimiento intelectual de una serie de
proposiciones; no es siquiera el entendimiento intelectual de hechos particulares; es percepción. Es ver
una realidad compleja y concreta en una manera altamente lúcida y de una manera ricamente responsible;
es tomar eso que está allí con imaginación y sentimiento.”
9
En este ensayo uso los términos historia y texto de manera intercambiable. Baso esta relación en los
cuatro criterios que Lindemann estableció.
25
seleccionado. Los alumnos terminan aprendiendo detalles de ciertas historias, pero eso
no necesariamente quiere decir que los alumnos se vuelven más perceptivos.
Nussbaum y Lindemann—junto con Paul Ricoeur y MacIntyre—están de acuerdo en
que las historias son representativas, selectivas, interpetativas y conectivas. Quizá, si
antes de leer novelas, cuentos cortos, o casos éticos, los alumnos pueden entender estos
cuatro criterios claramente, su percepción se verá incrementada y podrán desarrollar sus
capacidades de pensamiento crítico de una manera que los ayude a entender la ética y
sus responsabilidades hacia el otro de manera más clara y concreta.
Tratando de mejorar la percepción de mis alumnos en la clase Ethics and Moral Issues
(una clase introductoria en la Universidad en que laboro y para la cual no hay prerequisitos académicos) el pasado semestre incorporé el uso de fotografías a las
reflexiones que los alumnos entregan en clase. Para su primera reflexión los alumnos
contestaron la pregunta ¿Qué es la ética? El diseño instruccional estresó el hecho de
que dicha reflexión debía ser basada en su experiencia personal. Su respuesta debía ser
proporcionada a través de una fotografía que ellos mismos tomaron. La razón por la
cual la reflexión debía de provenir de la fotografía y no sólo usar la imagen como
acompañamiento era precisamente para hacer que los alumnos pensaran más
cuidadosamente acerca del proceso fotográfico a la vez que pensaban en la definición de
esta disciplina filosófica.
Las respuestas de los alumnos variaron enormemente. Aunque todos ellos incluyeron
algún aspecto que hacía pensar a la audiencia acerca de la creación de reglas para una
amena convivencia social, o la elección de acciones que producirán buenos o malos
efectos, el uso de los términos bueno o malo fue simplemente el punto de inicio en la
reflexión y no el aspecto que rotundamente responde la pregunta, como había sido en
semestres anteriores. Los alumnos mostraron la complejidad que esta rama filosófica
trae consigo. Los sujetos que decidieron usar para sus fotografías fueron tan variados
como sus respuestas: algunos alumnos eligieron personas como sujetos, otros usaron
anuncios que encontraron en el tren en Nueva York, algunos más reflejaron los grupos a
los que pertenecen—familias, equipos deportivos—como sujetos en sus imágenes. La
manera en que estas imágenes fueron tomadas (el ángulo, la posición del sujeto, la
apertura de la toma) nos habla de la manera en que cada alumno decidió representar sus
ideas.
Cuando estas reflexiones fueron presentadas a la clase, los alumnos se sintieron
cómodos al discutir por qué habían seleccionado estos sujetos (reflejando el criterio de
26
interpretación). Algunos incluso mencionaron cuántas opciones más consideraron para
esta actividad y por qué no utilizaron esas opciones. La discusión en clase fue muy
fructífera y los alumnos empezaron a relacionarse uno con otro, en lugar de sólo a través
de las preguntas que yo les hice (conexión, de acuerdo a Lindemann).
Para su segunda reflexión, titulada ¿Qué es la buena vida? Los alumnos fueron más allá
de lo que habían presentado en la primera reflexión. Los detalles en sus fotografías
fueron más enfocados, las representaciones más a propósito y sus escritos más ricos.
Los alumnos reconocieron que la ética tiene que ver con la vida que uno se provee, pero
que nuestras decisiones—y las decisiones de otros—afectan nuestra buena vida. Uno de
los alumnos tomó una foto de sí mismo tomando bebidas alcohólicas y con dinero y
mujeres rodeándolo; los alumnos muy rápidamente le dijeron a su compañero que
detallar una vida así como la buena vida es un concepto muy hedonista y que tiene el
potencial de afectarlo a él y a otras personas con las que esta persona convive de manera
negativa. Aunque la imagen no es lo que yo tenía en mente cuando preparé la reflexión,
la selección y creación de esta imagen nos abrió la oportunidad para cuestionar la idea
de la buena vida.
A lo largo del semestre los alumnos tuvieron más actividades en las cuales se les
requirió que incorporaran fotografías. Algo que resultó extremadamente interesante es
que los alumnos hablaron de su experiencia al seleccionar ciertos sujetos para sus
fotografías en relación a la manera en que los filósofos, directores de cine y escritores
estudiados en nuestra clase también hicieron ciertas elecciones en la creación de su
texto. Parece ser que ese entendimiento ayudó a los alumnos a hacer críticas más ricas
acerca de las teorías filosóficas que estudiamos en clase. Este proceso convirtió mi
salón de clase en un espacio interactivo en el cual los alumnos y el profesor tienen
conocimiento que pueden compartir.10 Pero sobre todo, este salón de clases se convirtió
en uno en que se habló de figuras marginalizadas, ya sea por filósofos o en la vida de
los alumnos.
Los alumnos no sólo simpatizaron con estas figuras, sino que
desarrollaron una forma de empatía que los ayudó a promover planes concretos en que
uno podría ayudar a otros.
En su libro Not for Profit, Why Democracy Needs the Humanities Martha Nussbaum
habla del hecho que más y más universidades a nivel mundial están siguiendo modelos
10
El salón de clases se volvió más equitativo y los alumnos se empezaron a reconocer como sujetos del
conocimiento, lo cual parece seguir las enseñanzas de Paulo Freire en Pedagogía del oprimido.
27
educativos que buscan educar hacia la producción, hacia la acumulación de ganancias.
La filósofa dice:
The profit motive suggests to many concerned leaders that science and technology are
of crucial importance for the future health of their nations. […] My concern is that
other abilities, equally crucial, are at risk of getting lost in the competitive flurry,
abilities crucial to the health of any democracy internally, and to the creation of a decent
world culture capable of constructively addressing the world’s most pressing problems
(2011, 7).11
Clases de economía o negocios, matemáticas o estadísticas, toman prioridad sobre
clases de filosofía, literatura o teología. Las materias vistas como importantes son
aquellas que pueden relacionarse, de manera directa, con el sistema de producción.
Nussbaum argumenta que esta concepción es dañina para el sostenimiento de los
valores democráticos que, de manera paradójica, muchas de esas naciones intentan
resguardar. La filósofa menciona que son las humanidades las que precisamente ayudan
a diseminar, estructurar y reforzar ideales liberales dado que estas disciplinas
desarrollan la capacidad de imaginación y pensamiento crítico. Nussbaum declara que
“The faculties of thought and imagination that make us human and make our
relationships rich human relationships, rather than relationships of mere use and
manipulation” (2010, 6).12
Es precisamente el desarrollo de la imaginación moral y de las habilidades críticas de
pensamiento que nos ayudan a vivir una vida humana en relación con otros. Son
precisamente estas dos capacidades que nos permiten imaginar una vida mejor para
nosotros y para otros. En un mundo globalizado, como el nuestro, el desarrollo de
ganancias o el incremento del PNB son metas que se establecieron puesto que se vieron
como valores que podrían ayudarnos a lograr una mejor calidad de vida. Sin embargo,
un incremento en el PNB no ha mejorado la calidad de vida de todos los habitantes de
un país. Ya lo dijo Eduardo Galeano, “esos números no se comen.”
Nussbaum nos urge a reflexionar acerca de las capacidades humanas que han impulsado
el desarrollo liberal de nuestras naciones. La filósofa concluye que las humanidades
11
“El modelo económico sugiere a muchos líderes preocupados que la ciencia y la tecnología son de
importancia crucial para el futuro y estabilidad de sus naciones. […] Mi preocupación es que otras
habilidades, igualmente cruciales, están en riesgo de ser perdidas en el frenesí competitivo, habilidades
cruciales para el bienestar interno de cualquier democracia, y para la creación de una cultura mundial
decente, capaz de enfrentar los problemas mundiales más importantes de una manera constructiva.“
(Traducción propia.)
12
“Las facultades de pensamiento e imaginación que nos hacen humanos y que hacen de nuestras
relaciones ricas relaciones humanas, en lugar de relaciones de uso o manipulación.” (Traducción propia.)
28
siempre han sido ese impulso puesto que incrementan nuestra capacidad de pensamiento
crítico, nuestra “hability to transcend local loyalties and to approach world problems as
a ‘citizen of the world’”13 y la habilidad de imaginar simpatéticamente el predicamento
de otra persona (Nussbaum, 2010, 25).
En el desarrollo de un mundo más tolerante, es nuestra obligación el ayudar a nuestros
alumnos a desarrollar estas capacidades. El proyecto que aquí he presentado busca
lograr precisamente esto al mostrar a los alumnos como cada caso ético, cada historia
que tiene que ver con nuestros juicios morales ha sido focalizada y representada desde
un cierto punto de vista y que parte de nuestra tarea es reconocer cómo la historia ha
sido editada, qué es lo que se ha marginalizado y cómo podemos responder de una
mejor manera al problema que se presenta ante nuestros ojos. El uso de literatura, ya
sea tradicional o visual, es crucial en el desarrollo de naciones democráticas que
respondan de manera adecuada al otro: al otro frente a mí pero también al otro que se
encuentra a kilómetros de distancia. Los alumnos, ciudadanos del mundo, necesitan
ejercitar estas habilidades de manera que puedan salir de nuestras aulas de clases y
buscar el mejoramiento de las circunstancias actuales en las que nos desenvolvemos. La
literatura visual, dada su adaptabilidad en el salón de clases y su presencia en la vida
cotidiana, debe ser usada de una manera más intencional en el aula, de modo que los
alumnos puedan aplicar los conocimientos obtenidos en el contexto académico en sus
actividades cotidianas y no relegar el pensamiento crítico y la imaginación moral a
ciertos confines.
Fuentes citadas
Garber, Marjorie. The Use and Abuse of Literature. Anchor Books: New York. 2011.
Lindemann, Hilde. Damaged Identities. Narrative Repair. Cornell University Press:
New York. 2001.
Nussbaum, Martha. Love’s Knowledge: Essays on Philosophy and Literature. Oxford
University Press: New York. 1992.
-----, ----Not for Profit. Why Democracy Needs the Humanities. Princeton
University Press: New Jersey. 2010.
13
“habilidad de trascender alianzas locales y estrategizar los problemas mundiales desde una perspectiva
de ‘ciudadano del mundo.’”(Traducción propia.)
29
La educación estética como cuestionamiento de las tradiciones
pedagógicas. Afinidades entre el pensamiento de Herbert Marcuse
y el de Jacques Rancière.
I
La intención de este trabajo se dirige a la recepción de distintas tradiciones
pedagógicas desde una óptica orientada a recuperar la dimensión estética de la
educación. Para tal fin atendemos al entramado propuesto por Jacques Rancière
en diversos textos.
Nos interesa, especialmente, de este filósofo francés, el tránsito que lleva
adelante a través del campo de la pedagogía, puesto en relación con el campo
estético y el sociopolítico.
Partimos del análisis rancieriano acerca del orden explicador postulado en El
maestro ignorante (1987). Dicho orden se basaría en la naturalización y
perpetuación de la distancia entre maestro y discípulo. El discípulo siempre
sería conducido por el docente hacia el saber sin alcanzar nunca el puerto
prometido.
La expresión clásica de dicho orden se plasmaría, a nuestro entender, en la
transmisión de contenidos, mecanismo por el cual se establece la naturalización
arriba mencionada. Este modelo se puede enlazar con cierta tradición filosófica
y pedagógica, perceptible a partir de la representación transmitida de los
sofistas, maestros de virtud, y poseedores del saber, coronada en la filosofía
hegeliana como culminación del absolutismo pedagógico. Para Hegel al superar
y conservar las determinaciones particulares de la conciencia, “(….) la filosofía
nos enseña a pensar, enseña como tenemos que comportarnos con todo eso;
maneja objetos de una índole peculiar: tiene por objeto la esencia de las cosas,
no los fenómenos, las cosas en sí, como existe en la representación.” 14
Como alter ego de este modelo transmisivo Rancière impugna la pedagogía
socrática: “El “liberalismo” mayéutico no es más que la variante sofisticada de
14
Hegel, George, Introducción a la historia de la filosofía, Aguilar, Buenos Aires, 1977, Pág.32
30
la práctica pedagógica ordinaria, que confía a la inteligencia del maestro el
trabajo de llenar la distancia que separa al ignorante del saber” 15
Como dos caras de la misma moneda ambas tradiciones instalan el abismo entre
el docente y el alumno.
La tradición socrática, a través de la mayéutica, propondría un modelo de
diálogo claramente conductor, que encuentra su ejemplo paradigmático en el
Menon platónico: Por medio de la reminiscencia se ayuda al esclavo a reconocer
su saber, pero permaneciendo, para siempre, en su rol de esclavo.
Mientras tanto la tradición sofística, en función de una separación persistente
entre docente y alumno, estaría transmitiendo conocimientos a quien los recibe
como recursos prácticos, morales y políticos.
Luego, en la modernidad la razón kantiana, adscribiendo a este modelo, se
ofrecería como guía para sacar al hombre de su estado de minoridad,
postulándose como idea regulativa, y el espíritu hegeliano se mostraría como la
verdad revelada a la conciencia primaria.
Ante este orden dual, considerado por Rancière como soporte de la desigualdad
social, nuestro autor propondría una pedagogía poética, capaz de generar
múltiples sentidos a partir de un contenido. Esta formulación se profundiza y
amplía en su ensayo El espectador emancipado (2004) En estas páginas el
binomio enseñanza-aprendizaje se resignifica, según Rancière en el contemplaractuar el cual entraría en colisión, para la tradición filosófica, con la oposición
entre actuar y conocer.
A través de la disolución de estas oposiciones se
constituiría el juego estético y el derrumbe de la relación causal entre enseñanza
y aprendizaje. “Aprendemos y enseñamos, actuamos y conocemos también
como espectadores que ligan en todo momento aquello que ven con aquello que
han visto y dicho, hecho y soñado. No hay forma privilegiada, así como no hay
puntos de partida privilegiado” 16
El modelo social propuesto por Rancière, al final de esta conferencia, se
bosqueja como una sociedad de narradores y traductores. De esta manera se
devuelve a los lenguajes su materialidad, alejando de ellos toda promesa
trascendente y se los reintegra al ámbito de la estética en sentido primigenio, el
ámbito de lo sensible.
15
16
Corradini, Luisa, “Entrevista a Jacques Rancière”, La Nación, Mayo, 30 2008.
Rancière, Jacques, El espectador emancipado, Manantial, Buenos Aires, 2010, Pág.23
31
Por otra vía, Rancière, desde la estética, y alejándose de los campos de la
política y la pedagogía, busca afinidades y diferencias con el pensamiento
freudiano. Este abordaje lo realiza en un texto anterior: El inconsciente estético
(2001). En pos de la transdisciplinariedad Rancière recorre los territorios del
creador del psicoanálisis partiendo de la hipótesis según la cual el arte no es un
objeto más para la ciencia freudiana sino que se propone como fundante. “(…) el
pensamiento freudiano del inconsciente no es posible sino sobre la base de ese
régimen de pensamiento del arte y la idea del pensamiento que le es
inmanente.”17
Desde esta confrontación es posible, para nosotros, indagar, como lo hace H.
Marcuse, en Eros y Civilización, el juego freudiano entre principio de realidad y
principio del placer y pensarlo en función del campo docente. Marcuse bucea en
la historia de las ideas para vislumbrar el lugar de la estética en la modernidad.
La pregunta tácita a responder trata de la utilidad de la mencionada dimensión
en función del, llamado por Marcuse, principio de actuación. Para saldar esta
cuestión recorre la fundamentación kantiana del juicio estético y la concepción
schileriana acerca de la educación estética del hombre.
Par a Marcuse, Kant, a través de las categorías propuestas para el juicio estético,
a saber, “determinación sin propósito” y “finalidad sin ley” habría insinuado,
más allá de su sistema “la esencia de un orden no represivo”.
La operación schilleriana habría consistido en tomar las categorías kantianas
para proponer un nuevo orden civilizatorio subsumido en la educación estética.
Primeramente, en la esfera teórica, Kant habría instalado la mediación de la
facultad estética entre la razón y la sensualidad apoyándose en la primacía de
esta última.
La cuestión del placer, habría sido impugnada por ambas tradiciones
pedagógicas referidas en la primera parte y reflotada por las redes de la estética.
La aproximación a lo sensible abriría las puertas, desde esta óptica, a la
construcción de un nuevo principio bifronte, para establecer vasos comunicantes
entre placer y realidad.
Marcuse, recapitulando la historia de la dimensión estética y partiendo de la
mediación schilleriana entre impulso sensible e impulso formal, habría
17
Rancière, Jacques, El inconsciente estético, Del Estante, Buenos Aires, 2005, Pàg.21
32
revalorizado el lugar del impulso del juego. Este impulso propendería al
desajuste rancieriano de la relación pedagógica por el cual se resquebraja el
llamado circulo de la impotencia. El juego tendería, siguiendo la lógica
ranceriana a desajustar las relaciones necesarias borrando las fronteras entre los
que actúan y los que miran, entre el relato y la explicación filosófica.
Atendiendo a esta contraposición podemos situar las tradiciones socráticas y
sofísticas, centradas en el principio de realidad, mientras que la propuesta
emancipatoria se propondría establecer vasos comunicantes entre ambos
principios.
Las afinidades propuestas entre la dimensión estética, la social y la pedagógica
posibilitarían la iluminación de cada uno de estos campos.
También la idea regulativa ranciereana acerca de una sociedad de narradores y
traductores nos sirve como marco para el nuevo principio de realidad postulado
por Marcuse. Este principio, anclado en lo particular y lo sensible, pide una
palabra o una imagen apropiada para cada expresión y toma distancia de la
universalidad.
Lo universal ha sido, por un lado, soporte del orden explicador, y por otro
fundamento del principio de realidad sostenido por la tradición pedagógica. A
partir de la valoración de cada vínculo entre docente y alumno y del consecuente
axioma emancipador acerca de la igualdad de las inteligencias se empieza a hilar
la trama de sucesivos textos e imágenes que se leen, se pronuncian, se narran y
se representan. Esta situación de traducción puntual, propia del nuevo vínculo
propuesto reconoce la preeminencia de lo sensible en el vínculo docentealumno
II
Buscando enraizar estas ideas en el trabajo docente abrimos dos puertas para
acceder a la experiencia emancipatoria: En primer lugar, la enseñanza artística se
ofrece como el campo propicio para desplegar estas operaciones. La misma
encuentra un ámbito paradigmático en esta área porque en ella los materiales se
brindan a la exploración y abren las puertas al despliegue placentero. La técnica,
como herramienta del principio de realidad en el campo artístico, se conjuga con
33
el disfrute sensible. La enseñanza artística, inscripta en la intención schilleriana
de establecer una mediación entre lo sensible y lo conceptual, estaría poniendo en
juego, tal como lo propone Marcuse, un nuevo principio de realidad y, por lo
tanto, un nuevo principio de actuación basado en el placer.
En segundo lugar, podemos
tomar esta operación como modelo y hacerlo
extensivo a otros contenidos: En particular a los contenidos filosóficos. Pensamos
que la generalidad de la enseñanza textual puede enriquecerse con la modalidad
rancieriana de ofrecer el material crudo al alumno. La cocción del mismo se daría
con el juego de las individualidades. No se trata de constituir una comunidad
entre docentes y alumnos sino de permitir, en sentido spinoziano, la composición
de las pasiones a partir de las múltiples lecturas de los textos.
Para ilustrar este movimiento citamos nuestro proyecto en el campo de la
enseñanza de las materias Teorías estéticas y Apreciación estética en
profesorados de enseñanza artística. En este campo hemos propuesto ejercicios, a
través de las cuales, se presenta a los estudiantes la lectura y la escritura teórica
como un material más, presto a ser modelado o tallado.
Esta modalidad ha sido acompañada por experiencias lúdicas, tanto con imágenes
como con texturas tendientes a construir
puentes entre lo sensible y lo
conceptual.
¿Cuál es la vía de acceso a un texto filosófico para estudiantes habituados al
material sensible? ¿Cómo construir este puente?
A este fin pusimos en práctica diversas estrategias:
En primer lugar el abordaje de imágenes, tanto para el reconocimiento de
distintas concepciones acerca de la belleza como para introducir el concepto de
autonomía del arte o como propedéutica de la estética hegeliana. Para este último
punto se propusieron reproducciones de obras que pudieran ilustrar la expresión
hegeliana paradigmática que caracteriza a la obra de arte como la expresión
sensible de la idea.
En segundo lugar la proyección de películas: Tanto para el abordaje del arte
rupestre, en función de la lectura de Estética operatoria en tres direcciones de
L.J.Guerrero, como para la comprensión de las nociones benjaminianas acerca de
la reproducción técnica. La proyección se propuso en pos de establecer afinidades
entre los conceptos desarrollados y las imágenes fílmicas.
34
En tercer lugar reconocimiento de texturas: Para la presentación de Crítica del
Juicio ofrecimos a los estudiantes varios sobres numerados que contenían en su
interior planchas con texturas. Se les pedía a los participantes, que metiendo la
mano a ciegas en los sobres, emitieran juicios de placer y displacer, para luego
abrir los sobres y, a la vista de los objetos pegados sobre las planchas, profirieran
nuevos juicios, primero descriptivos y luego, en un tercer momento,
conceptuales. El cierre, respecto a esta experiencia, proponía pensar qué tenían en
común los tres momentos.
En cuarto lugar organizamos diálogos con objetos: Con el fin de introducir la
lectura de “El origen de la obra de arte” de Martin Heidegger y de abordar,
especialmente, las nociones de cosa, útil y obra de arte, presentamos una serie de
objetos varios, tanto naturales como artificiales, plumas, piedras, un librito de
poemas, una esculturita, un sacapuntas antiguo, una calculadora y otros. Todos
ellos acompañados de un conjunto de tarjetitas en cuyo reverso los objetos hacían
preguntas a los participantes. El grupo elegía un objeto y una tarjeta a ciegas, y se
respondía por escrito a la pregunta formulada. Con esta experiencia se buscaba,
además, poner en cuestión las categorías naturalizadas de sujeto y objeto.
Como evaluación del curso se pidió una monografía breve, en la cual se
establecieran afinidades entre una obra de arte, de cualquier género, del interés
del alumno y uno o dos autores de la bibliografía.
¿Podemos encuadrar estas estrategias dentro de una lógica emancipatoria o,
simplemente se convierten en recursos conductistas para introducir contenidos
teóricos?
A nuestro entender, la variedad de elementos sensibles presentados lúdicamente,
reviste, de por sí, carácter emancipatoria. El aistheton, tal como lo presenta
Rancière, en “El giro ético de la estética y la política”18 propone el disenso en
lugar del consenso. El consenso sería lo característico del orden explicador.
Acordar en el concepto o en la técnica propondría un acuerdo comunitario entre
todos. Por lo contrario el material arriba mencionado abre las puertas a múltiples
significaciones.
Pensamos que las texturas o las imágenes están capacitadas, más fácilmente, para
liberarse del yugo de la univocidad que el discurso teórico. Este último, en la
18
En El malestar en la estética, Capital intelectual, Buenos Aires, 2011
35
medida que opte por desacralizarse y empardarse con los otros materiales se
enriquece como lenguaje.
Al mismo tiempo la emancipación del yugo del concepto, implica, en el campo
pedagógico, deshacer una estructura represiva. Para Marcuse “Esta tarea
envuelve la comprobación de la relación interior entre el placer, la sensualidad, la
belleza, la verdad, el arte y la libertad –una relación revelada en la historia
filosófica del término estético.” 19
La revalorización de este término, en sentido amplio, abre las puertas para un
modelo pedagógico concebido a partir de la enseñanza artística. Tomar como
punto de partida lo sensible de cada contenido posibilitaría, para nosotros,
enfoques transformadores en el aula.
Bibliografía utilizada
Rancière, Jacques, El maestro ignorante, cinco lecciones sobre la emancipación
intelectual, Editorial Tierra del Sur, Buenos Aires, 2006.
Hegel, George, Introducción a la historia de la filosofía, Aguilar, Buenos Aires,
1977.
Corradini, Luisa, “Entrevista a Jacques Rancière”, La Nación, Mayo, 30 2008.
Rancière, Jacques, El espectador emancipado, Manantial, Buenos Aires, 2010.
Rancière, Jacques, El inconsciente estético, Del Estante, Buenos Aires, 2005.
Rancière, Jacques, El malestar en la estética, Capital intelectual, Buenos Aires,
2011.
Marcuse, Herbert, Eros y civilización, Joaquín Mortiz, México, 1969.
19
Marcuse, Herbert, Eros y civilización, Joaquín Mortiz, México, 1969
36
La demanda de humanización en la enseñanza de la Filosofía: una
propuesta para su interpretación
Dra. Gabriela D’Odorico
Universidad de Buenos Aires
Este trabajo presenta algunos resultados de una investigación teórico-filosófica
que parte de la experiencia recogida, durante los últimos años, en el dictado de un
seminario de Antropología Filosófica en Profesorados de Filosofía de Buenos
Aires.20 Los cursantes son futuros profesores de Filosofía que ya hicieron o están
haciendo sus prácticas docentes en escuelas secundarias de la ciudad o de zonas
adyacentes. También participan del seminario graduados recientes que, en
condición de adscriptos, hacen una especialización consistente en una
investigación sobre alguna problemática concerniente a la antropología filosófica.
El seminario propone la dinámica de un taller de reflexión sobre los supuestos
antropológicos que soportan las propias prácticas docentes de quienes dictamos
materias filosóficas.
La preocupación que año tras año reiteran los cursantes es la persistencia de
cierto sentido común institucional según el cual, la tarea primordial de los
profesores de filosofía es ocuparse de la formación humana —humanización— de
estudiantes que lidian con la multiplicación de novedades específicas en el resto
de las asignaturas. La creciente profesionalización y especialización del
conocimiento a la que están sometidas las restantes materias permitirían
descargar, en gran medida, la formación humana en los profesores de Filosofía.
El presente trabajo se interroga por el sentido de esta demanda acerca de lo
humano, muchas veces interpretada como una necesidad de ‘refuncionalizar’ la
enseñanza de la filosofía, de compatibilizarla con el desarrollo tecnocientífico o
de ponerla a la cabeza de un proyecto de humanización acorde a ciertas
necesidades del mundo contemporáneo. Interesa, a su vez, extender la
interrogación a los supuestos acerca de lo humano que subyacen a esa demanda y
20
En particular en el Porfesorado en Filosofía del Instituto Superior del Profesorado ‘Dr. Joaquín V.
González’, Ciudad de Buenos Aires, Argentina
37
mostrar el problema que la misma estaría señalando. Para ello se propone partir
de dos puntos de inflexión en la historia de la filosofía con los cuales se trabaja
especialmente durante el transcurso del seminario. La experiencia de
interrogación que sugieren estos hitos, permite volver a pensar tanto la vigencia
de los proyectos humanistas gestados en la modernidad como la problemática que
abre la demanda humanización a los profesores y a las disciplinas filosóficas en
el ámbito de la formación media y superior.
1. Primera inflexión: la pregunta por el hombre.
En el seminario se propuso reconstruir un escenario posible de lo contemporáneo
a partir de los cuentos de James G. Ballard, un escritor de distopías que recibía el
último cambio de siglo preguntándose si la ciencia ficción era todavía posible
dentro del actual estado tecnológico de innovación permanente.21 El autor había
planteado, ya en década de 1960, la necesidad de volver a pensar el vínculo entre
la profunda tecnologización del entorno y la mutación tecnológica de lo humano.
Los nuevos y fascinantes paisajes artificiales son captados por una tecnología que
nos transforma, que conforma gustos y pasiones, que diseña químicamente
nuestros estados de ánimo. Así surge una noción diferente del animal humano
que la industrialización moderna había hecho equivaler al homo sapiens. Ballard
concluía que el ambiente tecnologizado se superpondría con los sueños diurnos
de este animal urbano-tecnológico en este nuevo estadio ¿evolutivo? que alcanzó
la especie. La distinción entre realidad y virtualidad perdería potencia explicativa
y haría que el paisaje artificial pueda ser tomado como un estado de la mente y, a
la vez, la mente un estado del entorno tecnológico. Este límite lábil mostraría que
lo tecnocientífico invade hasta el último resquicio de la realidad, insoportable en
la literatura de Ballard, porque no deja ningún lugar para lo humano. El hombre,
como lo anuncia el título de uno de sus cuentos, se ha vuelto literalmente
21
Entre los participantes se distribuyeron algunos cuentos: ‘Ahora cero’, ‘Bilenio’, ‘El gigante ahogado’,
‘El hombre imposible’, ‘El hombre subliminal’, ‘Playa terminal’, ‘Menos uno’, ‘Despierta el mar’, ‘Las
tumbas del tiempo’, ‘El jardín del tiempo’, ‘Trece a centauro’, ‘Las voces del tiempo’, ‘Catástrofe aérea’,
‘Cronópolis’, ‘Unidad de cuidados intensivos’, ‘Mitos del futuro próximo’, ‘Fiebre de guerra’.
(BALLARD, James. Mitos del futuro próximo. Trad.: A. Bernárdez. Buenos Aires: Minotauro, 1971.
_____. El hombre imposible. Trad.: M. Souto. Buenos Aires: Minotauro, 1976.______. Playa terminal.
Trad.: M. Souto. Buenos Aires: Minotauro, 1976.)
38
imposible.22 El animal ‘desnaturalizado’ que se obstina en diferenciarse, el
hombre, se habría convertido en el punto de indistinción entre lo natural y lo
artificial.
Este escenario, en el que la ciencia ficción y la realidad tecnológica parecen no
distinguirse sintetizaría los principales temores que fundan las demandas de las
que partimos. Por ello se propuso la hipótesis de que el referido sentido común
institucional dominante que demanda humanización a la enseñanza de la filosofía
estaría presuponiendo que habita una ‘fase ballardiana’ de la cultura o del
capitalismo. Desde esa hipótesis de trabajo volvimos a reflexionar acerca de la
pregunta por el hombre tal como fue concebida en el corazón del iluminismo.
Cabe recordar que Kant en sus clases de Lógica elevaba la pregunta por el
hombre Was ist der Mensch? al rango de mayor importancia para la filosofía por
refundir, a su entender, otros interrogantes filosóficos como los vinculados al
conocimiento, al actuar o a lo que es posible esperar.23 La importancia depositada
en la pregunta antropológica transforma al hombre moderno en un proyecto que
renueva la reflexión filosófica. El hombre se convierte en un punto de origen o
condición de posibilidad del saber y de la práctica del mundo, visto desde la
perspectiva cosmopolita del despliegue de la razón, pura y práctica, de la
totalidad de los seres humanos.
Sin embargo en su vejez Kant escribe un tratado de antropología, una preceptiva
acerca de la fisiología humana constituida por consejos higiénicos y normativas
para el cuidado del cuerpo, el tratamiento de las enfermedades y la preservación
de la salud.24 El despliegue de normativas fisiológicas señala lo que la naturaleza
hace del hombre, el modo en que la misma atenta contra lo propiamente humano
que, para Kant, es el uso de la razón. Las fuerzas antihumanas que representan las
enfermedades físicas y psíquicas amenazan la racionalidad, de allí su
peligrosidad. La diferencia que presentan estas respuestas pragmáticas contrasta
con una antropología filosófica preocupada por los alcances de lo que el hombre,
en tanto ser libre, hace o puede hacer de sí mismo.
22
Desde sus primeros escritos presentaba la tecnologización del entorno y del cuerpo como un continuo
material que vuelve alienante el sentido moderno de lo ‘humano’. Cf. BALLARD, James. El hombre
imposible. [1966] Op.cit.
23
Preguntar ¿qué puedo saber?, ¿qué debo hacer?, ¿qué me cabe esperar? agotaba la interrogación
filosófica. Cf. KANT, Immanuel. Crítica de la Razón Pura, Tomo II. Trad. J. Rovira Armengol Buenos
Aires: Losada, 1983, p. 381. Luego, Was ist der Mensch? (¿qué es el hombre?) redefinirá el resto de los
interrogantes. Cf. KANT, Immanuel. Lógica Trad. C. Correas. Buenos Aires: Corregidor, 2010, p. 48.
24
KANT, Immanuel. Antropología. En sentido pragmático Trad. J. Gaos. Madrid: Alianza, 1991.
39
Así, queda puesto en evidencia que el interrogante filosófico de alta complejidad
que Kant planteaba en las clases de Lógica no pudo conciliarse con sus textos
antropológicos. Así, el propio Kant habría iniciado un recorrido histórico de la
pregunta por el hombre pero a partir de su negación. Este camino negativo
inaugurado por la antropología filosófica se traduce en la búsqueda de la
distinción que hace del hombre algo diferente de otras especies animales, de los
monstruos o de los dioses. Pero además esta negación persigue una distinción
interna al hombre, con la cual se busca aquello ‘no-humano’ que atenta contra su
salud o su infelicidad. En este sentido, en el hombre anida una negación que lo
constituye, que le hace experimentar una dimensión nunca coincidente consigo
mismo y que, por ello, lo mantiene en un movimiento de permanente
autorrealización.
Heidegger señala que la radicalidad del interrogante iluminista acerca del hombre
tiene tal envergadura que no admite ninguna respuesta que pueda estar a su
alcance, ni siquiera la que ensaya el propio Kant.25 Se puede advertir que la
respuesta kantiana se presenta dislocada filosóficamente de la pregunta que la
habría originado. Si esta fractura señalada por Heidegger se tomara como
elemento de análisis, todo proyecto humanizador podría ser leído como un
fracaso de respuesta a la pregunta antropológica.
A lo largo de la historia, Occidente instauró proyectos de humanización apelando
a una supuesta esencia, género o naturaleza humanas, pretendiendo así responder
a los problemas morales y políticos. La voluntad de humanización se encarnó en
diversas manifestaciones del humanismo religioso, del liberalismo moderno o del
socialismo soviético y mantiene su vitalidad en la ‘revolución’ neoliberal de la
década de 1990. Esta última, entiende que la economía necesita de la ética como
un recurso que haría del mercado y, en última instancia del capitalismo, un lugar
‘humanizado’. El conjunto de demandas hacia la filosofía y su enseñanza,
especialmente centrada en la ética y en cuestiones de ciudadanía como modo de
responder a los problemas sociales que atraviesan el mundo ‘global’, surge en
este contexto. De mantenernos ubicados en el interrogante kantiano, los proyectos
25
HEIDEGGER, Martin. La pregunta acerca de la esencia del hombre y el verdadero resultado de la
fundamentación kantiana. In_______: Kant y el problema de la metafísica. Trad. G. Ibscher Roth. 2ª ed.,
México: F.C.E., 1994, pp. 179-180.
40
humanizadores que la modernidad genera ya estarían puestos bajo sospecha en el
mismo corazón de la filosofía iluminista.
2. Segunda inflexión: el anti-humanismo.
Una segunda dimensión de la interrogación acerca del hombre puede ser ubicada,
estructuralismo mediante, en los textos de Marx. Es Althusser quien dirige sus
críticas al hombre como una finalidad, es decir, a los proyectos humanistas
modernos. Para Althusser el humanismo, en todas sus versiones, se entiende a sí
mismo como una realización acabada que significa que en el hombre y entre los
hombres llegue, por fin, el reino del Hombre.26 Ni siquiera el humanismo
soviético escapó a la caracterización ya que entendía que la humanidad realizaría
su sueño milenario figurado en bosquejos de los humanismos pasados, cristianos
y burgueses. Althusser considera que la revolución teórica que realiza Marx
consiste en una ruptura radical con toda teoría que funde la historia y la política
en la esencia del hombre, entendida también como naturaleza o especie humana.
Habría en Marx una especie de anti-humanismo teórico que es condición de
posibilidad para el conocimiento del mundo humano y de su transformación
práctica, porque muestra al humanismo como una ideología. Por eso para
Althusser el hombre es un mito de la ideología burguesa.27 Sólo se puede
profundizar en este problema a condición de reducir a cenizas ese mito filosófico
y teórico con el que la burguesía entendió al hombre.
Esta operación especialmente releída por Althusser se iniciaría en la “Sexta Tesis
sobre Feuerbach”, la que afirma que el hombre no-abstracto es el conjunto de
relaciones sociales.28 Allí el vínculo entre el hombre real y las relaciones sociales,
sin embargo, no es ni el de los dos términos de una igualdad ni el de una
definición. Entre ellos ocurre una nueva inadecuación que, sin embargo, tiene un
sentido práctico. Esa inadecuación está designando una acción por realizar, un
desplazamiento por efectuar, en el que ya no se toma como objeto al hombre sino
26
ALTHUSSER, Louis. Marxismo y humanismo. In:_______ La revolución teórica de Marx. Trad. M.
Harnecker. 21ª ed. México: Siglo XXI, 1985, p. 183.
27
ALTHUSSER, Louis. Filosofía y Marxismo. Entrevista por Fernanda Navarro. México: Siglo XXI,
1988. p. 84.
28
MARX, Karl; ENGELS, Friederich. La ideología alemana. Trad. W. Roses. Buenos Aires: Pueblos
Unidos, 1985, p. 667
41
a las relaciones sociales. En este desplazamiento Althusser encuentra una
paradoja según la cual el conocimiento acerca de las relaciones sociales implica,
necesariamente, prescindir del concepto de hombre moderno.
La misma paradoja puede ser analizada con otros elementos de análisis. Así
encontramos que Foucault afirma que el estructuralismo mostró ese trasfondo de
pensamiento —anónimo— en cuyo interior los hombres no se encuentran. En ese
sentido para Foucault el humanismo, del que habría que liberarse, es la gran
perversión de todos los saberes, conocimientos y experiencias contemporáneas.
Deshacerse del humanismo permitiría descubrir que está aconteciendo la
desaparición de la concepción moderna de hombre.29 Los conocimientos
científicos que buscaron al hombre sólo encontraron estructuras que lo
sobrepasan, que no pueden ser orientadas por la conciencia o por la voluntad de
los individuos. Las ciencias ‘humanas’ encontraron, con sus investigaciones, que
el hombre se había disuelto por un saber que ellas mismas generaron. Para
Foucault este acontecimiento contemporáneo es sumamente significativo en
términos históricos. Se trata del momento del fin del ‘sueño antropológico’ de la
modernidad a la luz de los actuales efectos del iluminismo.30 Actualmente sólo se
puede pensar en el vacío del hombre desaparecido, un vacío que es el despliegue
de un espacio en el que por fin es posible pensar de nuevo.
El desvanecimiento del hombre es una segunda dislocación en el camino negativo
iniciado por Kant. A la vez denuncia la función ideológica de todo supuesto
acerca de lo humano. La actual persistencia de esos supuestos parece fundarse en
las respuestas suministradas por las ciencias de la vida (biotecnología,
neurofisiología, investigación médica, genética, entre otras): las que estudian
científicamente la naturaleza humana. De mantenernos en la conclusión
estructuralista, se advierte que es en el campo de las ciencias de la vida es donde
se vienen tomando decisiones político-ideológicas acerca de lo que es humano y
lo que no lo es. Esas decisiones que operan en nuestra práctica docente estarían
desafiando nuestro modo de interrogar en las clases de filosofía.
3. La humanización vinculada a la ‘excepción’.
29
FOUCAULT, Michel: Palabras de Foucault sobre el humanismo. France Culture, 1985. In:
ALTHUSSER, Louis. Filosofía y Marxismo. Op. cit. pp. 87-88.
30
Cf. FOUCAULT, Michel. Le sommeil anthropologique. In: _______ Les mots et les choses. Une
archéologie des sciences humaines. Paris: Gallimard, 1966, pp. 351-354.
42
Una manera de recuperar la potencia filosófica de las dos modulaciones señaladas
es poder interrogar el montaje e implementación de los actuales proyectos de
humanización. Propongo, para ello, recurrir a la noción de ‘excepción’ como un
sintagma clave en las propuestas humanistas.31 El mismo puede mantener la
suficiente ambigüedad semántica como para tener el significado de ‘raro’,
‘escaso’, ‘sorprendente’, ‘monstruoso’ o ‘excluido’ según el contexto de
aplicación. La afirmación de que la excepción define la condición humana es una
hipótesis que permite analizar el modo de producción moderno de lo ‘humano’.32
Giambattista Vico o Søren Kierkegaard habían advertido sobre la superioridad de
la excepción para explicar una norma. La excepción puede convertirse en un
paradigma ejemplar o en un mito para pensar la homogeneidad del orden y, de
ese modo, hacer hablar al propio tiempo.33 La excepción se va a convertir en un
objeto que, aunque inhallable, está eternamente presente, conforma un estado de
las cosas que envuelve la totalidad de los acontecimientos ‘normales’. El carácter
oblicuo, de desviación o de disfunción es un recurso primordial para que el
mundo de sentido permita hablar de normalidad y fundamentar un orden
homogéneo.
Hay algunos aspectos que explicitan la vinculación entre la noción de excepción
y la concepción moderna de lo humano. En primer lugar, el pensamiento
occidental construyó al ‘hombre’ como lo que se contrapone y rebela frente al
entorno natural al cual fue arrojado. El humanismo moderno establece una
ruptura óntica con respecto al entorno natural. Lo humano es una excepción
frente al orden de la vida animal porque es completamente irreductible a esa
animalidad. Toda la tradición occidental podría leerse a partir de la afirmación de
que el hombre es la excepción de la naturaleza y, por lo tanto, lo humano se
opone a lo animal.34 Esta contraposición se manifiesta en las variantes del
dualismo moderno: cuerpo/ alma, racionalidad/ afectividad, naturaleza/ cultura,
31
Para ampliar estas consideraciones Cf. D’ODORICO, Gabriela. El hombre imposible: la naturaleza
humana como invención tecnológica. In: VVAA. Indistinciones. Tecnología, naturaleza, administración.
Buenos Aires: Mnemosyne, 2011, pp. 115-164.
32
Para un desarrollo Cf. SCHAEFFER, Jean-Marie. El fin de la excepción humana. Trad: V. Goldstein.
Buenos Aires: F.C.E., 2009.
33
En Kierkegaard, Cartas de noviazgo, se presenta la construcción del mito de Regina Olsen como un
estado de cosas: Regina es ‘lo que le pasa’ a Kierkegaard. Cf. CORREAS, Carlos. Kierkegaard: un mito
en la génesis de una filosofía. In: KIERKEGAARD, Sören. Cartas del Noviazgo. Trad. C. Correas.
Buenos Aires: Leviatán, 2005, pp. 7-37.
34
SCHAEFFER, Jean-Marie. El fin de la excepción humana. Op. cit., pp.21-50.
43
necesidad/ libertad, instinto/ moralidad, público/ privado entre otras. El
humanismo moderno es deudor del dualismo.
En segundo lugar, con los incipientes desarrollos de las ciencias de lo viviente —
la biología, la medicina o la psicología experimental—, los dualismos parecieron
desaparecer. Bajo los efectos de las teorías evolutivas, el hombre se articula con
las otras especies a partir de los mecanismos de adaptación en la lucha por la
vida. Si bien la evolución es discontinua, el hombre se acerca en cuanto a su
‘naturaleza’ al resto de las especies animales. Sin embargo, interpretada en clave
biológica y definida por la anomalía física y la patología, la noción de excepción
reaparece ahora en el interior del hombre. Lo no-humano, aquello asimilable a la
animalidad que define a otras especies, se identifica con lo que acecha en la
propia interioridad y se convierte en una amenaza permanente de disolución de lo
humano.35
En tercer lugar, a fines del siglo XVIII, la vida de las poblaciones aparece en un
lugar central para la política de Estado y comenzó a ser intervenida en tanto
disfunción o excepción social. Esas anomalías fueron interpretadas con metáforas
vinculadas a lo orgánico y a la salud de todos los cuerpos, aun cuando sólo las
posean como latencia. De este modo la anomalía se convierte en una amenaza
que ya habita todos los cuerpos. De allí que la identificación, el recorte y la
clasificación de la excepción, asociada a la patología, se transforma en condición
de posibilidad para una intervención con fines inclusivos. Este es el significado
más profundo de una administración y gestión de la vida de las poblaciones,
aquello que Foucault entiende como la constitución de un biopoder con el que
queda instaurado un paradigma biopolítico cuyo perfeccionamiento se aceleró
durante el último siglo.36 Esta lógica que atraviesa la restitución de la normalidad
modificó profundamente el modo de interpretación de las prácticas políticas y
educativas de la modernidad.
4. Figuras de lo no-humano: ¿inhumano, subhumano, antihumano?.
35
AGAMBEN, Giorgio. Lo abierto. El hombre y el animal. Trad. F. Costa - E. Castro. Buenos Aires:
Adriana Hidalgo, 2006, pp. 75-76.
36
Se siguen las indicaciones acuñadas en FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité 1. La volonté de
savoir. Paris: Gallimard, 1976, p. 185 y ss. FOUCAULT, Michel. Defender la sociedad. Curso en el
Collège de France (1975-1976), Buenos Aires: F.C.E., 2003, pp. 33-47.
44
Es posible afirmar que las ciencias de la vida, antes que encontrar una naturaleza
—esencia o género— humana, identifican la excepción para definir lo humano.
En esta clave puede releerse la célebre expresión de Plauto: el hombre deviene
lobo para el hombre, homo homini lupus. El proceso de antropologización
moderno funciona buscando al lobo dentro del hombre, es decir, identificando las
fuerzas no-humanas —excepcionales— que lo habitan para liberarlo de ellas a
través de un proyecto racional de ‘humanización’. Las ciencias de la vida ofrecen
certezas con las cuales identificar lo que es propio de la naturaleza humana y lo
que no. Así pueden definir en el interior de todo hombre lo no-humano, es decir,
esas fuerzas antihumanas amenazantes frente a las que hay que desarrollar
estrategias de anticipación al peligro y de prevención del riesgo.
Este proceso puede sintetizarse en un doble movimiento que se explica por medio
de la categoría de excepción.37 El primero de ellos consiste en la identificación de
figuras de lo no-humano, con las cuales se delimita el campo en el que se vuelve
necesaria y urgente la intervención social con fines inclusivos. Esta dinámica
reconstruye lo no-humano a partir de una supuesta excepcionalidad provisoria
frente a la implementación de políticas fundadas en proyectos humanistas, los
cuales pueden invocar la calidad de vida, el desarrollo social o los derechos del
hombre. La definición de lo no-humano es la condición de posibilidad para la
fundamentación de la normalidad, de aquello que sería humano por naturaleza.
El segundo movimiento funciona restituyendo esa humanidad natural —
supuestamente perdida— terminando por institucionalizar la vida de las
poblaciones. De este modo queda descripto un proceso de producción de
normalidad, de lo ‘humano’, a través del cual lo incierto e imprevisible de la vida
se volvería cada vez más gobernable. Como la vida ha desbordado en forma
permanente cualquier cristalización conceptual acerca de la naturaleza humana, la
misma se vio permanentemente redefinida. Así son múltiples las definiciones
filosóficas, antropológicas, médicas y biológicas de la naturaleza humana
moderna.
Se debe tener en cuenta que la noción de ‘excepción’ singular se define como lo
que no puede ser subsumido bajo la norma. El vocablo latino exceptio remite a
una limitación o cláusula restrictiva, sentido que hoy todavía se mantiene en el
37
AGAMBEN, Giorgio. Lo abierto. El hombre y el animal. Op.cit,. p. 31 y ss.
45
derecho. Sin embargo, en la excepción siempre hay algo que es sacado afuera (ex
capere) de la norma pero sin perder relación con ella, y que por ese motivo no es
simplemente eliminado. Lo exterior, lo excluido, lo que está afuera obtiene esa
ubicación topológica porque hay un interior, algo incluido. Incluido y excluido
son resultados de la vigencia de la norma. La excepción es un elemento teórico
que nunca queda completamente desconectado de la norma sino que mantiene
una relación con ella, bajo la forma de una suspensión que le otorga sentido.38 Es
por ello que la noción de excepción permite explicar el significado de una
‘inclusión excluyente’. Así el modo de inclusión que presenta la gobernabilidad
moderna se da bajo la administración y ordenamiento de las modalidades que
adquiere la exclusión. Aquello que se identifica como excluido está incluido en el
orden en su condición de excepción. El famoso refrán popular debería ser
corregido y decir que ‘la excepción no sólo confirma la regla sino que vive de
ella’.
La delimitación, definición y precisión de lo que se pone bajo la excepción
descubre la producción histórica de supuestos acerca de lo humano. Se trata de un
procedimiento que señala lo no-humano en sus múltiples manifestaciones:
subhumano, infrahumano, inhumano, antihumano pero también animal o
monstruoso entre otras posibilidades. Dada su eficacia sobre las prácticas sociales
estos procedimientos muestran que la búsqueda biológica de una naturaleza
humana, antes que ser un dato objetivo es un elemento epistemológico complejo
que articula los saberes con la producción de realidad. Así mientras la amenaza
sobre la vida biológica del hombre avanza y se profundiza, más imperiosa se
vuelve la necesidad de intervenirla con el supuesto fin de mantenerla y mejorarla.
Queda planteada, entonces, una especie de paradoja biopolítica fundamental.39 En
ella se pone en evidencia que las prácticas biopolíticas siempre pueden devenir su
contrario y manifestarse como técnicas de administración de la muerte o
tanatopolítica.40 A la luz del doble movimiento descrito y de sus efectos, la
naturaleza humana se muestra como una categoría eminentemente política, clave
38
AGAMBEN, G. Estado de excepción. Homo sacer, II, I. Trad.. F. Costa e I. Costa. Buenos Aires:
Adriana Hidalgo: 2003, pp. 111-113.
39
‘Paradoja biopolítica fundamental’ es una expresión tomada libremente de ESPOSITO, Roberto.
Politica, naturaleza, historia. In: _______Bíos. Biopolítica y filosofía. Trad.: C. Molinari Marotto, Buenos
Aires, Amorrortu, 2008, pp. 41-53.
40
Término utilizado por Foucault cuando vincula biopolítica y racismo para mostrar la politización de la
muerte. Cf. AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. El poder soberano y la nuda vida. Valencia, Pre-textos,
1998, pp. 203-210; ESPOSITO, Roberto. Bíos. Biopolítica y filosofía. Op. cit., p.18.
46
para la legitimación de procesos de intervención social con fines inclusivos los
que, paradójicamente, pueden contribuir a acentuar la exclusión y la desigualdad.
Si recordamos que para Foucault un dispositivo es aquello que identifica los
operadores materiales del poder, técnicas, estrategias y formas de sujeción que el
poder instala, podemos dar mejor cuenta de la complejidad señalada. Un
dispositivo es la red, inscripta en una relación de poder que se establece entre
elementos que son heterogéneos, tanto lingüísticos, como no lingüísticos,
discursivos como no discursivos.41 Por ello un dispositivo incluye el conjunto de
los discursos, instituciones, leyes, reglamentaciones, medidas administrativas,
enunciados científicos y filosóficos, lo dicho y lo no dicho, en los que se
concretan las relaciones de poder. Podríamos decir, entonces y con Foucault, que
la naturaleza humana es un dispositivo biopolítico moderno fundamental para el
gobierno de las poblaciones.
5. Consideraciones finales.
De continuar con la hipótesis que describiría lo contemporáneo como una ‘fase
ballardiana’ del capitalismo es posible volver sobre nuestra motivación inicial, es
decir, sobre la demanda de formación humana hacia la enseñanza de la filosofía.
Apoyándonos en pensamientos disímiles como los de Heidegger y Althusser, se
mostró que donde la modernidad salió a buscar el hombre, allí, no encontró nada.
En términos esenciales el hombre es imposible, según las palabras de Ballard,
porque se hallaría disuelto en el mismo proceso de desarrollo de conocimiento.
Lo único que aparece como propio del hombre es su capacidad de
autotransformarse. La noción de excepción nos permitió avizorar el
funcionamiento de un complejo proceso de construcción de un proyecto de corte
humanista proveniente de la tecnociencia, dentro del cual la naturaleza humana se
convierte en un dispositivo central de la gobernabilidad para la intervención sobre
las poblaciones estabilizando atributos, fijando propiedades, cristalizando el
devenir. En este contexto proponemos algunas interpretaciones posibles acerca de
las demandas de humanización dirigidas a los profesores de filosofía que son
resultado de un coloquio final abierto con el grupo de trabajo.
41
Cf. FOUCAULT, Michel. Le jeu de Michel Foucault. In: Dits et écrits III (1976-1979). París:
Gallimard, 2001, pp. 298-329.
47
En primer lugar, frente al despliegue tecnocientífico, concebido como un
fenómeno que superaría las posibilidades de la comprensión humana, se pide a la
enseñanza de la filosofía respuestas humanistas orientadoras para la acción. Esta
interpretación, si bien factible, resulta todavía superficial en función de lo
desarrollado hasta aquí.
En segundo lugar, la interpelación a la filosofía señala una necesidad: la de
pensarnos dentro de este proceso de tecnologización que arroja nuestra existencia
a un mundo que se nos aparece cada vez menos comprensible. En esta fase del
capitalismo signada por una transformación tecnológica en un continuo, tanto del
entorno como de la percepción que tenemos del mismo, cabe volverse a preguntar
cuánto hay de natural en lo humano y cuánto de humano persiste en la naturaleza.
La tecnologización produce criterios y convicciones de normalidad sobre lo
humano que estarían en plena transformación, da respuestas bajo la forma de un
humanismo tecnocientífico que, no obstante, se presentan alejadas de nuestra
existencia material y singular. Las demandas que se vienen analizando en este
trabajo contemplan la posibilidad de que la filosofía pueda pensar que los
supuestos antropológicos que soportan nuestras prácticas han cambiado su
significado. Así plantean el interrogante acerca de cómo pensar la novedad con
conceptos cuyo significado también está mutando.
En tercer lugar la naturaleza humana ya no resiste ser tratada como un dato
pretendidamente objetivo, como un indicador para la economía o como un
recurso moral y político. Al contrario, su deconstrucción abre un espacio para el
pensamiento como un fin en sí mismo. Así el fin del hombre moderno estaría
augurando un retorno, como ya lo señalaba Foucault, al comienzo de la
filosofía.42 Su enseñanza, entonces, en la medida que se distancie de un proyecto
de humanización y de la búsqueda del ‘Hombre’, inaugura un espacio de
reflexión en el cual la filosofía siempre re-comienza.
En definitiva, la demanda que aquí analizamos está señalando, en lo profundo, un
problema que reclama el comienzo de la filosofía allí donde el hombre se vuelve
imposible. Inscripto en el dispositivo de la naturaleza humana, este reclamo
significa pensar las mutaciones del entorno y de la percepción. Pero también
significa señalar la disfuncionalidad del dispositivo, excederlo, mostrar que el
42
Cf. FOUCAULT, Michel. Le sommeil anthropologique. Op.Cit.. 351-354.
48
pensamiento filosófico se resiste a ser aplastado sobre un pretendido invariante
sustrato biológico material.
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49
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Buenos Aires: F.C.E., 2009.
50
Entre el humanismo y la competitividad: el learning by doing en la
filosofía
Rolando Picos Bovio
Facultad de Filosofía y Letras, Universidad Autónoma de Nuevo León*
Según la atinada definición de Colom y Mèlich, el nuestro es“…un tiempo de
«astronautas» y «náufragos», de «fanáticos» y «zombies»”(1994:47) en el que la
razón moderna y sus certezas han sido fragmentadas en mil pedazos. Los restos
del naufragio se encuentran a la deriva.
El desastre se expresa en múltiples escenarios. En el ámbito educativo afecta los
modelos formativos sustentados en una concepción «clásica», moderna, de
racionalidad y, a la vez, perfila los rasgos más notables de la nueva cultura
posmoderna que invade también hoy, en la emergencia de la «competitividad»
global,el campo de la filosofía, sus saberes y sus prácticas.
El actual escenario sociocultural, confuso e indefinido, permite esbozar, a la
manera de Colom y Mèlich, la metáfora del «astronauta» y el «náufrago» para
hacer referencia a la vida social y a sus protagonistas, aunque también evoca, en
alto grado, los nuevos roles de alumnos y maestros en el contexto formativo: el
«astronauta» posee el control de la tecnología, pero se encuentra desconectado
de su mundo social. El «náufrago» rememora a los «sobrevivientes» de la
modernidad perdidos en una época para la que no basta el acervo del «viejo»
humanismo y sus conceptos. En la metáfora educativa, el «náufrago» representa
el rol tradicional del profesor que intenta acompañar el ritmo del «astronauta», el
nuevo estudiante posmoderno. En medio de una inexistente Paideia y una
indefinida Bildung, las finalidades del alumno y el maestro divergen; su
interacción se vuelve compleja y, en el contexto posmoderno de la educación, la
relación se encuentra plagada de obstáculos que trascienden lo epistemológico.
Las humanidades y la naturalización del «astronauta filosófico»
51
El discurso del «astronauta» y la ideología que le acompaña, parecen haber
llegado a la filosofía a través del auge teórico del pensamiento débil,
materializado en los modelos pedagógicos que empiezan a normar la enseñanza
de la filosofía y de las humanidades en México. Los procesos de reforma
curricular impulsados por las autoridades educativas parten del principio de la
necesidad ineludible del cambio, aunque, ni saben a dónde dirigir el cambio, ni
alcanzan a explicar con pertinencia sus objetivos en cuanto este se refiere a una
disciplina con las particularidades específicas de la filosofía. Se prefiere eliminar
que dialogar, negar dogmáticamente que fundamentar la necesidad de la filosofía
en la formación de los estudiantes mexicanos. Prescindiendo de la filosofía se
prescinde de sus incomodidades. El asunto, sin embargo, no es tan sencillo. Al
menos no en una sociedad que aspira a ser democrática.
En este contexto, la pregunta por los objetivos, las finalidades del ser y quehacer
filosófico en México –y amplío- en Hispanoamérica, implican una discusión que
debe ser atendida sin demora, con un sentido crítico y autocrítico. Crítico, en
tanto los supuestos epistemológicos e ideológicos en que se fundamentan y
autocrítico en la necesidad, ineludible, de revisar los modelos de formación en la
disciplina, sus límites, errores y complejidades, así como el sentido de la práctica
filosófica al nivel superior, lo que supone ubicarla en el marco de su
«profesionalización».
Más allá de entrar en una discusión en torno a las características del performance
posmoderno, el objetivo de este trabajo es establecer algunos ejes de reflexión en
torno al nuevo status quo de la filosofía, su didáctica y profesionalización
universitaria, particularmente en el norte del país, bajo las directrices del modelo
pedagógico sustentado en las competencias.
Para realizar la tarea anterior, dividiremos este artículo en tres secciones de
análisis: la primera parte intenta establecer una caracterización general de las
competencias en sus acepciones más generales y en su vinculación con el tipo de
saberes/conocimientos que proporciona la formación filosófica; se explora en qué
sentido es factible la estructuración de los «cuatro saberes fundamentales»
(aprender a conocer, aprender a hacer, aprender a vivir juntos y aprender a ser)
propuestos como «pilares de la educación» por Delors (1994) y su compatibilidad
o no con los objetivos mismos de la filosofía: ¿Es factible, o más bien, es
52
deseable o “idóneo” hablar de competencias en filosofía o se trata, como señalan
algunos críticos, de un “neocolonialismo epistemológico”?
En un segundo momento, a partir de una reflexión sobre los fines tradicionales y
contemporáneos de la universidad y su misión en la “sociedad del conocimiento”
globalizada, se hace la pregunta sobre el papel y «utilidad» de las humanidades y
específicamente de la filosofía en relación a las problemáticas sociales, culturales
y políticas de nuestro tiempo y, en ese sentido, sobre la aportación que el
conocimiento filosófico, desde el ámbito de lo universal y lo particular, genera.
En una tercera y última sección, se analizan las cuestiones de la
profesionalización de la filosofía y la vinculación de sus egresados al mundo
laboral; se cuestiona sí, efectivamente, la docencia y la investigación aparecen
como el horizonte inmediato de las competencias efectivas de la formación
filosófica o sí, por las características específicas de la disciplina, esta posibilita o
potencializa otro tipo de competencias, en las que destaca el contexto particular,
histórico y práctico, del entorno formativo que antecede a la existencia de
cualquier «tradición filosófica».
I. Las competencias y la problemática de su encuadre en la formación
filosófica
Para ningún, o casi ningún maestro de filosofía del nivel Medio Superior o
Superior en México -con independencia del grado de autonomía de su institución
frente a la política educativa del Estado- el discurso de las competencias resulta
ser hoy un tema desconocido. En el medio pre y universitario la filosofía
experimenta, para bien o para mal, transformaciones en sus modelos docentes,
procesos formativos y concepciones de la profesionalización. Como disciplina de
formación media o profesional, la filosofía ha entrado de lleno en la discusión
sobre el significado, pertinencia y operatividad del Aprendizaje Basado en
Competencias (ABC) como norma para los procesos de instrucción tanto de los
estudiantes de Bachillerato (a quienes se les ha reducido al máximo los
contenidos “humanísticos”, cuando no eliminado flagrantemente de su esquema
educativo por obra de la RIEMS) como de los futuros licenciados en filosofía,
con añadidos o sin ellos.i
No es nuestro objetivo establecer una genealogía del modelo de competencias,
pues la bibliografía sobre el tópico es amplia y crítica.ii Baste señalar para los
53
fines de este apartado, que la característica común de estos procesos en el plano
operativo –al menos en el campo de la filosofía- es la confusión terminológica,
conceptual y procedimental a la hora de establecer la pertinencia, adecuación y
objetivos –si es válido hablar aquí del término- de las competencias en el terreno
filosófico. A ello, a esta confusión, se suman tanto los administradores/
planificadores del proceso, como los profesores en el obligado rediseño de sus
cursos. El resultado se presenta a todas luces confuso y en más de un sentido
experimental. Se trata de una acción que generalmente no se basa en el
convencimiento, sino en lo procedimental y obligatorio.
Si nos referimos particularmente a los procesos de formación docente, es natural
entender que el modelo por competencias implica en los profesores con mayor
antigüedad en la institución universitaria, aunque no exclusivamente en ellos, una
redimensionalización de sus prácticas tradicionales y métodos en el ejercicio de
la docencia y, por ello, una resistencia natural, análoga a sus propios trayectos
formativos y docentes. Mucho más si aceptamos que, para bien o para mal, el
modelo por competencias representa la adopción de un ethos y telos educativo
sustantivamente diferente al de la universidad moderna que ha sido el parámetro
de la universidad pública en México.
En un extremo, para sus críticos, el modelo de Aprendizaje Basado en
Competencias representa una ideología ligada al discurso posmoderno,iii o a una
forma de entender la filosofía de inspiración analítica o sajona, mientras que para
sus defensores o partidarios significa o incorpora una estrategia de
profesionalización ligado a un saber hacer requerido por el mercado laboral.
¿Existe un justo medio en el término y en la finalidad de las competencias? o,
¿Son las competencias una especie de «neocolonialismo epistemológico»?
El discurso de las competencias: saber hacer y saber ser
El discurso de las competencias establece como finalidad implícita una noción de
efectividad y aprendizaje real del saber de una disciplina; una perspectiva
antiespeculativa y aterrizada en lo procedimental que se convierte en un
indicador de calidad de lo aprendido. Entendida desde esta configuración, la
calidad sólo es factible si se acompaña de «evidencias» del aprendizaje.
Los especialistas en competencias suelen citar como una necesidad la
modificación de los currículos. Estos deben centrarse, sobre todo, en la
54
flexibilización del programa educativo. Ello implica, entre otras particularidades,
una concepción autoformativa del alumno (una Bildung radical), el desarrollo de
un carácter interdisciplinario y hasta cierto punto autónomo y electivo del
estudiante bajo el esquema de los créditos educativos. De esta manera el trayecto
formativo del alumno se convierte en un proceso de autogestión. Teóricamente
esta flexibilización representa el fin del currículo autoritario que simboliza un
modelo tradicional de formación (Paideia), marcado por los roles definidos de la
autoridad maestro/alumno..
El desarrollo de programas de formación sustentados en el Aprendizaje Basado
en Competencias se ha convertido en el símbolo del cambio educativo de nuestro
tiempo. Su contextualización y desplazamiento de la formación técnica a la
profesional se explica asimismo a la luz de los procesos tecnológicos de la
globalización, la expansión de los mercados, la sociedad de la información y, en
última instancia, de las políticas dominantes en el sistema capitalista global en el
marco de sociedades multiculturales.
El análisis de los conceptos sobre competencias remite a los componentes antes
citados. Según una de sus múltiples definiciones, estas se refieren centralmente a
“enunciados que expresan conocimientos, habilidades y actitudes que se
consideran los mínimos necesarios de cada campo disciplinar para que los
estudiantes se desarrollen de manera eficaz en diferentes contextos y situaciones
a lo largo de la vida” (CONAEDU, 2008:6). La OCDE destaca por su parte que
“Una competencia es la capacidad para responder a las exigencias individuales o
sociales para realizar una actividad. Cada competencia reposa sobre una
combinación
de
habilidades
prácticas
y
cognitivas
interrelacionadas,
conocimientos, motivación, valores actitudes, emociones y otros elementos
sociales y comportamentales que pueden ser movilizados conjuntamente para
actuar de manera eficaz” (OCDE, 2008:8). Una definición más directamente
vinculada al modelo de Enseñanza Basada en Competencias (EBC) sostiene que
este se define como: “el modelo educativo que tiene como propósito central
formar individuos con conocimientos, habilidades y destrezas relevantes y
pertinentes al desempeño laboral” (López Arce, 2006:29). Perrenoud (2010)
describe sintéticamente la competencia como “…una capacidad de movilizar
varios recursos cognitivos para hacer frente a un tipo de situaciones” (11).
55
Pavie (2011:70) identifica, siguiendo a Mertens (1996) cuatro sentidos,
acepciones o enfoques desde los cuales es posible conceptualizar las
competencias que nos pueden ser útiles a la hora de ubicar las competencias en
un contexto filosófico: conductista, funcionalista, constructivista y holístico. El
primer y segundo enfoque destaca sobre todo el logro satisfactorio de la tarea
mientras que el enfoque holístico, integral por naturaleza, implica la participación
activa del sujeto en el desempeño de su tarea y su perfección. El grado de
perfeccionamiento de las competencias se relaciona con el lugar social y acceso
al conocimiento y la acción de su ejecutor.
Ahora bien, sin dejar de preguntarnos, cuál de estos entornos podría
corresponder a las «competencias filosóficas» (pensando además que el
pensamiento «especulativo» es signo de la actividad filosófica) y sobre todo, cuál
es la naturaleza del trabajo filosófico y cuál su norma apropiada, tratemos de
reflexionar sobre los argumentos que intentan justificar la adopción del modelo
de competencias en la educación y qué modelo pretenden superar.
Según Zabala Vidiella (2007), la introducción de las competencias en el ámbito
educativo pretende superar los modelos “memorísticos” de formación que
impiden que los conocimientos puedan ser aplicados a la vida real. Las
competencias, afirma, permiten a los sujetos dar respuestas coherentes a las
distintas necesidades que se les presentan a los sujetos en los diferentes ámbitos
de la vida. Estas se expresan sintéticamente en componentes actitudinales,
procedimentales y conceptuales que permiten una «intervención eficaz» en
diferentes escenarios. Desde el punto de vista de una educación para la libertad,
fuertemente orientada por un espíritu constructivista/pragmatista, este sería un
modelo ideal de no ser porque choca con un supuesto fundamental que se expresa
como a priori de los contenidos, supuestos epistemológicos y finalidades
(«competencias instrumentales») establecidas por la institución. De tal forma, lo
que puede parecer una virtud (la no disgregación de los contenidos del
aprendizaje, meta deseable de cualquier programa educativo) cancela, en los
hechos, las posibilidades de su discusión y su crítica (que son conceptos y
prácticas fundamentales de la filosofía); aun más: se convierten en procesos con
un fuerte contenido memorístico y conductista:
En dichos formatos se le da la mayor importancia al saber cómo, a la operatividad
o procedimiento y, altiempo que se introducen definiciones de los términos
56
considerados cruciales para quien los lee ymemoriza, usualmente se omite un
fundamentoteórico pedagógico que los avale y permita discutirlosa fondo. Se
trabaja, en pocas palabrastomando como fundamento un contenido de lecturatipo
manual: no existe, pues, un aparato deanálisis epistemológico, de heurística social
y políticani de sustentación conceptual en la didácticacomo disciplina compleja
(Torres, 2010:27).
En otra dirección, Delors (1997) imbrica las competencias en un sentido de
educación integral para el siglo XXI para sociedades que se orientan cada vez
más a la «economía del conocimiento», proponiendo un aprendizaje que integra
en sí mismo cuatro dimensiones o pilares de la educación: aprender a conocer,
aprender a hacer, aprender a convivir y aprender a ser. Estas competencias
presuponen también la formación de un sujeto orientado al ejercicio de su libertad
en el marco de sociedades democráticas y procesos educativos plurales. La
educación no es conceptualizada, al menos es lo que se desprendería del análisis
de los componentes de la propuesta, bajo una mera finalidad instrumental, sino,
en un sentido más filosófico, desde una perspectiva ética.
¿Podríamos pensar, al menos teóricamente, en un sentido menos humanista de
esta
propuesta
educativa?
Difícilmente
en
su
vertiente
ilustrada
y
multiculturalista que estaría como trasfondo ideal de las competencias. Sin
embargo, las condiciones de diseño, metodología y operatividad en los espacios
académicos, particularizando en la Educación Media Superior y Superior, pese a
tales supuestos, difieren en mucho de sus buenas intenciones. La modificación de
las currículos, ubicado para los fines de este trabajo en el ámbito mexicano, no
responden a la «interpretación» de Delors en el sentido de priorizar un enfoque
holístico, inter y transdisciplinario (necesariamente filosófico) de la educación
(integrando lo aparentemente inútil: la historia, la filosofía, la literatura, las
humanidades en su conjunto con el conocimiento de las diferentes ciencias
positivas): “Mientras los sistemas educativos formales -señala el autorpropenden a dar prioridad a la adquisición de conocimientos, en detrimento de
otras formas de aprendizaje, importa concebir la educación como un todo. En esa
concepción deben buscar inspiración y orientación las reformas educativas, tanto
en la elaboración de los programas como en la definición de las nuevas políticas
pedagógicas” (Ibid: 103).
57
II. Filosofía: ¿Paideia o Bildung? Imaginarios sobre docencia e investigación
La «modernización» de las humanidades se sustenta en las críticas asertivas a la
didáctica tradicional de la filosofía. Se refiere así tanto al agotamiento de los
modelos didácticos «tradicionales» o «esencialistas», como a la problemática
que, de por sí, genera la «imagen» de la filosofía, o de las genéricas
«humanidades» como disciplinas sin un aparente ámbito de profesionalización
específico, o más allá, como estudios desvinculados de la realidad o que
contribuyan efectivamente a la comprensión/resolución de problemas sociales
como lo señalan los enfoques inspirados en el pensamiento de Dewey. iv El punto,
sin embargo, es una trama compleja que requiere un análisis minucioso.
La filosofía de la educación y la enseñanza de la filosofía misma transitan
históricamente entre los modelos psicopedagógicos clásicos y modernos. En
torno a la Paideia humanista y la Bildung ilustrada se conforma una historia que
se materializa en la experiencia de formación del alumno universitario y las
finalidades, explícitas o implícitas, de sus programas educativos.
En México, las variables de la formación filosófica son heterogéneas, la
experiencia es diversa y las causas de sus particularidades múltiples; en ellas
intervienen factores de índole político, ideológico, social y cultural que
determinan los modos de concebir la formación filosófica y el lugar que ocupa su
enseñanza tanto en la estructura universitaria como en el entorno social. Las
escuelas de filosofía del país han conocido diversas etapas de florecimiento y
otras de decadencia que al mismo tiempo son reflejo de tales circunstancias. Hoy,
sin embargo, como señala De la Torre (2004), la universidad, y con ella la
filosofía, se encuentra en el entrecruce del humanismo y la competitividad,
circunstancia propia del discurso educativo neoliberal.v
El cambio educativo que acompaña la redefinición de las prioridades sociales de
formación en el contexto de la globalización neoliberal no es ajeno a la filosofía.
Por el contrario, a fin de permanecer como disciplina universitaria, se le exige
una justificación de sus saberes y competencias acompañada de una renovación
de sus métodos. Al mismo tiempo en los espacios universitarios de formación se
le exige visualizar con mayor claridad y desde el punto de vista de las nuevas
58
políticas educativas, un sentido de utilidad social ligado al desarrollo de una
profesión, acorde con la ideología posmoderna que sustenta el cambio educativo.
Se trata entonces: “…de orientar los procesos de formación de profesionales
haciendo de ellos un medio para el apuntalamiento de la articulación de nuestra
economía y nuestra cultura a los parámetros y estándares internacionales del
mundo globalizado” (De la Torre, 2004:96).
La transformación de las concepciones de la formación que implica el cambio
educativo neoliberal abre varias interrogantes que a su vez son referentes para
analizar los modelos tradicionales, modernos, de la formación, particularmente
¿Hacia dónde se han dirigido los modelos formativos de la filosofía en la
universidad mexicana? ¿Sobre qué valores y concepciones de la verdad se han
fundamentado? ¿Cuáles, en medio de esos cambios, históricos, conceptuales y
didácticos de la filosofía, el imaginario de su profesionalización?
La filosofía y la metafísica de la formación
La crítica a la didáctica tradicional se sustenta como el fundamento a partir del
cual, paradigmas como el de las competencias, han irrumpido en los programas
académicos de formación de las humanidades. Se critica lo que en la tradición
pragmatista se denuncia como «metafísica de la formación», aludiendo a los
procesos tradicionales y a los referentes imaginarios de formación en la filosofía
que desconocen o minimizan el vínculo de esta con la realidad inmediata, para
privilegiar el campo de la teoría o de la filosofía concebida como referente moral
de «la verdad».vi
Las evidencias de estos modelos se materializan en los currículos y en la
organización de los planes de estudio, pero también en la conceptualización de la
función social de la filosofía y de su campo laboral (explícito en el perfil del
egresado) aspecto que, en los modelos tradicionales, se liga fuertemente a la
docencia. Hasta hace relativamente pocos años el imaginario profesional del
filósofo en México se centrabaen el desarrollo de una carrera magisterial. El
docente universitario de filosofía tenía entre sus funciones sustantivas la
transmisión de los modelos y tradiciones filosóficas dominantes hacia sus
estudiantes. Marginalmente, salvo en los grandes centros universitarios (UNAM,
Colmex, etc.), la producción e investigación filosófica propia, original, fue un
asunto que, si bien se desarrolló de manera fecunda y en distintas direcciones
59
ideológicas, fue obra de una minoría selecta. Pasarían años antes de que se
extendiera el proceso de descentralización de la producción cultural al resto del
país.
El proceso de redefinición del perfil de los docentes genera hoy fuertes
resistencias internas, pues no sólo significa en los hechos la búsqueda de
acreditaciones y certificaciones académicas sino, al mismo tiempo, un
cuestionamiento profundo a las didácticas tradicionales de los docentes, además
de un desplazamiento de los roles tradicionales maestro-alumno, al tiempo que
debaten tanto los modelos clásicos formativos humanísticos, como la autoridad y
estrategia del docente para marcar el sentido de la formación y su «verdad»
filosófica. Por otra parte es necesario reconocer que el tránsito de la verticalidad a
la horizontalidad en la formación es un proceso que está lejos de ser concluido.
Un argumento poderoso que justifica el cambio de roles del docente, tiene que
ver con la trasformación que, a su vez, opera al interior de la propia universidad,
por el cual se estrecha la relación entre la institución que representa y los cambios
sociales que ella misma, a través del proceso formativo, debe propiciar: “Es
necesario reflexionar sobre qué personas y qué profesionales tiene que formar la
Universidad, qué conocimientos y qué habilidades se necesitan, y desarrollar
unos planes de estudio que lo faciliten” (García Vázquez, 2001:87). Esto es, la
universidad es pulso de su tiempo y debe generar respuestas para entender la
sociedad, su contexto, y las formas más adecuadas para dotar a sus estudiantes de
las herramientas conceptuales y metodológicas para intervenir en dicha realidad
social. Uno de los procesos naturales que acompañan dichas prácticas, inicia,
necesariamente, en la transformación de las prácticas didácticas:”… No se trata
(…) de enseñar muchas cosas, sino de enseñar unas pocas que permitan aprender
por sí mismo, finalidad ya formulada por Montaigne: es mejor una mente bien
ordenada que otra bien llena “. (Ibidem).
III Filosofía: las tareas del presente
El fin del rol del «maestro tradicional» acompaña los nuevos discursos que se han
generado en el campo de la formación filosófica. Estos, sin embargo, no se
encuentran exentos de contradicciones, pues en la búsqueda de la conciliación de
las multifunciones del docente universitario (que al mismo tiempo es
60
investigador, promotor, tutor, guía y auxilio moral del estudiante), su actividad, y
de cierta forma, su identidad, se encuentran en juego, sometidas a las tensiones de
los nuevos modelos didácticos y la instrumentalidad de sus fines cuando no se
toman en cuenta todas las variables del proceso formativo. No se discute la
necesidad de renovar o innovarla práctica docente, sino el telos, la finalidad, más
implícita que explícita, de los términos en que se pide al profesor llevar a cabo su
desempeño profesional, atentando, como sucede, contra el carácter fundamental
de la disciplina en aras de una interdisciplinariedad abstracta y nebulosa o de las
competencias predeterminadas y genéricas en que se exige enmarcar hoy los
programas educativos.
El eje de la profesionalización de la filosofía y del filósofo tiene que ver también
con el cambio histórico del paradigma de su formación. Anteriormente su sentido
estaba orientado al dominio de competencias conceptuales (teoría, métodos,
historias) propias de la didáctica como actividad preponderante, hoy sus nuevos
roles implican, entre otros aspectos, cambios en los modos tradicionales de
transmisión de la enseñanza e incorporación de las nuevas tecnologías a dichos
procesos,vii desarrollo de competencias de investigación y la ya mencionada
interdisciplinariedad.Dicho proceso ha sido acompañado a su vez por la exigencia
universitaria de la elevación de sus estándares académicos a través de la
formación en posgrado, que se considera parte fundamental de los elementos de
evaluación de la calidad educativa.
El tópico de la formación de los profesores toca un problema clave en la
profesionalización de la filosofía, pues aborda el problema de la «formación de
los formadores» como docentes y las consecuencias de la improvisación o el
aprendizaje «empírico» de la didáctica filosófica. Este aspecto se correlaciona
con el tipo de orientaciones teóricas y metodológicas que las universidades, en
función de sus diversos intereses, han privilegiado como el objetivo de la
formación filosófica y su enseñanza en el nivel medio y superior. Sobre la
atención dedicada a los procesos formativos de sus maestros se deriva, en buena
medida, el éxito o el fracaso; en suma, el estatus, que la filosofía tiene en dichas
instituciones.
Las competencias recrean escenarios ideales, deseables, desde el punto de vista
de los saberes profesionales a los que pueden aspirar los estudiantes en un
programa educativo. El problema es de equilibrios y estos se complejizan bajo los
61
parámetros de la ideología neoliberal y su concepción instrumental del cambio
educativo: la difícil conciliación entre el «saber positivo» que buscan las
competencias y el saber reflexivo y hermenéutico propio de la filosofía, parece
desembocar en la reducción del saber filosófico a mera especulación, vano
ejercicio intelectual o afán de erudición socialmente poco rentable. Pero esta
imagen, cultivada en la ignorancia de las tareas de la filosofía, es falsa, aunque
existen razones suficientes para suponer este divorcio entre la vida social y el
pensamiento filosófico que van desde el academicismo imperante que reina en su
enseñanza lejano a toda idea de comunidad filosófica, -como lo denuncia Michel
Onfray,viii a la inconexa didáctica de formación que hace que filosofía y
ciudadanía transiten caminos muy separados.ix
El esquema de competencias en filosofía redefine el perfil y las funciones
tradicionales del docente, pero lo hace al costo de ignorar la adecuada
fundamentación epistemológica de sus propuestas y minimizar su campo de
acción e iniciativas, aunque en apariencia le brinde mayor direccionalidad y
«control» del proceso a partir del uso de nuevos recursos psicopedagógicos.
Fundado como modelo prediseñado, con una concepción genérica del campo
formativo y de su profesionalidad abstracta, ajena al sentido que le da la propia
comunidad filosófica, la filosofía y sus protagonistas –maestros y alumnos- se
separan y ocultan del mundo real y sus problemas cuando la formación se tiene
que plegar a los objetivos expresos que niegan el papel de la crítica y la reflexión,
incluso discursivamente, como aspectos centrales de todo estudio filosófico.
Por su orientación y sentido de formación, la filosofía se ubica mucho más en un
contexto comunitarista que individualista, pues cumple, desde la tradición
grecolatina, una función social que hoy se ha diluido o relativizado al punto de
pensar, acorde con la filosofía educativa posmoderna, cuál es su adecuado
learning by doing, ignorando de esta forma su carácter de praxis consciente,
forma de vida y proyecto emancipador.x
La renuncia a la función crítica de la filosofía y al efecto en la comunidad a partir
de su ejercicio libre disipa su potencial liberador, democrático e igualitario. Lo
esencial de la filosofía, señala Ricardo Guerra, es su carácter de actividad, de
investigación del presente: “Investigar es meterse en un campo extraño, distinto,
ajeno. Es no aceptar las cosas tal como se nos presentan, es preguntar: ¿Qué hay
detrás? ¿Qué hay en el fondo “(Guerra, 1998:18). En ello radica su utilidad y, en
62
esto mismo, la necesidad esencial de su permanencia como disciplina formativa,
claramente autolegitimada. El ethos de la filosofía y del filósofo, aquí concebido
como maestro, consiste en hacer posible al ser humano, al ciudadano, el ejercicio
de la libertad creativa. No es poca cosa para estos tiempos de razones extraviadas.
La pregunta es si las competencias apuntan hacia esos objetivos.
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* Profesor-investigador del Colegio de Filosofía y Humanidades, Facultad de
Filosofía
y
Letras,
Universidad
Autónoma
de
Nuevo
León,
[email protected]
64
ROMPER COM A CULTURA DO SILÊNCIO: um desafio no ensino de
Filosofia
Paulo César de Oliveira
UNIFAL-MG
Apoio: CNPq
Resumo :
O objetivo desse trabalho é apresentar, a partir da filosofia de Paulo Freire, que
um dos desafios ao ensino de Filosofia na América Latina é a superação da
“cultura do silêncio”. Esse estudo se justifica porque um dos efeitos da ação
colonizadora e causa da estrutura de dominação que transforma a sociedade
colonizada em sociedade fechada é a “cultura do silêncio”. Ser “silencioso” ou
assumir a cultura do silêncio significa não ter nenhuma palavra autêntica sobre o
mundo; significa repetir a palavra que outros já disseram e contentar-se com ela.
A cultura do silêncio é fruto da sociedade opressora em os homens e as mulheres
não refletem e não tomam decisões acerca de tudo aquilo que lhes afeta. Esse tipo
de cultura nega ao homem o direito de pronunciar a sua palavra diante do mundo;
impede a sua práxis transformadora da realidade, através da qual se constitui
autenticamente como homem, ser de criação e recriação do mundo, sujeito de
decisão, expressão de sua liberdade. Pronunciar o mundo é um direito primordial
de todo homem e não prerrogativa de uma elite que se julga superior e no direito
de manipular os demais de acordo com suas finalidades. A política educacional
que retirou a filosofia do ensino médio no Brasil durante décadas reforçou a
prática da não reflexão e não pronunciamento a respeito do mundo. Romper com
essa cultura do silêncio, instalada desde os inícios do processo colonizador,
constitui-se um dos desafios atuais que o ensino de filosofia enfrenta. Isto porque
a cultura do silêncio não é algo natural em nenhuma sociedade; ela é resultado de
65
um processo lento e eficaz de invasão cultural. Nesse processo de invasão, a
imagem do opressor vai se “hospedando” lentamente no interior do oprimido. O
oprimido não consegue singularizar-se, destacar-se do mundo dos objetivos. Ora,
o desafio da filosofia de educação libertadora é, justamente, favorecer o caminho
inverso: instaurar um processo de retirada da imagem do opressor. Trata-se de um
processo de conscientização, de criação, de descoberta da singularidade, de
contemplação do “inédito viável”. A esse processo, Paulo Freire dá o nome de
liberdade. Essa constitui a finalidade última de todo processo educacional e
implica, na prática, em tomar decisões, estabelecer prioridades, sonhos, objetivos.
As decisões são tomadas, inicialmente, no coração, analisadas pela razão e
realizadas na história. É uma ação especificamente humana e, portanto, política.
Portanto, um dos desafios enfrentados pelo ensino de Filosofia é assumir
verdadeiramente esse processo, rompendo com a cultura do silêncio,
enfraquecendo e retirando a imagem do opressor, favorecendo a experiência da
liberdade.
Palavras- chaves: Cultura. Silêncio. Liberdade
Abstrat
The aim of this paper is to present, from the philosophy of Paulo Freire, one of
the challenges to the teaching of philosophy in Latin America is overcoming the
"culture of silence". This study is justified because of the effects and causes of
action colonizing the structure of domination that transforms society colonized in
closed society is the "culture of silence". Be "silent" or take the culture of silence
means having no authentic word on the world, the word means repeating what
others have said and be content with it. The culture of silence is a result of the
oppressive society in men and women do not reflect and make decisions about
everything that affects them. This type of culture denies man the right to
pronounce his word before the world; prevents its transformative praxis of reality,
through which it is authentically like a man, be the creation and recreation of the
world, subject to the decision, expressing their freedom. Pronouncing the world is
a fundamental right of every man and not the prerogative of an elite that thinks he
top and right to manipulate others according to their purposes. The educational
66
policy that removed the philosophy of education in Brazil for decades has
reinforced the practice of not thinking and not a statement about the world. Break
this culture of silence, installed since the beginning of the colonization process,
constitutes one of the current challenges facing the teaching of philosophy. This
is because the culture of silence is not natural in any society, it is the result of a
slow and effective cultural invasion. In the process of invasion, the image of the
oppressor will be "hosting" slowly inside the oppressed. The oppressed can not
be singled up, stand out in the world of goals. Now the challenge of liberating
philosophy of education is precisely to encourage the opposite: establish a
withdrawal process image of the oppressor. It is a process of awareness, creation,
discovery of the uniqueness of contemplation of "untested feasibility". In this
process, Paulo Freire gives the name of freedom. This is the ultimate purpose of
any educational process and implies, in practice, make decisions, set priorities,
dreams, goals. Decisions are made initially in the heart, analyzed the reason and
made history. It is a specifically human actions and therefore political. So one of
the challenges facing the teaching of philosophy is truly assume this process,
breaking the culture of silence, weakening and removing the image of the
oppressor, favoring the experience of freedom.
Keywords: Culture. Silence. Freedom
1. Considerações Iniciais
Toda filosofia é fruto do seu tempo e, simultaneamente, o influencia. É
impossível entender um filósofo sem fazer referência ao momento histórico no
qual ele vive e dentro do qual nasce e se desenvolve o seu pensamento. Paulo
Freire constantemente se refere à “situação latino-americana”. É uma referência
ao modo de vida da maioria do povo que habita a América do Sul e Central. Um
povo formado por três etnias (indígena, européia e africana) e dominado no
passado, por espanhóis e portugueses, e, no presente, por uma política neoliberal
excludente. A reflexão de Paulo Freire tem como pano de fundo o contexto
latino-americano e se desenvolve, de maneira específica, a partir da situação
brasileira. É um contexto marcado pela opressão, dependência e marginalidade.
67
2. A Opressão, a Dependência e a Marginalidade
Constantemente verificamos, na obra de Paulo Freire, referências explícitas à
situação da maioria da população latino-americana. É uma situação de opressão,
dependência e marginalidade. Opressão significa sufocamento, falta de ar. É o
governo pela violência. É uma situação que leva à desumanização43.
Para Paulo Freire é “opressora toda situação em que, nas relações objetivas entre
'A' e 'B', 'A' explore 'B', 'A' obstaculize 'B' em sua afirmação como pessoa, como
sujeito. Tal situação é, em si mesma, violenta” (FREIRE, 1970: 44-45)44.
Geralmente, um agente opressor é quem exerce o poder (seja ele qual for)
abusivamente. Contribui decisivamente com a situação de opressão todo
educador que considera a educação como “politicamente neutra”45. O que
interessa a Paulo Freire é a opressão em si e o modo de superá-la para que o
homem seja humanizado; isto é, seja uma pessoa livre e capaz de emitir um juízo
crítico sobre a realidade e pronunciar uma palavra sobre o mundo.
A falta de amor, que se encontra na raíz da violência opressiva, é expressão
evidente do medo da liberdade. O opressor tem medo de amar o outro; tem medo
de que o outro seja livre.
Existem situações de opressão em toda a sociedade latino-americana. As classes
dominantes aparecem como aliadas das forças externas. A opressão se produz
sempre contra a vontade do oprimido, domestificando-o46, coisificando-o. É um
ato de violência e de invasão, que visa anestesiar o oprimido privando-o da
capacidade de reagir e exercer um juízo crítico sobre a situação desumanizante47.
Para manter uma posição de domínio, estas favorecem reformas políticas e
econômicas que, na verdade, resultam insuficientes para resolver a questão da
libertação do país perante a dominação estrangeira. Estas reformas são,
43
Cf. FREIRE, 1970:62
É interessante notar que a violência não aparece como sinônimo de desordem, mas com
algo perfeitamente compatível com uma ordem institucional. Isto é, se existe uma situação de opressão, é
evidente a existência dos que oprimem e dos que são oprimidos. Por isso, já não podemos falar do
homem simplesmente como “ser-no-mundo”, mas temos que levar em consideração o ser-no-mundo do
opressor e o ser-no-mundo do oprimido. Numa palavra: a situação de opressão gera uma forma de ser
naqueles que nela se encontram envolvidos.
45
Paulo Freire protesta contra a neutralidade da Educação. Segundo ele, a neutralidade da
Educação é mais uma arma que se coloca nas mãos das elites dominantes e um meio para intensificar e
prolongar a opressão (BANDERA, 1980: 32).
46
A “domestificação” caracteriza a relação que existe entre o opressor e o oprimido.
É uma relação semelhante à de um animal doméstico e o seu dono.
47
Cf. FREIRE, 1969: 91-93.
44
68
geralmente, apresentadas como desenvolvimento. Mas é um desenvolvimento na
dependência48.
Nesta perspectiva, não basta reformar ou modernizar. Tanto a reforma quanto a
modernização caracterizam uma situação concreta de dominação. No entanto, o
processo de um verdadeiro desenvolvimento exige que se supere a dependência
política, econômica e cultural. O autêntico desenvolvimento está necessariamente
ligado ao processo de libertação. E toda sociedade que não rompe a relação de
dependência a que está sujeita, vive a “cultura do silêncio”49.
A dependência gera uma espécie de “desenvolvimento-dependente” que se
convencionou chamar de “sub-desenvolvimento”. O sub-desenvolvimento é o
resultado da dependência que um país ou um grupo de países impõe sobre um
outro. Todos os projetos destinados a combater o sub-desenvolvimento não
tiveram o êxito esperado justamente porque não romperam a cadeia de
dependência estrutural.
Além da opressão e da dependência, as sociedades latino-americanas trazem
consigo outra característica: a marginalidade. Marginalidade significa estar “à
margem”, isto é, fora do centro.
A América Latina é colocada fora, isto é, “à margem” das grandes questões
mundiais. Onde existem a opressão e a dependência, existe a marginalidade. Esta
é resultado de uma violência exercida contra as pessoas impedindo, o acesso às
questões centrais da vida. Paulo Freire se detém na questão da educação,
sobretudo na marginalidade causada pelo analfabetismo. A marginalidade
causada pelo analfabetismo é assustadora. Diz Paulo Freire:
“Na realidade é difícil aceitar que 40% da população do Brasil, quase 90% do
Haiti, 60% da Bolívia, cerca 40% do Peru, mais de 30% do México e Venezuela
e aproximadamente 70% da Guatemala, fizeram a trágica opção por sua própria
marginalidade enquanto analfabetos” (FREIRE, 1972:102)50.
48
Segundo Paulo Freire “as sociedades latino-americanas, com excessão de Cuba
depois da sua revolução, estão se modernizando, sem se desenvolverem no sentido real da
palavra. O desenvolvimento da América Latina somente acontecerá na medida em que se
resolver sua contradição fundamental que configura a sua dependência” (FREIRE, 1972:145146).
49
Sobre a “cultura do silêncio” me ocuparei a seguir. No entanto, é importante
sublinhar, desde o início, o vínculo entre dependência e “cultura do silêncio”.
50
Paulo Freire é realista ao relatar a situação Latino-Americana. Seus dados não são
discutíveis. As classes dominantes não se preocuparam em alfabetizar as enormes massas
que, devido ao peso do próprio sistema econômico, político e cultural, foram cada vez mais
desprezadas até ficar completamente à margem dos centros onde se tomam as decisões.
69
O marginalizado é um oprimido, dependente, vítima da violência alheia; esta
pode se revestir de muitas formas, porém conduz sempre à mesma situação: a
desumanização. A Educação conscientizadora e libertadora aparece como
remédio à questão da desumanização provocada pela opressão, pela dependência
e marginalidade.
O Educador, simultaneamente ao ensino, deve despertar as consciências, afim de
que sejam capazes de julgar a marginalização e criar uma sociedade humanizada
e humanizante. O marginalizado deve ser educado de tal modo que exerça sua
liberdade “nonimando o mundo” (FREIRE, 1972:103).
3. A Sociedade Fechada51 e a Cultura do Silêncio52
A sociedade fechada se caracteriza pela sua estrutura de dominação. Paulo Freire,
inspirando-se em Hegel, afirma que toda situação de dominação engendra duas
formas opostas de consciência: a do senhor e a do escravo; isto é, uma
consciência independente, cuja natureza é ser para si mesma e uma consciência
dependente, que se caracteriza pelo seu viver em função do outro. Este modelo de
sociedade não existe por si mesmo, como fenômeno isolado, mas é parte de um
contexto maior de dominação: vive em relação de dependência com uma
sociedade manipuladora, da qual revela a verdade, pois, em si, a sociedade
dependente não pode ser verdade de si mesma. A sociedade manipuladora se
reproduz, estruturalmente, nas sociedades dependentes, que por sua vez geram no
seu interno elites dominadoras. Consequentemente, na sociedade fechada os
homens são duplamente dominados: pertencem a uma sociedade que é objeto e
ao interno desta sociedade são submissos a uma elite.
51
Por “sociedade fechada” Paulo Freire entende aquela sociedade que vive presa ao
passado, de organização rígida e autoritária; uma sociedade que continuamente importa
valores e modelos alheios à sua própria vita, com grande índice de
analfabetos
e total
desinteresse pela educação. Nesta sociedade, o homem encontra-se num nível de consciência
que Paulo Freire chama de “consciência mágica”, tema este que será abordado mais adiante
(Cf. VANUCCHI, 1983:15).
52
Paulo Freire, faz uma análise da situação específica do Brasil (Cf. FREIRE, 1967:6583). Em outro texto Paulo Freire faz análise semelhante quando diz que “no Brasil, a transição
que marca o golpe de estado representa um retorno a uma ideologia do desenvolvimento
baseada no abandono da economia nacional aos interesses estrangeiros (...) Uma das
exigências de base de tal ideologia é reduzir ao silêncio os setores populares e, em
consequência, fazê-los sair da esfera de decisão” (FREIRE, 1972:98). Deste modo, se instaura
a cultura do silêncio e a consciência das massas se sente incapaz de assumir uma postura
crítica. Com o silêncio se instaura e se reforça a dependência, que são fenômenos correlativos.
70
A constatação da historicidade da formação da sociedade fechada é importante
porque revela que ela é a cristalização de uma possibilidade entre outras. Da sua
historicidade deriva a conclusão lógica de que é passível de transformação. O
caráter humano da história deve abrir espaço para a humanização da história. Na
sociedade fechada a possibilidade de libertação se encontra nos homens
manipulados de ambas as sociedades, dominadora e dominada que, sentindo a
relação dialética da dominação, devem despertar-se para uma ação dialética e
solidária de libertação. Entre os dominados se deve estabelecer uma relação de
diálogo e comunhão, em vista da libertação de todos.
Paulo Freire constata que no Brasil a polarização senhor-escravo não termina
com a proclamação política da independência (1822), mas permanece com a
dependência econômica da Inglaterra e dos Estados Unidos.
Geralmente, as sociedades latino-americanas permanecem como sociedades
subdesenvolvidas, fechadas; sociedades objetos, dependentes de outras
sociedades dominadoras (sociedades-sujeito que determinam a forma de ser de
outras sociedades). São sociedades que não são para si mesmas, mas que têm a
sua razão de ser determinadas pelas metrópoles e reproduzem no seu interno, em
intensidade diversa, as mesmas estruturas das sociedades manipuladoras
(FREIRE,
1981:33-34).
A
modernização
determinada
pela
sociedade
manipuladora na sociedade dominada produz um certo bem estar, mas não muda
as estruturas sociais geradoras de dominação53, que não é somente econômica,
mas política, tecnológica e cultural, pois as sociedades dominadas não possuem
no seu interno o ponto determinante de suas mudanças. O verdadeiro
desenvolvimento implica romper com a “invasão cultural”54 implantada com o
fim de perpetuar a situação de dependência. Ele deve partir do interior da
sociedade dominada para readquirir o que lhe foi roubado: o direito de ser sujeito
de sua história e não objeto manipulável da história de outros, de ser para si
mesma, de construir, possuir e manifestar sua própria verdade.
53
Os dominadores assumem uma postura de falsa generosidade em relação aos
dominados através de uma “ação paternalista”, que é uma forma de “generosidade sem amor”,
pois visa uma falsa promoção do homem mantendo-o na docilidade e no silêncio. Paulo Freire
recorda a Encíclica “Mater et Magistra”, para caracterizar o que deveria ser uma autêntica
postura de solidariedade às massas oprimidas que não fossem um prolongamento da ação
colonizadora, mas propiciasse condições de um progresso econômico e social autônomo.
54
Paulo Freire denomina de “invasão cultural” todo o processo ideológico, nas suas
múltiplas expressões, que justifica a ação colonizadora e faz o homem acomodar-se, ajustarse, à situação de opressão (Cf. FREIRE, 1970: 149-165).
71
A situação cultural da sociedade colonizada é caracterizada pelo que Paulo Freire
chama de “cultura do silêncio”, efeito da ação colonizadora e causa da estrutura
de dominação que transforma a sociedade colonizada em sociedade fechada 55.
Ser silencioso ou assumir a cultura do silêncio significa não ter nenhuma palavra
autêntica sobre o mundo. Significa repetir a palavra que outros já disseram e
contentar-se com ela. A cultura do silêncio é aquela onde só as elites do poder
exercem o direito de eleger, de atuar, de mandar, sem a maioria da participação
popular. A cultura do silêncio é o fruto da sociedade opressora em que os homens
e as mulheres não podem refletir e tomar decisões acerca de tudo aquilo que os
afeta.
Segundo Paulo Freire “a metrópole fala e a sociedade dependente escuta. O
silêncio da sociedade-objeto em relação à sociedade dirigente se repete nas
relações que se estabelecem dentro da sociedade-objeto. As elites do poder,
silenciosas diante da metrópole, calam a voz do povo” (FREIRE, 1972:90).
A cultura do silêncio nega ao homem o direito de pronunciar sua palavra diante
do mundo, impede a sua práxis transformadora da realidade, através da qual se
constitui autenticamente como homem, ser de criação e recriação do mundo,
sujeito de decisão, expressão de sua liberdade. Pronunciar o mundo é um direito
primordial de todo homem e não prerrogativa de uma elite que se julga superior e
no direito de manipular os demais, de acordo com suas finalidades.
A cultura do silêncio não é natural em nenhuma sociedade. É resultado do
processo de invasão cultural. Ao visibilizar a ausência de resposta dos
dominados, o silêncio se constitui a sua única palavra. No processo de recriação
do mundo, quando o povo é impedido de articular e expressar reflexivamente as
suas palavras, o corpo manifesta, como eco, o horror do grito sufocado e não
articulado, deixando-se moldar pela dureza da vida. Por isto, a cultura do silêncio
não configura uma existência própria, mas é parte da ação colonizadora,
estratégia e condição da dominação, que determina ao homem que dela participa
um modo de ser alienado: ele não existe para si mesmo. Esta condição de
alienado não se restringe ao homem simples, mas se faz presente também nos
55
A “cultura do silêncio” dá origem a um tipo de “sociedade fechada”, como são todas
as sociedades latino-americanas, desde invasão portuguesa e espanhola.
72
intelectuais, que determinam o seu modo de pensar a partir da atração exercida
sobre eles pelas estruturas das sociedades dominadoras.
Ao
estágio
da
sociedade
fechada
corresponde
uma
consciência
preponderantemente silenciosa, para os outros, imersa na realidade, com a sua
capacidade de percepção crítico-estrutural da realidade afetada. Diante dos
problemas e das situações-limite procura explicações fora da realidade, numa
dimensão sobrenatural e religiosa, assumindo uma postura mágica. O seu modo
de vida é fatalista, não crê em si mesmo e na sua capacidade de transformação da
realidade. O viver se reduz a uma esfera quase animal. Inspirando-se
em
Edmund Husserl, Paulo Freire afirma que para este tipo de homem é impossível
singularizar-se, destacar-se do mundo dos objetos.
É o homem da consciência semi-intransitiva56, impossibilitado de perceber os
fatos concretos interconectados, como partes integrantes de um contexto
estrutural.
4. A Sociedade Alienada
Devo referir-me, nesta abordagem dos fundamentos da filosofia da educação de
Paulo Freire, a um outro tipo possível de sociedade: a alienada.
Paulo Freire afirma que “...quando o ser humano pretende imitar a outrem, já
não é ele mesmo. Assim também a imitação servil de outras culturas produz uma
sociedade alienada ou sociedade-objeto. Quanto mais alguém quer ser outro,
tanto menos ele é ele mesmo” (FREIRE, 1981: 35).
O que caracteriza uma sociedade alienada? A sua caracterização está no fato de
que não é capaz de enxergar-se a si mesma, de ler a sua realidade com os próprios
olhos.
Busca como chave de leitura da sua realidade, como critério de
julgamento, o modo de vida de outras sociedades. Acredita que a estrutura sóciocultural de uma determinada sociedade pode se transformar em modelo a ser
reproduzido, transplantado acriticamente, em outros contextos.
56
As sociedades estruturalmente fechadas no processo de simples modernização
possuem uma consciência semi-intransitiva. A consciência semi-intransitiva reflete sobre as
mudanças; porém, não vai além. Não consegue perceber os desafios da realidade concreta.
Não possui a “percepção estrutural”. Não possuindo esta “percepção estrutural”, o homem
atribui os fatos e situações da sua vida a uma realidade superior ou a uma causa interior a si
próprio. Em ambos os casos, atribui-se a algo que está fora da realidade objetiva.
73
A sociedade alienada não se compromete em pensar um modelo próprio de
desenvolvimento a partir de suas próprias potencialidades. Assume em relação
aos seus valores culturais próprios uma postura de menosprezo e ridicularização
como se exprimissem uma forma pré-lógica de vida ou de atraso estrutural. Por
isso, busca externamente as soluções para os seus problemas internos. É uma
sociedade que fecha os olhos para si e procura a ilusão de poder viver o mesmo
«status quo» de outras sociedades.
5. A Sociedade em Abertura e a Consciência Transitiva
O processo social e histórico de transição ou de abertura de uma sociedade é,
segundo Paulo Freire, fruto de suas contradições internas ou conseqüência de
fatores externos que propiciam uma divisão na estrutura social. Este tempo de
transição é um tempo promissor, possibilita o processo de emersão das
consciências, fruto e razão da problematização dos velhos valores até então
preponderantes57. É o tempo de nascimento de novos valores. Paulo Freire
constata que o terceiro mundo latino-americano vive exatamente esta fase de
transição. Sua análise se detêm, sobretudo, ao Brasil, onde inicialmente procurou
dar a sua contribuição efetiva para viver criticamente e intensamente este
momento promissor de transição, que trazia escondido possibilidades de
transformações estruturais em benefícios da libertação do povo,
para que
readquirisse o seu direito de pronunciar o mundo e tornar-se sujeito de sua
história.
Esta fase de transição corresponde ao momento da consciência que emerge, que
toma consciência do mundo e de si na sua condição de dependência e, em relação
dialética, com o mundo manipulador. E, no ato de emersão, se clarificam
projetos, possibilidades até então ignoradas. Emergindo se destaca, procura
emancipar-se, acentuando as suas contradições internas e as contradições globais
do sistema colonizador. Este processo de emersão torna-se uma situação-limite,
assume um caráter dramático que força as elites a aceitarem a reforma superficial
57
A modernização, apesar de sua intrínseca insuficiência, pode converter-se em um
caminho para se chegar à uma postura crítica que seja capaz de romper com a cultura do
silêncio e a dependência. As elites dominantes se opõem ao fato de que a modernização leva à
crítica. Aqui surge a figura do líder, cujo papel fundamental é ajudar os oprimidos a perceber a
realidade com olhos críticos, isto é, ver suas contradições e buscar superá-las.
74
das estruturas como forma de amenizar as exigências da cultura emergente, mas
que ainda não possibilita a superação da condição de dependência. É neste
processo que a “consciência semi-intransitiva, característica das sociedades
fechadas, se torna consciência transitiva”.
Em si, a consciência emergente é ingênua, sem capacidade de reconhecer
criticamente a sua condição de dependência da cultura do silêncio (Cf. FREIRE,
1981: 40)58. É uma consciência ambígua e falsa; não é ainda a consciência crítica
e pode ser manipulada pelo colonizador, pois é sempre vulnerável ao poder
domesticador da cultura do silêncio. Mas a consciência transitiva ingênua traz
consigo a possibilidade real de tornar-se consciência crítica, que será capaz de
examinar-se continuamente, pois não é estática e sabe que o homem é chamado a
ser sempre mais, a humanizar-se continuamente, ao exercitar sua práxis
transformadora sobre o mundo.
O
comportamento
mágico,
típico
da
consciência
semi-intransitiva,
é
essencialmente diferente do comportamento mítico, característico da consciência
fanática ou irracional. O primeiro é típico das sociedades fechadas ainda não
profundamente atingidas pela tecnologia, enquanto o segundo é próprio das
sociedades tecnológicas de economia capitalista, que se transformam em potentes
fatores de massificação. O trabalhador que responde apenas à necessidade de
eficiência da sociedade tecnológica perde a sua capacidade de criar e recriar e se
reduz a obedecer ordens dadas que devem ser rigorosamente cumpridas em vistas
da produção. Nesta condição, o homem não desenvolve o seu pensamento crítico
e se reduz às formas míticas de pensamento.
6. As Heranças do Brasil Colonial
As grandes heranças que o Brasil recebeu do período colonial foram, segundo
Paulo Freire, o fato da nossa “inexperiência democrática”, a ausência de um
“comportamento participante” na construção da nossa sociedade, a falta de um
“auto-governo” que propiciasse o exercício da democracia. Estas heranças foram
determinantes para a constituição da nossa história. É bom lembrar que a
58
O processo de modernização possui a virtude de comover a consciência e de nela
abrir uma passagem através da qual seja possível uma nova visão da realidade. Quando estas
passagens são abertas e as sociedades entram em período de transição, as massas, que
antes estavam subjugadas e silenciosas, agora começam a sair desse estado. Isto é, começam
lentamente a romper a “cultura do silêncio”.
75
inexperiência democrática não é um fato superficial, mas encontra-se “enraizada
em verdadeiros complexos culturais” (FREIRE, 1967: 66). Não basta constatar as
heranças recebidas, é preciso procurar detectar os fatores que consolidaram esta
ausência de diálogo na história brasileira.
A colonização brasileira foi caracterizada por um acentuado interesse predatório,
uma empreitada comercial. A preocupação de Portugal não era a de criar em
terras brasileiras uma civilização. O objetivo era exploração econômica dos
recursos naturais59 e a implantação de uma agricultura de exportação60, que
respondesse às exigências do mercado externo e às exigências da metrópole.
Portugal não tinha condições de estabelecer no Brasil uma política racional de
povoamento. Os poucos portugueses que aqui permaneceram não procuraram
uma integração com a nação; os seus interesses permaneciam fixos na matriz
colonizadora; possuíam preponderantemente o interesse pela exploração.
O processo de colonização se caracterizou pela instalação de grandes fazendas e
engenhos, com léguas de terras doadas a uma única pessoa que se constituía em
“senhor da terra” e dos homens que nela trabalhavam, exercendo sobre eles um
absoluto domínio e arbítrio de vida e morte.
Nas imensas propriedades,
separadas entre si por grandes extensões territoriais, o homem colocava-se sob a
proteção dos “senhores da terra”, como único meio de sobreviver às intempéries
do novo mundo. A grande propriedade se constituía o centro da vida colonial,
fazendo tudo girar em torno de si.
“Aí se encontram, realmente, as primeiras condições culturológicas em que
nasceu e se desenvolveu no homem brasileiro o gosto, a um tempo de
mandonismo e de dependência, de «protecionismo», que sempre floresce entre
nós em plena fase de transição” (FREIRE, 1967: 69).
É neste contexto que nasce e amadurece no homem brasileiro uma vocação
ambígua: vocação para mandar, ordenar despoticamente, e por outro lado, o
sentimento de submissão, de silêncio e quietismo. As relações criadas
são
paternalistas, não favorecem a comunicação, o intercâmbio, o estabelecimento de
uma vida comunitária que levasse o homem a exercitar
a sua vocação à
59
A vida econômica brasileira foi marcada pelos vários ciclos de exploração dos
recursos naturais: o ciclo da exploração da madeira, o ciclo da borracha, o ciclo do cacau, o
ciclo do ouro, etc...
60
A agricultura de exportação também obedeceu a ciclos: sobretudo o ciclo da canade-açúcar e o ciclo do café, que respectivamente coincidem com a intensificação do uso da
mão de obra escrava e da migração européia para terras brasileiras.
76
responsabilidade, à participação consciente na construção de uma vida social
democrática.
A vida privada e pública, centrada em um poder externo, acarretava como
conseqüência a criação de uma “consciência hospedeira da opressão”, submissa
à autoridade externa.
“Não será exagero falar-se de um centro de gravitação de nossa vida privada e
pública, situado no poder externo, na autoridade externa. Do senhor das terras.
Das representações do poder político. Dos fiscais da Coroa, no Brasil Colônia.
Dos representantes do Poder Central, no Brasil Império. O que estas
circunstâncias propiciavam ao povo era a introdução desta autoridade externa,
dominadora; a criação de uma consciência hospedeira da opressão e não uma
consciência livre e criadora, indispensável aos regimes autenticamente
democráticos” (FREIRE, 1967: 71).
As diretrizes econômicas do processo colonizador dificultavam a criação de
centros urbanos que favorecem a constituição de uma classe
independência
econômica.
Os
poucos
centros
urbanos
média com
eram
criados
compulsoriamente, como respostas às necessidades externas e aos que exerciam o
poder colonizador.
Durante o período colonial não foi permitido ao brasileiro amadurecer formas de
solidariedade coletiva e política. Submetido a um poder exarcebado, induzido à
acomodação e não à integração, não teve oportunidade de interferir na
estruturação da vida social. O homem comum era excluído do precário processo
eletivo, estritamente seletivo, reservado à pequena nobreza e aos que detinham o
poder econômico, aos quais era entregue as funções públicas do governo.
“Dentro da estrutura econômica do grande domínio, com o trabalho escravo,
não teria sido possível um tipo de relações humanas que pudesse criar
disposições mentais flexíveis capazes
solidariedade
de levar o homem a formas de
que não fossem as exclusivamente privadas. Nunca, porém, a
solidariedade política” (FREIRE, 1967: 73) .
A instalação da Corte Portuguesa no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1808,
provocou algumas mudanças incipientes: o reforço do poder das cidades, a
industrialização, o desenvolvimento das atividades urbanas, o nascimento de
escolas, etc... O poder do patriarcado rural perde influência, o que já tinha
começado a ocorrer com a fase da mineração aurífera, que descentralizou os
77
locais de poder e decisão61. A burguesia urbana enriquece e torna-se o pólo de
poder substituto do poder rural, até então todo poderoso.
As idéias dos novos bacharéis brasileiros, formados na Europa, contribuíram para
a formação de uma mentalidade urbana, que reproduz no Brasil as idéias e a
cultura européia. É a tentativa de “europeização” do país, reforçando a
inexperiência democrática.
Com o fim do Império, o Brasil procura estabelecer uma estrutura de Estado
Nacional democrático, mas sem considerar as particularidades do contexto
nacional:
“Superpúnhamos a uma estrutura economicamente feudal e a uma estrutura
social em que o homem vivia vencido, esmagado e ‘mudo’, uma forma política e
social cujos fundamentos exigiam, ao contrário do mutismo, a dialogação, a
participação, a responsabilidade, política e social” (FREIRE, 1967: 79).
A democracia política pressupõe a democracia de vida e não poderia produzir
resultados imediatamente positivos onde o povo não foi educado para participar.
O povo resta sempre fora dos acontecimentos, mesmo com a proclamação da
República, em 1889.
As alterações sócio-político-econômicas que propiciaram a transitividade
brasileira tiveram início no fim do século passado, com as restrições ao tráfico
negreiro e a abolição da escravatura. Com estes fatos começa a política que
favorece a imigração estrangeira, o trabalho livre e o início de um novo regime
político: a República.
Mas é somente no século XX, após as duas grandes guerras, que se desenvolve
com intensidade o processo de industrialização e urbanização.
As mudanças começam no campo da cultura, das ciências, da pesquisa. Inicia-se
um processo de conhecimento e de identificação com a realidade nacional. É um
período de participação e de abertura. Paulo Freire vive este momento e dele
deseja participar não só como cidadão, mas dar a sua contribuição como
educador, para efetivar, nessa fase de passagem, uma madura experiência
democrática.
61
Período em que são criadas algumas cidades em São Paulo, Rio de Janeiro e
sobretudo Minas Gerais, a região aurífera por excelência.
78
8. Considerações Finais
Paulo Freire constata que o Brasil vive uma fase de trânsito, um novo clima
cultural, fruto do superamento de uma sociedade fechada, marcada pela alienação
cultural, pela imersão das massas, com elites distanciadas do povo. Ele considera
importante captar os novos anseios que poderiam levar a uma sociedade aberta,
mas que, se destorcidos, poderiam conduzir a uma sociedade de massas, onde o
homem é acomodado e domesticado. Sente o imperativo de captar novos temas e
novas tarefas que sejam significativos e que correspondam às expectativas da
sociedade em trânsito.
Ele reconhece que, nesta fase de trânsito da sociedade brasileira, a educação
exerce uma função relevante. A sua força estaria relacionada à capacidade de
incorporação do homem ao dinamismo da nova época, sendo capaz de perceber
criticamente este novo momento intermediário que traz consigo resquícios da
velha sociedade. É um período de contradições, de recuos e avanços, onde
convivem elementos do velho e do novo que se anuncia.
O ponto de partida da transição brasileira era o de uma sociedade fechada,
caracterizada por uma economia comandada por um mercado externo, com
dificuldades de mobilidade social vertical ascendente, com vida urbana precária,
com alto índice de analfabetismo, uma situação de alienação cultural. Com a
ruptura das forças que a mantinham em equilíbrio, esta sociedade se desestrutura
pressionada por fortes alterações econômicas a nível mundial e pelo processo
interno de industrialização. Os sinais de abertura eram mais presentes nas cidades
que na zona rural que apresentava sinais de fechamento. O grande fechamento
deste momento contraditório, mas promissor, era o de captar as novas forças,
empregá-las para a construção de uma sociedade preponderantemente aberta, em
oposição aos que pretendiam, reacionariamente, impedir o processo de trânsito,
com inclinação à radicalidade das opções: radicalidade crítica dos que desejam, a
partir do momento de trânsito, construir um novo tempo; radicalidade violenta
dos que pretendem manter as estruturas que legitimam o “status quo” da antiga
sociedade. Para ambas as tendências, existia o perigo da sectarização, isto é, de
um agir emocional, acrítico e antidialogal, que pretende impor ao outro a sua
cosmovisão, com grande tendência ao ativismo irrefletido.
79
Paulo Freire sentia que, na atualidade brasileira, havia o predomínio dos sectários
de direita, o que colocava em risco os destinos democráticos do país que, incapaz
de um projeto autônomo de vida, buscava soluções transplantadas de outros
contextos, porém inadequadas para o momento nacional, que geravam
pessimismo e desconfiança:
“O clima de esperança das sociedades desalienadas, as que dão início àquela
volta sobre si mesmas, auto-objetivando-se, corresponde ao processo de abertura
em que nelas se instalam. Ora, qualquer ameaça de recuo neste trânsito, de que
o irracionalismo sectário é causa e efeito, e de que resulte um retorno ao
fechamento, constitui um impacto destruidor ou quase destruidor da esperança.
Sentíamos que o Brasil marchava para a tragédia de um recuo. E a esperança
que nascia da descoberta que a sociedade fazia de si mesma como inacabada,
seria diluída sob a pressão louca dos irracionalismos. A descoberta
do
inacabado fazia da esperança uma legenda que, ameaçada por aquela loucura,
deixaria a sociedade ‘fadada a morrer de frio’. Morrer de frio é o destino dos
que não vêem, sejam homens ou sociedade; e só na busca do renovar-se estará
sua vitalidade. Só na convicção permanente do inacabado podem encontrar, o
homem e as sociedades, o sentido da esperança. Quem se julga acabado está
morto . Não descobre
sequer sua indigência. A sociedade brasileira, que
iniciava o aprendizado da esperança, pode agora, muito antes de se julgar
ilusoriamente acabada, assistir ao sepultamento
da sua esperança. E suas
gerações mais jovens podem cair numa apatia, numa alienação, num novo
ativismo. Tudo desesperança” (FREIRE, 1967: 52-53).
Na sociedade em trânsito surge a esperança, que se opõe à sectarização, fruto da
auto-confiança que leva a substituir as soluções importadas, transplantadas, por
projetos e planos, frutos da capacidade de ver a realidade com olhos críticos e
potencialidade humana de projetar. Nesta circunstância, há um otimismo que se
desenvolve paralelamente ao senso de responsabilidade, fruto da consciência de
ser participante efetivo da gestação de um novo tempo, que nasce das ruínas da
antiga sociedade em desmoronamento.
Lembrando Mannhein62, Paulo Freire denomina este tempo de “democratização
fundamental”. No momento de trânsito ocorre a emersão das massas, que
62
Karl Mannhein (1893-1947) é um pensador húngaro. Ele se preocupou com as
formas concretas do pensar, sobretudo as relações entre os diversos tipos de sociedade e as
80
exprime o desejo de participação social e se constitui em uma ameaça às elites
dirigentes. Estas procuram manter o povo fora do círculo das decisões,
consideram-no incapaz; em posição de inferioridade, procuram-no reconduzí-lo
ao silêncio e ao imobilismo da sociedade fechada. Os que se rebelam e se
integram no dinamismo do trânsito são etiquetados de subversivos, rebeldes,
ameaçadores da ordem. Reconhecendo as suas contradições, a elite dominante
assume, em relação ao povo, uma postura acentuadamente assistencialista,
antidialogal, que não suscita a participação e o envolvimento responsável, mas
está ligada ao fenômeno da massificação.
Esta postura assistencialista é orquestrada por forças reacionárias internas que
são nucleadas em torno de interesses latifundiários e se juntam a forças externas,
interessadas não na transformação da sociedade brasileira, mas em manter uma
dominação cultural, política e econômica (Cf. FREIRE, 1967: 57). No contexto
de emersão do povo brasileiro, na fase de trânsito que, entre as contradições e
possibilidades, traz a esperança de uma participação responsável, Paulo Freire
sente a necessidade de ir ao encontro das pessoas, emersas nos centros urbanos e
em emersão na zona rural, para ajudá-las a inserirem-se neste processo. Pretende
efetuar a sua contribuição através de uma educação que viabilize a
“reflexão sobre si mesmo, sobre, suas responsabilidades, sobre seu papel no
novo clima cultural da época de transição. Uma educação que lhe propiciasse a
reflexão sobre o seu próprio poder de refletir e que tivesse sua
instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse poder, na
explicitação de suas potencialidades, de que decorreria na capacidade de
opção” (FREIRE, 1967: 59).
O processo educacional, pensado por Paulo Freire, deveria ser o de uma educação
para o desenvolvimento e para a democracia que não promovesse o
desenraizamento cultural, desejado pela civilização industrial que se implantava.
Uma educação com objetivos práticos definidos, determinados pelo momento
histórico vivido, orientada para capacitação do homem no sentido de reconhecer-
diferentes formas de pensar. Ele procura ressaltar a importância dos fatores sociais na origem
do pensamento. O seu pensamento influencia as idéias pedagógicas de Paulo Freire. Para
uma compreensão desta influência sugiro a leitura de V. P. PAIVA, Sobre a Influência de
Mannhein na Pedagogia de Paulo Freire, in Síntese 14, Belo Horizonte, 1978, p. 43-63.
81
se criador responsável pela história, não desconhecendo as suas condições
culturais:
“Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua
problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos
de seu tempo, para que consciente deles, ganhasse a força e a coragem de lutar,
ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu róprio «eu», submetido às
prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo constante com o
outro. Que o predispusesse a constantes revisões. À análise crítica de seus
‘achados”. À uma rebeldia, no sentido mais humano da expressão, que o
identificasse com métodos e processos científicos” (FREIRE, 1967: 89-90).
Paulo Freire procura um método alfabetizador que não seja somente
alfabetizador, mas conscientizador e transformador do homem e das estruturas da
sociedade. Pela intensidade da sua preocupação e pelos seus propósitos, pode-se
dizer que não é a alfabetização que conduz e determina a conscientização, mas é
o processo conscientizador que compreende a alfabetização e determina a
transformação; não como fases sucessivas, mas elementos integrantes de um
único processo dialético, em que o homem, conscientemente, retoma a criação da
sua história, em diálogo com os outros.
Paulo Freire tinha claro que o problema não era só o analfabetismo. A resposta
educativa não deveria consistir em ensinar a ler e escrever. Era imperativo a
necessidade de uma “transformação estrutural” do homem para que se adequasse
ativamente ao novo tempo vivido:
“Entre nós, repita-se, a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa
constante de mudança de atitude. De criação de disposições democráticas
através da qual se substituíssem no brasileiro, antigos e culturológicos hábitos
de passividade, por novos hábitos de participação, e ingerência, de acordo com o
novo clima de fase de transição. (...) O nosso grande desafio, por isso mesmo,
nas novas condições da vida brasileira não era só
o alarmante índice de
analfabetismo e a sua superação. Não seria a exclusiva superação do
analfabetismo que levaria a rebelião popular à inserção. A alfabetização
puramente mecânica. O problema para nós prosseguia e transcendia a
superação do analfabetismo e se situava na necessidade de superarmos também
a nossa inexperiência democrática. Ou tentarmos simultaneamente as duas
coisas” (FREIRE, 1967: 93-94).
82
A
concretização
desta
alfabetização
conscientizadora
deveria
passar
necessariamente através de um método ativo, dialogal e crítico; na modificação
do conteúdo programático da educação; no uso de técnicas como a da “Redução”
e da “Codificação” (FREIRE, 1967:106) e uma antropologia consistente e
equilibrada.
9. Referências Bibliográficas
BANDERA, Armando. Paulo Freire: um pedagogo. Caracas: Universidad
Andrés
Bello, 1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
______. Extensión o Comunicación? La Conscientización en el Medio Rural.
Santiago: ICIRA, 1969.
______. Teoria y Prática de la Liberación. Madrid: Marsiega, 1972.
______. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967.
______. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
VANUCCHI, Aldo. Paulo Freire ao Vivo. São Paulo: Loyola, 1983.
83
Educação liberal e desafios do ensino de filosofia.
Heitor Reis de Oliveira63.
Introdução.
O texto presente não pretende esgotar todas as possibilidades de uma educação
liberal nem tampouco examinar exaustivamente todos os desafios do ensino de
filosofia no ensino médio, mas expor algumas pré-concepções inconvenientes ao
ensino de filosofia e mostrar como o seu ensino é elemento de uma educação
liberal.
O maior desafio ao ensino da filosofia é a delimitação do seu valor, isso porque o
conhecimento é tomado em termos utilitários.
O exercício de investigação filosófica é a busca de um espírito isolado, único
testemunha de si próprio, assim nos confirma a experiência religiosa de Santo
Anselmo para quem é dever da alma racional adorar a fonte de toda racionalidade
que é Deus, de modo que nesse caso, mesmo o diálogo com o monge Gaunilo,
uma reunião de duas pessoas, a Koinonia64, não exclui a participação individual
do homem na busca pela verdade, que para ele é o fio condutor da fé racional ou
numa expressão comum à época fides quaerens intelectum65.
Certas experiências religiosas, ainda que misteriosas, revelam um esforço de
articulação conceitual, que é o que constitui parte do fazer filosófico. Mas se a
um homem é possível, sob certo aspecto, empreender solitariamente a
63
Estudante de Graduação da Universidade Federal da Bahia.
A Koinonia significa comunhão, vem do termo grego Koiné, comum, a comunhão da Igreja, irmandade em
Anselmo e Gaunilo, personagem do Proslógio de Anselmo, não exclui a individualidade da busca pela verdade, pois a
verdade só pode ser testemunhada pela alma individual, cada uma em seu turno.
65
Fides quaerens intelectum quer dizer: Fé que busca o entendimento, trata-se do espírito da filosofia medieval, a
conciliação entre fé e razão, a unidade mística da experiência religiosa busca articular-se em conceitos de uma
Teologia sistemática.
64
84
investigação filosófica, sob nenhum aspecto o ensino de filosofia é solitário, isso
porque como diz Michael Oakeshott a contraparte do professor é o aluno.
Werner Jaeger, na sua obra Paidéia, ilustra de modo exemplar o quadro das
nossas considerações:
Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente
inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade
humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual. Com a
mudança das coisas, mudam os indivíduos; o tipo permanece o mesmo. Homens e
animais, na sua qualidade de seres físicos, consolidam a sua espécie pela
procriação natural. Só o Homem, porém, consegue conservar e propagar a sua
forma de existência social e espiritual por meio das forças pelas quais a criou,
quer dizer, por meio da vontade consciente e da razão. O seu desenvolvimento
ganha por elas um certo jogo livre de que carece o resto dos seres vivos (...).
(JAEGER, p. 3).
Os limites existentes entre a vida da comunidade e a vida do indivíduo são tema
corrente no pensamento político, entre os que se dizem liberais, há os que
exageram as prerrogativas do indivíduo, como se sua existência isolada fosse
fonte primária dos direitos e da própria sociedade, mas a liberdade não é um
princípio de constituição social, pois se fosse, seria o princípio que se auto-anula,
a comunidade sucumbiria pela falta total de governo do ethos comum, a liberdade
é antes uma região colorida entre a vida comunitária e a vida interior de cada
indivíduo.
Desenvolvimento do problema.
Mas surgem algumas questões no curso de nossas considerações, se o uso
consciente da vontade e da razão torna livre o jogo da nossa existência, a filosofia
não seria então um instrumento de transformação do Mundo?
Uma pergunta infame, freqüentemente feita a jovens professores de filosofia é
esta “Para que serve a filosofia”, no afã de exaltar o valor da filosofia, da
legitimidade do seu ensino, o jovem professor falará de como a filosofia nos
ajuda a falar com eloqüência, de como podemos arranjar um bom emprego ou, o
que é pior, que podemos por meio desta transformar a realidade.
A ideia de transformar a realidade envolve duas considerações prévias, a noção
de uma realidade perecível e que, justamente por isso, pode ser transformada e a
85
ideia de que a filosofia é um trabalho como o são a torneadura mecânica e a
construção de edifícios.
O valor da filosofia não está na possibilidade de com esta mudarmos a realidade,
mas no simples fato de que o homem é o único animal que se impõe
questionamentos e considerações sobre a existência, assim a investigação
filosófica é antes uma inquietação típica de consciências cientes de si, de modo
que no âmbito da espécie humana esta nos singulariza enquanto natureza, distinta
das outras naturezas animais, e no âmbito da comunidade organizada esta
representa o acúmulo das vivências civilizatórias.
Mas se o valor da filosofia está no artifício civilizatório, não se deve concluir a
partir disso que esta seja “prática”, isso porque o campo de ação própria de um
indivíduo é muito limitado, a civilização por sua vez é fruto do acúmulo milenar
de experiências religiosas, morais, intelectuais e econômicas que ultrapassam em
muito a capacidade de agir de um só indivíduo, ou mesmo de uma só geração.
Assim nos diz Olavo de Carvalho, no Sócrates e Platão:
Então, é aí mesmo que qualquer ideia de transformação revolucionária da
sociedade é uma ideia monstruosa em si e deve ser cortada in limite. Nenhum ser
humano tem capacidade para fazer isso. Uma revolução que vai melhorar a
sociedade é como a história do Barão de Munchausen. O sujeito vai se tirar de
dentro da água puxando pelo próprio cabelo. O ser humano, o indivíduo humano,
uma geração humana não tem capacidade para fazer isso de jeito nenhum.
(CARVALHO, p. 47 e 48).
A ideia freqüentemente expressada por professores bem intencionados, de que
toda educação é política esconde uma face perversa, o risco de politização total
da cultura e do pensamento, risco presente no abandono da noção de objetividade
científica, sob a alegação de que a neutralidade política é impossível, o que é um
grande equívoco, pois neutralidade e objetividade são conceitos distintos, em
filosofia, por exemplo, podemos entender um conceito ou argumento sem
concordar com estes, ninguém pode de um só golpe demolir seu conjunto de
crenças, e mesmo quando alguém o propõe o faz mais como um método de
conversação filosófica do que como um processo psíquico real, ainda assim não é
legítimo usar tal peculiaridade da mente humana como desculpa para o abandono
do esforço de objetividade.
86
Esse raciocínio parte de pressupostos, quase sempre obscuros para pessoas muito
jovens, ou pouco experimentadas no exercício filosófico, o professor nesse caso
ocupa sempre uma posição mais vantajosa, mesmo quando ele próprio não
compreende a gênese total do seu pensamento e as implicações morais e sociais
do que acredita.
Os pressupostos que vinculam todo pensamento ao nível político baseiam-se
numa ideia negativa de uma natureza humana ou mesmo da inexistência de tal
natureza. Muitas vezes se decidem pela absoluta impossibilidade da existência de
Deus ou de qualquer realidade transcendente ao mundo sensível.
Nenhum professor de filosofia é obrigado a crer na existência de Deus, pode até
mesmo apresentar severas críticas contra a noção de metafísica associada ao
exercício de investigação filosófica, mas é um grande desafio da educação liberal
não sujeitar aqueles que dependem de nós a tão redutoras visões de mundo, não é
por acaso que muitos jovens iniciados no estudo de filosofia nutrem fortes
reservas, quando não grosseiros pré-conceitos contra filósofos antigos e
medievais.
Encontram o termo “política” em acepções maquiavélicas, aqui o uso refere-se
mesmo a Nicolau Maquiavel66, para quem a crueza do poder foi mais que
evidente, e mesmo quando empregamos o termo no ensino de certas ciências, não
é para enfatizar a noção de bem comum, implicada na ideia de político, mas para
justificar um uso instrumental da educação, colocando o ensino ao baixo serviço
da simples inculcação, como se nos preparássemos para uma guerra civil
iminente, tomamos a crueza do poder político como norma de nossas ações.
Observamos no fato um valor, o que é a um só tempo uma falácia, semelhante
àquela que diz que se a violência é um fato político deve ser usada como meio de
transformação da própria política, pois de uma ocorrência não se deriva um valor,
diríamos non sequitur, e uma perversidade contra pessoas muito novas, o que
prejudica a formação intelectual e, por conseguinte, o uso que esses jovens
venham a fazer de sua liberdade.
Conhecendo as objeções dos que defendem que a curiosidade não é comum nos
jovens nem nas pessoas de modo geral, visto que o senso comum parece inibir
toda tentativa de livre iniciativa intelectual, afirmamos que a educação é uma
66
A crítica desse ponto não se refere à teoria política de Maquiavel, mas ao trânsito desta ao trabalho de educação
escolar.
87
iniciação na apreciação de um valor, essa visão cara a Richard Peters é uma
perspectiva interessante para o ensino de filosofia.
Isso porque a educação liberal é uma παιδεια67, o ensino de filosofia tem como
fim a formação do indivíduo, a Paidéia contém o substrato material do patrimônio
intelectual da tradição68, tradição que nos é legada por herança, mas cujo fim
testamentário se efetiva pela educação, M.Oakeshott foi muito feliz nessa
observação, a herança é legada por direito de sangue, as tradições comuns são
transmitidas pelo costume, mas as mais altas realizações do espírito humano só
nos vêm pela educação. Assim o direito a educação é mais do que o direito a um
futuro próspero, mas um direito de propriedade a um passado rico.
É verdade que o ensino de filosofia percorre as vias da tradição, tradição
filosófica, termo comum entre os historiadores da filosofia, usado para se referir à
história do pensamento, documentada pelo registro literário, mas o ensino da
filosofia não deve ser confundido com mera transmissão de erudição, pois não
estudamos filosofia para entender filosofia, estudamos o registro literário para ter
acesso ao pensamento que nos guia na compreensão do mundo, estudamos
filosofia para entender a realidade.
Curiosamente essa concepção do ensino de filosofia, aparentemente tão banal, é
confusamente divisada por muitas pessoas imbuídas da prática e do ensino de
filosofia. Alguns dizem, por exemplo, que estudamos Platão e Aristóteles para
entender Hegel, vinculam o valor do pensamento antigo ao poder discricionário e
ajuizante do pensamento moderno, essa visão parte evidentemente de um vício
intelectual, aquilo que Olavo de Carvalho bem definiu alhures como
cronocentrismo.
Vemos no tempo presente o topo de todas as épocas porque não valorizamos o
julgamento dos antigos, é certo que a leitura dos antigos pode nos ajudar na
leitura dos pensadores modernos, é certo também que a relatividade do nosso
contexto histórico pode dificultar a leitura dos pensadores de outrora, mas os
grandes empreendimentos do espírito humano ultrapassam a cultura local, são
67
O termo referido no texto acima está escrito em alfabeto grego, sua transliteração existe na língua portuguesa
como Paideia, significa formação, educação, o próprio termo é ambíguo para nós, modernos. Jaeger explicita a
complexidade do termo para os gregos em obra já citada neste texto.
68
A crise da tradição foi abordada por Hannah Arendt como uma questão de relevância para a educação, a crise da
tradição contém a crise na educação, nossa observação sobre o lugar da tradição na educação vem em consonância
com Arendt reafirmar o valor da tradição.
88
então supra contextuais, assim se devemos adentrar no pensamento antigo é
somente porque podemos interpretar o mundo à luz deste.
A interpretação pressupõe uma unidade semântica entre o sinal que designa e o
real designado, o entendimento do fino mecanismo dessa unidade é algo que
ocupou a mente de muitos pensadores, mas para a prática do ensino de filosofia a
unidade do sentido deve ser tomada como um dado, possibilidade mesma da
interpretação textual, o que se interpreta não é o texto tão somente, mas a
realidade à luz do texto.
Se tivéssemos que entender o texto em si mesmo, sem fazer remissão a algo fora
deste, cairíamos sem dúvida numa absurdidade enlouquecedora. O pensamento se
encaminha na compreensão do real, de forma que não lemos o texto para
examinar a argumentação, examinamos a argumentação para atingir a
radicalidade do pensamento no texto.
Não é debalde que estudamos filosofia, é vã portanto a dicotomia entre o ensino
da crítica filosófica e o ensino de história da filosofia, de que outro modo
pensaríamos a crítica sem algo a ser criticado? Quando se diz que a história da
filosofia é um guia na compreensão da realidade não se diz que devemos assentir
a toda doutrina filosófica, mas compará-la com a realidade.
Algo ainda precisa ser salientado em nossa observação, fato concreto em que
radica o grande valor do ensino de filosofia, a mera existência de uma tradição
filosófica atesta que grandes questões tomaram conta dos pensamentos da
humanidade, a busca de um sentido para a existência de uma vida consciente,
aqui não é a mera existência literária que justifica o valor do pensamento
especulativo, uma vez que a existência da tradição é apenas um índice de um
sentido humano mais profundo, isso vale também para as ciências naturais,
Stephen Hawking nos diz que a teoria da relatividade e a mecânica quântica já
nos deram grandes avanços técnicos, por isso uma teoria unificada não afetaria
nossa maneira de viver, de modo que o simples desejo de conhecer é o móvel
para conhecer.
Alguns pensadores69 sustentam que o anseio de saber é um anseio de poder, que
em toda curiosidade natural dorme um profundo desejo de dominar, como se uma
69
Dois filósofos sustentam este pensamento: Frederico Niesztche e Michel Foucault, este último é particularmente
notável porque sua tese desemboca nas teorias da desconstrução segundo as quais não há conhecimento objetivo do
mundo, pois toda filosofia e ciência não passam de imposição narrativa, no caso de Foucault estas narrativas são
atravessadas por mecanismos de poder, não cabendo a ninguém entendê-las analítica e dialeticamente, mas
89
libido dominandi fosse a única força promotora da inventividade do espírito
humano, está concepção não nos parece pedagogicamente viável, visto que os
alunos seriam tomados como pequenos demônios, os limites éticos desse
arrazoado teórico instam-nos a buscar outras referências teóricas, pois de que
forma podemos educar jovens crendo que são pequenos demiurgos do mal?
Natureza do objeto de ensino.
É necessária para a compreensão do valor do ensino de filosofia uma devida
explicitação da natureza do seu objeto. A filosofia é como foi dito acima uma
investigação, depende, portanto de uma livre atuação do espírito no exame da
realidade, sua relação com a liberdade é mais íntima do que política, pois a livre
fruição da inteligência não é conquistada após o saber, mas é condição mesma
das operações do intelecto.
Mas ainda não nos é bastante clara a natureza dessa investigação, há certas
investigações que de forma alguma são um fazer filosófico, temos a pesquisa
historiográfica e a perícia criminal como formas de investigação, o historiador
visa dar uma correta interpretação aos dados documentais enquanto que o perito
busca entender as intenções de um agente criminoso por trás dos indícios de seu
percurso na cena do crime.
A especificidade da investigação filosófica repousa na natureza dos seus
problemas, o perito criminal, visa resolver um problema de ordem da conduta
moral70 e civil, aqui a obtenção da verdade tem uma implicação direta e ordinária
na vida de determinadas pessoas, o filósofo quase sempre se encontra em
perplexidade, visto que sua investigação culmina com outros problemas, à
filosofia é impossível resolver questões pontuais sem ultrapassar os limites destes
domínios.
Eis então uma das razões porque a filosofia apresenta-se como ciência
contemplativa, visto que o objeto de sua inquirição pode ser comparado a um
cubo, deste temos, segundo a fenomenologia, o paradigma de uma experiência
consciente, quando o vemos de um de seus lados não deixamos de notar os lados
ausentes, a realidade inteira apresenta-se como desvelamento e ocultação.
desconstruí-las como se fossem “ideologias”. O inconveniente disso aparece exaustivamente neste texto, suas
conseqüências são a negação da noção de verdade pelo desmonte da noção de objetividade do conhecimento teórico e
uma pedagogia perversa que toma os alunos como potências de liberdade negativa.
70
A investigação filosófica também tem relevância moral, visto que seu valor depende da liberdade de consciência,
mas seu efeito ético é mais amplo, difícil portanto de ser observado como fenômeno.
90
O simples ato de dominar o desvelado não nos garante o conhecimento do oculto,
para conhecer é preciso transitar entre os sucessivos instantes de aparição dos
fenômenos ou intuir o que, em princípio, não pode ser imediatamente percebido.
Aquilo a que chamamos de realidade como objeto da investigação filosófica é
uma ordem de complexidade crescente, com efeito, essa pesquisa é mais parecida
com a historiografia71, porque neste caso a obtenção da verdade não afeta
diretamente às pessoas, ainda que afete a todas em dimensão mais ampla, mas se
distingue desta porque sua compreensão da realidade é mais abstrata.
A abstração, nós sabemos, é a remoção operada na mente das notas
caracterizantes do concreto, a realidade é concretamente e nós a enunciamos de
forma abstrata. Mário Ferreira dos Santos chama atenção para o fato de que a
abstração é um processo naturalmente psicológico, quando tendemos a pensar
que se trata apenas de um artifício lógico, a intuição sensível não pode captar a
totalidade do objeto sem desprezar algumas de suas notas, como quando vemos
uma mesa de vidro transparente sem notar o seu matiz levemente esverdeado.
Obviamente é requerido um processo lógico nas abstrações operadas por análise,
quando, por exemplo, a compreensão do concreto pertence a uma realidade mais
complexa, e que precisamente por isso não pode ser diretamente intuída pela
percepção.
O saber filosófico é eminentemente especulativo, não despreza a observação dos
fatos empiricamente constatáveis, mas ordena-nos segundo graus de relações e
valores, visando abarcar em seu campo a estrutura inteira da realidade, nesse
sentido difere da ciência cuja investigação se detém em regiões do real e cujo
saber não pode, em princípio, estabelecer a hierarquia axiológica.
Os problemas filosóficos, nós os podemos conhecer certamente pela leitura dos
pensadores da tradição, são tais como o que é a justiça, o que podemos conhecer
e o que somos, mas por trás dessa massa literária muita densa o que se encontra
são questões que todo homem comum foi capaz de fazer a si mesmo, os
problemas filosóficos são interrogações profundas de uma vida consciente.
A natureza dos problemas filosóficos é tal que os encaminha para a investigação
de uma realidade de complexidade crescente, o saber filosófico alcança então um
elevado grau de abstração do real.
71
Evidente que uma certa compreensão da história orienta nossas ações no presente, mas o indivíduo comum mal
pode avaliar o efeito que tem a civilização passada sobre si.
91
Pré-requisitos do ensino de filosofia.
A abordagem do ensino de filosofia não ficaria completa se não apresentássemos
os pré-requisitos para o estudo dos problemas filosóficos.
Não é banal ressaltar que o ensino de filosofia só faz sentido se o aluno for capaz
de ler, por exemplo, diálogos de Platão, cartas de Sêneca ou fragmentos inteiros
de texto que contenham argumentos completos. Caso não, esse ensino será vão e
seu valor será nulo.
O conceito é o termo mínimo da investigação filosófica, entretanto sendo mínimo
depende da maturação dos processos psicológicos e lingüísticos para ser
formulado, assim o ensino das partes mais abstratas da sapiência humana deve
atentar primeiro à faixa etária e depois ao nível de aquisição lingüística e cultural
do aluno.
A fase biológica final da adolescência e um amplo domínio da língua vernácula
são condições indispensáveis ao ensino de filosofia, é necessário por isso
respeitar a idade e a escolaridade correta do aluno para que o ensino não se
converta em deformação intelectual.
A experiência de vida, própria de uma idade mais madura, aliada aos conceitos
simbólicos das abstrações superiores permite encetar uma confrontação dialética
do conceito com a realidade.
Dialética consiste no confrontamento dos conceitos com o dado das intuições e
com a visão corrente que se tem do mundo, na falta de definição mais precisa,
está cabe-nos suficientemente para o ensino de filosofia na escola básica, a
constante comparação dos conceitos com os objetos da intuição permiti-lhes
enriquecer o conteúdo das abstrações, depois da necessária fase analítica em que
o aluno examina definições.
Além de um amplo domínio da língua vernácula, que envolve um bom
conhecimento da gramática e uma intimidade com a literatura, o aluno precisa
aprender lógica. A Lógica é definida contemporaneamente como ciência da
inferência válida, mas a minúcia desses problemas teóricos não nos interessa
aqui, cabe-nos somente saber que para o ensino de filosofia na educação básica a
lógica deve ser compreendida como aquela ciência que cuida da argumentação e
das análises dos conceitos.
Conclusão.
92
Observamos que a pergunta pela utilidade da filosofia é uma má introdução ao
seu ensino, isso porque o valor do conhecimento só pode ser medido por quem
conhece, a formação intelectual pode lograr muitos avanços técnicos, mas sua
real medida excede em muito os termos utilitários, de modo que o ensino da
filosofia tem como matéria prima a liberdade essencial e irredutível do indivíduo,
essa liberdade não exclui a vida em comum com outras pessoas, mas não pode ser
traduzida em termos exclusivamente políticos.
Referências
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. In: A Crise na Educação. São
Paulo: Perspectiva, 2002.
CARVALHO, Olavo de. Sócrates e Platão. São Paulo: Realizações, 2002.
CARVALHO, Olavo de. O Futuro do Pensamento brasileiro. São Paulo:
Realizações, 2010.
DOS SANTOS, Mário Ferreira. Convite à Filosofia e à História da Filosofia.
São Paulo: Editora Logos ltda, 1962.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Editora Loyola, 2011.
HAWKING, S. W. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
JAEGER, Werner. Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
OAKESHOTT, M. “Learning and teaching”. in PETERS, OAKESHOTT,
M.Learning and teaching. In: Peters, R.S. (org.). The concept of education.
London: Routledge & Kegan Paul, 1968.
PETERS, Richard. Educação como iniciação. In Educação e Análise Filosófica.
Archambault. (org.). São Paulo: Saraiva, 1979.
SOKOLOWSKI, Robert. Introdução à Fenomenologia. São Paulo: Editora
Loyola, 2004.
93
Do modo de existência dos objetos técnicos: implicações entre o
ensino refletido da técnica e a aprendizagem do pensamento
conceitual em filosofia
Américo Grisotto
Universidade Estadual de Londrina – PR
[email protected]
O propósito deste trabalho de pesquisa, assentado no “ensino refletido da
técnica”, consiste em problematizar a tendência, comum entre nós, que opõe
cultura, de um lado, e o mundo técnico e tecnológico, de outro. Se, no presente
momento, nos vemos cada vez mais envolvidos pela técnica e pela tecnologia, o
que significaria pensarmos tal circunstância de envolvimento associando-a ao
domínio cultural? Ou seja, se a atual relação com a técnica, bem como com a
tecnologia, parece prescindir da cultura, quais seriam as possibilidades de
pensarmos tal relação pelo viés de uma incorporação dos objetos técnicos e
tecnológicos ao domínio cultural? Desse modo, a presente iniciativa, ao
perscrutar as possibilidades e potencialidades do pensamento cultural incorporado
à esfera da técnica e da tecnologia, teve como pretensão não apenas situar tal
problemática, mas também, nesse mesmo quadro, aventar a hipótese de que tais
questões, longe de serem alheias à realidade humana, sempre permearam seus
modos de existência e podem continuar, ainda hoje, por intermédio dessa mesma
imbricação entre cultura e técnica, a projetá-los com maior vigor, segundo novas
relações com o mundo e com a vida. E termos concretos, o desenvolvimento
deste trabalho de pesquisa deu-se no âmbito do projeto Técnica, tecnologia e
educação em Heidegger e Simondon: destruição do pensamento ou ampliação da
94
experiência?, elaborado junto ao departamento de filosofia da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), e objetivou, também, colocar em destaque aspectos
concernentes à filosofia e à sua aprendizagem a partir das contribuições teóricas
propostas por Simondon em sua obra Do modo de existência dos objetos técnicos
quando trata do pensamento filosófico, ou do ensino refletido da técnica. Tal
abordagem, que imbrica teoria e prática, ciências da natureza e ciências do
espírito, técnica e pensamento conceitual, nos coloca desafios tanto para o atual
cenário brasileiro da inserção/presença da filosofia nas escolas de ensino médio,
quanto para a relação entre filosofia e educação no contexto da América Latina.
Palavras-chave: objetos técnicos; conceitos filosóficos; aprendizagem em
filosofia
1. A título de introdução
Com a obra de Gilbert Simondon o panorama dos questionamentos sobre a
técnica se altera significativamente.
A propósito, tal obra tem como propósito chamar a atenção para o sentido dos
objetos técnicos. Ou seja, mostrar que, ao recusar o objeto técnico, a cultura
recusa uma dimensão decisiva da própria realidade humana, na medida em que os
objetos técnicos revelam uma realidade humana, e que tal recusa expressa uma
parcialidade da própria cultura.
Quer dizer, a própria expressão plena da cultura não se efetiva sem a
incorporação positiva dos objetos técnicos no plano da sua representação. Longe
se encontra o sistema de defesa que a cultura ou o pensamento filosófico
armavam contra técnica. Não há, portanto, oposição entre cultura (humanidade) e
técnica (desumanizadora), e sim, complementaridade. Diz Simondon:
A oposição sustentada entre a cultura e a técnica, entre o homem e máquina, é
falsa e sem fundamento; ela esconde ignorância e ressentimento. Por trás de um
humanismo fácil, ela mascara uma realidade rica em esforços humanos e em
forças naturais, e que constitui o mundo dos objetos técnicos, mediadores entre a
natureza e o homem. (SIMONDON, 1989, p. 09).
95
Os objetos técnicos são mediadores tecnológicos entre a natureza e o homem. O
que daí resulta? A explosão da identidade e a instauração da diferença. Em
primeiro lugar, não há dualidade na relação homem/natureza, pois os objetos
técnicos funcionam como mediadores, mostrando a impossibilidade de se
compreender homem e natureza sem a mediação. Ou seja, eles não podem ser
compreendidos como algo em si. Além disso, as mediações tecnológicas também
não se confundem com os pólos da mediação; em segundo lugar, mesmo a
relação homem/objeto tecnológico não é dual, haja vista a natureza mediadora do
objeto tecnológico, o que também impede de se conceber a relação homem/objeto
tecnológico como uma mera relação sujeito/objeto, pois, o objeto tecnológico
possui uma peculiaridade que o distingue dos objetos naturais: ele é mediador
entre o homem e a natureza.
A recusa da oposição entre os objetos técnicos e a cultura atinge o ponto extremo,
e aqui se institui uma relação direta com a educação, quando Simondon afirma
que é possível voltar a dar à cultura seu caráter verdadeiramente geral, por meio
da reintrodução, na cultura, de uma consciência da natureza das máquinas, das
relações que elas possuem entre si e com o homem, bem como dos valores
implicados na relação entre homem e máquina. Ou seja, se a cultura perdeu seu
caráter geral, é no âmbito da tecnologia, dos objetos técnicos – posto que a
tecnologia impõe gradativa e intensivamente sua presença em todos os domínios
da nossa vida – que ela poderá voltar a adquirir a generalidade. Complementando
esta ideia, ele afirma:
Além disso, os esquemas fundamentais de causalidade e de regulação, que
constituem uma axiomática da tecnologia, deverão ser ensinados de um modo
universal, como são ensinados os fundamentos da cultura literária. A iniciação às
técnicas deve ter lugar no mesmo plano que a educação científica [...] Uma
criança deverá saber o que é uma auto-regulação ou uma reação positiva do
mesmo modo como ela conhece os teoremas matemáticos. (SIMONDON, 1989,
p. 13-14).
A reintrodução do objeto técnico na cultura seria efetivada por uma educação
para a técnica, o que levaria, de acordo com ele, a uma “reforma da cultura, em
96
que se procederia por alargamento e não por destruição” (SIMONDON, 1989, p.
14).
Assim sendo, o ensino refletido da técnica operaria uma verdadeira reforma da
cultura ao mostrar, por um ato de inteligência, que não há oposição entre os
objetos técnicos e o homem, pois eles próprios não são em si, pois ambos
resultam de um processo de mediação, de transdução, do qual a unidade está
ausente “desde o princípio”. Transdução é o conceito cunhado pelo autor que
sintetiza, tanto o sentido relacional de homem, natureza e objeto técnico, quanto
do processo no qual cada qual se torna indivíduo. Nas palavras esclarecedoras do
próprio autor: “Não há princípio de individuação, somente processo”
(SIMONDON, 2009, p. 123).
2. Genealogia do objeto técnico e “ensino refletido da técnica” em Simondon
A que se deve a recusa à técnica e à tecnologia? A resposta a esta pergunta é
decisiva, pois nas razões que justificam a recusa serão encontradas, ora
implicitamente ora explicitamente, certas compreensões do objeto técnico,
sempre negativas, que esclarecem a própria recusa. Por esse motivo, é imperativo
perceber que não se trata simplesmente de opor um ajuizamento positivo a uma
recusa da incorporação do objeto técnica à cultura, e sim, apreender a tecnicidade
como parte de um sistema, jamais considerando-a como uma realidade isolada
(Cf. SIMONDON, 2007, p. 174). Quer dizer, não seria correto, sequer produtivo,
operar uma defesa da técnica sem fazer uma genealogia da tecnicidade, dos
objetos técnicos, sem mostrar sua gênese (Cf. SIMONDON, 2007, p. 41), sem
mostrar sua relação com as outras realizações humanas, pois, do contrário, apenas
instalar-se-ia uma nova compreensão equivocada, a saber, a da superioridade e
perfeição dos objetos técnicos sobre o humano.
Por este motivo, para Simondon (2007):
[...] o dualismo inerente ao pensamento filosófico, dualismo de princípios e de
atitudes motivado pela dupla referência ao teórico e ao prático, será
profundamente modificado pela introdução da atividade técnica considerada
como terreno de reflexão no pensamento filosófico (p. 271).
97
Na sua compreensão: “Parece que esta oposição entre a ação e a contemplação,
entre o móvel e o imóvel, deve terminar frente à introdução da operação técnica
no pensamento filosófico como terreno de reflexão e, inclusive, como paradigma”
(SIMONDON, 2007, p. 271). O autor sugere explicitamente que uma
consideração coerente sobre a especificidade da técnica mostrará a insuficiência,
e mesmo os equívocos, das operações teóricas e práticas que insistem em não
reconhecer as conexões essenciais entre técnica e cultura. Esta transformação
necessária, que não significa apenas uma transformação de “pontos de vista”,
possui um “[...] alcance epistemológico” (SIMONDON, 2007, p. 270).
Sumamente interessante é perceber que o abandono da oposição entre o teórico e
o prático, o abandono do juízo valorativo segundo o qual a contemplação seria
superior à ação, porém, deve ser efetivado, não apenas pelos críticos da
tecnologia, mas, paradoxalmente, também pelos seus defensores, pois, defender a
técnica e a tecnologia ainda não significa necessariamente que se tenha
compreendido o que elas sejam. Aliás, Simondon mostrará em sua obra que na
própria atitude inerente à defesa entusiasta da tecnologia, muito em voga nas
décadas de 1940 e 1950 em virtude dos avanços da cibernética, também se
encontra um equívoco, uma incompreensão, tanto quanto na recusa da tecnologia
ou na sua inferiorização frente à cultura. A este respeito, na introdução, ele
afirma:
O homem que quer dominar seus semelhantes suscita a máquina andróide.
Abdica, então, frente a ela, e delega-lhe sua própria humanidade. Busca construir
a máquina de pensar, sonhando em poder construir a máquina de querer, a
máquina de viver, para permanecer por trás dela sem angústias, livre de todo
perigo, isento de todo sentimento de debilidade e triunfante, de modo imediato,
por aquilo que inventou. Pois bem: neste caso, a máquina convertida pela
imaginação neste duplo do homem que é o robô, desprovido de interioridade,
representa de modo demasiado evidente e inevitável, um ser puramente mítico e
imaginário (SIMONDON, 2007, p. 32).
Ou seja, se há um equívoco crônico no juízo que opõe técnica e cultura, também
se equivocam aqueles que concebem o objeto técnico como a realização suprema
da humanidade, a partir do qual apreender-se-ia a perfeição realizada da natureza
98
humana, como se o objeto técnico realizasse com perfeição as potencialidades, ou
mesmo a essência, da humanidade. Por essa razão, a genealogia do objeto
técnico, por meio da qual se dará a introdução adequada do objeto técnico no
âmbito da cultura, operará uma reforma profunda: não apenas obrigará a desfazer
os juízos negativos sobre o objeto técnico, mas também, obrigará a uma
reformulação dos juízos supostamente positivos, porque também equivocados,
pois, do contrário, apenas inverter-se-iam os pólos e, com isso, instaurar-se-ia
uma nova incompreensão, qual seja, a da superioridade unidimensional do prático
sobre o teórico, das máquinas sobre o humano. Simondon recusa, portanto, tanto
a tecnofobia quanto a tecnolatria.
Embora estas causas sejam relevantes para a compreensão de uma dimensão
importante da recusa da técnica enquanto realidade significativa do humano,
todavia elas ainda não mostram o motivo mais decisivo para a instauração deste
equívoco milenar. A causa fundamental, ao juízo de Simondon, reside na
equiparação do objeto técnico com o instrumento, motivada pela sua submissão
ao trabalho.
O objeto técnico foi apreendido através do trabalho humano, pensado e julgado
como instrumento, co-adjuvante ou produto do trabalho. Pois bem, seria
necessário poder operar, a favor do próprio homem, uma inversão que permitisse,
ao que há de humano no objeto técnico, aparecer diretamente sem passar pela
relação do trabalho. É o trabalho que deve ser conhecido como fase da
tecnicidade e não a tecnicidade como fase do trabalho, porque a tecnicidade é o
conjunto do qual o trabalho é uma parte, e não o inverso. (SIMONDON, 2007,
p.257).
O primeiro passo da genealogia da técnica será, então, explicitar as razões para a
constituição de um equívoco milenar que consistiu em apreender o objeto técnico
como instrumento, como máquina, como alguma coisa com a qual, mediante a
forma trabalho, realizava-se alguma outra coisa. Ou seja, um objeto que,
associado ao trabalho, permitia criar outros objetos. Tal modo de conceber o
objeto técnico, embora habitual, equivoca-se no mais fundamental, pois, ao
concebê-lo como máquina (SIMONDON, 2007, p.162), como uma realidade
fechada, uma unidade absoluta, um bloco fechado, encobre-se com isso sua
99
especificidade, a saber, o seu funcionamento. Um objeto técnico define-se pelo
seu funcionamento! Por essa razão, diz Simondon (2007, p.260): “Não se pode
falar do trabalho de uma máquina, mas apenas do seu funcionamento, que é um
conjunto ordenado de operações”. E uma consideração adequada do objeto
técnico a partir do princípio ou do paradigma do funcionamento mostraria que
sua especificidade reside em seu funcionamento, não em seu caráter utilitário
(SIMONDON, 2007, p.262). Contudo, tal dimensão da realidade dos objetos
técnicos só pode ser apreendida quando for explicitado o significado da idéia,
central em Simondon, segundo a qual o objeto técnico é uma mediação entre o
homem e a natureza. O que é a mediação, entendida neste sentido? Qual é a
condição para que haja, nesse sentido, mediação?
A resposta a tais indagações conduz ao segundo passo da genealogia da técnica,
que consiste em apreender os três níveis do objeto técnico, quais sejam: o
elemento técnico, o indivíduo técnico e o conjunto técnico (SIMONDON, 2007,
p.37). Toda a primeira parte da obra é dedicada a apresentar tal gênese e a
conclusão que cabe reter é que o objeto técnico jamais é um elemento fechado em
si mesmo, pois, dada sua constituição, ele se relaciona com outra realidade
técnicas, bem como com realidades humanas. Conceber desse modo os objetos
técnicos, o computador, por exemplo, implica em reconhecer a mediação como
sua característica distintiva.
Após apreender os elementos gerais mais importantes, foram criadas as
condições para abordar o problema fundamental, assim formulado por Simondon
(2007, p.171):
A existência dos objetos técnicos e as condições de sua gênese põem, ao
pensamento filosófico, uma questão que ele não pode responder por meio da
simples consideração dos objetos técnicos em si mesmo: qual é o sentido da
gênese dos objetos técnicos em relação com o conjunto do pensamento, da
existência do homem e de sua maneira de ser no mundo?
Desde o início a própria gênese do objeto técnico põe o problema em termos
relacionais, de mediação: ao mesmo tempo em que tal gênese é do objeto técnico,
ela permite, ou mais exatamente, obriga, a falar da existência do homem e do
próprio mundo. Isso mostra que a técnica representa uma fase, cuja outra fase é a
100
religião, da evolução da relação homem-mundo, cujo modo principal é o modo
mágico de ser no mundo, considerado como central e original.
De amplas consequências, este modo de conceber a técnica posiciona o seu
significado no domínio da mediação: o que Simondon mostra, e que já
enunciamos em várias passagens do texto, é que a técnica não pode ser
apreendida em si e por si mesma. Ela representa uma fase, um modo de responder
à questão sobre o sentido do homem ser no mundo, pois,
Se este modo de existência está definido porque provém de uma gênese, esta
gênese que engendra os objetos talvez não seja somente gênese de objetos ou,
inclusive, gênese da realidade técnica: talvez ela venha de mais longe, talvez
constitua um aspecto restrito de algo mais amplo, e talvez continue engendrando
outras realidades após ter feito aparecer os objetos técnicos (SIMONDON, 2007,
p.171).
Trata-se do processo de individuação, do qual os objetos técnicos constituem
uma dimensão do seu efetivar, e que ele próprio é concebível apenas enquanto
processo. Não há princípio de individuação, somente processo. Por essa razão, o
que daí resulta é sempre processual, mediado, tanto no domínio interno à
tecnologia – em que ocorre a mediação entre elementos técnicos e relações interindividuais no conjunto técnico – quanto externo – aquele da relação dos objetos
técnicos com o restante das “realidades humanas”, da relação entre objeto técnico
e cultura.
2. Implicações entre o ensino refletido da técnica e a educação
Parece-nos, então, que se forem razoáveis as reflexões feitas até aqui, o tema do
ensino refletido da técnica, por meio do qual seria possível superar a oposição
entre tecnologia e cultura, impõe-se como uma necessidade para as reflexões de
Simondon. E a conjunção entre técnica e cultura institui outra, também decisiva,
a da filosofia da técnica com a filosofia da educação. A instauração da atitude
tecnológica na cultura partiria do reconhecimento dos níveis ou momentos
tecnológicos fundamentais da humanidade – Renascimento, Enciclopédia,
Cibernética e Teoria da Informação (SIMONDON, 2007, p.114-125) –, mas ela
se tornaria plena somente quando se efetivasse um ensino do que foi apreendido
101
com a genealogia da técnica. Tal princípio metodológico presidiria o ensino
refletido da técnica. Como isso se daria?
A introdução ao tema do ensino refletido da técnica se dá por meio do
reconhecimento de que há dois modos fundamentais da relação do homem com o
fato técnico, a saber: o da menoridade “[...] segundo o qual o objeto técnico é,
antes de mais nada, objeto de uso” (SIMONDON, 2007, p.105), característico do
modo do homem se relacionar com o objeto técnico na infância, e que perdura no
artesanato; o da maioridade, correspondente a uma tomada de consciência e uma
operação reflexiva livre, “[...] que tem a sua disposição os meios de
conhecimento racional elaborados pela ciência” (SIMONDON, 2007, p.105). O
artesão e o engenheiro, respectivamente os tipos mais característicos dos dois
modos de considerar o objeto técnico, possuem um valor exemplar, pois “[...]
através deles o objeto técnico se incorpora à cultura” (SIMONDON, 2007,
p.105). Contudo, de um modo insuficiente, pois até hoje ainda não lograram
desfazer o equívoco que consiste em conceber o objeto técnico como inferior. Por
essa razão, para que a cultura incorpore os objetos técnicos “[...] seria necessário
descobrir um caminho intermediário entre o estatuto da maioria e o estatuto da
minoria dos objetos técnicos” (SIMONDON, 2007, p.107).
O primeiro passo para lograr com êxito a tarefa de incorporar o objeto técnico à
cultura, seria considerar que o homem não é superior, nem inferior ao objeto
técnico, mas que mantém com ele uma relação de igualdade, de reciprocidade de
intercâmbios (SIMONDON, 2007, p.108).
O segundo passo seria o propriamente educativo, relacionado à formação
técnica. Simondon expressa toda a radicalidade de sua concepção ao dizer que:
Existe uma cultura mais autêntica no gesto de uma criança que volta a inventar
um dispositivo técnico que no texto em que Chateaubriand descreve esse “gênio
espantoso” que foi Pascal. Estamos mais próximos da invenção quando tentamos
descobrir o dispositivo para somar que utilizava engrenagens com aberturas,
como a calculadora de Pascal (máquina aritmética), do que quando lemos as
passagens mais eloquentes relativas à genialidade de Pascal (SIMONDON, 2007,
p.126).
102
O pressuposto do ensino refletido da técnica é a substituição da mera cultura
vazia da palavra, pela instauração de uma cultura da criação técnica, em que se
faz a experiência da invenção ao se reconstituir aquilo que presidia o elemento
criativo original, mediado pela própria experiência criativa, não pela descrição
em palavras. Nesta atitude distinta residem dois aspectos fundamentais: 1º. A
crença, expressa em diretriz, de que mais vale para o aprendizado e a elaboração
da inteligência, refazer um experimento ou construir uma máquina simples com
as próprias mãos, do que apropriar-se de um complexo verbal referente a tal
experimento, pois as palavras soarão vazias; 2º. A indicação de uma necessária
revisão de nossa cultura livresca, de nossa cultura da palavra, pois
[...] a tecnologia exige um meio de expressão diferente da expressão oral, que
utiliza conceitos já conhecidos e que pode transmitir emoções, mas que
dificilmente pode expressar esquemas de movimento ou estruturas materiais
precisas; o simbolismo adequado à operação técnica é o simbolismo visual, com
seu rico jogo de formas e proporções. A civilização da palavra deixa lugar à
civilização da imagem (SIMONDON, 2007, p.117).
O ensino refletido da técnica instauraria, então, uma nova suma civilizatória, na
exata medida em que substituiria a civilização da palavra pela civilização da
imagem. Ora, não nos encontramos já no âmbito da vigência da civilização da
imagem? Ter-se-ia, então, logrado tal transformação civilizatória? De modo
algum, pois nos encontramos sob o império da imagem sem, contudo, saber
exatamente o que ela seja, pois não fomos educados para tal. A mera exposição às
imagens, à tecnologia, no quotidiano ou na escola, não nos habilita
automaticamente à compreensão do que elas sejam. Aqui, como em tudo, também
temos que nos educar. Este parece ser, de acordo com Simondon, o grande
desafio da educação nos tempos atuais: educar para o aprendizado do sentido dos
objetos técnicos e da imagem. Isso seria desenvolver uma atitude tecnológica,
que consistiria em que “[...] um homem não se preocupasse somente com o uso
de um ser técnico” (SIMONDON, 2007, p.162). Estaríamos à altura de sequer
compreender tal exigência civilizatória?
3. Finalizando...
103
Nossa intenção nestes registros foi, por um lado, a de atribuir importância à tese
de Simondon quanto aos objetos técnicos, segundo a qual é falsa e sem
fundamento a oposição entre a cultura e a técnica, entre o homem e a máquina,
pois os objetos técnicos são os mediadores entre a natureza e o homem e, por
outro lado, o de considerar que as questões relativas à compreensão conceitual da
técnica não deixam de se fazer presentes culturalmente quando tratamos do
aporte científico materializado na tecnologia. Na realidade, esse enfoque vem
complementar um primeiro movimento, já presente no projeto maior dessa
pesquisa, cujo enfoque tem no posicionamento de Heidegger a respeito da técnica
o seu impulso inicial. Segundo essa abordagem, o que salta aos olhos na essência
da técnica é a sua tendenciosa unidimencionalidade que tornada soberana instaura
a tirania do “pensamento que calcula”, o que faz do cálculo o único pensamento
admitido e exercido. Tal assertiva, além de nos prevenir quanto a um certo
otimismo ingênuo na utilização desavisada dos objetos técnicos operarem, como
se não trouxessem consigo um modo de ser da cultura, nos mune igualmente de
um necessário cuidado em se tratando do campo da formação. No entanto, como
já anunciamos inicialmente, foi o estudo e o debate em torno da obra de
Simondon Du mode d’existence des objets techniques que ocupou o papel de
relevância propositiva nestes nossos apontamentos, pois uma vez respaldados
pelo aporte crítico da posição heideggeriana, tivemos condições de entrever em
que medida a técnica, quando ensinada, possui de fato as condições de cumprir
com sua função de criação, naquilo que Simondon aponta como uma verdadeira
“reforma da cultura”.
A esse respeito, nossa intenção se estendeu entre o que Simondon (1989) chama
de objeto técnico e o que entendemos, num trabalho de pesquisa desenvolvido em
torno da aprendizagem em filosofia, pela ideia de conceito em filosofia. A
propósito, o objetivo desse trabalho de pesquisa foi o de indicar outra
possibilidade à aprendizagem do pensamento em filosofia pautando-se,
sobretudo, na leitura e interpretação dos escritos dos pensadores franceses Gilles
Deleuze e Félix Guattari, os quais afirmam que são sempre possíveis novas
invenções e novos planos de consistência no âmbito do pensamento filosófico. É
justamente essa ideia que desenvolvem na obra O que é a filosofia? (1992, p.
21;46), isto é, que seria preciso forjar uma pedagogia do conceito ou, ainda, um
estatuto pedagógico do conceito segundo uma nova imagem do pensamento, cuja
104
função consistiria em analisar as condições de criação no pensamento filosófico
como fatores de momentos que permanecem singulares, de maneira que de tais
condições o aprendiz em filosofia pudesse contra-efetuar seu ponto de vista,
compor e renovar o problema que equaciona em filosofia, bem como ensaiar a
criação dos seus próprios conceitos. Na realidade, tal iniciativa – incomum por
reconhecer no aprendiz em filosofia a figura de quem ensaia criações conceituais
e novas imagens para o pensamento – tende a provocar um fora dentro da história
da filosofia trazendo-lhe novos começos através da criação conceitual pelo qual o
lugar do sujeito tende a ser substituído pela pré-individualidade própria do
processo de individuação.
Nesse sentido, por envolver tanto a criação conceitual quanto o processo de
individuar-se através dela, a aprendizagem do pensamento em filosofia, ou do
ensino refletido da técnica, utilizando-se das condições propiciadas pelo estatuto
de uma pedagogia do conceito, faria do processo de criação e apropriação
conceitual em filosofia um processo pré-individualizado de constituição dos
objetos técnicos do pensamento em filosofia, que, por sua vez, coincidiria com o
próprio processo pré-individualizado de individuação comum a cada aprendiz em
sua experiência, a um só tempo no pensamento e na vida. Isto é, o processo préindividualizado de individuação, próprio do movimento de reaprender a ver o
mundo, nessa nossa sugestão, tende a ocorrer em consonância com o processo
pré-individualizado de individuação próprio da criação conceitual do pensamento
em filosofia.
Assim, o que diz Simondon a respeito dos objetos técnicos e do processo préindividual da sua criação, é o que pretendemos dizer a respeito do processo préindividual da invenção do pensamento conceitual em filosofia. Se para Simondon
(1989, p. 50-82) no capítulo II Evolution de la realité technique : éléments,
individu, ensemble, da Obra Du mode d’existence des objets techquiniques, o
processo da sua confecção conduz todo objeto técnico a se concretizar segundo
três níveis de coordenação e relação temporal não dialética, seja em indivíduo,
seja em conjunto, seja em elemento, do nosso lado, o conceito filosófico, no ato
da sua invenção, ou criação, também passa por tal processo da presença e
imbricação entre esses três níveis, seja na individuação da maneira de pensar do
aprendiz em filosofia através do trabalho com os conceitos da tradição e que
podem tomá-lo na sua sensibilidade, possibilitando que sejam recriados
105
superando a limitação das suas primeiras individuações já efetuadas; seja tratando
em conjunto a construção conceitual desses objetos técnicos individuados, porque
recriados,
a ponto de recompô-los num novo sistema; e seja iniciando o
movimento – como já mencionado anteriormente – que faz com que coincidam
tanto o processo pré-individual de individuação quanto o processo pré-individual
de invenção conceitual do pensamento em filosofia.
Para Deleuze (2006, p. 117), Simondon nos apresenta uma teoria singular da
individuação, implicando em duas observações críticas:
1ª. Tradicionalmente, o princípio de individuação é reportado a um indivíduo já
pronto, já constituído. Pergunta-se apenas o que constitui a individualidade de tal
ser, isto é, o que caracteriza um ser já individuado. E porque se “mete” o
indivíduo após a individuação, “mete-se” no mesmo lance o princípio de
individuação antes da operação de individuar, acima da individuação; 2ª. Por
conseguinte, “mete-se” a individuação em toda parte; faz dela um caráter
coextensivo ao ser, pelo menos ao ser concreto (mesmo que seja ele divino). Fazse dele todo o ser e o primeiro momento do ser fora do conceito. [...] Na
realidade, o indivíduo só pode ser contemporâneo de sua individuação e, a
individuação, contemporânea do princípio: o princípio deve ser verdadeiramente
genético, não simples princípio de reflexão. E o indivíduo não é somente o
resultado, porém meio de individuação. [...] Ela deve ser situável, determinável
em relação ao ser, num movimento que nos levará a passar do pré-individual ao
indivíduo. [...] A condição prévia da individuação, segundo Simondon, é a
existência de um sistema metaestável.
Por essa via de um sistema metaestável, tanto o indivíduo – objeto técnico e
também objeto conceitual do pensamento em filosofia – quanto o indivíduo –
objeto técnico e também indivíduo concreto –, ambos imbricados nos dois casos,
não são propriamente algo, encontram-se em situação pré-individual seja no que
há, ainda, por se inventar no pensamento conceitual em filosofia, seja na
constituição/construção/invenção que os indivíduos fazem de si mesmos.
106
4. Referências bibliográficas
CHATEAU, Jean-Ives. Le vocabulaire de Simondon. Paris: Ellipses Édition,
2008.
COLSON, Daniel. Léxico filosófico del anarquismo. De Proudhon a Deleuze.
Buenos Aires: Nueva Visíon, 2003.
DELEUZE, Gilles. Gilbert Simondon, O indivíduo e sua gênese físico-biológica.
In: DELEUZE, Gilles. A ilha deserta: e outros textos. Edição preparada por
David Lapoujade; Organização da edição brasileira e revisão Luiz B. L. Orlandi.
São Paulo: Iluminuras, 2006, p. 117-121.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução de Bento
Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier,
1989.
__________. El modo de existencia de los objectos tecnicos. Trad. Margarita
Martínez e Pablo Rodríguez. Buenos Aires, Prometeo, 2007.
__________. La individuacion. Buenos Aires: Editoral Catus / La Cebra
Ediciones, 2009.
__________. L’individuation a la lumière des notions de forme et d’information.
Grenoble: Jérôme Millon, 2005.
107
Zaratustra, o educador
Uma leitura dramatizada
Susana de Castro (UFRJ-PPGF)
[email protected]
Minha hipótese aqui é a de que a linguagem teatral pode auxiliar na didática da
aula de filosofia para o ensino médio. A técnica teatral recente baseada na
desdramatização do texto para dar mais relevância a seu conteúdo filosófico ou
sociológico, conforme defendida por Hans-Thies Lehman (2006) orienta a parte
teatral do nosso trabalho. Neste trabalho, irei apresentar o resultado de pesquisa
desenvolvida em uma turma de licenciatura de filosofia do departamento de
filosofia da UFRJ durante o ano letivo de 2012-2013 (o curso terminará um
pouco antes do início do congresso em Montevidéu). A proposta do curso que
ministro é a de selecionarmos trechos da obra de F. Nietzsche, Assim falou
Zaratustra e apresentarmos esses trechos na forma de leitura dramatizada para
pedagogos e estudantes de filosofia. A escolha desta obra foi motivada pela
leitura dos livros de David E. Cooper, Authenticity and Learning – Nietzsche’s
educational philosophy (2011) e de Vanessa Lemm, Nietzsche’s Animal
Philosophy: Culture, Politics and the Animality of the Human Being (2009). No
primeiro, o autor faz um apanhado geral das obras de Nietzsche e defende a tese
de que Nietzsche postulava uma educação que possibilitasse a busca por uma
vida autêntica. No segundo, a autora baseia-se na obra Assim falou Zaratustra
108
para mostrar que nela Nietzsche defende uma moralidade positiva, em
contraponto a moral negativa judaico-cristã.
Até o momento, procurei apresentar aos alunos um quadro das implicações
filosóficas contidas na forma poética e metafórica da escrita do AFZ. Para tal fiz
uso principalmente das teses de Nietzsche acerca da moral e da religião em Para
além do bem e do mal e A genealogia da moral. Conforme o próprio autor
afirma, essas duas obras foram escritas posteriormente para justamente explicar o
conteúdo da primeira. O resultado da aplicação da técnica teatral, baseada na
proposta de teatro do pós dramático de Hans-Thies Lehman (Postdramatic
Theatre, 2006) para o entendimento do texto só poderá ser auferido ao final do
curso. Por essa razão me limitarei aqui a apresentar as principais ideias contidas
nas obras dos autores citados acima e nas leituras que fiz de Nietzsche.
A montagem da leitura dramatizada contará com a colaboração da atriz e
pedagoga Bety Ribeiro que está acompanhando o curso desde o início e que
assumirá a direção teatral. Os alunos entregarão um relatório individual contando
como foi para cada um o processo com a disciplina.
*******
Nossos currículos escolares são construídos com base em vários modelos
pedagógicos. Hoje em dia, não basta oferecer o conteúdo das disciplinas
científicas, é preciso assegurar aos pais que a educação é centrada na criança e
que a escola educa para a autonomia. À aparente modernidade dos currículos
escolares falta, porém, a educação para a vida autêntica.
Ao contrário do pode aparecer à primeira vista, uma educação para a vida
autêntica não é a mesma coisa do que uma educação centrada na criança.
Nietzsche defende os métodos tradicionais de ensino baseados na ordem e
obediência, pois crê que esse método é o único capaz de disciplinar o aluno. Se o
jovem não é educado para ser capaz de se disciplinar na busca de seus objetivos,
ele certamente cairá na vida inautêntica. Nietzsche parte da observação de que o
desenvolvimento da sociedade chegou a um impasse com a incredulidade da
população com relação à existência de valores últimos. A incredulidade diante
dos valores últimos pode ser descrita simplesmente com a afirmação ‘deus
morreu’. Ninguém acredita sinceramente na sociedade moderna contemporânea
nos valores propugnados seja pelo cristianismo (o altruísmo, a piedade, a fé), seja
pelo romantismo (a profundidade do eu, a pureza da natureza, a bondade natural
109
do bom selvagem, a harmonia da natureza), seja pelo iluminismo (os valores
intocáveis e últimos da igualdade política, da liberdade negativa e da igualdade
entre todos os seres humanos). Em outras épocas, esses valores davam sentido à
vida das pessoas. Hoje, ninguém acredita que esses valores sejam absolutos e
próprios à natureza humana excepcional. O resultado dessa incredulidade é o
niilismo. Ou seja, um estado de negatividade e passividade resultante da falta de
resposta pela pergunta pelo sentido da vida. O que Nietzsche procura mostrar é
que a resposta ao estado de superação do niilismo está na ação. Ou seja, na
centralização do indivíduo como produtor de valores. Uma possível reação ao
niilismo é o conformismo, isto é, o comportamento passivo daqueles que diante
da ausência de crença em valores últimos, aceitam os valores tradicionais sem
refletir sobre a pertinência ou não dos mesmos para suas vidas. Fogem da
responsabilidade de avaliar quais são os valores que almejam para si. Precisamos
ter em mente que para Nietzsche o que caracteriza o homem é justamente sua
capacidade de criar valores, isto é, decidir, avaliar qual ação ou atitude tomar de
acordo com um valor superior que uma opção de ação tem sobre outra segundo a
sua avaliação. O que nos caracteriza é essa capacidade de guiar nossas ações
segundo preferências-valores. Quando nos recusamos a fazer uso da nossa
capacidade avaliativa e deixamos que as nossas ações e atitudes sejam guiadas
pela preferência da maioria, estamos vivendo de modo inautêntico.
Por outro lado, a educação para a vida autêntica tão pouco se assemelha ao
modelo de educação para autonomia, aquele tipo de modelo de educação que diz
priorizar o desenvolvimento da capacidade critica do aluno. Para este modelo de
educação é importante que o educando seja apresentado às conhecimentos
existentes, pois é com base nesse conhecimento que ele pode exercer sua
capacidade critica. O problema com esse tipo de enfoque educacional é que não
prepara o educando para o entendimento da sua situação, ou para suas
possibilidades e oportunidades futuras. As informações acumuladas através das
disciplinas curriculares não servem para ajudar o educando a avaliar as situações
em que se encontra ou para projetar ações futuras. Zaratustra (“Do caminho do
criador”) pede aos seus seguidores que busquem um pensamento dominante e não
um pensamento grande. Aqueles que pensam grande não associam a sua vida ao
conteúdo do seu pensamento, ao contrário, almejam com ele atingir a esfera
celeste e produzir um pensamento verdadeiro com validade universal. Mas essa
110
esfera celeste e universal é resultado de uma crença realista na verdade em si. No
fundo, diz Nietzsche, toda a produção humana seja ela de cunho prático ou
científico é fruto de uma vontade vital e natural de poder. Tudo o que vive almeja
expandir e sobrepor-se. O pensamento grande universalista que crê poder atribuir
a origem do seu pensamento a uma razão que conhece os desígnios divinos,
portanto uma capacidade racional que se distancia completamente da animalidade
humana, não aceita em hipótese alguma a ideia de que a origem do seu
pensamento possa ser bem humana, fruto de um tipo específico de vontade. Essa
recusa é típica de uma vontade de poder dominada pela má consciência.
O conformismo, isto é, a aceitação não refletida dos valores tradicionais por falta
de iniciativa em buscar seus próprios valores e virtudes diferencia-se do estado
anterior da humanidade, quando esta acreditava de fato na sociabilidade natural,
na natureza gregário do ser humano. Ainda assim, o diagnóstico de Nietzsche é
claro, a descrença atual é fruto de um reconhecimento genealógico de que as
verdades consensuais a cerca da gregariedade humana, de seu amor natural pelo
próximo, etc. não atendiam às aspirações humanas. Quando mais a civilização e o
progresso atingiam seu ápice, mais o elemento animal do ser humano era
reprimido. Essa constante repressão dos instintos e paixões animais adoeceram o
ser humano ao mesmo tempo em que o civilizavam.
A genealogia que Nietzsche traça da origem dos valores gregários mostra como
estes surgiram de uma relação entre divida e credor. A divida não paga foi se
transformando cada vez mais em rancor e culpa. Aquele que não honrava seus
compromissos acabava vitima do rancor e do espírito de vingança. Dessa forma
os indivíduos preferiram introjetar em si a culpa, como modo de evitar antemão
qualquer falta. A cada vez que uma paixão espontânea e egoísta aparecia,
imediatamente era reprimida pela má-consciência. Assim, aos poucos a sociedade
humana foi sendo constituída. Essa foi a maneira encontrada pelo instinto de
sobrevivência da espécie a fim de garantir que um número maior de indivíduos
sobrevivesse. Mas a criação da má consciência e do gregarismo trouxe um tipo de
crueldade bem mais rancoroso e vingativo do que a pura relação entre credor e
devedor. No chamado estágio primitivo da sociedade humana, o indivíduo por
estar mais próximo de sua animalidade, também faria bem mais uso da faculdade
de esquecimento. Um divida podia muito bem ser logo esquecida, assim como
uma falta. Ninguém ficava remoendo a dor passada. Na medida em que o espírito
111
gregário e civilizatório cresce, mais a faculdade de memória passa a ser
importante. É graças a ela afinal que a noção de valores compartilhados
universalmente é criada.
No momento em que o sentimento gregário já não encontra seu fundamento, a
sociedade precisa educar seus membros para que saibam buscar por si avaliar
suas ações, isto é, das a elas o valor que lhes parecer o mais correto. Tratar-se de
uma nova sociedade e de uma nova cultura. Uma cultura na qual a diversidade de
modos de vida é incentivada. O professor deve manter uma relação de distancia
com seu aluno de modo a que ele compreenda que o professor não é um mestre a
ser seguido, mas sim um mestre a ser superado, visto que compete a cada um
traçar seu próprio valor e caminho.
Referências bibliográficas:
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Trad. Paulo Cesar de Sousa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
------------. Além do bem e do mal. Trad. Paulo Cesar de Sousa. São Paulo:
Companhia das Letras.
------------- Genealogia da Moral. Trad. Paulo Cesar de Sousa. São Paulo:
Companhia das Letras.
COOPER, David E. Authencity and Learning. Nietzsche’s Educational
Philosophy. Nova Iorque: Routledge, 2011.
LEHMAN, Hans-Thies. Postdramatic Theatre. Nova Iorque: Routledge, 2006.
LEMM, Vanessa. Nietzsche’s Animal Philosophy: Culture, Politics and the
Animality of the Human Being. Nova Iorque: Fordham, 2009.
112
Argumentação por Antilogias como Exercício Filosófico
Erwlyn de Almeida Campos
INTRODUÇÃO
O retorno da filosofia ao currículo do Ensino Médio com a promulgação da Lei
nº. 11.684, de 02 de junho de 2008 representa, indiscutivelmente, o reconhecimento
social e político-institucional de sua importância na formação de nossas crianças e
adolescentes. Entretanto, a sua efetivação no âmbito legal coloca, a todos que à
lecionam, o desafio de tornar seu ensino efetivo também no plano pedagógicometodológico a fim de que se possa responder adequadamente às demandas
educacionais que legitimam sua presença no currículo ao lado das outras disciplinas.
Por “ensino efetivo” entendemos uma fórmula simples, a saber: um ensino que leve o
aluno a vivenciar uma autêntica experiência filosófica, ou, em uma palavra, a filosofar.
Para isso, como mostra o professor Sílvio Gallo a partir da análise das práticas
tradicionalmente adotadas no ensino da filosofia na escola média brasileira, é preciso
uma mudança de atitude na organização de novas práticas.
Nesse sentido, Gallo desenvolve uma organização didática para o ensino da
filosofia consistindo em quatro etapas: sensibilização, problematização, investigação e
conceituação. Nosso trabalho pretende discutir a etapa da problematização tendo como
dinâmica a argumentação por antilogias inspirada no método do sofista Protágoras,
113
segundo o qual para todas as questões há dois discursos, coerentes em si mesmos mas
que se contradizem um ao outro.
É fato que o principal objetivo de Protágoras com o seu método, era preparar o
jovem para no seu entender enfrentar a vida política, logo, ele precisaria resolver um
problema estabelecido a partir do entendimento que qualquer decisão política é sempre
precedida de contestação, dessa forma o jovem em sua visão deveria estar preparado para
contra argumentar.
Ao pensarmos as Antilogias aplicadas a um método de ensino, não o fazemos
tencionando debates intermináveis em sala de aula, e sim um resgate de um dialogar
entre professor e aluno, que como bem observa o filósofo alemão Gadamer “só é possível
educar pelo diálogo”, dessa forma, os processos que permeiam a educação ao descolar o
diálogo para outros níveis, como por exemplo, a autoridade dos conteúdos ou mesmo do
professor, compromete o processo de formação, como também observa Gadamer,
transformando-nos em seres acríticos e subservientes a qualquer modelo estabelecido.
Apesar de o termo sofista ter adquirido, ao longo da história ocidental, uma
conotação pejorativa, graças principalmente à crítica platônica-aristotélica, estudos
contemporâneos demostram que, à luz dos fatos históricos, não há como não valorar de
modo positivo a relevância dessa corrente de pensamento, principalmente porque ela foi
a força geradora de um movimento vanguardista no tocante ao posicionamento central do
homem na construção do conhecimento e, nesse sentido, de caráter eminentemente
filosófico. De modo que não se toma aqui a ligação entre a prática do ensino de filosofia
hoje e os métodos educativos dos sofistas como algo negativo a priori, e sim como uma
tentativa de pelas Antilogias, as aulas de filosofia não percam aquilo que é tanto a sua
essência quanto constitui a sua existência, ou seja, seu caráter filosófico.
UM RETORNO À GRÉCIA DOS SOFISTAS
A educação na Grécia Antiga divide-se em dois períodos históricos quais sejam: o
primeiro que seria o período antigo, referente à educação homérica, que compreende a
educação espartana e ateniense; e o segundo, que foi o novo período, correspondente ao
114
ápice da cultura grega, e que foi marcado, especialmente, pela atuação dos Sofistas, e
também dos filósofos/educadores: Sócrates, Platão e Aristóteles.
O aparecimento dos Sofistas foi de suma importância para direcionar a questões
sobre o ensino, sobretudo na Atenas do século V a.C, pois os estes foram os
responsáveis pela concepção e apresentação de novas propostas e recursos educativos,
bem como, novos mestres e métodos.
Como já é de conhecimento nosso, a Democracia foi eleita pela cidade – estado
de Atenas como a forma de organização governamental. Nesse novo modelo de
governo, em que apenas os homens gregos e livres participavam ativamente das
decisões políticas e da vida pública de modo geral, tornou-se um dever cívico
inalienável a participação efetiva nas assembleias. Sendo assim, as habilidades
oratórias, bem como o aprimoramento constante destas, se tornaram cada vez mais
necessárias para o melhor desempenho do papel de cidadão.
Nesse contexto, conforme colocado por MARTINS (2010), é que surgiu uma
nova procedência de “educadores”, chamados “sofistas”, pois se percebeu a necessidade
de um novo modelo educacional condizente com as novas necessidades estatais, já que
o antigo modelo, baseado na ginástica e na música, não mais atendida às demandas do
estado nem correspondia às novas demandas individuais, e tampouco às novas
exigências sociais e políticas.
Desse modo, ainda conforme MARTINS (2010) podemos afirmar que os sofistas
foram os primeiros professores da história a oferecerem, a troco de dinheiro, o ensino da
“virtude”, o ensino da areté política ou da thecné política.
O ensino proporcionado pelos sofistas era buscado, sobretudo por jovens de
famílias ricas que tencionavam conseguir poder político a partir do domínio das técnicas
de discurso, argumentação e persuasão.
Como colocado por PREZZOTO (2008) o estudo da retórica orientado pelos
sofistas contemplava desde o conhecimento de mínimos detalhes gramaticais até a
discussão de assuntos de composição, estrutura e argumentação.
Sendo que o objetivo destes estudos era a construção do
discurso não apenas mais adequado e convincente, mas
do melhor e mais envolvente. Suas práticas pretendiam
o aprimoramento no uso de técnicas discursivas tais
como: o uso do argumento provável ou verossimilhante;
contra-argumentação e justaposição de argumentos
contrários; adequação à ocasião (causa, público,
115
situação, etc); figuras de linguagem, efeitos causados
sobre o público; etc. (PEZOTTO, 2008, p.242)
Assim, os sofistas foram capazes de transformar a habilidade argumentativa da
oratória que antes era compreendida como uma virtude hereditária, numa técnica ou
numa arte, passível de ser transmitida via educação. Eles se consideravam os mestres da
oratória, e por isso capazes de ensinar qualquer um a se expressar bem, a seduzir os
ouvintes através de discursos persuasivos, a construir argumentos que justifiquem e
validem as suas opiniões e interesses.
Deve-se destacar que os sofistas não foram apenas responsáveis por viabilizar
técnicas de discurso político ou pelo ensino e desenvolvimento de aptidões retóricas, eles
foram, antes disso, homens marcados por um racionalismo aguçado influenciado pela
escola jônica, e também possuidores de um espírito questionador indomável adquiridos
em parte por suas andanças e viagens pelo mundo que os permitiram analisar as
explicações naturais e divinas oferecidas para a origem dos valores sociais, e da
sociedade como um todo, de maneira mais relativizada, a partir de um olhar de quem já
experienciou a cultura de outros povos e percebeu que não há nada de absoluto nos
costumes, na religião, nos valores morais, na política, etc. Sendo assim, através do
Relativismo os sofistas adicionaram a filosofia grega um teor crítico nunca antes
provado, que transformou os mistérios divinos em problemas passíveis de estudo e
questionamentos.
O SOFISTA PROTÁGORAS E A ARGUMENTAÇÃO POR ANTILOGIAS
Protágoras nasceu por volta de 492 a.C. em Abdera , proveniente de uma família
de boas condições, fato que favoreceu a sua proximidade aos líderes da democracia
ateniense, sobretudo, a Péricles que figurava como seu amigo pessoal, o que
influenciou na escolha de Protágoras para a elaboração da Constituição de Thurii.
Foi ele que iniciou as aulas pagas em praça pública, pretendendo com o seu
trabalho formar os futuros cidadãos atenienses, por isso é considerado o fundador da
classe dos Sofistas. Protágoras teria sido também pioneiro na distinção de sete tipos de
discursos, a saber: ordem, pedido, pergunta, resposta, relato, narração e intimação. Suas
obras principais são: "As Antilogias" e "A Verdade".
116
Em "As Antilogias", Protágoras defende que para todas as questões existem
sempre dois discursos, coerentes em si mesmos, mas que se contradizem um ao outro,
de modo que a respeito de qualquer assunto ou situação podemos sempre encontrar um
pró e um contra, de modo que um logos pode ser sempre contestado por um logos
contrário.
Já que Protágoras tinha por objetivo preparar os jovens para vida política e
consequentemente para elaboração de discursos coerentes e persuasivos, era preciso
ensiná-los a contra-argumentar de maneira retórica, tendo em vista que qualquer decisão
política também é sempre passível de contestação e debates de opiniões opostas.
Percebe-se que o raciocínio por antilogias exigiam um exercício filosófico
intenso de busca por uma argumentação refinada, flexível, e crítica, ajudando a
desenvolver a habilidade de pensar à frente, buscando por alternativas argumentativas
cada vez melhores.
PENSANDO O ENSINO FILOSÓFICO ATUAL A PARTIR DA
CONTRIBUIÇÃO SOFISTA
A Educação Básica brasileira está passando, sobretudo nesta última década,
por mudanças significativas em termos de objetivos, metodologias e conceitos, e com
isto se tornou ainda mais necessário repensar os locais e funções das disciplinas
curriculares para o Ensino Médio. Se antes a demanda era por aquisição de fórmulas e
conteúdos específicos de cada disciplina com vistas ao modelo antigo de avaliação para
entrada nas universidades, o que se procura hoje é pela aquisição de habilidades
cognitivas e sociais, atitudes e competências, que possam tornar os jovens aptos a
lidarem com a complexa dinâmica social, cultural e tecnocientífica na qual estamos
inseridos.
Corroborando com essa mudança de enfoque é que tem sido aplicadas ao
currículo do Ensino Médio disciplinas como a Sociologia, as Artes, as Línguas
Estrangeiras e a Filosofia, enquanto potencializadoras da formação dos nossos jovens
alunos, constituindo a base para a construção do pensamento reflexivo e da autonomia
intelectual.
A Filosofia, em especial, vem sendo encarada como a principal responsável
pela formação crítica e reflexiva dos alunos, devendo possibilitar aos jovens educandos
117
novas formas de pensar, e de transformar a realidade, de modo que se percebam coautores e co-produtores do espaço social do qual fazem parte. Desse modo, a Filosofia
parece estar sendo solicitada para ajudar desenvolver em nossos jovens alunos
habilidades que o deixem aptos a uma chamada “vivência cidadã”, pelo menos é o que
propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais –os PCN’S.
De certa forma essa educação para a cidadania se aproxima do ideal grego
de educação, e de fato, o modo como concebemos a educação na atualidade recebe
influencias, sobretudo, da educação ateniense, que visava educar seus cidadãos para a
participação direta nos debates políticos da ágora, pois a vivência cidadã por excelência
em Atenas era exatamente essa.
Em se tratando de filosofia, podemos dizer que herdamos para além de
ideias educativos, pois herdamos também a abordagem metodológica, o como ensinar
filosofia. Afinal, ainda hoje se pensa que o melhor modo de ensinar filosofia é através
de questionamentos, e da argumentação, imbuindo os aprendizes em um espírito
inquiridor irrequieto.
Sendo assim, a filosofia na escola busca realizar um ensino que contemple
os temas da história da filosofia, junto ao desenvolvimento de habilidades filosóficas
(tais como capacidade argumentativa, criticidade, reflexão, etc) sem esquecer aquilo
que as orientações educacionais de nosso país indicam, que é o encaminhamento para a
vivência cidadã.
Essa descrição bem rasa feita acima acerca da filosofia na escola, já nos
aproxima do que era desenvolvido pelos sofistas, posto que estes preparavam os jovens
cidadãos atenienses para a vida pública, através do ensinamentos de habilidades e
técnicas propriamente filosóficas. Essa proximidade entre o ensino de filosofia
contemporâneo e a sofistica é colocada por MARTINS (2010) de maneira positiva:
(...) no ensino de filosofia (atual), o método e a prática mais
recorrente e eficaz é o método sofistico. Cada vez mais, a
prática pedagógica do professor de filosofia está associada ao
ensino de técnicas, quer seja para ler um texto, para
compreender o mundo entorno, quer seja para compreender a
si mesmo ou fazer análise de conjuntura. Não é este também
o papel que as outras disciplinas esperam que a filosofia
realize? A ligação da prática do ensino de filosofia hoje aos
sofistas não é algo negativo (...)” (MARTINS,2010, p.90)
Ora, para que ensinemos habilidades e técnicas filosóficas a nossos alunos,
precisamos fazer com eles vivenciem situações nas quais possam desenvolvê-las,
118
praticá-las e consequentemente, aprimorá-las. E quais situações seriam mais adequadas
que a promoção de debates bem planejados em sala de aula?
Quando digo, debates bem planejados, quero afirmar que estes devam ser
específicos, organizados e com propósitos bem definidos, de modo que ocorram apenas
quando os alunos tiverem bem preparados com um determinado conteúdo previamente
esclarecido em sala de aula. Afinal, um debate é formado essencialmente pela
argumentação e contra-argumentação de seus participantes. Vale destacar que a
argumentação exige, sem dúvidas, além de técnicas, um conteúdo bem apanhado que
ofereça ao debatedor coerência, consistência, alternativas e oportunidades.
Sendo assim, a argumentação por antilogias preconizada por Protágoras, o
primeiro sofista, seria, ainda hoje, um excelente exercício filosófico a ser treinado e
desenvolvido em sala de aula, afinal oferece aos alunos uma forma básica de raciocínio
argumentativo, que é sempre buscar um discurso contrário ao que foi dito
primeiramente, movimento que pode facilitar a criticidade, a elaboração da contraargumentação, e a relativização perante os mais diversos assuntos tidos como verdades
absolutas. Tendo isto em vista, torna-se elementar a promoção de atividades que
envolvam debates em sala de aula, tais como um “júri simulado” que exige a
elaboração de dois discursos contrários, pois temos necessariamente a defesa e
acusação. Atividades como essa motivam os alunos posto que estes se sintam desafiados
a convencer os demais a partir da melhor argumentação. Característica que mais uma
vez nos aproxima dos sofistas, uma vez que estes visavam persuadir através do melhor
discurso.
Devemos enfatizar que a relativização promovida pela argumentação por
antilogias é benéfica também à compreensão e atuação do jovem em sociedade, pois
permite uma visão tanto mais flexibilizada da realidade, oportunizando uma análise
mais dinâmica dos processos nos quais estamos envolvidos, bem como maior
criatividade de soluções, e tolerância para com diversos assuntos delicados para o qual a
sociedade oferece definições e resoluções preconceituosas por possuírem uma visão
fechada sobre o tema. Além de que, para interagir e transformar o próprio espaço social,
faz-se necessário saber defender com argumentos bem articulados os próprios interesses
e opiniões, estando sempre preparados para responder aos discursos e opiniões
contrárias que hão de surgir.
119
CONCLUSÃO
Percebendo-se um processo social entremeado por discussões dos mais variados
temas, desde tecnologia, controvérsias cientificas, problemas de cunho ético e político,
dentre outros, é que a filosofia vem retomando seu espaço no que diz respeito à
formação de sujeitos que estejam aptos a lidar com tais discussões que carregam
consigo as mais variadas implicações filosóficas, de tal modo que somente a filosofia
poderá de fato prover instrumentos apropriados às soluções para tais questões.
Tendo em vista tal demanda social, é que se pode dizer que o objetivo da
Filosofia nas instituições de ensino médio é bem amplo, de modo que através dos
conteúdos trabalhados em sala de aula se consiga o aprimoramento do pensamento
crítico e desenvolvimento da autonomia intelectual, desembocando assim no exercício
de uma cidadania consciente no que diz respeito à conservação, produção e
aprimoramento do espaço social no qual estão inclusos.
A Filosofia desempenha, pois, uma responsabilidade formadora, que depende
não apenas de conteúdos filosóficos puramente trabalhados em sala de aula, de maneira
não significativa, como principalmente do desenvolvimento de certas habilidades que
permitam aos jovens compreender tantos os conteúdos filosófico, quanto que se
instrumentalizem pra o agir em sociedade, nos mais diversos âmbitos desta.
Por isso, acredita-se que tal disciplina mereça um planejamento cauteloso e
flexível, pautado em metodologias propriamente filosóficas, capazes de promover de
maneira duradoura articulações profícuas entre noções trabalhadas em sala de aula e a
própria vivência particular de cada aluno.
Felizmente podemos contar com metodologias já apontadas na própria história
da filosofia, como indicado neste artigo, o uso do modelo sofista de educação, em
especial o uso das antilogias como exercício filosófico, apesar das controvérsias
apontadas no seu tempo e ainda hoje, pode ser aproveitado de maneira significativa em
sala de aula, se mostrando um excelente aliado aos professores da disciplina para o
desempenho do papel que lhe foi atribuído.
REFERÊNCIAS
GALLO, S.; KOHAN, W. Crítica de alguns lugares-comuns ao se pensar a filosofia no
ensino médio. In:
____ GALLO, S.; KOHAN, W. (org.), Filosofia no
ensino médio. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000. (p. 174-196).
120
MARTINS, Jasson da S. O método sofístico e o ensino da filosofia. ÁGORA – Revista
Eletrônica. p.79-91, Maio de 2010.
PREZOTTO, Joseane. Protágoras, Górgias, os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de
aretē. Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 241-250, 2008.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 2006.
HACIA UN ETHOS FILÓSOFICO: RETOS A LA ENSEÑANZA DE LA
FILOSOFÍA EN LA SOCIEDAD CONTEMPORANEAx
El presente escrito gravita en torno a los retos de la enseñanza de la filosofía en la sociedad
contemporánea. El individualismo contemporáneo, la sociedad de consumo, la hecatombe
ecológica, la crisis de valores, la insolidaridad, la intolerancia, la corrupción, la pérdida de
identidad, el sinsentido, la injusticia, el afán del dinero fácil, la falta de horizonte, son algunas
de las problemáticas a las cuales debe enfrentarse el sujeto en la actualidad. La educación como
elemento integrador de la sociedad, y más la educación en filosofía, y hablando desde la parte
deontológica y no precisamente óntica, deben asumir el reto de ayudar a fraguar seres pensantes,
creativos y creadores, que asuman con responsabilidad sus decisiones y que propicien
reflexiones en torno a la supervivencia de la especie humana. No se trata de recargar a la
educación y mucho menos a la filosofía la salvación del planeta, lo que se intenta es propiciar
escenarios dialógicos, donde a través de la filosofía se pueda promover el reconocimiento del
otro; la democracia como un espacio dialógico y la conquista de la autonomía. Sujetos
pensantes, preocupados e inquietos por su realidad pueden coadyuvar a formular soluciones
adecuadas para esta inercia en la que estamos inmersos.
PALABRAS CLAVES: Educación, filosofía, alteridad, autonomía y responsabilidad
A MODO DE INTRODUCCIÓN
El sistema capitalista y su modelo neoliberal, despersonalizan, convierten a las personas en
meros objetos, en tuercas que encajan en el engranaje de la producción y si no llegan a ajustarse
al sistema, son declarados como desadaptados, locos, desquiciados y hasta terroristas. Los
intereses económicos priman por encima de la especie humana. Guerras por petróleo, ataques
salvajes con armas de destrucción masiva y demás confrontaciones armadas no tienen razones
121
más allá de los intereses individuales que prevalecen en ellas. La filosofía debe alzar su voz en
contra de cualquier artimaña que vaya en contravía de la especie humana.
En una sociedad de mercado, el ser humano no interesa, la persona es cosificada, convertida en
una mercancía, sólo importa el satisfacer las necesidades del mercado, lo relevante es el
consumo, la moda, la marca.
El progreso es ciertamente posible, pero incierto. A esto se suman todas las incertidumbres
debidas a la velocidad y a la aceleración de los procesos complejos y aleatorios de nuestra era
planetaria que ni la mente humana ni un supercomputador podrían abarcar. Nadie se imaginó
que algún día las torres gemelas caerían como castillo de naipes, después de un ataque con
aviones comerciales, en el centro de uno de los países con más avances en seguridad. Nadie se
imagino hace 60 años, que se pudiese estar en diversas partes al mismo tiempo, gracias a un
avance tecnológico como la Internet. Y así podría nombrar muchos acontecimientos, que van
por la misma línea. Es decir que sus efectos son impredecibles. La educación filosófica debe
encauzar y fortalecer el pensamiento para que pueda afrontar las incertidumbres, para que pueda
discernir las oportunidades de los riesgos, y viceversa. La enseñanza de la filosofía debe proveer
elementos que sirvan para elaborar estrategias que tengan en cuenta las posibles dificultades que
vayan apareciendo a lo largo de la acción implementada.
Una hecatombe ecológica casi imparable, una economía colapsada, un tejido social
desmembrado, el núcleo familiar resquebrajado, una débil sociedad civil, un gobierno corrupto,
una impunidad rampante, el sector agrario quebrado, una carrera armamentista con gran fuerza.
El panorama
resulta desalentador. Adicionalmente, una sociedad moderna que incita al
consumo, que conlleva a la depresión que promueve confusión existencial, donde hay más
“desarrollo” del individuo pero una mayor degradación de la sociedad. La educación debe
enfrentarse a este panorama, y la enseñanza de la filosofía no puede estar ajena a ello. Frente al
individualismo contemporáneo, la insolidaridad, la injusticia, la corrupción, la filosofía debe
promover el reconocimiento del otro; la democracia como un espacio dialógico y la conquista
de la autonomía.
1.
EL RECONOCIMIENTO DEL OTRO
La educación debe ser un factor de cohesión que procure tener en cuenta la diversidad de los
individuos y de los grupos humanos, promoviendo la inclusión y combatiendo la exclusión
social. Es uno de los retos más complejos, dado que los temas del pluralismo y la
muticulturalidad hasta ahora se están matizando y en ese primer episodio, los acuerdos han sido
mínimos. La educación por medio de sus instancias administrativas debe facilitar a los chicos
122
que no poseen el dinero necesario para desplazarse y alimentarse: el transporte y la debida
alimentaciónx, para que no se produzca deserción escolar ni bajo rendimiento académico. De
esta forma, también se está combatiendo la exclusión social, ya que no sólo podrán asistir los
que poseen los medios económicos, sino también aquellos que carecen de ellos.
Por otra parte, la comunicación triunfa; el planeta está atravesado por redes, faxes, teléfonos
celulares, módems, Internet. No obstante, la incomprensión sigue siendo general. Sin duda, hay
grandes y múltiples progresos de la comprensión, pero los progresos de la incomprensión
parecen aún mayores (DELORS, 1996, pág. 57). Existen diferentes elementos que facilitan la
incomprensión y el individualismo: la polisemia, las diferentes cosmovisiones, el
egocentrismox, el etnocentrismox y el sociocentrismox. La educación debe fraguar una ética de la
comprensión y del reconocimiento donde se fomente la argumentación en vez de la
excomulgación y la exclusión, donde se demuestre, no se imponga, donde no haya cabida al
dogmatismo ni a la represión, sino que prime el respeto mutuo.
La alteridad implica ponerse en el lugar del otro, revivir sus motivaciones y sus valores,
descubrir una intencionalidad en su comportamiento, cuestionarse por el significado y el
abanico de sentidos que están detrás de ese comportamiento. De la misma forma la comprensión
se constituye en el vehículo indispensable de cualquier intento de comunicación. Existen dos
formas de relacionarse socialmente con el otro; una de ellas es tratarlo como un “don nadie”, un
otro, que da igual que exista o no exista, esa sería la lógica de la exclusión; la otra, sería
considerarlo como un interlocutor válido que me interpela y cuestiona, y cuya existencia
requiere de mi atención, esto sería tratarlo en la lógica del reconocimiento. A esta última forma
de tratar al otro apuesta cuando expresa:
Hay que ponernos, en lugar del otro, es decir no le podemos imponer al otro un
código y unas premisas que le son ajenas, porque caemos inmediatamente en el
cruce de dos monólogos (ZULETA VELASQUEZ, 1992, pág. 270)
En un mundo lleno de incomprensión donde el individualismo se impone y la solidaridad se
resquebraja, se le debe apostar a la comprensión, considera al otro como un interlocutor válido,
no le denigra, cree que la alteridad ayuda a configurar la identidad propia y a llevar a cabo la
sociabilidad del hombre:
En el nivel institucional, la educación filosófica debe suscitar relaciones más horizontales, dialogantes,
de mutuo respeto entre profesores y estudiantes.
El desarraigo provocado por las migraciones o el éxodo rural, la dispersión de las familias, la
urbanización desordenada, la ruptura de las solidaridades tradicionales de proximidad, aíslan y
marginan a muchos grupos e individuos, tanto en los países desarrollados como en los países en
desarrollo (DELORS, 1996, pág. 57)
123
2. LA EDUCACIÓN FILÓSOFICA: UNA HERRAMIENTA PARA PROMOVER
LA DEMOCRACIA
La educación democrática se adquiere con una sólida formación filosófica que nutra el
pensamiento del ser humano.
La democracia debe partir de la historia, el conocimiento, la tradición, la memoria y las
proyecciones que la sociedad tenga. La formación filosófica como estilo de vida, puede
colaborar en el esfuerzo de crear un orden democrático. La democracia tiene que ser enseñada y
tiene que ser aprendida, porque la democracia no es natural. La democracia debe ser enseñada
como una forma de ver el mundo, como una cosmovisión. Y este aprendizaje se logra cuando la
persona puede ver que el mundo que le rodea está ordenado por la lógica que propone esa
cosmovisión.
Sólo es posible construir la democracia en una sociedad que se construye sobre la lógica de los
derechos humanos. Dicha lógica se puede propiciar gracias a la conversación. Es necesario ir
fortaleciendo en las nuevas generaciones una cultura de encuentro y de conversación para
contrarrestar la cultura ancestral de enemigos creada muchos años atrás; las dificultades para el
ejercicio de la transparencia, de la deliberación, de la confrontación de la ciencia y el
conocimiento.
El conflicto, la diversidad y la diferencia son constitutivos de la convivencia democrática. Para la
democracia, la paz no es la ausencia de conflictos. La paz es el resultado de una sociedad que es capaz de
dirimir el conflicto sin eliminar al otro, ni física, ni sociológica ni psicológicamente. En la democracia no
existen los enemigos, sino los opositores: personas que piensan distinto, quieren distinto, tienen intereses
distintos que colisionan con los míos, pero con las cuales puedo concertar futuros comunes. Una forma de
propiciar los conflictos, es a través del debate y con él la deliberación, es decir, considerar atenta y
detenidamente los pro y los contra de los motivos de una decisión, antes de adoptarla.
Con el Ágora griego, nació la "deliberación". En la edad media estaban los instrumentos de la
cuestio y la disputatio, espacios ideales para el debate, la confrontación de posturas y la
alteridad.
Una sociedad comienza a resolver sus conflictos y a adquirir una conducta democrática cuando
asume el concepto de opositor y aprende a deliberar. Cuando frente a un conflicto, las diferentes
personas son capaces de poner en juego sus intereses: pueden expresarlos, explicitarlos,
sustentarlos y defenderlos con serenidad; buscan persuadir a otros con sus intereses, pero
también pueden dejarse persuadir de otros intereses; aprenden a ceder y a recibir cesiones.
Cuando cada uno es capaz de exponer claramente y con tranquilidad el porqué está ahí y qué
124
espera lograr; porque la deliberación requiere transparencia para que los diferentes intereses
puedan convertirse en un bien colectivo.
Deliberación es diferente a negociación. Una negociación termina en una transacción que deja a
las partes con mayor o menor grado de satisfacción y es puntual en el sentido de que no
compromete a las partes más allá de la transacción misma. En una deliberación se busca llegar a
un acuerdo que convenga y comprometa a las partes; en la deliberación social se busca construir
bienes colectivos y se asume compromiso con ellos.
Es indudable que todos los modelos de trabajo cooperativo, en grupo, de trabajo autoactivo,
contribuyen a formar el ethos democrático, porque en su ejercicio los niños y jóvenes reconocen
las diferencias del grupo, aprenden a trabajar con esas diferencias, a proyectar el grupo, a
persuadir y a dejarse persuadir, a ceder y a recibir cesiones, condiciones fundamentales para la
deliberación y la construcción de lo público, de lo económico y de lo político.
Por eso es tan importante cuidar cotidianamente las prácticas del aula. Las prácticas
pedagógicas que están orientadas al trabajo en grupo, a la participación, al autoestudio
cooperativo, son estrategias pedagógicas que tienen mucho más posibilidades de formar en un
ethos democrático que las prácticas meramente directivas.
Como la democracia es una cosmovisión se rige por principios y no por reglas o fórmulas. Una
cosmovisión se puede aplicar a muchas realidades y situaciones: sus principios se pueden
aplicar al manejo de una oficina, al matrimonio, a la empresa, a la escuela, a un partido, a un
sindicato. La cosmovisión de la democracia es una sola y los principios son los mismos, pero
adquieren diferentes matices en los diferentes países donde se implementen. A partir de estos
principios es necesario mirar cómo ir transformando las distintas realidades para que la
democracia se vuelva una cotidianidad. A partir de esta cosmovisión y sus principios básicos es
posible refundar las instituciones de la sociedad.
La filosofía es un baluarte que se ha venido cimentando paulatinamente como resultado del trabajo de
innumerables generaciones. En la filosofía se concentra la única forma de conocimiento completa y
esencial, por lo tanto, es el asidero esencial de cualquier tipo de investigación. La filosofía debe romper
con la polarización entre la exposición sistemática dominante y la manifestación del mundo vivido,
propio del arte o de la poesía, hasta encontrar una forma de avance y de exposición en que ambas
dimensiones tengan la posibilidad de converger.
Una educación filosófica es una educación que interroga, que explica, que muestra, que señala horizontes
de posibilidad, que halla contradicciones, que analiza, sintetiza y permite construir conocimiento. Una
educación filosófica genera angustia, la angustia de pensar, de parir ciencia. Una educación filosófica
tiene como sinagoga el debate, el encuentro de posturas distintas pero interesantes y válidas. Una
educación filosófica edifica la verdad, no la impone, no es dogmática, es conciliadora pero seria.
125
Considerar la formación filosófica como la antorcha de la educación vincula dos elementos
interesantes: el conflicto como generador de nuevas ideas y el pensamiento de la mano del
conflicto. Son dos elementos que expone Zuleta en sus disertaciones y que están
intrínsecamente relacionados.
El hombre persigue propósitos particulares, habitualmente opuestos a los de los demás. El
hombre quiere armonía; pero la naturaleza, que sabe mejor lo que es bueno para la especie,
quiere discrepancia. El antagonismo es el motor de la vanguardia: sucede como con los árboles
de un bosque, que si están aislados crecen de modo antojadizo y atrofiado, mientras que juntos,
precisamente porque cada uno trata de quitarle el sol y el aire al otro, se esfuerzan por
sobrepasarse y así crecen de modo más alto y más bello.
El conflicto es probablemente la única posibilidad de la libertad, es la posibilidad del
reconocimiento del individuo en medio de la multiplicidad. No se trata entonces de resolver los
conflictos, se trata mejor de intensificarlos a través del ejercicio del pensamiento, vivirlos hasta
el límite para que desencadenándose puedan ser comprendidos, estudiados y abran la
posibilidad de encontrar salidas que antes que cesarlos permitan entenderlos de mejor manera.
Pero esta intensificación supone al mismo tiempo la puesta en diálogo de los diferentes
discursos, sin embargo se trata de un diálogo que es al mismo tiempo una disputa. En este
contexto, aceptar el discurso del saber como un discurso cerrado es otra forma de eliminar al
otro. Este uno de los grandes desafíos que le impone la filosofía a la educación en general.
Un pensamiento que gravite en torno a la filosofía deberá enlazar el pensar, el sentir, el imaginar, el amar
y el crear. Latinoamérica es conflicto, pero también es sentimiento, imaginación, amor, creatividad, es
poesía. Lo anterior, imbrica una educación compleja que logre vincular los anteriores elementos.
La educación filosófica debe ser la antorcha que ilumine senderos y señale posibles soluciones, por ello
debe ser unida y no fragmentada; debe afrontar los retos que impone el modelo neoliberal y la
globalización; debe adecuarse a las necesidades de la población, tener en cuenta el contexto; servir como
centro de acopio de las diferentes etnias, abrir espacios de diálogo y de encuentro, también de
divergencias, pero ante todo un campo que propicie cambios estructurales y reformas en los mentalidades
de las personas.
Se debe concebir la democracia como una herramienta primordial de transformación y cambio
social y no como la vestidura para la defensa del Estado de cosas existentes. Se requiere
promover una educación filosófica que exija sujetos pensantes, conscientes de su
responsabilidad con la sociedad.
El sujeto pensante debe estar dispuesto a participar en las decisiones trascendentales que atañen
a su entorno. La educación filosófica debe anclarse en la racionalidad como uno de los
principios básicos del ejercicio de la democracia, expresada en el pensar por sí mismo, sin
126
delegar esa facultad en ente alguno; en el respeto por el pensamiento del otro, o sea, reconocer,
a pesar de la diferencia, la igualdad del otro; y en la aceptación de cambiar cuando se reconozca
que se está obrando en sentido contrario a la lógica. El respeto de estos principios es la piedra
angular de una sociedad democrática que admite la pluralidad, excluye la dominación y acepte
la diferencia.
La educación filosófica deberá suscitar el debate cultural, porque un mundo donde se elimine la
posibilidad de desarrollar las capacidades humanas, no ocupará ningún lugar en el universo
cultural:
Se trata de afirmar la riqueza irremplazable de la multiplicidad de iniciativas,
pensamientos, convicciones y visiones del mundo. Se trata de afirmar el derecho de
cada uno, individual, colectivo, como persona o partido o tendencia de cualquier
tipo a ser debatido, criticado y contradicho, porque es el único ambiente en que
puede superarse, profundizarse y transformar su pensamiento, corregir o confirmar
su acción (ZULETA VELASQUEZ, Para una concepción positiva de la
democracia, 1992, pág. 177).
En un sistema totalitario se concibe el Estado como valor absoluto y se ejerce un control total de
la población y de todas las instituciones mediante la propaganda y la policía; se hace uso de la
fuerza para conseguir los objetivos políticos. Los individuos son autómatas, actúan por inercia,
están sometidos, no piensan, o mejor, no los dejan pensar. Si piensan pueden ser eliminados.
La educación filosófica debe combatir el modelo totalitario, debe propender por una sociedad
democrática, donde haya una relación fructífera entre individuo y sociedad, donde tanto
individuo y sociedad puedan ayudarse, desarrollarse, regularse y controlarse. La enseñanza de la
tolerancia y del respeto al otro, deben ser las banderas de la educación filosófica y considerarse
como una empresa constante, que actué de forma incisiva en la construcción de la democracia.
Las instituciones educativas, deben promover una formación filosófica democrática efectiva que
no sea un simple enunciado en la ley general de educación. Se trata de subrayar la riqueza
insustituible de la multiplicidad de iniciativas, convicciones y posturas de todos y cada uno.
Crear una cultura democrática, donde el pluralismo sea la constante. No es posible generar en la
sociedad una cultura de autonomía, de libertad, si los procesos educativos cotidianos no van
formando continuamente en este principio: que los niños y los jóvenes aprendan cotidianamente
a fundar y refundar el orden. Cuando las personas tienen la experiencia de imaginar y diseñar
circunstancias de la vida y construir un orden para vivirlas, las normas dejan de ser algo
aprendido y se convierten en criterios para proceder en la vida. Así es como la norma sirve.
La democracia no cree que el orden de una sociedad le pueda ser dado desde afuera. La democracia parte
del supuesto de que los hombres y las mujeres comunes y corrientes, que están en una sociedad, son los
que tienen la capacidad de crear las normas, las leyes y las instituciones que ellos mismos quieren vivir,
127
cumplir y proteger: acepta a cada persona como fuente de creación de orden social, por eso los miembros
de una sociedad democrática se llaman ciudadanos. Un ciudadano es la persona que es capaz, en
cooperación con otros, de construir o transformar las leyes y normas que él mismo quiere vivir, cumplir y
proteger para la dignidad de todos.
Una escuela democrática es una escuela que forma ciudadanos. El conocimiento tiene sentido
desde el punto de vista de la democracia en la medida en que la escuela contribuya a formar
personas que sean capaces, en cooperación con otros, de construir el orden social que hace
posible la vida digna para todos. Y eso es ser ciudadano. En una escuela democrática la historia,
la geografía, la filosofía, las matemáticas, el deporte, el arte y todos los eventos, procesos y
acciones que hacen parte de sus rutinas, contribuyen a la formación de ciudadanos.
Pensar una escuela y una pedagogía para formar ciudadanos es muy distinto que pensarla para
hacer buenos estudiantes. El secreto es transformar una escuela común y corriente en una
escuela para la democracia. En una educación democrática el problema es cómo las mismas
cosas que se tienen, se pueden transformar para formar ciudadanos; porque, desde el punto de
vista de la democracia, las escuelas no tienen alumnos, lo que tienen son personas que se van
transformando en ciudadanos. La democracia debe ser una posibilidad, una realidad y propender
por la igualdad no sólo cultural sino económica.
3.
LA PROMOCIÓN DE LA AUTONOMÍA
Inmersos en una cultura donde prima el individualismo y la falta de criterio para elegir, estamos
buscando siempre un líder, alguien en quien descargar la responsabilidad; una doctrina, un
dogma, algo que brinde seguridad. La heteronomía es un fenómeno latente, unos mandan, otros
obedecen. La educación debe impulsar la autonomía, de tal manera que la persona sea capaz de
tomar sus propias decisiones, que se autodetermine. Una función de la educación es propiciar en
todos los seres humanos la libertad de pensamiento, de juicio, de sentimientos y de imaginación.
La verdadera educación debe asumir la angustia que implica pensar, ya que pensar involucra
todos los sentidos y exige esfuerzo, no es fácil, ni mucho menos una tarea de inmensa felicidad.
Si se asumen las consecuencias de las acciones que se emprenden, el hombre caminará hacia la
autonomía y podrá realizarse plenamente. La verdadera educación no sólo consiste en enseñar a
pensar, sino también en aprender a pensar lo que se piensa (GÓMEZ BUENDIA, 1998, pág.
14).
Una educación filosófica, siguiendo las orientaciones del pensador alemán Inmanuel Kant,
debe patrocinar una educación para la mayoría de edad, enseñar para que el alumno pueda
pensar por sí mismo. Para ayudar a crear conciencias y voluntades autónomas, lúcidas y a la vez
apasionadas que puedan realizar una simbiosis entre la convicción y la responsabilidad.
128
Toda la educación filosófica debe propender por la realización de la autonomía en las personas, debe
crear un ambiente propicio para el ejercicio del pensamiento, donde la libertad sea la constante y el medio
posibilitador para ser verdaderos y autónomos. La filosofía debe introducir la duda, interpelar la realidad,
desarrollar la crítica, el debate y la autonomía. Además, debe criticar y reprochar elementos como la
intimidación, la obligación, la imposición, la intolerancia y el individualismo. La educación actual es
dogmática, indeseable, crea un mercado de profesionales, es ideal para el modelo económico, pero
desfavorable para el desarrollo de las posibilidades del ser humano.
- La creciente pérdida de valores: Gracias a la pérdida de los paradigmas conductuales y el
libertinaje, la vida del ser humano ha perdido gradualmente su valor. Las guerras por petróleo,
disfrazadas bajo el seudónimo de Terrorismo, ataques salvajes con armas de destrucción masiva
y demás confrontaciones armadas, priman por encima de la misma especie humana. Urge
subrayar la importancia de reflexionar sistemáticamente acerca de los valores y las normas que
integran la ética civil para una sociedad benevolente. Donde se deje a un lado la idea de que la
vida no importa nada y solo importa gozar el momento (p.e.: porque la vida es ahora:
Mastercard). La educación debe hacer hincapié en la relevancia de los valores para la vida
individual y social.
La Educación filosófica debe cultivar un estilo de vida, donde la ética del reconocimiento sea
una de sus banderas, donde se defienda la dignidad de la persona humana. Asimismo,
la
acción educativa soportada en la filosofía debe arrancar al hombre de la indiferencia, la
insolidaridad y el individualismo. Debe promover la cooperación con otros, dejar a un lado la
competencia. La verdadera educación debe hacer a la persona un ser social, no egocéntrico y de
mente estrecha. La relación social que se origina en el proceso educativo permite ver al otro
como si fuera uno mismo, favoreciendo con ello no sólo la tolerancia, el respeto y el afecto por
el otro, sino también la comunicación de las propias experiencias (alteridad). Esta capacidad de
comunicación permite que el hombre se enriquezca, facilitando una mejor integración y
solidaridad (dialogicidad), evitando con ello el individualismo, que se transforma en el gran
desfigurador del proceso educativo.
- El desastre ecológico: El siglo XX pareció dar razón a la fórmula atroz según la cuál la
evolución humana es un crecimiento del poder de la muerte (MORIN, 1999, pág. 89).Se viene
imponiendo en el mundo una tendencia del hombre a la destrucción, menos mal que no es
generalizada. La primera amenaza y la más letal es la desaparición de la especie, gracias a la
implementación de las armas nucleares y químicas, las cuales en un abrir y cerrar de ojos,
pueden acabar con vastos territorios, el poder de ellas fue apreciado en Hiroshima-Nagasaki.
La médula de la educación debe ser la persona, la persona en cuanto pueda desarrollarse
plenamente en sus posibilidades, en sus sueños, en su integralidad: afectiva, volitiva e
129
intelectiva. Que la educación propenda por la conservación del planeta y de sus habitantes; que
sus banderas sean la igualdad de oportunidades, el acceso equitativo a las riquezas y el disfrute
de un ambiente sano. Una educación que vea en el hombre un fin en sí mismo y no una tuerca
del engranaje económico.
Es preciso que la escuela como espacio de inclusión conduzca a cada sujeto a aprehender, hallar
y estimar sus talentos y saber usarlos eficientemente para alcanzar sus propósitos. La escuela
debe permitir al individuo enfrentarse a nuevos retos, a construir sus propias herramientas para
desarrollar todas sus posibilidades. Para que lo anterior se cristalice, se hace imperiosa la
reforma de los currículos educativos, donde los contenidos sean diversos de modo tal que
respondan a las necesidades socioculturales de los diversos contextos.
BIBLIOGRAFÍA
DELORS, J. (1996). La educación encierra un tesoro. Madrid: UNESCO.
GÓMEZ BUENDIA, H. (1998). Educación la agenda del siglo XXI: Hacía un
desarrollo humano. Bogotá: Tercer Mundo.
MORIN, E. (1999). Siete Saberes necesarios para la Educación del Futuro. Bogotá:
Ministerio de Educación Nacional.
ZULETA VELASQUEZ, E. (1992). Ensayos Selectos. Medellín: Autores Antioqueños.
ZULETA VELASQUEZ, E. (1992). Para una concepción positiva de la democracia.
Medellín: Autores Antioqueños.
130
“LEITURA FILOSÓFICA”: POR UMA NOVA METODOLOGIA PARA A
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM FILOSOFIA.
Abiasleia Costa Almeida
RESUMO: O presente trabalho pretende relatar as experiências obtidas durante dois
anos de pesquisa e aplicação do projeto “Leitura Filosófica” na escola Centro de Ensino
Governador Edson Lobão, no intuito de desenvolver uma metodologia para o ensino de
filosofia através do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência).
A pesquisa teve seu início com a aplicação de questionários, objetivando uma
investigação de campo e, em seguida, passou-se ao desenvolvimento do projeto já
mencionado, com a “leitura filosófica” de textos, músicas, reportagens, obras de arte,
vídeos, etc. Enfim, tudo que pudesse colaborar de forma significativa na prática
pedagógica do ensino da Filosofia e, ao mesmo tempo, contribuir para desmistificar a
filosofia como prática investigativa distante da realidade dos alunos, além de favorecer
a ampliação da leitura de mundo dos mesmos. Tal perspectiva proporciona ao aluno a
formulação de conceitos, aja vista que, como afirma Cossuta, a filosofia procede por
conceitos. Este processo de conceitualização , segundo Silvio Gallo, constitui uma
última etapa do processo de aprendizagem da Filosofia. O projeto “Leitura Filosófica”
não pretendeu sanar os diversos problemas educacionais encontrados na escola, mas
propor uma nova metodologia de ensino pautada no interesse do aluno, ou seja, nos
problemas filosóficos que estão diretamente relacionados ao seu cotidiano. Ao buscar
despertar a reflexão acerca dos mesmos, procura encontrar um caminho para a
construção de um ensino de filosofia que contribua tanto para a ampliação dos
conhecimentos quanto para o alargamento da consciência crítica dos alunos.
Palavras-chaves: Leitura Filosófica, Realidade, Ensino.
131
Introdução
O presente trabalho é fruto de investigações propiciadas através do projeto
“Leitura Filosófica” que resultou de um programa de iniciação à docência: PIBID
(Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência). O PIBID é um programa da
CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) que objetiva a
interação do graduando ao cotidiano da prática docente. Assim também como de forma
inovadora e diversificada, visa construir e apresentar propostas estimulantes e
transformadoras, que possam – de algum modo (por meio de um processo de
interferência) – complementar, ou atender as necessidades do processo ensinoaprendizagem das escolas da rede pública para fins de construção de uma educação
diferenciada e que corresponda aos fins da educação básica tal como exposta na LDB
9394/96.
O projeto “Leitura Filosófica” é desenvolvido por 10 alunos universitários na
escola CEGEL (Complexo Educacional Governador Edson Lobão). Inicialmente, o
projeto foi pensado no sentido de ser uma proposta de trabalho didático com “Oficina
de Leituras Filosóficas”, que tinha como finalidade sensibilizar os alunos à prática da
problematização filosófica por meio da análise de obras de filósofos e outros textos em
geral. Mas após varias discussões sobre a relação dos conteúdos filosóficos e a realidade
dos alunos, os quais concebiam a filosofia como algo distante de seu cotidiano, a
pesquisa expandiu-se e amadureceu a sua proposta, passando a ser uma leitura filosófica
acerca de múltiplos elementos como, por exemplo, textos, músicas, vídeos, filmes, etc.
Desse modo, a proposta do grupo transcendia uma simples atividade de leitura
de textos filosóficos, os quais, descontextualizados, implicam em peso para os alunos
que – não tendo vivido ainda uma profunda experiência conceitual com os textos e a
história da filosofia – acabam muitas vezes por não entender nada (o que não deixa de
ser uma das razões pela qual eles concluem haver um distanciamento entre a filosofia e
suas malhas sociais).
Daí proveio questionamentos que nos colocaram frente a um exame profundo
acerca do sentido de tal Leitura Filosófica, buscando assim, um aprimoramento
metodológico, uma vez que tal questionamento recai sobre a problemática do ensino da
132
filosofia no nível médio. Se a Filosofia compõe um aprendizado que se faz num
processo diferente das demais ciências, então podemos propor que seu procedimento
metodológico se faz de forma diferenciada, uma vez que, ao possibilitar a inauguração
do novo por parte do aluno, o ensino de filosofia não possui limitações estabelecidas
dentro dos parâmetros pedagógicos.
Leitura Filosófica: uma leitura de mundo
A proposta do projeto Leitura Filosófica não é apenas listar recursos
metodológicos a serem seguidos por professores de ensino médio no intuito de
promover uma boa aula de filosofia. Mas sim analisar criticamente elementos didáticos
que podem contribuir para as aulas de filosofia, elementos estes que estejam
diretamente relacionados à realidade dos alunos, como uma música, notícia, obra de
arte, poesia, textos de filosofia, etc.
O sentido de leitura assume um caráter de interpretação da realidade que é
expressa por diversos elementos culturais. Nessa perspectiva Vilson Leffa faz uma
colocação acerca desse sentido de leitura, a qual tomamos como base durante nossa
pesquisa.
Primordialmente, na sua acepção mais geral e fundamental, ler é usar
segmentos da realidade para chegar a outros segmentos. Dentro dessa
acepção, tanto a palavra escrita como outros objetos podem ser lidos,
desde que sirvam como elementos intermediários, indicadores de
outros elementos. Esse processo de triangulação, de acesso indireto à
realidade, é a condição básica para que o ato da leitura ocorra.
(LEFFA, p.11)
Por isso pensou-se em uma leitura filosófica que consiste em uma nova forma de
ver e reinterpretar, por meio de elementos, a nossa realidade. Desta forma, “não se lê,
portanto apenas a palavra escrita, mas também o próprio mundo que nos cerca” (Vilson
Leffa, pág. 10). É nesse sentido que colocamos a leitura filosófica como uma leitura de
mundo, uma leitura crítica da realidade.
Por conseguinte, o projeto “Leitura Filosófica” propõe uma nova metodologia de
ensino pautada no interesse do aluno, ou seja, nos problemas filosóficos que estão
diretamente relacionados à sua realidade, além de, colaborar de forma significativa na
prática pedagógica em filosofia e, além disso, contribuir para desmistificar a filosofia
como prática investigativa distante da realidade dos alunos. Ao buscar despertar a
reflexão acerca da realidade dos mesmos, procura encontrar um caminho para a
133
construção de um ensino de filosofia que contribua tanto para a ampliação dos
conhecimentos, quanto para o alargamento da consciência crítica dos alunos.
Filosofia em sala de aula
Nossa atuação em sala de aula se deu como forma de intervenção, sendo que em
momento algum substituímos o professor da escola. Nossa atividade não se restringe a
ministrar aulas, mas sim contribuir para uma maior reflexão.
Perquirimos a ideia proposta por Silvio Gallo com relação ao processo de ensino
da filosofia, o qual coloca que tal processo se realiza em quatro fases denominadas de
Sensibilização, Problematização, Investigação e Conceituação. Nossa atividade se
limitava às duas primeiras, o que não excluía as demais.
A Sensibilização é um momento essencial na atividade do pensar, pois nesta
etapa faz-se necessário chamar a atenção dos alunos para o conteúdo a ser ministrado
através de um elemento não filosófico, como uma música, uma poesia, etc... É o
momento de sensibiliza-los para a problemática a ser desenvolvida, fazendo com que os
mesmos possam demonstrar interesse em questionar, interferir e participar da discussão.
Trata-se, em outras palavras, de fazer com que os estudantes vivam,
“sintam na pele” um problema filosófico a partir de um elemento não
filosófico. Trata-se de fazer com que os estudantes incorporem o
problema, para que possam vir a criar um conceito incorporal.
(GALLO, 2007, p.28).
A problematização ocorre quando o tema é transformado num problema, onde o
aluno possa refletir relacionando o tema com o seu cotidiano. Esta etapa consiste
principalmente na indagação acerca do tema dado.
Podemos, nesta etapa, promover discussões em torno do tema em
pauta, propondo situações em que ele possa ser visto por diferentes
ângulos e que seja problematizado em seus diversos aspectos.
Desenvolvemos também a desconfiança em relação às afirmações
muito taxativas, às certezas prontas e ás opiniões cristalizadas.
(GALLO, 2007, p. 28-29).
Em relação aos conteúdos, a escola possui um planejamento de atividades,
seguindo o livro de Marilena Chauí “Convite a Filosofia”. Portanto nossas atividades
estavam pautadas nos assuntos selecionados pela escola. Dentre os vários temas
trabalhados, relatarei um pouco sobre nossa experiência em sala de aula, mais
especificadamente na turma 106 de 1º ano.
Um assunto bem interessante que trabalhamos foi “A Atitude Filosófica: Para
que Filosofia?”. A professora já havia feito uma introdução ao assunto na aula anterior,
onde tratou sobre O Mito da Caverna de Platão, para tanto trouxemos uma forma lúdica
134
de ver este mito, utilizando-se uma dinâmica com os alunos, objetivando apresentar aos
mesmos uma releitura do mito. Pedimos que dois alunos voluntários vendassem os
olhos e entregamos duas espadas feitas de jornal para que eles iniciassem um confronto.
Antes havia sido informado a um dos alunos que sua venda seria retirada, mas que ele
não poderia parar de confrontar. Após o outro componente achar que estava apanhando
e o outro se esquivando, a dinâmica foi encerrada para discussão.
Os alunos participantes relataram a experiência vivida na dinâmica, suscitando
na turma o interesse na atividade. Destacamos aqui o relato do aluno que teve a venda
retirada. Ele afirmara que fora interessante a mudança na percepção da situação. Daí
aproveitamos para tecer relações com o próprio Mito da Caverna: o momento em que o
aluno tem a venda retirada corresponde ao instante em que o homem se coloca para fora
da caverna e confronta-se com a verdadeira realidade.
Ressaltando, num contexto maior, que o objetivo da dinâmica foi demonstrar a
atitude filosófica como um processo de desalienação. Aqui fizemos uma vasta
comparação com o “mito da caverna”. A aula foi bastante proveitosa, visto que houve
grande participação da turma.
Considerações Finais
Ao desenvolver o projeto com suas finalidades exibidas anteriormente,
percebemos um resultado positivo por parte dos alunos, pois os mesmos se propuseram
a uma reflexão a partir da filosofia sobre sua realidade. Reflexão esta que possibilitou a
construção do conhecimento.
Os resultados positivos verificados no dia-a-dia da sala de aula, bem como, em
questionários aplicados posteriormente à aplicação do projeto (que ainda se encontra em
andamento), evidenciam o sucesso da proposta, uma vez que, observamos aumento do
interesse e, consequentemente da concentração dos alunos nas aulas, que se reflete no
bom desempenho dos mesmos nas avaliações realizadas pela Professora Sâmia Lima.
Neste sentido, alcançamos o objetivo de fazer com que os alunos pensassem de
forma crítico-reflexivo o mundo que os cerca, despertando o interesse para as questões
filosóficas que nos rodeiam, mas que muita das vezes são ignoradas por causa do
conformismo do homem.
135
REFERENCIA BIBLIOGRAFICAS
GALLO, Sívio; KOHAN, W. Omar (org.). Filosofia no ensino médio. Petrópolis:
Vozes, 2000.
GALLO, Silvio. A filosofia e seu ensino: conceito e transversalidade. In: SILVEIRA,
Renê J. T; GOTO Roberto (orgs). Filosofia no Ensino Médio: temas, problemas e
propostas. São Paulo: Loyola, 2007. (Coleção filosofar é preciso). Pg. 15 – 36.
LEFFA, Vilson J. Aspectos da leitura. Porto Alegre: Sagra: DC Luzzatto, 1996.
136
Como ensinar filosofia na escola pública?
Wanderley da Silva
Introdução
O presente texto foi construído como uma tentativa de resposta às interrogações
formuladas pelos alunos do curso de licenciatura em filosofia da UFRRJ
(Seropédica/RJ), durante os debates na disciplina ensino de filosofia e no decorrer das
atividades do estágio supervisionado, ao longo dos anos de 2011/12. Tanto a disciplina
quanto a atividade mencionadas possuíam como temática e local de prática a escola
pública. Esses questionamentos foram inicialmente sintetizados sob uma interrogação
recorrente entre os discentes: “Como ensinar filosofia na escola pública?”.
A primeira parte do texto é dedicada ao esclarecimento do conceito de autonomia que
fundamenta este trabalho, e a verificação do sentido dado à noção de autonomia do
sujeito na legislação educacional em vigor. A segunda seção apresenta uma pequena
análise estatística sobre a mudança do perfil socioeconômico dos alunos da escola
pública brasileira. Os dados estatísticos selecionados objetivam tanto caracterizar a
chegada das classes populares à escola pública, quanto evidenciar as possíveis
implicações dessa mudança sobre a “motivação dos alunos” em relação à educação
escolar.
A “questão didática” referente ao ensino de filosofia na escola pública é tratada na
terceira parte do texto. Logo na abertura do segmento, os argumentos usados defendem
a necessidade de uma nova abordagem didática para o ensino da disciplina. Já a parte
conclusiva do texto dá relevo às mudanças das significações imaginárias sociais que
construíram o modelo de escola pública corrente e a possível emergência de uma nova
construção de instituição escolar, que atenda aos anseios e demandas dos novos alunos
da escola pública.
1. Autonomia e educação, uma questão central
137
A centralidade atribuída aqui ao processo de autonomia do sujeito se justifica pelo
projeto de formação humana que qualquer tipo de proposta educativa precisa ter.
Entendemos a educação como um projeto de formação simultaneamente individual e
coletivo, que precisa concentrar seus esforços em modelos de formação coerentes com
seus fins. Entendemos como fim da educação a criação de sujeitos autônomos capazes
de construir e manter uma sociedade democrática.
A autonomia do sujeito, por sua vez, não é obra da razão emancipada, mas uma criação
social histórica de sujeitos que aprendem juntos, na prática de deliberação e de
interrogação sobre um mundo já instituído, como enuncia Cornélius Castoriadis:
A autonomia não é a liberdade cartesiana, menos ainda a sartriana, a
fulguração sem engajamento. A autonomia no plano individual significa o
estabelecimento de uma nova relação entre o eu e seu inconsciente, não para
eliminar este último, mas para conseguir filtrar a parte dos desejos que passa
nos atos e palavras. Esta autonomia individual tem pesadas condições
instituídas. Precisamos, pois, de instituições da autonomia, de instituições
que dêem a cada um uma autonomia efetiva enquanto membro da
coletividade, e que lhe permita desenvolver sua autonomia individual. Isto só
é possível pela instauração de um regime verdadeiramente – e não apenas em
palavras – democrático (CASTORIADIS, 2002, p.254).
Nas palavras do filosofo grego, fica evidenciado que a autonomia não é o apagamento
do outro, sob uma noção de igualdade que esconde traiçoeiramente a transformação do
outro no mesmo. Essa “nova relação entre o eu e seu inconsciente”, permitiria a criação
de uma “cultura da responsabilidade” (CASTORIADIS, 1987), na qual o sujeito
autônomo assume simultaneamente os seus desejos e responsabilidades; o outro, a
alteridade, é um aliado e não um obstáculo para esse processo.
A autonomia é um tipo de criação particular, inseparável da democracia e da filosofia; o
que nos permite afirmar que os três conceitos são complementares, ou nas palavras do
autor, eles “cossignificam” o sentido de criação nas sociedades autônomas
(CASTORIADIS, 1992).
A filosofia e a democracia são práticas de interrogação e deliberação que constituem o
que Castoriadis põe no cerne do conceito de autonomia, isto é, a autocriação do sujeito e
a
autoinstituição
da
sociedade
como
um
movimento
político
educativo
(CASTORIADIS, 2002b).
138
A autonomia exige a educação, pois ela não é uma construção natural de um sujeito
isolado em sua introspecção, mas, como autocriação “sua finalidade, é o próprio
exercício da lucidez e da deliberação. Na educação, portanto, o fim corresponde à
própria atividade que o produz: a autocriação” (VALLE, 2002, p.272). Em uma
sociedade autônoma, a educação é um permanente trabalho de questionamento, de
reflexão aberta, de autocriação humana; em uma sociedade heterônoma, porém, a
educação está presa à aplicação de teorias e reduzida a procedimentos e técnicas, cujo
objetivo é ocultar o poder criador inerente ao humano.
O conceito de autonomia que orienta a legislação da educação brasileira, por outro lado,
não parece favorecer à noção de autocriação. Encontramos na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB - 9.394/96) em vigor no país, uma redação que dá margem
para o entendimento da noção de autonomia como sinônimo de desenvolvimento
intelectual individual.
A partir do artigo 35, inciso II, que trata do ensino médio, a LDB afirma como uma das
finalidades desse nível de ensino: “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
educando, para continuar aprendendo, de modo a se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamentos posteriores”. No mesmo artigo, inciso III, é
citada a palavra “autonomia” no sentido de capacidade racional (individual) a ser
desenvolvida em beneficio da humanização em um processo que visa: “o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”.
Ao longo dos 92 artigos da LBD, a palavra cidadania aparece duas vezes, nos artigos 2 e
35, sempre vinculada à preparação para o trabalho, porém sem uma definição mais
precisa, apenas sugere que só há cidadania com o trabalho, assim, a educação para
cidadania é, podemos deduzir, uma educação para a formação do trabalhador.
O artigo 36, § 1º, inciso III, se refere ao currículo do ensino médio e afirma que o aluno
deve demonstrar “domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao
exercício da cidadania”. No referido artigo podemos observar que os conhecimentos de
filosofia são “necessários” para o exercício da cidadania, porém, a julgar pela íntima
relação observada na letra da lei entre cidadania e trabalho, uma ilação possível é de que
a filosofia seria instrumento para a qualificação profissional do educando.
Segundo os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (PCN), o ensino nessa etapa deve
ser um momento de estruturação dos conhecimentos escolares que precisam levar o
139
aluno a sua “autonomia” de “cidadão do próximo milênio” (BRASIL, 2002, p.31); mais
adiante, afirma que a capacidade de crítica e problematização permitem a tomada de
posição do aluno diante de textos, e essa capacidade desenvolvida a bom tento seria:
“um pressuposto necessário e decisivo para o exercício da autonomia e, por
conseguinte, da cidadania” (Ibid. p.53). A noção de autonomia aparece ainda com o
sentido de “condução de si” (p.59); “escolha, competência e habilidades” (p.62) e,
finalmente, “liberdade” (p.67).
O termo “cidadania”, por sua vez, é recorrente no texto do referido PCN e aparece com
variadas conotações, como “cidadania formal” e “cidadania social” (p.12); como
conjunto de “direitos e deveres” e “cidadania real” (p.14); “cidadania cultural” (p.26);
“cidadania plena” (p.40), entre outros. Para a nossa tarefa de elucidação, nos importa
identificar a noção de cidadania manifesta nos PCNs, já que na LDB existe uma relação
direta entre cidadania e trabalho. A chamada “cidadania plena” (uma espécie de grau
máximo ou ideal de cidadania) só é conseguida com a participação “nos diversos
espaços da sociedade” (BRASIL, 2002, p.41), que aparentemente deve ser preparada
pela escola, isto é, a escola é a instância inicial da cidadania.
A filosofia, segundo os Parâmetros, seria a disciplina que deve “promover,
sistematicamente, condições indispensáveis para a formação da cidadania plena!”,
porém, apesar de “indispensáveis”, seus conhecimentos não são “suficientes” para o
exercício da “cidadania plena” (Ibid., p.45). Como definição no documento legal, a
cidadania é desenvolvida pela filosofia em três planos: estético, com fortalecimento da
“sensibilidade”; ético, consolidando princípios igualitários, até forjar a “identidade
autônoma” e político, com “reconhecimento dos direitos humanos” e a “participação
democrática” (p.49).
Diante do exposto, a autonomia, expressa na legislação que orienta às políticas públicas
da educação nacional, parece priorizar a ideia de uma emancipação intelectual do
indivíduo que, posteriormente, aplica sua capacidade autônoma em suas atividades
sociais. Além disso, todo desenvolvimento da chamada “cidadania plena” é mediado
pela capacidade racional do educando que, capaz de conduzir a si mesmo, potencializa
suas habilidades e competências, faz suas escolhas e adapta-se ao mundo do trabalho; o
que caracteriza uma definição pautada no campo do instituído, sem brecha para a
criação.
140
Acreditamos que a construção da autonomia do aluno na escola pública requisita uma
nova relação entre professores, alunos, funcionários e a sociedade, para o
estabelecimento de um espaço propício a autocriação do sujeito. Supomos que as novas
práticas discentes nem sempre serão agradáveis ou familiares. No caso da filosofia, os
alunos da escola pública não parecem dispostos à disciplina tradicional, ao hábito da
leitura ou aos projetos de futuro comuns às gerações anteriores, porém, suas demandas e
proposições são legítimas e fundamentais para o estabelecimento de uma cultura
democrática.
2. A evolução das matrículas no ensino médio brasileiro e a mudança do perfil
socioeconômico dos alunos das escolas públicas
Os dados referentes ao ensino médio no Brasil permitem constatar um aumento
considerável na oferta e matrículas no período de 1971-1994. Passamos de 1.119.421
alunos matriculados em 1971, para 5.073.307 em 1994, um crescimento de 353% no
período, cobrindo 32,2% da faixa etária de 15 a 19 anos (ZIBAS; FRANCO, 1997). No
mesmo período, as matrículas nas escolas estaduais avançaram 578%; já as escolas
privadas diminuíram sua participação, de 43% em 1971, para 20,8% em 1994. Por
último, ainda devemos destacar que 60% das matrículas dos alunos no ensino médio de
1989-1994 foram efetivadas no turno da noite, majoritariamente por alunos
trabalhadores de baixa remuneração e fora da faixa etária considerada adequada para
esse grau de ensino (Ibid., p.37).
O crescimento do ensino médio foi acelerado ainda na década de 1990, já que de 1991
até 1998 houve um crescimento de 84% no número de matriculas (BRASIL, 1998). As
matrículas nos anos 2000 continuaram crescendo 10,3% entre 2000-2003, mas sofreu
uma retração entre 2004-2008, de menos 8,8%, passando de 9.169.357 alunos
matriculados em 2004, para 8.366.100 em 2008 (BRASIL, 2011b).
Segundo os dados do Censo da Educação Básica 2011, o ensino médio contava em
2009 com 8.357.675 alunos matriculados, desse total, 85,9% estudava nas redes
estaduais de ensino público. Em 2010, aproximadamente um terço dos alunos estudou
no turno da noite (BRASIL, 2012). Conclui-se então que houve uma diminuição
considerável no número de alunos matriculados nos cursos noturnos; de 60% em 1994,
para pouco mais de 30% em 2010, porém, mantendo um contingente enorme de quase 3
141
milhões de alunos. Se considerarmos os alunos matriculados na educação de jovens e
adultos no ensino médio (EJA), acrescentaríamos aproximadamente mais 1 milhão de
alunos ao curso noturno (Ibid.).
A mudança do perfil socioeconômico dos alunos das escolas públicas do ensino médio
fica evidenciada também nos dados do IBGE (2010), que demostram que apenas 9,9 %
dos alunos de famílias de baixa renda (1º e 2ª quintos de renda per capita por família)
estão matriculados nas escolas particulares, contra 47,1% nas escolas públicas. Já em
relação às famílias de mais alta renda (5º quinto), existe uma abruta inversão: 9,4%
estão matriculados nas escolas públicas, contra 52,7% nas escolas privadas.
Como movimento histórico, os alunos das camadas mais pobres da população brasileira
conseguem chegar a número expressivo ao final da educação básica; porém, esse
movimento causa um descompasso entre a antiga concepção de escola pública e as
novas demandas e referentes culturais dos alunos. Essas dificuldades, cada vez mais
evidentes, estão presentes e percebidas no cotidiano escolar já que afetam o trabalho
docente.
Em inúmeros momentos de trabalho com docentes de redes
estaduais e municipais, em diferentes cidades do país, temos
sido confrontados com perguntas que nos evidenciam a
dificuldade presente entre o professorado, tanto de tornar a
cultura um eixo central do processo curricular, como de conferir
uma orientação multicultural às suas práticas. São frequentes,
nesses encontros, indagações relativas ao (à) aluno (a) concreto
(a) que usualmente está presente na sala de aula: como lidar com
essa criança tão “estranha”, que apresenta tantos problemas, que
tem hábitos e costumes tão “diferentes” dos da criança “bem
educada”? Como “adaptá-la” às normas, condutas e valores
vigentes? Como ensinar-lhe os conteúdos que se encontram nos
livros didáticos? Como prepará-la para os estudos posteriores?
Como integrar a sua experiência de vida de modo coerente com
a função específica da escola? (CANDU, 2003, p.1).
Os desafios para superar esse momento de impasse são muitos. Poderíamos associar à
mudança do perfil socioeconômico e sociocultural dos alunos da rede pública,
142
igualmente a mudança desses perfis em relação aos professores e seus desdobramentos;
ou ainda, problematizar as questões relacionadas à noção de juventude e suas mudanças
em tempos da comunicação digital, entre muitas outras possibilidades. Nesse cenário
novos questionamentos são válidos, como: Quais as motivações desses alunos? Quais os
referentes culturais dos estudantes? Quais as melhores formas e abordagens didáticometodológicas para aproximar a escola pública de seus alunos? Não temos, obviamente,
respostas definitivas para essas questões; entretanto, continuaremos em nosso esforço de
elucidação analisando algumas questões didáticas como forma de ajudar a compreensão
desses novos desafios.
3. Algumas questões didáticas sobre o ensino de filosofia na escola pública
A necessidade de uma didática específica para o ensino de filosofia não é uma
unanimidade entre os pesquisadores. Alguns defendem que a filosofia independe de
qualquer tipo de tratamento didático, esses autores “preferem dizer que essas coisas
[didática, metodologia, currículo] não existem e que a Filosofia por si mesma é uma
didática” (ROCHA, 2008, p. 20). Preferimos, entretanto, a interlocução com posições
mais reflexivas e propositivas sobre a questão, em defesa da didática do ensino de
filosofia como “uma construção (uma base conceitual teórica e prática) que deveria ter a
vitalidade de atualizar-se todos os dias” (CERLETTI, 2009, p. 77). Por outro lado,
percebe-se um consenso de opiniões sobre a necessidade de superar metodologias
superficiais e mecânicas para o ensino da disciplina, que “se confundam como simples
técnicas pragmáticas aplicáveis a todos os problemas” (GHEDIN, 2008, p. 25), pois
“uma didática da filosofia deve ser, antes de tudo, filosófica” (RODRIGO, 2009, p.33).
A inclusão da filosofia no currículo do ensino médio brasileiro traz consigo a
necessidade de uma nova abordagem didática, que atenda as exigências da atual escola
pública. Mudança didática justificada pela visão de mundo e interesses, além da
diversidade cultural e regional, que as camadas menos favorecidas economicamente
apresentam.
As dificuldades para a construção de uma nova proposta didática para o ensino de
filosofia, como das demais disciplinas, estão manifestas na própria organização das
instituições escolares. As obrigações funcionais do professor dentro da hierarquia das
instituições escolares sobrecarregam o trabalho docente com uma burocracia de
discutível valor pedagógico. Relatórios, planejamentos, confecção e correção de
143
avaliações encomendadas pelo Estado, sem a devida articulação e trabalho coletivo,
pouco parece favorecer a formação discente. Essa organização escolar, comum às
escolas públicas, impõe ao docente uma “dupla tarefa de mestres e funcionários do
Estado” que exige do professor de filosofia uma capacidade de ocupar o lugar, bastante
difícil, “da transmissão, da provocação e do convite” (CERLETTI, 2009, p.39).
Alia-se à sobrecarga burocrática atribuída ao professor, um dia letivo bastante curto. A
filosofia, como as demais disciplinas no ensino médio, é oferecido em sistema de
tempos de aulas que em muitas situações não possibilita condições mínimas para uma
discussão razoavelmente detida. É bastante difícil convidar o aluno à Filosofia sem um
espaço de reflexão, se muitas vezes a disciplina é oferecida como “última aula de sextafeira e depois da Educação Física” (CONTALDO, 2004, p. 52). Parece evidente que há
uma premente necessidade de modificação da dinâmica do trabalho pedagógico para
que cada escola possa organizar sua grade de horários de modo mais adequado,
atendendo as particularidades das diferentes disciplinas.
Não só a reorganização do trabalho pedagógico nas escolas é importante para criar um
espaço de reflexão, parece mais urgente ainda uma decisão didática mais clara e
afirmativa quanto ao ensino de filosofia. Decisão que contribua para dirimir a falsa
aporia sobre se devemos ensinar filosofia ou ensinar a filosofar.
A análise de Lídia Maria Rodrigo sobre a suposta dicotomia entre aprender filosofia ou
aprender a filosofar é muito elucidativa. A autora afirma que aqueles que invocam a tese
kantiana sobre a impossibilidade de aprender filosofia se equivocam, e “alimenta [m]
certa hostilidade em relação ao estudo de história da Filosofia” (RODRIGO, 2004, p.
91). O equívoco estaria na dissociação entre o filosofar e a tradição do pensamento
filosófico já que “uma leitura atenta e cuidadosa do texto da Arquitetônica evidencia
que em nenhum momento o autor dissocia o ato de filosofar do conhecimento da
tradição filosófica” (RODRIGO, 2009, p. 48). Segundo a autora, a dicotomia presente
na tese kantiana é de outra ordem, e não é responsável pela suposta aporia entre ensinar
filosofia ou ensinar a filosofar.
A dicotomia presente no texto kantiano parece de outra ordem:
ele dissocia a aprendizagem filosófica, concebida como
comportamento meramente aquisitivo, passivo, produto da
faculdade de imitação, e a prática da filosofia enquanto
144
exercício ativo da própria razão, graças à faculdade de invenção
(RODRIGO, 2009, p. 48-49).
Um efeito bem objetivo dessa falsa aporia é o abandono quase que total da leitura e
análise de textos filosóficos para os alunos iniciantes, já que muitos atribuem à história
da Filosofia uma condição de mera reprodução de conhecimentos estanques. Diante
desse suposto risco, muitos professores recorrem a uma abordagem temática que,
devido às condições escolares já mencionadas, oferece na maioria das vezes apenas
assuntos banais e sem oportunidades de reflexão, aprofundamento ou contextualização.
Tanto na abordagem didática, que toma a história da filosofia
como centro, quanto na que trabalha com temas banalizados,
corre-se o risco de tomar o silenciamento político como
pressuposto comum, assentado na afirmação da neutralidade
técnica. Ou seja, nas duas abordagens, a prática pedagógica
pode acabar sendo vista apenas em função dos condicionantes
internos do processo ensino-aprendizagem, sem leva em
consideração o contexto social em que esse processo ocorre
(BARBOSA, 2008, p. 140).
Consideramos importante o estabelecimento de uma nova abordagem didática para o
ensino de filosofia, que supere na sala de aula a mera repetição de aforismos e datas,
tendendo hora para uma tematização banal, ora para uma contextualização histórica
rarefeita. Uma nova abordagem que propicie um ambiente escolar afeito a acolher as
interrogações discentes, baseadas na reflexão e na atualização das temáticas da tradição
filosófica e que, principalmente, dê visibilidade ao contexto sociocultural do educando.
Uma prática que supere a mera repetição, e que avance, mesmo que modestamente,
objetivando que o aluno seja capaz de filosofar.
Para o estabelecimento dessa nova abordagem não existe uma fórmula pronta, porém,
podemos concluir que a oferta de material didático produzido no país não favorece a
semelhante empresa. Uma primeira constatação aparece no Guia de livros didáticos
2012 : a pequena oferta de livros e recursos didáticos de Filosofia.
Para o PNLD 2012 foram inscritos quinze livros didáticos de filosofia e
aprovados somente três. O índice reduzido de aprovação é uma indicação
145
clara de que o processo de consolidação de uma tradição de livro didático de
filosofia no Brasil encontra-se num estágio bastante inicial. (BRASIL, 2011,
p. 14).
Um universo de apenas 15 obras sobre o tema parece exigir uma reflexão. Inicialmente,
não seria exagero dizer que nesse momento os professores de filosofia do ensino médio
encontram basicamente um material pouco diversificado, para não dizer padronizado,
para realizar o seu trabalho. Por melhor que seja a publicação escolhida pelos
professores de cada escola, entre as três indicadas pelo MEC para a aquisição das
unidades escolares em 2012, esse universo restrito de obras não auxilia o trabalho
docente, inclusive em relação às diferenças regionais e culturais.
O ensino de filosofia visto como uma atividade criativa exige uma nova prática didática
e pedagógica, que contribua com a formação autônoma dos alunos. A filosofia pode
ajudar a educação de modo geral e mais diretamente as escolas públicas brasileiras
oferecendo uma dinâmica de construção do conhecimento que requisita uma postura
reflexiva e rejeita o mero treinamento como modus operandi. Para cumprir o seu papel
de interrogação permanente do instituído, a filosofia nas escolas precisa refletir sobre os
meios e vias mais capazes de cumprir seus objetivos.
A participação dos professores e dos alunos na produção de novas abordagens didáticas
pode ser um caminho viável para superar o risco de padronização didática, a partir do
uso exclusivo de um manual. Sabemos que, por vários motivos e em muitas escolas, o
livro didático é a única fonte de consulta dos alunos. Sem querer entrar nessa seara,
defendemos que é possível a partir de cada realidade trazer do cotidiano dos discentes
elementos para materializar a filosofia em seus contextos específicos, respeitando às
diversidades regionais e culturais.
Além de considerar a diversidade cultural, julgamos igualmente importante construir,
com o apoio de materiais didáticos criativos, uma tradição filosófica escolar com a
participação ativa dos professores e alunos no cotidiano da sala de aula, fazendo uso
inclusive dos meios de comunicação remotas para troca de experiências e, por que não,
a produção colaborativa de novos materiais multimídias pelos próprios usuários.
Considerações finais
Os argumentos expostos neste texto, como tentativa de elucidação aos desafios do
ensino de filosofia na escola pública, evidenciam a necessidade de aproximar a
instituição escolar dos seus estudantes. A escola pública que tradicionalmente fazemos
146
referência é fruto de uma criação imaginária, de um “imaginário social-histórico”
(CASTORIADIS, 1986), que projetou um tipo específico de formação humana, ligada a
um conjunto de valores que justificava a hierarquia, o civismo, a moral religiosa, o
trabalho, o labor e todas as instituições imaginárias sociais de uma determinada época.
Mesmo ruindo toda a sustentação social daquele modelo de escola, vemos, como um
persistente devaneio, a imagem saudosista da “velha e boa escola pública do passado”.
O saudosismo quanto à imagem de uma escola pretérita, parece prender nossas energias
em uma circularidade desgastante, posto que melancólica. Melancólica porque projeta
uma realidade anacrônica da instituição escolar, que fazia sentido no passado, mas não
mais o faz, já que a maioria dos estudantes pertence a um novo conjunto de referentes
culturais e demandas sociais.
Tanto a pergunta pela “motivação dos alunos” quanto às “questões didáticas”,
subsomem a emergência de um novo aluno da escola pública, que demanda igualmente
a criação de uma nova escola. Como exposto anteriormente, a mudança do perfil
socioeconômico do aluno da escola pública está ligado ao um processo de
transformação política que atinge toda a sociedade brasileira. Os novos alunos da escola
pública pertencem às camadas historicamente excluídas do processo de escolarização e
dos serviços essenciais do Estado. Fatores derivados da marginalização social desses
estratos populacionais, como a negação ao acesso à cultura universal e a necessidade
premente pela sobrevivência que faz de muitas crianças e jovens arrimos de família,
merecem especial atenção.
Nas inda e vindas do processo político nacional, as políticas públicas da educação
trouxeram um contingente enorme de estudantes nas últimas três décadas para o interior
da escola, porém, com um pífio, ou se quiserem, trágico índice de desempenho escolar.
Sobretudo nas décadas de 1990 e 2000, com a famigerada “aprovação automática” e
ardis similares, trocou-se o ensino pela aprovação, um tipo de escambo que
provavelmente contribuiu com o baixo nível de aproveitamento dos alunos no ensino
médio, conforme constata o IDEB 2012 (BRASIL, 2012b). Fato que não deve,
entretanto, abalar a convicção da importância da universalização do ensino, mas ser
suficiente para colocar em suspeição o modelo escolar vigente.
O que motiva os nossos alunos? Quais as novas abordagens didáticas adequadas à
escola pública? Essas questões e suas possíveis soluções requisitam a participação dos
maiores interessados, ou seja, dos alunos, já que as críticas e constatações de fracassos
147
da escola pública existem em profusão. Para propor o diálogo, é necessário um
ambiente acolhedor e desafiador, que faça sentido para a vida dos estudantes. Por
conseguinte, parece necessária uma nova abordagem didática e curricular que permita
ver e ouvir o maior número de rostos e tons.
Alguns passos, mesmo que muito tímidos, já trazem esperanças, como a discussão em
torno dos currículos nas redes estaduais e o movimento de formação dos professores em
exercício, realizada pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica – PARFOR (BRASIL, 2012). Esperanças revestidas, naturalmente, de visão
crítica, novas proposições e acompanhamento incessante dos meios e vias capazes de
superar as atuais deficiências sistêmicas.
Estamos diante de um momento histórico muito positivo, pois inaugura o acesso da
maioria a um dos direitos fundamentais da democracia, o direito à educação. Momento
que não se apresenta sem sobressaltos e doses de pessimismo, porém, que pode marcar
a criação de uma nova escola em sintonia com os interesses, demandas e anseios dos
nossos contemporâneos. Nesse momento histórico, a filosofia, pela sua recente inclusão
curricular e por sua própria natureza interdisciplinar, é capaz de ser uma grande aliada
para o processo de autoinstituição de uma escola que ofereça ao aluno o espaço para a
construção da sua autonomia.
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150
As Tecnologias e o ensino de filosofia: Análise dos trabalhos
publicados nos livros do “Simpósio Sul-Brasileiro Sobre Ensino de
Filosofia”
Simone Becher Araujo Moraes
Elisete Medianeira Tomazetti
RESUMO
O presente trabalho é parte de nossa dissertação de mestrado em Educação, cujo
principal objetivo é identificar problemáticas sobre as possibilidades e desafios do uso
das Tecnologias da Informação e da Comunicação nas relações de ensino e de
aprendizagem de filosofia na escola do ensino médio a partir de uma perspectiva
filosófica. Nossos interlocutores da investigação são: Pierre Levy (1996), Gilles
Deleuze (1993), Paul Virilho (1999), Herbert M. Mc Luhan (2001), Jesús MartinBarbero (1999), entre outros. Neste texto, apresentaremos o resultado de nossa análise
dos artigos produzidos por professores/pesquisadores da área de filosofia e ensino de
filosofia de algumas universidades brasileiras que tematizaram as questões das
tecnologias no ensino dessa disciplina. Esses artigos, publicados como capítulos de
livros, foram apresentados no Simpósio Sul- Brasileiro Sobre Ensino de Filosofia,
organizado pelo Fórum Sul de Cursos de Filosofia da região sul do Brasil, que se
realizou entre os anos de 2001 a 2010. Durante uma década, o evento foi sediado em
diversas universidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, tendo como
objetivos principais, discussão e reflexões sobre o ensino de filosofia na escola básica,
bem como a sobre a formação dos professores de filosofia. Este simpósio foi um dos
mais importantes eventos da área, naquele período, e originou um acervo bibliográfico
151
de grande importância para os estudiosos do ensino de filosofia. O mesmo foi realizado
durante um período de grandes desafios e lutas políticas para o retorno da filosofia,
como disciplina, na escola básica em caráter obrigatório. Sob uma perspectiva
quantitativa, primeiramente, percebemos que durante os dez anos do evento e posterior
publicação dos nove livros as temáticas que versam sobre as tecnologias da informação
e da comunicação (TICs) e filosofia ou TICs no ensino de filosofia apareceram em oito
desses livros, sendo que em um deles encontramos dois artigos. Este fato nos chamou a
atenção, pois percebemos que para além das pesquisas e debates sobre o retorno e a
importância do ensino de filosofia na escola básica, os pesquisadores já se
problematizavam as condições da escola e as metodologias que potencializariam um
retorno com sentido e qualidade para a disciplina. Sendo assim, nesse trabalho
pretendemos mostrar os diferentes e pertinentes discursos e reflexões sobre a questão
das TICs e a aula de filosofia, temática tão urgente nos dias atuais.
Palavras-chave: Ensino de filosofia; Tecnologias; Simpósio Sul- Brasileiro;
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, apresentamos o resultado da análise dos artigos produzidos por
professores/pesquisadores da área de filosofia e ensino de filosofia de algumas
universidades brasileiras que tematizaram as questões das TICs no ensino da filosofia
em textos publicados como capítulos de livros e que foram apresentados no Simpósio
Sul- Brasileiro Sobre Ensino de Filosofia entre os anos de 2001 a 2010, organizado pelo
Fórum Sul de Cursos de Filosofia da região Sul do Brasil. De acordo com Ribas et all
(2005), tal Fórum foi caracterizado como uma organização informal que possibilitou aos
coordenadores dos cursos de licenciatura em filosofia e de toda a comunidade implicada
com a temática, com a realização do simpósio, a troca de experiências e a definição de
posicionamentos que fortalecessem a luta pela obrigatoriedade da filosofia como
disciplina no currículo do Ensino Médio e problematizassem de seus objetivos,
metodologias, entre outras questões.
De 2001 a 2010, em edições anuais, os eventos foram realizados em diversas
152
Instituições de Ensino Superior (IES) da Região Sul do Brasil, de maneira a promover o
encontro de professores e estudantes de filosofia, fossem esses da graduação, da pósgraduação ou atuantes na escola básica, cujo principal interesse deveria ser as questões
sobre o ensino de filosofia na Escola Básica, bem como a formação dos professores de
filosofia.
Logo nas primeiras edições, o Simpósio Sul- Brasileiro Sobre Ensino de
Filosofia, ao reunir diversos professores, acadêmicos e pesquisadores oriundos das mais
variadas regiões do país, tornou-se um dos mais reconhecidos eventos da área do ensino
de filosofia, principalmente por se tratar de um evento que colocava em pauta o ensino
de filosofia no Brasil, seu retorno ao currículo e a formação inicial dos futuros
professores oferecida pelas universidades. Logo, este Simpósio, ao fomentar o debate
sobre tais questões fortaleceu o movimento de retorno da mesma para a educação básica
no ano de 2006 (Maamari et.all, 2006).
Os artigos produzidos nestes dez anos de evento têm servido como uma rica
fonte de reflexão e estudo para os alunos e professores dos cursos de filosofia de todo
Brasil. No presente trabalho, que faz parte de nossa dissertação de mestrado, cujo
objetivo é investigar a questão das Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TICs) como um problema filosófico e que afeta ou pode afetar a relação de ensino e de
aprendizagem da filosofia no Ensino Médio, procuramos analisar especificamente os
artigos publicados nos livros do evento tal questão.
Num primeiro momento, fazemos um breve panorama sobre a questão das TIC
na escola de educação básica, discorrendo sobre quais os possíveis reflexos da
introdução das mesmas no ensino e na aprendizagem de filosofia no Ensino Médio com
jovens imersos na cultura cibernética. Num segundo momento, procuramos apresentar
os enunciados que aparecem a partir da leitura dos referidos capítulos presentes nos
livros publicados a partir do Simpósio Sul- Brasileiro de Ensino de Filosofia.
Considerando já de antemão que a presença de tal temática nos livros é um dos indícios
que sinaliza a importância, urgência e relevância do tema desde a última década,
procuramos, portanto, após a leitura e análise de todos os textos, identificar o enunciado
que move o texto de cada autor, quais os pontos em que eles convergem entre si e quais
os pontos em que eles divergem, levando em conta os principais conceitos utilizados e
as principais caraterísticas que são levadas apresentadas por esses pesquisadores, bem
como os referenciais teórico-metodológicos que os apoiaram.
153
Num último momento, direcionamos as conclusões e apontamos possíveis
encaminhamentos para trabalhos futuros.
1. AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO E A
ESCOLA
Desde meados do século XX, é notória a presença crescente das Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TIC's) em todos os setores da nossa sociedade, seja na
produção primária ou de bens de consumo, seja na prestação de serviços ou nos
relacionamentos interpessoais. Juntamente com as TIC's, vieram inúmeras facilidades,
comodidades e avanços em termos de comunicabilidade, produção e difusão de
conhecimento, intercâmbio cultural, entre outras tantas, sem as quais as pessoas em
geral já não podem mais viver sem. A informação, por sua vez, através delas ganha uma
dimensão global e instantânea, sendo por vezes construída e disseminada por milhares
de internautas conectados no World Wide Web1. Ao escrever sobre as mudanças
contemporâneas, Lévy (2000) reflete sobre a questão da velocidade com que as
informações surgem e são renovadas nas redes que se criam e que se interconectam,
fazendo com que as pessoas se comuniquem de forma anárquica e produzam uma
verdadeira guerra de saberes, imagens, conceitos, propagandas, etc.
No campo educacional, essas mudanças vêm impondo a necessidade de várias
adaptações, atualizações e revisões nas práticas pedagógicas. Estas questões são, na
maioria das vezes, bastante desafiadoras para o professor que está em sala de aula, bem
como para o professor formador de professores, pois, diferentemente de outros setores
da sociedade, a questão das TIC's na educação brasileira ainda é considerada como uma
novidade recente e está sendo, de forma bastante lenta, introduzida, tanto materialmente
quanto conceitualmente, nas práticas escolares e nas reflexões sobre estas práticas.
O paradigma educacional emergente requer a inserção de novas práticas
curriculares e metodologias inovadoras, para fazer frente às necessidades de uma
sociedade globalizada, que altera padrões de vida das pessoas, seja na maneira
de se comunicar, nas habilidades profissionais de atuação ou na forma de
aquisição do conhecimento e do pensar. (GREGIO, 2004, p.2).
Para Lévy (2000), as tecnologias não podem ser taxadas como boas, como más
ou como neutras, segundo ele, tudo irá depender do uso que fazemos delas e do ponto
de vista de quem a utiliza, das situações diversas em que elas aparecem, condicionam ou
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restringem. Para ele, a questão não é avaliar os impactos da tecnologia, mas de pensar
sobre as possibilidades de sua utilização em nossas vidas, em constante velocidade de
renovação.
Vivemos hoje na era do desenvolvimento humano marcado pelo que Castells
(1999) chama de informacionalismo, que é baseado nas tecnologias da informação, ou
seja, vive-se na urgente busca de conhecimento, seja para satisfazer nossas necessidades
primárias, seja para dar sentido à nossa existência. Nessa busca hoje, por meio da
internet, somos capazes de desenvolver e criar novos saberes a partir do que já
possuímos e isso, através da interação que altera significativamente o cotidiano social,
cultural, o mundo do trabalho, as formas de representar, organizar e adquirir o
conhecimento. Tais condições acabam por alterar as relações de ensino e aprendizagem
na escola. Fora da sala de aula convencional, a linguagem digital ou audiovisual,
desempenha já há algum tempo, o papel de uma nova forma de representar o
conhecimento e passa a conviver com as mais tradicionais formas de linguagem, ou
seja, forma oral e escrita. São os mais jovens os usuários mais assíduos dessas novas
linguagens, pois eles aprendem e criam saberes a partir e com essas novas ferramentas e
formas de significação do mundo e do conhecimento:
Estamos diante de uma geração que aprendeu a falar inglês diante da imagem de
televisão captada por uma antena parabólica, e não na escola, que tem forte
simpatia pela linguagem das novas tecnologias e que se sente mais à vontade
escrevendo no computador do que numa folha de papel. Tal simpatia se apoia
numa plasticidade neuronal que dota os adolescentes de uma enorme capacidade
de absorção de informação, seja ela via televisão ou vídeo games, e de uma
facilidade quase natural para entrar na complexidade das redes informáticas e
manejá-la. (…) Os jovens respondem com uma aproximação composta não
apenas por uma facilidade em se relacionar com as tecnologias audiovisuais e
informática, mas também por uma cumplicidade cognitiva e expressiva:
encontram seu ritmo e seu idioma nos relatos e imagens dessas tecnologias, em
sua sonoridade, fragmentação e velocidade. (BARBERO, 1999, p. 19-20).
Os últimos anos são marcados por inúmeras reformas educacionais que propõem
uma perspectiva educacional que seja mais condizente com a nossa sociedade em
constante transformação e que hoje é denominada por muitos de “sociedade
tecnológica”. Não obstante, sob a perspectiva do mero discurso contido nos decretos e
projetos das reformas educacionais, não é possível que se tenha uma transformação
imediata para sua utilização na escola. Por ora, não se faz nem possível falar de um
discurso que disputa o poder para nomear uma nova realidade emergente de acordo com
as ideias foucaultianas sobre as “epistemologias sociais”x que estão na constante disputa
155
pelo poder de definir as novas realidades em emergência. Esta discussão está para além
dos campos acadêmicos, pois é política, ou seja, estas questões são abordadas nas
dinâmicas sociais do poder.
Visto que o discurso (…) não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o
desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história
não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as
lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder
do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 2004, p.10).
Entretanto, este discurso que diz respeito à urgente “tecnologização” das nossas escolas,
aos poucos constrói a legitimação das ações governamentais sobre a educação.
Sabemos, portanto, que a efetiva implantação das TIC's na educação, não significa
somente a instalação dos suportes técnicos e físicos, mas que ela carrega consigo as
epistemologias sociais que irão bater de frente com as diferentes realidades das escolas
espalhadas pelo Brasil. Por isso, é necessário o estudo, a reflexão e o debate sobre os
pressupostos pedagógicos, políticos, filosóficos e tecnológicos que hoje movem esses
discursos e das políticas educacionais, para que possamos ter uma compreensão mais
ampla sobre as implicações das TIC's nas relações de ensino e de aprendizagem e até
que ponto elas estão sendo implementadas com sucesso no sentido de uma construção
de saberes efetiva e não apenas no nível da instrumentalidade.
É nesse sentido que os trabalhos que versam de alguma maneira sobre as novas
TICs publicados nos livros resultantes do Simpósio Sul- Brasileiro Sobre Ensino de
Filosofia contribuem para este debate. No item que segue, tratamos mais
especificamente sobre o conteúdo dessas produções, seus fundamentos e contribuições
para a o Ensino de Filosofia, que, embora tenha como tradição a questão da leitura e
escrita filosófica de maneira mais tradicional, aos poucos, abre espaço para o debate
sobre quais seriam as possibilidades de se ensinar e aprender a filosofar com e por meio
das TIC's.
2. A ANÁLISE DOS TRABALHOS
Dos nove livros resultantes dos dez anos de Simpósio Sul- Brasileiro Sobre
Ensino de Filosofia, em apenas um deles, a saber, no livro do primeiro ano (2001), não
foi publicado nenhum artigo que relacionasse o ensino de filosofia com a questão das
tecnologias. Entretanto, a partir da edição do ano (2002), com o artigo intitulado:
156
“Gilles Deleuze e a Virtualidade: a passagem da história à cartografia da filosofia”, de
autoria do professor Eládio Craia da Unioeste/ Paraná, inicia a produção contínua de
trabalhos que versaram sobre a temática, inclusive, com dois artigos na edição de 2006,
fator que nos chamou a atenção tanto pela quantidade de produções quanto pela
qualidade das mesmas.
Para melhor analisar esses trabalhos, procuramos organizá-los em dois grupos
temáticos gerais: o grupo dos trabalhos que versam sobre relatos de experiência e o
grupo dos trabalhos que versam sobre linguagem e comunicação filosófica. Tais grupos
se orientam segundo alguns pontos em comum e privilegiamos a busca das semelhanças
entre os tipos de abordagens que cada autor faz da temática, bem como entre os
referenciais teóricos que os norteiam. Portanto, os grupamos para uma análise mais
minuciosa. Não obstante, num primeiro momento, analisamos o primeiro texto do ano
de 2002 isoladamente, pelo fato de ele trazer uma abordagem um pouco diferenciada
dos demais, ficando de certa forma, de fora dos dois grupos gerais que criamos para
analisar. Logo em seguida, analisamos o grupo de textos que versam sobre os relatos de
experiência e, depois, o grupo de artigos que tratam sobre linguagem e comunicação
filosóficas.
2.1 Gilles Deleuze e a Virtualidade
Nos vários momentos de análise sobre as produções dos diversos autores que
participaram das nove edições dos livros resultantes do Simpósio, percebemos que o
primeiro artigo analisado: “Gilles Deleuze e a Virtualidade: a passagem da história à
cartografia da filosofia”, de Eládio Craia (2002), introduz uma discussão bastante
peculiar e diferenciada dos outros textos produzidos posteriormente, pois, aborda uma
das questões cruciais que permeia as discussões sobre as TIC e o ensino de filosofia,
embora, não aborde diretamente a temática das TIC como fazem mais abertamente os
outros autores.
Neste texto, Craia, (2002), elabora uma reflexão sobre as questões do ensino de
filosofia sob o aspecto da leitura filosófica, ou seja, refere-se às formas que lemos a
história da filosofia, a saber: lemos como história da filosofia ou a lemos como
filosofia? Qual então seria o grau de rigor que usamos ou deveríamos usar para que esta
leitura traga a verdade do texto à superfície? De que maneira deveríamos fazer isso?
Para responder tais perguntas, o autor tem como base as inúmeras leituras que Deleuze
157
faz da tradição e tenta traçar alguns caminhos que nos levam aos aspectos que, segundo
nossa interpretação, se conectam com a questão das TIC, principalmente, no que se
refere às potencialidades de virtualidade e atualização dos diversos tipos e formatos de
textos que lemos. Por virtualidade e atualização de um texto, Pierre Lévy (1996),
entende que o texto é um objeto virtual abstrato e que não depende do suporte físico,
sendo que o mesmo se atualiza sempre que é interpretado pelo leitor. Hoje, a partir das
ferramentas tecnológicas que dispomos para a construção e disseminação dos saberes,
principalmente, por meio da internet, é possível que de forma colaborativa e dinâmica
estas
virtualidades
e
atualizações
se
deem
das
mais
variadas
maneiras,
colaborativamente e instantaneamente, podendo ser utilizado todo este potencial das
TIC nas aulas de filosofia. Para Craia, (2002, p.223): “Ler, por virtualidade, é ler por
atualizações. Atualizamos as intensidades virtuais de cada texto, que não é uma
instância fechada, mas uma multiplicidade de devires. Assim, em um certo sentido, o
texto é infinito, é a “disseminação”(...)”. Craia, em seu artigo, juntamente com Deleuze,
lança mão das obras de Pierre Lévy, filósofo da informação que realizou vários estudos
sobre a questão da virtualidade.
2.2 Os relatos de experiência
Dentre os demais oito artigos das publicações, entre os anos de 2003 a 2010,
todos, de alguma forma, versam sobre a questão das novas tecnologias e o ensino de
filosofia; de modo mais direto no que se referem às possibilidades das TIC na prática
pedagógica/filosófica e na promoção do diálogo filosófico por meio das diversas
ferramentas tecnológicas. Em especial, três desses trabalhos, dizem respeito a
descrições e reflexões sobre experiências vivenciadas por alunos e professores que
tiveram
como
objetivo
a
inclusão
de
algum
tipo
de
tecnologia
da
informática/digital/virtual nas aulas de filosofia: o primeiro deles, de Müller & Eiterer
(2003), diz respeito ao uso de um website para a formação continuada dos os
professores da escola básica, com base no diálogo entre escola e Universidade. O
segundo trabalho, cuja autoria é de Ibertis et al (2006), relata sobre uso da internet com
alunos da graduação em filosofia. O terceiro trabalho desta série de relatos de
experiências foi produzido por Novaes & Garin (2008),e relata sobre a possibilidade do
ensino de filosofia na modalidade à distância (EaD), oferecido por uma universidade,
com estudantes de diferentes cursos de graduação. Abaixo, analisaremos brevemente
158
cada um dos três artigos que se enquadram na modalidade relatos de experiências.
O primeiro trabalho, de autoria de Müller & Eiterer (2003), cujo título é:
“Filosofia na Escola on line: uma proposta para a formação continuada e permanente
dos professores de filosofia”, trata da implementação de uma proposta de formação
continuada e canal de comunicação via internet entre os professores de filosofia da
escola de ensino básico e a Universidade Estadual de Londrina (UEL) por meio de um
website. Destaca o objetivo de “facilitar a troca de informações e experiências sobre a
prática cotidiana da sala de aula (…) Um espaço para a pesquisa, o debate e o
intercâmbio com outras ações e experiências em filosofia”. De acordo com Müller &
Eiterer (2003, p. 275):
Além de dominar com clareza e segurança os principais problemas filosóficos
abordados ao longo da história da filosofia e de ter trânsito pelos textos clássicos, o
docente deveria ser capaz de articulá-los com as questões que emergem do
contexto do mundo vivenciado pelos educandos e pelo universo da cultura.
De acordo com as autoras, o prazo inicial de realização do projeto era de dois
anos, entretanto, ele acabou por ser renovado por mais um ano e com possibilidades de
tornar-se efetivo, tamanho o sucesso do empreendimento. Esta experiência, no entanto,
não diz respeito à um tipo de receita infalível e que pode ser aplicado em qualquer
situação, mas sim, se configura em uma das muitas possibilidades de se criar um canal
de parcerias necessárias para que se tenha um maior sucesso na prática do ensino de
filosofia na escola pública, lançando mão das ferramentas tecnológicas que estão mais
acessíveis.
Com relação aos referenciais teóricos utilizados pelas autoras do trabalho
descrito acima, sublinhamos que elas não se utilizaram de nenhuma referência acerca
das TIC ou da informática propriamente dita, valeram-se apenas de pensadores sobre o
ensino de filosofia, bem como de documentos legais que normatizam o ensino da
disciplina no país.
O segundo artigo deste grupo, que nos traz outro relato de experiência de autoria
de Ibertis et al (2006) possui o seguinte título: Filosofia on line: notas sobre o uso da
internet do ensino de graduação. O trabalho teve como objetivo a execução de um
projeto sobre a exploração das possibilidades da internet para a filosofia na graduação
por meio de um fórum de discussão via internet, sob orientação dos professores em
conjunto com as diversas disciplinas de filosofia.
Ao mencionar as características da filosofia oriundas das tradições escrita e oral
159
e as características do texto filosófico, bem como as diferenças entre o filósofo-orador e
o filósofo- escritor, os autores salientam que “a internet recria as condições da praça
pública enquanto espaço virtual de discussão” (IBERTIS et al, 2006, p. 318), o que seria
um dos pontos positivos para a implementação do projeto. Baseados nas leituras dos
filósofos McLuhan (1985) e Pierre Levy (1994), os autores deste artigo atentam paras as
questões relativas à influência do meio sobre as mensagens, bem como o favorecimento
da construção do conhecimento pelas comunicações transversais que a internet
proporciona.
Para os alunos de graduação que fizeram parte desta experiência, a participação
em um debate on-line, onde eles deveriam defender uma posição, configurou-se em um
desafio, pois o confronto de ideias exigia dos acadêmicos réplicas e um esforço de
reflexão e compreensão das ideias dos envolvidos no debate. São ressaltadas, algumas
dificuldades encontradas pelos alunos em avançar nas discussões e encontrar sozinhos
caminhos para resolver os problemas filosóficos, bem como uma certa timidez em
função da exposição pessoal e limitação linguística para expressão das reflexões:
Como foi dito, o fórum on-line pode ter, um papel heurístico de ideias e exercitar
o tipo de argumentação que exige captação – através do contexto, da abertura e
da atenção comunicativas – do ponto de vista alheio que não se apresenta na sua
total explicitação. Pela outra, pode cumprir a função de mediar entre o discurso
escrito e o falado, pois a internet insere-se entre eles ao compartilhar aspectos de
uma modalidade e da utra em uma experiencia de construção coletiva do
conhecimento. É, justamente, nesse entrecruzamento de atitudes e competências
cognitivas que nos parece residir o caráter dialógico da tarefa filosófica e nele
vemos a serventia da internet como recurso no seu processo de ensinoaprendizagem. (IBERTIS et al. 2006, p. 325).
Ao final do artigo, os autores salientam que por se tratar de uma proposta inicial
e com falta da sistematização necessária, não foi possível tornar esta atividade um
recurso tão eficiente na aprendizagem do bem argumentar, embora seja uma das
possibilidades de utilização da ferramenta para esse exercício, uma vez que o caráter
dialógico parece ser um dos pontos fortes deste tipo de uso.
Ainda dentro da categoria relatos de experiência, Novaes & Garin (2008) em seu
texto “Ensaio sobre filosofia e novas tecnologias da educação: Desafios, Aporias e
Possibilidades”, trazem algumas considerações sobre a experiência de ensino de
filosofia na modalidade EaD, junto aos cursos de graduação do Centro Universitário
IPA, onde utilizaram como meio de interação a internet. Neste texto, além de
discorrerem acerca da legislação que regulamenta o Ensino à distância no Brasil, os
160
autores relatam uma espécie de incredulidade das pessoas diante da máquina, o que
representa, num primeiro momento, um grande desfio para o ensino de filosofia na
modalidade EaD, que muitas vezes é concebida como uma segunda categoria de ensino.
Isso, porque existe uma crença muito difundida de que é possível filosofar somente com
outras pessoas, ou seja, na presença física do docente que estará dando o amparo e
“corrigindo” os equívocos: “O filosofar, não necessita obrigatoriamente de uma outra
pessoa para acontecer. É possível filosofar, e assim deve ser, diante de cada situação
que se coloca diante de si” (NOVAES & GARIN2008, p. 372).
Segundo o texto, na EaD o aluno é, de certa forma, muito mais sujeito do seu
próprio aprendizado, pois ele precisa disciplinar sua agenda de compromissos, realizar
atividades ora síncronas, ora assíncronas, encontrar alternativas e construir
questionamentos por ele mesmo e de forma interativa, construir o conhecimento de
forma cooperativa: “ (…) Conhecimento é relação, na medida em que o sujeito e objeto
se instituem como processos combinados de cooperação” (NOVAES & GARIN, 2008,
p. 379).
Os três textos acima destacados, sinalizam que existem inúmeros tipos de ações
que visam utilizar as TIC no âmbito do ensino de filosofia sendo desenvolvidas. Sejam
estas ações voltadas para a formação continuada de professores, para a manutenção de
um vínculo entre Universidade e escola, ou para a realização de atividades que
tensionam o desenvolvimento de certas habilidades e competências nos alunos. Parecenos que os pesquisadores da área do ensino de filosofia já perceberam que nos dias
atuais se torna difícil pensar sobre as questões da prática filosófica descartando as
tecnologias que nos rodeiam e sem, de alguma forma, lançar mão das TIC ou refletir
sobre as suas potencialidades.
2.3 Linguagem e Comunicação Filosófica
Cinco dos nove artigos publicados nos livros do Simpósio Sul- Brasileiro Sobre
Ensino de Filosofia versam sobre as questões relativas à linguagem escrita, linguagem
audiovisual e linguagem hipertextual, que atravessam os diferentes discursos filosóficos
presentes nas publicações.
O primeiro texto, cujo título é “Os Desafios educacionais da cultura
Audiovisual: considerações sobre o ensino de Filosofia” (2004), cuja autoria é do
161
professor do CEFET/PR Edson Jacinski. Traz algumas reflexões sobre a emergência da
cultura audiovisual que nos leva a pensar sobre a intersubjetividade humana e sobre o
conhecimento. A cultura audiovisual acaba por gerar um impacto significativo sobre
nossa percepção de mundo, nos exigindo uma perspectiva educacional que possibilidade
a navegação e vivência dentro dela, de maneira crítica, mesmo com o modelo
pedagógico iluminista, ainda muito presente em nosso sistema educacional e que se
mostra insuficiente para dar conta da nova ecologia cognitiva emergente.
Um dos questionamentos que fazemos, frente a este contexto, é sobre
como o ensino de filosofia pode acontecer no cenário contemporâneo e como fugir
desse caráter monológico de emissão-recepção para aderir às dimensões interativa e
dialógica que são impulsionadas pelas TIC sem, no entanto, adentrar num possível caos
discursivo que é bem propenso a acontecer em meio a este turbilhão de informações ao
qual estamos diariamente expostos: “Neste sentido, superar o caos discursivo, textual,
audiovisual propiciado pelas novas tecnologias, através do seu enquadramento, seja
físico, cognitivo, etc”. (JACINSKI, 2004, p.229).
O próximo texto “A filosofia no Ciberespaço” (2005), de autoria de Celso
Cândido, professor da UNISINOS, traz a ideia de que a subjetividade e a sociabilidade
humana são fundamentadas basicamente nos atos linguísticos, e que o ciberespaço hoje
é de fundamental importância para “o intercâmbio e a atividade humana planetária”
(CÂNDIDO, 2005, p. 216). O ensino de filosofia consiste na prática do diálogo, que
tem origem no pensamento livre e autônomo. O diálogo é colaborativo e “Ensinar
filosofia é ensinar o diálogo”. (CÂNDIDO, 2005, p. 218). De acordo com o texto, o
diálogo filosófico desenvolveu-se até os dias de hoje a partir de três técnicas
linguísticas: na época mais antiga com a linguagem oral, depois com o surgimento da
escrita e, nos dias atuais, com o diálogo hipertextual. E “com a emergência do
hipertexto digital, o logos desterritorializa-se da página impressa e dota-se de novos
instrumentos vivos e flexíveis; ganha uma nova vida, uma nova dinâmica à velocidade
da luz”. (idem, p. 220).
Percebemos com este texto, que o movimento da grande inteligência coletiva
previsto por Pierre Levy (1998), nos coloca em uma época em que todos aqueles que
desejam engajar-se no diálogo filosófico podem fazê-lo, seja nas academias ou fora
delas, pois a internet possibilita o diálogo filosófico para além dos livros e salas de aula
presenciais, basta “(…) se apropriarem criativamente da admirável rede do lógos
162
dialético hipertextual que unifica a mente humana em sua infinita riqueza e
diversidade.” (CÂNDIDO, 2005, p. 225).
O texto de 2006, cujo título é “Das epístolas aos E-mails: é possível ensinar
filosofia a distância?”, de autoria do professor da UNIJUÍ/ RS, Arnnildo Pommer, traz
à tona uma visão um pouco mais crítica sobre a introdução da EaD no país. Para o
autor:
(…) compreender o ensino a distância é mais do que provar ou não a sua
eficiência, é compreender de que maneira a comunicabilidade, a linguagem e o
pensamento transmitidos e criados pelo ensino enquanto procedimentos
pedagógicos mediados pela tecnologia computacional, podem esta sendo
afetados. (POMMER, 2006, p. 300).
O ensino a distância baseia-se, segundo Pommer, basicamente na escrita e, de
alguma forma, com a implementação desde a modalidade desse ensino, parece que
estamos voltando para o sistema de escrita antigo, a saber, o da escrita das epístolas
como as que eram produzidas por Horácio na antiguidade. Um dos problemas que ele
aponta com relação à EaD é a questão da adequação da linguagem que até então estava
amparada da linguagem oriunda dos textos clássicos e que por meio do ensino
presencial era “decodificada” pelos professores. Na EaD, apesar dos aparatos
audiovisuais, parece que cada vez mais fica evidente o fim do pensamento de forma
oral,comumente utilizado na aula expositiva. Para os alunos de filosofia, o autor sinaliza
que esta modalidade exigirá mais empenho na leitura e na escrita, habilidades que cada
vez mais se fazem necessárias para um filosofar com mais qualidade, mesmo que isso se
desenvolva em uma sala de aula à distância.
O artigo de Márcia Tiburi (2007), professora da FAAP/SP, com seu artigo:
“Filosofia e Mídia”, reflete sobre o papel e o lugar do filósofo nos dias de hoje, em
tempos de midiatização do mundo, hipercomunicação nas relações e exacerbação da
comunicação, onde “(…) o que não for comunicado ou comunicável é visto como
ameaça ou erro”. (TIBURI, 2007, p. 290). A filosofia, segundo o texto, tem a função de
esclarecimento e deve atuar como uma produtora de lucidez, mostrar a necessidade da
critica “(…) não apenas da opinião, mas da ideia de que uma opinião é formada e dos
formadores de opinião”. (TIBURI, 2007, p. 292). O filósofo deve participar do mundo
da comunicação e dos debates como agente. Para Tiburi (2007), a comunicação não
acaba na informação, e mesmo o sentido de informação deve ser questionado, pois da
163
forma como a mídia jornalística e publicitária a tem manipulado, deve-se haver uma
preocupação com o tipo de manipulação que os mesmos exercem sobre as massas. Seria
papel do filósofo portanto, ponderar “sobre tais questões na tentativa de avançar rumo
ao saber quanto à racionalidade e à consciência”. (TIBURI, 2007, p.292).
O último artigo a ser analisado é de autoria de Celso Braida (2010), “Filosofia,
ensino e o império do virtual”, e traz a ideia de que as novas formas de comunicação
sugerem a implementação de novas formas de ensino e de aprendizagem. Faz também
uma crítica ao modo tradicional do ensino de filosofia, que segundo o autor, é
egocêntrica e monofônica e, que de certa forma, hoje está perturbada, assim como a
própria “(…) autocompreensão do humano e da sociedade”. (BRAIDA, 2010, p. 56). A
grande questão seria como ensinar e transmitir a filosofia na era digital da atual
sociedade em que vivemos?
Existe hoje, um choque cultural entre as formas tradicionais do ensino de
filosofia e as novas formas de interações digitais que pressupõem que todo trabalho é
coletivo. “(…) a era digital não rompe com a tradição, mas sim com o tradicional”.
(BRAIDA, 2010, p. 61). Para o autor, a EaD e as publicações postadas em ambientes
virtuais podem vir a potencializar a tradição filosófica, embora alguns destes
procedimentos tradicionais já não façam mais sentido nos dias atuais, pois a
digitalização do mundo mudou radicalmente os modos de nos relacionarmos e de
construirmos o conhecimento.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da leitura e análise dos textos publicados como capítulos de livros
organizados pelo Fórum Sul de Cursos de Filosofia da região sul do Brasil, entre os
anos de 2001 a 2010, procuramos compreender de que forma a questão das novas
tecnologias afetam o fazer docente, seja na Universidade ou na escola básica e quais as
reflexões dos professores e pesquisadores sobre a temática. Com base nesses textos,
pudemos compreender quais estão sendo as
possíveis estratégias e alternativas
buscadas pelos professores de filosofia, para que, em meio a essa onda digital e
hipertextual, o filosofar persista com qualidade.
164
4. REFERÊNCIAS
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166
Formando o formador: a presença da Filosofia na disciplina
Fundamentos Filosóficos e Sócio-históricos da Educação
Profa. Dra. Amone Inacia Alves
FE/UFG
[email protected]
Profa. Dra. Rita Márcia Magalhães Furtado
FE/UFG
[email protected]
RESUMO: Esse artigo pretende discutir os limites e probabilidades de um trabalho formativo
nas licenciaturas, analisando como a CEPEC n 631 de 2003 estrutura a Disciplina Fundamentos
Filosóficos e Sócio-Históricos da Educação. A partir de uma imersão nos postulados da referida
resolução, buscamos entender qual o lugar da filosofia no trabalho nessa ementa a partir dos
programas de professores da Faculdade de Educação da UFG que ministram essa disciplina nas
licenciaturas. Apossadas dessa inquietação, imergimos em uma leitura bibliográfica que nos
permitiu enxergar além das possibilidades do trabalho que vem sendo realizado, apontando
novas searas do conhecimento, para que sirvam como aporte reflexivo para o trabalho docente.
Palavras-chave: formação, instrução, ensino.
INTRODUÇÃO
Esse ensaio, síntese de um estudo compartilhado, objetiva analisar a presença da
Filosofia na ementa definida pela Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa, extensão
e Cultura da Universidade Federal de Goiás - Cepec nº 631de 2003, que diz respeito à
política da UFG para a formação de professores da Educação Básica e nos programas de
curso da disciplina Fundamentos Filosóficos e Sócio-históricos da Educação oferecida
pela Faculdade de Educação para os Cursos de Licenciatura na UFG. Essa resolução foi
167
aprovada em um contexto de mudanças, onde em razão da aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases de 1996 – LDB – fazia-se necessário criar um projeto de licenciatura
atendendo às exigências legais concomitante à suplantação dos modelos de formação
existentes, conhecidos como complementação pedagógica, esquema ‘3+ 1’.
Como desdobramento, previu-se que a universidade deveria submeter-se a essas
adequações, cabendo à Faculdade de Educação participar da elaboração das ementas, do
que seria considerado base do projeto formativo da Universidade. Diante desse cenário
é que foram elaboradas as ementas, atendendo ao que seria xo mínimo a ser esperado em
qualquer licenciatura da UFG.
Pensando na formação dos futuros licenciados e após um balanço de dez anos da
aprovação da Cepec 631, que nos sentimos impelidas a pensar qual projeto formativo se
faz presente nessa resolução. A partir dessa realidade compreendemos as limitações do
debate filosófico presente nas ementas da Disciplina Fundamentos Filosóficos e SócioHistóricos da Educação trabalhadas por professores da Faculdade de Educação nos
diferentes cursos da UFG.
Nessa finalidade, como professoras com formações distintas – historiadora e
pedagoga –, que ministram essa disciplina nas licenciaturas, nos propusemos a tomar a
nossa prática como objeto de análise. A par dessa proposta, iniciamos uma discussão
sobre a ementa orientadora dessa disciplina para, em seguida, observarmos os
programas de ensino dos professores da FE/UFG.
O ponto de partida desse trabalho é a identificação da presença da filosofia na
ementa e nos programas de disciplinas, que supõe buscarmos originalmente na
resolução que ancora essa proposta os princípios educativos e os objetivos que definem
o seu lugar de fala. Para tanto, iniciaremos esse texto mostrando o fio condutor dessa
resolução e sua aplicabilidade nos programas de ensino..
Desse modo, a questão central que norteia esse estudo é: Qual o lugar da
Filosofia nos programas de ensino da disciplina Fundamentos Filosóficos e SócioHistóricos da Educação trabalhados pelos professores da Faculdade de Educação?
Entendemos que a disciplina Fundamentos Filosóficos e Sócio-históricos da Educação
visa aprofundar questões que ampliem o conhecimento sobre o processo educativo,
168
apropriando-se de temas advindos da Filosofia, das Ciências Sociais e da História.
Então, cabe-nos inquirir: Que formação pretendemos? Que sujeitos pensamos formar?
Esse texto parte de uma discussão para definir conceitos sobre a temática. Em
seguida, mostraremos o conceito formativo inserido na legislação específica da
universidade – a Cepec n0 631, que refere-se às propostas formativas voltadas às
Licenciaturas.
Formação? Formações? Deformações
Os gregos, na Paidéia, a caracterizavam como um processo que se dá do trânsito
da interioridade com a exterioridade, ou seja, a formação supõe como condição para sua
existência, uma autoformação. Miguel Arroyo (2004) chama a atenção para o fato de
que a Paidéia grega indica um espaço-tempo em que formação e educação caminharam
juntas reconhecendo que “cada tempo humano carrega sua especificidade formadora” e
demonstra que “o sentido primeiro da pedagogia é reconhecer que a virtude, a formação
do ser humano se torna possível ao longo do tempo, ao longo de um processo educativo.
Aceita a possibilidade de educar, de trans-formar o pequeno animal humano (...)”.
Formação é então, o ensejo de civilização cuja perspectiva permite o acesso à formação
enquanto processo cultural de uma sociedade cultivada, incluindo os valores e virtudes
que norteiam tal formação e supõe um processo de humanização, uma transformação do
ser meramente biológico em um ser de cultura.
A priori, faz-se necessário conceituar formação, enclausurada em uma ‘pseudo’
prática, que conduz, em geral, a uma semiformação, como diria Adorno (1995). Em um
contexto de mudanças aceleradas, provocadas pelo embotamento da cultura, onde o
supérfluo, o acessório, o inútil e midiático se tornam centrais na humanização, nada
mais conveniente do que discuti-la, trazendo à tona reflexões que nos permitem
conhecer as possibilidades de seu entendimento.
Nesse momento histórico, repleto de transformações tecnológicas que avançam
nas relações sociais, dinamizadas a partir destas, nada mais urgente do que elaborar um
sentido do que significa formar, rendendo-se ao que Hegel chamava de ‘paciência do
conceito’. (Apud MATOS, 2008).
169
Formação pressupõe “procedimentos que dão forma” ou então, dar forma a algo
que já foi previamente constituído, mas não se completaria, ou formaria, senão por meio
de um conjunto de ações humanas visando a maior humanização possível. Desse modo,
por trás de um projeto formativo está o viés da educação que, segundo Kant é sua
condição sine qua non, inerente e constitutiva “o homem é a única criatura que precisa
de ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o
trato), a disciplina e a instrução”. (KANT, 1975, p. 11)
Kant descreve o quão indelével é esse exercício de formar, cabendo-lhe o
constante aperfeiçoamento no preparo do homem para o bem, a vida em sociedade e o
direcionamento para a cultura. De instintito, natural e primitivo, esse mesmo homem
precisa de cultivo, de ser formado para superar a sua animalidade.
Essas ‘aquisições’ envolvem um trabalho de direcionamento e ‘governança’ ou
de guia para a vida, extraindo os ‘germes da humanidade’ que merecem ser cultivados,
advindos de um esforço da razão que apresenta os fins mais apropriados, “as qualidades
naturais que pertencem à humanidade”. Porém, essa humanidade definida nesses germes
precisa ser construída quanto aos seus fins nas circunstâncias, isto é, a partir dos fins
humanos mais adequados. Nesse sentido, podemos concluir que para além de uma
formação que se dá no âmbito da cultura geral, há uma especificidade da formação que
se dá no ato educativo. A educação, segundo Kant (1997), depende dos conhecimentos
instituídos a cada geração, e estes por sua vez, dependem dela para serem difundidos.
No entanto, muitas vezes é a cultura política parece determinar os rumos da cultura
geral e sobretudo, a cultura pedagógica. Nesse sentido temos uma cultura que pode ser
consentida ou negada, de acordo com os interesses de um determinado grupo. Ou seja,
quando falamos em formação temos que nos atentar para o fato de que, muitas vezes,
ela não é nem tão abrangente nem tão humanizadora quanto deveria ser.
Partindo dessa ideia apresentada por Kant do papel da instrução e educação
convém questionarmos o verdadeiro sentido do que se apresenta hoje, em um mundo
permeado de incertezas, que para Matos (2008),
A leitura atenta, concentrada, cedeu lugar à demagogia da facilidade, e
a educação-formadora de tradição humanista foi decretada inútil, entre
outras razões, por ser anacrônica em uma época voltada para o
consumo material e intelectual e ao espetáculo midiático. [...] Da
170
universidade ao parlamento, da imprensa às organizações políticas, a
leitura deixou de ser referência, pois não pode circunscrever-se na
contração do tempo do mercado, do consumo e das tecnologias.
É nesse mundo de ‘máscaras’ que o ideal do “bem” kantiano se perde em meio
às possibilidades do tornar-se humano, cedendo lugar a esse ser individualizado, que ao
se educado, individualiza-se cada vez mais, incapacitado que está de reconhecer os fins
aprovados por todos e que lhes serve. Em prol do mais “fácil” e útil, formação acaba por
se confundir com informação, que serve muito mais para tornar as pessoas cada vez
mais conformadas. A não reflexão sobre os seus atos converge para o tato mais
animalesco e brutal.
Em meio a tantas perdas, em um mundo submetido ao consumismo hedonistax,
em que as possibilidades de instrução e cuidado se tornam remotas, cedendo espaço à
velocidade das transformações, ao preço sugerido pela sociedade de massa, com os
lemas do ‘produtivismo’ em voga, convém dialogarmos com Nietzsche, quando este
evoca o sentido de uma formação para o emprego e para o mercado, objetivando atender
exclusivamente a estes, causando muito mais inutilidade e ao (des) emprego.
Nota-se que essa perigosa relação formar a partir de um projeto de exercício legal
para a profissão como um fim em si mesmo é um engodo, recurso utilizado como o
remédio para os males provocados pela incapacidade social de lidar com os seus
problemas.
Nietzsche descreve a impossibilidade de educar em meio às instituições que são
incapazes do ato de refletir, banindo dos currículos a filosofia, perdidas a partir da
introdução da escola ‘moderna’, quando se propôs a ensinar ao máximo, enchendo a
cabeça até o limite, para evitar o ato de pensar. Frente a esse quadro desalentador,
decreta: “as instituições de formação não existem”.
Sem o exercício da reflexão e a elaboração dos conceitos, ficamos comparados
aos animais, que cumprem destinos sem o saber, obrigados a tentar conseguir o seu fim.
Atentos ao mercado, profissão e emprego, perdemos o projeto humanizante intrínseco
às instituições socializadoras, colaborando sobretudo, para a própria desumanização e
barbárie. Daí a importância do pensamento filosófico nos currículos, da inquietação do
pensamento, do inconformismo com a situação do imediato.
171
A Cepec 631 e a proposta de formação
A resolução CEPEC nº 631 de 2003 surgiu de uma tríplice necessidade de
regulamentar o exercício da docência a partir da implementação de um regulamento
geral dos cursos de graduação da UFG atendendo, assim, a demandas específicas do
curso, por meio de uma discussão curricular que atenda à realidade da educação básica.
Consoante às Diretrizes curriculares Nacionais para a formação de Professores
promulgada em 2002, a referida resolução pretendeu funcionar como norteadora de uma
prática formativa a fim de superar a ideia de oferta de formação na área disciplinar
específica, situação comum aos currículos direcionados pela formação fragmentada
disciplinar/docente e traz a seguinte proposta de trabalho com os conteúdos
programáticos da Disciplina Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos da Educação:
A Educação como processo social; a educação brasileira na
experiência histórica do ocidente; a ideologia liberal e os princípios da
educação pública; sociedade, cultura e educação no Brasil: os
movimentos educacionais e a luta pelo ensino público no Brasil, a
relação entre a esfera pública e privada no campo da educação e os
movimentos da educação popular.
Além de possuir uma vasta ambição numa proposta de trabalho de 64 horas/aula,
a referida disciplina traz no seu âmago a contradição de, ao mesmo tempo que
contempla os conteúdos de três grandes áreas do conhecimento, avança no sentido de
compor uma dimensão formativa no licenciando, conferindo-lhe conhecimentos capazes
de emancipá-los, na aspiração de provocar-lhe a autonomia.
Percebemos, no entanto, que longe de alcançar tal intento, a amplitude das
temáticas, o isolamento no interior de muitos currículos dos cursos de licenciatura, que
a confinam a um espaço deslocado da prática educativa, ao invés de significar a
possibilidade de uma interlocução, acaba se constituindo em um monólogo
descontextualizado, recebida pelos licenciados como uma matéria teórica, de assuntos
desconexos e extensos.
Desse modo, o que notamos com profundo desalento, é que a proposta contida na
ementa acaba por constituir-se por vezes em objetivos de difícil consecução, aliada a
uma visão por vezes fragmentada do processo escolar. A nossa inquietação em dedicar172
se à tão ingrata tarefa de ser a “vidraça” das nossas próprias pedras, se dá em um
momento em que sentimos que o currículo não deve possuir um caráter enciclopédico,
mas também não deve reduzir-se a um conhecimento fragmentado, isolado das demais
áreas do conhecimento.
É importante registrar que historicamente essa fragmentação esteve presente na
formação de professores no Brasil desde as primeiras universidades criadas para esse
fim nos anos 1930, quando se pretendia formar bacharéis-docentes. Com a promulgação
em dezembro de 1996 da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9294/96), previu-se que o modelo de licenciatura conhecido como “3+1” (três anos de
formação geral acrescido de um ano de formação pedagógica) não contemplava o
preparo suficiente para a atuação docente no ensino básico.
Partiu-se do pressuposto que a visão panorâmica, comum aos currículos anteriores
à LDBEN, não atendiam à profissionalização do futuro professor no que se refere ao
planejamento e execução das atividades de ensino. Segundo Savianni (2007) era muito
comum na formação de professores um preparo profissional eivado de uma concepção
curricular cujo modelo é cultural-cognitivo, segundo o qual “a formação do professor se
esgota na cultura geral e no domínio específico correspondente à disciplina que irá
lecionar”.
Com o objetivo de se sobrepor a essa insuficiência formativa sensível às críticas
feitas sobre a distância entre a academia e a escola que a LDBEN, e a posterior
promulgação na UFG da resolução Cepec nº 631, propôs a reestruturação das áreas de
saber, constituindo um espaço para os Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos da
Educação, considerado que o conteúdo dessa área “deve ser contemplado nas ementas
de disciplinas obrigatórias dos cursos de licenciatura da UFG”.
Nesse propósito, era necessária a construção de uma estrutura curricular
atendendo ao que seria considerada formação docente, de forma ampliada, não
pretendendo confiná-la à operacionalização de conceitos teóricos sobre docência. No
artigo I, parágrafo I, item 2 afirma como princípio da política de formação de
professores “uma formação teórica consistente que permita ao licenciando compreender,
de forma crítica, a sociedade, a educação e a cultura”.No olhar essa resolução, há uma
173
abertura para que seja superada a visão do professor especialista e de saber
bacharelesco, sendo de fundamental importância a incorporação de práticas que
avancem essa ideia. Nas perspectivas de aplicação dessa proposta, destacamos os
seguintes objetivos que contemplam a discussão filosófica:
§ 2º - Com base nesses princípios, o objetivo da UFG é formar
professores que:
I.
Compreendam criticamente a sociedade e o papel do educador
em seus aspectos políticos, sociais, econômicos e históricos;
III
Promovam uma formação cultural e ética.
IX Desenvolvam autonomia intelectual e profissional
(Resolução Cepec n0 631, 2003)
Embora vislumbremos a ambiciosa intenção na proposta curricular presente na
resolução, alguns limites se apresentam no que se refere à formação de professores que
irão atuar na educação básica, cujo saber é percebido por diversos autores, dentre eles
Saviani (2009) de modo fragmentado, atendendo às vicissitudes do mercado de trabalho
docente.
Para tanto, se justifica debruçarmos sobre essa resolução, ressaltando a pertinência
do estudo filosófico na Disciplina Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos.
Ademais, compreendemos que o lugar da filosofia no currículo possibilita ao licenciado
uma reflexão além do saber instrumentalizado, direcionando-o à superação da dicotomia
entre o saber e o fazer.
O “lugar” da filosofia nos programas de ensino
A disciplina Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos da Educação atua no
currículo do licenciando como uma política norteadora na dimensão pedagógica
imprescindível à sua formação. Encontra-se presente em quase todas as licenciaturas,
sendo que em algumas delas, não é ofertada pela Faculdade de Educação, mas de forma
isolada pelas próprias faculdades isoladas ou institutos.
Orientada pela ementa da Resolução citada, adveio da junção de duas disciplinas
que do currículo anterior a 2003: Educação Brasileira e Estrutura e Funcionamento do
174
Ensino do Primeiro Grau, com 64 horas/aula cada uma. A disposição no fluxo curricular
atende mais aos interesses do curso do que às próprias especificidades da disciplina,
sendo que em alguns cursos, aparece no primeiro enquanto em outras, é ministrada no
último semestre.
Percebemos que os cursos de licenciatura na UFG não se emanciparam da
proposta “três mais um”, restando às disciplinas formadoras a árdua tarefa de adaptação
aos currículos instituídos, ainda que pese a orientação da Cepec n0 631. É no afã de
compreender esse percurso, que passaremos à análise dos programas de ensino de
professores que atuam nesses cursos.
Então, o nosso exercício metodológico consistiu em localizar nesses programas a
discussão filosófica, os conteúdos orientados pelas ementas e as bibliografias utilizadas.
Nesse sentido, escolhemos diferentes programas das disciplinas ministradas em 2011, e
procuramos transcrever os programas, tal como eles se apresentam no planejamento de
ensino dos professores.
De posse desse material, pensando no que denominamos “lugar” da filosofia nos
programas de Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos da Educação, é possível
inferir que:
Primeiramente, a ementa sugere uma proposta fragmentária e vaga sobre o real
interesse da disciplina, com um curto enfoque para a discussão filosófica. Percebe-se
claramente o desinteresse da Filosofia nos currículos, implicitamente orientados para a
sua ausência. Embora esteja nos princípios norteadores da formação de docentes a
orientação para a autonomia e a reflexão critica, a lacuna deixada por essa forma de
conhecimento, direciona para uma concepção de racionalidade instrumental, restrita ao
mundo da técnica, enclausurando-se na prática, no mercado de trabalho e na
profissionalização.
Várias pesquisas têm apontado para os limites desse tipo de formação, com uma
visão pragmática sobre o ensino, a escola e a profissão. O conhecimento aproxima o
sujeito de uma realidade que se antecipa ao próprio interesse do imediato, a partir da
reflexão sobre os valores que norteiam a experiência humana, o primeiro contato com o
mundo do saber. A restrição pura ao resultado imediato contribui para o assujeitamento
ao cotidiano da escola, ao continuísmo, ao deslumbramento sobre os métodos e as
técnicas de ensino, sem a crítica necessária à docência e ao ensino.
175
Soma-se a isso, o fato de que a organização da Disciplina Fundamentos
Filosóficos e Sócio-Históricos da Educação partiu da junção de outras duas disciplinas,
Educação Brasileira e Estrutura e Funcionamento do Ensino de Primeiro Grau,
significando a redução da metade do tempo de execução da disciplina no currículo, o
que torna por si só inviável o aprofundamento de questões próprias do conteúdo
filosófico.
Ademais, pelo fato de que as licenciaturas demandarem um conteúdo
específico da ‘área’ de formação, existe uma visão estereotipada de que a leitura
filosófica abrangeria questões alheias ao exercício docente. Permeadas por uma visão
dicotômica entre a teoria e a prática, a Filosofia ficaria no campo teórico, enquanto as
didáticas e metodologias seriam atenentes às práticas. Por esse motivo, apregoa-se que a
teoria significa a perda de tempo no chamado ‘chão da escola’, sendo mais importantes
ao mundo do professor, o aprimoramento da prática. Daí uma provável lacuna nos
currículos, quando muito, atendo-se às concepções morais e éticas do que significa
ensinar.
A resolução também confunde área e disciplina, materializada nos
entendimentos de que a orientação (princípios norteadores) e operacionalidade (ementas
da disciplina). Tanto como área ou como disciplina, nota-se a confluência para uma
mesma abordagem, dissociando a epistemologia, a ontologia dos seus aspectos
históricos, políticos e sociais.
Desse modo, percebemos que a ementa da disciplina incorpora, de forma
fragmentada, os princípios filosóficos, ficando estes restritos à Antropologia e à História
da Educação, conforme pode ser observado nos programas dessa disciplina ministrada
pelos professores da FE. Além disso, a ementa não faz referência à axiologia, o que
denota uma tendência tecnicista, enfocada no didatismo, sendo que tem primazia o
“saber fazer” em detrimento do ‘tornar-se’ professor, sem o entendimento dos princípios
morais e éticos que devem perfazer a formação.
Então concluímos que Os programas observados propõem predominantemente
uma discussão histórica e sociológica dos princípios educativos, ficando vazio o espaço
destinado à Filosofia. Se partimos do pressuposto que a formação é um devir contínuo,
em que se confrontam projetos de vida, a partir de diferentes perspectivas escolares,
convém a reflexão sobre as imbricações desses projetos para o sentido de docência.
Justifica-se a partir dessa premissa a existência da Filosofia com o propósito de refletir
176
sobre essa trajetória. Torna-se lamentável nas propostas de formação de professores a
negligência a esse fato e, sobretudo, a ausência desse espaço de discussão.
Portanto, pensamos que os estudos propostos por essa disciplina operam na
formação, rumo a uma prática docente que requer o uso dos conceitos e possibilitam
contribuir para uma melhor compreensão da realidade escolar, campo de trabalho desses
futuros docentes. Pensamos ainda que a Filosofia, como expressão radical da busca do
sentido da própria existência, supõe um estudo aprofundado e uma elaboração
conceitual do princípio educativo, articulando os modos de pensar a prática pedagógica,
seus limites e suas possibilidades.
Considerações finais
Também pensamos que a formação é um devir contínuo, em que se confrontam
projetos de vida, diferentes perspectivas escolares e projeções diferenciadas do sentido
da docência. Então, espera-se que os cursos de licenciatura, ao conferirem uma
habilitação legal para o exercício da profissão, formem um profissional para além do
reducionismo do exercício da docência a um mero fazer. Indubitavelmente, a disciplina
Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos atua na reflexão sobre esse processo,
auxiliando na desconstrução dessa ideia.
Nessa perspectiva destacamos que os estudos propostos por essa disciplina
operam na formação, rumo a uma prática docente que requer o uso de conceitos dessas
três áreas do conhecimento e possibilitam contribuir para uma melhor compreensão da
realidade escolar, campo de trabalho desses futuros docentes. Pensamos ainda que a
Filosofia, como expressão radical da busca do sentido da própria existência, supõe um
estudo aprofundado e uma elaboração conceitual do princípio educativo, articulando os
modos de pensar a prática pedagógica, seus limites e suas possibilidades.
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SGUISSARDI,V.; GOERGEN, P.; DIAS SOBRINHO, J.; PINO, I.; PIOZZI, P.;
OLIVEIRA, R. P.; CAMARGO, E. A. S. P. Editorial – Universidade: reforma e/ou
rendição ao mercado? Mercantilização do conhecimento e deserção do Estado.
Educação & Sociedade. Campinas, v. 25, n. 88, p. 647-651, out. 2004.
178
CONDICIÓN Y NATURALEZAS HUMANAS
Ma. Dolores GARCÍA PEREA
Instituto Superior de Ciencias de la Educación del Estado de México
Universidad Autónoma del Estado de México
[email protected]
Camerino JUÁREZ PASCUAL
Universidad Autónoma del Estado de México
[email protected]
Resumen
Proponiendo que la condición y las naturalezas humanas deben convertirse en temas de
enseñanza de la Filosofía de la Educación, en el presente trabajo se reflexiona la noción
y los componentes estructurales de la condición humana, las características principales
de las naturalezas del ser humano y los conceptos a través de los cuales se puede
ascender a las naturalezas humanas.
La condición humana es entendida como estado de condicionamiento, de estar sujeto,
arraigado del ser humano con todo aquello con lo que entra en contacto (Arendt, 1998)
y representa el punto de partida para ascender a las tres naturalezas de los seres
humanos: biológica, cultural y de futuro.
La primera naturaleza está determinada por los instintos de la estructura biológica del
organismo vivo y por las relaciones inmediatas con el mundo natural consistentes en
saciar las necesidades básicas y de sobrevivencia. La segunda naturaleza está determina
por la cultura y se accede a ésta por medio de los procesos de formación y del trabajo de
los seres humanos. La tercera naturaleza reposa en el principio esperanza, se concreta
por las acciones humanas tendentes a la construcción del futuro a partir del
descubrimiento de lo todavía-no-consciente generado por el impulso de querer.
Palabras principales: condición humana, formación, esperanza e impulso de querer.
Introducción
179
En Verdad y Método I, Gadamer (1993:41) afirma que Hegel es el filósofo alemán
responsable de la expresión: el hombre “no es por naturaleza lo que debiera ser”. Con el
propósito de comprender el significado de la expresión, en el presente trabajo, al mismo
tiempo en que se reflexiona la condición humana y las alternativas para ascender a las
naturalezas del ser humano, son propuestas como temas de enseñanza de la Filosofía de
la Educación.
Hegel propone a la cultura como segunda naturaleza del ser humano y la diferencia de
la naturaleza biológica de los seres vivos a través del concepto de bildung –formación-.
En este trabajo se propone una tercera naturaleza humana que bien podría ser llamada
como naturaleza de futuro por estar determinada por el principio esperanza.
El concepto de condición humana es reflexionado considerando que, a través de éste, es
posible no sólo el ascenso a las naturalezas humanas, sino también su condicionamiento
a partir de procesos: instinto, formación y esperanza.
Con respecto a los argumentos descritos en el trabajo, algunos forman parte de los
resultados de las investigaciones “Formación, concepto vitalizado por Gadamer” y “La
noción de formación en Ernst Bloch”, “El concepto de percepción en George Berkeley”
y “Aprender a aprehender la esperanza” y han sido presentados en anteriores trabajos a
éste.
En esta ocasión, los argumentos elegidos se centran en destacar los procesos a través de
los cuales los seres humanos no sólo se arraigan al mundo natural –que representa la
primera naturaleza humana, sino también destacar los procesos considerados como vía
de ascenso al mundo cultural y al mundo futuro.
Los autores elegidos para dialogar en torno a los conceptos de condición humana,
formación y esperanza son: Arendt (1998), Gadamer (1993ª y ᵇ, 2000), Ferry (1990 y
1997), Ernst Bloch (1979), Boros (1972) De Sebastián (2003), Ganne (1973), Laín
(1984), Moltmann (1969), Rivas (2007), Royo (1976) y Descalzo (2002).
Las preguntas a resolverse son: ¿Qué se está entendiendo por los conceptos: condición
humana, formación y esperanza?, ¿Cuáles son las tres naturalezas humanas?, ¿Cuáles
son los componentes estructurales de las naturalezas? y ¿Por qué la filosofía de la
educación debe incluir como tema de enseñanza de la condición y las naturalezas
humanas?
180
Los apartados del trabajo son: Condición humana, Formación, alternativa para acceder a
la segunda naturaleza, Principio de esperanza, eje rector de la tercera naturaleza e
Impulso de querer.
La condición humana
Arendt (1998) define a la condición humana como estado de condicionamiento, estar
atado, enraizado, arraigado con todas las cosas con las que el ser humano tiene contacto
y que hacen que éstas se conviertan de manera inmediata en condición de su existencia:
“todo lo que entra en el mundo humano por su propio acuerdo o se ve arrastrado a él por
el esfuerzo del hombre, pasa a ser parte de la condición humana” (Arendt, 1998).
La condición humana está determinada por el contacto que tiene con el mundo natural,
convirtiéndose éste en su primera naturaleza que no es exclusivo al ser humano, ya que
todos los seres vivos la tienen. El mundo natural, entonces, es el hábitat por donde
transcurre su vida finita, el espacio donde sacia sus necesidades básicas y donde su
instinto biológico cobra vida al dejar huella en otros seres vivos y en el mundo natural
mismo.
Estar en contacto con el mundo natural es la experiencia originaria del existir en virtud
de que sin el mundo terrenal es impensable el existir de los seres vivos. La condición
humana arraiga a los seres vivos al mundo natural, la cual se presenta en un doble
sentido: prisión de la tierra -llamada también con el nombre de hábitat, morada y casa- y
potencial liberador de la tierra.
Por su estructura biológica, el ser humano es instintivo como lo son todos los
organismos vivos. Pero a diferencia de ellos, tiene la capacidad de superar, abandonarlo,
escapar y poner distancia sobre aquello que lo ata al mundo terrenal, aunque sólo sea
momentáneamente, por los impulsos de deseo que se generan en su interior.
El instinto proveniente de su estructura biológica, le ayuda no sólo a superar los
momentos de incertidumbre, de zozobra y de situaciones límites donde la vida peligra,
sino también a generar cambios en las formas y maneras de establecer contacto con el
mundo natural para satisfacer sus necesidades terrenales y perseguir sus impulsos de
deseo.
Los impulsos de deseos y de querer que habitan en las profundidades del cuerpo
biológico no evitan que el hombre siga atado a las cosas con las que entra en contacto,
pero permiten que se ate a otras cosas debido a que su vida no dependen exclusivamente
181
de la labor para saciar las necesidades básicas, sino también del trabajo y de las acciones
componentes estructurales de la condición humana.
Para Arendt, el trabajo es la actividad para producir objetos duraderos genera que el
estado de condicionamiento del ser humano pueda cambiar al estar en contacto con
cosas que no son del mundo natural y que generalmente han sido creadas por efecto de
la tradición, las costumbres, las ideologías, el mercado, las sensaciones, las
sublimaciones, los simbolismos, los ideales, los deseos, las querencias, etc.
La acción, en este caso, es el momento desarrollado de la capacidad que le es propia al
ser humano para emanciparse del estado de sujeción de la experiencia originaria
acontecida por los instintos biológicos para saciar necesidades no básicas y de origen
social. La pluralidad, nos dice la autora, es la condición de la acción debido a que todas
las personas, además de que somos humanos, también somos diferentes a otras personas
que han vivido o vivirán. De las personas depende tanto el estado de condicionamiento
como las maneras de hacer frente a aquello con lo que entra en contacto.
Formación, alternativa para acceder a la segunda naturaleza
La segunda naturaleza humana es el mundo cultural. Para acceder y ascender a este
mundo es indispensable que el ser humano ponga distancia sobre las experiencias
inmediatas instintivas de las necesidades básicas y de sobrevivencia para que, al tener
consciencia de sus acciones, el estado de condicionamiento con las cosas con las que
entra en contacto tenga un significado, sentido, intencionalidad, dirección, etc.
eminentemente humano e histórico.
La formación representa una de las alternativas para superar la condición humana
construida a partir del mundo natural y construir nuevas condiciones humanas
caracterizadas por los actos de consciencia, apegadas a experiencias universalizadas y
hermenéuticas, menos fragmentadas, parcializadas, inmediatas y personalizadas y, entre
otros aspectos, que los actos sociales estén matizados de patrones culturales (tradición,
lenguaje, costumbres, etc.).
El trabajo –estructuras de la condición humana propuesta por Arendt- prevalecen en la
segunda naturaleza humana porque a través de éste el ser humano aprende a destrabar lo
que está abajo, es fuente de toda grandeza tanto material como espiritual, es una forma
de lograr la dependencia del mundo natural.
182
Sin embargo, en los estados capitalistas, el trabajo ha servido para manipular y enajenar
al ser humano, porque el ser humano enajenado no tiene consciencia de sí mismo y de
su realidad. Un ejemplo: el trabajador asiste a una empresa no para recuperar un
producto sino para obtener un salario, lo que significa que no es consciente de que él es
el dueño del producto, aún de recibir una remuneración. El producto no le pertenece,
éste pasa a ser propiedad del dueño del capital llamado empresario.
Hay otra forma de enajenación y ésta no es menos grave que la anterior, es la
enajenación religiosa. Aquí el hombre se subordina a las imágenes construidas por él
mismo consistentes en la representación de la divinidad o divinidades.
La formación es una alternativa de recuperar la libertad y la dignidad humana porque
permite al hombre acceder al mundo de la cultura, reconocida por Hegel como la
segunda naturaleza humana. En este caso, la formación es un proceso de diálogo donde
los horizontes de saber del mundo cultural se fusionan con los horizontes de saber que
el ser humano ha ganado al desplazarse en éstos.
Con la finalidad de dar a conocer algunas interpretaciones sobre el concepto formación
que resaltan el sentido de cultura cito cuatro nociones. La primera es de Ferry (1990) y
considerado como clásico de la formación en el campo de la pedagogía. Entiende a la
formación como Trabajo individual, libremente imaginado y deseado con base en los
dispositivos que otros y uno mismo se provee. Estamos de acuerdo con el autor, la
responsabilidad de formación es exclusivamente de la persona interesada en formarse.
El compromiso de las instituciones de educativas es proveer procesos, escenarios y
dispositivos de formación.
La segunda es de Gadamer (1993b), autor de la hermenéutica filosófica. A la edad de 54
años, el filósofo y filólogo alemán la concibió como Capacidad de pensar lo que opinan
otros y uno mismo. Desde mi punto de vista la noción expresa la profundidad y la
dimensión que abarca la formación.
La tercera
también es de Gadamer (2000), fue elaborada a los 94 años de edad
aproximadamente: Potenciar las fuerzas allí donde uno percibe sus puntos débiles y no
dejarlas en manos de los padres de familia que regalan obsequios a los hijos por
obtener calificaciones de 10 y a las instituciones que otorgan diplomas por la
capacidad de memorizar. Esta manera de entender a la formación, nos obliga a
preguntar por las debilidades de las personas pero también por las experiencias de
formación logradas a lo largo de nuestra existencia.
183
La cuarta y última es de Hegel (Cfr. Guadañar, 1993a): Reconciliarse con uno mismo en
una segunda naturaleza: la cultura. El principio de la noción es: para formarnos es
necesario reconocer que estamos deformados. Lo anterior puede ser explicado a través
de la analogía de la piedra en el zapato: sólo descubriendo que ésta en nuestro zapato y
produce daño al pie, podemos responsabilizarnos de arrojarla fuera del zapato y del pie.
Principio de esperanza, eje rector de la tercera naturaleza
La tercera naturaleza del ser humano se circunscribe en el futuro que habrá de
construirse de manera consciente desprendida del impulso de querer, del hacer
consciente lo que todavía no es y de su carácter de posibilidad.
Para ascender a esta naturaleza, no basta tener consciencia sobre la historicidad del
mundo cultural y de la condición humana proveniente de la primera y segunda
naturaleza humana. No hay necesidad de mirar el pasado para entender lo que se es
ahora, lo importante es girar la vista al futuro y construirla a partir de acciones que van
desde, hacer consciente lo que todavía no es hasta hacer realidad los impulsos de querer.
Bloch expresa que son varios los autores que tienen la esperanza de un futuro
prometedor, entre ellos se encuentra Freud y Marx. Sin embargo, uno lo piensa desde
las estructuras del inconsciente y otro desde la estructura de la producción. El error de
ellos radica en no considerar el futuro y que en las profundidades del ser humano habita
la esperanza. La esperanza es la última en morir y es la causa del movimiento de los
seres humanos.
La humanidad tiene que ser construida desde el presente y no desde el pasado. Para
construir un futuro prometedor, es necesario aprender la esperanza (Boch, 1979), pero
desde mi punto de vista, debemos convertirla en bandera de existencia, hacerla propia,
aprehenderla. En las nociones hechas sobre el concepto de esperanza se encuentran los
elementos que caracterizan a la tercera naturaleza humana, a continuación se presentan
un conjunto de éstas.
Alberoni, Descalzo y Ganne, coinciden en afirmar, con palabras más o menos
equivalentes, que la esperanza es la virtud más importante de la vida en tanto que sin
ella, nadie se atrevería a llevar a cabo acciones enfocadas a lograr fines, emprender una
empresa o tener el valor para afrontar el futuro desconocido, incierto e imprevisible.
Ignorar la esperanza es imposible porque está inmersa en nuestra vida motivando las
actividades diarias para lograr un fin y tal fin, sin duda, es la proyección de la vida.
184
José Luis Martín Descalzo (2002) al reconocer en la esperanza tal principio, propone
que ella sea entendida como actitud de vida debido a una acción dual: la vida consiste
precisamente en entreabrirse hacia lo posible y lo posible sólo puede lograrse cuando se
mira hacia el horizonte del futuro. En otras palabras, la vida sólo se construye y quien la
construye se reimpulsa en esa fuerza interior denominada esperanza.
Continuando con el autor, vida y esperanza son estructuras inseparables: la vida se
construye sobre la posibilidad de actuar en futuro y, por lo tanto, sobre la esperanza. La
vida, en su naturaleza más profunda, es acceso a la esperanza. La esperanza destruye la
certeza de lo ineluctable y de la muerte, reabre el horizonte de lo posible y choca con las
incertidumbres existenciales. Desde mi punto de vista, es precisamente esta apertura la
que nos devuelve la alegría, la confianza, la fe y el impulso para reinventar acciones
tendentes a lograr lo que es querido.
La esperanza también es considerada como visión de futuro. Para argumentar tal
sentido, continúo recuperando las ideas de Descalzo sobre la vinculación existente entre
esperanza-futuro: la esperanza se presenta como “una fuerza directa hacia el futuro,
como una meta, una visión de aquello que puede ser, de lo que podemos realizar, de lo
que se está incubando y que debemos perseguir con nuestra voluntad, asumiendo los
riesgos que conlleva” y el futuro le corresponde al ser humano en tanto es el portador
del impulso que va desde nuestro interior hacia afuera, como poderoso vehículo por su
capacidad heurística y por poner en marcha la evolución cósmica que hace escalar los
estratos cada vez más elevados del ser. Imaginar un futuro sereno, abrirse al futuro, el
deseo de vivir y de luchar, es una luz que destroza las tinieblas, es una ola de calor que
nos reconforta y que nos hace renacer (Ídem).
Las nociones de corte teológico, aún de la dirección e intención que tienen, contienen
elementos para comprender la importancia, trascendencia y devenir de la esperanza.
Con el propósito de mostrar lo dicho, presento a continuación la noción hecha por Royo
(1976: p. 45): Esperanza, además de ser el fin último deseado, anhelado y querido por el
ser humano, es una virtud teologal que nos impulsa mirar hacia la patria eterna
dándonos la plena garantía de alcanzarla algún día, no por nuestras propias fuerzas
humanas, sino con el auxilio omnipotente de Dios, el cual es bondadoso y
misericordioso.
Otras nociones de esperanza interesantes por su contenidos son: “dinamismo de la
exigencia humana”, “virtud que tiene peor prensa”, “hondura y […] universalidad de su
185
implantación en el corazón del hombre”, “agridulce necesidad de vivir, es uno de los
hábitos que más profundamente definen y constituyen la existencia humana”, “estado de
ánimo que complace en la posesión de un bien que le llena de dicha y de paz”,
“imaginar un mundo sereno”, “luz que destroza las tinieblas, […] ola de calor que nos
reconforta, que nos hace renacer”, “fuerza directa hacia el futuro, como una meta, una
visión de aquello que puede ser, de lo que podemos realizar, de lo que está incubado y
que debemos perseguir con nuestra voluntad, asumiendo los riesgos que conlleva”,
“proyección hacia el futuro, como intuición de las posibilidades que germinan en la
realidad, y que debemos cultivar y llevar a término”, “estar casi seguro de algo”, “lo que
se espera”, “actitud de prudente razonabilidad, como un estar, mediante el intelecto, en
medio de dos alternativas que en ninguno de los casos es cierta”, “intuición que
proviene de un movimiento interior y que establece de nuevo una relación de confianza
con el mundo, que nos introduce nuevamente en el impulso vital de nuestra continuidad
vital con el cosmos, una afirmación de nuestra sustancia de ser”, “capacidad de esperar,
de luchar por una meta sin abandonarse al desaliento o a la desesperación”, “capacidad
de tener presta siempre la mirada hacia el futuro”, “seguridad de alcanzar el resultado
aun cuando todas las circunstancias son adversas, aun cuando nos faltan las capacidades
indispensables para obtenerlo”, “La experiencia anticipada” y “movimiento de la
apetencia apetitiva que resulta de la aprehensión del bien futuro, arduo y posible, o sea
la tendencia o inclinación del apetito hacia tal objeto.”x
Las nociones caracterizadas por su sentido aséptico, también son interesantes. Entre
éstas se encuentran: “Espera confiada, más o menos justificada, de un hecho grato o
favorable”, “¿Realmente la esperanza es el único bien, el último recurso disponible para
afrontar todos los males? O, por el contrario, ¿es el más último, el más sofisticado y
burlón, es la falsa promesa, el engaño?” y “Así pues, cuanto más nos esforzamos por
vivir bajo las riendas de la razón, más nos esforzamos en depender al mínimo de la
Esperanza y en liberarnos del Miedo” (Alberoni, 2001:13).
El impulso de querer
Bloch afirma que la esperanza es una estructura ontológica que habita en las
profundidades de la persona y, por tanto puede concebirse como el impulso de querer y
no del impulso de deseo. Es la causa del movimiento de los seres humanos y genera
sentido a sus existencias. El origen de la expresión popular: “hombre no vive para vivir,
186
sino «porque» vive, puede sentir”, nos dice Bloch, reposa en ambas estructuras
ontológicas.
Antes de explicar la diferencia existente entre el impulso de deseo y el impulso de
querer y argumentar al segundo impulso como experiencia que origina el trayecto de
formación en los seres humanos, considero pertinente describir la naturaleza misma del
impulso antes de configurarse como impulso del deseo o como impulso del querer.
El impulso trastoca al ser humano desde su nacimiento hasta la muerte del cuerpo
biológico y permanece en él generando movimiento y el logro de lo querido. Por ello,
podemos decir que el impulso empuja, incita y arroja al ser humano al mundo para
buscar no sólo algo que permanece desconocido, sino también identificar lo querido y
esforzarse por obtenerlo.
El impulso no puede ser percibido por los sentidos humanos, sin embargo, es el
responsable de las experiencias corpóreas y de las experiencias mentales (reflexivas,
analíticas, interpretativas, de comprensión, lógicas, etc.). Ningún ser humano puede
escapar al impulso porque es independiente a la voluntad humana, se manifiesta sin
cesar creando una agitación que, aún de ser o no percibido, genera alguna aspiración,
anhelo, afán, deseo, querer, agobio, etc.
Sentirse empujado y embrujado por el impulso implica una diversidad de sensaciones
similares al que experimenta un ser humano cuando el aguijón de la abeja penetra entre
las células de su cuerpo. La ansiedad es tal que el movimiento surge como una reacción
del cuerpo mismo.
Generalmente, el contenido del impulso pasa desapercibido en el ser humano, aún de su
manifestación corpórea, por tal motivo es imposible nombrar lo que evoca en tanto que
lo que expresa no puede ser satisfecho como lo es una necesidad biológica e instintiva.
Su contenido está demarcado en primera instancia por el deseo manifestado en los
sueños nocturnos y, posteriormente, al adquirir el carácter de sueño diurno se convierte
en un querer que despliega un abanico de alternativas para ser real aquello a lo que se
aspira.
La negación del impulso es una de las situaciones más nefastas y destructivas del ser
humano y de la humanidad debido a que lo que se anula y excluye es la esperanza que
habita en ellos. Por tal motivo, reflexionar el impulso, en su manifestación tanto de
deseo como de querer, significa pensar en la experiencia originaria de la condición de
humano y, por consiguiente, de los trayectos de formación.
187
Hay que mencionar que el impulso es la causa de que el ser humano viva la experiencia
de agonía, aspiración, apetencia, anhelo, deseo, etc., la cual habrá de perturbar su vida
hasta que pueda ser ascendida al futuro. Para ello se requiere tanto de voluntad, interés,
perseverancia y convicción humana como de condiciones propicias -sociales, culturales,
históricas, religiosas, etc.-.
El impulso de querer, también llamado sueño diurno, son los componentes iniciales de
la esperanza por los aspectos siguientes: son inalienables, habitan en el interior de la
persona, están constituidos por componentes sociales, culturales, históricos y simbólicos
y tienen como efecto la lucha, la persecución, el trabajo constante, paulatino y
consecutivo en tanto empujan, arrojan, lanzan, ponen en movimiento a la persona para
lograr lo que no tiene y que es factible de lograrse, independientemente del tiempo
transcurrido para lograr o poseer lo que se quiere.
A diferencia de la connotación ontológica que otorga Bloch al impulso o ímpetu y a la
condición dialéctica e histórica que le caracteriza por abrir el mundo al ser humano y
por generar en él y en la humanidad cambios, transformaciones y movimientos
constantes, permanentes y consecutivos; en la humanidad.
Mientras que el impulso de querer trastoca su presente empujando, incitando a la
búsqueda, a la conquista, a la lucha, a la persecución, al logro de aquello que es
susceptible de ser encontrado y que yace en el ámbito de lo todavía-no-consiente; el
impulso de deseo al no convertirse en un querer, pervive como ilusión efímera y no
realizable por situarse en el ámbito de la fantasía.
El impulso del querer hace que la tarea de formarse sea susceptible de realizarse por el
principio de esperanza que contiene y la formación se convierte en una condición
humana, de la cual sólo es responsable quien la vive en su mismidad.
Consideraciones finales
En los trabajos de corte sociológico, antropológico, pedagógico y hasta filosófico,
frecuentemente se emplea el término sujeto para referirse al ser humano sin
proporcionar alguna justificación sobre su empleo. Pocos son los trabajos que ofrecen
una explicación breve y sucinta sobre el término sujeto y, en raras ocasiones, se emplea
el concepto de condición humana.
188
El término sujeto y el concepto condición humana están implicados debido que ambos
son parte de la experiencia originaria del existir y, por consiguiente, de las naturalezas
que le son propias al ser humano.
Para valorar las implicaciones entre la expresión y el concepto y valorar las bases que
ofrecen para comprender las naturalezas humanas, es necesario que la Filosofía de la
Educación los incorpore como tema de enseñanza habilitando sus sentidos originarios
con el fin de comprender el arraigo del hombre en los mundos y en su propio devenir.
Los aspectos que justifican la relevancia del tema son, por un lado, los sentidos
restringidos y reducidos sobre lo que significa el hombre y las maneras en que ha sido
clasificado en las sociedades modernas, por otro, el desafío que tiene la Filosofía de la
Educación para enseñar la condición humana sin caer en los reduccionismos,
restricciones, paradojas y utopías.
El asunto central es debatir las tres naturalezas humanas y privilegiar la condición
humana construida a partir de la formación y de la esperanza, ya que a través de la
primera se accede al mundo cultural y de la segunda al mundo del futuro. Si bien
situarse en el mundo es un tema problemático, lo es más estar-en-el- mundo.
189
Bibliografía
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Bloch, Ernst (1979). Principio de esperanza, Tomo I
Boros, Ladislaus (1972). Somos futuro. Ediciones Sígueme, Salamanca
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Ferry, Gilles (1990). El trayecto de la formación. Los enseñantes entre la teoría y la
práctica. Paidós Educador, México.
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Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico y Facultad de Filosofía y
Letras de Buenos Aires, Buenos Aires.
Gadamer, Hans-Georg (1993a). Verdad y Método I. Ediciones Sígueme. Salamanca
Gadamer, Hans-Georg (1993b) Elogio de la teoría. Discursos y artículos. Ediciones
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Ganne, Pierre (1973). Esta esperanza que hay en nosotros. Ediciones Morova, S. L.
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Laín Entralgo, Pedro (1984). La espera y la esperanza. Alianza, Madrid.
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Rivas Lacayo, Rosa Argentina (2007). Saber crecer. Resilencia y espiritualidad. Urano,
Barcelona.
Royo Marin, Antonio (1976). Teología de la esperanza. Respuesta a la angustia
existencialista. Biblioteca de autores cristianos, Madrid.
190
A ARTE E A IMAGINAÇÃO CRIADORA NO ENSINO DE FILOSOFIA DO
DIREITO
Alessandra Morais Alves de Souza e Furtado-UNIUBE
[email protected]
Elton Antônio Alves Pereira-REDECENTRO/UNIUBE
[email protected]
Sueli Terezinha de Abreu Bernardes (Orientadora)REDECENTRO/UNIUBE
[email protected]
Brasil
Resumo
O presente trabalho tem como tema a complementaridade da arte no ensino de Filosofia do
Direito. O objetivo definido é compreender como a arte pode contribuir para a construção do
conhecimento em Filosofia do Direito. A interação e complementaridade entre arte e ciência
encontram respaldo na teoria do filósofo Gaston Bachelard, para quem ciência deve estar
sempre unida à imaginação. A arte se mostra das mais diversas formas como a fotografia, a
música, a literatura, a teatralidade. Dessa forma ela insere–se no conceito bachelardiano de
imaginação criadora, pois a arte emana do devaneio do artista. O filósofo francês valoriza a
liberdade criadora e reabilita a imaginação dentro do processo científico, denominando de
imaginação criadora aquela que se relaciona às imagens que colocam em movimento a
articulação simbólica entre o mundo interior e o mundo exterior do sujeito. A razão toma uma
nova dimensão quando associada à imaginação e, a partir daí, verifica-se que não há um só
caminho que leva ao conhecimento. Frente a essas considerações chega-se à seguinte questão:
como interagir a arte, a imaginação criadora e os saberes da Filosofia do Direito no ensino dessa
disciplina? Segundo o jus – filósofo Paulo Dourado de Gusmão, a Filosofia do Direito tem
como objetivo levar o aluno à reflexão, sobre as verdades jurídicas. O justo e o injusto, o
sistema legal, a ética, são objeto de estudo da Filosofia do Direito, que levanta questionamentos
sobre tais temas com o objetivo de instigar mudanças e transformações no sujeito que a estuda
e, via de consequência, no meio social onde ele está inserido. Por meio da arte e da imaginação
criadora, o aluno é instigado a questionar, a pensar, a lançar um novo olhar sob o Direito, que é
191
justamente a proposta da jus-filosofia. Assim, obras de arte como a “Guernica”, de Picasso,
podem contribuir para uma reflexão sobre as relações éticas; filmes como “O Motim”, de Ketan
Mehta, possibilitam refletir sobre os interesses colonialistas como fonte de direito. Dessa forma,
a interação entre o estudo da jus-filosofia, da imaginação criadora e da arte, evidencia um
sentido de complementaridade.
Palavras – chave: Arte. Fenomenologia bachelardiana. Filosofia do Direito. Ensino.
1. Introdução
A busca por novos métodos de ensino vem ao encontro de uma universidade consciente,
voltada para as lutas democráticas, onde os alunos possam desempenhar, julgar e avaliar suas
funções de forma crítica, propor soluções, questionar, debater, transmitir seus pensamentos,
entre outras características que resultam na formação de um profissional mais comprometido
com a função social de seu ofício.
Dessa forma, a docência exige que, para além de conhecer o conteúdo a ser ensinado, o
professor tenha que estar aberto ao novo a fim de, com o aluno, ir construindo, gradativamente,
o conhecimento. É preciso, ainda, que o professor tenha em mente que, mais importante que
transmitir conteúdos, a escola tem por função formar sujeitos.
Assim, na construção do presente trabalho não há como deixar de trazer a teoria da
imaginação criadora. Essa imaginação, na perspectiva teórica de Gaston Bachelard dinamiza o
ato de conhecer em seu poder constitutivo do ser humano – enquanto pensador, sonhador e
criador – tendo em vista que é capaz de pôr em movimento ideias e imagens para investigar o
real. Nesse sentido, a imaginação reveste-se de importância vital na formação do sujeito, pois é
por meio dela que o homem pensador, sonhador e criador ganha força e se move no sentido de
metaforsear-se.
Sob o enfoque da teoria bachelardiana, educar é promover caminhos que possibilitem ao
aluno e ao professor uma interação capaz de levar à construção do conhecimento, oportunizando
sempre a superação das limitações. Nessa esteira, a arte mostra-se como um dos caminhos a ser
trilhados para facilitar a formação do aluno em busca de um ser mais, de ultrapassar seus
limites, de formar- se como sujeito.
No caso do Direito, a formação crítica do discente tem como objetivo formar
profissionais habilitados a entender a realidade com a qual irão trabalhar. É incessante a
necessidade de se promover a construção do conhecimento entre alunos e professor em sala de
aula, o qual possibilite ao aluno ter uma consciência crítica do sistema legal e da sociedade onde
ele se insere.
192
O objetivo desse artigo é compreender como a arte e a imaginação criadora podem
contribuir para a construção do conhecimento em Filosofia do Direito. Percebe-se que o ensino
jurídico, como um todo, possui um caráter dogmático e tecnicista que, muitas vezes, não
proporciona ao acadêmico alcançar todas as dimensões do estudo do Direito.
Segundo (SOUZA; PIEDADE, 2012, p.2 ):
O ensino do Direito destoa, ou até mesmo nem se aproxima, da
realidade concreta. É clara a dificuldade em associar a realidade
cotidiana, a realidade comum das pessoas, suas vidas, ou seja, a
realidade “sensível” com a realidade “suprasensível” do Direito nas
salas de aula. E esta é uma tarefa difícil para o professor; para o aluno,
talvez a dificuldade seja ainda maior, associar ou aproximar a relação
existencial destes dois universos que aparentemente correm em
paralelo.
Em sua essência, o Direito busca um ideal de equilibrar as tensões sociais com o
fito de realizar a tão almejada justiça. Estudar os limites e dilemas do Direito é estudar
os diversos obstáculos que se apresentam à realização desse ideal de justiça e, é nesse
aspecto, que entra a Filosofia do Direito, como fonte de questionamento sobre o que
está posto como verdade jurídica, levando o jurista a repensar e revisitar essas
“verdades”, de forma crítica, na busca de novas alternativas para as lacunas e falhas dos
diversos elementos que compõem o vasto universo jurídico.
GUSMÃO (2006, p.15), afirma que:
A Filosofia do Direito não tem por objeto o conteúdo do Direito,
porque sendo histórico, é variável e ideológico. Mas, então, em que
consiste o seu valor ou a sua atualidade? Primeiro, despertar a dúvida
sobre as “verdades” jurídicas, geralmente ideológicas, e, como tal,
históricas; abrir a mente para a realidade jurídica, imperfeita, e, quase
sempre, injusta; incentivar reformas jurídicas, criando a consciência
de a lei ser obra inacabada, em conflito permanente com o direito. E,
acima de tudo, dar ao jurista, enfadado com os modelos que a
sociedade lhe impõe, momentos de satisfação espiritual,
compensadores da perda da crença na capacidade criadora do homem
no terreno jurídico.
A tarefa da Filosofia do Direito não se esgota nunca, pois seu objetivo é sempre
questionar. Seu papel crítico, tem relevante importância para que o Direito caminhe
avante, não se tornando estanque e dissociado da mutante sociedade na qual está
inserido. Pode-se ler na obra de Bittar e Almeida (2011, p. 43):
193
A Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções
jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do
Direito. Mais que isso, é sua tarefa buscar os fundamentos do Direito,
seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento
sobre o qual se fundam as estruturas do raciocínio jurídico,
provocando, por vezes, fissuras no edifício jurídico que por sobre as
mesmas se ergue.
É nesse universo de questionamentos, de desconstrução e reconstrução que a
interação entre arte e estudo da Filosofia do Direito, possibilita ao aluno a descoberta de
um universo mais amplo. Na confluência entre essas duas áreas do conhecimento
humano (educação e arte), tem - se a arte como impulso das relações interpessoais,
renovando vivências, tecendo laços de solidariedade, criando imaginários e poéticas
imprescindíveis para o conhecimento do outro, de si mesmo e do grupo social onde está
inserido. A arte retrata a pulsão pela vida. A vida pulsante e pulsando.
Este artigo é resultado ao estudo das interações arte e ensino da Filosofia do
Direito. Parto da questão: como interagir a arte, a imaginação criadora e os saberes da
Filosofia do Direito no ensino dessa disciplina?
A metodologia aplicada foi de cunho teórico, com pesquisa bibliográfica,
buscando identificar as obras relacionadas ao tema do ensino da Filosofia do Direito e
sua interação com a arte, buscando informações que possam responder a pergunta deste
estudo.
A Filosofia do Direito – definição, objetivo e finalidade
Etimologicamente a palavra filosofia vem do grego e significa “amizade ou
amor” pela sabedoria. Nas palavras de Reale (2002, p.5): “Os primeiros filósofos gregos
não concordaram em ser chamados sábios, por terem consciência do muito que
ignoravam. Preferiram ser conhecidos como amigos da sabedoria, ou seja – filósofos.”
A filosofia traz em sua essência a busca incansável pela verdade, sempre
colocando à frente do conhecido, os questionamentos sobre o desconhecido. É uma
eterna renovação da busca pela verdade ela “começa com um estado de inquietação e de
perplexidade, para culminar numa atitude crítica diante do real e da vida.” (REALE,
2002, p.6)
No que tange a Filosofia do Direito, propriamente dita, sua busca é o constante
questionamento acerca das condições morais, lógicas, éticas, históricas dos fenômenos e
do sistema Jurídico.
194
Segundo Nader (2006, p.11): “
Enquanto a Ciência do Direito se limita a descrever e sistematizar o
Direito vigente, a Filosofia do Direito transcende o plano meramente
normativo, para questionar o critério de justiça adotado nas normas
jurídicas. De um lado, a Ciência do Direito responde à indagação Quid
juris? (o que é de Direito?); de outro, a Filosofia Jurídica atende à
pergunta Quid jus? (o que é o Direito?). Esta é uma disciplina de
reflexão sobre os fundamentos do Direito. É a própria Filosofia Geral
aplicada ao objeto Direito. Preocupado com o dever ser, com o melhor
Direito, com o Direito justo, é indispensável que o jusfilósofo conheça
tanto a natureza humana quanto o teor das leis.
Definir o que seja Direito, quais são seus fundamentos e onde ele se legitima,
além do que a busca pelo sentido da sua história são objeto da Filosofia do Direito. O
estudo dessas questões tem como objetivo contribuir para a formação do jurista,
levando-o a ser capaz de fazer uma leitura reflexiva e crítica dos fenômenos jurídicos,
bem como do sistema legal onde ele se insere. Dessa forma, o estudo da Filosofia do
Direito tem o fito de instigar o jurista a ter uma visão mais completa, complexa e crítica
desse fenômeno e do próprio Direito, não se limitando ao olhar tecnicista e praxista.
Reale (2002, p.10) afirma que “A missão da Filosofia do Direito é, portanto, de
crítica da experiência jurídica, no sentido de determinar suas condições transcendentais,
ou seja, aquelas condições que servem de fundamento à experiência, tornando – a
possível”.
De outro vértice, a Filosofia do Direito tem também a finalidade de submeter o
Direito a um juízo que tenha como parâmetro valores que a sociedade humana vem
construindo ao longo de sua história. Tais valores, como ética, a equidade, a isonomia,
dentre outros, devem ser considerados pelo Direito, quando ele exerce a função de
pacificação dos conflitos sociais, tendo em vista que a investidura dessa função dada ao
Direito tem como premissa que ele esteja sempre na busca do justo. “A filosofia do
direito deve ser uma tomada de posição, uma decisão, um julgamento de valor sobre
problemas humanos e sociais da alçada do Direito” (GUSMÃO, 2006, p. 15).
O estudo da Filosofia do Direito leva o jurista a transcender a linguagem estática
do Direito codificado, fazendo com que ele debata com os valores ou contra valores que
estão para além da linguagem técnica. O estudo filosófico do Direito faz com que o
jurista dialogue com os valores fundantes da ideia de Justiça, com princípios
ideológicos que o estudo apenas do Direito positivo não permite acessar. Ao filosofar o
195
Direito e julgá-lo, o jurisfilósofo contribui para o amadurecimento dos princípios e
bases nas quais se assentam o Direito, fazendo com que esse amadurecimento
possibilite a construção de uma sociedade mais equânime, isonômica e justa.
A arte e a imaginação criadora como instrumentos de construção do conhecimento
O uso da arte no processo de ensino, envolve a consideração da educação
como um processo formativo humanizado, ou seja, como um processo através do qual
se auxilia o ser humano a desenvolver sentidos e significados que orientem sua ação no
mundo, usando para tanto sua imaginação, criatividade, sonhos e anseios.
Segundo Tarkovskiaei (1986, p. 40) “a arte é um símbolo do universo, estando
ligada aquela verdade espiritual absoluta que se ocupa de nós em nossas atividades
pragmáticas e utilitárias”.
A arte faz com que o espectador seja levado a um processo de reflexão e
questionamentos, uma vez que, para além da razão, mexe com a emoção do sujeito.
Desta forma ela provoca inquietações, sonhos, agústias, alegrias, tristezas, dúvidas,
criatividade. Ela tira o espectador do estado inanimado, para um estado de turbulência,
que se bem conduzida no processo de ensino, pode ser extremamente profícuo.
Segundo Zamboni (2006, p.22-23):
É comum se ter a ciência como um veículo de conhecimento; já a arte
é normalmente descrita de maneira diferente, não é tão habitual pensála como expressão ou transmissão do conhecimento humano. Não
obstante, é necessário entender que a arte não é apenas conhecimento
por si só, mas também pode constituir-se num importante veículo para
outros tipos de conhecimento humano, já que extraímos dela uma
compreensão da experiência humana e de seus valores.
A interação e complementaridade entre arte e ciência encontram respaldo na
teoria do filósofo Gaston Bachelard, para quem ciência deve estar sempre unida à
imaginação. O filósofo francês defende o uso da imaginação criadora como fonte de
formação, de transformação do sujeito. O filósofo francês defende que o aluno deve
encontrar na escola não uma fonte de aquisição de cultura, mas, para, além disso, deve
encontrar uma fonte de transformação de sua cultura.
Na perspectiva bachelardiana, a interação entre arte e ciência, entre imaginação e
razão faz emergir outras realidades a partir do imaginário. Sua teoria rompe com o
paradigma de que razão e imaginação são ações dicotômicas, pois para ele ambas
possuem a mesma característica de criar significados e produzir conhecimentos para
196
deixar fluir o que ainda não existe. A imaginação dinamiza o ato de conhecer em seu
poder constitutivo do ser humano enquanto pensador e sonhador, essencialmente
criador, revestindo a imaginação de importância vital na formação do ser humano.
Richter (2006, p. 246) afirma que:
Para Bachelard, a criação – a utilização plena dos sentidos, das
emoções, da inteligência – é um valor existencial onde o racionalismo
“fechado” cede para o “aberto” e o plural, aquele que permite uma
transitividade entre o pensamento e a experiência. Enquanto o
conceito reúne formas prudentemente próximas na sua função em um
sistema de relações inter-conceituais, a imaginação transpõe
extraordinárias diferenças: “unindo a pedra preciosa à estrela, ela
prepara ‘as correspondências’ daquilo que tocamos e daquilo que
vemos” (BACHELARD, 1991, p. 230), para criar uma visão, inventar
aquilo que vemos.
Para o filósofo francês, a razão deve ser dotada de liberdade. O pensamento deve
vir através e em conjunto com a imaginação criadora. A razão unida à imaginação
através dos devaneios, se complementam, fazendo com que emerja daí novos
conhecimentos e caminhos.
O uso da arte e da imaginação no processo de ensino é também defendido por
Elliot Eisner (2008, p.9), que citando Sir Herbert Read, ensina que:
[...] o objetivo da educação deveria ser entendido como a preparação
de artistas. Pelo termo artista nem ele, nem eu, queremos dizer
necessariamente pintores, dançarinos, poetas ou autores dramáticos.
Nós queremos dizer indivíduos que desenvolveram as ideias, as
sensações, as habilidades e a imaginação para criar um trabalho que
está bem proporcionado, habilmente executado e imaginativo que é
independente do domínio em que o indivíduo trabalha.
A arte sempre foi usada como forma de expressão das emoções, da visão de
mundo do artista e como expressão da própria vida. Dessa forma, quando associada ao
processo de criação, transforma-se em instrumento capaz de fazer com que o sujeito
exerça plenamente sua condição de ser humano. Desperta o olhar crítico, sensível,
possibilita a expressão livre do pensamento e das emoções, desenvolvendo no sujeito o
raciocínio com criatividade e imaginação.
Refletindo sobre a interação entre arte e ciência, Bronowski (apud Zamboni,
1983, p.81) conclui que:
197
Há um fio que percorre continuamente todas as culturas humanas que
conhecemos e que é feito de dois cordões. Esse fio é o da ciência e da
arte. [...] Esse emparelhamento indissolúvel exprime, por certo, uma
unidade essencial da mente humana evoluída. Não pode ser um
acidente o fato de não haver culturas que se dediquem a arte e não
tenham ciência. E não há, certamente, nenhuma cultura desprovida de
ambas. Deve haver alguma coisa profundamente enterrada no espírito
humano – mais precisamente na imaginação humana - que se exprime
naturalmente em qualquer cultura social tanto na ciência quanto na
arte.
Produzida em 1937, a clássica obra de Picasso, Guernica, é grandiosa não só em
seu tamanho (mede 350 por 782 cm), mas sobretudo na reprodução da catástrofe bélica
que reproduz. Esta obra universal traduz a dor, o sofrimento, a destruição, fruto do
impacto provocado pelo bombardeio. As imagens e sentimentos que emanam desta tela
transcendem os próprios fatos nela retratados, transportando quem a vê a um momento
de terror vivenciado pela cidade de Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola.
Mais do que isso, obras de arte como esta, fazem com que o expectador desperte
os seus sentidos, fazendo um contraponto entre o belo, a paz, a harmonia, a ética e a
destruição total causada pela guerra. Como fonte de construção do conhecimento, essa
obra de arte, assim como outras, contribuem para uma reflexão sobre as relações éticas,
fazem emergir no expectador um juízo de valor sobre o justo e o injusto, além de um
olhar de criticidade sobre a realidade ali retratada, que clama pela construção de um
mundo renovado e fundado em outros valores.
Na arte cinematográfica, observa - se que filmes como “O Motim”, de Ketan
Mehta, possibilitam refletir sobre os interesses colonialistas como fonte de direito, tendo
em vista que retrata um país governado por uma empresa inglesa, que chegou a manter
um exército de soldados ingleses a seus serviços, além de uma grande quantidade de
nativos, chamados sepoys, que também estavam a serviço dos interesses colonialistas da
empresa britânica. O filme também faz com que o espectador analise o choque de
costumes entre culturas diferentes, levando-o a refletir sobre o que emerge desses
choques culturais entre dominantes e dominados. Novamente a ética, a isonomia, a
equidade, a liberdade são entendidas, através da arte, como forma de questionamento.
A partir desses exemplos, verifica-se que a arte é uma das protagonistas das
mudanças sociais e do processo de construção, de modificação e, muitas vezes, de
reconstrução da sociedade. Na Educação, ela contribui para a formação de um sujeito
198
consciente, sensível, crítico, participativo, capaz de compreender, intervir e transformar
a realidade em que vive.
Barbosa (2008, p. 90) afirma:
Arte é artefato, não é natureza; é linguagem “presentacional” que pode
intertextualizar com outras linguagens; é emoção, representa de forma
comunicável; é conhecimento, conhecimento para cuja configuração
todas as funções mentais participam: intuição, inteligência; emoção,
etc. Hoje eu diria que é tudo isso e cinicamente acrescento que é um
divertimento que tem o poder de levar a pensar e algumas vezes
transformar. Transformar a própria Arte, quem a faz, quem a vê e a
sociedade. [...].
Assim, a arte pode ser usada nas mais diversas disciplinas, dentre elas as que
envolvem o estudo do Direito e a formação de seus futuros operadores.
A interação entre arte, imaginação criadora e ensino da Filosofia do Direito – um
caminho possível
Em relação ao ensino da Filosofia do Direito, a teoria da imaginação criadora
ganha grande relevância tendo em vista que o filósofo Gaton Bachelard estuda
continuadamente os processos de elaboração da ciência, tendo uma maneira diversa de
entender a aprendizagem. O ponto central de sua teoria é a mudança das estruturas
internas e o constante questionar, visto que sua perspectiva está ligada à formação do
sujeito e, não, pura e simplesmente a reprodução de ideias e conceitos científicos.
Bachelard defende que é através da imaginação criadora que que o sujeito
consegue ultrapassar seus limites. Devanear sobre o devir é a mola propulsora para que
o homem caminhe avante.
O estudo da Filosofia do Direito, por ter como epicentro o próprio Direito,
envolve também o estudo das relações humanas, seus conflitos, ideais, idéias, anseios,
medos. Os constantes questionamentos levantados pela Filosofia do Direito e o olhar de
juízo de valor e de criticidade entre o justo e o injusto que lança sobre o próprio Direito,
constituem material ideal para criatividade artística. Desde os tempos antigos, essa
batalha entre o justo e o injusto foi retratada, das mais diversas formas, por escultores,
pintores, escritores, teatrólogos, cinematógrafos, músicos, artistas, enfim.
Desta forma, a arte mostra-se como meio de conexão entre o ensino filosófico do
Direito e o mundo real, pois se o Direito é fonte de inspiração para a arte, ela, por sua
199
vez, retribui a possibilidade de um olhar crítico sobre as instituições, os fenômenos e o
sistema jurídico como um todo.
Eisner (2008, p. 15) enfatiza que:
[...] a experiência que as artes possibilitam não está restrita ao que nós
chamamos de belas. O sentido de vitalidade e a explosão de emoções
que sentimos quando comovidos por uma das artes pode, também, ser
assegurada nas ideias que exploramos com os estudantes, nos desafios
que encontramos em fazer investigações críticas e no apetite de
aprender que estimulamos.
Estudar a Filosofia do Direito somente através de doutrinas dogmáticas é estar
ultrapassado no tempo. A sociedade é dinâmica, estando em constante mutação e
desenvolvimento. O Direito, a seu turno, só existe em função da vida em sociedade e foi
criado para possibilitar o convívio dos indivíduos dentro do grupo social, sendo usado
como forma de solução de conflitos e restabelecimento da paz dentro desse grupo.
Segundo Reale (2006, p. 2): “O Direito [...] não existe senão na sociedade e não pode
ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a
sua socialidade, a sua qualidade de ser social”.
Como já dito, a Filosofia do Direito está ligada ao próprio conceito de Direito,
não havendo, portanto, como dissociar seu estudo com o estudo das relações
interpessoais que formam cada grupo social, que por sua vez, são formados de
indivíduos.
Dessa forma, é de primordial importância a formação do indivíduo que será
parte integrante do grupo social, onde se encontra inserido o Direito e, por sua vez, a
Filosofia do Direito. Como já se discorreu nesse artigo, a formação desse sujeito não se
dá apenas através da transmissão de conhecimentos científicos, mas, além disso,
envolve a construção de uma consciência crítica, pensante, sensível, autônoma, fazendo
com que ele seja capaz de envolver -se com o grupo ao qual pertence, modificando–se e
modificando–o.
Segundo Abreu-Bernardes (2010, p.14):
Uma das dimensões da importância do pensamento de Gaston
Bachelard para o campo de estudo da Educação é o acontecimento da
aprendizagem enquanto viabilizadora de uma experiência de
metamorfose, de formação e de transformação humana. O filósofo da
imaginação lembra que o aluno não vem à escola para adquirir uma
cultura, ele vem para transformar sua cultura, para demolir os
obstáculos já cristalizados pela vida cotidiana. Consequentemente, é
200
preciso desenvolver um processo educativo de mobilização
permanente, substituindo um saber fechado por um conhecimento
aberto.
Nesse contexto de formação e transformação humana, as artes, para Eisner
(2008, p.10) “ensinam os alunos a agir e a julgar na ausência de regras, a confiar nos
sentimentos, a prestar atenção a nuances, a agir e apreciar as consequências das
escolhas, a revê-las e, depois, fazer outras escolhas.”
Dessa forma, o uso da arte e da imaginação criadora no processo de construção
do conhecimento da Filosofia do Direito é um caminho possível e que possibilita ao
aprendiz desenvolver-se reflexiva e criticamente, além de despertar sua capacidade de
criação, invenção, reconstrução, de reinvenção, de recomeço. O filósofo de Bar–sur–
Aube afirma que “[...] se a filosofia é o estudo dos começos, como será ela ensinada
sem pacientes recomeços?” (BACHELARD, 1994, p.190).
Através da arte e da imaginação criadora, o acadêmico de Direito deixa fluir
suas inquietações, questionamentos, devaneios, que o levarão à verdadeira compreensão
da essência do estudo da Filosofia do Direito. Já não mais será o mestre ensinando que é
preciso questionar, mas o aprendiz, de forma espontânea, levantando questionamentos
sobre o Direito posto e codificado, filosofando o Direito e fazendo com que ele caminhe
adiante.
Considerações finais
Ao tratar da interação entre arte, imaginação criadora e estudo da Filosofia do
Direito, o presente artigo, não tem como objetivo dizer que esta interação é o único
caminho possível para a construção do conhecimento nesta área do estudo jurídico. O
que se objetiva é demonstrar que este é, sem sombra de dúvidas, um dos caminhos.
Dialetizar o Direito, conceitua-lo, criticá–lo, problematiza-lo, emitir sobre ele
juízo de valor sobre o justo e o injusto, eis alguns dos objetivos da Filosofia do Direito.
Dessa forma, a formação do acadêmico, como sujeito consciente, pensante,
questionador e articulador de seus próprios pensamentos, devem fazer parte do estudo
da Filosofia do Direito.
Nesse processo de formação humana, a arte e a imaginação criadora são
instrumentos que despertam no aprendiz o devanear sobre o devir, o repensar conceitos,
teorias, leis, a sua própria função dentro do universo jurídico. A arte e a imaginação
criadora permitem que o aluno pense e sinta sobre ética enquanto vê um filme, se
201
encanta ou se choca com uma tela; que ele pense e sinta sobre valores como isonomia e
equidade, enquanto assiste uma obra teatróloga ou enquanto lê uma poesia.
Pode-se concluir que aprender a filosofar sobre o Direito, através da arte
e da imaginação criadora, cria entre mestre e aprendiz laços fortes o bastante para que
eles movimentem esforços para melhor compreender o universo jurídico, o sujeito em
formação e, via de consequência, o próprio mundo no qual ele se insere.
202
Referências
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perspectiva de Gaston Bachelard. REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 33, 2010,
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REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed., 3ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2002.
_____________Lições preliminares de direito. 27. ed., 6ª tiragem, São Paulo: Saraiva,
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<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=112
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TARKOVSKIAEI, Andreaei Arsensevich. 1932-1986. Esculpir o tempo. Tradução
Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1998. Disponível em:
http://pt.scribd.com/doc/7168649/Andrei-Tarkovski-Esculpir-o-Tempo>. Acesso em: 26
dez 2012.
203
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. 3 ed.
Campinas: Autores Associados, 2006.
Investigación: Tensiones en la enseñanza de la filosofía.
Perspectivas para pensar prácticas y discursos
Se presentan algunos resultados de la Investigación Tensiones en la enseñanza de la
filosofía. Perspectivas para pensar prácticas y discursos, realizada en Uruguay por un
equipo integrado por los
Prof. Isabel González,
Mauricio Langon
Marisa Berttolini.
Las preguntas originales de que partimos y que comprometen toda la investigación son:
¿Qué es una buena clase de Filosofía? ¿Cuál es la especificidad de una educación
filosófica? (más allá de la clase de Filosofía). Se observaron clases de Filosofía en la
Educación Media Superior y se jerarquizaron los discursos de los docentes que
atribuyen sentido a sus prácticas, recuperados a través de técnicas como grupos de
discusión, entrevistas, historias de aprendizaje. La intención no fue encontrar una
respuesta normativa ni unívoca a estas interrogantes. Más interesante resulta hacer
visibles los supuestos que las atraviesan, dilucidar cómo se traducen en el imaginario
de los docentes actuales de filosofía, cuál es el grado de coherencia o de conflicto entre
lo que los profesores hacen y lo que creen
que debería hacerse, cuáles son las
condiciones de posibilidad para que se generen prácticas filosóficas hoy en las aulas de
educación media, cuáles son los obstáculos que se reconocen como desafíos
pedagógicos más acuciantes. En esta investigación se reflexiona sobretodo lo que hay
y pasa dentro de un espacio educativo acotado: las aulas de filosofía. Se jerarquiza
además la recuperación de los discursos de los docentes que atribuyen sentido a sus
prácticas.
204
Cada clase observada, cada historia de vida, las entrevistas, la instancia de grupo de
discusión, constituyen una situación singular con elementos distintivos. Y en este
sentido es difícil afirmar que las conclusiones sean generalizables. Los casos no
constituyen una muestra representativa en el sentido tradicional, pero es seguro que
tampoco constituyen casos excepcionales.
No se pretendió probar hipótesis ni
establecer generalizaciones. Pero sí rastrear un “orden”, identificar lo recurrente, que
atraviesa la diversidad y las singularidades irreductibles.
La exigencia metodológica de centrar los contenidos y focalizar el análisis., implicó
direccionar la revisión del material en el sentido de identificar, en los discursos y en las
prácticas de los docentes, cuestiones recurrentes y potentes para la reflexión didácticofilosófica. En ese sentido, se seleccionaron tres categorías: rigor filosófico,
interlocutor filosófico y texto filosófico.
Estas categorías, si bien
con cierta
autonomía, generalmente aparecen articuladas entre sí y desplegadas en tensión unas
con otras.
Palabras claves: investigación, educación filosófica, prácticas y discursos
En Uruguay esta investigación resulta especialmente pertinente porque los modos de
enseñar filosofía continúan modificándose, poniéndose de manifiesto prácticas y
experiencias innovadoras, pero no hay investigaciones que releven y recuperen esas
prácticas, ni desarrollo sistemático de teorías que permitan incidir en la mejora
permanente de la educación filosófica. El trabajo posee dos dimensiones imbricadas, no
separables: la investigación y la intervención. Se reflexiona sobre todo lo que hay y pasa
dentro de un espacio educativo acotado: las aulas de filosofía y se jerarquiza además la
recuperación de los discursos de los docentes que atribuyen sentido a sus prácticas.
Esta investigación es sustancialmente filosófica y pedagógica. Emplea estrategias
metodológicas y técnicas desarrolladas en el campo de las “ciencias sociales” pero en
ámbitos de reflexión teórica irreductibles a lo científico. Trabajamos sobre el supuesto
de que la didáctica de la filosofía es en sí misma filosófica, o sea, no es ciencia ni
disciplina normativa.
205
¿Qué es una buena clase de Filosofía? ¿Cuál es la especificidad de una educación
filosófica? (más allá de la clase de Filosofía) son las preguntas originales de que
partimos y que comprometen toda la investigación.
La intención no era, ni es, encontrar una respuesta normativa ni unívoca a estos
interrogantes. Más interesante resulta hacer visibles los supuestos que las atraviesan,
dilucidar cómo se traducen en el imaginario de los docentes actuales de filosofía, cuál es
el grado de coherencia o de conflicto entre lo que los profesores hacen y lo que creen
que debería hacerse, cuáles son las condiciones de posibilidad para que se generen
prácticas filosóficas hoy en las aulas de educación media, cuáles son los obstáculos que
se reconocen como desafíos pedagógicos más acuciante. La exigencia metodológica de
centrar los contenidos y focalizar el análisis, implicó direccionar la revisión del material
en el sentido de identificar, en los discursos y en las prácticas de los docentes,
cuestiones recurrentes y potentes para la reflexión didáctico-filosófica. En ese sentido,
se seleccionaron tres categorías: rigor filosófico, interlocutor filosófico y texto
filosófico.
Las categorías pueden traducirse en estos problemas: ¿Qué se entiende por rigor
filosófico? ¿Es asimilable al rigor científico? En nombre del rigor, ¿no se corre el riesgo
de “normalizar” la filosofía, socavando la
condición de “mala conciencia de su
tiempo”?
¿Qué significa que tenga lugar lo filosófico en el aula? ¿Quiénes pueden ser
interlocutores del diálogo filosófico? ¿Puede suceder hoy el encuentro filosófico en
las aulas de educación media? ¿Cómo reconoce el profesor al alumno como potencial
interlocutor? El docente, ¿muestra siempre disposición para generar un espacio
filosófico en el aula? ¿Se trata de descubrir al buen interlocutor o de provocarlo como
acontecimiento a través de buenas estrategias? Cuáles son los obstáculos? ¿Cuáles son
las condiciones de posibilidad? ¿Qué es un texto filosófico? ¿Qué es una lectura
filosófica de un texto? ¿Qué es un texto? En tanto un supuesto central de la
investigación es el estatuto filosófico de la didáctica de la filosofía, se emprende un
desarrollo de estas cuestiones, desde perspectivas filosóficas y en diálogo con los
documentos de la investigación.
El rigor y lo filosófico.
206
Lo filosófico abarca modos de investigar, producir, transmitir y dialogar, así como las
obras que son producto de esas acciones y relaciones. La filosofía es en sus prácticas,
en sus productos, en su transmisión, en diálogo. No es rigurosamente filosófico
considerar la filosofía (en tanto procedimientos y productos) como previa a su
enseñanza y separada de ella. La filosofía es un movimiento imperecedero en diálogo,
también educativo. Nos preguntamos por lo rigurosamente filosófico en el aula.
El rigor pesa en los hombros de los profesores que tienen la carga de enseñar filosofía y
a filosofar. Percibimos una fuerte tensión entre la construcción del aula como espacio
para filosofar y la exigencia de rigor; se viven como mandatos incompatibles la
exigencia académica de rigor y la exigencia de códigos comunicantes de la enseñanza.
Esta tensión teórico-práctica compromete registros éticos y políticos: pone en juego el
sentido mismo de la profesión e involucra el autoreconocimiento del profesor como
intelectual. El rigor se identifica pragmáticamente por los docentes con: a) la precisión
técnico-conceptual, b) la circulación de la historia de la filosofía en textos fuentes, c) el
trabajo sistemático, d) el esfuerzo intelectual doloroso, d) la exposición ordenada por
parte del docente del saber filosófico acumulado. Algunos profesores ostentan con
orgullo su rigurosidad, otros temen con cierta culpa carecer de rigor; otros lo
consideran “enemigo del pensamiento”, y por eso, invirtiendo la fórmula kantiana dicen
que “es posible aprender filosofía, pero no a filosofar”.
Para identificar rasgos de un rigor filosófico compatible con hacer filosofía en el aula
tomamos en cuenta criterios que propone Alejandro Ranovsky: a) “Si un trabajo
intelectual no aborda nuevamente las cuestiones de principio, no es filosóficamente
riguroso”. b) “Si una producción intelectual no admite su apertura al juicio
permanente del tribunal de la historia de la filosofía y no traba el diálogo en el que
conviven las teorías filosóficas que la historia va legando, no es filosóficamente
rigurosa.” Él entiende que ese rigor “se sustenta en un comportamiento incondicionado
del filósofo, no en un conjunto de reglas exteriores o pautas metodológicas”, y sostiene
que “vive en el aula”. Propone que “no las autoridades sino los problemas mismos se
constituyan en el canon de rigor de quien lidia con ellos”. Y sugiere que, si “Filosofía”,
se reduce a una asignatura o disciplina académica y no contamina al resto, no es
rigurosa: “El correlato de que la filosofía esté disciplinada, acotada como materia, es el
hecho de que el resto de la vida y del conocimiento no tiene apetito de sentido, no
207
encuentra un motivo integrador. En la complicidad con la fragmentación la filosofía se
vuelve no filosófica”.
Esbozamos los siguientes rasgos como propios del rigor filosófico:
La no obsolescencia de lo filosófico. Mientras otros productos humanos, van quedando
obsoletos con el tiempo, sustituidos por nuevos productos, lo filosófico no es nunca
obsoleto, ya se trate de obras, instrumentos, métodos, actitudes... Las prácticas del
filosofar en cualquier actualidad se construyen y sostienen revisitando experiencias
pasadas que, estrictamente, no han pasado y, presumiblemente, no pasarán. La polémica
ratifica la contemporaneidad de lo filosófico, en diálogo vivo que trasciende culturas e
historias, para seguir haciendo filosofía en la discrepancia más profunda, en
imperecedero debate.
La originalidad de lo filosófico. Producto de un autor (de su tiempo y su cultura), la
obra filosófica no se agota en sí mismas. Engendra lecturas, interpretaciones,
deformaciones, debates y enseñanzas, discípulos y herejes, igualmente originales (en el
sentido de Lévi- Strauss).x Son filosóficas y originales la capacidad crítico-creativa del
lector-filósofo, que revitaliza lo olvidado, y del docente-filósofo en esas irrepetibles
experiencias de aula que llamamos fermentales.
La fermentalidad de lo filosófico. Quizás podríamos conceptualizar estos dos rasgos
juntos, hablando de la fermentalidad de lo filosófico, que alude tanto a la obras como a
interpretaciones, exposiciones, discusiones, clases. Si una obra o un aula no es
fermental, no es filosófica.
La filosófica exigencia rigurosa de permanente diálogo sin tribunal. “No habrá, frente
a obras rigurosas, ningún árbitro posible para corroborarlas”, dice Ranovsky. Las
filosofías son pluralidades en diá-logo; son inconmensurables: no se pueden medir una
por otra, ni hay tribunal neutral que pueda hacerlo. Este diálogo no abarca sólo a los
filósofos profesionales, sino a todos. No sólo en la historia de una cultura (que se
postuló como universal), sino en la universalidad de todos los tiempos y culturas. Toda
filosofía es contemporánea. No hay pre ni post. Se da en la intemperie presente, sin
juicio final. Porque es cuando encontramos a otro radicalmente otro (en sus
sentimientos, valoraciones, razones y lenguaje), cuando nos resulta incomprensible y lo
reconocemos como igual en su diferencia, es cuando nos advertimos limitados. Es
cuando reconocemos la necesidad del diá-logos, de avanzar comunicándonos a través de
distintos logos
208
La falta de garantía o inseguridad de lo filosófico. Si una obra o aula es filosófica,
carece de garantía, se puede desconfiar de ella. No hay requisito, normativa, ni proceso
de producción que pueda asegurarla; es en riesgo. No hay en filosofía mera mejora o
progreso; no hay apacible acumulación lineal.
El rigor de lo filosófico es radical; recrea, de vuelta, las cuestiones de principio. Es
propio del rigor filosófico “que no deje nada por examinar”, que sea “sin concesiones ni
excepciones” (Moliner). Se aleja de otros rigores que se definen por atarse ora a
criterios normativos formales, ora a determinadas formas literarias, ora a la mera verdad
históricax (introducciones del Banquete y el Parménides). El rigor filosófico es
construcción radical.
Es exigencia de este rigor no seleccionar a los interlocutores filosóficos. Una obra no
es rigurosamente filosófica el maestro se atribuye la tarea (deber o privilegio) de
seleccionar discípulos, “almas apropiadas” x para la interlocución filosófica. Todos son
competentes en cuestiones que involucran a todos (hombre soy y nada de lo humano me
es ajeno); todos interpelan filosóficamente a todos. La tarea filosófica no es reducir la
diferencia, para que otros sean como uno, sino entrar unos y otros en el diálogo en que
se avanza cuestionándose mutuamente de modo radical.
Los interlocutores filosóficos en el aula de filosofía
El problema se instala en el discurso docente, como dificultad o imposibilidad en
función de los atributos adjudicados a los estudiantes actuales. En algunos casos, como
preocupación por las condiciones de posibilidad para que el alumno devenga buen
interlocutor. Reflexión que se enlaza con la responsabilidad de sostener creativamente
el vínculo pedagógico y se pone en tensión con el mandato, internalizado por los
docentes, de preservar el rigor filosófico en el curso. Para conceptualizar el problema
recurrimos a Sócrates y Lyotard.
En El primer Alcibíades, el intercambio maestro-alumno es ocasión para destacar las
condiciones rigurosas del diálogo filosóficamente fecundo: crítica punzante y sospecha
atenta que sólo puede sostenerse en un ámbito de profunda hospitalidad entre los
interlocutores. Se van desplegando exigencias: deseo de saber cómo piensa el otro,
paciencia en la escucha, compromiso, reconocimiento de la propia ignorancia,
persistencia en la búsqueda de la verdad, dedicación del tiempo propicio para la
209
reflexión, valor para expresar el propio pensamiento, habilidad para sopesar la
oportunidad de las intervenciones, disposición al perfeccionamiento.x Y van
apareciendo obstáculos: autosuficiencia, vanidad, desprecio por el interlocutor,
aspiración a riqueza y poder sobre los otros. Condiciones éstas que no tienen que ver
con el mero dominio de una técnica intelectual o discursiva, que no garantiza el buen
pensamiento, pues sirve tanto para enfrentar problemas como para eludirlos.
Para Lyotard el trabajo filosófico tiene que ver con la infancia como actitud, como
disposición a la búsqueda de lo que permanece impensado. Va revelando posibilidades
de lo filosófico: la filosofía es autodidáctica; no se puede amaestrar su curso; no se
puede exponer una cuestión sin exponerse en ella; hay que filosofar para enseñar a
filosofar; hay que desaprender, re-comenzar. La lectura es filosófica sólo si es ejercicio
de turbación, paciencia, escucha.
Con este marco escuchamos a los docentes. Por ejemplo, esto que dice una profesora:
“Primero que nada, para que alguien pueda aprender algo (...) se tiene que sentir un
poquito humillado e ignorante, te pongo el ejemplo de la mujer: la tipa se está
peinando y se le cae el espejo en la clase: 'A mí no me importa, problema tuyo: ¡Qué
lástima!, ¿qué vas a hacer ahora? Vas a atender la clase porque no te queda otra'.
Tratar de hacer sentirlos un poquito ridículo para así de repente… pero no sé. En
realidad son ellos los que deciden. Pero para esa persona, yo que sé. Yo no la voy a
obligar: 'Nena, no tenés cuaderno'. Reconozco que yo debería, pero sinceramente no
me importa: 'Si preferís mirarte al espejo, hacelo; eso sí, no me molestes. Si querés
mirarte al espejo, mirate. Quizás en algún momento te involucres, quizás no.' No es que
yo decida para quién es la Filosofía, es que ellos deciden para quién es la Filosofía.x
La escena del espejo, cargada de valor simbólico, nos invita a leerla a la luz del
interjuego entre Narciso y Eco:
210
Narciso, hijo del dios del río Cefiso y de la ninfa Liríope, era muy bello, tanto doncellas como
muchachos se enamoraban de él, pero él rechazaba sus insinuaciones. Entre las jóvenes heridas
por su amor estaba la ninfa Eco, quien había disgustado a Hera y por ello ésta le había
condenado a repetir las últimas palabras de aquello que se le dijera. Eco fue, por tanto, incapaz
de hablarle a Narciso de su amor, pero un día, cuando él estaba caminando por el bosque,
acabó apartándose de sus compañeros. Cuando él preguntó “¿Hay alguien aquí?”, Eco
contenta respondió: “Aquí, aquí”. Incapaz de verla oculta entre los árboles, Narciso le gritó:
“¡Ven!”. Después de responder: “Ven, ven”, Eco salió de entre los árboles con los brazos
abiertos. Narciso cruelmente se negó a aceptar su amor, por lo que la ninfa, desolada, se ocultó
en una cueva y allí se consumió hasta que sólo quedó su voz. Para castigar a Narciso, Némesis,
la diosa de la venganza, hizo que se enamorara de su propia imagen reflejada en una fuente. En
una contemplación absorta, incapaz de apartarse de su imagen, acabó arrojándose a las aguas.
En el sitio donde su cuerpo había caído, creció una hermosa flor, que hizo honor al nombre y la
memoria de Narciso.x
¿Por qué el espejo provoca tanta irritación en la profesora? El espejo se ha constituido
en símbolo manido de las nuevas subjetividades que produce la cultura contemporánea.
El gesto de la alumna (en una contemplación absorta, incapaz de apartarse de su
imagen) recupera sólo su propio rostro y obstaculiza toda comunicación. Así se
incrementa la frustración de la docente quien siente que fracasa su proyecto
pedagógico.
Sócrates acude a la analogía de la vista refiriéndose a lo escrito en el frontispicio del
templo de Delfos: “Fíjate bien: si esta inscripción hablase al ojo, como habla al
hombre, y le dijese: mírate a tí mismo, ¿qué creeríamos nosotros que le decía? ¿No
creeríamos que la inscripción ordenaba al ojo que se mirase en una cosa, en la que el
ojo pudiera verse?” Luego de descartar que esa cosa sea un espejo, Sócrates concluye:
“Un ojo, para verse, debe mirar en otro ojo, y en aquella parte del ojo, que es la más
preciosa, y que es la única que tiene la facultad de ver.” x El mandato délfico exige
entonces “reflejar los ojos en la mirada del otro”: exige el diálogo, confrontar un alma
con otra, una racionalidad con otra. Y esto es lo que no ocurre en la escena pedagógica
del espejo.
211
Como Eco, la docente parece condenada a repetir. Repite los mandatos que se le
transmitieron, que internalizó en su
experiencia de formación, que asumió
conscientemente como deseables. Proyecta en sus alumnos la propia expectativa de
interlocutor deseable. Pero el modelo rebota, devolviendo un perfil que parece estar en
las antípodas. El desengaño genera impotencia y renuncia y se
desplaza la
responsabilidad de decisión a los alumnos: en realidad son ellos los que deciden.
No hay en el gesto de la alumna signos de provocación, rebeldía o transgresión; sólo
una resistencia pasiva que parece invencible porque no plantea ninguna lucha. La
profesora usa la humillación como estrategia para involucrar a la estudiante. Pero ésta ni
siquiera se percata de sus intenciones pedagógicas: no hay lucha que dinamice la
energía de los oponentes. No hay vínculo simétrico: la docente hace todo el gasto, y eso
deviene en resentimiento.
Fracasan pedagógicamente los valores modernos jerarquizados como acicates para la
práctica filosófica: la humillación para asumir la propia ignorancia y la necesidad de
salir de ella por el rigor, el esfuerzo, la autoexigencia, que han garantizaron el progreso
en la historia de la humanidad. Fracasa la filosofía como práctica de libertad que se
conquista en la pelea.
El destino actual de esta concepción moderna aplicada a la didáctica filosófica lo
anuncia Lyotard radicalmente: “La tarea filosófica se vio confundida con la tarea de
emancipación....En esta perspectiva 'moderna' se da el siguiente supuesto: el mundo
reclama a la filosofía que legisle práctica y políticamente...Pero hoy en día, para
decirlo contundentemente, el mundo no pide al profesor de filosofía nada semejante.”
x
La ética del deber y la estética del ornamento circulan en el espacio del aula, pero sin
posibilidades de convergencia. Las perspectivas diferentes no encuentran traducción
posible para la eventual comunicación. No hay lucha ni polémica, no hay épica, sólo
agonística.
La misma profesora; otra escena pedagógica:
“Hice una experiencia con dos sextosx a los que 'forcé' a leer dos novelas durante el
curso, como excusa para problematizar y analizar diferentes teorías: “1984” o “Rebelión
en la granja” (una de ellas) y “Crimen y castigo”, Orwell y Dostoievski
respectivamente. La tarea consistía en entregar un informe que era lo que se iba a
evaluar y que salvo excepciones eran “chaucha”. Pero además hubo una instancia de
diálogo sobre cada una de ellas en donde esos alumnos, que habían protestado hasta el
212
cansancio, parecían niños contando un paseo. Lo digo por la emoción que tenían, o debo
decir teníamos, pero además algunos habían investigado otras cosas para entender, o se
habían indignado, algunos estaban realmente confundidos. La experiencia me emocionó
porque yo era un niño más, pero sobre todo porque sentí que yo podía dejarles algo, no
les pedía que tomaran una postura, ni que defendieran tal o cuál situación, algún día
formarán una opinión o no, pero hay cosas, herramientas previas; eso es lo que yo
quisiera dejar.”
La misma docente que se frustra ante el espejo, genera en otro caso experiencia
filosófica. Su compromiso pedagógico, sus convicciones, su vocación y formación
fortalecen su imaginación y consigue recuperar “la infancia”, ésa que según Lyotard hay
que buscar en cualquier parte, incluso fuera de la infancia,a”x La docente la encuentra,
con adolescentes que parecían haberla perdido, fuera del canon filosófico, recurriendo a
textos literarios. Ahí pasa de todo, menos incomunicación. El clima es de forcejeo y
protesta, hay lucha, hay ejercicios de poder cruzados, hay discusión, se sacuden las
palabras, se agitan e interpelan saberes instituidos. Como consecuencia, el proceso es
fermental. Se produce emoción, investigación, confusión. Se libera el niño creador en
docente y adolescentes: “Es el niño inocencia y olvido, un nuevo comienzo, un juego,
una rueda que echa a girar espontáneamente, un movimiento inicial, un santo decir
¡sí!”x
Los textos y lo filosófico.
¿Por qué interpelarnos por la presencia de los textos en el aula de filosofía? ¿Por qué
preguntarnos por los “textos filosóficos” para pensar sentidos y problemas de la
enseñanza de la filosofía? Podría decirse que la filosofía está en sus textos. Las
producciones de los filósofos constituyen la fuente natural y privilegiada de acceso a la
filosofía; ellas conforman su “cuerpo” de saber institucionalizado y rigurosamente
conservado, analizado, y transmitido a lo largo de la historia. En el discurso docente es
habitual referirse a los textos de los filósofos como “textos fuente”. En este sentido
puede parecer natural que tengan un lugar privilegiado en la enseñanza de la filosofía.
Ese lugar y especialmente el modo de ocuparlo es lo que intentamos pensar como
problema.
Para pensar el modo en que ese saber se vuelve objeto de enseñanza tomamos en cuenta
la distinción de Ardao entre saber filosófico y pensar filosófico: La filosofía como
“saber” refiere a un determinado tipo de conocimiento históricamente acumulado,
213
organizado, institucionalizado, desde la antigüedad hasta nuestros días; la filosofía
como “pensar” refiere al ejercicio vivo de la inteligencia, a la tarea creadora del
filósofo. Como saber alcanza una realidad objetiva y tiende a su transmisión conforme a
ciertas reglas académicas; es cuestión pedagógica. Como pensar afecta a la inteligencia
en su responsabilidad subjetiva de reflexión, tiende a la creación por encima de
cualquier labor reglada o académica; es cuestión filosófica. La función de la filosofía se
juega en el pensar, en la actividad innovadora de la inteligencia más que en la
acumulación de una masa de saber.x
Nos interesa plantear como problema si es posible, en el espacio pedagógico, recuperar
como tensión la distinción entre saber filosófico y pensar filosófico; entre la transmisión
reglada y conservadora de este cuerpo de saber, y la labor creadora del filosofar que
implica ruptura y novedad. Esta tensión nos enfrenta a una cuestión pedagógica, pero
también nos convoca a pensarla como cuestión filosófica. ¿Es posible que los
involucrados en el proceso pedagógico puedan constituirse en sujetos del filosofar?
¿Qué enseñanza lo haría posible? ¿Cómo recuperar esas “fuentes” para el ejercicio vivo
del pensamiento en el aula? ¿El ejercicio del filosofar puede encontrar sus fuentes más
allá del saber institucionalizado en sus textos?
En una primera revisión del material que recolectamos, pudimos identificar la presencia
de distintos tipos de textos en la enseñanza de la filosofía:x
Que pertenecen al saber filosófico institucionalizado: capítulos, fragmentos y hasta
“frases” de obras de filósofos, seleccionados por los docentes.
Textos elaborados para la enseñanza con finalidad educativa, a veces producidas por los
propios docentes (en menor medida)
Textos de otros campos de producción intelectual (periodísticos, obras literarias,
refranes).
Tomando “texto” en sentido amplio: se recurre a fotografías, pinturas, películas,
viñetas.
Textos producidos por los alumnos (aforismos, dibujos, narraciones y breves
dramatizaciones),
en
pocos
casos.
¿Cuáles son los textos que podemos considerar como filosóficos y cuál es el sentido
filosófico del recurso a otro tipo de textos? Si consideramos los diversos modos en que
los filósofos expresan su producción intelectual, advertimos una diversidad y
214
heterogeneidad que no podría unificarse en cuanto a lenguaje, métodos o estilo, lo que
dificulta la posibilidad de encontrar algún criterio suficiente que permita identificar los
textos filosóficos. Aún las características más destacadas de la producción filosófica que
se pueden encontrar siguiendo diversos criterios, tales como sus rasgos argumentativos
o conceptuales, no le son exclusivas.
El problema de la especificidad de un texto filosófico no es meramente didáctico, ni es
posible encontrar algún criterio indiscutible de delimitación. La filosofía asume como
constitutiva la problematicidad de su propio objeto. La pluranimidad propia de lo
filosófico se manifiesta en el desacuerdo acerca de qué sea lo filosófico. Lo que implica
asumir la presencia siempre renovada de la pregunta por lo propiamente filosófico y la
imposibilidad de clausurar la discusión.
Pero al mismo tiempo la institucionalización de la filosofía, su condición de saber
disciplinar y su enseñabilidad, nos enfrentan irremediablemente al dilema de definir
fronteras más o menos precisas que distingan lo filosófico de lo no filosófico. Cuestión
paradojal que tiene un impacto singular en su enseñanza.
Derrida plantea exigencias contradictorias en la institución de la filosofía, a las cuales,
al mismo tiempo, no querríamos renunciar: “Por un lado, es necesario protestar contra
la clausura de la filosofía. Legítimamente rechazamos el asignarle una residencia, la
circunscripción que confinaría la filosofía en una clase o un curso, un tipo de objeto o
de lógica, un contenido o una forma fijas. Nos levantamos contra lo que prohibiría a la
filosofía - frecuente fuera del aula, en otras disciplinas y en otros departamentosabrirse a nuevos objetos sin ningún límite por principio, recordar que ella ya estaba
presente allí donde no queríamos saberlo, etc. Pero, por otro lado, de un modo
igualmente legítimo, deberíamos reivindicar la unidad propia y específica de la
disciplina. Deberíamos ser muy vigilantes sobre este tema, denunciar (...) todo lo que
vendría a amenazar esta integridad, destruir, fragmentar o dispersar la identidad
localizable con esta ubicuidad desbordante.” x
En el terreno de la enseñanza de la filosofía resulta ineludible el ejercicio de una
vigilancia que defina las fronteras de lo que se enseña bajo el nombre de filosofía para
no perder lo específicamente filosófico; pero al mismo tiempo podríamos perder lo
filosófico cuando cercenamos sus posibilidades de desbordamiento e intentamos limitar
el ejercicio del filosofar. Intentamos poner en diálogo estas tensiones teóricas con el
215
discurso de los docentes, para reconocer problemas y desafíos relevantes para pensar
los sentidos de aprender y enseñar filosofía.
Cuando propusimos a los profesores la cuestión de los textos filosóficos como categoría
para pensar la enseñanza de la filosofía,x de sus reflexiones no surgió explícitamente
como problema definir su especificidad. Parece aceptarse que todos sabemos a qué tipo
de textos nos referimos cuando hablamos de “textos filosóficos”. Del mismo modo, se
hace uso de la distinción entre “textos filosóficos” y “no filosóficos” sin explicitar sus
diferencias, aunque en algunos casos distinguen sus usos didácticos. Incluso poniendo
de manifiesto que los “textos no filosóficos” se revelan especialmente fermentales en
sus posibilidades filosóficas.
Una profesora dice: “…Creo que deben ser interesantes. Pero el término deber no tiene
relevancia, porque que sea de interés depende de cada uno de los participantes: sería
imposible encontrar algo interesante para todos. Y yo, en general, trato de usar textos
de pensadores reconocidos como fundamentales en nuestra cultura, para reconocer las
marcas que nos llegan; y otros textos que sean más conmovedores, como más extraños,
más raros. Pero yo, por lo menos, los textos tanto filosóficos como no filosóficos los uso
más bien como un pretexto para reflexionar sobre otros temas de interés. Sé que esto no
siempre se acuerda y ahí como que se pierde un poco la rigurosidad, porque entonces
ya lo sistemático de los autores a veces queda en segundo lugar.”
Se da por supuesta la diferencia entre textos filosóficos y no filosóficos. Los primeros
se toman en cuenta en tanto han dejado huella en la cultura. Podría interpretarse que el
criterio de distinción se relaciona son que han sido recogidos, jerarquizados y
transmitidos institucionalmente. Pero resulta interesante observar que hay otro tipo de
textos -“más conmovedores, más extraños, más raros”- que merecen igualmente tanto
un lugar filosófico como un lugar en los escenarios educativos de la filosofía.
La novedad aquí es la referencia al destinatario. Que un texto sea o no “conmovedor” o
“interesante” no tiene que ver necesariamente con características del texto en cuanto tal,
ni con el respaldo que tenga de una tradición académica, sino con los efectos que se
espera que puedan provocar en el lector.
Cuando se seleccionan textos para la enseñanza de la filosofía en secundaria la
consideración de su impacto en el alumno como aparece como relevante. Tanto, que
desdibuja casi por completo el interés en lo que el texto en sí mismo pueda decir: “los
textos tanto filosóficos como no filosóficos los uso más bien como un pretexto para
216
reflexionar sobre otros temas de interés.” Y, al mismo tiempo que se explicita un
criterio, se admite que es discutible, que no hay acuerdo sobre él. Parece haber una
tensión entre dos órdenes de finalidades: por un lado la de conmover al alumno-lector y
convocarlo a la reflexión a partir de un texto, y por otro, propiciar el acceso riguroso y
sistemático al pensamiento de un autor.
¿Dónde está lo filosófico? Parecería estar, por un lado, en los textos que ésta reconoce
como huellas de un camino dentro del cual transitar, al que se accede por el trato
riguroso de esos textos. Pero también estaría en los textos “no filosóficos” y en el
abordaje de textos sin priorizar los caminos tradicionales, en su uso como pretexto. Lo
filosófico estaría también en otro lado: en unas posibilidades de pensar otras cosas, de
leer desde los propios intereses; en algo que pone el lector, o que se generan en el aula a
partir del texto.
Otra profesora señala que “están muy unidos el rigor filosófico y los textos”, y que en
su convicción y experiencia “…el rigor lo logro a través de los propios textos, en los
que puedo mostrar la postura del autor, pero también cómo el autor ha podido
interpretar su contexto, su cultura y eso me permite generar en los estudiantes un hilo
conductor. Más que nada para que ellos vayan viendo que, a pesar de avances y
retrocesos, al menos podemos ver que hay seres humanos que han elegido una
modalidad sistemática, otros no sistemática. Algunos seres humanos, que en esta
ocasión llamamos filósofos, han optado por posturas de evasión o posturas de
compromiso. También me interesa mostrarles que hay un sentido en la historia del
pensamiento”. Aquí el rigor estaría del lado del texto, permitiría el acceso al
pensamiento del autor y sería responsabilidad del docente hacerlo posible. Pero también
la finalidad con la que el docente propone la lectura de los textos y el impacto en el
alumno se muestran como aspectos relevantes. Al mismo tiempo esta profesora deja ver
cierto conflicto en relación a las finalidades. Nos cuenta que cuando se refiere a los
textos filosóficos menciona aquellos que le permiten generar el “vínculo, el entusiasmo,
el disfrute en la clase”. Reflexiona sobre su propio hacer docente y explicita el conflicto
de este modo: “… me he puesto a pensar cuántas veces he hecho ese camino. Y luego,
por trabajar en 6º año, me autoexijo que deben tener información y lenguaje filosófico
y vocabulario. Y me obsesiono por el hecho del manejo de autores, bibliografía. Y en
esa obsesión se olvida uno de lo fundamental que es (más allá de la terminología
217
técnica o del manejo de autores) el rol formativo que tenemos. Si uno no tiene una
actitud filosófica frente a la vida, ¿cómo comunicarla?”
La cuestión de definir un texto como filosófico no aparece como central. El sentido
filosófico del texto en el aula parece desplazarse a las finalidades que se proponen los
docentes, a la perspectiva desde la cual proponen su lectura, y a cierto efecto que puede
tener en sus alumnos como lectores. Efecto que escapa a las propias intencionalidades
docentes. En muchas experiencias filosóficas narradas por los docentes esta posibilidad
de que surja lo inesperado es especialmente valorada. En esa suerte de desvío, de que
acontezca lo que está fuera de programa, se juega buena parte de las posibilidades de la
enseñanza de la filosofía. Los textos no aparecen como un fin en sí mismo, y el trabajo
técnico sobre ellos no garantizaría de por sí lo filosófico; hasta podría obstaculizarlo.
La enseñanza de la filosofía pondría en juego algo más que la transmisión de un cuerpo
de saber por medio del tratamiento de los textos canónicos, la jerarquización de ciertos
autores, la referencia a la historia de la filosofía y el desarrollo de procedimientos
técnicos. No se reduciría a transmitir conocimiento filosófico. Implicaría cierto impacto
en la subjetividad, vinculado a la posibilidad de comunicar una actitud o generar alguna
novedad en el pensamiento. Tendría que poner en juego posibilidades de filosofar para
quienes la enseñan y la aprenden.
La cuestión es cómo conciliar las demandas de la transmisión con las demandas de la
creación. Especialmente, cómo conciliarlas en el trabajo con los textos que se presentan
como la posibilidad por excelencia de objetivar del saber filosófico.
218
PENSAMIENTO VISUAL Y ENSEÑANZA DE LA FILOSOFÍA
Hacia una didáctica visual, metafórica y multisensorial de la
filosofía
Diana Melisa Paredes Oviedox
RESUMENx
En este artículo se abre el campo de discusión sobre la vinculación de la pregunta por la
enseñanza de la filosofía con investigaciones sobre procesos de modificabilidad
cognitiva y con propuestas de análisis de imágenes, de modo que se puedan acopiar
enfoques multisensoriales que permitan transformarla y lograr que los docentes de
filosofía, en su práctica, adquieran toda la capacidad para formar
subjetividades
críticas y creativas; para lograr tal cosa, se plantea una propuesta piloto de formación de
maestros en donde éstos se enfrentarán a la tensión entre enfoques historicistas y
verbalistas de la enseñanza con las más recientes teorías neurocientíficas y con las
teorías contemporáneas de la inteligencia. En este proceso de confrontación
se
producen estrategias de enseñanza que incluyen el pensamiento visual y multisensorial
como didácticas en la formación de este tipo de subjetividades.
Palabras Clave: Didáctica Multisensorial, Enseñanza de la filosofía, Modificabilidad
cognitiva, Pensamiento Visual.
ABSTRACT
This article proposes to link the question of teaching philosophy with research on
cognitive modifiability processes and research on image analysis, so that they can
collect enabling multisensory approaches transform and make teachers in philosophy, in
practice, acquire all the ability to form critical and creative subjectivities, to achieve
such a thing, we propose a proposed pilot teacher training where they will face the
tension between historicist approaches, verbal teaching with the latest neuroscientific
theories and contemporary theories intelligence. In this process of confrontation occur
including teaching strategies, multisensory visual thinking and teaching in the formation
of this type of subjectivities
219
Key Words: Cognitive modificability, Teaching Philosophy, Multisensorial Teaching,
Visual Thinking
1. Perspectivas de transformación hacia un enfoque de enseñanza multisensorial
1.1 Investigación neurocientífica y Práctica educativa
En los últimos 25
años la investigación sobre el cerebro ha alcanzado un gran
desarrollo gracias a las modificaciones tecnológicas que han permitido estudiar zonas y
funcionamientos del cerebro antes desconocidos. Este desarrollo ha permitido además,
probar desde el “discurso objetivo de la ciencia”, que las teorías sobre la inteligencia y
los procesos de enseñanza-aprendizaje que consideran el pensamiento analítico/verbal,
superior frente a la percepción creativa, deben ser evaluadas nuevamente y ampliadas.
En el contexto de la neurociencia actual se han desarrollado investigaciones que han
comenzado el proceso de rebatir y/o ampliar las teorías de dominancia e interrelación
hemisférica que estaban posicionadas hasta 1960 y que argumentaban la superioridad
del hemisferio izquierdo sobre el derecho. Un nuevo grupo de investigaciones aplicado
tanto a sujetos con lesiones cerebrales (Saffran et. Al., 1996, 1997) como en sujetos
normales, están permitiendo ampliar considerablemente los conocimientos sobre la
asimetría funcional del cerebro, abriendo el camino a modelos teóricos, quizás, mucho
más explicativos de las relaciones interhemisféricas y sobre la laterización de los
procesos perceptivos; modelos neuroestructurales (Kimura, 1966), atencionales
(Kinsbourne, 1977) y cognitivos (Moscovitch, 1976, 1879, 1986)
En otras palabras, en la obtención, procesamiento, representación de la información y la
resolución de problemas se está posicionando la teoría de que ambos hemisferios tienen
niveles de superioridad específica actuando de forma combinada y volviendo al
individuo más eficiente cuanto más logre adaptar los procesamientos de información de
cada hemisferio al tipo de problema y al contexto en el que se producex. Sin embargo
este proceso de adaptación
es muy complejo y la escuela tradicional ha actuado
promoviendo en general la educación del hemisferio izquierdo, desarrollando “la
superioridad” que muchas veces desde el modelo de Especialización Hemisférica se le
ha dado.
Otra de las conclusiones importantes de estas investigaciones que afecta el
conocimiento que hasta ahora se tenía sobre la naturaleza de la especialización
hemisférica, es que no basta con dicotomizar dicha especialización en procesos verbales
(hemisferio izquierdo) y procesos no verbales (hemisferio derecho). Como resultado de
220
diferentes estudios se concluye que ambos hemisferios reciben simultáneamente la
información (en el mundo real el “input” sensorial no se reduce a un solo hemisferio) y
a partir de cierto nivel, el proceso del estímulo se divide y cada procesador hemisférico
codifica aquello para lo que esta “programado”. Así, el grado de especialización
hemisférica va a depender del tipo de estímulo presentado (Moscovitch, 1976, 1879,
1986). Llevando estas conclusiones al campo educativo, emerge la teoría de la
existencia de una mente holística, es decir, una mente que hace uso de los procesos
específicos de ambos hemisferios para resolver problemas, obtener, procesar y
representar la información; en la cual los procesos de especialización y asimetría se
presentan dependiendo de los estímulos cognitivos presentados, actuando de forma
combinada y simultánea.
Desde esta nueva mirada que comienza a construirse en estas investigaciones se
reconoce, en primer lugar, que el momento de la percepción, es un asunto poco
estudiado y sin embargo muy valorado por los investigadores como un instante en el
que logran hacer conexiones y combinaciones inesperadas, encontrando la solución a un
problema. En segundo lugar, con este cambio de enfoque se reconoce como en la
resolución de problemas se hace necesario desarrollar procesos de codificación,
comparación y combinación selectiva; estos procesos tienen la participación de ambos
hemisferios y distintos niveles de especialización dependiendo del problema, la cantidad
y calidad de información que se posee y la capacidad de relacionar información nueva
con información precedente, automatizar el procedimiento y transferir ese conocimiento
nuevo a otros contextos de significación.
En este complejo sistema de producción de conocimiento ambos hemisferios se
encuentran involucrados simultáneamente, no existe una fórmula que precise en qué
orden aparecen estas funciones, cabe anotar que en todos los individuos no aparecen de
la misma forma, pues el ejercicio de este complejo sistema adaptativo al que
llamaremos inteligencia es relativo a cada individuo, configuración genética y contexto
cultural. Además, se ha reconocido en investigaciones más recientes que este complejo
sistema de funcionamiento supera, incluso, la “teórica” funcionalidad y especialización
hemisférica; para dar paso a modelos explicativos que ponen de manifiesto un proceso
simultáneo y de carácter holístico.
En la actualidad, uno de los investigadores que ha ampliado el campo de debate sobre el
cerebro es Ian McGilchrist , quien en su texto The Master and his Emissary: the
221
Divided Brain and the Making of the Western World (2010) realiza una reconstrucción
de los avances sobre el tema de la bilateralidad cerebral; la manera como la
comprensión del cerebro ha estructurado ciertas perspectivas occidentales, privilegiando
unas facultades frente a otras; y, finalmente, mostrando cómo se ha cuestionado esta
especialización cerebral.
McGilchrist plantea que las funciones del pensamiento como el lenguaje, la
imaginación, la razón y la emoción son procesadas por ambos hemisferios y no por uno.
Si bien las investigaciones neurocientíficas han puesto en evidencia que el hemisferio
izquierdo se detiene en los detalles y es agudo y que el derecho ofrece una percepción
global del mundo, lo que sostiene el autor es que necesitamos esas dos visiones del
mundo para lograr una síntesis que se percate de los detalles, pero que ofrezca una
comprensión de la totalidad. No es procedente privilegiar un hemisferio sobre el otro,
sus vínculos son indisolubles ya que permiten la apropiación completa de lo que vemos.
Sin el hemisferio derecho seríamos insensibles e incapaces de comprender cosas como
la belleza y la religión; por otra parte, sin el hemisferio izquierdo seríamos incapaces de
concentrarnos o enfocarnos en algo.
El mundo occidental se ha nutrido de la especialización hemisférica y donde existía un
balance ha hecho emerger una lucha. McGilchrist (2010) muestra que en la antigua
Grecia, especialmente entre los presocráticos, se puede rastrear un equilibrio entre lo
puntual y lo global, entre lo sistemático y lo comprehensivo, pero señala que con los
proyectos platónico y parmenídeo se agudizó el interés por fortalecer la producción de
conocimiento lineal y explícito. Esta pugna, en donde el componente formal tendría
mayores ganancias, se extiende a lo largo de los periodos filosóficos que incluyen a
Roma y todo su proceso conquistador, el Renacimiento, la Ilustración, y sirve de
soporte al autor para explicar la hegemonía del hemisferio izquierdo. Si bien esta
investigación ofrece al lector una perspectiva panorámica amplia, es de anotar que
McGilchrist se detiene especialmente en la figura de Descartes, a quien considera la
máxima expresión de este reinado; a partir de las propuestas del filósofo francés las
cosas se pueden conocer si se distinguen de manera clara y distinta, una a una. Pero no
ha sido un reinado sencillo, lo que puntualiza el investigador es que el siglo XX con
todos sus cambios ha permitido la emergencia de seres humanos que no se satisfacen
con estas opciones formales, asistimos entonces a un final de siglo e inicio de otro en
222
donde lo visual y comprehensivo revelan su importancia y complementariedad con lo
que ofrece el hemisferio izquierdo.
Hasta ahora se ha reconocido que el cerebro se encuentra configurado en un complejo
sistema, en el cual el pensamiento necesita de los procesos ejecutados
simultáneo
de modo
por ambos hemisferios para la resolución de problemas. Pero siguen
latentes, entre otras, preguntas sobre: ¿Cómo han de realizarse los procesos de
transferencia desde el campo de las investigaciones neurocognitivas hacia el campo
educativo? y ¿Cuáles son las consecuencias de aplicar el modelo de especialización
cerebral en los procesos de enseñanza – aprendizaje? En adelante desarrollaré
brevemente estas implicaciones.
2. Implicaciones de las neurociencias en las prácticas educativas de la enseñanza
de la filosofía
Las investigaciones neurocientíficas contribuyen a
la comprensión sobre cómo se
produce el aprendizaje y los factores que producen dificultades en este. Luego de haber
explorado sintéticamente las conclusiones que surgen a partir de dichas investigaciones,
cabría pensar que el sistema educativo debería incluir en sus procesos de enseñanza –
aprendizaje, estrategias concretas para desarrollar el procesamiento simultáneo
interhemisférico; sin embargo, aunque ya existe suficiente justificación científica para
reconocer que el cerebro tiene dos hemisferios igualmente importantes en el fenómeno
que llamamos inteligencia, la escuela se empeña en funcionar como si sólo existiera
uno, anclada totalmente en el modelo de especialización hemisférica que reconoce como
“superiores” las funciones del hemisferio izquierdo y “subordinadas” las del derecho, y
sin enterarse si quiera que este esquema científico ha sido fuertemente rebatido.
La revolución de la que hablaba inicialmente, comienza su emergencia en el campo de
la disciplina neurocientífica, y de sus más recientes conclusiones del procesamiento
cerebral que han logrado rebatir la teoría de especialización hemisférica; sin embargo la
transferencia de este conocimiento al campo educativo es un proceso que aún se
encuentra en mora de realizarse en Colombia, pues en las aulas de enseñanza media
tradicional y universitaria, (en el caso de Filosofía) se espera que los alumnos asimilen
la mayor parte de la información a partir de libros y explicaciones verbales de los
profesores, se trabaja casi exclusivamente con números, palabras y en un mundo de
símbolos y de abstracción, creyendo favorecer las funciones y procesamientos del
223
hemisferio “Superior” (izquierdo); haciendo caso omiso de la importancia y el poder de
la mente desde la perspectiva holística anteriormente expuesta.
Una de las principales relaciones de un proceso de transferencia cognitiva entre las
investigaciones neurocognitivas más recientes y el campo educativo, radica en la
necesidad de la modificación metacognitiva de los profesores, específicamente en sus
concepciones sobre la inteligencia y, en consecuencia, en sus prácticas de enseñanza.
Esta transformación comienza por el reconocimiento de las estructuras de aprendizaje
propias de los maestros, luego por la deconstrucción de los conceptos de inteligencia
sobre la que se han construido en general sus procesos de enseñanza, que podrían llevar
al reconocimiento y diferenciación de estilos de aprendizaje y, finalmente, pasaría por la
inclusión en el aula de didácticas multisensoriales y de pensamiento visual.
En esta enumeración el proceso de transferencia puede sonar sencillo, sin embargo, esto
es algo aparente; pues como sabemos las transformaciones en el orden metacognitivo
requieren no sólo el tiempo, sino además, el reconocimiento de la necesidad de la
transformación, la disciplina para adaptar el cerebro a nuevos procesos y la creatividad
para buscar formas de aplicación del nuevo aprendizaje en las aulas de clase y en las
prácticas educativas específicas. Lastimosamente por la estructura del sistema educativo
colombiano, en muchos casos los profesores acceden solo a la investigación teórica
sobre los hemisferios y la aprenden en el sentido clásico como un dato; sin permitir que
las consecuencias de estas investigaciones transformen sustancialmente su práctica
educativa.
Avanzando un poco en los aportes que supone este enfoque, una de las principales
consecuencias directas de este proceso de transferencia radica en la necesidad de diseñar
unidades académicas de enseñanza – aprendizaje desde un enfoque multisensorial que
incluya el pensamiento visual, además de las didácticas tradicionales. Reconocer la
participación simultánea de ambos hemisferios en los procesos cognitivos no implica
desconocer las técnicas tradicionales que privilegian el
hemisferio izquierdo, sino
equilibrar la carga incluyendo estrategias que desarrollen también los procesos que
habían sido olvidados y catalogados como “subordinados” en la teoría de la
especialización hemisférica.
Es evidente que este enfoque implica más esfuerzo del docente en las áreas
investigación y diseño, pero también es mucho más eficaz y funcional desde la
perspectiva del aprendizaje del alumno al presentarle a éste la información de diversas
224
maneras. Con este tipo de planeación se permite al alumno aprender del modo que le
resulte más eficiente y, al mismo tiempo, se le exponen diferentes formas de aprendizaje
y desarrolla una variedad procesamientos de la información y de resolución de
problemas que van más allá del nivel representacional verbal; incluyendo entre otros, el
pensamiento visual, las imágenes mentales, la metáfora, el lenguaje evocador, la
simulación, los experimentos de laboratorio, el trabajo con objetos reales, la
representación de roles y el aprendizaje multisensorial.
La primera vez que se enseña desde esta perspectiva se requiere más tiempo de
preparación, pero su ejecución no requiere más tiempo del utilizado para una clase
tradicional. De hecho, puesto que mejoran la comprensión y la motivación el profesor
pasa menos tiempo revisando y repitiendo y dispone de más tiempo para diseñar
actividades que resulten estimulantes. Este enfoque de enseñanza es heredero de las
investigaciones neurocientíficas más recientes que tienen el potencial transformador
para ser aplicado en los currículos, en las formas de secuenciar los contenidos, en las
metódicas que se aplican en el aula; sin embargo, las condiciones de posibilidad de este
tipo de transformación van desde la necesidad de hacer modificaciones en la estructura
del sistema educativo, el sistema de evaluación nacional
y como se mencionó
anteriormente la necesidad de realizar procesos de modificabilidad cognitiva en los
profesores.
Además de estas implicaciones en el orden temporal y en la necesidad de reconocer los
estilos de
aprendizaje de los alumnos;
la transferencia de las investigaciones
neurocientíficas a la práctica educativa, requiere modificaciones concretas en las teorías
de la inteligencia y los tipos de evaluación que se determinan a nivel nacional. Esta es
otra implicación vital, porque al cuestionar las teorías clásicas de la inteligencia, los
profesores tienen la posibilidad de reconocer que existen distintos estilos de aprendizaje
y que, de acuerdo a este nuevo modo de comprensión se hace necesario encontrar
maneras distintas de presentar la información en los procesos de evaluación.
Es necesario hacer frente a los problemas mente-cuerpo en la enseñanza de la filosofía,
máxime si ésta se ha concentrado en lo referente a la mente. No se requiere un viraje a
las propuestas sobre el tema con el fin de realizar una reconstrucción de este debate,
sino realizar una transferencia de corte aplicado en donde exista un esfuerzo por
comprender las perspectivas de aprendizaje que se tienen. La exigencia de McGilchrist
(2010) es que se expandan los modos de comprender este proceso, se superen las
225
dicotomías y se afecte el trabajo de quienes “planean” y “diseñan” los ambientes de
aprendizaje. La razón es el producto de la convergencia de ambos hemisferios, su
división es más una herramienta para que las disciplinas neurológicas puedan trabajar y
organizar sus hipótesis, pero en términos de acción es la unión de las facultades de cada
hemisferio la que hace posible que seamos razonables. Este enfoque, precisamente, es el
que sustenta este trabajo y justifica la necesidad de generar una innovación pedagógica
en este campo.
2. Propuestas alternativas de transformación en las prácticas educativas de la
enseñanza de la filosofía
Actualmente existen esfuerzos que han dado forma al campo de la didáctica de la
filosofíax que vincula a la pregunta por la posibilidad y sentido de enseñar filosofía lo
siguiente: el método interrogativo como el que, por excelencia, atraviesa la formación
filosófica (Posada, 2011: 21); las críticas de Estanislao Zuleta a la enseñanza de la
filosofía sin filosofía en la escuela (1996); la apuesta por una enseñanza de la filosofía,
partiendo de una definición de ésta como la que propicia la construcción de una
competencia analítica, hermenéutica, dialéctica y retórica dirigida a la comprensión de
la vida social y cultural (Cuartas, 2011: 135); el rescate de los debates acerca de la
existencia o no de problemas filosóficos, de manera que ha sido necesario revisar la
racionalidad de las teorías filosóficas, escenario en donde encontramos a Popper
(1972;1977), Feyerabend (1976), Bachelard (1996) y Antiseri(2011). Se incluyen
también iniciativas que consideran el enseñar el filosofar como formar políticamente
para que los sujetos pasen de la denuncia genérica a la habilitación de sí mismos para el
reconocimiento de los otros (Vargas, 2011: 49).
En esta ocasión presentaré dos perspectivas que han abierto las posibilidades de
transformación de las prácticas educativas de la enseñanza de Filosofía desde un
enfoque multisensorial, simultáneamente se presentarán algunas líneas posibles para
este proyecto multisebnsorial. Inicialmente esté el grupo catalán EMBOLIC, quienes
plantean la existencia de una Filmosofía (2012) como campo donde convergen la
imagen, el cine y la enseñanza de la filosofía. Y para finalizar presentaré brevemente el
trabajo de los Interactive exploratory environments (ICT), propuestos por McGuinnes
1999.
226
2.1.
Cine y filosofía
Han sido los investigadores del grupo Embolic quienes han configurado la posibilidad
para el desarrollo de una iniciativa en el campo de la enseñanza de la filosofía donde se
exploren las posibilidades de lo visual y multisensorial. Este grupo surge a finales de la
década de los ochenta bajo la influencia de discusiones sobre la didáctica de la filosofía,
entre sus preocupaciones iniciales se encontraban los siguientes aspectos:
1) El sentido de la enseñanza de la filosofía.
2) El uso de otros métodos para enseñar filosofía.
3) Revisión de la escritura como medio filosófico por excelencia.
El trabajo de Anacleto Ferrer, Xavier García-Raffi, Bernardo Lerma y Francesc
Hernàndez se orienta hacia una revisión de la historia de la filosofía y del lenguaje
especializado que desarrollan los filósofos al momento de presentar un problema. A
partir de este ejercicio, plantean que la labor en filosofía se dificulta, en tanto que se
inicia este proceso obligando al estudiante a que se interese por asuntos que no entiende
y su incomprensión radica en lo alambicado del discurso filosófico; este hecho aleja
rápidamente al lego del trabajo filosófico y deja claro que la labor de escritura es para
unos pocos, para la “República de letrados”, sobre esta limitación que implica el texto y
sobre la necesidad de expandir su sentido nos dicen:
Si no abrimos la noción de texto, podríamos quedar atrapados en un anillo de
Moebius según el cual el texto filosófico es aquél que ha escrito un filósofo, que a
su vez queda caracterizado como el individuo que escribe o ha escritogeneralmente esto último, porque la presencia de autores vivos en los programas
de estudio es casi nula -textos más o menos abstrusos que son objeto de
comentarios en la clase de filosofía. (Ferrer, García-Raffi, Lerma y Hernàndez,
2012: 188).
Frente a esta tensión la respuesta es la reivindicación de una filosofía nacida del
asombro, entendiendo por filosofía una actitud que cuestiona las preguntas mismas y no
busca las respuestas. Para estos investigadores de la didáctica el problema de la filosofía
es un asunto de la mirada, de la dirección de nuestros ojos, para fortalecer esta idea
recurren a las imágenes que se emplean en ella para representar conceptos que
resultarían incomprensibles de otro modo, a continuación mencionaremos algunas:
Platón y la Caverna, Plotino y la tortuga pisoteada, Descartes y los edificios del saber,
Kant y la joya brillante de la buena voluntad, Nietzsche y las monedas desgastadas.
El cine en el presente es el que atestigua este poder de la mirada, da cuenta del vínculo
entre comprensión y representación de un sentido. Todo este recorrido permite la
227
emergencia de un campo filmosófico donde imagen, cine y filosofía se entrecruzan, sea
de manera explícita como encuentran en Rossellini con sus filmes sobre Socrate (1970),
Blaise Pascal (1971) o Cartesio (1973); o al modo de Benjamin, quien sin ser director,
productor o realizador, nos habla de la obra de arte en la época de la reproducción
técnica que se identifica con la imagen en movimiento que tanto conmovió a Deleuze en
sus estudios sobre cine. Estamos frente a una iniciativa que se ha volcado por un
enfoque especializado, donde lo visual se acoge y permite la construcción de enfoques
que le den un nuevo sentido al texto al punto de clasificar las películas como textos
fílmicos.
Así las cosas, una potente idea se va sujetando a las redes del análisis de películas,
trasladando las pautas de análisis del texto escrito al filme tal como se puedo observar
en su texto Primun Videre, Deinde philosophari (2006) donde comparan textos
filosóficos, con literarios y con filmes que coincidan con la propuesta conceptual del
filósofo en cuestión, con lo que se pretende emplear el cine como vehículo de sentido
que permite comprender el sistema filosófico estudiado, a continuación describiré de
manera precisa el modo como se realiza el vínculo mencionado:
1- Se selecciona un autor de la tradición filosófica para ser explicado, por ejemplo
Agustín de Hipona.
2- Se explora la existencia de un filme sobre el filósofo en cuestión, un texto filosófico
y uno literario. En el caso de Agustín encontramos el filme “El nombre de la Rosa” y la
novela de Umberto Eco de igual título, en lo relacionado con el texto filosófico se
retoman apartes de la “Ciudad de Dios”.
3- Con el material identificado los autores construyen una ficha de trabajo que tendrá la
siguiente estructura: Sinopsis de la película y cuestiones, en estas últimas se vincularán
los diálogos y escenas del filme con los textos filosófico y literario, así como con
preguntas para el lector. En la parte final hay un listado de películas recomendadas que
sirven para el tema.
4-La función de la ficha es familiarizar al lector con las propuestas específicas de un
filósofo y apoyarse en diferentes tipos textuales, ahora el cine como texto visual, que
faciliten tal relación. En ese orden de ideas, es un trabajo propedéutico que se vale de
diferentes canales de percepción (visual, auditivo y lector) para lograr que el estudiante
encuentre un paralelo visual a eso que, en ocasiones, aparece intrincado en el texto de
228
los filósofos. No se avanza en un trabajo más profundo con las imágenes o con el tema
de la representación.
Lo anterior permite afirmar que Embolic lleva hasta un punto su mirada transgresora
pero tiene varios límites. El primero de ellos es que requiere de un tratamiento más
exhaustivo sobre la imagen, es por ello que se piensa en incorporar en la propuesta final
para el diseño de las guías multisensoriales las siguientes perspectivas: 1) Erwin
Panofsky (1972; 1978;1979) quien es uno de los representantes principales de la
investigación iconográfica. La propuesta metodológica de Panofsky para la
interpretación de las imágenes —sobre todo de las obras de arte— se concentra en los
aspectos iconográficos, la composición y el estilo de una obra con el fin de vincularlos
con ciertos “principios” constitutivos de las actitudes humanas y sociales de una época
específica. 2) Peter Burke, en su texto “Visto y no visto: el uso de la imagen como
documento histórico”, plantea la importancia de ver la imagen como documento digno
de ser estudiado por el historiador y, en nuestro caso, por quienes quieren emplearlas de
un modo que supere lo expositivo. Así, pensar en la imagen como documento histórico
implica, de un lado, la reivindicación de otras “fuentes” o la recuperación de otros
enunciados para el ejercicio investigativo de la historia y, por el otro y como
consecuencia de lo primero, la ampliación del campo de indagación (académicoinvestigativo) del saber histórico. 3) La propuesta de Gilles Deleuze, con quien nos
acercamos a una teoría no representativa del arte cinematográfico, de lo que da cuenta
en sus estudios sobre cine: “Imagen-movimiento” e “Imagen-tiempo”. Este autor
plantea que el cine piensa a través de sus imágenes y que éstas pueden adoptar todas las
formas del movimiento: caracterizará el pensar de este cine a través de la figura del
choque, entendido como aquél que se da entre las imágenes mismas y entre las
imágenes con la conciencia del espectador.
Sumado a lo anterior, es necesario aclarar que este grupo no incursiona de manera
radical en lo relacionado con los procesos cognitivos, los desarrollos en neurociencias y
la necesidad de un aprendizaje mediado para lograr la modificabilidad conceptual de los
maestros, es por ello que se propone ampliar tanto el marco de trabajo con los aportes
que siguen.
2.2 El rol de los ambientes exploratorios interactivos en el desarrollo de
habilidades del pensamiento
229
Los Interactive exploratory environments (ICT), propuestos por McGuinnes 1999,
apareció desde la necesidad de abordar resolución de problemas más que la
memorización de temas. Desde este mirada los métodos de representación tradicional
del saber, es decir, las explicaciones orales, las presentaciones textuales fueran en
diapositivas o en el tablero, se quedaban escasas para permitir al estudiante enfrentarse a
la toma de decisiones o al desarrollo de competencias como trabajo en equipo. En estas
formas de representación el estudiante actúa siempre como escucha, pero muy pocas
veces se le pide que desempeñe alguna actividad con relación a la información a la que
está siendo expuesto.
En estos ambientes exploratorios interactivos se realizan experiencias donde el
estudiante aprende en un proceso de descubrimiento que puede ser individual o guiado.
Este tipo de ambientes y de experiencias ayudan a que los problemas cognitivos sean
más explícitos y permiten que los alumnos realicen la comprobación de hipótesis
mediante la utilización de varios de sus sentidos; para luego discutir las conclusiones
con los pares. Al respecto de estos ambientes han surgido múltiples aplicaciones de
Software como el Geometry Sketchpad para explorar relaciones geométricas, STELLA
para sistemas de pensamiento o ThinkerTools para enseñar las leyes de la fuerza y el
movimiento. Sin embargo aunque estos software son un territorio interesante y muy
prometedor para explorar y ampliar en el campo de la enseñanza de la filosofía; desde la
perspectiva de juegos de rol en línea o ambientes de realidad virtual, holocubiertas,
donde el estudiante deba enfrentar ciertas condiciones históricas para tomar decisiones
de tipo político o económico, como especies de simuladores; es necesario reconocer que
en nuestro país la investigación y el apoyo económico para este nivel de innovación en
las TIC´s aún se encuentra un poco lejano para las humanidades.
A pesar de no poder diseñar actualmente este tipo de ambientes, desde la perspectiva del
diseño de software especializados en un saber específico como la filosofía, es posible
crear otros tipos de virtualidades en el aula y por fuera de ella en donde poner en
funcionamiento las mismas habilidades de pensamiento que podrían lograrse con dichos
Software. El video, el cine, la pintura, la escultura, las instalaciones, las distintas
posibilidades y recursos tecnológicos multimediales con los que se cuenta en el aula,
son excelentes herramientas para producir este tipo de ambientes exploratorios
230
interactivos. Ellos permiten a los estudiantes formarse imágenes complejas de
situaciones problema en múltiples modalidades y proponer perspectivas de análisis
alternativas. El aula se convierte en un escenario para producir experiencias donde los
estudiantes siempre estén en actividad, juegos, exposiciones, investigaciones para
realizar en el aula, guías de análisis visual, manipulación de objetos reales entre otros
son las alternativas que se ponen en funcionamiento en este estilo de enseñanza.
Esta es el reto de esta investigación en ciernes, acopiar los avances en neurociencias, el
uso de otros dispositivos discursivos y simbólicos en el campo didáctico y la revisión
del sentido formativo de la filosofía en el sistema escolar colombiano. Urge un vínculo
entre lo medial, lo neurológico y lo filosófico que permita explorar nuevas alternativas
en la relación con los cánones filosóficos existentes, máxime si consideramos que la
filosofía no se limita los léxicos existentes. Para finalizar, la existencia misma de las
posibilidades que nos brindan estas tecnologías no las hace en sí mismas ambientes
exploratorios interactivos, el diseño y modelación de las experiencias deben ser
cuidadosos porque de lo contrario se cae nuevamente en la instrumentalización de una
tecnología o un arte para seguir reproduciendo el mismo habito de enseñanza
memorística e historicista. Es necesario estar atentos, porque los hábitos de la enseñanza
tradicional operan de modo molecular y la mayoría de las veces los repetimos
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O ENSINO DE FILOSOFIA COMO ENSINO PARA A EMANCIPAÇÃO
Filósofos: mestres emancipadores ou embrutecedores?
Liliana Souza de Oliveirax
Não há como ficar indiferente a leitura do livro intitulado “O Mestre Ignorante”
de Jacques Rancière, filósofo francês, que nos provoca a pensar o que significa ensinar.
Provoca-nos à medida que relata a história do professor e pedagogo francês do século
XIX, Joseph Jacotot.
Jacotot foi convidado a dar aulas a um grupo de alunos holandeses sendo que ele
não falava holandês e o grupo de alunos não falava francês. Para conseguir se
comunicar apresentou aos alunos o Telêmaco- um dicionário bilíngüe (francêsholandês). Orientou os alunos a fazerem um esforço na tentativa de compreender a
língua estrangeira a partir do dicionário. E, foi surpreendido ao perceber que mesmo
sem nunca terem contato com o idioma, os alunos holandeses conseguiram
compreender e escrever em francês. Esta experiência faz com que Jacotot se questione
sobre o papel do mestre e o papel da inteligência no processo de
aprendizagem. Mas, Rancière ao apresentar a experiência de Jacotot faz do
questionamento dele o nosso. Como pode alguém comunicar algo que
desconhece? Como podem os alunos aprender sem um mestre explicador?
Como pode um ignorante ensinar outro ignorante?
A experiência mostrou a Jacotot que alguns estudantes ensinavam aos outros a
falar e escrever em francês, sem o socorro de suas explicações. Eles haviam aprendido
sozinhos e sem o mestre explicador, mas não sem mestre. Pode-se ensinar o que se
ignora, desde que se emancipe o aluno, isto é, que se force o aluno a usar a sua própria
inteligência. Para emancipar há um requisito, ou seja, ser emancipador.
236
Rancière nos inquieta porque por meio de seu texto nos faz pensar
nossa prática docente e suas implicações. Coloca em dúvida o papel do
mestre explicador, aquele que tudo sabe e que vai esclarecer aqueles que
não sabem. A partir disso nos apresenta o professor embr utecedor.
“Entendendo-se por embrutecedor o método que provoca no pensamento daquele que
fala o sentimento de sua própria incapacidade. No fundo, o embrutecimento é a marca
do método que faz alguém falar para concluir que o que diz é inconsistente e que ele
jamais o teria sabido, se alguém não lhe houvera indicado o caminho de demonstrar a si
mesmo sua própria insignificância” (RANCIÉRE, Entrevista). Se pensarmos na
pedagogia e nos diferentes métodos ao longo da tradição, veremos que de modo geral,
pensamos o professor como aquele que sabe, explica e que retira alguém da sua
condição de ignorância. Por outro lado, pensamos o aluno como aquele que é incapaz e
que jamais conseguiria aprender se não tivesse passado pela experiência escolar e
aprendido com o mestre que o conduz à verdade. Quando Rancière nos fala do
embrutecedor ele quer opor este ao emancipador. O embrutecedor quer continuamente
se certificar que os alunos estão aprendendo, que suas técnicas e metodologias
funcionam, a fim de ter certeza de que está ensinando. Assim, acabam criando uma
situação de avaliação na qual de um lado temos aqueles que sabem e de outro aqueles
que nada sabem. Baseando-se na diferença dos processos de aprendizagem,
freqüentemente admitem a diferença das inteligências. Ranciére quer propor exatamente
o contrário. Acredita que todo educador deve partir do pressuposto de que todos podem
aprender e que todos são igualmente inteligentes.
Ranciére queria contrariar as concepções que privilegiavam a difusão
indiferenciada do saber, como instrumento de igualdade. Segundo ele, “nenhum saber
traz, por si próprio, a igualdade como efeito. A igualdade, nela mesma, não é nem um
efeito produzido, nem uma finalidade a ser atingida, mas um pressuposto que se opõe a
um outro”. A igualdade não deve ser pensada como aquilo que iremos alcançar por
meio da educação, mas sim como o pressuposto do qual devemos partir. Assim, não
237
existe um explicador que tudo sabe e um ignorante que nada sabe. O mestre
emancipador é aquele que estimula seus alunos a buscarem por conta própria sua
emancipação e faz com que os mesmos tenham a coragem de fazer uso do próprio
entendimento. Aqui temos a noção de autonomia tão difundida nos meios educacionais
e tão pouco exercida.
Sócrates no mundo antigo foi considerado o grande mestre. Aquele que se
dispunha a sair às ruas e interrogar seus interlocutores até que estes reconhecessem a
sua completa ignorância. Entretanto, no texto do Ranciére, Sócrates aparece como o
mestre embrutecedor na medida em que seu método atesta a incapacidade dos mesmos
de obter esclarecimento por conta própria. Sócrates exerce aí seu papel de embrutecedor
ao fazer com que os mesmos reconhecessem suas ignorâncias e reconhecessem Sócrates
como aquele que os conduziria a verdade. O próprio Sócrates nomeia seu método de
“maiêutica”- arte de parir- dizendo que ele assim como sua mãe que era parteira ajudava
as pessoas a terem ideias. Isto nada mais é do legitimar a ignorância alheia e exaltar a
função do mestre explicador/embrutecedor. Rancière mostra que o ponto crucial do que
denomina “embrutecimento” “não é a sujeição de uma vontade a outra; que o problema,
justamente, não é o de abolir toda relação de autoridade, de forma a não deixar senão
uma relação de inteligência a inteligência. Pois é exatamente quando só existe relação
de inteligência a inteligência que a desigualdade das inteligências – a necessidade de
que uma inteligência seja guiada por uma inteligência – melhor se demonstra”
(RANCIÈRE, Entrevista).
Platão defendia que os melhores em inteligência e conduta, isto é, os filósofos
tinham um papel educativo importante. Estes por terem abandonado a condição de
ignorância (caverna) não se contentam em sair da ignorância, mas retornam a fim de
esclarecer aos demais. Vemos aqui mais uma vez a defesa do mestre explicador,
daquele que salva os ignorantes. E, veremos que esta forma de conceber a educação
acaba por se difundir e se colocar como forma vigente de educar. Rancière está
questionando esta forma de ensinar e nos propondo pensarmos a partir de outro lugar.
238
Estaria Rancière abolindo a autoridade do mestre? Estaria ele propondo uma
educação que dispense a figura do mestre? Ao longo da leitura de “O Mestre Ignorante”
verificamos que não é isto que está sendo proposto pelo autor. A crítica se dirige a um
modo comum de ensinar que pressupõe uma dicotomia entre um que tudo sabe e outro
que tudo ignora. E, que é possível pensarmos em outras formas de ensinar que
abandonem este modelo embrutecedor e que possam se constituir como uma educação
para a autonomia que dê condições para o indivíduo se emancipar.
Encontramos em Rancière a defesa de um novo mestre: um mestre ignorante.
Mas o que seria este mestre ignorante? O mestre ignorante é aquele que parte do
pressuposto de que todos podem aprender; parte do pressuposto da igualdade das
inteligências. É um mestre que reconhece sua ignorância, isto é, que reconhece que não
sabe tudo e se dispõe a aprender com seus alunos. “É um mestre que não transmite seu
saber e também não é o guia que leva o aluno ao bom caminho, que é puramente
vontade, que diz à vontade que se encontra a sua frente para buscar seu caminho e,
portanto, para exercer sozinha sua inteligência, na busca desse caminho” (RANCIÈRE,
Entrevista).
O desafio lançado por Rancière em seu “Mestre Ignorante” é um desafio que
deve ser assumido por todos nós. Se concordamos com Rancière que o mestre
explicador é o embrutecedor, como ensinar filosofia de modo emancipador? Como
ensinar filosofia sem assumir na sala de aula o lugar do explicador que apresenta o
corpo sistemático de conhecimentos? Como ensinar filosofia sem ser meramente o
repetidor de uma tradição filosófica?
Temos uma tradição educacional que acabou por privilegiar o lugar do professor
no processo de aprendizagem. Tradição esta que fez do professor o grande responsável
por levar o conhecimento aos alunos. Esta tradição acabou por desconsiderar aquilo que
os alunos traziam, pensavam e sentiam à medida que as aulas eram meramente
expositivas, explicativas e quem falava era o professor-aquele que tudo sabia. A
formação
dos
professores
sempre
privilegiou
este
lugar
do
mestre
239
explicador/embrutecedor. E, quando vamos dar aula acabamos por repetir o modo
como fomos ensinados. Sem contar que este modo de proceder nos deixa mais seguros
porque partimos do pressuposto de que somos aqueles que mais sabem na sala de aula e
que temos uma função profética que é salvar nossos alunos da mais completa
ignorância. Quando pensamos o ensino de filosofia isso parece ficar ainda mais evidente
a partir de falas como “a filosofia ensina a pensar”. Isso significa dizer que sem a
filosofia os alunos não pensariam? Significa pensar como Platão e reconhecer que
somos os melhore em inteligência e que devemos socorrer aqueles que nada sabem?
Enquanto assumirmos esta postura de explicador/ embrutecedor não vamos conseguir
emancipar nosso alunos. Mas para emancipá-los antes precisamos nos emancipar.
Emanciparmo-nos significa reconhecer nossa capacidade enquanto professores
de filosofia de interrogar, criticar, estabelecer relações com o cotidiano, relacionar a
tradição com o momento presente. Significa reconhecer em nós a capacidade criativa e
não meramente reprodutiva de textos e pensamentos filosóficos. Emancipar-nos
pressupõe considerar o outro como igualmente inteligente e colocar-nos numa relação
de abertura frente a ele que nos permita estabelecer relações em aula que fujam da
repetição, que nos surpreendam, que possamos descobrir coisas novas sobre nós
mesmos.
A atitude filosófica de resistência pressupõe estarmos atento ao presente de tal
modo a problematizar a nós como homens pertencentes a este presente. O conceito de
cuidado de si apresentado por Foucault pode servir para pensarmos o ensino de filosofia
como o espaço de resistência. Isto é, pensar nosso lugar como professor de filosofia de
outro modo: não mais como aquele que detém o conhecimento e o transmite. Se
continuarmos pensando nosso lugar como o do mestre explicador que tudo sabe e que
precisa iniciar os jovens nos discursos filosóficos, estaremos mais uma vez
privilegiando o conhecimento e não o cuidado. Se quisermos resistir a esta tradição que
privilegiou o conhecimento precisamos encontrar maneiras de cuidar de si.
240
Fazer do ensino de filosofia um novo lugar de experiências parece ser uma
forma de resistência. Resistir por meio de uma nova prática filosófica é a possibilidade
de fazer do ensino de filosofia o lugar da ruptura, do deslocamento, do movimento
sobre si e sobre a própria vida. Mas esta volta sobre si mesmo pode ter início nas aulas
de filosofia quando estas se constituem neste espaço de resistência, porém devem
ultrapassá-las. Ultrapassá-las no sentido de se estenderem por toda a vida.
A imagem do mestre em o “Mestre Ignorante” é resignificada. E, por isso não
conseguimos ficar indiferente a ele. Inicialmente, nos sentimos ameaçados com a
possibilidade dos alunos de Jacotot teriam aprendido algo que o próprio mestre
desconhecia. Isso indica que podemos ensinar coisas que desconhecemos, podemos
ensinar muito mais do que aquilo que dizemos. Há sempre algo que nos escapa e que
não temos como controlar, como avaliar, como mensurar no processo de ensino e
aprendizagem. O reconhecimento desta falta de controle nos desloca, nos tira de lugar,
mas é fundamental no reconhecimento do nosso lugar como mestre ignorante.
Pensar Rancière junto com M. Foucault nos ajuda a pensar o ensino de filosofia.
Rancière nos propondo uma nova forma de se colocar como mestre, abandonando a
postura de mestre embrutecedor e assumindo o lugar do mestre emancipador a partir do
reconhecimento da igualdade das inteligências. Foucault nos falando do exercício
filosófico enquanto uma prática do cuidado de si que afirme uma independência no
modo ser, pensar e se constituir. A partir destes dois pensadores podemos nos colocar
novos desafios e pensar em novas possibilidades para nossa prática docente.
Continuemos pensando!
241
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERLETTI, A. O ensino de filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2009.
FOUCAULT, M. (1984d). História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. 10. ed. Rio de
Janeiro: Graal, 2003.
FOUCAULT, M. (1984d). História da sexualidade 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal,
1985.
GALLO, Sílvio. A especificidade do ensino de filosofia: em torno dos conceitos. In:
PIOVESAN, Américo; et al (Org.). Filosofia e ensino em debate. Ijuí: Editora Unijuí,
2002, p.193-209.
GALLO, S. O que é Filosofia da Educação? Anotações a partir de Deleuze e Guattari. In:
Perspectiva. Florianópolis, v.18, n.34, p. 49 - 68, 2000.
GELAMO, Rodrigo Pelloso. O ensino de filosofia no Brasil: um breve olhar sobre
algumas das principais tendências no debate entre os anos de 1934 a 2008. In: Educação
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RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante-cinco lições sobre a emancipação intelectual.
Tradução de Lílian do Valle. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
SILVA, D. J.; PAGNI, P. A. Educação e filosofia. In: COSTA, C. J. (Org.) Fundamentos
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ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, São Paulo: Educ. 1996.
TOMAZZETI, E. Filosofia no ensino médio e seu professor: algumas reflexões. Revista do
centro de educação, Santa Maria. v. 27, n. 2, p. 69-75, 2002. Disponível em:
<http://coralx.ufsm.br/revce/>. Acesso em: 04 abril 2007.
242
É possível (de)formar professores de filosofia?
Prof. Dr. Rogério A. de Mello Basali
Universidade de Brasilia
Este trabalho, ainda em andamento, tem como objetivo problematizar a formação dos
professores de filosofia, a partir de uma análise das experiências recentes vinculadas aos
processos de formação de professores de filosofia na Universidade de Brasília.
Formar professores de filosofia constitui-se em tarefa que pode ser pensada em
múltiplos registros e a partir de distintas perspectivas, que podem orientar e determinar
vias para a percepção dessa tarefa: ora como um problema insolúvel, ora como parte de
um esforço possível para enfrentar certos problemas quase insolúveis.
Em nosso trabalho, um processo de desconstrução de certas formas ortodoxas para o
ensino de filosofia vem se mostrando positivo e promissor e, ao compartilhar
impressões singulares e análises subjetivas relacionadas ao conjunto dessas experiências
na formação de professores de filosofia, esta comunicação busca inscrever-se e
apresentar-se como parte do imprescindível esforço no enfrentamento de certos
problemas quase insolúveis vinculados à tarefa de (de)formar professores de filosofia,
assinalada no título desse texto.
Parece relevante para essa análise distinguir entre os campos de ação e tipos de
resultados aferidos nessas ações e em seus respectivos campos. Primeiramente é
pensada aqui a experiência no campo da formação continuada de professores, e,
posteriormente, a experiência em relação ao campo de ação vinculado exclusivamente à
formação inicial de professores.
Nesse sentido, esta investigação busca apresentar e analisar indicadores que transitam
entre essas duas modalidades ou dois campos de ações, vinculados à formação de
professores, a partir de experiências realizadas na Universidade de Brasília com
potencialidades de serem experimentadas em outras localidades.
Na Universidade de Brasília existe um Programa de Avaliação Seriada, PAS/UnB, que
além de constituir-se em modalidade de ingresso alternativa ao vestibular, fundamenta e
institucionaliza um conjunto de Fóruns Permanentes de interação educacional, a partir
dos quais é possível desenvolver projetos de extensão universitária, orientados tanto
243
para a formação contínua de professores em exercício, como para projetos
protagonizados por estudantes dos cursos de licenciatura.
Por meio de cursos de extensão oferecidos no Fórum Permanente de Professores,
relacionados à presença da filosofia no PAS/UnB, foram realizadas as atividades de
formação contínua. Professores de filosofia e de outras disciplinas, das redes pública e
privada, participaram das edições dos cursos que foram realizadas.
Essas experiências com professores, por meio de cursos de extensão, indicaram uma
série de limitações vinculadas à formação desses professores participantes dos cursos.
Dentre os participantes a maioria apresentava dificuldades decorrentes de lacunas na
formação acadêmica, quando eram formados em filosofia, e outros, nem sequer eram
formados em filosofia - o que constituiu, desde o início desse trabalho, alguns dos seus
problemas insolúveis.
Esse tipo de problema de falta de formação não seria solucionado com esses cursos, mas
isso tornava possível experimentar modos mais criativos de trabalhar com a filosofia no
ensino médio, a partir das orientações desse Programa de Avaliação Seriada. As
atividades vinculadas ao Programa parecem ter despertado em vários professores que
delas participaram um maior interesse em pesquisar e preparar melhores aulas e cursos
em suas escolas.
Porém, a esse problema soma-se outro, relacionado às condições de trabalho dos
professores e às dificuldades do cotidiano escolar, experimentados por cada um. Isso
reduziu as condições de aproveitamento desses cursos pelos participantes e constitui um
desses problemas que o curso também não podia resolver.
Outro tipo de problema, menos recorrente entre os participantes desses cursos, mas
também presente entre as dificuldades da filosofia nas escolas de ensino médio, é o
excesso de especialização de alguns professores, que buscam reproduzir a realidade
acadêmica no cotidiano dos estudantes de ensino médio.
Esse é caso dos professores que, até mesmo com boas intenções, desejam levar para as
escolas a excelência de suas formações acadêmicas e fazer dos estudantes verdadeiros
doutos, a partir de pouca ou nenhuma experiência docente, resultando na maior parte
das vezes num distanciamento entre o ensino de filosofia e os estudantes do ensino
médio.
Em todos esses casos, ao analisarmos três edições anuais desses cursos de extensão
oferecidos para professores (2007, 2008 e 2009), a estratégia encontrada para enfrentar
244
os problemas dessa formação prévia consistiu em (de)formar esses professores, para
tirá-los de suas formas, de suas formatações, a fim de ampliar suas possibilidades de
percepção da filosofia e sua autopercepção da profissão docente.
Convém destacar o fato de que essa profissão docente está vinculada à realidade das
escolas existentes. E as escolas, em suas complexas realidades, configuram um conjunto
de problemas, dentre os quais alguns são provavelmente insolúveis, e para os quais o
trabalho de formação docente deve estar atento, razão pela qual a Universidade deve dar
maior importância ao processo de formação inicial dos professores nos cursos de
licenciatura.
Nesse sentido, experiências para (de)formar professores de filosofia nas licenciaturas
apresentam maior potencial de sucesso, tendo em vista que os futuros professores ainda
não foram contaminados pelos problemas insolúveis das escolas e podem ainda
minimizar problemas na formação ou (de)formação acadêmica.
Apesar dessa constatação, ainda é incipiente a atenção à formação docente nos cursos de
licenciatura em filosofia e a maioria dos departamentos de filosofia brasileiros continua
de olhos fechados para esses problemas, que também se fazem presentes no cotidiano
universitário.
Ao assumirmos as disciplinas de Estágio Supervisionado na licenciatura em filosofia em
2011 e 2012, foi possível deslocar a estratégia de (de)formação para outro campo de
ação, relacionado na teoria e na prática à formação inicial de docentes.
(De)formar professores nas licenciaturas diz respeito aos modos de pensar e
experimentar o ensino de filosofia, algo que tem se modificado especialmente nas
escolas do Distrito Federal, a partir de projetos relacionados ao PAS - Programa de
Avaliação Seriada, e suas orientações para a filosofia no Ensino Médio.
Esse Programa oferece raras condições para experimentar novas práticas de ensino nos
cursos de licenciatura, na medida em que incentiva trabalhos de formação docente em
parceria com escolas públicas, com o protagonismo dos estudantes universitários.
Há entre as orientações do PAS/UnB a necessidade de interação entre a universidade e a
educação básica, e por meio dessa orientação é possível elaborar projetos de extensão
relacionados às práticas docentes e às disciplinas da licenciatura, nos quais os
universitários passam a criar e realizar projetos de intervenções em escolas, sob a
supervisão do professor orientador.
245
Desse modo, nos trabalhos de estágio supervisionado, foi possível criar e realizar em
parceria com os estagiários um projeto de intervenção numa escola pública do Distrito
Federal, por dois semestres. Essa escola recebeu um conjunto de atividades
programadas para suas três séries do Ensino Médio.
Esse trabalho de (de)formação inicial de professores começou nas aulas do estágio, com
a apresentação das orientações fundamentais do Programa de Avaliação Seriada. Essa
apresentação desfez uma série de preconceitos acerca do PAS e despertou o interesse e a
criatividade dos estagiários para a possibilidade de trabalharem em conformidade com
essas orientações.
Primeiramente foi lida e discutida a matriz dos objetos de avaliação desse Programa,
que apresenta os objetos de conhecimento avaliados e indica diversas obras a serem
trabalhadas em cada série do ensino médio. Associado a esse trabalho, os estagiários
pesquisaram provas já aplicadas em busca de itens relacionados à filosofia.
A seguir, de modo coletivo, foram criados roteiros de atividades para trabalhar
habilidades e competências avaliadas no PAS, por meio do contato com obras sugeridas
e a partir da resolução de itens selecionados nas provas anteriores.
Esse trabalho corrobora na (de)formação desses futuros professores, na medida em que
os universitários ainda apresentam certas dificuldades em resolver alguns itens das
provas e em compreender a totalidade das orientações do Programa.
No PAS há um enfoque distinto para a filosofia em cada uma das três etapas do
Programa. Há também um conjunto de obras filosóficas que devem ser trabalhadas de
acordo com esses enfoques propostos e o nome dado ao objeto de conhecimento sinaliza
em cada etapa o enfoque proposto.
É importante que os professores de filosofia percebam que o nome dado ao objeto
relacionado ao ensino de filosofia tem nomes distintos em cada etapa a fim de
evidenciar esses enfoques: “o ser humano como um ser no mundo”, na primeira, “o ser
humano como um ser que pergunta e quer saber”, na segunda, e “o ser humano como
um ser que interage”, na terceira.
Essa orientação, porém, é singular entre as avaliações brasileiras, só existe no
PAS/UnB. Ainda que seja esta a orientação presente no Programa, isso não pode
corresponder ao currículo para as escolas. Há um conjunto de orientações curriculares
diverso dessas do PAS que é adotado na maioria das escolas e nos sistemas de
avaliação. Essa possibilidade vinculada ao PAS para o ensino de filosofia consiste numa
246
proposta ousada, criada a partir da interação entre a universidade e a educação básica, e
tem nessa interação seu principal diferencial.
A maior parte das escolas brasileiras sequer conhece essa orientação, pois essas
normalmente adotam livros didáticos na forma de manuais e costumeiramente
trabalham a história da filosofia de forma cronológica, ou a partir de grandes temas de
filosofia, porém, sem contatos diretos com textos e autores filosóficos.
O Programa, ao propor o trabalho com esses enfoques relacionados aos objetos de
conhecimento, possibilita novas abordagens para as obras filosóficas sugeridas e, com
isso, os estudantes entram em contato direto com certos textos de alguns filósofos, numa
perspectiva contextualizada e interdisciplinar.
Esse contato com autor e obra é um significativo diferencial nessas orientações, na
medida em que permite a experiência com o texto filosófico e suas potencialidades em
sala de aula, e associa a isso, a possibilidade de conectar ideias e problemas filosóficos
ao cotidiano escolar.
Para a etapa de criação do projeto, os estagiários visitaram a escola em busca de um
contato prévio com os professores e com o cotidiano dessa escola. Visitaram o prédio e
suas instalações, apresentaram-se e apresentaram as linhas gerais desse projeto, e
entrevistaram os professores presentes. As impressões dessa etapa foram compartilhadas
em conjunto nas aulas.
Como já dissemos anteriormente, foram discutidas nessas aulas as diversas
possibilidade e estratégias de apresentação da filosofia, no contexto das orientações do
PAS, por meio do uso de obras sugeridas pelo Programa e a partir da resolução de itens
já aplicados em provas.
Os estagiários puderam elaborar propostas para utilizar trechos de textos filosóficos
associados a filmes e canções, buscando evidenciar aspectos interdisciplinares dessas
obras e contextualizar as ideias por meio de discussões.
Foram criados roteiros de atividades distintos para cada série e os estudantes
secundaristas foram convidados para participarem espontaneamente dessas atividades,
oferecidas no turno contrário ao das aulas regulares.
A escola se organizou para receber o projeto e disponibilizou várias salas para distribuir
as turmas, além de colaborar na divulgação do projeto entre professores, toda a equipe
pedagógica e entre os estudantes.
247
Houve grande aceitação do formato de atividades entre os estudantes secundaristas, que
participaram ativamente nos encontros. Eles tiveram nesses encontros a oportunidade de
esclarecer dúvidas, compartilhar impressões, desfazer preconceitos e resignificar a
presença da filosofia no cotidiano escolar.
As avaliações feitas ao final de cada atividade foram muito positivas. Dentre os aspectos
bem avaliados estavam impressão que tiveram dos estagiários, como outro tipo possível
de professor de filosofia. Observamos o fato de uma menor distância geracional
contribuir para essa impressão. Também foi observada a transformação da percepção do
PAS e da importância da filosofia nesse Programa, bem como o interesse dos estudantes
pela Universidade de Brasília - que alguns nem sabiam que era pública e gratuita.
Os professores de filosofia da escola comunicaram que houve maior interesse nas aulas,
na medida em que esses estudantes puderam experimentar, e com avaliações positivas, a
importância da filosofia para a compreensão de questões abordadas nos encontros
realizados e para novos problemas do cotidiano escolar.
Para os estagiários o projeto foi avaliado positivamente por inovar nas propostas de
práticas de ensino, tanto na própria universidade como na escola onde foram realizadas
as atividades desse projeto.
Nesse sentido, (de)formar a fim de que os estagiários pudessem pensar novas
possibilidades para o ensino de filosofia, foi algo que se constituiu numa rica
experiência para todos os participantes envolvidos.
Nosso trabalho de professor de estágio também buscou orientar-se por essa estratégia, e
com isso foram deixadas as formas tradicionais e convencionais de realizar o trabalho
dos estágios. Na maioria das vezes, em nossa avaliação, o estágio se reduz a um
trabalho burocrático e sem envolvimento ou responsabilidade por parte do professor, e
por isso se esvazia em suas possibilidades.
O objetivo desse texto consiste em compartilhar parte dessas experiências e das
impressões particulares sobre essas questões e problemas próprios ao ensino de
filosofia, pois apesar da restrição de sua realização em certa realidade - nesse caso na
UnB e no Distrito Federal - pode vir a subsidiar outras novas possibilidades na
formação de professores e seus desafios.
Assim, o que apresentamos aqui decorre dessas impressões sobre as experiências nos
distintos campos delimitados entre os desafios da formação de professores, tanto no
campo da formação continuada, como na formação inicial desses professores,
248
A estratégia utilizada nos projetos e experiências em ambos os campos foi a da
desconstrução de objetos, objetivos e objetividades, vinculada às experimentações de
práticas singularizantes, por ora denominada como (de)formação de professores, no
sentido mais próximo ao de trans-formação, ou de mudança da forma.
Com isso, nossas experiências com a licenciatura em filosofia, buscam promover
atividades capazes de estimular o pensamento, num esforço para relacioná-las ao
conjunto de vivências e experiências dos estudantes, e isso, consequentemente, parece
estar facilitando as experiências do ensino de filosofia.
Para tanto, parece ser preciso que também os professores universitários, acadêmicos em
profissão docente, permitam-se esses exercícios e experiências de (de)formação, de
modo a abandonarem suas zonas de conforto, deixando suas consagradas formas e
formatações para trás.
Somente essa radicalização na postura de abertura parece possibilitar a ocorrência do
que é efetivamente novo e, mais do que nunca, face aos novos desafios que surgem para
o ensino de filosofia, é preciso que a educação e o ensino de filosofia tenham essa
disposição da abertura para seus professores e futuros professores.
Formar ou deformar professores de filosofia? Parece-nos, que de algum modo, toda
formação é sempre uma deformação! Nossa proposta, entretanto, consiste em
(de)formar para formar.
Essa percepção resulta principalmente dessas experiências em projetos recentes,
principalmente com a formação inicial de professores de filosofia na UnB, vinculada ao
Fórum Permanente de Estudantes e suas orientações e em conformidade com o
Programa de Avaliação Seriada.
Apesar de ser um trabalho recém iniciado e ainda em desenvolvimento, o mesmo
oferece elementos para problematizar o ensino de filosofia a partir da formação de quem
ensina filosofia.
Em nossa busca por compartilhar essas experiências e esse trabalho, ministramos em
janeiro um minicurso intitulado “é possível (de)formar professores de filosofia?”, no
XXIX Encontro Nacional dos Estudantes de Filosofia, em João Pessoa-PB, no qual foi
possível maior aprofundamento nas questões vinculadas ao trabalho e aos desafios para
o ensino de filosofia.
249
250
Anhelo de lo Inexistente
Jesús Zúñiga García
Una intuición vale por diez razonamientos
Mauricio Beuchot
Las dos aspiraciones fundamentales de la vida humana
y por las que, tal vez, merezca que ésta siga fluyendo entre
el silencio de las esferas, son la inteligencia y el amor.
Emilio Lledó.
Se ha convertido en un lugar común la opinión que encuentra la principal dificultad de
la enseñanza de la filosofía en su carácter abstracto, en su desconexión con la realidad.
La vida cotidiana –se dice- nunca penetra la densa atmósfera donde habitan los hondos
pensamientos del filósofo y es ahí donde está el principal obstáculo para su enseñanza.
Mas nosotros veríamos en esto, no la dificultad, sino la sinrazón de su enseñanza. Pues
ciertamente se educa para vivir y no existe un saber más directamente implicado en la
vida que la filosofía, aun a pesar de la escaza utilidad que pueda aportar. La ciencia, una
vez convertida en tecnología, es el saber más útil. No obstante, no alcanza por eso la
estrecha relación que guardan vida y filosofía. La ciencia aplicada puede hacerla más
cómoda o, quizá, menos difícil; pero se detiene cuando se trata de saber lo fundamental:
“¿Cómo hemos de hacer de la vida del hombre algo profundo y radiante?”, según nos
pregunta Curtius.
La abstracción o la desconexión con la vida cotidiana no son los principales
obstáculos para la enseñanza de la filosofía. Pues existen ideas abstractas que nos
facilitan el ingreso a la realidad y, tal vez, lo que más necesite el hombre
contemporáneo sea salir de esta vida cotidiana o distanciarse un poco de ella para, por
lo menos, verla con otra mirada.
El problema, me parece, está en otro lado. Se encuentra en un rasgo esencial del
saber filosófico que, por otra parte, otorga importancia de primer orden a su enseñanza
en el contexto actual; me refiero a su participación en el pensar noético. La filosofía es
251
también un juego de la inteligencia, además de serlo de la razón. Y esto nos pone, en
tanto profesores, en la necesidad de dirigirnos a dos capacidades humanas diferenciadas.
El ser humano, por lo menos el contemporáneo, ha desarrollado sobre todo la capacidad
dianoética, el pensar discursivo, fundado en el principio de identidad; pero no el
intelectivo. Y si bien el razonamiento es una vía de acceso a lo inteligible, sin el
fomento o puesta en juego de la visión noética no se aprehende lo fundamental. De ahí
que Platón advirtiera no entrar en la academia sin saber geometría pero, una vez dentro,
aconsejase que, si no se sabe ver, es mejor no dedicarse a filosofar.
Piénsese, por ejemplo, en la famosa sentencia de Sócrates: “Es mejor padecer
una injusticia que cometerla” ¿Cómo va a comprender alguien la clave de este
pensamiento sin participar del sentimiento de admiración y respeto que dirigía Sócrates
al alma humana? Ningún razonamiento tiene ese poder y sólo es efectivo si se apoya en
alguna intuición.
Según esto, no se da el aprendizaje en filosofía, si no se tiene acceso a tales
intuiciones, propias del pensar noético y, por tanto, su enseñanza ha de buscar técnicas
del mostrar antes que del discurrir.
Mas pongamos en claro los términos de la cuestión. Hemos hablado, en el
ejemplo de Sócrates, de sentimientos, lo cual nos advierte que las intuiciones de que
tratamos no son únicamente de carácter estrictamente intelectual, sino también
emocionales. Esta es una condición que no es rara entre las ideas filosóficas. En la
mayoría de ellas se vinculan estrechamente inteligencia y emoción. Pero es sobre todo
en el ámbito ético donde se presenta esta doble dimensión, lo cual llevó a Aristóteles,
cuando intentaba describir la facultad humana que da acceso a ella, a caracterizarla
como un intelecto apetitivo o un apetito intelectual. De modo que, las intuiciones
fundamento del saber filosófico no sólo son inteligibles, sino emocionales, o bien una
mezcla de ambas, en cuya percepción se intersectan la inteligencia y el amor.
Y aquí está la dificultad de la cuestión: se trata de ver, pero con la inteligencia y
el corazón, dado que la verdad filosófica se alcanza “con toda el alma”. Mas si se ve, no
se enseña, se muestra, y la cuestión no estriba, entonces, en “dar la vista a un ojo ciego,
sino en dirigir el ojo sano hacia la luz”. Se presupone, por tanto, en el destinatario la
capacidad de ver. De modo que se nos plantean las siguientes cuestiones: ¿Es valida
esta suposición? ¿Existen estas facultades? ¿Si existen, pueden desarrollarse o, por lo
menos, fomentarse mediante la educación?
252
De lo primero es prueba suficiente la existencia de lo que se ha dado en llamar
alta cultura: arte, filosofía, ciencia, etcétera, y la dedicación a ella que durante milenios
ha realizado la humanidad. Si en algún momento desapareciera en el ser humano el
interés por ella, podríamos conjeturar que ha cambiado radicalmente y ha dejado de ser
lo que hasta ese momento era. Pero al presente, la cultura da muestra de la variedad de
actos o vivencias intencionales de que es capaz la interioridad humana y nos permite
concebirla como un microcosmos, pues lo que esto nos muestra es que “en cierto
sentido el alma humana es todo.”
A lo segundo podemos responder por vía negativa, observando el
empobrecimiento del mundo intencional que ha operado en los últimos tiempos. Al día
de hoy, “todo lo iguala el dinero; la corte vende su gala; la guerra, su valentía. Hasta la
sabiduría vende la universidad”. Una única perspectiva domina hoy la visión del
mundo. Ya no es el hombre la medida de todas las cosas, sino el interés y la
productividad (especulativa o virtual). Pero, si es posible disminuir el mundo de ideas y
valores que el ser humano concibe y estima, debe de ser posible también su ampliación
y su crecimiento. Mas permítaseme detenerme un poco en esta idea, para tratar de
manifestar la gravedad de la cuestión y los retos que nos plantea.
Recordemos un pasaje de la célebre alegoría de la caverna de Platón. Una vez
que ha narrado las vicisitudes del prisionero obligado a salir de la caverna, Platón
pregunta a su interlocutor:
…¿qué ocurriría cuando recordase su primera morada y la ciencia de que tanto él como
sus compañeros disfrutaban allí?... ¿Y te parece que llegaría a desear los honores, las
alabanzas o las recompensas que se concedían en la caverna a los que demostraban más
agudeza al contemplar las sombras que pasaban…?x
Llama la atención que a los prisioneros que han permanecidos cautivos y condenados a
la oscuridad no nos los presente Platón lamentando su suerte. Por el contrario, nos los
describe anhelando los honores, alabanzas y recompensas concedidos en la caverna.
Nos los describe cómodos. Parece haberse apoderado de ellos un deseo de las sombras y
de la oscuridad. Ésta es una buena analogía de nuestro tiempo, instalado en la
mediocridad de la utilidad y de la primacía de lo económico. Mediocridad peligrosa, ya
que amenaza las condiciones mismas de la vida, tanto biológica como espiritual.
253
Y he aquí la encrucijada de la educación actual; sobre todo, la de la enseñanza
de la filosofía. Su tarea es ver, y enseñar a ver, más allá de las cegueras del hombre
capitalista, ante las cuales parecen haberse rendido incluso los estados nacionales.
En este contexto adquiere pleno sentido la cuestión planteada con anterioridad:
¿pueden fomentarse las facultades de las que se originan las intuiciones intelectivoemocionales a la base del saber filosófico? O, dicho de otro modo, ¿puede la enseñanza
de la filosofía promover la visión de otras formas de ser y vivir humanamente, que
ponga cierto límite a los delirios de la forma de vida actual? Esto no significa, por
supuesto, la intención de dejar en ruinas la prodigiosa civilización que el capitalismo
contemporáneo ha creado, meta que ni siquiera el marxismo más radical se ha
propuesto. Pero sí pretende ubicar la enseñanza de la filosofía en su circunstancia
histórica y dar una idea de la magnitud del reto, cuya urgencia lo hace todavía más
grande.
Mas regresemos a la cuestión enunciada ¿Pueden desarrollarse las facultades
emotivo-intelectuales mediante la educación? Puesto que la concepción del ser humano
y la vida, es decir, la cultura, puede empobrecerse, puede, por tanto, también crecer. Y
la manera como fue dándose ese angostamiento, puede de igual modo ilustrarnos
respecto al cómo podemos operar su ampliación. De acuerdo con Max Scheler, la vía
que llevó a la ceguera de los valores más altos fue el resentimiento y, por eso, el ethos
del capitalismo es en lo fundamental un desorden del corazón. Es, entonces, en el
corazón donde debemos operar y, para usar los términos que hemos empleado líneas
atrás, privilegiar el fomento de la intuición emocional.
Mas ¿qué facultades ha de fomentar la educación para alcanzar este propósito?
Sobre todo aquellas que posibiliten la percepción de lo otro, incluyendo en este otro,
además, naturalmente, de otros seres humanos, la naturaleza y las cosas en general,
dado que el resentimiento tiene el efecto de encerrar al sujeto en el yo y ver todo lo
exterior a él como un medio para alimentarlo.
Unificación afectiva, simpatía y amor son los pasos de esta apertura, la cual ha
de llevarse a cabo jerárquica y secuencialmente. Es decir, ciertamente hay una jerarquía
entre estas facultades del percibir emocional, y el amor implica una apretura más honda
y auténtica hacia el mundo que las otras dos. No obstante, no se alcanza este último
peldaño sin haber logrado el de la unificación afectiva y el de la simpatía. De modo que,
254
debe procederse progresivamente, propiciando primero unificación afectiva, para
propiciar después simpatía y, finalmente, poder propiciar amor.
En nuestra circunstancia es necesario alcanzar el nivel más alto, el del amor,
dado que, además de requerir nuestro tiempo, por ejemplo, no ver más la naturaleza
únicamente como un campo de recursos, ni a los otros seres humanos como meros
medios para los propios fines, esto es, como simples socios o mano de obra barata, se
hace necesario percibir la realidad en toda su “inquietante grandeza”, lo cual incluye el
ámbito de lo ideal. El amor, de acuerdo con Scheler, no es propiamente un sentimiento,
no pertenece al ámbito de lo sensible o lo anímico, sino que es un acto del espíritu y,
ciertamente, revela los distintos aspectos valiosos que posee una cosa, pero, además,
descubre el ser ideal de la misma. Es decir, lo que aún no es pero puede llegar a ser y,
de realizarse, constituiría la culminación de su ser:
El amor es el movimiento en el que todo objeto… llega a los valores más altos posibles
para él con arreglo a su determinación ideal; o en el que alcanza su esencia axiológica
ideal, la que le es peculiar. Odio es el movimiento opuesto.x
Y Joaquín Xirau nos aclara la misma idea con las siguientes palabras:
…el amor es… una acción espiritual… mediante la cual una realidad virtual, ausente e
inconsciente se hace actual y patente en la conciencia y en la vida… La mirada amorosa
ve en las cosas cualidades y valores que permanecen ocultas a la mirada indiferente o
rencorosa.x
Fomentar el amor, esa es la principal tarea de la educación. Dicho de otro modo,
vivificar la intencionalidad propia de la conciencia, que se trasciende, que participa del
mundo y lo enriquece, que anhela incluso lo que aún no existe, pero que el amor y la
inteligencia exigen, este es el ideal, vigente tal vez ahora más que nunca, de la
educación. O bien, como lo ha dicho Scheler:
“Aspirar a la cultura” significa hacer con clamoroso fervor una efectiva intervención y
participación en todo cuanto, en la naturaleza y en la historia, es esencial al mundo…
significa... “querer ser un microcosmos”...x
255
Y la filosofía ha de tomar un papel principal en la búsqueda de este ideal, tomando más
en serio aquella sentencia que, quizá un poco como un juego, hizo Levinas y dejar de
ser el amor a la sabiduría para transformarse en la sabiduría del amor.
Bibliografía
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Scheler, Max. Ética. Nuevo ensayo de fundamentación de un personalismo
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256
La importancia de una Educación y Formación Humanizadora: Un
desafío educativo para América Latina en el siglo XXI.
Dr. José Peixoto Filho (Autor)
Lic. Alexis E. Gómez V. (Co-autor)
Resumen
El presente trabajo aborda la importancia de una educación y formación humanizadora
como un desafío para América Latina frente a las necesidades socioeducativas en la
actualidad. Por ello este estudio analizó el impacto de la globalización en el ámbito
educativo por medio de las consideraciones de algunos estudiosos de esta temática
(Boaventura Santos, Dalila Andrade, Edgar Morim, entre otros), reconociendo además
el panorama actual de la educación en América Latina de forma general, así como los
paradigmas que la sustentan.
Este estudio buscó reflexionar sobre la constitución de una escuela fundamentalmente
dirigida a una formación humana que atiende las exigencias del Mercado pero que
relega a un segundo plano los ideales humanistas presentes en la historia de la
humanidad, reforzando así los ideales individualistas presentes en los principios del
liberalismo.
Por otro lado, es posible y necesario pensar que la sociedad demanda de la escuela la
responsabilidad de formar personas íntegras y buenos ciudadanos, que eduque para la
vida plena de cada uno y de todos, tomando en cuenta la dignidad de la persona y las
necesidades del mundo de hoy. La escuela, encargada de formar a los protagonistas del
futuro, debe reformular sus objetivos a la luz de nuevos paradigmas tanto como los
contenidos que deberá transmitir y los métodos para lograrlo.
La reflexión propuesta para este estudio ante esta realidad se fundamenta en las
perspectivas de la Filosofía de la Educación y praxis pedagógica de Paulo Freire,
cimentadas en las categorías de la concientización y del diálogo dentro de la práctica
pedagógica democrática. Estas perspectivas presuponen una educación que tome en
257
consideración los saberes y conocimientos de las ciencias, así como también que respete
los valores de los hombres y mujeres latinoamericanos producidos en la lucha por la
vida y por la existencia. Esto contribuirá a revertir las perspectivas ideológicas,
totalizantes y homogenizadoras del pensamiento y de la conciencia inherente a las
propuestas engendradas en los escenarios de la globalización y del liberalismo,
permitiendo así una educación y formación humana más generosa, colectiva y solidaria
que contribuya para la transformación social y para la libertad.
Palabras Clave: Educación, Humanización, Solidaridad, Formación Humana, Praxis
Educativa.
Resumo
O presente trabalho aborda a importância de uma formação humanizadora como um
desafio para América Latina diante das necessidades sócio-educativas na atualidade.
Para isso este estudo analizou o impacto da globalização no âmbito educativo por meio
das considerações de alguns estudiosos dessa temática (Boaventura Santos, Dalila
Andrade, Edgar Morim, entre outros), reconhecendo ademais o panorama atual da
educação na América Latina de forma geral, bem como os paradigmas que a sustentam.
Este estudo buscou refletir sobre a constituição de uma escola fundamentalmente
voltada para a formação que atenda às exigências do mercado, considerando que esta
formação tem relegado num segundo plano os ideais humanistas presentes na história da
humanidade, afogando-os na correnteza da globalização e a restruturação do capitalismo
internacional, a qual tem conduzido e reforçado os ideais individualistas fortemente
presentes nos principios do liberalismo.
Nos cenários políticos, sociais e econômicos engendrados por essa nova ordem e
referenciados nos paradigmas homogenizantes e totalizadores da globalização, o
conhecimento e a informação tem-se convertido nas variáveis-chave de poderes na
sociedade. Essas variáveis interferem e atingem direta ou indiretamente a realidade
educativa da América Latina encaminhando, nesse sentido, para uma formação humana
que se coadune e se conforme com os referidos paradigmas.
Por outro lado, é possível e necessário também pensar que a sociedade demanda da
escola a responsabilidade de formar pessoas íntegras e bons cidadãos, que eduque para a
vida plena de cada um e de todos e que o faça conforme a dignidade da pessoa e às
necessidades do mundo de hoje. A escola assim é também encarregada de formar quem
258
serão os protagonistas do futuro, tendo o dever também de reformular seus objetivos, a
luz de novos paradigmas, tanto como os conteúdos que deverá transmitir e os métodos
para faze-lo.
A reflexão proposta por este estudo, diante esta realidade, se fundamenta nas
perspectivas da Filosofia da Educação e da práxis pedagógica de Paulo Freire fundadas
nas categorias da conscientização e do diálogo dentro de uma prática pedagogica
democrática. Estas perspectivas presupõe uma educação que disponibilize os saberes e
conhecimentos das ciências, mas também que considere e respete os valores dos
homens e mulheres latinoamericanos produzidos na luta pela vida e pela existencia.
Assim sendo, possa contribuir para que se revertam as perspectivas ideologicas,
totalizantes e homogenizadoras do pensamento e da consciência inerentes às propostas
pela ordem engendradas nos cenários da globalização e do liberalismo, contribuindo
para uma educação e formação humana mais generosas, coletivas e solidarias que
contribuam para a transformação social e para liberdade.
Palavras Chave: Educação, Humanização, Solidaridade, Formação Humana, Práxis
Pedagogica.
Introducción
El filósofo Martin Heidegger mencionó que el hombre es ser-en-el-mundo, y
como tal es un ser fragmentario e inacabado, haciendo a la vez al mundo tan
fragmentario como élx, pues su realidad en el presente, no es la misma que la de su
pasado ni será la misma en el futuro. El hombre es un ser inacabado. Él,
contradictoriamente ‘ya está listo’ pero ‘todavía no’. El perro y el árbol son también
inacabados, pero el hombre se sabe inacabado y por eso se educa. No habría educación
si el hombre fuera un ser acabado. El hombre puede auto-reflexionar sobre sí mismo y
colocarse en un momento dado en una cierta realidad: es un ser en búsqueda constante
de ser más y como puede hacer esta auto-reflexión se puede describir como un ser
inacabado, que está en la búsqueda. He aquí la raíz de la educación (FREIRE, 1979).
259
La humanidad se enfrenta hoy a graves problemas generados por el llamado
proceso “civilizatorio” propio de la racionalidad moderna y la nueva forma de
capitalismo imperialista denominada globalización, y cuya solución es de gran
trascendencia para las presentes y futuras generaciones. El ideal de organizar un mundo
humano, pleno de libertad y progreso en equidad no se ha realizado; por el contrario lo
que se constata es un mundo deshumanizado. La educación no escapa ante de este
escenario mundial.
El presente trabajo tiene como objetivo realizar un análisis sobre la importancia
de una formación humanizadora en la realidad educativa Latinoamericana basado en los
estudios de carácter científico realizado por algunos autores. Primeramente abordaremos
el concepto de globalización y sus repercusiones en el ámbito educativo
latinoamericano, lo que nos permitirá crear el contexto para nuestro estudio.
Posteriormente, daremos un panorama al modelo educativo tecnocrático instrumental,
imperante en América Latina, analizando sus ventajas y repercusiones en la formación
humana del educando. Finalmente, estudiaremos la posibilidad de una Educación
Humanizadora en nuestra realidad socio-educativa latinoamericana desde la perspectiva
de Paulo Freire.
La Globalización y sus repercusiones en el ámbito educativo latinoamericano
Según el Dr. Boaventura de Sousa Santos (2001), sociólogo portugués, la
globalización es un proceso a través del cual una determinada condición o entidad local
amplía su ámbito a todo el mundo de forma global y, al hacerlo, adquiere la capacidad
de designar como locales las condiciones o entidades rivales. La globalización es no
sólo un proceso lineal, sino también un proceso consensual entre los grupos
hegemónicos. A su vez, contradictoriamente, la globalización lejos de ser consensual, es
un vasto e intenso campo de conflictos entre grupos sociales, Estados e intereses
hegemónicos, por un lado, y grupos sociales, Estados e intereses subalternos, por otro; y
aún en el interior del campo hegemónico hay divisiones más o menos significativas. El
proceso de globalización está caracterizado por la creciente interdependencia entre los
países a nivel mundial, por el cambio en las formas productivas y por el predominio del
sector financiero. Los cambios económicos y políticos son concomitantes con los
260
cambios socio-culturales de similar magnitud. La realidad educativa no se encuentra
ajena a estos cambios.
Una de las interrogantes que siempre ha estado presente en el pensamiento
latinoamericano frente a la globalización fue el devenir socioeducativo, particularmente
en lo que concierne al sistema escolar como parte de los procesos políticos e
ideológicos, o así como parte de la superestructura de una formación económica-social.
Muchos han sido los debates y discusiones sobre el impacto de la globalización en
los diversos campos de actuación del ser humano, lo que ha generado diversos puntos
de vista sobre el tema. Según Martiné, Tello y Gorostiaga (2008) citando a Tickly
(2001), hace referencia a las recientes discusiones dentro del ámbito de las ciencias
sociales en torno a los procesos de globalización. Los autores mencionan tres enfoques:
(1) el Hiperglobalista que considera que las formas tradicionales de escolarización están
en vías de desaparecer frente a los avances tecnológicos que promueven redes
educativas virtuales; (2) el Escéptico que considera que los sistemas educativos
nacionales siguen siendo preeminentes para explicar la política educativa, a pesar de
una mayor convergencia y de una internacionalización parcial que se hace evidente en
los procesos de movilidad estudiantil y (3) el Transformacionalista que plantea que la
globalización comprende procesos contradictorios y complejos que apuntan a
fenómenos de fragmentación y estratificación, en los que determinados grupos y
regiones sufren una creciente marginalización y en que los conceptos de “centro” y
“periferia” cobran nuevas implicancias.
En un artículo posterior publicado por la Revista Brasileira de Educação titulado
Globalización y reforma educativa en América Latina: Un análisis inter-textual, Jorge
Gorostiaga y César Tello (2011) realizaron un análisis de textos y sus interrelaciones
para identificar las perspectivas o formas de ver el fenómeno de la globalización y sus
repercusiones en el ámbito de las reformas educativas en latinoamericana a través de la
metodología llamada Cartografía Social. En su estudio los autores identifican siete
perspectivas:
la
economicista,
la
inserción
imperativa,
la
integracionista,
Mundialización Alternativa, Humanista, Crítica Analítica y Crítica normativa. Los
discursos de cada una de estas perspectivas, según lo analizado por los autores, son los
siguientes: La perspectiva economicista propone la adopción de políticas neoliberales
261
que mejoren la competitividad económica de los países de la región sin cuestionar en
absoluto las tendencias globales. Aunque para las perspectivas de la Inserción
Imperativa y la Integracionista, la competitividad económica sigue siendo importante,
pero, con distintos matices, las mismas reconocen los efectos negativos de la
globalización y se resaltan aspectos políticos y culturales de los procesos educativos.
En la Perspectiva Humanista no se plantea una simple adaptación de la educación a las
nuevas condiciones sociales, sino que se reivindica la generación de cambios que
permitan potencializar las capacidades humanas equitativamente, denunciando aquellos
aspectos de la globalización que atentan contra ello, particularmente la agudización de
la desigualdad y las nuevas formas de exclusión social que la globalización económica
supone. Ya para las perspectivas Crítica Normativa y Crítica Analítica la realidad se
presenta como una dinámica de tensión entre la hegemonía y sus víctimas y tienden a
concentrar sus ataques en la mercantilización de la educación asociada al proceso de
globalización económica, así como el rol de los organismos internacionales en
promover reformas que no responden a los intereses de los sectores mayoritarios de la
población ni a las realidades propias de la región. La Perspectiva de la Mundialización
Alternativa, por último, plantea la posibilidad de una “planetarización” desde los actores
de base y las organizaciones sociales y al servicio de la justicia social, opuesta a las
tendencias neoliberales de la globalización económica.
Los autores identifican una correlación de estas perspectivas con las reformas
educativas aplicadas en los países de América latina de la siguiente manera:
“el establecimiento de mecanismos de medición de resultados y de
rendición de cuentas (P. Economicista); el desarrollo y acceso a las
nuevas tecnologías de la información (P. de la Inserción Imperativa y P.
Integracionista); el respeto de la diversidad socio-cultural y la formación
de sujetos críticos (P. Humanista); y la promoción de la democratización
educativa (perspectivas críticas y de la Mundialización Alternativa)”
(GOROSTIAGA y TELLO, 2011).
Panorama educativo de América Latina: Una Educación Tecnocrática.
La necesidad de una educación que permitiese superar las dificultades de la
sociedad para colocar su desarrollo a tono con los adelantos de la época, comenzó a ser
preocupación de América Latina durante los años 60 y 70 del siglo pasado. En aquel
momento histórico de las dictaduras en América Latina, se buscaba una acción
262
educativa que fuese capaz de impulsar los cambios socio-históricos; en especial, su
notable diferencia con las transformaciones científico-tecnológicas e industriales
ocurridas en los países industrializados producto del inicio de la era de la computaciónx.
De esta forma surge el modelo tecnocrático de educación, el cual proviene de los
Estados Unidos y hace referencia a los métodos, técnicas y procedimientos que
sustentaron el diseño de programas, módulos estructurados como recetas de estricto
cumplimiento y aparatos sofisticados. Estos diseños curriculares fueron ofertados a los
países con altos niveles de analfabetismo y pronunciadas dificultades educativas en
América Latinax. La escuela tecnocrática es de carácter técnico, instrumental, aséptico y
neutral.
Es importante señalar que la educación debe ir caminando de acuerdo con los
cambios socio-históricos y el desarrollo de las ciencias y la tecnología. Sin embargo, la
educación tecnocrática se fundamentó en el paradigma de la razón instrumental. El
paradigma de la Racionalidad instrumental está basado en los principios de la filosofía
empirista y positivista de la Modernidad y plantea una visión del mundo bajo los
postulados de objetividad, neutralidad y supremacía de la razón instrumental. Así, todo
quehacer del ser humano tiene un carácter objetivo, “excluyendo de la esfera de la
cientificidad el campo de la moralidad, privando al hombre de una racionalidad,
encaminada a orientar su praxis humana” (CARMONA, 2007). Así, la educación no
escapa de esta realidad, pues el modelo tecnocrático plantea “un énfasis en el proceso
dirigido hacia una mayor productividad mediante el dominio de la técnica” postulados
planteados por la perspectiva economicista y de Inserción Imperativa e Integracionista
que esbozamos anteriormente. De esta forma, el educando es aislado “de su
compromiso con lo social y convirtiéndolo en un autómata, sin capacidad crítica, al
servicio de la reproducción del capital humano para el desarrollo económico”
(CARMONA, 2007). Vemos que el problema que existe en el modelo educativo
tecnocrático es que prevalecen los postulados de la razón instrumental de la ciencia
empírico-positivista, dejando de lado la dimensión humanista, antropológica,
axiológica, ético-moral, formativa y social del quehacer educativo.
¿Es posible una Educación Humanizadora?
263
Inmanuel Kant, filósofo del siglo XVIII, menciona que “el hombre es la única
criatura que necesita se educada”x. Ciertamente, el hombre no se define como tal en el
momento de su nacimiento sino que necesita re-crearse, transformarse como Ser
Humano. El hombre necesita ser educado por una acción externa, como los escultores
toman la madera, la piedra o el mármol y a partir de ello crean una obra de arte. No es
posible esperar que surja una obra de arte como la escultura de modo espontáneo, de la
misma manera no podemos esperar que el Ser Humano sea fruto de un proceso de autocreación. En este sentido el Dr. Neidson Rodrigues (2001) nos dice que:
“Educar comprende el accionar los medios intelectuales de cada educando
para que él sea capaz de asumir el pleno uso de sus potencialidades físicas,
intelectuales y morales para así dar continuidad a su propia formación”.
En la misma línea de pensamiento sobre el proceso educativo, Paulo Freire
(1990) señala que:
“la práctica educativa es el proceso concreto, no como hecho consumado,
sino como movimiento dinámico en el cual tanto la teoría como la
práctica se hacen y rehacen en sí mismas, dado el contexto en el que se
desarrolla y la dialogicidad entre los intervinientes, educandos y
educadores”
Es el docente en la escuela quien proporciona las herramientas para el desarrollo
humano del educando creando así las “condiciones para que él se constituya en sujeto
libre e independiente de aquello que lo está generando (en este caso, el sistema escolar)
como ser humano” (RODRIGUES, 2001). Retomando el pensamiento de Kant, la
generación más vieja debería educar a la generación más joven, pues “cada generación,
provista de los conocimientos de las anteriores, puede realizar constantemente una
educación que desenvuelva de un modo proporcional y conforme a un fin, todas las
disposiciones naturales del hombre, y conducir así toda la especie humana a su
destino”x. Educar, como nos dice Jean Mattei (2002), es “sacar al ser humano de su
autismo natural y conducirlo firmemente en dirección a lo que será en el horizonte de
los hombres”. Es por ello que el docente debe “incentivar el aprender echando mano a
todos los recursos y saberes humanos, para habilitar aprendizajes que vayan más allá del
saber y de los deseos del maestro; un enseñar abierto; responsable de su actividad de
264
enseñar, que deja a los discípulos libres y responsables de sus aprendizajes y acciones”
(LANGON, 2010)
Al comparar estos ideales y pensamientos sobre la educación, presentados por
los académicos citados, con nuestra realidad educativa basada en el modelo tecnocrático
y tradicional, vemos que existe una gran diferencia. Las exigencias de las sociedades
modernas en cuanto a lo tecnológico y lo científico, están mutilando a las generaciones
futuras de la visión histórica, literaria y filosófica que son imprescindibles para el
desarrollo de la plena humanidad. Los planes de enseñanza en general tienden a reforzar
los conocimientos científicos o técnicos a los que se supone una utilidad práctica
inmediata, directamente una aplicación laboral (SAVATER, 1997).
Preocupados ante esta realidad, en el año 1996, fue publicado por la UNESCO el
informe de la Comisión Internacional presidida por Jacques Delors quien, durante el
periodo de 1993 la 1996, trabajó en la elaboración de las directrices para la educación
mundial para este siglo XXI. El documento Delors menciona que, a pesar de sus
diferencias, todos los programas educativos deben apoyarse sobre cuatro pilares
fundamentales del aprendizaje para así proveer una educación de calidad y fomentar un
desarrollo humano sustentable: Aprender a Conocer, Aprender a hacer, Aprender a vivir
juntos y Aprender a ser (DELORS, 1996). Posteriormente, en el año 1999, la UNESCO
encargó a Edgar Morin, pensador francés, la redacción de un informe sobre cómo debía
ser la Educación del futuro. En su reflexión Morin afirmó que se necesita una educación
que enseñe a las personas a recuperar su vínculo con la humanidad. Según él, la
educación del futuro debe construir un nuevo hombre, un nuevo humanismo y una
nueva mentalidad”x.
Ahora bien, si existen estos esfuerzos de organismos internacionales, sin contar
con los discursos políticos sobre la importancia del tema “Educación” como una de las
“prioridades” de las agendas políticas latinoamericanas, ¿por qué no hemos podido
alcanzar los ideales propuestos?
Debemos recordar que la educación no se encuentra ajena al proceso de
globalización que afecta directamente el desarrollo de la praxis educativa. La escuela
sufre además de la influencia de los valores del mundo globalizado, los problemas
sociales del mundo moderno. Hasta finales del siglo pasado, la escuela aún era
265
considerada un lugar separado, centro de cultura y erudición. Se tenía respeto por el
profesor y su labor de enseñar las letras y la cultura a los alumnos. Hoy en día, la
escuela se ha abierto a la vida social, y ahora la “barbarie social” del mundo moderno
(violencia, robos, drogas, agresiones, extorsiones, asesinatos) está penetrando poco a
poco los “muros de la escuela”, pues ya no existen fronteras (MATTEI, 2002, p. 187).
La Educación, al igual que el llamado mundo moderno, se encuentra en crisis. Muchos
los debates y discusiones sobre formación del hombre como Ser Humano en el ámbito
educativo. María Carmona (2009) manifiesta que:
“La necesidad actual de una educación humanista se fundamenta en el
reto al modelo educativo positivista y economicista del mundo
contemporáneo. En tal sentido, se presentan alternativas con base
filosófica y fundamentos epistemológicos que dan un giro humanista a la
concepción de lo humano, social y educativo. Esta perspectiva propone el
desarrollo integral de la personalidad, de las potencialidades del hombre y
la plenitud humana”.
Así, concebimos una educación humanizadora desde la perspectiva del teórico
de la educación Paulo Freire. Para Freire (1985):
“una educación humanizadora es el camino a través del cual hombres y
mujeres pueden tomar conciencia de su presencia en el mundo, de la
manera en que ellos y ellas actúan y piensan cuando desarrollan todas sus
capacidades, teniendo en cuenta sus necesidades pero también las
necesidades y aspiraciones de los demásx”
Pero, ¿Cómo lograr una educación humanizadora? Para responder a esta
pregunta, partiremos de la experiencia de Paulo Freire. La praxis pedagógica de Paulo
Freire es humanizadora porque se vuelve contra todas las formas de deshumanización,
que impide el ser humano ser más, vivir libre y consciente de su condición histórica.
Durante toda su vida intelectual, Freire luchó contra la pedagogía domesticadora, que
regula y controla al sujeto. Él defendió con tenacidad la pedagogía como práctica de la
libertad, que comprendía el proceso histórico, inclusive del pensamiento, en
movimiento y constante transformación, es decir, dialéctico. Por ello, entendía la
necesidad de la constitución de una subjetividad crítica, capaz de percibir las diversas
dimensiones de los fenómenos y recoger una síntesis para formular una nueva
representación de ellas. La ausencia de una actuación consciente y reflexiva, como
plantea Freire, atenta contra la educación como proceso humano y humanizante, lo que
conlleva a grandes problemas en la educación contemporánea como: pérdida de la
266
práctica de los valores morales, éticos y ciudadanos; pérdida del sentido ético en la
cultura y las humanidades (CARMONA, 2007). Ninguna educación puede llegar a ser
humanizadora si acepta pasivamente el estado de cosas de nuestro mundo actual,
principalmente sus injustas relaciones económicas y sociales, con su discriminación y
exclusión de las grandes mayorías, si acepta pasiva la violencia estructural. La Escuela
no puede permanecer ajena a los problemas de nuestra sociedad como si fuese una
cápsula. Ella debe ser “el lugar por excelencia de la crítica social x”, donde el educando
piensa, analiza, reflexiona, comprende y juzga su realidad social e histórica.
La praxis pedagógica propuesta por Paulo Freire, implica un ejercicio
epistemológico humanizador y libertador. Humanizador porque busca valorar al ser
humano y luchar para que sea respetado con tal; libertador, pues comprende que la
humanización no se logra sin darse previamente el proceso de liberarse de las formas de
deshumanización que los opresores ejercen sobre la mayor parte de la población a través
de la historia, sea desde el punto de vista económico, político, cultural y social,
formando una “telaraña” compleja que impide el hombre de decidir sobre lo que
considera importante sea individual y/o colectivamente. Para lograr el objetivo
propuesto de una educación humanizadora y liberadora, Freire plantea dos etapas:
“La pedagogía del oprimido, como pedagogía humanista y liberadora,
tendrá, pues, dos momentos distintos aunque interrelacionados. El
primero, en el cual los oprimidos van descubriendo el mundo de la
opresión y se van comprometiendo, en la praxis, con su transformación y,
el segundo, en que una vez transformada la realidad opresora, esta
pedagogía deja de ser del oprimido y pasa a ser la pedagogía de los
hombres en proceso de permanente liberación”.
La humanización y la liberación son partes intrínsecas al proceso histórico en lo
cual los hombres estarán libres de la opresión. Efectivamente, el itinerario formativo de
la conciencia es algo indispensable al ser libre, que al ser preconizado en el acto
educativo, será un elemento de potencia para convertirse en un sujeto emancipado. En
consecuencia, una educación humanizadora debe asumir y practicar una libertad, fruto
de de conexión con la realidad, que nos impulsa a actuar en consecuencia con
autonomía y responsabilidad frente a los demás, para conseguir la realización personal
pero también la realización social o colectiva.
Consideraciones finales
267
Muchas son las discusiones y debates en el medio educativo sobre las políticas y
reformas educativas, formando un círculo vicioso interminable entre el discurso de la
clase política dominante y la sociedad educativa, en los cuales, rara vez se llega a
acuerdos significativos. La realidad socio-educativa precisa de respuestas urgentes ante
los grandes problemas que afronta. Como parte de nuestra naturaleza humana siempre
buscamos culpables ante estas situaciones, sin preguntarnos si realmente nuestras
actitudes contribuyen al mejoramiento o deterioro de esta realidad. Los cambios deben
empezar en el individuo, especialmente aquellos que tienen la tarea de educar a las
futuras generaciones. Por otra parte, esta labor no puede ser de una sola persona. Freire
(1970) señala: “nadie libera nadie, nadie se libera solo: los hombres se liberan en
comunión”. Ante esto, la liberación del hombre no es algo que acontece aisladamente,
en la lucha individual sólo, pero en el colectivo, solidariamente. Por esto se dice que la
diversidad de miradas y riqueza de perspectivas son presuposiciones para el proceso
histórico de liberación.
La humanización y la liberación del hombre es la búsqueda de la dignidad,
respeto y una convivencia solidaria entre los hombres, de estos con la naturaleza, con el
conocimiento, con la trascendencia histórica. Así, la humanización es recoger el sentido
y significado de la vida en el universo de la libertad, con referencias éticas, de
solidaridad y equidad. No basta el liderazgo que mueve masas y motiva. No basta el
compromiso de querer hacer las cosas, si la persona no tiene los hábitos, las habilidades,
las destrezas, las competencias, los desempeños, las actitudes, las aptitudes y los
procedimientos que se necesitan para poder hacerlas y producir así la transformación.
No basta tener la actitud si no se cuenta con las aptitudes. Se debe entonces primero
dotar a la persona de sentimiento y pensamiento para luego enviarlo a la acción y
desarrollarle su ser y su saber para que pueda operar con acierto en el quehacer
(IAFRANCESCO, 2011).
268
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270
A experiência como possibilidade no Ensino de Filosofia
Silmara Cristiane Pinto
Genivaldo de Souza Santos
UNESP
Brasil
[email protected]
Resumo
O presente trabalho pretende expor algumas reflexões sobre a educação contemporânea,
no tocante ao ensino de filosofia e suas possibilidades na escola hodierna. Além das
investigações teóricas realizadas pelo GEPEF, Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação e Filosofia (Unesp-Marília), assumimos a experiência em sala de aula,
proporcionada pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID/CAPES), numa formação docente integrada às questões emergentes da realidade
escolar brasileira. A partir da análise da Proposta Curricular para o Ensino Médio e das
resoluções veiculadas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, tendo em
vista a inclusão da Filosofia como disciplina obrigatória no Currículo do Ensino Médio,
problematizamos filosoficamente a correspondência entre as propostas pedagógicas
oficiais de ensino e a experiência efetiva do ensino e da aprendizagem em Filosofia,
levando em consideração a importância da formação docente face às dificuldades que
envolvem as relações entre professor, aluno, conteúdo, materiais didáticos e práticas de
ensino. Nessa pesquisa, notamos que o comprometimento docente precisa estar apoiado
numa concepção desviante dos pressupostos que se caracterizam pelo ideário
representacional moderno, no qual a função da educação seria a de transmitir aos alunos
os conhecimentos propostos, através da figura do mestre explicador (RANCIÈRE,
2002), que promove o embrutecimento dos sujeitos envolvidos no processo pedagógico,
minimizando as potencialidades do pensar, através de um modelo explicativo, cuja
lógica reduz a aprendizagem àquilo que foi explicado. Nesse contexto, nossa postura
desloca-se dos pressupostos representacionais de educação (GARCIA; GELAMO
2012), dando abertura à criação de novas dinâmicas embasadas pela experiência do
pensamento filosófico, que requer uma pedagogia pobre (MASSCHELEIN, 2008),
271
através da e-ducação do olhar, para que ele se torne atento e possa mobilizar o aluno em
vistas à sua emancipação.
Palavras-chave: Ensino de Filosofia. Representação. Formação. Experiência.
Introdução
Este trabalho é parte de uma pesquisa que vem se desenvolvendo através do
Grupo de Estudos e Pesquisa em ensino de Filosofia, vinculado ao GEPEF, Grupo de
Estudos e Pesquisa em Educação e Filosofia, além da experiência proporcionada pelo
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)x, sob o
financiamento CAPES. Durante a realização do projeto, no ano de 2012, nos atentamos
às práticas envoltas ao ensino de Filosofia no interior da rede pública de ensino do
Estado de São Paulo, em continuidade à pesquisa, desenvolvida durante os anos de 2010
e 2011, cuja reflexão circunscrevia Os limites e as possibilidades do ensino de
Filosofia: Uma análise do Programa São Paulo Faz Escola (título do projeto), que teve
como objeto de investigação o material didático elaborado pelo programa São Paulo faz
Escola, proposto pela Secretaria da Educação (SEE/SP) e utilizado nas escolas públicas
do Estado desde 2008.
Partindo das considerações resultantes da análise sobre o material didático e sua
aplicabilidade, sintetizado por Garcia et al, (2010), demos continuidade aos trabalhos na
intenção de compreendermos, além dos pressupostos contidos no material didático, os
limites das práticas de ensino, para subsidiar um enfoque circunscrito nas
possibilidades de ensino e aprendizagem filosóficos. O projeto se deu no âmbito de duas
escolas públicas da cidade de Marília/SP, acompanhado por dois professores
supervisores correspondentes às suas respectivas unidades escolares, bem como ao
grupo de estudos na área de Filosofia e ensino. Realizamos encontros semanais onde as
aulas anteriores eram avaliadas e as posteriores preparadas conjuntamente, tomando
como base as discussões teóricas e a experiência em sala de aula.
Notamos que durante as duas fases do projeto, que teve início no ano de 2010,
foram suscitadas diversas questões referentes à problemática da relação estabelecida no
ambiente escolar, no que diz respeito à recepção e ao uso do material de apoio
(Cadernos do aluno e Cadernos do Professor), bem como a questão da
transmissibilidade dos conteúdos de Filosofia.
Primeiramente, nos atentamos aos limites do trabalho docente, bem como às
práticas sugeridas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo no uso de
272
materiais e procedimentos em acordo com as formas de ensino tradicionais. Grosso
modo, metodologias sustentadas na lógica explicadora (RANCIÈRE, 2008), que supõe,
implicitamente, a relação que deve ser mantida entre o professor e o aluno. Em outros
termos, o papel do professor é explicar a matéria para o aluno, compreendido como
depositário de um saber, ora transmitido pelo professor.
Consideramos no decorrer de nossas investigações, que a proposta de
metodologias de ensino baseadas na ordem explicadora, se estabelece, aparentemente,
como meio de assegurar a função formativa da educação escolar que, no entanto, acaba
por sustentar um ensino aquém de uma formação “capaz de superar a mera transmissão
e aquisição de conteúdos, feitas de modo mecânico e inconsciente” (SÃO PAULO:
2008 p. 41), como prevê a própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB)x.
A ordem explicadora, clarificando a expressão, diz respeito a uma expressão
utilizada por Rancière (2008) para criticar o tradicional mecanismo da pedagogia no
tocante às possibilidades de transmissibilidade de conhecimento, onde o professor,
detentor do saber, através de uma explicação, espera transmitir aos alunos a matéria a
ser ensinada. Trata-se de uma lógica que pressupõe o saber do professor e a ignorância
do aluno, bem como a explicação que visa preencher o espaço que separa o aluno do
saber. Distância, que para Rancière (2008), jamais será preenchida, eternizando a
ignorância do aluno e configurando um mecanismo político para a manutenção do
status quo de maior abrangência, surgida a partir da ascensão da burguesia.
No segundo momento, buscamos refletir sobre as possibilidades concernentes ao
ensino de filosofia, com sensibilidade a recursos que ultrapassem os pressupostos e
práticas da pedagogia representacional reprodutivista, sustentada pela lógica
explicadora, que de acordo com Rancière (2008) não possibilita a emancipação, mais
agudiza o embrutecimento, na medida em que o/a aluno/a será sempre dependente do/a
seu/sua professor/a.
Nesse sentido, a presente investigação aponta para dois elementos que poderiam
nos auxiliar na tentativa de superarmos a redução das práticas de ensino em sua
dimensão representacional, em primeiro lugar a ênfase dada à experiência e em segundo
lugar o destaque para o terceiro elemento, isto é, o objeto de conhecimento do qual deve
se ocupar professor e aluno, elemento comum que os une no processo pedagógico.
A pedagogia representacional em questão
273
O sistema oficial de ensino adere à pedagogia que leva em conta uma concepção de
aprendizagem baseada na transmissão e reprodução dos conhecimentos historicamente
acumulados. A relação de ensino, de modo geral, limita-se a percursos onde se
pressupõe a transmissão do conteúdo pelo professor e a assimilação do mesmo pelo
aluno. Nesse sentido, entendemos que a inserção de “informações prontas aos alunos,
desconsiderando o contexto em que estão inseridos, não parece promover a
aprendizagem filosófica da Filosofia, mas sim fornecer conhecimentos abstratos sobre
sua História” (GARCIA; GELAMO, 2012, p. 48).
Através desse processo de ensino-aprendizagem, que se dá a partir dos moldes da
comunicação representacional, a escola perfaz uma ordem que abafa e suprime a
experiência que professor e aluno poderiam desfrutar numa relação singular com o
saber. O ensino de Filosofia, neste caso, torna-se um espaço de reprodução mecânica
dos conteúdos filosóficos. Produz, segundo Gelamo (2008)
[...] uma imagem distorcida do pensamento filosófico e do filosofar,
transmitindo ao aluno não muito mais do que “fórmulas filosóficas” que
passam a se constituir em modelos a serem aplicados na resolução de
qualquer questão: tal como se utiliza a fórmula matemática para solucionar
uma equação cotidiana, as “fórmulas filosóficas” apresentam-se como
modelos a se imitar para pensar criticamente as situações com as quais o
aluno depara. (GELAMO, 2008, p.114).
Nesse viés, os próprios temas filosóficos, geralmente, são tratados à maneira do
filósofo específico sugerido pelo programa de ensino que, ainda, passa sob o crivo das
representações do/a professor/a. Não há espaço nem tempo apropriados para o
vislumbre de uma questão filosófica, uma dúvida, talvez para o nascimento de um
problema filosófico que afete o/a aluno/a ou o/a professor/a. A possibilidade do/a
aluno/a fazer uma experiência com a realidade (a partir do terceiro elemento) e atribuirlhe um sentido através de sua interpretação própria é limitada, se reduz às significações
dadas por determinado filósofo, nos comentários de um especialista em história da
filosofia e, por fim, fechada na explicação do professor.
Ademais, a relação entre professor e aluno é marcada pela proeminência da
autoridade docente sobre o aluno. A figura do explicador é sempre colocada num
patamar elevado, dada maior quantidade de conhecimentos adquiridos em seu processo
de formação. A inteligência do aluno é subordinada à de seu professor do mesmo modo
em que sua experiência possível com o objeto do conhecimento subordina-se à
274
experiência de pensamento ou mesmo à reprodução do professor, através da explicação,
movimento em que, segundo Rancière, se legitima a lógica do embrutecimento.
Antes de ser o ato do pedagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a
parábola de um mundo dividido em espíritos sábios e espíritos
ignorantes, espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes,
inteligentes e bobos. O procedimento próprio do explicador consiste
nesse duplo gesto inaugural: por um lado, ele decreta o começo
absoluto — somente agora tem início o ato de aprender; por outro
lado, ele cobre todas as coisas a serem aprendidas desse véu de
ignorância que ele próprio se encarrega de retirar. (RANCIÈRE, 2002,
p. 20).
Jacques Rancière, em O Mestre Ignorante (2002), apresenta-nos a crítica ao
processo de instrução, no qual ao mestre é atribuída a tarefa de fornecer aos alunos
conteúdos ainda não dominados por eles sob a dinâmica da ordem explicadora. Segundo
o autor, o mito pedagógico se constitui a partir desse mesmo processo no qual
encontramos implícita, quando não explícita, a ilusão de que o mestre, na figura de um
sujeito superior, detém todo conhecimento necessário ao aprendizado do aluno e, por
isso, exerce sobre o mesmo a superioridade do mérito.
Evidentemente, o método explicativo, apesar de se constituir como forma
dominante nas práticas de ensino, nem sempre se mostra eficiente nas situações efetivas
de aprendizagem ou de proximidade ao exercício filosófico. O projeto pedagógico que
explora o sistema da transmissibilidade de conteúdos, por meio da explicação, delineia
de modo acentuado a transmissão abstrata e representacional de conhecimentos que
limita os alunos a estados mentais cerceados por representações num movimento de
compreensão, que na verdade embrutece, imobiliza o pensamento. Trata-se de uma
metodologia que se utiliza de procedimentos aos quais desconsidera a constituição do/a
aluno/a como indivíduo, ainda que grosso modo portador de interesses, vontades e
inclinações, que são essenciais aos processos de subjetivação. Têm-se sobre a figura do
aluno concepções que lhe predicam valores de inconsequência, de incapacidade
potencial ou desinteresse, que a lógica explicadora prolonga a cada explicação.
275
Neste contexto, nos envolvemos numa problemática cercada por diversas questões,
a saber, como seria possível um ensino capaz de promover a experiência do pensamento
filosófico no ambiente escolar? Existem garantias de um aprendizado que ultrapasse os
métodos de ensino onde os conhecimentos adquiridos pelos alunos não sejam produtos
das representações do professor? Tais questões exigem-nos maior atenção ao problema,
não por um objetivo fixo ou pela intenção de estabelecermos respostas e soluções, mas
travarmos um diálogo minimamente atento às possibilidades da formação filosófica no
interior da escola contemporânea.
O lugar da experiência na relação ensino-aprendizagem: um desafio desviante
A crítica que estabelecemos sobre o problema da representação sugere que a
mesma subsiste ao ensino tradicional oferecendo “conceitos prontos para problemas
resolvidos que não permitem ao aluno pensar esses mesmos problemas de forma
diferente” (GARCIA; GELAMO, 2012, p. 57). Entendemos que o início da atividade
filosófica é marcado pela relação do sujeito com aquilo que lhe afeta. Ainda que o
indivíduo esteja diante de uma questão que não apresente novidades, estabelece uma
experiência filosófica de pensamento na medida em que se relaciona de modo singular
com o objeto de sua investigação. Em outras palavras, vai ao encontro do problema,
consciente das significações que lhe são comumente atribuídas, na busca de um sentido
próprio, de modo que não se fixe a elas num movimento que reduza sua capacidade
intelectiva à mera compreensão e reprodução das mesmas. Portanto, a compreensão ou a
tomada de consciência do sujeito não são propriedades determinantes para sua prática
filosófica, mas sim o modo de relação que esse sujeito estabelece com a questão
filosófica.
Nesses termos, ao tratarmos a possibilidade de uma experiência de pensamento
no âmbito da sala de aula, nos deparamos com a necessidade de restabelecermos um
diálogo não representacional, o que pressupõe um desafio desviante das propostas
tradicionais de ensino. Para isso, encontramos respaldo na temática apresentada por Jan
Masschelein no texto E-ducando o olhar: a necessidade de uma Pedagogia Pobre
(2008). Vale ressaltar que não atribuímos a esta obra o valor de uma metodologia à qual
devamos seguir, aliás o próprio autor recusa uma riqueza de metodologias em defesa de
uma pedagogia pobre, desse modo, as reflexões que seguem nos servem de apoio para a
resignificação de nossas próprias práticas e concepções sobre o ensino de Filosofia.
276
Masschelein (2008) apresenta uma concepção em que e-ducar (hifenizado)
refere-se, propriamente, a uma educação que não visa a tornar o aluno mais consciente
ou desperto, mas que o torne atento. O autor coloca-nos diante de uma proposta
diferente, na qual e-ducar o olhar vincula-se ao sentido próximo de e-ducere, isto é
“levar para fora”, “conduzir para fora”, num sentido em que o mundo (e alteridade) que
nos circunscreve adquire importância e deve ser examinado.
Nesse sentido, e-ducar o olhar não se trata uma forma de administrar a
percepção do aluno, como se este fosse um receptáculo de conteúdos. O sentido do educar está em expor o sujeito, deslocá-lo de sua centralidade de sujeito do
conhecimento, propriamente dito, de modo que, pela força da própria experiência, possa
estabelecer relações não representacionais com o mundo e com o seu outro. Segundo
Masschelein (2008), a atenção é o estado mental no qual o sujeito e o objeto estão em
jogo, é um estado da mente que se abre ao mundo para que este se apresente e, através
de sua evidência, afete o pensamento, transforme (2008; p.36). Assim a dimensão
transformadora da experiência é um elemento que escapa a ordem explicadora, presente,
certamente, em uma aprendizagem efetiva.
Através de uma breve passagem de Walter Benjamin, contida na obra Rua de
Mão Única (1979), Masschelein (2008) desenvolve a idéia do caminhar, apoiado no
pensamento do filósofo frankfurtiano, como um exercício de experiência e
aprendizagem. Benjamin faz uma distinção entre aquele que caminha pela estrada e
aquele que apenas a sobrevoa, da mesma forma que aquele que copia e o que apenas lê.
O ato de caminhar requer do sujeito uma disposição atenta aos obstáculos que
lhe comandam, implica numa relação de aprendizagem que se realiza através da
experiência em percorrer caminhos, descobrir trilhas, desbravar horizontes. Nas
palavras do filósofo, “somente quem anda pela estrada conhece a força que ela tem”
(1979, p.51). Nessa mesma ordem, copiar consiste num exercício ao qual o individuo é
arrebatado pelos sentidos, o que lhe exige uma observação atenta, de modo que não caia
na representação de linhas já traçadas, mas que em cada cópia se imprima uma
remodelagem pela singularidade de sua experiência.
A atividade do caminhar sinaliza a necessidade da atenção ao presente, de nos
relacionarmos com ele, vivenciando-o, haja vista que:
A questão do caminhar não é que ele nos ofereceria uma visão
(leitura) “melhor” ou uma visão mais completa, que nos permitiria
277
transgredir os limites de nossa perspectiva, mas sim que ele nos
permite, por assim dizer, uma visão além de toda perspectiva, um
olhar que nos transforma (e é, portanto, experiência) enquanto a sua
evidência nos comanda. Ele permite um olhar além de toda
perspectiva, já que a perspectiva está presa a um ponto de vista no
sentido de posição subjetiva, ou seja, exatamente a posição do sujeito
em relação a um objeto/objetivo. Caminhar significa colocar essa
posição em jogo, significa ex-posição, estar fora de posição.
(MASSCHELEIN, 2008, p. 37).
A estrada mostra-se como uma “evidência que nos comanda” no sentido em que,
ao caminhar, estejamos dispostos a estabelecermos uma experiência com aquilo que se
manifesta de modo imprevisível, que nos afeta durante o percurso, que violenta o
pensamento, nos termos deleuzianos e, conseguintemente permite-nos a transformação.
Ademais, nos atentarmos às manifestações do presente, exige-nos certa abertura ao
acontecimento, já que não estamos seguros na passividade ou resguardados de uma
posição, de um ponto de vista aparentemente estável, como é o caso do sobrevôo
(imagem própria da representação).
Por outro lado, relacionar-se com o mundo através de sobrevôos, afeta de modo
diferente nossa sensibilidade. Quando um sujeito voa sobre uma estrada, esta se torna
parte de uma natureza que se faz notar a partir da perspectiva de quem vê.
A estrada, então, é subjugada pelas leis da perspectiva de quem voa e
não tem poder algum sobre quem voa (“ela é apenas a planície
aberta”) (Benjamin, 1971, p. 51), ela não pode tocá-lo/a, ou melhor,
ela não pode atravessá-lo/a. Ele/ela adquire certo conhecimento, um
objeto (objetividade) revelado a um sujeito (subjetividade). Um objeto
(objetividade) é algo que surge a partir de determinada perspectiva,
que é lido a partir de uma posição relacionada à intenção de um
sujeito (a apreensão de um objeto diante do horizonte da intenção do
sujeito). (MASSCHELEIN, 2008, p. 37)
Nota-se, a partir daí, uma relação de passividade, no que diz respeito ao ato de
observarmos a planície sem adentrarmos nela, sem participarmos das eventualidades
que possam ocorrer. Ao nos entregarmos, pelo contrário, nos colocamos vulneráveis a
278
multiplicidade possível de experiências, sejam elas arbitrárias ou não. Este ato não
requer apenas uma disposição de caminhar, exige o critério da disciplina, uma atenção
que diz respeito não só ao caminho a ser trilhado, mais ao modo como conduzimos
nosso corpo e nossa mente.
Através das observações enunciadas por Masschelein (2008) acerca da metáfora
benjaminiana, podemos pensar o ensino de filosofia como um ato de caminhar. A
função do professor, nesse sentido, seria a de apresentar ao aluno a estrada, de
apresentarx (e não apenas representar) o conteúdo filosófico, fornecendo-lhe não
explicações e representações, não delimitando o trajeto a se percorrer, mas oferecendo o
tempo e o espaço suficiente para o que aluno movimente-se por si só e desse modo
esteja livre para construir suas próprias significações, em suma, garantindo-lhe o tempo
e o espaço da experiência.
Sem esmiuçarmos a temática da experiência, cabe aqui algumas considerações
em torno dela e para isso contaremos com os esforços intelectuais realizados por Martin
Jay (1900) em sua obra Cantos da experiência. Para ele, a experiência, como categoria
filosófica, é caracterizada por ser “[...] la más dificil de manejar’ (JAY, 1900, p. 25) e
dificilmente alguém que se proponha a investigá-la pode escapar de suas ambiguidades.
Percorrendo sua análise, na língua grega, o vocábulo experiência enraíza-se na
palavra grega Pathos, significando basicamente “algo que sucede”, no sentido de que
alguém sofre ou suporta, no sentido de que a experiência pode acontecer sem que
busquemo-la ou a tenhamos desejado, cujo destaque repousa na sua dimensão passiva e,
neste caso, a paciência pode se converter em uma virtude (JAY, 1990, p. 27).x
O filosófo parisiense Gerard Lebrun nos ajuda a compreender a potência
passiva da experiência através de sua análise do pathos grego, ao nos lembrar que o que
caracteriza o paciente não é um poder-operar, mas um poder-tornar-se, que acontece
por meio de uma suscetibilidade que o conduz a uma transformação. Esta potência
consiste na determinação de receber uma forma, de ser movido, ao “[...] passo que o
agente, na medida em que sua atividade própria está em comunicar uma forma, não é
essencialmente mutável” (LEBRUN, 1993, p. 18).
A passividade que também revela a falta de autonomia, na medida em que se
faz necessário o agente como causa de mudança, indica uma dependência, uma
heteronomia (uma lei que vem do outro), pois “a paixão é sempre provocada pela
279
presença ou imagem de algo que me leva a reagir, geralmente de improviso. Ela é então
o sinal de que vivo na dependência permanente do Outro” (1993, p. 17).x
Nesse viés, Masschelein (2008) sugere uma abordagem não representacional da
educação, uma pedagogia à qual denomina de Pedagogia Pobre, pobre de
metodologias, de fórmulas, de regras e leis que, supostamente, conduziriam o aluno à
experiência com o saber, mas que reduz a formação à informação e a aprendizagem à
recogniçãox (GALLO, 2008).
Uma metodologia rica, opera sobre fórmulas a evitar a exposição ao erro, ao
acaso, a espontaneidade do pensamento e aos desafios que, por conseguinte, acaba por
afastar um tempo que poderia ser oportuno ao surgimento de um problema filosófico. Já
a pedagogia não representacional depende de uma formação com vistas ao diálogo
aberto às possíveis dinâmicas que não se reduzam às explicações e representações,
numa estrutura que ofereça aos alunos meios pelos quais possam experimentar, possam
tornar-se atentos e não embrutecidos.
A pedagogia pobre atua sobre o registro da “arte de esperar”, toma, no lugar do
regime onde são traçados limites e objetivos ao ensino, uma dinâmica com respeito ao
tempo que cada um necessita para a experiência do pensar. Para isso, a pedagogia pobre
[...] nos convida a sair para o mundo, a nos expormos; em outras
palavras, a nos colocarmos numa “posição” fraca, desconfortável, e
oferece meios e apoio para que façamos isso. (...) Esses meios são
pobres, insuficientes, defeituosos, carentes de significado, não se
referem a um objetivo ou fim, meios puro, pistas que não levam a
lugar algum, e que, por isso mesmo, podem levar a todos os lugares:
como um passe-partout (MASSCHELEIN, 2008, p. 43)
Pensando o ensino de filosofia através da noção de uma pedagogia pobre, como
propõe Jan Masschelein (2008), nos deparamos com o desafio de uma relação onde não
há pressupostos para se ensinar e se aprender. Todavia, as implicações deste modo de
pensar, na realização prática em sala de aula, colocam o docente frente às inseguranças
e ao temor do fracasso e, principalmente, diante de diversos obstáculos que ferem a
dimensão dialética entre o professor e sua função na escola contemporânea.
Além disso, devemos levar em conta o ritmo produtivista do sistema capitalista
concorrencial, pelo qual somos administrados, e seus desencadeamentos nas instituições
280
de ensino que se transformam gradualmente, fazendo jus ao ideário representacional e à
vulgarização do conhecimento através da transmissão tecnicista. Qualquer tipo de
anacronismo em relação ao tempo exigido pela lógica acelerada do mundo
contemporâneo é reduzido à desordem, a inconformidade, às margens do que é
considerado razoável. Nos meandros da escola, portanto, ao professor compete a
resistência ou a resignação.
É comum nos referirmos ao docente como o responsável pela aprendizagem do
aluno e, sendo assim, também o responsável pela não aprendizagem. A figura do
professor, nesse sentido, se sustenta sob dois extremos que refletem certa instabilidade à
sua situação existencial e profissional. A angústia do fazer-se professor se desdobra
numa dupla relação: por hora, este se mantém na posição do herói educador, no
momento em que é depositado ao seu mérito o bom rendimento do seu aluno, da mesma
maneira lhe é predicado o caráter da incompetência, incapacidade intelectual, afetiva e
emocional como o mote dos problemas da defasagem do aluno.
A partir disso, a busca por metodologias de ensino que denotem da forma mais
segura possível, uma abordagem equilibrada – que, geralmente, se estabelece num modo
de imposição do controle – talvez seja o reflexo de que a própria formação docente
ainda se mantém ancorada às noções comuns e consensuais sobre a natureza do ensino e
sobre sua função como educador, nas especificidades da filosofia, como professor
filósofo.
Acreditamos que a reflexão em torno dos limites concernentes à dimensão
formativa e filosófica no interior do sistema educacional brasileiro e a proposta de uma
concepção de ensino desviante dos pressupostos representacionais, como possibilidade
para a experiência autônoma do aluno, fazem parte de uma problematização constante
na busca pela atenção ao que pode ser transformado, como instrumento útil para
resignificarmos nossas próprias convicções e não nos limitarmos, como diria
Masschelein (2008), ao que captura o olhar, mas darmos abertura ao que o exige, ao
que mobiliza-o, anima-o, para que não fique aprisionado e sim possa ser seduzido e
levado por aquilo que é evidente “[...] uma evidencia que vem a aparecer quando o olhar
se ocupa do presente ao invés de julgá-lo”. (2008, p.45).
Considerações Finais
281
Em continuidade à pesquisa desenvolvida pelo PIBID – Filosofia, durante os
anos de 2010 e 2011, consideramos que a proposta de metodologias de ensino baseadas
na ordem explicadora, visando a preencher o espaço que separa o aluno do saber,
eternizam a ignorância do aluno, configurando um mecanismo político para a
manutenção do status quo de maior abrangência, surgida a partir da ascensão da
burguesia.
Procuramos problematizar as práticas cercadas pela pedagogia representacional
reprodutivista, sustentada pela lógica explicadora e refletir sobre as possibilidades de
práticas de ensino que ultrapassem os pressupostos da lógica tradicional. Nesse sentido,
a experiência e o terceiro elemento constituíram nossos objetos de conhecimento, na
mesma medida de nossa exposição a eles, na tentativa de superarmos a redução das
práticas de ensino em sua dimensão representacional.
A pedagogia pobre ao visar uma e-ducação (Educere), que conduza o olhar do
aluno/a para fora, para que ele/a obedeça a estrada e se disponha a trilhá-la, expondo-se
de sua posição (epistemológica), nos apresenta a ideia de um caminho aberto para que
possamos aprender com ele. Neste ponto, o terceiro elemento cumpriria uma função
análoga a “estrada” a ser trilhada junto, conhecida junto com o professor.
A professora de filosofia Jeanne Marie Gagnebin, em uma reflexão sobre a
proposição de um método desviante, sistematiza quatro regras para a possibilidade de
uma ensino de Filosofia, minimamente filosófico. Tomaremos por mote a primeira
regra, em que ela aconselha “[...] o reto ensino da filosofia: não temer os desvios, não
temer a errância” (GAGNEBIN, 2007), em suma, não temer a condição de errante,
enquanto aquele que erra, nos dois sentidos da palavra (aquele que é um errante e
aquele que se permite errar), que reconhece a condição viandante do humano e que não
tendo muitas garantias e/ou muitas certezas, precisa constituir laços experienciais com
seu “objeto”, aberto ao erro e à busca. Fernando Pessoa (2007), dando voz à sua alma
campesina, Alberto Caeiro, arremata dizendo:
[...] graças a Deus que há imperfeição no mundo. Porque a
imperfeição é uma cousa, e haver gente que erra é original, E haver
gente doente torna o Mundo engraçado. Se não houvesse imperfeição,
havia uma cousa a menos, E deve haver muita cousa Para termos
muito que ver e ouvir ... (PESSOA, A., 2007. O guardador de
rebanhos, Verso XLI)
282
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283
O ensino da Filosofia: práticas pedagógicas e o filosofar em Gilles
Deleuze e Soren Kierkegaard
Jorge Miranda de Almeida
Alexandre Alves da Silva
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Brasil
[email protected] e [email protected]
Resumo
O presente artigo propõe refletir sobre o ensino da Filosofia, seus desafios e dificuldades,
sobretudo ao se tornar obrigatório no Ensino Médio, promulgada pela Lei de Diretrizes e Bases
– LDB 11684/08. Desenvolve-se a partir dos seguintes problemas: qual a finalidade da
filosofia? Quais práticas pedagógicas podem proporcionar aos educandos a possibilidade de
compreender os conceitos filosóficos, e conduzi-los à condição de pensar filosoficamente o
mundo e a própria existência? Como elaborar uma estratégia filosófica capaz de seduzir o
educando para o espanto e a admiração filosóficas, condição ímpar do filosofar num contexto
que nega o pensamento ou que está em constante fuga do pensar filosófico como bem postulou
Kierkegaard em toda sua obra? Como conciliar o peso e necessidade da Tradição filosófica com
o pensar engajado e comprometido para que o exercício filosófico não se torne reprodução ou
dependência do pensar europeu? Compreendendo a escola como lugar da sistematização,
produção e socialização de conhecimentos desenvolvidos a partir da experiência de vida, este
mesmo espaço físico-histórico-cultural deve ser o lugar da reflexão e do entendimento do
indivíduo capaz de filosofar. Partindo da concepção filosófica de Gilles Deleuze e Soren
Kierkegaard, o objetivo consiste em refletir como construir uma educação emancipatória do
Indivíduo compreendido como ser relacional e em constante tensão entre a sua construção
enquanto singularidade (subjetividade) e as relações sociais (objetividade). Nesse sentido, os
desafios colocados à filosofia seriam a necessidade de se construir uma concepção da educação
compreendida como geradora de conceitos, e o ser humano como autor e pensador existencial,
capaz de resistir ao pensamento fácil da mídia, do consumismo e do materialismo tão difundidos
pelo neoliberalismo. Considerando o ato de filosofar como uma tarefa destinada não
exclusivamente a homens extraordinários, mas ao Indivíduo singular disposto a gerar conceitos
a partir de sua experiência subjetiva consigo mesmo e com o mundo que o cerca, tendo a
educação como área para relacionar estes conceitos com o contexto sociocultural ao qual o
284
educando se encontra de forma que o ato de filosofar seja possível a qualquer pessoa desde que
as estratégias utilizadas sejam sedutoras (motivacionas) como postulam Kierkegaard e Deleuze.
Palavras-chave: Filosofia. Educação. Práticas pedagógicas.
Introdução.
Desde que se foi inserido no currículo escolar o ensino da disciplina de Filosofia como
caráter obrigatório, promulgado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 11684/08, as
discussões acerca do ensino dos conteúdos filosóficos aos educandos do Ensino Médio vem
tomando maior força, sobretudo pelos desafios existentes à forma de como trazer a disciplina de
filosofia para o cotidiano desses indivíduos de maneira que não seja uma filosofia engessada,
petrificada e indiferente aos dramas, angústias, inseguranças, medos dos sujeitos adolescentes e
jovens em sua grande maioria, estão vivendo.
Entretanto, qual a finalidade de se estudar filosofia? Como proporcionar o encontro
entre a filosofia e o Indivíduo dentro e fora do espaço escolar, numa sociedade marcada pela
passividade humana? Ou, como problematizar e provocar a filosofia de forma que o educando
possa compreendê-la e se torne consciente do seu potencial de filosofar? Mas, o que é filosofar?
A partir de que contexto? Qual é a condição de filosofar como propõe Deleuze em O que é a
filosofia? (1992) de que a tarefa da filosofia consiste em quebrar os conceitos. De outra forma, é
possível ao discente pensar filosoficamente ao invés de reproduzir as teorias, os sistemas, os
clássicos de filosofia?
O objetivo deste trabalho consiste em refletir acerca do caráter da filosofia enquanto
disciplina obrigatória por lei dentro do currículo escolar a partir do diálogo com Deleuze e
Kierkegaard no que diz respeito às respectivas compreensões de filosofia. Para Kierkegaard,
filosofar é construir interioridade, isto é, construir caráter, por isso, para o autor dinamarquês,
não tem muita diferença entre a filosofia e a educação. Uma filosofia pretensamente objetiva e
neutra, não passa de um discurso ideológico barato e chicaneiro como explicita em Postscriptum conclusivo não científico (1995). Em Deleuze, a filosofia “consiste em ser paradoxal
por natureza” (DELEUZE, 1992, p. 105). O que Deleuze e Kierkegaard colocam é muito
significativo como propedêutica e como condição de filosofar, se é paradoxal não se pode
ensiná-la a maneira da ciência, porque para filosofar é necessário o colocar-se diante da questão
em primeira pessoa e sem uma resposta prévia ou uma teoria que indique uma resposta certa ou
errada, um zero ou um dez, mas um esforço tremendo e terrível em descobrir-se o que se é ou o
que se pode tornar a partir das escolhas, das decisões e dos riscos.
Nesse sentido, a reflexão desenvolve-se a partir da análise do pensamento desses
autores acerca dos conteúdos da disciplina de filosofia, e como ela pode ser uma condição para
285
que o educando construa novas concepções de mundo, de poder, de arte, de ética, de justiça
social, de bem comum e de sua própria existência.
O grande desafio posto ao exercício da disciplina de filosofia é romper com a concepção
do MEC (Ministério da Educação e Cultura) para o ensino da mesma, pois em sua doutrina não
consegue compreender que o público que se destina esse conteúdo está em fase de construção
do seu próprio ser e, por isso, não é capaz de entender o palavreado erudito e complexo, as
desconexões com a realidade local e regional, tendendo a rejeitar ou a se tornar indiferente ao
conteúdo ministrado. Dessa forma, a resistência não é à filosofia, mas ao método, procedimento
e conteúdo trabalhados (ou não) em sala de aula.
A experiência do ensino de filosofia no espaço escolar.
A escola não é o espaço onde se habita a neutralidade. É o ambiente onde diversos
saberes se interagem a partir da relação do ser humano com o mundo, o qual leva toda sua
bagagem cultural para dentro dos muros da escola, mas reduplica-se fora desses muros, na
comunidade, no trabalho, na sociedade, na política, etc. Nesta reflexão, pode-se compreender a
escola como o ambiente propício para a sistematização e reflexão de conhecimentos e saberes já
semeados na vivência dos educandos com os espaços socioculturais onde estão inseridos. Suas
experiências existenciais impulsionam estes indivíduos a refletirem sobre a própria vida e a
forma como esta está inter-relacionada com o contexto social, político, ideológico, econômico
que vive. Assim, considera-se a experiência com a filosofia como algo importante ao
desenvolvimento do educando em constante movimento a produzir reflexões filosóficas que
tenham sentido e significado na materialidade da existência de cada educando.
Especificamente no Ensino Médio, onde o ensino da disciplina se torna obrigatório na
grade curricular, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) define que a escola
tem como finalidade “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”
(BRASIL, 2010, p. 29). A partir desta afirmação, a filosofia vem possibilitar ao indivíduo
provocações a fim de que este saia do seu estado cômodo de existência e venha a se tornar um
ser ativo no mundo. A proposta de filosofar em sala de aula, conforme afirma Cerletti, “supõe
por em ação uma atividade ou uma prática a partir de certas questões que não estão constituídas
como um campo fechado de saberes” (1999, p. 149).
Aprofundando as discussões, o desafio é encontrar meios de expandir o campo da
filosofia para além das metodologias que resumem o ensino dos conteúdos filosóficos a apenas
memorizações da história da filosofia, ou de pensamentos dos pré- socráticos, ou de filósofos
como Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Spinoza, entre outros. A escola, na figura do
286
professor, deve trazer aos alunos o ensino filosófico que provoca o indivíduo a construir o seu
pensamento filosófico numa perspectiva de interpretação crítica e ativa do mundo real, e
construir um ser humano que vai de encontro ao estado de passividade ao qual a sociedade se
encontra.
Por outro lado, o trabalho da escola consiste em ultrapassar desafios referentes à
metodologia aplicada durante as aulas de filosofia: como relacionar os conteúdos filosóficos
com as experiências que o aluno vivencia em seu cotidiano? O ensino dos conteúdos filosóficos,
em grande parte, é reduzido a estudos da história da filosofia, e a sistematização do pensamento
de autores já citados anteriormente. Esta metodologia conteudista do ensino da disciplina no
espaço escolar não desperta no educando a condição de se perceber enquanto ser capaz de
também filosofar. Em partes, sobra a estes jovens a função de memorizar pensamentos de
filósofos para avaliações, reproduzindo um conhecimento já adormecido e descontextualizado
no ponto de vista do dia a dia dos jovens.
A construção do pensamento é um desejo intrínseco ao ser humano; todo e qualquer
indivíduo pauta sua existência na busca pelo saber, pelo descobrir-se, por desbravar o mundo. E,
tal qual, defende Deleuze em sua obra O que é a filosofia? “[...] Todo mundo tem a
possibilidade de pensar, todo mundo quer o verdadeiro...” (1992, p. 83). O discente poderá
inquirir se a representação conceitual da verdade é idêntica à verdade de fato. A verdade do
poder midiático é a verdade verdadeira? A verdade do tirano é a verdade da verdade? A
problematização dessas questões mantém o valor e a necessidade da tradição filosófica e ao
mesmo tempo circunstancia no tempo e no espaço do discente, é isso que Deleuze denomina de
desterritorialização e critica aqueles professores e profissionais de filosofia que teimam em
cristalizar e engessar o pensar e o filosofar, como faz Heidegger, por exemplo, “que trai o
movimento da desterritorialização, porque o cristaliza de uma vez por todas entre o ser e o ente,
entre o território grego e a Terra ocidental que os gregos teriam nomeado Ser” (DELEUZE,
1992, p. 124).
Essa busca pelo saber, condição desenvolvida na filosofia, deve ser acessível no espaço
escolar, cujo ambiente é destinado a sistematização de conhecimentos construídos em outros
setores da sociedade, sobretudo a experiência filosófica que cada individuo vivencia em seus
espaços típicos. A escola deve ser o local do encontro do indivíduo com os conceitos
filosóficos, articulando-os com os conhecimentos de mundo que este possui, ou vem
construindo ao longo de sua existência.
A partir desta perspectiva, compreende-se o ensino da filosofia como a possibilidade de
construir o educando-filósofo, ser autoral e ator na sociedade. A disciplina de filosofia deve ser
entendida como ocasião para o desenvolvimento da aprendizagem sob uma perspectiva freiriana
de educação libertadora. Nesse mesmo sentido, Kierkegaard estabelece que o mestre e o
287
discípulo no máximo são a ocasião para que o ato educativo aconteça, como ele explicita em
Migalhas Filosóficas: “entre o homem e homem não há relação mais alta que esta: o discípulo é
a ocasião para que o mestre se compreenda a si mesmo, o mestre a ocasião para que o discípulo
se compreenda a si mesmo” (KIERKEGAARD, 1995, p. 45)
A proposta é provocar na sala de aula um ensino que garanta ao educando a condição de
despertar neste o pensamento filosófico crítico e reflexivo já existente. Ir além dos conceitos já
estabelecidos nos livros e na metodologia imposta dentro do espaço escolar e, nesta
perspectiva, o ensino de filosofia consiste em trazer ao educando a possibilidade de se tornar
um ser filósofo, com uma possibilidade de suspender o véu que limita o seu modo de enxergar
o mundo. Educar o olhar filosófico dos jovens educandos acarreta na desmistificação do
filosofar como um ato destinado a seres dotados de uma inteligência infinita e inalcançável por
estes alunos. Como pensa Kierkegaard,
Apenas se tem presente que filosofar não significa tecer discursos fantásticos a seres
fantásticos, mas que se fala a existentes, isto significa afirmar que não é
fantasticamente in abstracto que se decidirá se a aspiração contínua é qualquer coisa
de inferioridade à conclusividade sistemática (KIERKEGAARD, 1993, p. 323, apud
ALMEIDA, 2009, p. 31).
No que se refere ao ato de se ensinar filosofia, um dos desafios da escola é desviar do
método enfadonho, e trazer os conceitos filosóficos para as múltiplas realidades que cada
indivíduo vivencia e que é capaz de tecer reflexões. Articular a arte, seja o teatro ou o cinema,
por exemplo, com pensamentos de determinados filósofos como Platão, Aristóteles, Nietzsche,
Heidegger, entre outros, é uma das propostas de uma nova maneira de se envolver com a
experiência de discutir filosofia em sala de aula. Cabe, enfim, ao educador o exercício de
relacionar os conteúdos destes filósofos com práticas pedagógicas voltadas a facilidade de
compreender
determinados
conceitos,
relacionando-os
com
conhecimentos
prévios
desenvolvidos fora dos muros da escola.
Sendo assim, compreende-se que o ensino da filosofia deve ser construído como uma
educação filosófica a partir da subjetividade, tendo o Indivíduo como o ser humano singular em
contato com as condições de sistematizar as suas experiências filosóficas com o mundo.
Contudo, é fundamental precisar o que se compreende por subjetividade. Kierkegaard define a
subjetividade como singularidade e a singularidade como ética (1993, p. 423). Explicando, pois,
trata-se de uma categoria que mal utilizada destrói completamente o que se propõe neste
trabalho. A subjetividade normalmente aceita nos círculos filosóficos é a subjetividade da
consciência de si, a autonomia do sujeito, ou a ipseidade (o si mesmo), porém, para o autor
dinamarquês, subjetividade é relação do indivíduo singular que penetra cada vez mais em sua
interioridade e na relação para edificar a si mesmo, constrói com o próximo as condições para
288
edificar a si mesmo. Existe nessa concepção de subjetividade uma novidade que ainda não está
clara nos espaços acadêmicos de filosofia e por isso causa estranheza.
Esta relação leva o ser humano a angustiar-se ao se inserir numa reflexão sobre a
própria existência. A educação por meio da filosofia convida o indivíduo a desafiar-se ao
exercício de interiorização e exteriorização, na medida em que se relaciona com a sociedade.
Esta é uma filosofia que rompe com o ensino engessado de conteúdos filosóficos, rompendo
com a metodologia fria desenvolvida por alguns docentes. Dentro dessa reflexão, o filósofo
dinamarquês Kierkegaard e o pensador Gilles Deleuze trazem em suas reflexões uma filosofia
capaz de se relacionar com o Indivíduo enquanto ser singular em processo de existência e
relação com o mundo. Possui o caráter pedagógico ao se pensar no Indivíduo que se educa
filosoficamente ao se deparar com a própria existência e com a sociedade em que vive,
angustiando-se e sendo motivado a elevar-se enquanto ser transformador de si mesmo e do
mundo, vertendo-se em um ser em relação afetuosa com a ação de pensar filosoficamente.
A filosofia sob a perspectiva do pensamento de Kierkegaard e Deleuze.
O que podemos compreender sobre o real sentido do ensino de filosofia é que esta deve
ser a ocasião para que o educando seja colocado como autor e construtor de reflexões sobre a
própria existência e sobre o mundo em que vive. Romper com o estudo conservador dos
conceitos filosóficos, do ensino restrito à filosofia ocidental e à reprodução de pensamentos
desarticulados com o mundo e conhecimentos prévios do educando é um dos vários desafios
do ensino e aprendizagem e do exercício da filosofia.
Kierkegaard foi um dos pensadores que estabeleceu uma reflexão do homem enquanto
ser singular, dotado de uma experiência subjetiva com o mundo, confrontando-se com a
própria existência. Pretendia com seus pseudônimos que eles servissem como um espelho
onde o leitor de seus textos pudesse ler em voz alta, refletir e tomar um posicionamento
enquanto subjetividade. Por isso Venâncio (2009) considera na filosofia kierkegaardiana o
indivíduo como “categoria central da existência” (2009, p. 58), ou seja, para o pensador
dinamarquês só é possível compreender o homem a partir da experiência concreta, das análises
individuais acerca da verdade, e da compreensão do homem a partir da subjetividade.
Contrário aos demais animais, o ser humano é capaz de se desenvolver e se transformar
enquanto ser existencial a partir de sua singularidade e de sua relação consigo mesmo e com o
mundo. O Indivíduo, para a filosofia de Kierkegaard, é compreendido não através da lógica e
de conceitos abstratos formulados pelo sistema. É a partir de suas singularidades das relações
com seus medos, angústia, desespero, melancolia, dúvida, relação com o fim da vida,
características comuns de qualquer ser humano em relação com a própria existência e com o
289
mundo, com a necessidade de buscar preencher o vazio existencial, com a temporalidade e
finitude da existência e com Deus. Dentro do pensamento kierkegaardiano, o conceito e a
construção do pensamento lógico perdem espaço para a subjetividade, pois o que é essencial
ao Indivíduo não pode ser capturado como um conceito, como ele mesmo afirma “cada vida
individual é incomensurável para o conceito, por isso, a coisa suprema não se pode vivenciar
na qualidade de filósofo” (KIERKEGAARD, 1980, v. III, p.116).
Kierkegaard não escreve para turmas, salas de aula, congressos, mas para o leitor,
pretende um encontro face-a-face em que o leitor possa se identificar com o conteúdo do que
está estudando e a partir de suas inferências possa se identificar com um dos vários modos de
existência, sendo os principais o estádio estético, o ético e o da segunda-ética, também
denominado de ético-religioso. Para esse pensador, a filosofia não pode permanecer
indiferente, dessa forma, o estudante da filosofia também precisa se posicionar como ele
mesmo afirma e testemunha em Ponto de vista explicativo de minha atividade de escritor:
“pelo meu lado, julgaria indigno ter vivido numa época de semelhante desmoralização sem
empreender uma ação decisiva” (KIERKEGAARD, 1986, p. 60).
O pensamento kierkegaardiano é uma filosofia sobre o indivíduo e para o Indivíduo,
capaz de elaborar uma educação filosófica para a construção do ser humano em estado de ator
e construtor de sua trajetória nesta vida. É fundamental precisar a diferença entre um e outro, o
primeiro, indivíduo é utilizado no sentido do homem no meio da multidão, o impessoal, o ser
humano; o segundo, o Indivíduo (Den Enkelte) que é sua categoria preferida é utilizada no
sentido da singularidade, unicidade e subjetividade que é uma concretização do dom (gave)
em tarefa (opgave) e que é de responsabilidade do próprio Indivíduo.
É através do conhecer-se enquanto Indivíduo singular que o ser humano constrói a si
mesmo e a sua verdade, que é subjetiva, pois, o mesmo autor afirma que “só a verdade que
edifica, é verdade para ti” (1980, v.III, p. 66). Não é somente através de forças exteriores e de
conceitos objetivos que o homem se molda, mas sim a partir de sua existência e da relação
consigo, que este homem se edifica e se define como um ser individual. Nesta perspectiva,
Kierkegaard traz luzes para pensar uma educação filosófica que não se reduza a reprodução de
conceitos filosóficos advindos de pensadores fora de nossa época, mas que impulsione docentes
e discentes a pensarem em uma filosofia em sala de aula articulada com as experiências
existenciais com o mundo o qual lhe cerca. É nesse contexto que Deleuze afirma em Diferença
e Repetição que “Kierkegaard e Nietzsche estão entre os que trazem à filosofia novos meios de
expressão. A propósito deles, fala-se de bom grado em ultrapassamento da Filosofia”
(DELEUZE,1988, p.32). Ou seja, um conhecimento livre do método lógico, capaz de refletir
sobre uma filosofia viva e engajada com o mundo.
290
Conclusão.
A partir do que este trabalho propõe a refletir sobre o ensino de filosofia no espaço
escolar e a sua reduplicação fora dos muros da escola, conclui-se que ensinar o educando a
filosofar por meio dos conteúdos propostos pela filosofia é um desafio constante que deve ser
abraçado pelos educadores e educandos.
Ao se tratar do educador, faz-se importante que este pense em metodologias que
proporcione ao educando a condição de pensar filosoficamente, ao relacionar os conteúdos da
disciplina de filosofia com as vivências que estes jovens experimentam no mundo em que vive.
Considera-se a filosofia como construtora do pensamento, e o rompimento com uma filosofia
fria, dura, distante, engessada, possibilita a estes jovens a construção novos saberes em relação
ao mundo em que vive. Entende-se, pois a necessidade do educador enquanto mediador entre o
educando a disciplina de filosofia, desenvolvendo práticas pedagógicas que provoquem no
educando o incômodo e o impulso ao questionamento acerca dos conceitos filosóficos
discutidos em aula.
Sobre o educando, o aprendizado filosófico se desenvolve quando este é provocado a
desenvolver uma relação entre a filosofia e as experiências subjetivas no mundo. Cada indivíduo
traz consigo experiências de vida para os muros da escola e, estas experiências possuem um teor
filosófico, haja vista que por serem seres em existência, constroem reflexões singulares sobre a
própria existência e o seu estar no mundo. Estes jovens são filósofos por excelência, pois são
repletos de dúvidas sobre a própria existência, se angustiam e possuem a agonia por respostas
sobre si mesmo, sobre a necessidade de relacionar-se com o outro e com o mundo.
Sendo assim, o ensino de filosofia deve ser compreendido como a possibilidade de
construir uma educação emancipatória, dando aos educandos a condição de pensar o mundo por
si mesmos, provocando assim o despertar de novos filósofos engajados na sociedade.
Compreende-se, pois, a necessidade de um ensino de uma filosofia ativa, que motive, provoque
e desperte nestes educandos novos olhares sobre o mundo e formas de atuarem dentro dele.
291
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292
CRISIS Y REINVENCIÓN DE LA UNIVERSIDAD A PARTIR DE LAS
HUMANIDADES
Adriana María Ruiz Gutiérrez
A mi madre, por su amor y vocación a la educación
Considero hoy a la vez necesario e inquietante estar obligados a invocar, no sólo lo que
se llama derechos del espíritu (…), sino el interés, para todo el mundo, en la
preservación y el sostén de los valores del espíritu. ¿Por qué? Porque la creación y la
existencia de la vida intelectual se encuentra en una de las más complejas relaciones,
pero de las más ciertas y estrechas con la vida, simplemente, la vida humana. Nadie
explicó jamás qué significábamos nosotros, los hombres, y nuestra singularidad que es
espíritu. Este espíritu es en nosotros una potencia que nos ha comprometido en una
aventura extraordinaria, nuestra especie se ha alejado de todas las condiciones iniciales
y normales de la vida. Inventamos un mundo para nuestro espíritu —y queremos vivir
en el mundo de nuestro espíritu. Él quiere vivir en su obra. Pues allí donde no hay
libertad de espíritu, la cultura se marchita…
Paul Valéry
Los dictados que rigen la existencia y, por supuesto, la permanencia de la universidad
no se encuentran constituidos por normas positivas emanadas del poder temporal, sino
por leyes de la vida, es decir, leyes del desarrollo que conforman una ética respecto a la
vida misma y a la sociedad en general (Henry, 2006, p. 163). Un ejemplo claro de esto
lo constituye el hecho de que la universidad se afirma como un lugar independiente, en
una especie excepcional de soberanía que le permite decidir de manera incondicionada
respecto al poder: en ella no sólo existe un principio de resistencia sino una fuerza de
disidencia, libertad, autonomía que no sólo se hace coextensiva al saber académico,
sino también a la vida misma (Derrida, 2010; Henry, 2006). La universidad constituye
el lugar en que el hombre afirma progresivamente su potencia mediante su
autorrealización ya sea corporal, ya sea intelectual. Así como la conservación de la vida
no es otra cosa que la condición de su propio desarrollo, así también ocurre para quien
se limita a poseer un saber o un arte específico: siempre tendrá algo nuevo que aprender
293
y, por lo tanto, algo nuevo que hacer. La finalidad de la universidad es, pues, la
afirmación de la vida mediante el saber creativo, la investigación libre y la acción
transformadora del mundo.
Sin embargo, la universidad desde su origen y desarrollo ha sido objeto de múltiples
crisis derivadas no solamente de las intromisiones del poder del Estado en sus espacios,
dinámicas y decisiones, sino también, de la injerencia de las lógicas del mercado
respecto a la priorización de algunos saberes, especialmente de los productivos y
rentables a la economía capitalista en menoscabo de los humanísticos. Basta observar la
segmentación e hiperespecialización de las áreas del saber; la masificación del
estudiantado y el profesorado como consumidores del acto educativo, los cuales se
constituyen a su vez en sujetos y objetos de las “políticas de educación superior”; la
sustitución progresiva de las humanidades por las disciplinas funcionales y rentables al
modelo capitalista; la burocratización cada vez más creciente y sofisticada de los
funcionarios y los procesos universitarios; la investigación financiada e interesada en
oposición a la libre investigación científica. Estos fenómenos, que se han mezclado de
un modo tan indiscernible y complejo, nos permiten considerar el fin de la universidad,
tal como la conocíamos en el Medioevo: como un campo de saber ideal regido por unas
leyes de la vida, generales, válidas y eficaces en todo tiempo y espacio (Henry, 2006, p.
159). De manera que la vida como el principio orientador de toda experiencia humana
es desechada por un conjunto de procesos, procedimientos y técnicas del hacer. En esta
sociedad, la universidad como lugar de enseñanza, aprendizaje e investigación de los
procesos de autodesarrollo, autorrealización, y por tanto, de autoemancipación, ya no
tienen lugar (Henry, 2006, p. 163).
La crisis de la universidad se origina, pues, tanto en su propia realidad, como en el
campo socio-político y económico que la bordea. Este asunto ha sido objeto de
reflexión por parte de algunos autores contemporáneos, tales como Michel Foucault
(1984, 1993, 2005, 2008), Jean-François Lyotard (1987), Jeremy Rifkin (1995), Franco
Berardi (2003), Martin Heidegger (2003), Jacques Derrida (2006, 2010), Michel Henry
(2006), Paul Ricoeur (2010), Gonzalo Soto (2007), Germán Vargas Guillén (2010),
Paolo Virno (2010), Marta Nussbaum (2011), Carlos Enrique Restrepo (2012), Gigi
Roggero (2012). En este examen sobre la crisis y, al mismo tiempo, la reinvención de la
294
universidad reside más exactamente la intención de este escrito que se pretende
igualmente ético, político e histórico al preguntar: ¿Cuáles son las causas y las razones
de la crisis de la universidad? y ¿Cómo podemos contribuir a la reinvención de la
universidad a partir de las humanidades? De esta manera, queremos mostrar nuestro
compromiso incondicionado con la universidad como un espacio para el pensamiento
libre y emancipador, al tiempo que nos permite rememorar la pregunta que justifica
todos nuestros actos educativos e investigativos: ¿Qué significa y con qué fin queremos
promover una comunidad universitaria autónoma e irredenta respecto a los poderes?
Significa, en primer lugar, la defensa de la comunidad universitaria respecto a las
amenazas que se ciernen sobre ella. Segundo, un ejercicio de resistencia frente a los
cálculos y las fórmulas de rentabilidad económica y política de nuestros saberes
humanísticos. Tercero, una experiencia del pensamiento, la escucha y el debate sobre la
importancia de las humanidades en la promoción de la justicia, la equidad y la alteridad
basadas en el lenguaje del corazón. Y, finalmente, la esperanza de una universidad por
venir capaz de configurar un espacio real para la libertad de los espíritus.
1. Crisis de la universidad
La universidad —universitas— nació originalmente por el deseo de saber, es decir, de
aprender y enseñar la absolutez de todas las cosas. Como nos lo recuerda el maestro
Gonzalo Soto, la palabra universitas significó en el Medioevo, por un lado, el gremio o
corporación de maestros y estudiantes dedicados al oficio de enseñar y aprender; por el
otro, el conjunto de las ciencias, la universalidad de los conocimientos, una enciclopedia
de los diversos ramos del saber. Junto a la palabra universitas aparecen directamente
vinculados los términos de studium —o studium generale— y el de humanitas. El
primero designaba el conjunto de los cursos, la universalidad geográfica e intelectual de
la corporación. El segundo implicaba la solidaridad entre quienes componían la
universitas (2007, p. 401). La corporación, en principio constituida por los grandes
saberes de la Filosofía, la Teología y el Derecho, nos indica, entonces, su íntima
relación ético-estética con el mundo de la vida: “cultivo y cuidado de saberes: hacer de
la vida una obra de arte”. Porque, según Séneca, citado por el maestro Soto: “la terea
de los maestros no es enseñar a discutir, sino a vivir y la tarea de los discípulos no es
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cultivar el ingenio sino el alma, de modo que en su mutuo contacto cada uno retorne a
su casa más o menos saludable” (p. 402). De ahí que la universitas se entienda
inmediatamente en relación con el cultivo del homo-homo, quien, ya sea como persona
individual, ya sea como miembro de alguna comunidad, se afirma y realza doblemente
humano por medio de sus propias y poderosas artes y prácticas. O como dirían Toni
Negri y Michel Hardt: “Aquel que era por naturaleza meramente humano [homo] llega a
ser, en virtud de la rica contribución del arte, doblemente humano, es decir, homo-homo.
Mediante sus propias y poderosas artes y prácticas, la humanidad se enriquece y se
duplica, se eleva a una potencia superior: homo-homo, la humanidad al cuadrado”
(2005, p. 92). En esta relación entre la parte y el todo, el individuo y el colectivo, reside
justamente la finalidad de la universitas como studium y humanitas: afirmar la potencia
de los individuos, a partir del cultivo de sus saberes como formas de vida dispuestas
para la felicidad.
Pero esta concepción de la universidad como un espacio reservado para los saberes
universales y el cultivo del hombre es sustituido por la aparición de las disciplinas
modernas, cada vez más fragmentadas e interesadas en la normalización y el control de
los saberes y las actividades productivas. De modo tal que la universidad ya no se
encuentra en directa relación con la vida y los saberes, sino con la producción. Michel
Foucault entiende la disciplina no sólo como el conjunto de técnicas de poder en virtud
de las cuales se encasilla, vigila, controla e intensifica el comportamiento, el desempeño
y la utilidad de los individuos, sino también como una forma de control y limitación de
los saberes justamente porque impone las condiciones bajo las cuales los individuos y
colectivos deben repetir y reproducir el conocimiento, por supuesto, sin la menor
novedad ni acontecimiento (1984, 1993, 2005, 2008). En El orden del discurso,
Foucault establece cómo la disciplina moderna ya no tiene que vérselas con el ámbito
subjetivo, propio de la universitas medieval (para el caso del texto primitivo, qué se
comenta y de quién se comenta), sino con el ámbito meramente objetivo (de qué objetos
se debe hablar, qué instrumentos conceptuales o técnicas hay que utilizar, en qué
horizonte teórico se debe inscribir). La disciplina determina, pues, las condiciones de
normalización que debe cumplir el conocimiento para entrar en el campo de lo
verdadero.
296
Foucault sitúa algunos ejemplos del proceso de disciplinarización del conocimiento,
entre éstos el de la lengua primitiva europea que se admitía libremente hasta el siglo
XVIII, pero que durante la segunda mitad del siglo XIX fue rechazada por
considerársele quimérica, fantástica, o pura y simplemente una monstruosidad
lingüística (2005, pp. 28-32). Hacia finales del siglo XVIII, también nos encontramos
con el proceso de organización de la técnica, cuyos saberes eran hasta entonces secretos
y libres: quienes los poseían tenían el privilegio de reservar su conocimiento y
manejarlo bajo su total discrecionalidad. En ocasión de las nuevas formas de producción
e industrialización, dichos saberes fueron, sin embargo, despojados de sus
características esenciales. En Defender la sociedad (Clase del 25 de febrero de 1976),
Foucault describe los procedimientos mediante los cuales el Estado intervino en dicha
operación de disciplinarización del saber: 1) Eliminación y descalificación de los
saberes inútiles, irreductibles y económicamente costosos; 2) Normalización de esos
saberes para hacerlos intercambiables entre sí y entre sus poseedores: se suprimieron las
barreras del secreto y las delimitaciones geográficas y técnicas. 3) Jerarquización de
esos saberes desde los más particulares y más materiales, que serán al mismo tiempo los
saberes subordinados, hasta los más generales y más formales, que serán a la vez las
formas englobantes y directrices del saber. 4) Centralización piramidal de esos saberes e
instituciones que los poseen, lo cual asegura la transmisión y prevalencia de sus
contenidos, desde abajo hacia arriba, y a la inversa (2008, p. 168). Estas nuevas
dinámicas de los saberes técnicos corresponden, por supuesto, a toda una serie de
prácticas, empresas e instituciones de poder.
Desde mediados hasta fines del siglo XVIII, la investigación, los funcionarios y las
instituciones de educación se orientaron bajo los esquemas económico-políticos de
normalización, homogeneización y jerarquización del saber:
(…) los métodos del artesanado, las técnicas metalúrgicas, la extracción minera, entre
otras, correspondieron a este propósito de normalización de los saberes técnicos. La
existencia, la creación o el desarrollo de escuelas superiores, como la de minas o la de
caminos, canales y puertos, etcétera, permitieron establecer niveles, cortes, estratos a
la vez cualitativos y cuantitativos entre los diferentes saberes, lo que posibilitó su
jerarquización. Y por último, el cuerpo de inspectores, que en toda la extensión del
297
reino daban indicaciones y consejos para el aprovechamiento y la utilización de esos
saberes técnicos, consolidó la función de centralización (Foucault, 2008, p. 169).
El período del Iluminismo no constituyó, entonces, la lucha contra la oscuridad del
conocimiento, sino la lucha por la disciplinarización de los saberes polimorfos y
heterogéneos. En este sentido, Foucault sitúa la aparición de la universidad napoleónica
a partir de fines del siglo XVIII y principios del siglo XIX: “aparece algo que es como
una especie de gran aparato uniforme de los saberes, con sus diferentes etapas y sus
diferentes prolongaciones, su escalafón y sus pseudópodos” (2008, p. 170). De manera
que la universidad moderna, a diferencia de la medieval, ya no privilegia tanto la
selección de las personas, sino de los saberes. Y ese monopolio respecto a la definición,
contenidos, cantidad, calidad y límites de los saberes inscritos en las líneas generales de
la universidad y en los organismos oficiales de investigación hace que los saberes
emergentes y distintos a los instituidos, es decir, que no hayan nacido en el adentro sino
en el afuera del campo institucional, resulten inmediata y automáticamente
descalificados, e incluso totalmente excluidos (2008, p. 170). Durante los siglos XVIII y
XIX desaparece, pues, el sabio aficionado. Al igual que Foucault, Paul Valéry siente la
violencia de la vida moderna que se cierne sobre el espíritu ahora turbado, y rememora
nostálgicamente la presencia del amante incondicionado al saber:
He asistido a la desaparición progresiva de seres extremadamente preciosos para la
formación regular de nuestro capital ideal, tan precioso como los mismos creadores.
He visto desaparecer uno a uno esos entendidos, los inapreciables aficionados que, si
bien no creaban obra, creaban su verdadero valor; eran jueces apasionados pero
incorruptibles, para los cuales o contra los cuales era bueno trabajar. Sabían leer:
virtud que se ha perdido. Sabían escuchar e incluso oír. Sabían ver. Es decir que lo que
apreciaban releer, volver a escuchar o volver a ver, se constituía, por ese regreso, en
valor sólido. Así se aumentaba el capital universal (2005, p. 45).
El aficionado es ahora reemplazado por la comunidad científica con estatus reconocido:
“organización de un consenso; y, por último, centralización, por su carácter directo o
indirecto, de aparatos de Estado” (Foucault, 2008, p. 164). La aparición de algo como la
universidad, con sus prolongaciones y sus fronteras inciertas, se comprende entonces, a
principios del siglo XIX, a partir del momento en que se efectúa justamente esa
298
disciplinarización científica de los saberes. Esta nueva forma de aparato universitario
gestado desde el movimiento napoleónico subvierte la vieja relación ético-estética entre
saber y vida, maestro y discípulo por la relación económico-política entre saber y poder,
enseñante y enseñado. Paul Ricoeur advierte justamente que dicha relación entre el
enseñante y el enseñado se modificó completamente, puesto que el poder de decisión
que otrora les pertenecía, a partir de la universidad napoleónica sería detentado por la
administración central. Dicha forma de gobierno universitario ya no contaba con una
verdadera participación de las unidades de enseñanza: universidades, facultades,
institutos diversos y cuerpos docentes colocados bajo su jurisdicción. La universidad es,
pues, modificada como un aparato burocrático y administrativo que no sólo disciplina el
contenido de los saberes, sino que también formaliza la relación entre el enseñante y el
enseñado:
Los profesores constituían una oligarquía cooptada, que gobernaba en forma exclusiva
los departamentos en lo relativo al curso de los estudios, la forma y el contenido de la
enseñanza, la colación de grado; los asistentes eran elegidos por los profesores solos y
compartían sólo un pequeño número de las prerrogativas precedentes; por último, los
estudiantes, colocados en la parte inferior de la jerarquía descendente, no participaban
en la decisión en ninguno de estos niveles (Ricoeur, 2010, p. 186).
De manera que la universitas se vuelve cada vez más lejana y extraña a sus miembros.
Deja de ser, por tanto, el lugar en el cual los individuos descubren críticamente el
mundo en el que habitan a partir de los saberes, y no de las leyes y los métodos
impuestos por la disciplina moderna. La disciplina separa, excluye y distancia los
saberes no sólo de los demás, sino de su propia historia, concentrándose en el dominio
de su objeto “científico”: la física, por ejemplo, se separa de la metafísica y de la
teología y recibe una lógica propia. Lo mismo ocurre con el derecho, el cual se distancia
de la teología, la literatura, la filosofía, la política, que justamente construyeron los
paradigmas dominantes del pensamiento jurídico en sus distintas vertientes desde el
siglo V hasta el siglo XIX. La educación técnica también divide fronterizamente sus
dominios de aquellos resultados de la pluralidad social y de sus distintos actores:
distingue entre los actores científicos de los profanos, los capitales del saber académico
de los vulgares, los campos universitarios de los sociales (Bourdieu, 1984). La
preferencia por la verdad pura, estable y normalizadora nos haría, sin embargo, declinar
299
de aquellos hechos y categorías si los observáramos cuidadosamente en virtud de las
vicisitudes y transformaciones de la historia social. Una parte esencial en la renovación
de nuestras comprensiones y procedimientos consiste, pues, en hacer borrosas las
divisiones entre la educación científica y la sociedad y, en última instancia, entre la
verdad y la libertad de pensamiento a partir de la asunción de los saberes.
En este sentido, la disciplina, en abierta oposición a la universalidad de los saberes,
impone al individuo un conocimiento fragmentado, sesgado y en serie, que le impide la
comprensión de las dinámicas y circunstancias de la vida social. La disciplina se
constituye en una forma de intervención de la conducta humana que pretende la
reproducción interminable de estereotipos. El individuo se somete entonces al sistema
educativo y a sus patrones de homogenización, y con ello, el pensamiento productivo y
creativo individual se reduce a la mera futilidad de la vida y al carácter efímero del
tiempo humano. El proceso uniforme que se impone al hombre ya no es el de la vida y
de sus múltiples saberes, sino el de la técnica: la vida como natalidad, imaginación y
padecimiento del ser en la absolutez del saber es sustituida por la fabricación,
planeación y ejecución artificial del mundo y, por tanto, se pasa del hombre libre al
individuo alineado. La enseñanza del saber universitario cada vez más elevado y
continuo en el tiempo como desarrollo de las potencialidades constitutivas de la
subjetividad individual ha sido desplazada por la simplificación de los conocimientos
teóricos en virtud de los requerimientos de la técnica: “Hay que admitirlo —dice
Ricoeur—, actualmente no hay más universidad, ni en singular ni en plural” (2010, p.
194). Los saberes técnico-científicos han sustituido los saberes fundamentales del
desarrollo teórico y práctico para todo acto de vida: filosofía, arte, literatura, teología,
lenguas, historia, derecho. Estos saberes prácticos respecto a la vida, a diferencia de
los técnicos-finalistas, permiten dirigir la mirada a los modos de construcción,
comportamientos, usos y rituales de los hombres. En todo caso, permiten recordar
aquellos actos creativos y trascendentales de la acción humana en el mundo, así como
esperar un acto siempre nuevo y emancipador de la pluralidad humana.
Las disciplinas se orientan, por supuesto, a la formación de los individuos en torno a las
formas y medios de producción. Sin embargo, esta formación presenta no pocos
problemas tratándose, por un lado, de la masificación indiscriminada de las
300
universidades y estudiantes universitarios, y por otro lado, paradójicamente, de los altos
índices de desempleo y subempleo que crecen vertiginosamente en el mundo. La
enseñanza teórica es reemplazada por la enseñanza técnica de masas, que se ocupa
simplemente de alfabetizar a los estudiantes universitarios en ciertos requerimientos y
procedimientos útiles para el trabajo. El homo-faber que se hace homo-homo a través de
la acción se convierte ahora en un mero instrumento de la lógica productiva. La
universitas se convierte, entonces, en un apéndice del “sector productivo”, de modo que,
unida a las lógicas del mercado y a la competitividad económica, propone hablar de
competencias, de las nuevas funciones del profesorado, del estudiante como
consumidor, etc. Xulio Ferreiro (2010, pp. 117, 118) advierte cómo esta conjunción
entre conocimiento y economía, contenida tanto en el Consejo de Lisboa de 2000 como
en el de Barcelona de 2002, exigía una doble tarea a la universidad: por un lado, formar
al personal cualificado para el mercado, dotándolo de las competencias que requiere la
empresa privada, principalmente las tecnologías, las aptitudes sociales y la capacidad de
adaptabilidad; y por otro lado, potenciar el crecimiento y la productividad, a través de
sinergias y crecientes vínculos con la sociedad. De hecho, la gobernabilidad de la
universidad empieza a ser pensada desde la gestión empresarial y la injerencia del sector
privado. Pero la universidad no sólo le sirve al sistema productivo mediante la
formación por competencias de sus empleados, sino que también se convierte en una
fuente de valor capaz de competir con otras empresas en el mercado global de los
servicios educativos. En este sentido comienza a hablarse de la universidad empresa o
universidad de inversión como aquella que se incorpora a los circuitos empresariales y
mercantiles de la sociedad capitalista actual.
Montserrat Galserán (2010, pp. 13-19) atribuye cuatro características a este nuevo
modelo de estructura y, por supuesto, de gobierno universitario-empresarial, a saber: 1)
La docencia e investigación se encuentran orientadas al sector económico productivo.
Entre los efectos más relevantes de este fenómeno se destaca el despiezamiento de la
universidad, su fragmentación en diversos ciclos, programas de investigación, sectores
prioritarios, institutos, corporaciones, fundaciones, etc., es decir, un conjunto de
elementos que reciben un trato diferencial en virtud de su oferta de valor en el mercado
ingenieril, farmacéutico, militar, etc. 2) Los estudiantes y jóvenes/investigadores son
alentados a realizar una “inversión cognitiva” en determinadas áreas y disciplinas
301
estratégicas para el mercado de trabajo. Esto ocasiona, además de la competencia entre
los propios estudiantes/profesionales, el resentimiento de aquellos que no logren
rentabilizar la inversión. 3) La estructura gerencial de la empresa se traslada a la
universidad, cuyos cargos de dirección se asemejan cada vez más al de un gerente de
empresa; se reducen los órganos colegiados y se determinan los criterios de rentabilidad
bajo la oferta y la demanda de las titulaciones, el mercado de trabajo, las necesidades de
los empresarios, la preferencia y rentabilidad de una disciplinas respecto a otras. 4) El
cálculo de rentabilidad económica exige una participación directa de las empresas
privadas a partir de aportes o inversiones que permiten su injerencia en la universidad.
En suma, la universidad-empresa es un nuevo modelo de gestión empresarial,
diferenciado del control político y de la dinámica social. Además de estas cuatro
características podría agregarse una más: la desaparición progresiva de las materias de
artes y humanidades en todos los ciclos de formación tanto a nivel primario como
secundario y, por supuesto, universitario.
El studium generale propio de la universitas como humanitas es reemplazado ahora por
la producción del conocimiento rentable y en serie. Marta Nussbaum, en su texto Sin
fines de lucro (2010), extiende su reflexión sobre la desaparición progresiva de las
humanidades en la universidad, lo cual genera en gran parte su crisis, y la sitúa en el
ámbito político, es decir, en el escenario de crisis para el futuro de la democracia. Las
humanidades son concebidas por los burócratas como “ornamentos inútiles en un
momento en que las naciones deben eliminar todo lo que no tenga utilidad para ser
competitivas en el mercado global, tanto en los programas curriculares como en la
mente y el corazón de padres e hijos” (2010, p. 20). En consecuencia, según Nussbaum,
la imaginación, la creatividad y el rigor en el pensamiento crítico que definen en gran
parte a las ciencias en su relación con las materias humanísticas, se pierden ante el
fomento de la rentabilidad a corto plazo que genera la enseñanza de capacidades
utilitarias y prácticas, aptas para el trabajo capitalista. Las artes y las humanidades
desparecen así de la educación universitaria, y en su lugar, las materias económicas y
estadísticas determinan los horizontes de las disciplinas. Esta sustitución propia del
modelo capitalista transgrede, por supuesto, la autorrealización de la vida cultural en lo
que alude a su autocrecimiento a partir de las artes y las humanidades como saberes
contemplativos, y al mismo tiempo, como saberes prácticos, axiológicos y prescriptivos.
302
Sustituir dichos saberes por la asunción interesada de meras técnicas rentables al capital,
nos impedirá, en todo caso, comprender y transformar el mundo en el que habitamos: la
relación universidad/mundo ya no tendría lugar. En ese sentido debemos preguntar con
Henry: Si arte, ética y religión constituyen las formas fundamentales de toda cultura y
son su contenido esencial, ¿qué puede significar una enseñanza que ignora las tres —
una universidad que prescinde de la cultura? (2006, p. 174).
2. Reinvención de la universidad
La reinvención de la universidad pasa entonces por la memoria: es preciso recordar su
origen, condición y finalidad respecto a la Vida y a la acción del hombre en el mundo.
En la universidad como lugar de resistencia contra el poder, las humanidades son las
únicas capaces de actualizar el valor de la vida en virtud de su relación con el
pensamiento y la acción, ya que conservan el derecho incondicional a decir, discutir y
reelaborarlo todo públicamente. Sobre esta capacidad de las humanidades se funda
exactamente la humanitas de la universitas, por cuanto ellas intentan comprender el
concepto de hombre, la figura de la humanidad en general, los derechos humanos, los
crímenes contra la humanidad. En palabras de Jacques Derrida (2005), esto pasa tanto
por la literatura y las lenguas —es decir, las ciencias así llamadas del hombre y de la
cultura—, por las artes no discursivas, y también por el derecho, la filosofía, la religión.
Las ciencias que no hablan del hombre, o que hablan de él como algo distinto de él
mismo, intentan en cambio explicarlo desde su composición en átomos, moléculas,
neuronas, cadenas de ácidos, procesos biológicos o fisiológicos, etc. Esta diferencia
entre el “comprender” y el “explicar” acentúa el papel de las humanidades respecto a los
demás saberes, y al mismo tiempo, su tarea inagotable: “porque la comprensión no tiene
fin; es el modo específicamente humano de vivir, porque cada individuo singular
necesita reconciliarse con un mundo en el que ha nacido como extraño y en el que, en la
medida de su específica unicidad, siempre permanecerá como un extraño” (Arendt,
2008, p. 18). En la comprensión de este extrañamiento del hombre en el mundo reside
exactamente la importancia de las humanidades: sólo ellas poseen la fuerza y la
habilidad para dotar al espíritu y al corazón humano de nuevos recursos de
interpretación y de acción en su relación con la vida.
303
Los saberes humanísticos son esencialmente necesarios, ya que sus interpretaciones se
gestan y dinamizan a la luz de nuevos acontecimientos: a diferencia de las ciencias
positivas que exigen el progreso en virtud de la acumulación de sus resultados, los
saberes humanísticos indagan permanentemente por las irrupciones, escisiones y
rupturas de la historia humana. Este ejercicio por comprender los acontecimientos del
mundo de la vida incluye, por supuesto, a la universidad, no sólo desde el pasado y el
futuro de su existencia, sino también desde las grietas abiertas de su propio presente.
Desde esta posición, el presente de la universidad ha de ser concebido como un
acontecimiento para el pensamiento humanístico, el cual debe interrogar no sólo por las
causas de la crisis de la universidad, sino también por las maneras de superarlas a la luz
del acta de su fundación como universitas y humanitas. Esta resistencia contra el olvido
de la condición y la finalidad de la universidad, nos obliga a luchar contra el
totalitarismo del cálculo y la rentabilidad del mercado que hace superflua la vida en
general, y con ella, la vida de la universidad. Aquí no hay contra-argumento válido: las
humanidades deben contribuir con todas sus fuerzas a la defensa de la vida y la
finalidad de la universidad entendida como un espacio para el pensamiento en
comunidad, no sólo desde la singularidad, sino también y más que nada, desde la
comunidad por venir. Esta comunidad constituye una manera de unirnos libre y
solidariamente en el movimiento del pensar. He aquí la fuerza política de las
humanidades, su resistencia al dominio del poder sobre la vida.
Las humanidades constituyen aquí la promesa de la universidad por venir. Al igual que
Michel Henry, quien concibe a la universidad como un campo ideal regido por unas
leyes válidas y universales en todo tiempo y lugar, las cuales constituyen, a su vez, una
especie de ethos coextensivo a la vida y a la sociedad en general, así también Jacques
Derrida señala que este ethos tiene su lugar en las humanidades, por cuanto:
la deconstrucción tiene su lugar privilegiado dentro de la universidad y de las
Humanidades como lugar de resistencia irredenta e incluso, analógicamente, como una
especie de principio de desobediencia civil, incluso de disidencia en nombre de una
ley superior y de una justicia del pensamiento. Llamemos aquí pensamiento a aquello
que a veces rige —según una ley por encima de las leyes— a la justicia de esa
resistencia o de esa disidencia. Es asimismo lo que pone en marcha o inspira a la
deconstrucción como justicia. A esta ley, a este derecho fundado en una justicia que lo
304
sobrepasa, les deberíamos abrir un espacio sin límite autorizándonos así a deconstruir
todas las figuras determinadas que esa incondicionalidad soberana ha podido adoptar a
lo largo de la historia (2005, p. 51).
La deconstrucción es un derecho a la crítica sin presuposiciones ni condiciones respecto
a los poderes estatal, económico nacional o internacional, ideológico, cultural, religioso,
etc. En dicho concepto está implicado, pues, el término de acontecimiento del
pensamiento por cuanto el pensamiento deviene mediante la crítica, el interrogante, el
cuestionamiento o la afirmación de todo aquello que puede decirse o escribirse
públicamente sobre la investigación, el conocimiento y el pensamiento concernientes a
la verdad. Con el acontecimiento del pensar se hace evidente la característica esencial
que define a la universidad como un espacio de libertad e independencia respecto a otras
instituciones o centros de investigación que están a merced de los intereses y metas
económicas, industriales, militares o políticas. De ahí que la universidad conserve el
derecho soberano a desobedecer, disentir, resistir bajo la justicia del pensamiento: “este
principio de resistencia incondicional es un derecho que la universidad por sí misma
debería reflejar, inventar y plantear, ya sea que lo haga a través de sus facultades de
leyes o en las nuevas humanidades” (Derrida, 2005, p. 47).
Pero este principio de desobediencia, que se extiende a todos los ámbitos académicos,
toma su lugar privilegiado de presentación, reelaboración y discusión en las
humanidades, o mejor, en unas nuevas humanidades. Según Derrida, estas nuevas
humanidades, aún cuando se mantengan fieles a su tradición, atravesarán las fronteras
entre las disciplinas, sin que eso signifique disolver su especificidad, y deberán incluir
el derecho, la filosofía, la teoría literaria, la traducción, la lingüística, el psicoanálisis, la
antropología, etc. (2005, p. 51). En ellas se expresa la libertad o inmunidad de la
universidad
a
deconstruirlo
todo;
por
tal
razón,
“debemos
reivindicarlas
comprometiéndonos con ellas con todas nuestras fuerzas. No sólo de forma verbal y
declarativa, sino en el trabajo, en acto y en lo que hacemos advenir por medio de
acontecimientos” (Derrida, 2005, p. 65). Dicho compromiso respecto a estas
humanidades del mañana nos implica algo más que estudiar sus conceptos, hechos,
problemas y programa de reformas; nos exige un nuevo movimiento de los espíritus y
una manera radicalmente renovada de considerarlas. Derrida (2005, pp. 77-83) propone
305
seis problemas de los que se ocuparían estas nuevas humanidades, y que constituyen las
tareas del pensamiento humanístico en la universidad por venir. Estas se ocuparían:
1) De la idea, historia y condición del hombre bajo los performativos jurídicos que han
escindido la historia moderna de esa humanidad del hombre, particularmente, las
Declaraciones de los derechos del hombre y de la mujer, las cuales se han transformado
progresivamente en el tiempo, y el concepto de crimen contra la humanidad, el cual ha
modificado el campo geopolítico del derecho internacional y su relación con la historia
y la teología.
2) De la historia de la democracia y de la idea de soberanía, incluyendo así mismo a la
universidad, y dentro de ella, a las Humanidades. La deconstrucción de estos conceptos
afectaría a la teoría del derecho, especialmente a la idea de Estado-nación, sujeto de
derecho, ciudadano, género, entre otros.
3) De la historia y del ejercicio de la profesión más allá de la soberanía del jefe de
Estado, del Estado-nación o incluso del “pueblo” en democracia.
4) De la historia de la literatura, del concepto e institución moderna de la literatura, de
sus conceptos de obra, autor, firma, lengua nacional; de sus relaciones con el derecho a
decir o no decirlo todo que funda tanto la democracia como la idea de soberanía
incondicional que invoca la universidad, y dentro de ella, las Humanidades.
5) De la historia de la profesión, de la profesión de fe, de la profesionalización y del
profesorado. El profesor debe dar lugar no sólo al ejercicio competente de un saber en el
que tiene fe, sino a unas obras singulares que constituyan verdaderos acontecimientos
que afectan a los límites mismos del campo académico o de las Humanidades. En este
sentido, el profesor se torna en una figura necesaria para la universidad por venir.
6) De la historia de esa preciada distinción entre actos performativos y actos
constatativos propia de las humanidades.
306
En suma, la reinvención de la universidad por venir nos implica la transformación de
las humanidades del mañana. De ahí que debamos complementar el programa
derridiano con dos problemas más de los que se ocuparía la universidad:
7) De la historia de la universidad, de su idea, espacios, límites y condiciones respecto
al poder. La deconstrucción del concepto de universidad nos permitirá encontrar las
fórmulas para su reinvención en relación con las leyes de la vida y la justicia del
pensamiento.
8) De la historia de la vida del hombre, de su administración, control y eliminación por
parte del poder y el saber. Los saberes deben reactualizar su derecho soberano a resistir
contra los mecanismos y dispositivos de eliminación física, social, política, económica
que se ciernen sobre la vida humana. En este escenario, las humanidades deben resistir
sin condición.
307
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309
CUANDO LA FILOSOFÍA SE HACE EXPERIENCIA POLÍTICA
Juan Pablo Álvarez C.x
Este trabajo pretende situarse dentro del ámbito de la filosofía política, aun cuando pueda
parecer que su tematización teórica ronde los ámbitos estudiados por la filosofía de la
educación. En tal caso, partiremos igualmente del supuesto de que la filosofía de la educación es
propiamente filosofía y que la educación ha sido una preocupación constante en muchos de los
“grandes filósofos políticos” de la historia, basta volver la mirada sobre Platón, Kant, Hegel,
Rousseau, Montaigne, Marx y muchos otros.
El planteamiento general que respaldaremos será proponer la comprensión de la
filosofía como una experiencia, no como un ejercicio teórico ni tampoco como una práctica,
aunque de ambas tenga mucho; una experiencia que, en tanto ejercicio del pensamiento en
relación o tensión con otros, es fundamentalmente política y que por lo tanto, como toda
relación política, puede adquirir matices, contrastes y diferencias en función del ejercicio de sus
presupuestos conceptuales. Así, podríamos tener una experiencia filosófica más o menos
participativa, mas o menos cooperativa, o bien decididamente competitiva e individualista,
dependiendo del lugar que ocupen en los participantes de esa experiencia sus propias
conceptualizaciones en torno a la igualdad, la libertad, la participación, el respeto a la autoridad,
etc.
La experiencia filosófica, podríamos decir, en tanto experiencia política, sólo se puede
comprender utilizando uno de los tópicos centrales del hegelianismo, a saber: “que la filosofía
es, en cada momento histórico, su tiempo captado en conceptos”. De esta manera, podemos
añadir, que aquello que cada vez comprendemos bajo el término “filosofía” es lo que un tiempo
históricamente situado nos deja entrever a través de una práctica, y como estas prácticas
(conceptuales o materiales), otra vez, dependen a la vez de su tiempo, los elementos políticos
que aquellas sean capaces de desplegar y poner en escena variarán permanentemente,
modificándose, haciendo que por tanto no podamos asumir que aquello que ayer se hacía,
enseñaba, decía o pensaba como filosofía, deba también hoy seguir haciéndose, enseñándose o
pensándose como una práctica política válida y validada por una tradición, que bien sabemos,
puede permanecer insensible a los contextos propios en que el pensamiento tiene lugar y
310
asiento. Debemos pensar y evaluar cada vez que a una determinada práctica se le llame
“filosofía” si estamos en presencia de un ejercicio político más bien problemático, nocivo o
fecundo para el resguardo de una experiencia propia de pensamiento.
La filosofía como experiencia político-pedagógica será la cuestión que intentaremos
defender examinar, pero aún más, sostendremos que no se trata de cualquier experiencia
político-pedagógica, sino de una experiencia que sólo volviéndose liberadora, emancipadora,
puede recomponer un espacio perdido, o más bien, ganado por la transmisión-reproducción de
saberes basados en ciertos dispositivos, en términos de Foucault, Deleuze o Agamben,
entendidos como aparatos de control discursivo que se nos imponen sistemáticamente.
La filosofía queremos pensarla como una experiencia del pensamiento humano, que en
el mismo instante que se participa de ella, se participa de un modo particular de entenderse
políticamente a sí mismo y a los demás. Tenemos entonces que no será la misma experiencia
política si se parte del supuesto que la filosofía es una actividad a la que sólo pueden acceder
unos pocos cultural e intelectualmente privilegiados, que si se piensa que posee acceso
universal; o si se piensa que el quehacer de la filosofía es exclusivamente individual o
exclusivamente comunitario, dialógico o monológico, etc.
En “El abecedario de Gilles Deleuze”x, el filósofo responde a su entrevistadora,
refiriéndose a un período de docencia donde quienes iban a escucharlo no pertenecían al ámbito
filosófico. Deleuze, a propósito de lo que hacía al enseñar, nos dice: “Era enteramente filosofía,
creo que era enteramente filosofía, que podía, que estaba dirigida tanto a los filósofos como a
los no filósofos. Al igual que la pintura está dirigida tanto a los pintores como a los no
pintores… o que la música, que no está necesariamente dirigida a especialistas de la música, y
es la misma música, es el mismo Berg o el mismo Beethoven, que están dirigidos tanto a gente
que no son especialistas de la música como a quienes son músicos. Para mí, la filosofía debe
ser rigurosamente igual. Está dirigida tanto a los no filósofos como a los filósofos, sin cambiar.
Cuando la filosofía se dirige a los no filósofos, no implica que se vaya a hacer algo simple.
Otro tanto sucede en la música, no se hace un Beethoven más simple para los no especialistas.
Pues bien, con la filosofía sucede lo mismo. Exactamente lo mismo. Para mí, la filosofía
siempre ha tenido una doble audición: una audición no filosófica a la par que una audición
filosófica, y si no se dan las dos a la vez, no hay nada. Por eso… de no ser así, la filosofía no
valdría nada.”x
Ahondando un poco más en el sentido de las palabras de Deleuze, podríamos decir que
aquello que ocurre cuando la filosofía entra en relación con los no-filósofos es a la vez idéntica
311
y distinta de lo que ocurre con un público dedicado a la filosofía. Es idéntica en cuanto al
tiempo dedicado a la preparación de las clases y a los contenidos que serán tematizados y es
distinta tanto en el lenguaje que se utilizará para la transmisión como en la relación-tensión que
ambos públicos sean capaces de establecer con los saberes transmitidos. Ahora bien, esto
último, parafraseando a Paulo Freire, no sólo depende de quien pretende enseñar, sino de una
predisposición de él mismo junto a quien pretende aprender. No sería novedad que muchas
veces la relación-tensión que el público no filosófico establezca con los saberes sea incluso más
filosófico que el que lo propios filósofos están en condiciones de permitir. De algún modo
podemos decir que el filosofar puede ocurrir en ocasiones al margen o de espaldas al quehacer
de los filósofos; que, en fin, se trata de una experiencia potencialmente autónoma y que sólo
ejerciéndose de manera sistemática puede tener necesidad de la disciplina, de sus leyes, criterios
y normas.
No diría nada nuevo si afirmo que la filosofía tiene normas y una política para su
enseñanza. Pues así como los estados nacionales establecen sus propias leyes, definiendo el
cuerpo legal dentro de los cuales va a entender y configurar, en parte, la identidad y
representación política de sus ciudadanos, así también el pensamiento, el filosófico, va
estableciendo sus propios márgenes, alcances y limitaciones, configurando algo así como un
status político-moral de la reflexión y de sus representantes: los filósofos. Este proceso es el que
está presente detrás de cuando decimos que la filosofía se hace experiencia política. Ahora bien,
en el caso de los estados nacionales, es más fácil poder identificar a los responsables de aquellas
definiciones político-administrativas, cuestionarlas si fuese necesario y gracias, medianamente
al sufragio, cambiarlas. Pero en el caso de la filosofía, ¿podemos identificar quién, qué o
quiénes ponen las reglas lógicas del ejercicio reflexivo o en base a qué autoridad debemos
continuarlas?, ¿quién, qué o quiénes son responsables de decirnos hasta dónde es prudente
pensar filosóficamente las cosas y cuándo acaso hemos excedido los límites de la filosofía?, ¿a
quién podemos señalar como responsable de que pensemos que los filósofos deben dedicarse a
comentar a otros filósofos?.
Que existan estos criterios y no otros resulta difícil atribuir al azar, o en este caso, a una
tradición azarosa. Resulta evidente que la filosofía, su enseñanza, sus periplos, ha sido producto
de un devenir histórico no exento de exclusiones y marginalidades. Cuesta concebir que la
disciplina de la reflexión por excelencia no someta a reflexión su propias condiciones actuales
de posibilidad y que sólo las asuma, las reproduzca y perpetúe, como si los márgenes y
exclusiones fueran producto legítimo de un nuevo laissez faire en la economía de la enseñanza
filosófica. La historia de la filosofía ha seguido un orden discursivo y normativo que ha podido
312
llegar a ser gracias a un desorden que ha sido depurado, vigilado y modelado por intereses y
concepciones dominantes.
Supongo, dice Foucault en El orden del discurso (2011, p.14), “que en toda sociedad la
producción del discurso está a la vez controlada, seleccionada y redistribuida por cierto
número de procedimientos que tienen por función conjurar sus poderes y peligros, dominar el
acontecimiento aleatorio y esquivar su pesada y temible materialidad”.
En toda sociedad donde el acontecimiento aleatorio está constituido por la irrupción de
la experiencia personal y la elaboración de un discurso propio, está amenazada por el peligro de
su inconsistencia, su fragilidad y su novedad. Adjetivos todos ellos que son foráneamente
establecidos por discursos que se han despejado el camino en base a exclusiones y
prohibiciones.
Y continúa Foucault, (2011, pp.14-15) “En una sociedad como la nuestra son bien
conocidos los procedimientos de exclusión. El más evidente, y el más familiar también, es lo
prohibido. Uno sabe que no tiene derecho a decirlo todo, que no se puede hablar de todo en
cualquier circunstancia, que cualquiera, en fin, no puede hablar de cualquier cosa. Tabú del
objeto, ritual de la circunstancia, derecho exclusivo o privilegiado del sujeto que habla: he ahí
el juego de tres tipos de prohibiciones que se cruzan, se refuerzan o se compensan, formando
una compleja malla que no cesa de modificarse. Resaltaré únicamente que en nuestros días, las
regiones en las que la malla está más apretada, allí donde se multiplican las casillas negras,
son las regiones de la sexualidad y la política: como si el discurso, lejos de ser ese elemento
transparente o neutro en el que la sexualidad se desarma y la política se pacifica, fuese más
bien uno de esos lugares en que se ejercen, de manera privilegiada, algunos de sus más
temibles poderes. Por más que en apariencia el discurso sea poca cosa, las prohibiciones que
recaen sobre él revelan muy pronto, rápidamente, su vinculación con el deseo y con el poder. Y
esto no tiene nada de extraño, pues el discurso –el psicoanálisis nos lo ha mostrado- no es
simplemente lo que manifiesta (o encubre) el deseo; es también el objeto del deseo; pues –la
historia no deja de enseñárnoslo- el discurso no es simplemente aquello que traduce las luchas
o los sistemas de dominación, sino aquello por lo que, y por medio de lo cual se lucha, aquel
poder del que quiere uno adueñarse.”
La filosofía y su transmisión, como ejercicio discursivo, no queda fuera de esta
situación, por lo tanto si nos interesa averiguar las condiciones bajo las cuales tiene lugar una
experiencia político-filosófica debemos considerar que el discurso con el que contamos para
interpretar dicha experiencia es ya un discurso selectivo, modelado disciplinarmente, modelado
313
políticamente. En filosofía no podemos decir cualquier cosa, no tenemos derecho a decirlo todo,
debemos regirnos por un orden, en principio lógico, luego epistemológicamente válido,
políticamente razonable o metafísicamente relevante. En todo caso, el asunto clave es que hay
que lidiar con prohibiciones que han sido naturalizadas, y que por lo mismo, ya se han integrado
sin presentar amenazas, presentándose hoy como criterios mínimos de la disciplina. Creemos
que el asunto es mucho más complejo que esto.
Si queremos pensar la enseñanza de la filosofía en el momento en que se hace
experiencia política, no podemos sencillamente asumir los discursos que nos definen lo político
sin una revisión de ello y de lo que eventualmente excluyen.
Usualmente se nos dice que lo esencial de la política, y en Chile particularmente
resuena con fuerza en el lenguaje cotidiano, está dado por la política de los acuerdos, haciendo
notar que el acuerdo es una suerte de motor del progreso político. Así, política y acuerdo van de
la mano, se copertenecen en tanto anhelo y en tanto materialización. Sin embargo, desde la
perspectiva de Jacques Rancière, la esencia de la política es el disenso. Y de algún modo
podemos hacer dialogar esta perspectiva con el texto recién citado de Foucault, pues no se trata
de un disenso que es el simple conflicto de intereses o de opiniones, sino “el conflicto de
mundos sensibles”. El disenso, dice Rancière, en el Prefacio del libro Política, policía,
democracia, (2006, p.12) “es el conflicto sobre la configuración del mundo común por el cual
un mundo común existe”.
Una experiencia de aprender o enseñar filosofía se vuelve una cuestión política cada vez
que se configura, consciente o inconscientemente, un mundo común sobre el cual se debieran
instalar los discursos venideros, como si los modos en que el pensamiento tiene posibilidad de
ser, fueran al mismo tiempo el límite de todos los modos posibles. Lo político no es posterior a
tal o cual método o didáctica de la enseñanza de la filosofía, sino que se instala justamente ahí
donde la intención pretende configurarse de un modo común. Podríamos decir que el acuerdo
está aquí representado por lo que se ha llamado “mundo común”. En un mundo común, si se
quiere participar de un reconocimiento y una validación social, no hay posibilidad de
permanecer externo, ajeno. Un lenguaje común valida lo común, y valida los acuerdos sobre la
base de que cumplan con las normas para llegar al acuerdo. Es decir, tiene una suerte de
existencia circular, reproductiva.
Si la esencia de la política es el disenso, estamos frente a una manifestación que deja ver
lo que no tenía razones de ser visto. Gracias a los modos de subjetivación disensuales las
sociedades pueden diferenciarse consigo mismas. Dirá Rancière (2006, pp.78) “La esencia del
314
consenso no es la discusión pacífica y el acuerdo razonable opuestos al conflicto y a la
violencia. La esencia del consenso es la anulación del disenso como distancia de lo sensible
consigo mismo, la anulación de los sujetos excedentarios, la reducción del pueblo a la suma de
las partes del cuerpo social y de la comunidad política a relaciones de intereses y de
aspiraciones de esas diferentes partes. El consenso es la reducción de la política a la policía.”
Se trata de la anulación de los sujetos excedentarios, con sus discursos excedentarios y
por supuesto con sus excedentarias y particulares experiencias. Una policía vigila que el
consenso se cumpla, que los acuerdos sean acuerdos oficiales y no simulacros, que el discurso
oficial no sea entorpecido.
La policía en términos de Rancière (2006, p.71), más que ser una interpelación directa
al individuo, “…es el llamado a la evidencia de lo que hay, o más bien de lo que no hay:
“¡Circulen! No hay nada que mirar”. La policía dice que no hay nada que mirar en una
calzada, nada que hacer salvo circular. Dice que el espacio de la circulación solo es el espacio
de circulación. La política consiste en transformar este espacio de circulación en espacio de
manifestación de un sujeto: el pueblo, los trabajadores, los ciudadanos. Consiste en refigurar el
espacio, lo que hay que hacer, que ver y que nombrar.”
Pues ya para concluir, decir solamente que lo que a nosotros nos va a interesar en la
investigación que seguirá a esta presentación, es poder ahondar en una perspectiva crítica de los
actuales modos en que se entiende el hacer filosofía, su enseñar, su aprender, su continuidad, su
reproducción, etc. Y donde parafraseando al texto recién citado, queremos preguntarnos acerca
de si el espacio de circulación de la filosofía solo es el espacio de circulación o si pueden haber
nuevos destinos, y particularmente nos interesa identificar si hay una policía filosófica, cómo
funciona, y porqué razones debiéramos obedecer que al hablar de filosofía estamos en presencia
de un espacio de circulación y no frente a un espacio privilegiado para detenerse y disentir.
Bibliografía citada:
Gilles Deleuze, “El abecedario de Gilles Deleuze”,
Foucault, Michel, El orden del discurso, 2011, Tusquets Editores, Barcelona
Rancière, Jacques, Política, policía, democracia, 2006, Lom Ediciones, Santiago
315
La utilización del Arte en la enseñanza de la Filosofía. Supuestos y
posibilidades
Resumen
La siguiente comunicación intenta explicitar por un lado una serie de supuestos sobre lo
que es el arte y la filosofía en los modelos tradicionales de enseñanza de la filosofía, en
los cuales se utiliza el arte como un recurso didáctico. Para tal propósito analizaremos
una serie de actividades sugeridas en algunos de los manuales de filosofía más
utilizados en los últimos años en la Argentina. En rigor, el trabajo busca explicitar la
manera en como operan estos supuestos, reduciendo finalmente las potencialidades que
ofrecería una enseñanza de la filosofía centrada en el arte. Dicha clave habilita entonces
el otro aspecto de nuestro trabajo. En el mismo intentaremos delinear un horizonte en el
cual arte y se filosofía se correspondan en el hecho educativo.
PALABRAS CLAVES: Arte, Filosofía, Enseñanza, Recurso, Didáctica
INTRODUCCIÓN
El titulo de este trabajo anuncia y explicita una posición a la vez. En efecto, utilizar
algo para otra cosa implica instrumentalizarlo, condicionarlo en sus funciones, definirlo
en su utilidad, transformarlo en una mediación para arribar a una finalidad específica. El
caso del “recurso artístico” no suele ser ajeno a la didáctica de la enseñanza de la
filosofía, por el contrario, es una fórmula que se repite en manuales de texto,
actividades, secuencias didácticas, etc. No obstante, vale la pena la pregunta ¿se puede
enseñar filosofía a través del arte? Precisamente esa pregunta nos posiciona ante la
necesidad circular de revisar aquello que entendemos por arte y por filosofía. Pero,
antes de sumergirnos en las profundas aguas de la filosofía, también sería lícito
preguntarnos ¿para qué lo vamos a hacer? En decir, ¿por qué sería relevante pensar la
enseñanza de la filosofía desde el arte? Efectivamente, la respuesta a esta pregunta
transita un abanico de posibilidades que va desde la edificación de un recurso didáctico
316
para la enseñanza de un contenido específico hasta una razón eminentemente filosófica
que se identifica sensiblemente con el panorama que presenta la filosofía
contemporánea. Por ello a lo largo de este trabajo intentaremos mostrar que:
a)
Que, en toda pretensión de plantear una reflexión semejante, existe un
previo compromiso filosófico con lo que es arte y con lo que es filosofía que no
siempre está del todo claro a la hora de proponerlo en el aula. Ello se hace
evidente en la inadecuación entre el arte y el uso de éste como motivador para la
enseñanza de la filosofía.
b)
Que en los tradicionales usos del arte en la enseñanza de la filosofía, el
mismo queda reducido a un mero instrumento y por lo tanto, cercenado en tanto
forma de pensamiento y expresión específica.
c)
Que es relevante explorar la relación entre estos dos ámbitos o maneras
de pensar, no sólo por los aportes específicos que le ofrece a la didáctica de la
filosofía, sino también por una razón eminentemente filosófica que nos
posiciona nuevamente ante el filosofar que subyace a toda enseñanza de la
filosofía.
Para llevar adelante nuestro trabajo relevaremos algunas actividades de manuales
escolares de filosofía de nivel medio en los cuales filosofía y arte se encuentren
implicados, a los fines de revisar los supuestos y consecuencias que se desprenden de
dichas propuestas. En un segundo lugar buscaremos analizar la relevancia de hacerse la
pregunta y la pertinencia de asumir una propuesta de enseñanza de la filosofía a través
del arte bajo la forma de una metodología. Finalmente, intentaremos establecer un
marco teórico para la propuesta, dejando en evidencia que la apelación al arte por parte
de la filosofía es un tema de actualidad e interés para el debate filosófico.
I.
SUPUESTOS
ACRÍTICOS SOBRE ARTE Y FILOSOFÍA EN LAS ACTIVIDADES DE
LOS MANUALES DE TEXTO.
i) El recurso artístico en el marco de la motivación
Frecuentemente nos encontramos con diversas actividades que parten de una
fórmula considerada “artística” para generar interés en el grupo y presentar de una
317
“manera más accesible” el contenido filosófico. En esa clave podemos analizar la
propuesta del manual de Filosofía 5.ES de la Editorial “Tinta Fresca”. En el contexto de
la primera de las unidades en la cual se está abordando el problema de “la utilidad de la
filosofía”; el libro sugiere trabajar con la película Plata quemada, basada en la novela
del escritor Ricardo Pigliax. A partir de la película se les pide a los estudiantes que
vinculen ciertos elementos de la misma con contenidos específicos de la materia, como
por ejemplo la relación entre Tales de Mileto y la vida práctica. La forma de abordar la
película y vincularla con los contenidos es a partir de consignas como: “relacionen el
fragmento de la película en el cual los protagonistas queman la plata con la segunda
anécdota de Tales de Mileto” o ¿“Por qué la gente consideraba que los ladrones eran
verdaderos asesinos cuando quemaban la plata?” Más allá de que la utilización del
recurso nos parezca bastante tradicional (hemos hecho esto como alumnos infinidad de
veces y posiblemente también alguna como docentes); claramente la intención de la
propuesta consiste en que a partir de un recurso motivador (lo audiovisual, medio que
atrae en sí mismo) se pueda abordar un contenido filosófico. El contenido es “extraído”
entonces de la película y la película sólo es analizada en función de ese contenido
específico de la currícula de filosofía. Pero ¿en qué lugar quedan las sensaciones y
emociones que despierta la película? ¿Y en cuál las identificaciones que el espectador
efectúa con los personajes, los valores implicados, la secuencia narrativa? ¿Qué margen
queda para el análisis de la composición, la fotografía, la actuación, el guión, etc? ¿Qué
lugar para los otros posibles pensamientos y reflexiones que dispara el encuentro con
una obra de arte? ¿Cuál para el juego de las interpretaciones? ¿En qué sentido
podríamos decir entonces que hay una “valoración artística” de lo utilizado? Claramente
el arte ha quedado aquí reducido a un mero recurso, un medio no tan aburrido como la
clase expositiva para llegar al concepto. En efecto, el arte ha sido relegado a una
función para, finalmente, ser sometido al imperio dogmático del contenido filosófico
curricular.
Por otro lado, en el Manual de polimodal Santillana del año 1999 podemos observar
la utilización de una historieta del humorista gráfico argentino Carlos Loiseau (Caloi)
con el objetivo de introducir una posterior reflexión sobre aspectos de la ética
relacionados con la pregunta: “¿Cómo se determina lo que está permitido y lo que debe
ser prohibido?” y una invitación a redactar normas de convivencia entre los alumnos en
el aula. En este caso, lo artístico visual de la historieta es limitado a ser un mero
318
ilustrador, ya no de un concepto o contenido filosófico, sino solamente de un término
(“prohibido”, palabra que aparece en la viñeta) relacionado con un concepto filosófico
propio de una teoría ética que pasará a ser estudiada por los alumnos (El de “deber” de
la ética kantiana). En este sentido, lo fundamental de la utilización del dibujo consiste
en relacionar esas palabras que resultan disparadoras a la hora de esbozar la ética
kantiana, sin la necesidad de ningún tipo de reflexión direccionada sobre la realización
gráfica misma, sus elementos iconográficos o el humor como un estado anímico
diferencial para el pensamiento.x
No es distinta la situación en la unidad 3 del manual de “Tinta Fresca”, vinculada al
problema del conocimiento, en la cual se presenta como actividad inicial y disparadora
de la problemática, el análisis de una famosa pintura de Rembrandt (La lección de
anatomía del doctor Nicolaes Tulp). En esa instancia las consignas que guían el análisis
afirman: 1) “En grupos describan la escena que representa la pintura”.2) “¿cómo se
relaciona esta escena con el problema del conocimiento?” En rigor, el capítulo se había
iniciado con una descripción de las ideas principales del Ensayo sobre el entendimiento
humano de Locke y con el análisis de la pintura se quiere presentar un disparador que
permita establecer un puente entre dicha problemática y la imagen. De todos modos el
dispositivo es el mismo que en el caso de la película o la historieta. Lo importante no es
la obra de arte ahí presente sino “lo que ella debe decir” relevante para la clase de
filosofía. Lo relevante es lo que aporte para arribar al concepto, tal y como lo plantearon
los grandes del panteón de la historia de la filosofía.
Sin ahondar demasiado en el tema,
podemos encontrar un paralelo entre esta
concepción de arte y aquella que Susan Sontag critica en su famoso ensayo “Contra la
interpretación”x. Allí la autora establece una diferenciación entre forma y contenido en
el arte, asumiendo que a lo largo de la historia de esta última siempre se ha exaltado el
contenido por sobre la forma, al punto que se la relación con las obras se ha limitado a
intentar dilucidar (interpretar) que dicen. Esta operatoria transforma a la interpretación
en la traducción de un contenido que, en síntesis, es el lugar en el que muere el arte.
ii)
El recurso artístico en el marco de la producción
Muchos docentes suelen considerar que la modalidad artística puede ser mucho más
prolífica para expresar determinadas ideas que, en un lenguaje formal, serian pobres y
319
rudimentarias (además de apáticas y descomprometidas). Es así que se les pide a los
estudiantes que presenten sus ideas a través de fotomontajes, collages, historietas,
dramatizaciones, etc. Actividades que, muchas veces, suelen ser motivadoras en sí
mismas y conducentes al acto creativo. Pero ¿cómo se dan efectivamente esas
propuestas?
Podríamos tomar algunos ejemplos, nuevamente recuperados a partir de libros de
texto, con la intención de analizar el alcance del recurso artístico en relación a la
enseñanza de la filosofía. El primer ejemplo que traemos a colación se presenta en el
Manual de Filosofía de AZ Editora.x En la página 241 de dicho libro, en el marco de la
actividad para trabajar la lectura del fragmento del libro VII de La República de Platón,
se propone que los alumnos realicen un “dibujo de la caverna, los prisioneros dentro de
ella y el que ha sido liberado, saliendo al mundo externo”. Esta tarea constituye
solamente uno de los cinco puntos propuestos por la actividad. Es interesante señalar
que en ninguno de los otros puntos se propone que este dibujo sea analizado de alguna
manera
por
parte
de
los
alumnos.
Se
vean
las
diferentes
formas
de
representarla/interpretarla. Se entiende, por lo tanto, que la producción artística en este
caso tendría una función meramente ilustrativa con la finalidad de que los alumnos
puedan visualizar en una imagen la situación presentada por Platón.
En el mismo manual se sugiere la realización de una técnica de dinámica grupal para
“aplicar lo estudiado” en el primer capítulo del libro en el que se trabajaron temas como
“¿Qué es la filosofía?” y “¿Quién es el filósofo?”. La técnica que se sugiere es la
conocida como role-playing consistente en la dramatización de determinadas
situaciones en las que los alumnos representan diferentes “papeles”. En términos
artísticos podríamos señalar que esta técnica sugiere una introducción del teatro, y una
utilización de sus técnicas de producción a la enseñanza de la filosofía. Los objetivos
planteados para la actividad se dirigen a adquirir conocimientos relacionados con los
temas estudiados en el capítulo, desarrollar habilidades de expresión oral y de capacidad
crítica, y “aplicar adecuadamente conocimientos teóricos a situaciones verosímiles”.
Creemos que esta actividad permite ofrecer a la clase de filosofía un dinamismo que
no tendría si solo se abocara al tratamiento teórico de los contenidos del manual. Sin
embargo, llegados al punto del cierre de la unidad, podríamos preguntarnos respecto a la
utilización de la dramatización teatral como recurso en el marco de la producción: ¿Qué
agrega a lo que se estudió anteriormente sobre la filosofía? ¿Qué permite mostrar el
320
hecho de poner en práctica esas ideas teóricas estáticas que hasta ese momento se
encontraban en palabras escritas? ¿Qué aportan el “diálogo” y la “representación” al
significado mismo de la filosofía y del filósofo? ¿Cómo se pueden repreguntar, a partir
de una exploración de los sentimientos y emociones que implicó la representación
teatral, las preguntas sobre las que versa el capítulo que cierra con esta actividad? ¿En
qué medida se vinculan los sentidos y el uso del cuerpo en el hecho teatral con la teoría
de Platón?¿Cómo sentir entonces el concepto?
Usar recursos artísticos para lograr la motivación del alumno da cuenta de un nivel
comprometido y reflexivo del docente sobre su práctica, lo cual resulta un paso
ineludible en la búsqueda de transformar la enseñanza de la filosofía en una práctica
filosófica, pero es solo un primer paso que permite iniciar el proceso. Partir del arte para
llegar a la filosofía es un camino unidireccional que no garantiza una interrelación
conjunta ni la comprensión de un mismo proceso enfocado desde dos perspectivas
posiblemente (aparentemente hasta aquí) complementarias en el aprendizaje.
II.
LA PERTINENCIA DEL ARTE EN LA ENSEÑANZA DE LA FILOSOFÍA
Volvemos a repetir una pregunta que ya hicimos antes: ¿qué tienen que ver, para el
caso de la enseñanza, arte y filosofía? ¿Qué potencialidades puede esconder una
respuesta a esta pregunta?
Bien, hemos resaltado el papel que tiene el arte como motivador. Sabemos como
docentes que la motivación se ha transformado progresivamente en la condición de
posibilidad del aprendizaje, pero ¿en qué sentido el arte es un motivador? Para un
adolescente posiblemente sea mucho más interesante, al menos hipotéticamente, ver una
película que escuchar a un profesor hablar de Kant o discutir a partir de unas preguntas
sobre algunos puntos centrales de la filosofía de Platón. Entonces, se nos sugiere que
utilicemos el recurso artístico para motivar a que los estudiantes “lleguen” a Platón de
una manera no tan tormentosa y poco interesante como la clase tradicional. Pero ¿qué
hacemos cuando les pedimos después de ver la película que la comparen con la alegoría
de la caverna o las ideas del mundo inteligible?
321
En definitiva, como hemos visto, no sólo hay aquí una idea muy sesgada en juego de
lo que es el arte (cosa de la que no siempre se es del todo consciente) sino también de lo
que es la filosofía. Utilizar el recurso artístico como un mero motivador implica, al
menos desde un abordaje superficial, instrumentalizar al arte y con ello prescindir de sus
potencialidades específicas. Dicha situación viene de la mano de otra que radica en el
hecho de que, cuando se instrumentaliza el arte, se lo hace para enseñar una concepción
tradicional de la filosofía. Con ello se sigue sosteniendo que enseñar filosofía consiste
en reproducir su historia, sus autores y sus problemas, tamizados por algún manual y
motivados por algún recurso medianamente agradable. Ello deja en evidencia una
definición específica y sesgada de lo que es la filosofía y, además, revela que este
supuesto se encuentra definitivamente instalado, aún cuando se pretenda modificar la
práctica docente tradicional apelando a recursos artísticos. En esta clave, consideramos
que para hacer que el arte participe verdaderamente en y con la enseñanza de la filosofía
es necesario, en primer lugar, abrir la pregunta por la filosofía en todas sus dimensiones.
Aceptando, para el caso, que el estudiante que participa, discurre y produce pueda
pensar filosóficamente, sin necesidad de acudir a una autoridad filosófica ni a una
tradición canónica.
Por otro lado, el docente que utiliza recursos artísticos en el ámbito de la enseñanza
de la filosofía, muchas veces se siente en la obligación de tener que brindar a sus
alumnos “obras de arte”, designadas como tales por un criterio de autoridad en el tema,
para desde allí trabajar contenidos filosóficos. Como vimos en el análisis realizado en el
apartado anterior, esta transferencia suele realizarse en base al reconocimiento de la
obra (como el cuadro de Rembrandt) o en la eficacia que se cree que la obra posee (el
caso del cine). Sin embargo, muchas veces suele olvidarse (o no percibirse) que los
jóvenes que habitan el aula están constantemente vinculados con manifestaciones
artísticas, con las cuales se sienten identificados, y estrecha y cotidianamente
relacionados. Los jóvenes consumen arte, piensan arte, intercambian arte, producen arte.
Esta forma de entender la realidad artística precisa de una concepción amplia de lo
que se entiende por tal y no de una que lo confine a los límites estrechos de los círculos
académicos o elitistas. Es decir, partir del arte como un fenómeno socio-cultural
complejo que no necesariamente se encuentra enmarcado en un canon. Sólo de esta
manera podremos visualizar la cantidad de elementos artísticos a los que los alumnos
acceden constantemente y que constituye su identidad. Por lo tanto, tal vez sea
322
necesario reflexionar sobre la necesidad de partir del arte que ya está en la escuela, más
que intentar aplicar el arte desde el exterior, haciendo por ejemplo, que la música del
auricular escondido en al oreja de ese alumno al que siempre llamamos la atención sea
escuchado y pensado por todos. El arte está entre los estudiantes, es importante para
ellos, el problema reside en no advertir las propias limitaciones al momento de valorar o
rechazar esas formas artístico-culturales centrales en la vida de nuestros estudiantes.
Mas allá de lo que hemos afirmado, es relevante sostener que creemos que arte y
filosofía son dos ámbitos autónomos e independientes. Arte y filosofía son “dos
maneras de pensar”, distintas, divergentes, específicas. Pero ¿cómo vincularlas entonces
en el hecho educativo? ¿Por qué hacerlo?
i)
Un posible marco teórico para la fundamentación de una metodología
La cercanía entre arte y filosofía es antigua, tan antigua como el contundente poema
de Parménides. Tan cercana como la poesía oracular de Heráclito. Platón mismo ya
consciente de ese origen difuso de la filosofía, dedicó sustanciosas páginas de sus obras
a intentar demostrar como ésta se encontraba mucho más cercana a la verdad que el arte.
Él había vislumbrado que en el arte se alberga un poder de instauración de verdad que
puede resultar sensiblemente eficaz al momento de educar. Por ello entiende que los
poetas épicos, aquellos que profesan la teología homérica, debían ser expulsados de la
República ideal. Ello es así porque ese tipo de poesía no sería filosófica, no buscaría la
verdad y por tanto daría lugar a una moral distorsionada que funda en definitiva un
sistema político que Platón no consideraba genuino. Entonces en Platón, arte y filosofía
en apariencia se oponen, y lo hacen en el hecho educativo pero no sin antes haber sido
pensadas juntas.
La filosofía de hecho siempre se ha ocupado del arte, sea para elevarla al cielo de
las ideas o para arrojarla en el barro de pasiones. En rigor, no hay sistema filosófico que
no haya tenido algo que decir sobre esta forma común a todas las sociedades humanas.
En ese camino creó “una ciencia del arte y la belleza”, forma en la que Baumgarten
solía denominar a la estética. Disciplina que ha demostrado las dificultades que reviste
entender ese primario modo de expresión. En efecto, el arte se ha transformado en un
problema para la filosofía. Raramente no lo ha sido para el resto hasta la aparición de
las vanguardias. Allí el arte en tanto actividad histórica ingresa en un extraño laberinto
323
del que ya no va a salir. Este gesto del arte coincide con una crisis de la filosofía de la
que, en apariencia, tampoco va a salir: su divorcio definitivo de la ciencia.
Filosofía y arte ingresan en el “mundo contemporáneo” en un territorio común, un
espacio de juego en el que se discute su autonomía, un campo en donde se libra una
batalla entre ambas por adueñarse legítimamente del horizonte del pensamiento. Lugar
en el que resulta necesario caracterizar no sólo la apelación al arte por parte de la
filosofía contemporánea a los fines de una superación de un modelo metafísico que ya
actuaba desde el método y el lenguaje; sino también la apelación a la filosofía por parte
del arte con el objetivo de abrirse conceptualmente, repensarse y, en definitiva,
redefinirse (o ingresar definitivamente al lugar de su indefinición). Es Danto mismo
quien afirma que en la época contemporánea las obras de arte se han transfigurado
claramente en ejercicios de filosofía del artex.
Vale la pena recordar en ese sentido las conocidas las adopciones de poetas y
literatos por parte de muchos filósofos contemporáneos, entre otros: Baudalaire por
parte de Benjamin, Beckett por Adorno o Celan por Gadamer; como el intento de
establecer una forma intermedia entre literatura y filosofía como son los casos de
Blanchot, Mallarmé, Artaud, Nietzsche, Heidegger o Macedonio Fernández. Todos ellos
parecen coincidir en una crítica a un modelo de explicación científico de lo real y que
para poder decir cosas nuevas y liberar a las pasiones y al pensamiento en toda su
dimensión, es necesario dar lugar a una forma de expresión renovada, acudir a un pensar
“externo” a las formas teóricas. En esa línea de producciones, es recurrente la apelación
al arte como recurso superador del lenguaje y de los límites que éste le impone al
pensar, herramienta para presentar lo indecible, metodología para trasvasar el sentido de
lo dado. La armonía que unifica los esfuerzos de estos autores se vincula a posibilidad
de superar un modelo de pensamiento que es mera repetición de lo mismo, una
repetición que pervive en las formas y no en el contenido.
Autores como Badiou nos recuerdan de todos modos que “el arte como pensamiento
singular es irreductible a la filosofía”, por ello es necesario un “inestética”. De hecho,
como él mismo afirma, arte y filosofía se vinculan a través de la educación,
“recordaremos que no existe educación sino por medio de verdades. Todo el
insistente problema es que existan, ya que sin ellas la categoría filosófica de verdad
324
es completamente vacía y el acto filosófico una racionalización académica. Este
existe indica una corresponsabilidad del arte, que produce verdades, y la filosofía,
que, bajo condición de que existan, tiene como obligación y como tarea muy difícil
mostrarlas.”x
Desde el camino de pensamiento planteado por Parménides, pasando por la paideia
de Platón hasta la educación como forma de democracia de Badiou, arte y filosofía se
muestran en un sendero en el cual, sin perder autonomía, se retroalimentan y se hacen
posibles en el hecho educativo.
CONCLUSIONES
A lo largo de este trabajo hemos intentado sostener una pregunta que no
respondimos, sólo demostramos nuestro interés en hacerla y la relevancia de creer en
una respuesta afirmativa. En esa tarea buscamos dejar en evidencia la manera como el
arte puede ser instrumentalizado por la filosofía en el marco de su enseñanza y como
puede esconder una idea profundamente dogmática sobre lo que es la filosofía y
también sobre lo que es (o debe ser) el arte. Esto último lo hicimos con la intención de
cristalizar los supuestos artísticos y filosóficos que preexisten en las aulas, mucho antes
de las propuestas motivadoras o tediosas de los docentes de filosofía. En efecto,
pusimos sobre la mesa la sospecha de que el arte, bajo una de las formas en las que
puede ser entendido, está entrañablemente ligado a la vida de nuestros estudiantes y que
por ello es central partir de ahí para hacer surgir un estilo de enseñar y aprender
filosofía. Dicha búsqueda resultaría necesaria no sólo por la urgencia de hacer de la
filosofía en la escuela algo cercano y vinculado a la vida de quienes habitan el aula, sino
porque también dicha búsqueda es profundamente filosófica.
Todo nuestro trabajo siempre se encontró enmarcado en un universo teórico que
expusimos sobre el final del mismo y que nos permitiría potencialmente encontrar un
núcleo de discusión filosófica en el cual se ubicaría nuestra pregunta y, en definitiva,
una futura y posible propuesta en la cual arte, filosofía y educación se encuentran
implicados.
325
En la medida en que se hace necesaria la configuración de nuevas situaciones de
enseñanza y aprendizaje resulta imprescindible modificar de alguna manera los modelos
existentes para que sean capaces de dar respuesta a las necesidades que el panorama
presentado aquí origina. Por esto sugerimos la posibilidad de hablar de una
“metodología” y cuestionamos en oposición a ello el concepto de recurso. En definitiva,
de lo que se trata es de asumir que la tarea de enseñar filosofía es básicamente filosofar
y si se quiere hacer a través del arte, es necesario refundar lo que está instituido,
abriendo la pregunta por el arte y por la filosofía en toda su dimensión, más allá del
desamparo que ello pueda generar.
BIBLIOGRAFÍA
-Badiou, Alain, Pequeño manual de inestética, Buenos Aires, Prometeo, 2009.
-Danto, A. C., La transfiguración del lugar común, Bs. As., Paidós, 2004.
-Di Sanza, Fernández y La Porta; Manual de Filosofía, Polimodal, Ediciones Santillana
S.A., Bs As, 1999.
-Frassineti de Gallo, Salatino; Filosofía, esa búsqueda reflexiva, AZ Editora S.A.,
BsAs, 2004.
-Raffin Marcelo, Filosofía 5 ES, La Plata: dirección General de Cultura y Educación de
la provincia de Bs. As. 2007.
- Sontag, Susan, Contra la interpretación y otros ensayos, Buenos aires, Alfaguara,
1996.
326
Reflexões sobre o Ensino de filosofia a partir de Paulo Freire e
Enrique Dussel.
Alécio Donizete
[email protected]
Resumo
Este trabalho é uma reflexão sobre o ensino de filosofia no Brasil e na América Latina.
Do pensamento de Paulo Freire e Enrique Dussel, destacamos conceitos como
autonomia e alteridade. Com base neles discutimos a respeito do tratamento dado
atualmente à filosofia e a respeito do modo como a ensinamos em escolas públicas
massificadas. Para a demanda de “ensinar a filosofar na periferia” acreditamos haver
idéias ainda pouco exploradas, tanto em Freire quanto em Dussel, sobretudo, no que diz
respeito à questão da Autonomia.
Palavras-chave: Filosofia, Ensino, Autonomia
Resumen
Este trabajo es una reflexión sobre la enseñanza de la filosofía en Brasil y en América
Latina. Del pensamiento de Paulo Freire y Enrique Dussel, destacamos conceptos como
el de la autonomía y la alteridad. Sobre la base de ellos se discuten qual es el
tratamiento que se da hoy en día a la filosofía y sobre la forma de enseñar en las
escuelas públicas massificadas. Para la demanda de "enseñar a filosofar en la periferia"
creemos haber ideas todavía poco exploradas, tanto em Freire como em Dussel
especialmente en lo que respecta a la cuestión de la autonomía.
Palabras-clave: Filosofia, Enseñanza, Autonomia
Conversa preliminar
O texto está dividido em sete partes e seu primeiro propósito não é analisar ou
explicar, mas refletir. Discutimos alguns aspectos do ensino de filosofia a partir de
questões que emergem da leitura das obras de Paulo Freire e de Enrique Dussel. No que
diz respeito à educação, as idéias desses autores tomam importância cada vez maior em
países que passaram ou ainda passam por realidades de opressão. Apontamos, aqui,
327
algumas de suas contribuições, embora eles não tenham escolhido, especificamente, o
ensino de filosofia como tema. Consideramos, enfim, que suas reflexões sobre conceitos
como autonomia e alteridade/exterioridade (respectivamente centrais em suas obras)
são fontes de inspiração para metodologias de ensino, sobretudo, do ensino de Filosofia.
Tanto na perspectiva da pedagogia libertadora – Freire – como na da filosofia da
libertação – Dussel – ensinar e aprender não se dissociam; fazem parte de um mesmo
movimento dialógico que redimensiona os papéis do educador e do educando. Partem
de uma concepção de Filosofia como “Práxis” onde prática e teoria se alimentam
reciprocamente e devem ser, no caso da educação, centradas no educando,
comprometidas com sua circunstância, sua cultura, seu modo de viver. Para Freire, a
leitura do mundo vem antes da leitura da palavra e “ser gente” não é uma questão de
abstração, mas de ação.
Uma investigação mais longa e rigorosa da obra dos autores é desejável, mas não
autorizada pela dimensão deste trabalho. Buscamos, entretanto, referências em
Pedagogia da Autonomia de Freire, em Filosofia da Libertação e Liberacion
Latinoamericana y Emmanuel Levinas, de Dussel, para aproximar os autores, a partir
dos conceitos acima indicados. Segundo Enrique Dussel: “por naturaleza tambiém el
joven es el futuro filósofo, el actual estudiante, el hombre y la mujer que con idealismo
desean um mundo mejor, más justo, más participativo.”x Acreditamos que a filosofia
como instância potencial de formação ético-política dos jovens e as discussões sobre a
melhor forma de ensiná-la não podem passar ao largo disso.
1. Atualização
No Brasil, desde 2008, filosofia é “disciplina obrigatória” nas classes do Ensino
Médio da educação básica. O resultado de longa luta – pelo seu retorno – transformouse, de repente, em grandes desafios: há que se pensar a Filosofia e seu Ensino em
condições periféricas; há que se ensiná-la na escola massificada – salas abarrotadas e
sem a mínima infra-estrutura – numa conjuntura de grande exclusão social e, sobretudo,
intelectual; há que se introduzir a reflexão e os conceitos filosóficos num meio formado
por adolescentes. Eles, em muitos casos, mal sabem ler e seus professores nem sempre
são bem preparados. Isso, por um lado, ameaça a filosofia, cuja presença, por
inoperante, poderia não mais justificar-se, por outro, impulsiona a reflexão sobre o
papel (transformador) do pensamento filosófico na escola, bem como a metodologia de
328
ensino adequada a esse contexto. Pode-se enfatizar ainda a contribuição concreta – ou
potencial – da filosofia. E não só como disciplina (mais uma) constante na grade
curricular, mas também como estímulo à construção de uma cultura escolar onde este ou
qualquer outro estado de coisas seja colocado em questão.
Nesse sentido o debate sobre ensinar e aprender – filosofia – ganha uma
conotação crítica estendida às formas como a atual sociedade brasileira se organiza e se
orienta, sobretudo, no tocante à educação. Nos últimos anos, o tema ‘ensino de
filosofia’ ganhou relevância e as discussões tomaram proporções inéditas. Isto, sem
dúvida, há que ser celebrado, contudo, os autores latino-americanos ainda foram pouco
explorados. É oportuno e necessário voltar-se para essas temáticas a partir de suas
contribuições, tanto em relação aos conteúdos – praticamente ausentes nos currículos –
quanto ao debate sobre a metodologia de ensino.
2. Desafios
É preciso pensar a implementação de uma metodologia de ensino de filosofia para
adolescentes que respeite, ao mesmo tempo, as idiossincrasias e as circunstâncias
conjunturais. É possível e necessário oferecer os instrumentos do filosofar inseridos na
História da Filosofia ocidental, como refere Dussel, sem deixar de lado elementos da
nossa história de busca por libertação. Precisamos, enfim, pensar os elementos vitais de
uma prática de ensino calcada no respeito ao outro e na conseqüente construção da
autonomia.
Tanto para Freire quanto para Dussel, a educação é um processo dialógico de
inter-subjetividades que deveria se traduzir em auto-construção de novos sujeitos.
Contudo, no âmbito escolar tem prevalecido a domesticação e a obediência irrefletida e
aqueles objetivos estão longe de se realizar. Nossas instituições de ensino muitas vezes
se tornam simples repetidoras de ideologias, preconceitos e formas sistêmicas de
exclusão.
A construção da autonomia não é um problema exclusivo da Filosofia. Ela é
entendida aqui como processo que leva à liberdade do indivíduo para reconhecer-se
como tal, fazer suas próprias escolhas e se responsabilizar por suas ações. Tal
construção que é em si um projeto audacioso precisa de ressonância não só nos
conteúdos e métodos da filosofia, mas em todas as esferas do contexto escolar. Desde as
paredes da escola à biblioteca, o pátio e a merenda. É fundamental a consideração do
contexto. É importante que os documentos orientadores da prática pedagógica dêem
329
conta da complexidade da situação. Enfim, os discursos abstratos e deslocados
certamente cairão no vazio, pois uma vez dirigidos a todos e aplicáveis a quaisquer
contextos, pode se tornar, também, um discurso para ninguém. Por um lado, e isso é
evidente, nada do exposto acima constitui-se como desafio próprio e exclusivo da
filosofia. Mas por outro, é uma exigência que, tendo retornado a essa escola como
disciplina formal, a Filosofia “filosofe”. Isto é, coloque em questão a autonomia da
escola e a sua própria. Segundo Paulo Freire:
...a autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é um
processo, é vir a ser. É nesse sentido que uma pedagogia da autonomia
tem de
estar
centrada em experiências
da decisão e
da
responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdadex
Chama atenção a exigência de que esse processo – que não deve ocorrer só na
escola, mas, sobretudo, nela – de construção da autonomia esteja ligado a “experiências
respeitosas da liberdade”. Tais experiências dependem de opções e conjunturas éticopolíticas. Estas, obviamente, não se produzem com naturalidade. Ao contrário,
constituem-se em embates diários que vão muito além das salas e corredores da escola.
Ao voltarmos o foco para a filosofia e seu ensino, podemos compreender melhor ou
mesmo redimensionar seu papel. Tomar o ensino da filosofia como um problema e
colocá-lo nessa perspectiva da construção de Autonomias é, automaticamente,
questionar-se sobre “qual filosofia” ensinamos e sobre “como” ensinamos.
3. Freire: autonomia e libertação
Quanto ao fato de a autonomia não ser sinônimo de autosuficiência parece haver
acordo. Quanto ao que ela é, no entanto, os filósofos divergem. Rousseau em conflito
com os enciclopedistas – iluministas – almejou para seu Emílio uma autonomia que não
tinha a ver apenas com o intelecto. Pois para ele o mal não era inversamente
proporcional ao desenvolvimento da razão. O autor do Contrato Social mostrou, pelo
contrário, que o ‘progresso das luzes’ não só não garantia o progresso moral dos
homens como provocava neles a dependência das aparências e dos simulacros exigidos
pela sociedade corrompida. “o homem que reflete é um animal depravado” dirá ele no
Segundo Discurso. Para Rousseau, o aperfeiçoamento dos conhecimentos e o aumento
330
do esclarecimento não garantem uma conseqüente melhora na autonomia moral dos
indivíduos. Seria preciso desenvolver sentimentos naturais que ligam o ser humano a
outros seres humanos, principalmente a piedade, que, segundo a autor do Contrato
Social, “até as bestas sentem”.
Kant, leitor de Rousseau, segue-o na defesa intransigente da liberdade, mas vai
além, no sentido da superação do naturalismo, lançando os fundamentos da ética
baseada na autonomia da razão. Autonomia, então, pode significar o agir de acordo com
minha natureza, isto é de acordo com o exigido pela razão; o homem é animal racional.
Quando submetido aos apelos do desejo, o homem vive em heteronomia. Ter autonomia
é viver de acordo com a própria lei, ou seja, a lei da razão, e esta é universal. Qualquer
um, dotado de razão, pode chegar, por essa via, ao pleno domínio de suas faculdades e
compreender os princípios e leis que regem ou deveriam reger as ações humanas. Agir
de tal modo que esta ação possa ser universalizada porque emana da razão que é
universal. Assim, avança-se para uma autonomia do ser racional de tal modo que,
segundo Kant, nenhum ser humano deveria se submeter a outro. É o que Kant chamava
de maioridade; todos, em contrapartida, estão submetidos às leis racionais.
Paulo Freire não nos oferece uma definição conceitualmente rigorosa do que
entende por autonomia. Através de inúmeras assertivas, propostas e aconselhamentos,
do autor, podemos nos aproximar de uma compreensão satisfatória dessa idéia que lhe é
tão cara. Não se trata de termo puramente conceitual, mas, ao contrário, de uma
construção prática. Ela deve acompanhar o homem em seu caminho de ser “inacabado”
que é. Autonomia é um processo, cuja efetivação se realiza, ou se põe em marcha, por
meio da educação. Mais do que na ‘autonomia’ como termo abstrato e isolado é mais
coerente falar numa ‘pedagogia da Autonomia’; esta tem a ver com dignidade humana e
deverá estar fundada na éticax. No âmbito da educação moderna e contemporânea Freire
introduz a idéia de autonomia vinculada a processos pedagógicos e políticos, pois ela
será dependente de condições sócio-históricas de uma sociedade. Portanto, autonomia
supõe processos de superação da opressão e não pode ser galgada individualmente. Daí
que, na perspectiva de sua pedagogia libertadora, se faz necessário tanto a
conscientização como a conseqüente intervenção no mundo a ser transformado. Para
além de uma compreensão ingênua do ‘Correto uso da razão’, Freire nos faz pensar
numa autonomia cuja expressão pode ser inclusive o questionamento dos usos e abusos
da razão ou do que se faz em nome dela. Não é o simples caso de o ser autônomo alçar331
se a um domínio pleno da pura racionalidade, mas o de intuir o caráter histórico e
político desta e, por conseguinte, seus conflitos. Dai que autonomia será sempre
conquista coletiva inserida em processos educativos. Daí que a autonomia não é
transmitida de A para B, nem mesmo de educador para educando:
outro saber necessário à prática educativa que se funda na
mesma raiz da ‘inconclusão do ser que se sabe inconcluso’ é o que
fala do respeito devido à autonomia do ser do educando. Como
educador devo estar sempre advertido com relação a esse respeito que
implica igualmente o que devo a mim mesmo.
Mais uma vez a lembrança do homem como ser em processo. Ninguém, por
mais competente ou sábio que seja, está autorizado a enquadrá-lo seja nesta ou naquela
categoria, seja neste ou naquele conceito. “Ninguém é sujeito da autonomia de
ninguém” – dirá em outra passagem da mesma obra. Essa observação de que o ser
humano é em si, abertura para o novo, tantas vezes assinalada por Paulo Freire,
funciona como salvaguarda da própria autonomia humana.
Não faz mal repetir a afirmação várias vezes feita nesse texto
– o inacabamento de que nos tornamos conscientes nos faz seres
éticos. O respeito á dignidade de cada um é um imperativo ético e não
x
um favor que podemos ou não conceder aos outros.
Esse respeito à dignidade supõe que o educador se interesse também pelo
“mundo” do educando. Que conheça sua forma de existência e que acolha as
experiências vivenciadas por eles. Longe de ser apenas uma competência intelectual
fadada a compreender e dominar conteúdos difíceis, a construção da autonomia exige
compromisso histórico com a humanidade. E não uma humanidade imaginária que
nunca se manifesta em pessoas. Ao contrário, é um humano em “carne e osso”. O
indivíduo muitas vezes vitimado pela opressão, pela exclusão e pela negação de
direitos; inclusive o direito de expressar sua palavra. Dito de outra maneira, o indivíduo
cuja liberdade ainda é apenas um nome bonito, pois não tem se manifestado em seus
aspectos materiais e políticos. Na Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire dirá: “a
libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo
conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela”.x O que serão estes
‘conhecimento e o reconhecimento’ senão a autonomia? E como chegar a ela se não
332
entendê-la como processo do qual educando e educador são sujeitos? Lamentavelmente,
quantas vezes, professores de filosofia, se desesperam porque seus alunos não “sabem
pensar”, não “tem maturidade”, não “sabem decidir”. Quantas vezes ignoramos séculos
de história e desconhecemos que “ninguém é autônomo primeiro para depois decidir.
Porque a autonomia vai se constituindo nas várias, inúmeras decisões que vão sendo
tomadas”x
4. Dussel: totalidade e exterioridade.
Há, todavia, uma perspectiva – que não é inocente nem inepta, pois consta em
documentos oficiais e na maioria de nossos livros didáticos – de que os problemas
filosóficos são os mesmos em quaisquer lugares e aquela invenção grega é uma
ferramenta multiuso para aplainar as diferenças desde uma perspectiva da identidade. O
diferente, nesse sentido, deve ser reduzido em sua alteridade até o ponto de se
identificar com o conceito dominante, articulador do discurso válido. Os exemplos
pululam: o Tupinambá, para ser gente, precisa se vestir e ser batizado; o negro precisa
abandonar suas tradições e seus deuses; os pobres precisam de um cartão de crédito, as
mulheres, ingressar no ‘mercado de trabalho’, pouco importa as relações estabelecidas
nele. Se pudéssemos parafrasear Ferreira Gullar, diríamos: a totalidade está fechada, não
há vagasx. Partindo de visão distinta, porque radicada num contexto latinoamericano,
Dussel analisa a perspectiva da Filosofia Ocidental como um modelo de ‘totalidade
ontológica fechada’. Ele considera que, por nossa História e cultura, estamos inseridos
nele, mas seus limites, filosófica e praticamente, deveriam ser superados. Nesse modelo,
a totalidade, por meio da reflexão, também passa ‘de um momento a outro momento’
mas é sempre outro momento de si mesma, uma dia-lética que não comporta nem inclui
o ‘diferente’, a não ser convertendo-o no ‘mesmo’. Sempre partindo da metafísica como
‘filosofia primeira’ a totalidade do ser se basta e se explica, não havendo necessidade de
encontro com o outro, ou com outros. Conforme Dussel, a Filosofia Primeira não é a
metafísica, mas a Ética. E o método mais adequado a uma abordagem aberta à
alteridade não é a dialética, mas a analética. Este, aliás, segundo Dussel, deveria ser a
conseqüência lógica de qualquer dialética que realmente partisse do dia-logo. Se, de um
lado, o limite da dialética é a totalidade, de outro, não há limites para a analética, pois o
outro, o rosto do outro é ‘totalidade aberta’, ou seja, é infinitox. Segundo Dussel:
333
O momento analético é por isso crítico e uma superação do método
dialético negativo, ele não o nega, como a dialética não nega a ciência,
simplesmente o assume, o completa, lhe dá seu justo e real valor. É
superação da totalidade, mas não só como atualidade do que está em
potência no sistema. É a superação da totalidade desde a
transcendentalidade interna ou da exterioridade, o que nunca esteve
dentro. É a afirmação da exterioridade: não é somente negação da
negação do sistema deste a afirmação da totalidadex.
O que é que está em potência, se não os resíduos do mesmo? Assim, afirmar o
ser seria sempre uma afirmação do sistema que se perpetua como negação do diferente.
Isso se consolida de tal modo que o novo nunca pode surgir. Daí ser possível dizer –
sem nenhum espanto – que “alguns homens nasceram para ser escravos”. Ao incluir o
outro no sistema – por via analéticax – p Dussel o institui como “totalidade” aberta e
pensa a filosofia, por exemplo, não apenas como reflexão sobre a liberdade, mas como
experiência de libertação de si e do outro. Dessa abertura, se infere o caráter pedagógico
da filosofia, entendida, por ele como “Filosofia da Libertação”. Trata-se de afirmar uma
exterioridade - alteridade – para além das potências do sistema: “afirmar a exterioridade
é realizar o impossível para o sistema (não havia potência para isso), é realizar o novo, o
imprevisível para a totalidade, o que surge a partir da liberdade incondicionada,
revolucionária, inovadorax. Um discurso, ou contradiscurso, que se insurja contra esse
“sistema fechado” há de ser forjado fora dele. Essa tarefa deveria ser assumida por
pensadores latinoamericanos, uma vez que segundo Dussel, por exemplo:
ao se definir a Modernidade exclusivamente a partir do
horizonte europeu, pretende-se que o ‘contradiscurso’ também seja
um fruto exclusivo da Europa. Desta maneira, a própria ‘periferia’,
para criticar a Europa, dever-se-ia europeizar, pois deveria usar um
contradiscurso europeu para mostrar à Europa sua contradição, sem
poder, mais uma vez, trazer nada de novo, devendo negar-se a si
mesmo.
Nessa ótica, nos limites da periferia do sistema, nenhum discurso sobre o ‘ser’
poderia ser autêntico, nem autônomo, pois que não autorizado desde o centro. No
entanto, para Dussel o discurso que se pretenda filosófico e autêntico deveria ser
discurso – contradiscurso – de libertação. Por isso é a ética, e não a metafísica, a
filosofia primeira. E com isso concorda Paulo Freire quando afirma: “não podemos nos
assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção como sujeitos
334
históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos”x. É, assim,
que a filosofia da Libertação ou a pedagogia libertadora serão, ambas, filosofias da ação
e não apenas de contemplação.
Dussel está convencido de que “el início de toda crítica es la crítica a la
totalidade, es decir, apertura al Outro hasta el infinito”x
Estas preocupações levam Dussel a formular uma pedagógica, no interior de sua
Filosofia da Libertação. Um estudo do processo de formação do humano genérico, mas
também do humano situado. O homem concreto, latino americano. Este estudo
inevitavelmente o conduzirá a encontrar-se – naturalmente – com a Obra de Paulo
Freire, a quem chamou de “el Rousseau del siglo XX, de la cultura popular periférica”x.
Conforme Dussel, na pedagogia problematizadora de Freire “El maestro viene a
gestar lo nuevo en el outro, mediando su pensar pedagógico, y esto no es sacar como el
mayeuta El hijo Del outro, sino gestar El hijo nuevo en la dialógica. Se trata de una
nueva pedagogia e esto es essencial em la America latina”x. Concordando com Freire,
Dussel compreende a perspectiva tradicional de educação como espaço onde o discípulo
é apenas um receptor de conteúdos, pois se trata de uma pedagogia memorialista,
Também chamada bancária. Segundo Dussel “Paulo Freire denomina ‘pedagogia
bancária’ a la que deposita em ‘lo mismo’ ‘lo mismo’”. Nesse Sentido, continua, “es
uma pedagogia memorialista, como também era rememorativa a pedagogia platlônica,
la ontologia del Erinnerung de Hegel o del olvido del ser de Heidegger”. x Eis um
quadro ilustrativo das práticas pedagógicas mais comuns, seja no âmbito da graduação
ou no ensino médio: a ênfase se dá no conteúdo – manipulado e controlado pelo mestre
– e a compreensão predominante é a de que o conhecimento é essencialmente um
produto encomendado pela Ministério da Educação e entregue ao aluno. “lo más grave –
insiste Dussel – es que son pedagogias dominadoras. Mientras que lo que proponemos
no es mayéutica, sino que esta gestacion del nuevo, es una nueva categoria; la categoria
de ‘fecundidad’ es la categoria pedagógica de la liberacion”.x
Essas reflexões podem remeter ao questionamento de nossas bases curriculares.
Elas, via de regra, omitem pensadores brasileiros e latinoamericanos ignorando nosso
contexto histórico e cultural. Quanto à metodologia de ensino, os procedimentos, com
raríssimas exceções, seguem a tradição da aula expositiva: o mestre fala, o aluno ouve.
Ora, tanto na perspectiva freireana como na de Dussel, pode-se dizer que pensar,
planejar e realizar uma aula – qualquer, mas também de filosofia – é participar de um
335
processo ético-pedagógico-intelectual, um encontro de alteridades aptas a fazerem
aparecer o novo. Mas o novo não tem de ser um produto aprovado pelo controle de
qualidade da tradição; o novo pode ser já o próprio processo, o modo de fazer.
5. Metodologia
5.1 filosofar em português
Tradicionalmente em nossas “academias”, sobretudo, no Brasil, apesar de estarmos
nos trópicos, envolvidos por clima quente e cercados por natureza exuberante,
costumamos seguir – inclusive na arquitetura – padrões e métodos exógenos. Edifícios
de grossas paredes, salas quadradas ou retangulares, cadeiras alinhadas e palco central
para comportar a estrela do espetáculo (obviamente o espetáculo do conhecimento).
Estas cenas se repetem de norte a sul, e, não importa se o calor lá fora chega aos
quarenta graus, é de bom tom o uso de terno e gravata. Tais determinações sociais e
políticas não destoam de outras, em geral eivadas de preconceitos, como as que elevam
socialmente a cor da pele, rebaixam as religiões locais à categoria de mitos, classificam
os costumes e as artes de nossos rincões como primitivos. É verdade, houve importantes
avanços na luta contra a colonização, a escravidão, a repressão em geral. Exemplares
são a literatura, a música e mesmo – mas isso só muito recentemente – nossa maneira de
lidar com a democracia. Temos, aos poucos, conquistado novos espaços. A música, a
dança e, por que não, o futebol são expressões culturais “universais” que sabemos a
executar tão bem e “latinoamericanamente”; não deixamos de usar os temperos locais,
daí sua peculiar originalidade que ora causa admiração, ora ofende os mais
conservadores; seja como for, nesses campos do saber e da expressão humana, não
ficamos a dever nada a quem quer que seja. Contudo, há áreas – e a filosofia se destaca
entre elas – em que, lamentavelmente, nossa imaginação ainda continua bastante
colonizada. Caetano já ironizava: “se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma
canção, está provado que só é possível filosofar em alemão”. Há, sem dúvida, modos
perversos de exercer e se afirmar a racionalidade. O mais perverso deles, porém, é o
modo que afirma ser o único; sendo o mais desastrado, o que acredita nisso. Nós
acreditamos que não é gratuito ou natural o fato de que em terras tupiniquins a filosofia
tenha avançado muito abaixo do que poderiam ser as expectativas. De um modo geral,
o ensino – e não só o de Filosofia – é tomado como um problema menor. No caso do
‘ensino de filosofia’, se o tomássemos, realmente, como problema, e mais, como
problema filosófico, observaríamos que não dá para separar o conteúdo e a forma; que
336
dificilmente daria para modificar um sem intervir no outro e vice-versa. Não raro, a
própria forma, é já um elemento de conteúdo filosófico. Ou seja, a elaboração de
instrumental metodológico adequado para o enfrentamento do desafio de se ensinar
filosofia numa escola massificada e periférica exige mudança também no modo como
fazemos, como pensamos e mesmo como escrevemos Filosofia.
Acreditamos, como Paulo Freire, que o ser inacabado que é o homem, só se faz –
embora nunca termine de se fazer – na e pela educação. Segundo Paulo Freire, o homem
não nasce homem, deve ser formado. Sofrer formação. No que diz respeito à Filosofia, à
formação filosófica, acrescentaríamos que é melhor ‘ter do que não ter’. E, se em nosso
país, é parte obrigatória da formação, talvez seja porque ainda não atingimos – nem
socialmente, nem individualmente – níveis desejáveis de autonomiax. Para construí-la
ou para contribuir minimamente no processo de sua construção, poderíamos alavancar
nossos currículos e principalmente nossa metodologia de ensino nas seguintes palavras
de Paulo Freire:
preciso, agora, saber ou abrir-me à realidade desses alunos com
quem partilho a minha atividade pedagógica... E a diminuição de
minha distância da realidade hostil em que vivem meus alunos não é
uma questão de pura geografia. Minha abertura à realidade negadora
de seu projeto de gente é uma questão de real adesão de minha parte a
eles e a elas, a seu direito de ser”x
5.1 um apelo popular.
De onde exatamente poderia vir aquele novo de que falam Freire e Dussel?
Quando o assunto é ensino de filosofia, temos algo a aprender da cultura popular? Em
que sentido as práticas coletivas das comunidades pobres – indígenas e afrodescendentes e outras – poderiam inspirar nossas metodologias de ensino? Tomemos
uma experiência valiosa realizada no ‘curso de filosofia da libertação’ na Escola de
Educadores sociais no Recifex, terra de Paulo Freire: a dinâmica de fazer – aprender a
fazer – um pão coletivo.
Era interessante de se ver a grande/pequena variedade de coisas sobre a mesa.
Cada um, sem acordo prévio, trouxe o que achou que deveria trazer. Ou trouxe aquilo
que mais o identificava com a comunidade da escola. Os que queriam falaram de suas
oferendas e de como se sentiam trazendo aquilo. Alguém, por exemplo, ficou
337
preocupado com o que ia trazer porque pensou na possibilidade de que todos
trouxessem a mesma coisa. Outro estava preocupado com elementos essenciais que não
poderiam faltar e se sentiu tentado a trazer mais de um ingrediente – ‘só para garantir’ –
, mas isso seria contra a regra. As falas foram se multiplicando: alguém disse que foi,
ainda durante a noite, consultar um padeiro, para tirar dúvidas e assim não correr o risco
de que o pão não prosperasse. Por fim alguém tinha se lembrado de trazer uma receita
de pão. Trouxe-a em um caderninho, mas o caderno havia desaparecido, como que por
encanto. Ninguém viu, ninguém sabia onde estava esse caderno. Começava a bater certo
temor. No grupo ninguém assumia pra valer que conhecia plenamente o processo.
Ninguém se achava competente o suficiente para reter para si a responsabilidade da
feitura do pão. Sem a receita, então, ficou praticamente impossível. Foi um momento de
indecisão, mas muito rico. Era preciso encontrar uma solução. Esta solução não poderia
prescindir do grupo presente no seminário. Era necessário unir os poucos
conhecimentos de cada um e “colocar a mão na massa”, como alguém lembrou. Dessa
maneira, os candidatos, timidamente, foram surgindo: Nalu que havia trazido – e
perdido – a receita; Uziene que afirmou uma ou outra vez ter visto ou participado da
fabricação do pão; Ricardo, idem e Joel, que assegurava ter alguma experiência devido
ao seu conhecimento da química. Joel não conseguiu a confiança de todos quando fez
essa afirmação, pois no grupo ele se destaca por suas divertidas brincadeiras e até então,
não se sabia se aquela história de ‘conhecimentos de engenharia química’ era uma coisa
séria ou mais uma de suas anedotas. Em todo caso, mais ou menos combinado o
coletivo aceitou que o comando da operação ficaria com esse pessoal, principalmente
Nalu e Uziene.
Assim se fez. Era necessário um tempo bem distribuído, pois o pão tem o seu
próprio tempo e o grupo, a sua programação. Ainda antes do almoço seria feita a
mistura dos ingredientes e preparada a massa. Depois disso voltava-se para a sala para
assistir um filme de quinze minutos sobre o consumo solidário. Enquanto isso, a massa
cresceria ficando no ponto de ser amassada novamente. Isso foi mais ou menos pensado,
mas na hora da execução surgiram problemas. O primeiro foi a quantidade de pessoas.
Em volta de uma mesa de mais ou menos 3m de comprimento por 1m de largura, trinta
pessoas se acotovelavam para acompanhar o processo. Não havia espaço, mas todos
estavam dispostos a contribuir com palpites e sugestões. Isto levou a um estresse
inevitável: as coisas sobre a mesa, a receita desaparecida, o tempo passando, as falas se
338
cruzando, o planejamento ou a falta dele, sendo questionado, um rapaz assobiava uma
música que só ele conhecia. Foi um momento de tensão que levou Uziene à quase
desistência, ao que Ricardo, depois de arrumar uma touca de verdadeiro cozinheiro,
assumiu a frente. Outro problema foi o acordo quanto às medidas a serem usadas. A
experiência de cada um era diferente. Ficava difícil, pois ao mesmo tempo em que
ninguém tinha plena certeza, também ninguém queria abrir mão do pouco que sabia. A
maioria concordou com Uziene, quanto à necessidade de colocar, em uma bacia
separada, o fermento para que crescesse e só depois fosse misturado à massa com a
farinha preparada em outra bacia. Surgiu a duvida quando de repente se notou que a
quantidade de fermento pensada e colocada à parte, talvez não fosse suficiente para a
quantidade de pão necessária para alimentar toda aquela gente. A situação piorou.
Lembraram que o tempo de crescimento do fermento estava sendo cronometrado e sua
duração era de 20 minutos. A questão agora era como respeitar o tempo do fermento,
sem prejudicar o andamento dos estudos e, principalmente, como garantir o lanche de
todo mundo. Este momento foi por certo o mais tenso e alguns realmente perderam o
equilíbrio. As conversas paralelas aumentaram de volume; uns fingiam que não tinham
nada a ver com aquilo; o rapaz que assobiava se lembrou de outra música – mais tarde
ele disse que cantava de nervoso, porque pressentia que possivelmente o pão fracassaria.
Foi argumentado que para ninguém ficar sem pão no final da tarde seria possível
preparar outra bacia com fermento e, enquanto o pessoal voltava para a sala de estudos,
duas outras pessoas se encarregariam de amassar o ‘outro pão’. Parecia uma solução
tentadora e bem ao alcance das mãos, mas seria uma atitude conivente com a
desorganização e a falta de planejamento. Além do que duas pessoas se ausentariam dos
estudos e a maioria não participaria da feitura do ‘outro pão’. O que parecia uma
solução fácil era na verdade uma operação “tapa buraco” muito comum no Brasil Diante
de tudo isso a idéia foi descartada. Mas o problema continuava e o fermento dava sinais
de que em pouquíssimo tempo transbordaria da bacia. Eis que surge no meio da falação
a ‘palavra da ciência’. Joel, ‘o engenheiro’, propõe uma solução com a qual, a princípio,
quase ninguém concordou. Uns por medo, outros por acharem que Joel brincava, outros
por não entenderem a explicação. Pediram para Ele explicar novamente. Explicou:
“estamos diante de um falso problema. O que acontece é que as bactérias que vivem no
fermento precisam se alimentar. Assim, quanto mais alimento elas tiverem para devorar,
mais tempo vão demorar. Ou seja, se a gente acrescentar mais farinha e mais açúcar etc.
339
aqui na outra bacia, o que acontece é só que vai levar mais tempo para a massa crescer,
mas que ela vai crescer, isso vai. Se antes a gente precisava de 20 minutos talvez agora
precisemos de 40, só isso”. Feita a conta, chegou-se à conclusão de que o tempo de
crescimento não seria problema, pois, haveria a metade da tarde. Restava, porém, uma
dúvida: estaria Joel falando a verdade? Mas e se o pão minguasse? Se a massa não
crescesse? Se o lanche da tarde resultasse numa confusa e enrugada mistura de
ingredientes no fundo de uma bacia? Era o senso comum acostumado com a experiência
e mais propenso a se fiar nela, acreditando em Nalu e Uziene, contra o raciocínio
científico. o popular e o erudito podem dialogar? Só porque é popular deve-se dispensar
a lógica e o rigor? Neste caso específico do pão dos Educadores Sociais, praticamente
não havia alternativa, a não ser acreditar na ciência. E assim foi. Deu-se crédito ao Joel
e as coisas continuaram. Quase se dobrou a quantidade de farinha, misturaram-se mais
ovos, enfim, era preciso garantir o sustento de todos. Misturada, a massa ficou
“dormindo” enquanto do lado de dentro da sala, os estudos seguiam. O pão, ainda em
potência, dormia um manso sono, acalentado pelo calor.
Em seu tempo devido, a massa cresceu e era a hora de sová-la para que, já em
pedaços, crescesse mais um pouco até ser levada ao forno; todos participaram. Agora
era a reta final: hora de levar a massa para um lugar quente, aguardar um pouco, colocar
no forno e torcer para que o resultado fosse o melhor possível.
Enquanto isso, na sala, as discussões se seguiram. Primeiro o debate sobre o
vídeo e em seguida uma longa partilha das experiências vividas no processo de fazer
coletivamente um pão. Tudo era vinculado automaticamente ao curso de Educadores
Sociais, que já passou por várias etapas.
O pão representou uma espécie de síntese: da teoria à prática; do processo
educativo calcado em Paulo Freire, centrado na horizontalidade; na construção coletiva
do conhecimento; na Ética da Libertação que, segundo Dussel, não parte do outro como
um conceito abstrato, mas como presença, rosto, proximidade. Pelas falas de alguns viuse que a experiência de trabalhar juntos, de conhecer juntos, de descobrir juntos e com
objetivos comuns é um grande desafio; “sonhar é fácil, fazer é complicado”; “Colocarse no lugar do outro não é fácil”; “respeitar as idéias e a posição do outro, às vezes é
muito difícil”...
6.
Freire e Dussel
Em seu livro “Educação e libertação na América Latina”, Marcio Costa afirma:
340
“a pedagogia de Paulo Freire é formada por uma estrutura filosófica
fortemente marcada pela fenomenologia existencial, caracterizada pela
circunstancialização e pela movimentação do homem no mundo,
enfatizando sua historicidade. A perspectiva pedagógica de Dussel é
atrelada à filosofia da Libertação, pensamento fundado na tradição
filosófica ocidental, na tradição semita e no ‘modus vivendi’
emergencial do povo latino-americano”.x
Neste ou naquele caso o foco é o sujeito sujeitado, oprimido, destituído de
direitos, por ele mesmo ignorados, vítima de fraude em sua identidade forjada alhures; o
latino americano em suas circunstâncias. Freire não ignora a história marcada por
escravidão e opressão, circunscrições que ainda fazem eco no analfabetismo – real ou
funcional -, na pobreza das maiorias e na conseqüente baixíssima auto-estima que
dificulta os processos afirmativos em nossas salas de aula. Em Pedagogia da Autonomia
ele dirá: “meu ponto de vista é o dos condenados da terra, o dos excluídos”. Por outro
lado, Dussel considera que somos, sim, latino-americanos, periféricos, mas também
herdeiros da tradição cultural do ocidente. Somos o ‘outro’, e como tal, quase sempre
negado pela filosofia – metafísica – da totalidade. Ela não admite a existência ao
diferente, no sentido de que só o reconhece quando este se violenta para tornar-se
idêntico a ela mesma. Historicamente, o pensamento local não existe como tal, isto é,
enquanto não for enquadrado no padrão; aulas devem ser dadas em longas palestras – às
vezes enfadonhas, sob calor de quarenta graus, etc.. Estamos, então, autorizados e
desafiados a elaborar uma metodologia de ensino de filosofia para adolescentes que
respeite idiossincrasias e ao mesmo tempo garanta que se esteja realmente filosofando
como refere Dussel. Uma tal prática – de ensino – deveria conter elementos vitais como
o respeito à alteridade, o incentivo à participação mesmo que errante de início, e
paciência histórica na tentativa de construir subjetividades livres e autônomas. A
construção da autonomia como objetivo pedagógico deveria encontrar ressonância nos
conteúdos e nos métodos da filosofia. Mas não é em qualquer contexto ou com qualquer
Filosofia que seria possível tal construção.
Tanto Freire quanto Dussel consideram a educação um processo dialógico de
inter-subjetividades que deveria se traduzir em emergência de novos sujeitos. Longe de
alcançarem o mínimo de autonomia – moral e/ou intelectual – nossos adolescentes, de
modo geral, ao concluírem o Ensino Médio, são incapazes de entender conceitos básicos
341
a serem usados como ferramentas para defesa até mesmo de seus direitos básicos. Se
levarmos em consideração que, segundo Paulo Freire, “a compreensão a ser alcançada
por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”, a
situação fica ainda mais dramática. No caso dos textos de filosofia, é quase
desesperador. Está claro que o papel de desenvolver o senso crítico é de toda a
educação, mas nada mais apropriado na preparação dos alunos para a leitura do texto e
do contexto numa perspectiva problematizadora que uma boa aula de filosofia.
Entretanto, muitas vezes encontram-se limitações de toda ordem: de um lado, limitação
pelo ‘contexto’ impróprio – precariedade na formação e no ambiente físico – de outro,
pelo próprio ‘texto’ – falta de sentido, ausência de auto-disciplinax, incapacidade de
leitura. O professor de filosofia terá que reinventar o ambiente. Sua metodologia deverá
levar em conta não só o processo de auto-construção do aluno – capaz de pensar por si
mesmo – mas também da escola em que trabalha, da sociedade em que ela está inserida
e, sobretudo, a dele próprio, seja diante das difíceis condições de trabalho, seja diante do
material didático limitado. Sempre, conforme Freire, a partir de “experiências
respeitosas da liberdade”
7.
Filosofia na periferia
O quadro de alienação e mesmo de desinformação, ou má formação em que
vivem muitas camadas dos povos latino-americanos, pode levar o jovem professor de
filosofia ao desânimo. Pode levá-lo a perguntar se faz realmente sentido ensinar
filosofia na periferia. Ou, se não é a filosofia, de fato, um luxo para quem já tenha
resolvido as questões básicas de sobrevivência e bem estar. O mesmo quadro, porém,
pode, pelo mesmo caminho, conduzi-lo à conclusão de que o enfrentamento de tais
questões está de todo modo relacionado à reflexão filosófica de que uma escola básica é
capaz. Mas a filosofia não tem caráter salvacionista e nem é por si mesma libertadora, é
antes um espaço de disputas imerso num conjunto de contingências, enfim, um processo
complexo que envolve distintas visões de mundo e interesses políticos pontuais. Neste
espaço e neste processo predominam, todavia, uma dinâmica de produção do
conhecimento limitada à mera transmissão de informações sobre autores e conteúdos
estranhos aos jovens e nem sempre com as mediações necessárias. A Filosofia, como
patrimônio do conhecimento humano historicamente construído ou conquistado – pelo
menos no caso do Brasil – ainda está reservada a uma elite “pensante”, basicamente
acadêmica. Esta se distancia, deliberadamente, do ‘homem comum e mais ainda do
342
adolescente comum; de seu ponto de vista, a escola pública, mormente a periférica, é
um espaço estéril onde não há reflexão, logo não há e não pode haver “filosofia”. Para
estes profissionais, então, as coisas estão como deveriam estar, pois “pensar é para
poucos e nem todos tem capacidade de alcançar o mundo dos conceitos”.
Os desafios obviamente, não são simples. Contudo, pode-se argumentar que a
conquista do conhecimento não é apenas questão de domínio de um mecanismo de
abstração conceitual, para o qual, talvez, as circunstâncias não sejam as melhores, mas
um exercício, uma atividade concreta, um enfrentamento cotidiano. O ‘exercício do
conhecer’, aprendido apenas como abstração, poderia até afastar o sujeito pensante de
sua realidade imediata, alienando-o e inibindo nele qualquer consciência possível. Não é
um processo puramente mental. Por exemplo, “entendimento do que seja a liberdade”,
mas um “processo efetivo e orgânico de libertação”. É um aprendizado de liberdade,
para além dos elementos intelectuais, exige componentes materiais, sociais, políticos.
Tais reflexões, no âmbito do ensino de Filosofia, remetem a um questionamento
radical de nossas bases curriculares que, via de regra, omitem pensadores brasileiros e
latino- americanos e ignoram nosso contexto histórico e cultural. Os procedimentos
metodológicos, por sua vez, com raríssimas exceções, seguem a tradição da aula
expositiva: o mestre fala, o aluno ouve. Já dissemos, mas enfatizamos que pensar,
planejar e realizar uma aula de filosofia, na perspectiva freireana ou de Dussel, é
participar de um processo ético-intelectual, um encontro de alteridades aptas a fazerem
aparecer o novo. Segundo eles, o novo não tem que ser um produto aprovado pelo
controle de qualidade da tradição; o novo pode ser já o próprio processo, o modo de
fazer.
Sobre o novo em filosofia é temerário falar. De diversas maneiras já se fez e já
se disse a filosofia. Sócrates e Platão escolheram o diálogo, Aristóteles, a
sistematização, e foram, nisso, seguidos por muitos; Rousseau, como antes, Agostinho,
filosofou em forma de confissões; Descartes dedicou-se aos tratados e discursos;
Nietzsche, igual a tantos antes dele, e muitos outros, depois, usou os aforismos;
pensadores como Karnap filosofaram sem perder de vista a esfera da objetividade
científica e Kierkgard transformou suas meditações pessoais em peças imprescindíveis
do patrimônio filosófico. Se há, assim, formas distintas de se afirmar a filosofia, há,
também, por outro lado, variados modos de negá-la. Dentre estes o mais perverso é
aquele cujo critério se baseia na geografia. Desde este ponto de vista, na periferia não há
343
filosofia. Assim, para se saber se tal texto é ou não é filosófico, bastaria identificar em
qual país foi escrito. Por mais esdrúxula, essa fórmula foi – e ainda é - aplicada com
êxito em nossos guichês acadêmicos.
Mas não se ensina nem se aprende desde ‘lugar nenhum’. Nossos estudantes têm
um chão, uma determinada cultura e esperanças muito próprias. Ensinar e aprender
filosofia já supõe a necessidade de se perguntar o que ela é e de onde vem. E é
necessário, ainda e em primeiro lugar, romper com o modelo bancário, professoral e
castrador da criatividade. O que, no Brasil, está longe de ser uma tarefa fácil. Nossos
currículos e programas, invariavelmente, são copiados de modelos estrangeiros e se
limitam ao estudo da história ‘consagrada’ da filosofia e, quando muito, ao comentário
‘escolástico’. Pouco espaço há para a experimentação e o ensaio, menos ainda para o
estudo de problemas nascidos de “espantos” originais. Nossos procedimentos, de um
modo geral, limitam nossa autonomia e restringe a liberdade a escolhas dirigidas: seja
na elaboração do material pedagógico, cuja criatividade esbarra no livro didático doado
pelo governo e adotado pela escola; seja no momento de projetar uma monografia de
graduação, ou ainda, quando se decide qual projeto de mestrado deve ser aprovado e,
principalmente, qual deve ser agraciado com uma bolsa de estudos. Em geral, podemos
‘decidir’ qual pensador – invariavelmente estrangeiro – devemos comentar; É uma
maneira repetitiva de conhecer e entender o problema dos outros ao mesmo tempo em
que omitimos os nossos. Quase nunca escolhemos sobre o que vamos decidir. Se for
forçado um debate nesse sentido, ironicamente nos perguntam: quem é nosso
Aristóteles, quem é nosso Descartes, quem é nosso Hegel? Se não temos os nossos
Aristóteles, talvez seja por nosso complexo de inferioridade engendrado e interiorizado
nas próprias escolas, sejam elas médias ou superiores. Por outro lado, Aristóteles é
irrepetível, fenômeno possível em sua própria conjuntura, um mestre, sem dúvida. Mas
quando lemos em sua obra que “alguns homens nascem mesmo para ser escravos” –
idéia para a qual não há mais plausibilidade possível – , deveríamos rebaixá-lo do posto
de pensador universal? Ou, pelo contrário, deveríamos elevá-lo à condição de homem
comprometido com seu tempo e com seu lugar? No entanto, quando ensinamos
Aristóteles, não raro, ignoramos ou omitimos que sua ‘doutrina do ser’ é circunscrita a
um conceito de ‘ser’ já aquiescido por aquela compreensão contemplativa. Mas para o
escravo grego – e para o excluído em qualquer contexto – tratar-se-ia de um devir, de
um vir a ser, ou o “ser que ainda não está aí”. Dito de outro modo: o ser como processo
344
em construção. Fazer filosofia, ou ensiná-la, definindo à revelia o lugar e a identidade
do outro é de alguma maneira negá-lo. No caso da América Latina, significa continuar
negando, embora não com correntes e grilhões, mas com sofisticados aparatos
conceituais. Em filosofia da libertação na América latina, Dussel diz: “nossa filosofia da
libertação fixará sua atenção no passado do mundo e na espacialidade, para detectar a
origem e a arqueologia de nossa dependência, debilidade, sofrimento, aparente
incapacidade, atraso”.x Dussel destaca a espacialidade talvez porque ‘estar é antes de
ser’. A floresta e o rio antes da aldeia, a aldeia antes do território, o território antes do
mundo e este, mesmo como abstração, antes do céu ou de outros paraísos prometidos.
Nessa visão, um ensino de filosofia comprometido com a construção da liberdade
deveria assumir o “ser” – objeto privilegiado da filosofia, status quo, instância histórica
e conceitualmente aceita como expressão do logus – mas também o “não ser” –
alteridade negada em sua diferença e impedida de pronunciar/expressar seu mundo ou
sua visão sobre ele. Talvez esta tarefa nos pareça tão distante porque a escola – e não
somente a filosofia inserida nela – ergueu altos muros entre a sala de aula e a vida; entre
os conhecimentos sistematizados pelas disciplinas e os interesses cotidianos. A escola
pública no Brasil – nem integral nem integrada – reproduz os vícios da sociedade e suas
ideologias consumistas, sexistas, racistas e etc., perdendo, paulatinamente, sua
capacidade crítica e junto com esta, a competência para transformar mundos, bem como
sua influência desejável nos processos de promoção da justiça.
Palavras derradeiras
O que o professor de Filosofia tem a ver com tudo isso? Ou o que poderia ele
fazer nesse contexto de escolas sucateadas? Para alguns a resposta, sincera, talvez seja:
“nada”. Não é tão difícil compreender e até concordar com aqueles que, cinicamente ou
não, ganham seu sustento por meio de erudição estéril, produzindo teses destinadas às
gavetas, falando de uma filosofia academicamente elitizada que realmente não teria
nada a fazer na escola. Dessas posturas resulta que a licenciatura ou atividade de
ensinar, como já disse Gilsonx, lhes pareça repugnante. Por outro lado, poderíamos
apostar algumas fichas, postura, aliás, que adotamos, e acreditar que há um papel, ainda
que mínimo, reservado à reflexão filosófica, no contexto escolar. Inspirados na leitura
de Freire e de Dussel, poderíamos, reconsiderar nossos conteúdos curriculares e,
principalmente, nossas metodologias de ensino. Não é o caso de abandonar experiências
345
ou conhecimentos acumulados – exitosos ou não – mas de acrescentar a eles novas
perspectivas.
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346
Das possibilidades do filosofar através dos textos filosóficos
Geraldo Adriano Emery Pereirax
João Baptista Areal Netox
Matheus Machado Alfradiquex
1.Introdução
O recente retorno da filosofia ao currículo do ensino médio trouxe à tona a exigência da
pesquisa que aqui se apresenta, principalmente quando se considera as pretensões de um
ensino que não se paute apenas pela memorização, mas por habilidades e competências
mais dinâmicas e criativas. Neste cenário, fica notória a necessidade de uma articulação
dialética que contemple tanto as exigências educacionais que se apresentam para o
ensino médio, como a manutenção da identidade e da liberdade intelectual, tão próprias
da investigação filosófica. O desafio é educar filosoficamente na complexa presença
institucional da filosofia na escola.
A pesquisa está sendo desenvolvida com o auxílio de dois bolsistas de Iniciação
Científica Júniorx, ou seja, dois estudantes do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Viçosa – CAp-COLUNI. A participação deles tem sido de
suma importância para as atividades investigativas, pois eles trazem um olhar diferente
daquele do professor-pesquisador-filósofo. A leitura que eles têm feito sobre o filosofar
e a presença da filosofia na escola média, articulada com a interação deles com os
outros estudantes na coleta de dados, tem sido um elemento de grande importância para
as possibilidades abertas por esta pesquisa.
2.Objetivos
347
O objetivo da investigação, que se encontra em andamento, é analisar o potencial do
texto filosófico como instrumento didático para a prática do filosofar em sala de aula no
nível médio. Em virtude disso, apresentam-se os seguintes objetivos específicos:
 apontar o texto filosófico como um elemento provocador do filosofar;
 buscar estratégias que potencializem a experiência de pensamento presente no
texto filosófico, a fim de aproximá-la do estudante do nível médio;
 explorar a tensão entre a oralidade e a escrita no processo do filosofar.
3 Elementos metodológicos
3.1 O marco teórico
A pesquisa, na medida em que visa equacionar possibilidades filosóficas do texto,
tomará como eixo de problematização teórica os conceitos de pluralidade e pensamento
da filósofa Hannah Arendt. A hipótese a ser verificada é: em que medida a atividade
didática com o texto filosófico é capaz de articular a tensão entre a pluralidade política
da sala de aula e o estar só, que não é solidão, do pensar.
Este eixo teórico colocará a pesquisa sobre o filosofar através dos textos em contato
com a complexidade que envolve o debate sobre o ensino de filosofia como um
filosofar. É preciso enfrentar a questão do ensino de filosofia como um autêntico
problema filosófico, pois se a intenção é desvelar as potencialidades didáticas do texto
para o filosofar, é de suma importância ter clareza sobre o que é o filosofar, e o que
implica filosofar na sala de aula. É em virtude desta exigência metodológica que
fizemos a opção filosófica pelas provocações e categorias arendtianas, no intuito de
enfrentar com rigor a investigação sobre o potencial didático do texto filosófico para
filosofar na sala de aula.
Assim, a título de uma breve exposição sobre a perspectiva arendtiana que figura como
solo conceitual e problematizador da pesquisa, a visão da autora sobre a condição
humana implica em afirmar que a pluralidade é a condição da vida humana sobre a
terra. Isto quer dizer que somos iguais, isto é, humanos, porém distintos entre si, o que
caracteriza a singularidade.“A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de
348
sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a
qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir”(ARENDT,2001,p.16).
A pluralidade como categoria é, para autora, um elemento que caracteriza a vida
política, pois segundo ela deve se considerar “o fato de que homens, e não o Homem
vivem na terra e habitam o mundo” (ARENDT,2001,p.15). Na pesquisa que está sendo
desenvolvida, esta categoria marca a postura política da filosofia na sala de aula do
Ensino Médio. Esta categoria traz consequências hermenêuticas no trato com o texto
filosófico como elemento para o filosofar. E é esta possibilidade que se pretende
explorar, a ponto de, sem desprezar o rigor conceitual, podermos falar, com
AGAMBEN (2007), em uma profanação do texto como resultado de um filosofar, que
leva em conta a pluralidade não como uma categoria qualquer, mas a condição humana
dos homens sobre a terra; e para nós na sala de aula.
Aceitando provisoriamente a identidade entre o que a autora nomeia como pensar e o
que a título de ensino está sendo chamando de filosofar há um fato que outros filósofos
admitem e que a autora sustenta que é a afirmação de que o pensamento é uma atividade
peculiar ao humano, mas sua presença ou atividade não é universal no que toca a
totalidade dos seres humanos.
‘O que estamos fazendo’ é, na verdade, o tema central deste livro, que aborda
somente as manifestações mais elementares da condição humana, aquelas
atividades que tradicionalmente, e também segundo a opinião corrente, estão ao
alcance de todo ser humano. Por esta e outras razões, a mais alta e talvez a mais
pura atividade de que os homens são capazes – a atividade de pensar – não se
inclui nas atuais considerações (ARENDT, 2001, p.13).
O que nos faz pensar (filosofar) e o que caracteriza esse pensar (filosofar) como uma
potência humana é uma questão decisiva, não apenas para o trato didático com o texto
filosófico, mas para quem se arrisca a ser professor de filosofia.
As opções filosóficas, o enfrentamento do ensino de filosofia como um autêntico
problema filosófico e as conjecturas a cerca da sala de aula que nos levaram a uma
apropriação conceitual de Hannah Arendt, resultaram da provocadora leitura do texto de
349
CERLETTI (2009), para quem o ensino de filosofia como um problema filosófico deve
ser enfrentado na diversidade de suas tensões, dentre elas a da filosofia consigo mesma
enquanto atividade “ensinável”, e a da institucionalização da disciplina juntamente com
as disputas curriculares próprias do ambiente escolar
.
3.2 Levantamento parcial de dados
O levantamento de dados ainda está em andamento, e tem sido uma atividade
desenvolvida pelos estudantes bolsistas da pesquisa. No ano de 2012 foram feitas as
seguintes atividades:
•
Contextualização do ensino de filosofia no ensino médio a partir de pesquisas
bibliográficas para a visualização dos limites e possibilidades deste ensino;
•
seleção de textos e elaboração de questionários a serem utilizados em uma
pesquisa interativa com os alunos na qual os mesmos relatariam sobre sua
experiência com o texto e o filosofar, e responderiam a questões específicas ao
conteúdo;
•
análise dos dados recolhidos visando estabelecer a relação do aluno com o texto
filosófico e o processo do filosofar.
O Texto selecionado pelos Estudantes foi o artigo terceiro da primeira parte da obra
Questões Discutidas sobre a Verdade de Tomás de Aquino – Coleção Pensadores.
4.Resultados parciais com relação aos dados levantados pelos bolsistas
Foram aplicados 236 questionários, destes apenas 76 já foram analisados pelos
bolsistas, cabendo ainda a aplicação de outros questionários com outros textos e com
outras variáveis, para a montagem de uma oficina com o intuito de uma experimentação
filosófica com os textos juntos aos estudantes em sala de aula.
Como resultado parcial, foi observada uma forte tendência dos alunos de fuga com
relação ao processo do filosofar provocado pelo texto, o que pode sinalizar a ineficácia
350
de uma gama de habilidades interpretativas, necessárias para que estes façam uma
leitura efetiva dos textos; um grande desinteresse por parte dos alunos com o conteúdo
apresentado pelo texto; ou mesmo, uma dificuldade dos alunos de se apropriarem
subjetivamente do texto, não sendo estes capazes de confrontarem o conteúdo lido na
tentativa de realizar o processo do filosofar.
Outro fator que se mostrou bastante decisivo, em relação aos resultados obtidos, fora o
fato de que os alunos previamente iniciado nos conhecimentos de filosofia apresentaram
habilidades interpretativas mais eficazes e apresentou certa facilidade em se apropriar
da discussão proposta pelo texto filosófico em relação aos demais alunos não
previamente iniciados nos conteúdos de filosofia.
Feita a análise de uma questão relativa ao conteúdo do texto aplicado em uma das
escolas, apuramos os seguintes dados demonstrados no gráfico ao lado.
A partir das outras questões presentes nos questionários – relativas às impressões
iniciais dos alunos, quanto ao texto e ao papel do professor no processo do filosofar –
foi possível concluir, de maneira parcial, que as maiores dificuldades encontradas
basearam-se na falta de interatividade entre o aluno e o texto, o que deve ser
proporcionado através da atividade do professor. Visto que o conhecimento filosófico
deve conferir ao aluno uma responsabilidade intelectual, de forma que ele atinja
subjetivamente o processo do filosofar, o texto filosófico, em geral, não atingiu
resultados satisfatórios quando empregado de forma autônoma, indicando a importância
do intermédio do professor em tal relação.
5.Considerações sobre a continuidade da pesquisa
O dilema didático-pedagógico, que se enfrenta nesta pesquisa, é o da apropriação do
texto filosófico sem submetê-lo a uma banalização epistemológica, que não
descaracterize o rigor da filosofia, enquanto filosofia.
É fato que a utilização do texto filosófico exige um complexo processo hermenêutico,
que também precisa levar em conta as reais condições da presença institucional da
351
filosofia na escola média tais como a limitação da carga horária, a distância temporal de
alguns textos e a realidade dos alunos, a linguagem dos textos, o risco da mera
memorização, e certamente a banalização da potencialidade filosófica do texto.
Atualmente alguns livros didáticos para o ensino de filosofia estão disponíveis, seja pelo
programa do PNLDx ou para a aquisição privada de alunos e professores. É importante
verificar que vários desses livros trazem certos fragmentos de textos retirados das obras
de clássicos da filosofia para a análise dos alunos, seguidos de exercícios e outras
atividades.
Enquanto empregado no atual contexto do ensino de Filosofia oficialmente presente apenas no
Ensino Médio, o texto filosófico pode exercer uma função dogmática, por vezes criando
obstáculos ao processo subjetivo do filosofar, e não impulsionando o pensamento próprio. Seu
objetivo é plenamente atingido quando a capacidade de interpretação do aluno e o intermédio do
professor entram em sintonia, desencadeando o filosofar.
Diante do exposto, o que continua a mover o empreendimento dessa pesquisa é verificar
em que medida a utilização dos textos dos filósofos é capaz de proporcionar aos alunos
a experiência que impulsiona a atividade típica dos filósofos, qual seja, o filosofar (
pensar). Para tanto é importante colocar em foco o grau de potencialidade dos textos
filosóficos para mobilizar os estudantes para esta atividade.
352
Referências Bibliográficas
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Janeiro:Forense Universitária,2001.
---------------------A vida do espírito. Trad. Antônio Abranches et al.Rio de
Janeiro:Relume Dumará, 2002.
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Noronha et al.São Paulo:Martins Fontes, 2001.
SCHOPENHAUER.Arthur.Sobre a filosofia e seu método.Trad. Flamarion C.
Ramos.São Paulo:Hedra, 2010.
353
ENSINO DE FILOSOFIA PARA A CIDADANIA
Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
Universidade Estadual de Londrina
Departamento de Educação
[email protected]
RESUMO
O objetivo do trabalho é ressaltar a importância do ensino de filosofia como eixo integrador das
disciplinas para atingir uma formação cidadã. Acreditamos que é importante o ensino da
filosofia como disciplina integradora de conhecimentos, porque ela é capaz de falar de ciência,
estética e ética. Através desta capacidade, ela harmoniza os saberes de tal maneira que, revela o
status de cada uma dessas áreas do conhecimento, discutindo seus alcances e limitações e,
ressaltando a importância da ligação entre elas. Esta integração permitirá a formação de
indivíduos conscientes e capazes de lidar com os desafios científicos, com a sensibilidade
estética e com o compromisso ético. A pergunta que norteia nosso estudo é vislumbrar como a
filosofia pode harmonizar os conhecimentos na procura da formação cidadã. Entre as
considerações finais destacamos que, a partir da modernidade, a pesar de muitos projetos
de integrar os conhecimentos, os saberes foram isolando-se cada vez mais, atingindo altas
especializações. Ante esta situação, a filosofia como integradora de saberes pode colaborar
no equilíbrio e unificação da sociedade. Não pretendemos uma nova prática metodológica,
senão uma proposta que permita formar cidadãos conscientes na sua prática científica,
na sua contemplação e deleite estético, assim como na sua responsabilidade ética.
Palavras-chaves: ensino de filosofia, formação cidadã, ética, estética.
ABSTRACT
The goal is to highlight the importance of teaching the philosophy as a integrating axis of
disciplines to achieve citizenship. We believe it is important that the teaching of philosophy as a
discipline that integrates knowledge, because she is able to speak of science, aesthetics and
ethics. Through this capacity, she harmonizes the knowledge so that shows the status of each of
these areas of knowledge, discussing its scope and limitations, and emphasizing the importance
of the link between them. This integration will allow the formation of conscious individuals and
capable of dealing with scientific challenges, with the aesthetic sensibility and ethical
354
commitment. The question that guides our study is to see how philosophy can bring expertise in
pursuit of civic education. Among the final considerations highlight that, from modernity, in
spite of many projects to integrate the expertise, knowledge isolating themselves were
increasingly reaching high specializations. Given this situation, as the philosophy of integrative
knowledge can assist in balancing and unifying society. Do not want a new methodological
practice, but a proposal to make people aware in their scientific practice, in contemplation and
aesthetic enjoyment, as well as their ethical responsibility.
Keywords: philosophy of education, civic education, ethics, aesthetics.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho ressaltamos o papel formador da experiência estética na educação do indivíduo.
Acreditamos que a relevância do tema radica na proposta interdisciplinar e equilibradora, que
nos permite buscar em nossas práticas educativas tanto os fatores epistemológicos, como
estéticos e éticos. De tal maneira que, uma proposta interdisciplinar a partir da estética permitirá
restaurar a harmonia entre os conhecimentos.
Ao ressaltar a ligação entre estética e epistemologia, pretendemos observar que a ciência e a
estética são disciplinas fundamentais para a formação do que denominamos “gosto”, alicerce
que permite a formação ética do indivíduo. Visto desta maneira, nossa proposta não pretende
unicamente aprimorar e ampliar a visão do mundo dos pesquisadores, senão desenvolver o
impulso lúdico, equilibrador, entre os indivíduos visando a formação científica, a sensibilidade
estética e o compromisso ético.
Consideramos como nosso principal referencial teórico as Cartas sobre a Educação Estética
do ser Humano (1791-1793) de Friedrich Schiller, apresentando algumas reflexões e
comentários sob esta pesquisa bibliográfica.
Procurando atingir nossos objetivos, dividimos o trabalho da seguinte maneira: primeiro,
apresentamos as cartas de Schiller; em segundo lugar tratamos o papel do lúdico na estética; em
terceiro lugar, a educação do gosto estético e, por último, a relação entre estética e ética.
1. AS CARTAS SOBRE A EDUCAÇÃO ESTÉTICA DE SCHILLER
Friedrich Schiller, autor das Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano (1791-1793)
ressalta a importância da educação estética para a formação do indivíduo. Para este autor, a
realidade está formada pelas condições materiais das que faz uso o artista (tinta, papel, sons,
técnicas, idioma, exercícios, regras, etc) e a forma representa o espírito do artista, a intenção que
355
o material expressa. O artista tem que ter as duas condições para expressar sua arte, sua
mensagem.
Schiller concebe a beleza como ideal superior platônico, eterna e indivisível, que está num
ponto de equilíbrio estático e “não se pode encontrar na realidade um efeito estético puro”, mas,
esta beleza platônica tem um reflexo na obra de arte, nela se plasma e consegue uma realidade
concreta. “A excelência de uma obra de arte apenas pode residir numa maior aproximação desse
ideal de pureza estética”. Ele considera a beleza ideal como único referencial que guia a procura
da beleza, mas este autor valoriza a obra de arte real porque, “a beleza no plano da experiência
será pelo contrário, eternamente dupla, porque numa oscilação pode ser perturbado o equilíbrio
de duas maneiras” (SCHILLER, 1993, p. 65).
Unicamente a obra de arte real consegue um equilíbrio particular a partir de um movimento, do
esforço do artista para comunicar (a forma) a partir dos meios técnicos da arte (a matéria). Cada
artista procura seu equilíbrio como uma experiência pessoal, isto enriquece o conceito de arte. A
realidade nos permite ver que para perceber a beleza temos que ter em conta a época, o artista, a
técnica, seu entorno, e saber que cada obra de arte é uma experiência única. A experiência
artística é única e criativa porque cada artista tem suas próprias condições materiais e sua
própria mensagem.
Observamos que para Schiller a experiência estética faz confluir emoção e razão, reações
culturalmente ricas, que agrupam os instrumentos dos quais nos servimos para aprender o
mundo que nos rodeia. Os dois princípios opostos que se equilibram na experiência estética são
de um lado, a forma que expressa o sentimento, o subjetivo, e se manifesta de maneira
espontânea e, de outro, a matéria que representa o racional, o objetivo, as regras, a técnica. “No
caso do homem espiritual, a beleza da experiência estética o afasta da forma e o aproxima da
matéria para equilibrá-lo” (SCHILLER, 1993, p. 69).
Este equilíbrio proposto pela estética é uma fusão cuidadosa de dois elementos que mobilizam o
indivíduo: o sentimento e o entendimento. De tal maneira que, “não se note no todo qualquer
traço de divisão” e é necessária esta união para a “perfeita unidade”. Esta denominada fusão
cuidadosa, esse equilíbrio, que é próprio da experiência estética lhe dá uma qualidade que vai
além da interdisciplinaridade, ela é transdisciplinar porque permite integrar conhecimentos
diluindo fronteiras.
O equilíbrio proposto por Schiller entre sentimento e entendimento é fundamental para poder
chegar ao conceito de beleza, por isso:
Os filósofos que, não refletirem sobre este tema, se deixam
cegamente dirigir pelo seu sentimento, não poderão chegar a um
conceito de beleza, uma vez que não distinguem nenhum
aspecto isolado no total da impressão sensível. Os outros, que
356
tomam em exclusivo, o entendimento como guia, nunca poderão
atingir um conceito da beleza, uma vez que no total da mesma
nada mais discernem para além das partes, permanecendo para
eles o espírito e a matéria eternamente separados, mesmo na sua
mais perfeita unidade. (1993, p. 70, grifo nosso).
O conceito de beleza se alcança graças a um equilíbrio entre o sentimento e o entendimento,
entre a liberdade criatividade e a razão reguladora. O exercício estético nos conduz ao que é
ilimitado, ao ideal de beleza, a um ponto ideal, estático em equilíbrio perfeito, mas, assim como
a ciência pretende aproximar-se da Verdade platônica, assim a estética procura a Beleza
platônica perfeita. Unicamente o estado estético é um todo em si, que permite a nossa
humanidade expressar-se com integridade, sem rupturas entre razão e sentimento. Schiller
explica esta fusão da seguinte maneira:
Através da disposição estética do ânimo abre-se assim, a
atividade própria da razão já no campo da sensibilidade, quebrase o poder da sensação já dentro cede seus próprios limites,
vendo-se o homem físico enobrecido a tal ponto que o homem
espiritual apenas necessita de desenvolver-se a partir dele, de
acordo com as leis da liberdade. (1993, p. 70, grifo nosso).
A estética graças ao auxílio da razão permite que o homem físico, aquele dominado pela
experiência sensível, reflita enriquecendo suas sensações e saindo dos limites que elas lhe
colocam. Este homem consegue atingir o espiritual, integrando os sentimentos na sua
experiência, mas, sem deixar-se dominar por eles, encontrando um equilíbrio. A formação do
indivíduo não pode deixar esse conceito de estética como equilíbrio porque:
Se se pretende que o [indivíduo] seja capaz e este apto para
elevar-se a partir do estreito círculo dos fins naturais, para fins
racionais, nesse caso ele deverá já se ter exercitado dentro dos
primeiros, tendo à vista os últimos, executando a sua
determinação física com uma certa liberdade de espírito, i.e., de
acordo com as leis da beleza. (SCHILLER, 1993, p. 79).
A arte é um caso privilegiado de razão e sensibilidade, tanto para o artista que cria obras
concretas e singulares quanto para o apreciador que se entrega a elas para encontrar-lhes o
sentido. O verdadeiro artista utiliza razão e intuição na expressão da sua arte. Ele vê, ou ouve, o
que está por trás da aparência exterior do mundo, para um artista um bloco de mármore deixa de
ser uma pedra para ser um meio físico de expressar seus sentimentos. O artista atribui
357
significados ao mundo por meio da sua obra. O espectador lê esses significados nela
depositados, capta essa mensagem de razão e espiritualidade.
A arte moderna pode não despertar a beleza imediata, mas pode suscitar uma reflexão e
valorizar o trabalho do artista. A obra de arte agrada as pessoas? A obra de arte deve despertar o
desejo da compreensão de quem vê, o deslumbramento. O expectador não só deve ficar no
deslumbramento, deve penetrar na intenção e no sentido do artista.
A transcendência da obra de arte é ressaltada por Schiller, podemos observar que a experiência
artística nos permite uma experiência transdisciplinar. A experiência estética através da beleza
moderará a vida, permitindo a passagem das sensações aos pensamentos e, proporcionando a
forma ao sensível, reconduzindo o conceito à intuição e a lei ao sentimento. Desta experiência
se favorecem tanto o homem guiado pelas sensações, o homem físico, como aquele guiado
pelos sentimentos, o espiritual. O papel da experiência estética como meio equilibrador do
indivíduo, integrador de ciência e beleza, é fundamental para a formação do indivíduo.
2. O PAPEL DO LÚDICO NA ESTÉTICA DE SCHILLER
Para Schiller, o ideal do homem é alcançar a beleza através do jogo de equilíbrio, onde o
sensível e o racional se harmonizam. A atividade estética ajuda o homem a realizar-se. A noção
de jogo é fundamental na teoria estética de Schiller, de tal maneira que, “nunca erraremos se
buscarmos o ideal de beleza de um ser humano pela mesma via através da qual satisfazemos o
nosso impulso lúdico” (SCHILLER, 1993, p. 64). Tal impulso lúdico não é um instinto
particular e puramente espontâneo, ele é uma síntese entre um impulso sentimental que
estabelece a forma e uma força de ordem biológica que impõe o sensível. O lúdico se converte
“num projeto de otimização da natureza humana por intervenção do artifício, um jogo sensível e
reflexivo” (SCHILLER, 1993, p. 20).
O lúdico em Schiller nos remete a seu conceito de liberdade. O impulso lúdico é o equilíbrio
que o homem consegue quando se libera das limitações da sensibilidade e da razão, a partir de
um salto dialético que supera esta oposição. De tal maneira que, “o ser humano só joga quando
realiza o significado da palavra homem, e só é um ser plenamente humano quando joga”
(SCHILLER, 1993, p. 64).
A experiência lúdica permite um salto qualitativo na experiência humana, que se converte numa
manifestação formadora e transformadora que humaniza, e equilibra restaurando aquela
harmonia perdida na divisão do trabalho e na especialização. Neste sentido, o lúdico como
experiência estética não é um meio didático, ele é um objetivo ao qual a formação do indivíduo
deve aspirar.
358
O artista criador não é o único que experimenta o equilíbrio, o espectador ao interpretar a obra
de arte também pode experimentá-lo, posto que está compartindo com o artista essa experiência
unificadora de razão e sentimentos. Estes dois âmbitos do humano coexistem, de tal maneira
que:
Quando domina o impulso formal, reina o princípio universal da
espécie, impõem-se os juízos universais da ciência, as normas
universais da humanidade. Já onde domina o impulso sensível
(material), reina a inclinação subjetiva e variável, o sentimento
particular e passageiro (SCHILLER, 1963, p. 22).
Nenhum dos dois impulsos deve ultrapassar os limites, pelo contrário, o ideal é manter os dois
equilibrados para convertê-los em um terceiro impulso, o lúdico. A arte que se manifesta no
lúdico harmoniza o imperativo categórico com a inclinação natural. A Estética estabelece o elo
entre a razão e a sensibilidade. O verdadeiro feito da arte demanda o humano jogo das formas
sensíveis e racionais, de tal maneira que: “a beleza deve libertar o homem de dois erros e
desvios – da brutalidade física do selvagem e da decadência requintada do bárbaro culto”
(SCHILLER, 1963, p. 22). Daí, a importância da educação estética para a formação dos
indivíduos, para a educação. A educação estética deve permitir experimentar aquele jogo de
equilíbrio entre a razão e a sensibilidade tanto no caso do artista que cria como aquele que
percebe a arte. A importância da estética na formação humana é que ela é o eixo que equilibra o
homem dominado pela razão e também àquele dominado pelos sentimentos.
3. A EDUCAÇÃO DO GOSTO ESTÉTICO
Buscamos a arte pelo prazer que ela nos causa e “tal prazer provém da vivencia da harmonia
descoberta entre as formas dinâmicas de nossos sentimentos e as formas do objeto estético”
(DUARTE, 2004, p. 60). Uma sinfonia, um quadro, um romance, todos são refúgios que nos
dão prazer ou produzem emoção. No fundo, são os mesmos motivos que nos fazem assistir um
jogo de futebol. A diferença está nas emoções artísticas que são ricas e fecundas, o prazer e a
evasão só são “alienações” num primeiro momento: transformando nossa sensibilidade, elas
transformam também nossa relação com o mundo. (COLI, 1988, p. 112) convertendo-se em
experiência que enriquecem e nos integram ao mundo da arte.
A fruição da arte não é imediata, espontânea, um dom, uma graça, ela pressupõe um esforço
diante da cultura. Assim, para que possamos desfrutar ao assistir um esporte, é necessário
conhecer as regras desse jogo, do contrário, a emoção que transmite passará despercebida. Para
359
experimentar, com maior prazer, a obra de arte temos que estar familiarizados com sua forma de
expressão.
A compreensão da arte exige conhecer um conjunto de relações e de referências que o jogo
estético possui e que, evoluem com o tempo, envelhecem e transformam-se nas mãos de cada
artista. “Tudo na arte é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico. Com a arte não se podem
apreender regras de apreciação. E a apreciação artística não se dá espontaneamente” (COLI,
1988, p. 116). A arte não oferece regras únicas para conceber a beleza, com isto ela afasta os
preconceitos, porque não tem como avaliar uma obra em função de outra. O contato com a arte
tem que ser constante, para aperfeiçoar a compreensão da linguagem artística, porque cada
expressão artística é única e o artista cria e recria sua linguagem continuamente.
O fato de uma grande obra ter sido consumida por um largo público significa apenas que ela
possuía elementos capazes de seduzir um grande número de pessoas em um momento
determinado. Isto nos diz que as linguagens artísticas mudam com o tempo e lugar.
Para poder vivenciar a arte temos que educar o que Schiller denomina: o gosto, que é
indispensável para compreender a percepção e os juízos estéticos. Mas, para educar o gosto, a
experiência estética deve comportar tanto os elementos subjetivos como os objetivos. Ter gosto
é ter capacidade de julgamento sem preconceitos. A própria presença da obra de arte é que
forma o gosto, isto é, transcende a percepção sensível, reprime as particularidades da
subjetividade, converte o particular em universal. De tal maneira que:
“Gostar”
ou
“não
gostar”
não
significa
possuir
uma
“sensibilidade inata” ou ser capaz de uma “fruição espontânea”
– significa uma reação do complexo de elementos culturais que
estão dentro de nós diante do complexo cultural que está fora de
nós, isto é a obra de arte (COLI, 1988, p. 117).
O gosto é a capacidade de poder valorizar a obra, é perceber sua complexidade para além de
todo saber e toda técnica através do contato com a obra de arte. A experiência estética é a
experiência da presença tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe. Os objetos
artísticos encontram-se intimamente ligados aos contextos culturais: eles nutrem a cultura, mas
também são nutridos por ela e só adquirem razão de ser nessa relação dialética, só podem ser
apreendidos a partir dela. A cultura é fundamental na obra de arte porque “é constituída, em
última análise, por elementos culturais mais profundamente necessários que os próprios
elementos materiais” (COLI, 1988, p. 118).
A educação do gosto deve contemplar que precisamos estar em harmonia com a razão e a
sensibilidade, isto é, aquele que quer experimentar a beleza de uma obra de arte tem que ter, de
um lado, a capacidade de apreciar a manifestação técnica da obra e, de outro, a suficiente
360
sensibilidade para valorizar a intenção do artista num conjunto que se pode denominar: a beleza
artística. À arte chega-se com disciplina e dedicação, tanto para ter a capacidade de expressar
através de um artifício a beleza, como para poder captá-la e decifrá-la. O espectador não deve
ficar num plano de observador superficial, tem que valorizar a técnica e a sensibilidade do
artista. Numa experiência estética estas características não se separam. Porque do contrário
acontece que:
Escritores que tem mais espírito do que entendimento, e mais
gosto do que ciência, tornam-se culpados deste engano com
demasiada freqüência, e leitores mais habituados a sentir do que
a pensar mostram-se demasiado prontos a perdoar-lhes. Em
geral, é problemático dar ao gosto a sua formação plena antes de
ser exercitado o entendimento, enquanto faculdade pura de
pensar, e de se ter enriquecido a mente com conceitos.
(SCHILLER, 1993, pp. 115-116).
Schiller denomina de “espírito de superficialidade e frivolidade” àquele que se deixa dominar
por sua intuição, o contrário também pode ocorrer àquele que só observa a técnica, as regras, os
procedimentos e não é capaz de captar a sensibilidade do artista. De tal maneira que, “matéria
sem forma é deserto [...]. Forma sem matéria, em contrapartida, é apenas a sombra de uma
posse” (SCHILLER, 1993, p. 116).
O belo já produz o seu efeito na mera contemplação, o
verdadeiro requer estudo. A estética equilibra as duas experiências sem separá-las porque “o
artista embora trabalhe unicamente para o agrado da contemplação, só pode conseguir o
[equilíbrio] através de um estudo fatigante”. (SCHILLER, 1993, p. 117).
Se o gosto é uma capacidade, um critério, que se forma com cuidado e dedicação e, é necessário
que a educação desperte em nós essa sensibilidade para perceber na obra de arte a técnica e o
sentimento do artista, isso é valorizar o esforço do mesmo. Porque pode acontecer como aponta
Jorge Coli: “o que é grave nas ideias de ‘espontâneo’, de ‘sensibilidade inata’, é que elas
impedem uma relação mais elaborada com a obra de arte, o esforço necessário para o contato
mais rico com ela”. (COLI, 1988, p.120). Então, para conseguir dialogar com a obra de arte é
necessário enriquecer esse contacto e a formação do indivíduo deve permitir esse crescimento.
Educar o gosto é necessário para não privarmos, por exemplo, de experimentar uma música
clássica, obra que comumente exige de um maior esforço para interpretar que a música popular.
Ambas alcançam a beleza, só que a clássica experimenta maiores recursos melódicos para nos
agradar. Aprimorar o gosto através da educação é necessário para captar melhores as múltiplas
manifestações da beleza.
361
A educação na arte propõe um caminho indispensável: o da convivência com as obras de arte.
Precisamos aprender a perceber a ciência e a emoção juntas. A arte não pode jamais ser a
conceitualização abstrata do mundo. A arte é uma forma de percepção da realidade na medida
em que cria formas sensíveis que interpretam o mundo, proporcionando um conhecimento
multifacético.
O aprimoramento de nossa capacidade de percepção, de nosso gosto, se consegue mantendo
contato com as obras de arte, porque “frequentar uma obra de arte é antes de tudo, um ato de
interesse. Ouvir uma sinfonia é escutá-la e reescutá-la; olhar um quadro é examiná-lo, observálo, detalhá-lo” (COLI, 1988, p.121). Tudo isso implica numa operação delicada que exige
esforço e humildade: é como se estivéssemos diante de um enigma a ser decifrado. Em suma,
educar nosso gosto exige conhecer a obra de arte com paciência e dedicação, tanto na chamada
popular como na erudita, sem preconceitos. Um dos principais desafios da educação não é
definir o que é a arte, é saber como nos aproximamos dela (COLI, 1988).
4. A RELAÇÃO ENTRE A ESTÉTICA E A ÉTICA COMO PARTE DA
DIGNIDADE HUMANA
Já desde a proposta aristotélica de educação do indivíduo ressalta-se a importância da música na
formação do indivíduo, sobre tudo na sua formação moral, porque:
A música tem um o poder de produzir um certo efeito
moral na alma, e se ela tem esse poder, é obvio que os jovens
devem ser encaminhados para a música e educados nela
(ARISTÓTELES,1997, 1340b).
Na educação estética de Schiller, a ética e a estética convergem porque a estética mantém o
equilíbrio do indivíduo de tal maneira que, graças ao domínio “racional” das pulsões além de
aspirar a um estado estético o ser humano pode chegar ao estado político, que é a garantia da
autonomia (SCHILLER, 1993). Este filósofo pretende ligar os três estados, o da razão, o da
estética e o da ética.
A formação integradora permite o maior desenvolvimento das capacidades intelectuais, de tal
maneira que fique protegida a dignidade do indivíduo. E através desta preocupação tanto a
família, como a sociedade e o Estado possam cumprir seu dever constitucional:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
362
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de
2010) (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 1988)
Em nossa proposta de uma formação do indivíduo que permita a integração do indivíduo, a
filosofia cumpre esta tarefa, uma tarefa interdisciplinar e transdisciplinar. O homem de gosto
estético educado “submete à razão o seu impulso de prazer e consente em deixar determinar os
objetos de seus apetites pelo espírito pensante” (SCHILLER, 1993, p. 118). Esta sublimação dos
instintos ajuda a lapidar o homem, a equilibrá-lo, mas esta formação do humano não se realiza
imediatamente, é um processo contínuo, porque:
Quanto mais vezes se renova portanto o caso em que o juízo
moral e estético, o sentimento ético e o sentimento de beleza
convergem no mesmo objeto e se encontram na mesma
sentença, tanto mais se vê a razão inclinada a tomar por seu um
impulso tão espiritualizado e a ceder-lhe enfim o leme da
vontade com plenos e ilimitados poderes. (SCHILLER, 1993, p.
119).
A arte tem a função que poderíamos chamar de formação complexa, que nos ajuda a desejar
uma formação integral. Seu domínio é do racional e do emotivo: domínio sem fronteiras nítidas.
Domínio fecundo, pois o contato com a arte nos transforma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação estética cumpre um papel fundamental na formação dos indivíduos, é um eixo
integrador entre conhecimentos. Acreditamos que a formação do indivíduo implica uma
atividade profundamente inter e transdisciplinar, porque ela é formadora e equilibradora de
saberes.
Esta reflexão sobre a estética recoloca a questão das interações entre a esferas estética, científica
e ética. Pelo anteriormente exposto, esperamos incentivar trabalhos interdisciplinares que
considerem a estética como fator unificador, porque ela integra a razão e os sentimentos e
ademais, cumpre um papel muito importante em nossa formação ética.
Acreditamos que, a formação integradora do indivíduo com a complexidade da cultura, faz parte
da preservação da dignidade humana. E todos os esforços por cumprir esta formação e cuidados
são obrigação do Estado e da sociedade como indica a constituição.
363
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_______. Sobre a Educação Estética da Humanidade. São Paulo: Herder, 1963.
A formação filosófica humanística ou profissionalizante no ensino médio no
Brasil.
364
Maria Dulcinea da Silva Loureirox
"Que ninguém hesite em se dedicar à
filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo
depois de velho, porque ninguém é demasiado velho
para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a
hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que
ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou,
ou que já passou a hora de ser feliz."
Epicuro
Considerações Iniciais
Os desafios que se colocam para a Filosofia enquanto disciplina no nível médio de
ensino são muitos, tanto de caráter pedagógico quanto filosófico. A determinação da
obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia como conteúdos curriculares na formação dos
jovens, ao mesmo tempo em que se apresenta como um avanço, revela permanências no caráter
da formação nesse nível de ensino desde a conformação do sistema nacional de ensino no Brasil
e estão refletidas na rediviva falsa, dicotomia entre favorecer uma formação profissionalizante
ou uma formação propedêutica, humanística ao jovem.
A dissociação entre esses objetivos humanísticos-profissionalizantes, historicamente
tratados como excludentes, diante da obrigatoriedade legal, abriram a discussão acerca do
caráter da formação no nível secundário, dando espaço para a contribuição desses saberes na
formação dos jovens. Nesse sentido, as questões “o quê, como e porquê” ensinar/trabalhar
filosofia com os jovens tem subjacente uma concepção de homem, de formação; e passam
necessariamente pela definição dos conteúdos, dos materiais didáticos, das metodologías e das
formas de avaliação.
Esse texto objetiva analisar o documento que normatiza a Filosofia no ensino médio,
intitulado “Orientações Curriculares para o ensino Médio – Filosofia”, a partir da questão: qual
a concepção de formação que se encontra subjacente às definições curriculares propostas no
documento?
1. As Orientações Curriculares para a Filosofia no Ensino Médio
365
Um conjunto de políticas educacionais foi elaborado e implementado a partir dos anos
80 do século XX, tendo como desiderato atender as demandas dos acordos internacionais, com
vistas a consolidação das reformas neoliberais implementadas pelo Estado brasileiro. Com a
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9394 em 1996, tornaram-se
necessárias reformulações em todos os níveis de ensino (educação básica e superior), com o
objetivo de adequar o sistema educacional às novas determinações legais.
As Orientações Curriculares de Filosofia (2006) estão em consonância com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Médio e a Filosofia; as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos de Graduação em Filosofia; e a Portaria das
Diretrizes do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) 2005 para a Área de
Filosofia com as discussões realizadas em 2004 nos seminários regionais e nacional da área, que
resultaram no Relatório das Discussões sobre as Orientações Curriculares do Ensino Médio e a
Filosofia.
O documento está estruturado em: Introdução, Identidade da filosofia; Objetivos da
filosofia no ensino médio; Competências e habilidades em Filosofia; Conteúdos de filosofia;
Metodologia; Referências bibliográficas. Vale ressaltar que, quando da elaboração e publicação
do mesmo, não havia ainda a aprovação da lei 11.684 de 20 de junho de 2008, que modificou o
art. 36 da LDB nº 9394/96, determinando a obrigatoriedade da disciplina nos três anos do
ensino médio. Contudo, o documento xjá tinha em seu teor e organização a pressuposição da
obrigatoriedade como condição para que ela pudesse “integrar com sucesso projetos transversais
e, nesse nível de ensino, com as outras disciplinas, contribuir para o pleno desenvolvimento do
educando” (BRASIL, 2008, p.15).
Faremos uma exposição do teor do documento, não seguindo a ordem de elaboração do
texto, mas a partir de algumas ideias-chave subjacentes em seu conjunto, quais sejam:
centralidade da história da filosofia; relação entre as Diretrizes para a graduação em Filosofia e
as Orientações Curriculares; concepção de formação.
1.1. A História da Filosofia como âmago da formação
Na leitura das Orientações Curriculares, salta aos olhos a insistência na repetição do
termo história da filosofia no decorrer do documento, sempre acompanhado das palavras:
centralidade, necessidade, eixo, sólida formação. Recorrentes também no conjunto das
proposições são a defesa e a justificação da centralidade da história da filosofia como eixo da
formação, com o argumento da necessária articulação entre a formação do professor e a
atividade profissional que irá exercer, em outras palavras, entre as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) e as Orientações Curriculares Nacionais (OCNs) para a Filosofia.
366
As Diretrizes Curriculares para os cursos de Graduação em Filosofiax, publicadas em
2001, elegem como eixo norteador do currículo e condição necessária para a formação do
filósofo uma “sólida formação em História da Filosofia”. Todavia, o fundamento da História da
Filosofia, como condição sine qua non para a formação do filósofo, remonta a criação dos
cursos de graduação em Filosofia no Brasil e está expresso desde 1934, no Documento de
Maugué, quando da criação do curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Letras da
Universidade de São Paulo.
Maugué (1934) faz uma defesa categórica da centralidade da história da filosofia para a
formação do filósofo, argumentando a premência de fortalecer a cultura filosófica no Brasil e
fugir dos modismos intelectuais que aqui encontravam um terreno fértil para se desenvolverem,
o que demonstrava um grau de dependência cultural do país, justificado pelo fato do Brasil se
constituir “uma jovem nação”, sem uma cultura filosófica própria e solidificada.
Os pressupostos definidos por Maugue são reiterados nos documentos oficiais que
regulamentam a graduação em Filosofia, quando da definição dos currículos e documentos
oficiais, do Decreto-Lei nº 1.190 de 04 de abril de 1939 “Da organização da Faculdade Nacional
de Filosofia”, o qual regulamentava a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil e se
estendeu para todos os cursos criados a partir desse momento. Esse Decreto-Lei foi substituído
somente em 1962 pelo Parecer 277/62, vigorando até a publicação das Diretrizes Curriculares
para os Cursos de Filosofia no país. A História da Filosofia se consolida como base, sempre
com a exortação da ida aos clássicos da tradição, da leitura do texto filosófico. Matriz esta que
se materializa num conjunto de disciplinas e numa forma de abordagem das questões
filosóficas, expressas tanto no perfil quanto na concepção de formação.
Ao enfatizarmos a continuidade da base da formação nesses documentos, não
pretendemos negar as mudanças e as contribuições das reformulações curriculares
implementadas, principalmente se considerarmos a possibilidade cada vez maior de
flexibilização das estruturas curriculares.
No texto das Orientações se reitera a afirmação da “centralidade da História da Filosofia
como fonte para o tratamento adequado de questões filosóficas” (Idem, p.17), o que requer uma
didática capaz de possibilitar à Filosofia cumprir “um papel formador, articulando noções de
modo bem mais duradouro que o porventura afetado pela volatilidade das informações” (Idem,
p.17) e, em última instância, a necessidade de que a disciplina disponha de uma carga horária
capaz de permitir o desenvolvimento das atividades.
A ênfase na necessidade da História da Filosofia como eixo se repete em quase todo o
documento, na discussão acerca da identidade da filosofia, na definição da atitude do filosofar,
nas temáticas, na metodologia. Salientam-se ainda méritos adicionais à centralidade da história
da Filosofia, tanto para os professores quanto para os estudantes, pois:
367
“(i) solicita uma competência profissional específica, de sorte que os
temas próprios da Filosofia devam ser determinados por uma tradição
de leitura consolidados em cursos de licenciatura próprios; (ii) solicita
do profissional já formado continuidade de pesquisa e formação
especificamente filosóficas; (iii) evita a gratuidade da opinião, com a
qual imperariam docentes malformados, embora mais informados que
seus alunos, suprimindo o lugar da reflexão e da autêntica crítica; e
(iv) determina ainda o sentido da utilização de recursos didáticos e de
quem pode usar bem esses recursos, de modo que sejam filosóficas as
habilidades de leitura adquiridas”. (p.37-8)
1.2. A formação em Filosofia: objetivos, competências e habilidades
Os objetivos da Filosofia nesse nível de ensino, segundo o texto das Orientações, devem
estar de acordo com as finalidades da educação básica já preconizadas na LDB nº 9394/96 no
Art. 2 “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” e no Art. 36 “Aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo uma formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico. (inciso III). Assim sendo, cabe a Filosofia “desenvolver no aluno a capacidade para
responder, lançando mão dos conhecimentos adquiridos, as questões das mais variadas
situações”. (Idem, p.29). Portanto, faz-se necessário “desenvolver competências comunicativas
intimamente associadas à argumentação.” (Idem, p.29), sem esquecer que a formação geral deve
ser o objetivo primeiro da educação básica, anterior e condição até mesmo para uma formação
profissionalizante; devendo o ensino médio ser compreendido como a etapa final da formação
geral.
Já na introdução do documento encontramos algumas considerações, no sentido de
demarcar uma posição em relação ao termo competência, reafirmadas posteriormente.
Procurando afastar-se da compreensão do termo na perspectiva que subjaz as políticas
educacionais subordinadas aos ditames do Banco Mundial, a globalização e a flexibilização do
trabalho, apresenta a questão: de quais capacidades se fala quando se trata de ensinar filosofia
no ensino médio?
Trata-se da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar
múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, o
desenvolvimento do pensamento crítico, da capacidade de trabalhar em
equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o
368
risco, de saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimentos.
(Idem, p.30)
Desse modo, comportaria a Filosofia desenvolver competências argumentativas e
cívicas, ou seja, competências discursivo-filosóficas, formuladas em três grupos: 1)
representação e comunicação, 2) investigação e compreensão, 3) contextualização sóciocultural. Essas competências estão em sintonia com as definidas nas DCNs e no ENADE Filosofia, juntamente com o perfil dos egressos tanto da licenciatura quanto do bacharelado, que
tomando por base uma sólida formação em História da Filosofia, estejam aptos a compreender;
dialogar com as ciências e as artes; e “transmitir o legado da tradição e o gosto pelo pensamento
inovador, crítico e independente” (Idem, p.32).
Mas como pode a filosofia trabalhar essas competências argumentativas? Pelo caminho
do filosofar, da reflexão. Ao “sopesar conceitos, solicitar considerandos, a filosofia costuma
quebrar a naturalidade com que usamos as palavras, tornando-se reflexão” (Idem, p.22).
Tanto na definição dos objetivos quanto nas competências e habilidades há um destaque
para a relação entre a disciplina Filosofia e o pensamento crítico e cidadania. Há a preocupação
no texto de questionar a ideia comum de que caberia exclusivamente à Filosofia a formação
crítica e para a cidadania. Tomando como base o Art. 36 da LDB 9394/96, argumenta-se que a
formação para a cidadania é a finalidade da educação básica como um todo. Lembra-se ainda
que
não se trata, portanto, de que a Filosofia viria a ocupar um espaço
crítico que se teria perdido sem ela, permitindo-se mesmo um
questionamento acerca de sua competência em conferir tal capacidade
ao aluno. Da mesma maneira, não se pode esperar da Filosofia o
cumprimento de papeis anteriormente desempenhados por disciplinas
como Educação Moral e Cívica, assim não é papel da Filosofia suprir
eventual carência de um “lado humanístico” na formação dos
estudantes (Idem, p.26).
A questão “qual a contribuição específica da Filosofia em relação ao exercício da
cidadania para essa etapa da formação?” (Idem, p.26) encontra resposta nas competências que
são próprias da atividade argumentativa da filosofia; e se insere no “desenvolvimento da
competência geral da fala, leitura e escrita”. (p.26). Desse modo,
Cabe, então, especificamente à Filosofia a capacidade de análise, de
reconstrução racional e crítica, a partir da compreensão de que tomar
posições diante de textos propostos de qualquer tipo (tanto textos
filosóficos quanto textos não filosóficos e formações discursivas não
369
explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca deles é um
pressuposto indispensável para o exercício da cidadania. (Idem, p.26)
Em consonância com o currículo mínimo das DCNs e os conteúdos cobrados no
ENADE, enumeram-se 30 temas que perpassam a História da Filosofia, enfatizando, porém, que
“tratam-se de referências, de pontos de apoio para a montagem de propostas curriculares, e não
de uma proposta curricular propriamente dita” (Idem, p.34). A partir desses itens, o professor
tem a possibilidade de selecionar as temáticas a serem trabalhadas durante o ano letivo junto aos
educandos. Os conteúdos definidos procuram abarcar os campos (ética, lógica, política,
metafísica, epistemologia, estética) de reflexão filosófica, com destaque para a epistemologia e
a lógica, sendo a estética o campo menos contemplado, o que mais uma vez demonstra a
convergência com as Diretrizes Curriculares.
Qual a metodologia mais adequada para o trabalho com a filosofia nesse nível de
ensino? A aula expositiva, com debates, trabalhos em grupo, apoio do livro didático (manuais)
ou de apostilas é a mais utilizada pelos professores, no entanto
muitas vezes, o trabalho limita-se à interpretação e à contextualização
de fragmentos de alguns filósofos ou ao debate sobre temas atuais,
confrontando-os com pequenos textos filosóficos. Há, ainda, o uso de
seminários realizados pelos alunos, pesquisas bibliográficas e, mais
ocasionalmente, o uso de música, poesia, literatura e filmes em vídeo
para sensibilização quanto ao tema a ser desenvolvido. (p.36)
E se reafirma: “em função de alguns elementos preponderantes, como o uso do manual
e a aula expositiva, é possível dizer que a metodologia mais empregada no ensino de Filosofia
destoa da concepção de ensino de Filosofia que se pretende” (Idem, p.36). Essa afirmação causa
um certo estranhamento, pois a aula expositiva, pelo menos nos cursos de graduação de que
temos conhecimento, é a metodologia mais utilizada, o que não significa que estejamos
defendendo esse modelo como a metodologia mais apropriada para o ensino da Filosofia. Os
motivos que justificam a afirmação no documento estão relacionados à presença de professores
com formação em outras áreas (Letras, História, Geografia, Pedagogia, etc) na docência em
Filosofia e a falta da formação continuada para os egressos da Filosofia, resultando no uso
inadequado do material didático mesmo quando de boa qualidade.
Tomando por base as ressalvas feitas, afirma-se ser
desejável e prazerosa a utilização de dinâmicas de grupo, recursos
audiovisuais, dramatizações, apresentações de filmes, trabalhos sobre
outras ordens de textos, etc., com cuidado para não substituir com tais
recursos “os textos específicos da Filosofia que abordem os temas
370
estudados, inculindo-se aqui, sempre que possível, textos ou excertos
dos próprios filósofos, pois é neles que os alunos encontrarão o
suporte teórico necessário para que sua reflexão seja, de fato,
filosófica. (Idem, p.38)
3. Ensino médio e o lugar da Filosofia na formação dos jovens
No conjunto do sistema educativo no Brasil, o ensino médio é o nível de ensino onde
encontramos mais ambiguidades quanto à sua natureza e identidade. Ambivalências essas que
estão presentes desde a criação do sistema educativo e permanecem durante todas as reformas
educacionais, com sua concepção oscilando entre oferecer uma formação mais humanística ou
mais profissionalizante, o que confere a esse grau de ensino uma dualidade que reflete a divisão
na sociedade entre o fazer e o pensar.
A questão que se coloca sobre a formação no ensino médio, se esse deve ter caráter de
terminalidade (profissonalizando o jovem para ingressar no mercado de trabalho) ou
propedêutico (preparando-o para o nível superior), não pode ser pensada isoladamente, pois
reflete o projeto e o modelo já instalado de sociedade. Numa sociedade desigual, erguida a partir
da divisão entre capital e trabalho, trabalho intelectual e manual, não se poderia constituir uma
escola única. E é a partir desses pressupostos que são pensadas, elaboradas as reformas
educacionais materializadas nos currículos escolares. Nesse caso, resta-nos perguntar: qual é o
papel da Filosofia na formação dos jovens? O que está subjacente a esse questionamento é o
elemento da utilidade: qual a utilidade da Filosofia? Dependendo da resposta encontrada, ela
terá ou não um espaço na estrutura curricular.
Quando a LDB nº 9394/96
define que o objetivo maior da educação básica é a
formação integral e para a cidadania (compreendendo essa integralidade como formação geral
humanísitica e para o trabalho), abre espaço para áreas como a Filosofia e a Sociologia, que na
LDB 5692/71 haviam ficado oficialmente de fora, por não terem utilidade no projeto de
formação que se instaurara.
O fato da Filosofia não constar legalmente como disciplina obrigatória a partir da LDB
5692/71 e do ensino médio se revestir de características puramente profissionalizantes gerou na
comunidade acadêmica um movimento que resultou na reformulação do caráter de
profissionalização obrigatória e na inserção da disciplina Filosofia nas estruturas currículares,
no decorrer dos anos 90 do século XX, em vários Estados, acabando por culminar com a
obrigatoriedade legal da disciplina em 2008, em todo o território nacional.
A tarefa legalmente atribuída à disciplina formação para a cidadania é questionada no
documento das Orientações Curriculares. Há muita lucidez em afirmar que não se pode reduzir
371
a uma disciplina a tarefa da formação para a crítica e para a cidadania, sendo esses os objetivos
da formação básica como um todo. Portanto, de todas as disciplinas, não podendo estar sob a
guarda de uma única área do saber. Mas em que medida pode a Filosofia contribuir para uma
formação crítica e cidadã?
Segundo o texto das Orientações, ao desenvolver a capacidade discursivaargumentativa, a Filosofia estaria instrumentalizando os jovens criticamente para a compreensão
da realidade e para uma atuação cidadã, assim: “A Filosofia cumpre, afinal, um papel formador,
articulando noções de modo bem mais duradouro que o porventura afetado pela volatilidade das
informações” (p.17). O instrumental lógico-conceitual com o qual a Filosofia trabalha, ao ser
apreendido pelos jovens, os habilitaria a um modo de perceber a realidade, possibilitando-lhes
assim a compreensão e a insersão social.
Considerações Finais
Quando nos referimos a um processo de formação, devemos ter clareza dos aspectos
sociais, políticos, éticos e estéticos, relacionando-os ao contexto histórico-cultural. Partimos do
pressuposto de que o aspecto formador da filosofia se revela quando a assumimos como Paidéia,
o que significa pensar no filósofo como o educador da cidade e na filosofia como formativa do
humano, confome afirma Severino (2003). A formação filosófica, nessa perspectiva, deveria ser
considerada como um direito de todos.
Para que a Filosofia possa contribuir para a formação dos jovens na qualidade de
disciplina escolar, é necessário que os espaços da reflexão e da crítica sejam mantidos. Nas
últimas décadas, o campo do ensino da Filosofia se constituiu nas fronteiras da Filosofia e da
Educação, abrindo espaço por entre resistências das mais variadas ordens nestas duas áreas do
saber. Esse campo está se consolidando enquanto espaço de reflexão diverso, aberto e ao mesmo
tempo rigoroso, em que o ensino de Filosofia se apresenta como uma problemática filosófica,
sem perder de vista sua perspectiva pedagógica. Assim, multiplicam-se os congressos; os
seminários; a produção e a crítica de materiais didáticos; o ensino da Filosofia deixa então a
marginalidade, no sentido, do estar fora, à margem, e passa a se constituir como objeto de
reflexão filosófica.
Queremos salientar o quão positivo foi o esforço presente no documento de se tentar
garantir a articulação com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Filosofia, porque
demonstra a preocupação de não dissociar a formação em nível superior da atividade da
docência, o que indica nova concepção não só do ensino da Filosofia no nível médio, mas
também da concepção de professor de Filosofia.
A ênfase na centralidade da História da Filosofiax como eixo formativo no ensino
médio, presente nas Orientações Curriculares, suscita alguns questionamentos que gostaríamos
372
de socializar. Necessário se faz, para evitar mal-entendidos, esclarecer que não negamos a
importância da História da Filosofia para a formação do filósofo. No entanto, já questionamos o
modelo da formação na graduação, por esse ser demasiadamente fechado na História da
Filosofia. O que dizer de se levar uma estrutura, não similar - e o documento deixa isso claro -,
nos mesmos moldes para o nível médio? É compreensível que se exija do profesor, como
requisito básico, uma sólida formação em História da Filosofia, nos métodos de leitura e
interpretação, numa hermenêutica filosófica, pois se trata da formação do filósofo, do
especialista, seja ele professor ou bacharel.
Ratificamos, dessa forma, as reflexões de Oswaldo Porchart no “Discurso aos
estudantes sobre a pesquisa em filosofia”, em cujo início do texto levanta uma questão: pesquisa
em Filosofia ou pesquisa em História da Filosofia? E complementa “estamos fazendo boa
História da Filosofia e estamos preparando nossos alunos com seriedade e rigor para serem bons
historiadores da Filosofia.” (In: SOUSA, 2005, p.108) E ainda questiona:
prepara-se alguém para a prática da Filosofia do mesmo modo como
se prepara para a prática da História da Filosofia? A iniciação à
pesquisa em Filosofia é a mesma coisa que a iniciação à pesquisa em
História da Filosofia? O aprendizado de um método rigoroso de
pesquisa historiográfica, do método estruturalista, por exemplo, é o
único ou o melhor caminho para fazer desabrochar as potencialidades
filosóficas daqueles nossos estudantes que foram trazidos a um curso
de Filosofia por sentirem fome e sede de Filosofia? (...) Não estará o
método esterilizando a discussão? (Ibid, 112-3)
Não se trata de negar a importância do método e da história da filosofia, segundo
Porchat: “permita-me dizer-lhes que continuo totalmente convencido de que se trata
possivelmente do melhor método para lograr uma primeira hipótese interpretativa, e de um
primeiro passo indispensável para qualquer apreensão do significado e escopo de um sistema
filosófico.” (Ibid, p.112)
Segundo Piaia, o estudo da história da filosofia possui um valor formador na medida em
que permite ao aluno o contato com o que é diferente da forma de pensar e sentir de hoje; com
isso, o aluno é desafiado a relativizar e a compreender como se gestou e/ou se modificou o atual
modo de pensar; mas se a história da filosofia não assumir este caráter formador, tornar-se-á,
como ele afirma, os “tesouros” da erudição”. Para justificar suas afirmativas, o autor faz uma
analogia com o caso de Crateto de Tebas, que foi persuadido por Diógenes a se desfazer de todo
o seu dinheiro para se dedicar a filosofia; representando assim um
373
convite a libertar-se do estudo histórico da filosofia com todas as suas
bijuterias pesadas e reluzentes (os "tesouros" da erudição) para
dedicar-se a pura discussão teórica, realizando assim o princípio
enunciado já no século XVII com extrema clareza por Malebranche:
"adianta pouco ou nada saber se um texto é ou não de Aristóteles e
qual é o sentido que ele pretendia atribuir a uma determinada
passagem, mas é muito importante esclarecer se o que está escrito
naquela passagem é em si verdadeiro ou falso. (Malebranche, 1945,
p.151,154 In: PIAIA, 2002, p.20,).
Nessa perspectiva, o método histórico “esclarece ainda mais a sua eficácia formativa, já
que o reconhecimento da alteridade doutrinal acompanha aquele da alteridade pessoal,
colocando as premissas para uma relação correta de comunicação intersubjetiva e, portanto, de
compreensão recíproca" (Idem, p.26)
A questão que permanece e precisa ser exaustivamente discutida é o que pretendemos
com a Filosofia nesse nível de ensino. Como torná-la significativa para os jovens na sociedade
contemporânea, em que são constantemente seduzidos pelos meios de comunicação de massa,
imersos aos apelos do consumo, presos a busca da felicidade rápida, efêmera, das facilidades
tecnológicas?
Pensar em como a Filosofia pode contribuir para a formação dos jovens nos coloca
diante de inúmeros desafios que vão desde as solicitações pragmáticas do mercado de trabalho,
à crítica a essa instrumentalização. Quando advogamos que a filosofia no ensino médio deve ser
significativa para os jovens, significa que devemos partir da realidade e do interesse dos
mesmos para poder ajudá-los a superar o senso comum, seus pré-conceitos. Nesse sentido, a
Filosofia pode se tornar, não mero adereço, ornamento, verniz retórico ou ainda, mais uma
disciplina, mas retomando Epicuro, condição de felicidade, busca de saúde do espírito, reflexão
que não se fecha nos limites da idade ou da institucionalidade, mas que atravessa povos, tempos
e que pode se renovar sempre.
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374
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375
Uma leitura da obra a “A curiosidade premiada”: entre a filosofia
e a literatura
Maria Dulcinea da Silva Loureirox
“Glorinha era uma menina muito curiosa”
(A curiosidade premiada)
A curiosidade, o espanto e a admiração, são para Platão e Aristóteles atitudes presentes
na origem da Filosofia. Etimológicamente, o termo Filosofia nos remete à “amigo da
sabedoria”, o filósofo, não é aquele que tem as respostas prontas, mas quem está aberto as
questões, anseia o saber e o busca amorosamente. No entanto, esse sentido original da Filosofia
não é o que mais fortemente fincou raízes em nossa tradição pois, a Filosofia enquanto um
conjunto de conhecimentos sistematizados sobre: a realidade, o ser, o conhecimento e o agir
humano, quase sempre esteve vinculada com a idéia de que somente “mentes privilegiadas”
poderiam a ela ter acesso, sendo portanto, uma forma de pensar restrita a poucos iluminados.
Não podemos perder de vista que a experiência mesma do pensar a realidade é comum a todos
os homens x, que em seu cotidiano precisam refletir sobre as mais variadas questões do mundo.
A possibilidade da reflexão filosófica está permanentemente rondando o homem, manifestandose na admiração diante da realidade; no espanto; na capacidade de indagar e de solucionar
problemas; e na não aceitação de respostas prontas, definitivas.
Nas crianças, percebemos uma predisposição para o questionamento, demonstrada na
necessidade de ter explicações e de tentar encontrar sentido para todas as coisas. Antes mesmo
de se familiarizarem com o mundo, com a linguagem. com os fenômenos naturais, sociais e
políticos, as crianças estão ávidas por pensarem sobre tudo. A realidade se configura então
como um enorme quebra-cabeças que ela busca compreender, encaixar; e é nesta grande
aventura que a filosofia se insere: neste espanto diante da realidade, na admiração pelo
desconhecido.
A partir das questões suscitadas na leitura do livro “A curiosidade premiada”, de
Fernanda Lopes de Almeida, objetivamos pensar as relações entre filosofia, literatura e infância.
Partimos do pressuposto de que Filosofia e literatura são duas formas de conhecer, apreender e
exprimir a realidade, uma vez que tanto a filosofia quanto a literatura são manifestações do ser
humano. A filosofia trabalha com conceitos e a literatura com a metáfora; no entanto, para que a
376
filosofia consiga abarcar a complexidade do real, ela necessita do discurso lógico, racional,
abstrato, científico, mas também, do discurso narrativo, alegórico, metafórico (LA GARZA, In.
Kohn 2000).
Nesse sentido, propomos que a literatura pode, sem perder de vista a sua especificidade,
ser trabalhada conjuntamente com a filosofia tanto na educação infantil quanto no nível médio,
pois a literatura propõe conceitos, reafirma ideias, veicula o patrimônio cultural da humanidade.
1. A curiosidade premiada
Na obra a “Curiosidade premiada”, Fernanda Lopes de Almeida narra a história
de Glorinha, uma menina muito curiosa, que perguntava sobre tudo. Os
questionamentos constantes de Glorinha incomodavam as pessoas, até que um dia, sua
mãe resolve perguntar a dona Domingas o que fazer. Dona Domingas dá o diagnóstico:
Glorinha sofre de curiosidade acumulada, e a única forma de resolver a questão é
responder as perguntas dela. E assim seus pais começam a fazer, o problema é que,
quanto mais eles respondem, mais perguntas ela faz e as interrogações vão se tornando
cada vez mais difíceis. Os pais de Glorinha retornam a dona Domingas:
2.
Não sabemos responder!
3.
Então comecem a perguntar junto com ela.
- Mas, Dona Domingas! Nós somos grandes!
- E daí? Eu também sou grande e pergunto até hoje!
E assim, na tentativa de responder as questões da filha, os pais de Glorinha
começam também a perguntar. Assim descobrem como o mundo é interessante e
passam a perceber a realidade de outra forma.
Tudo se modificou naquela família, Glorinha perguntava:
- Onde acabam as estrelas?
O pai dizia:
- Também não sei. Vamos perguntar a um astrônomo.
No livro, Fernanda Lopes de Almeida enfatiza o incômodo que os
questionamentos da criança causa nos adultos (pais, amigos, professora). De um lado, a
necessidade da menina em saber os porquês das coisas descortina o quanto a
naturalização do mundo nos torna prisioneiros da aparência, da superficialidade; o que
377
Sócrates na Grécia antiga já denunciava. Aprisionados a doxa, esquecemos de procurar
a episteme e, por outro lado, o fato de sermos adultos, “gente grande”, não nos permite
mais a ingenuidade infantil. Há um crença de que os adultos já sabem, portanto, não
lhes cabe mais perguntar; por isso, a insistência infantil com seus porquês incomoda
tanto. Quando Sócrates, nas praças, perguntava aos cidadãos ateniense: “o que é a
verdade? O que são as leis? O que é a justiça? O que é o belo?”, descortinava aos
atenienses sua ignorância, revelava que agiam e falavam de coisas que sequer
conheciam. Não que a ignorância fosse um problema para Sócrates, mas sim, pensar
saber o que de fato se ignora, ou não aceitar sua ignorância. O “só sei que nada sei”
socrático é um convite para o conhecer, para a busca do saber. Entretanto só é possível
se um primeiro passo for dado: o reconhecimento da ignorância.
2. A procura dos “porquês?”
- Para a falta de curiosidade, o que a senhora aconselha?
- Plantar uma bananeira, para a curiosidade descer até
a cabeça ela com certeza está no dedo grande do pé.
(A curiosidade premiada)
Submersos nas supostas certezas, nos esquecemos de que há muitos “quês?
Porquês? E para quês?”, adormecidos na aparente obviedade da realidade, não nos
apercebemos da fantástica aventura que é viver, conviver; transformar o mundo pelo
trabalho, pela linguagem; numa invenção e reinvenção constante de nós mesmos e da
realidade.
Em “A curiosidade premiada”, Maria Fernanda de Almeida nos faz um chamado
que é um alerta e ao mesmo tempo um convite. Alerta no sentido da busca, da aceitação
do espanto; e convite pela desconstrução, pela desnaturalização do real e da natureza,
numa constante atitude de procura. Esse chamado é o mesmo que a Filosofia nos faz,
não há conhecimento sem a admiração, sem a curiosidade.
Convocamos a literatura infantil para o trabalho com a Filosofia porque
concordamos com Cadermatori, quando afirma que, “a obra literária recorta o real,
sintetiza-o e interpreta-o através do ponto de vista do narrador ou do poeta, sendo assim,
manifesta, através do fictício e da fantasia, um saber sobre o mundo e oferece ao leitor
um padrão para interpretá-lo” (1986, p.22-3). Desse modo, a literatura infantil
possibilita à criança reorganizar sua percepção da realidade a partir de suas
378
experiências. A literatura propõe e questiona conceitosx, ideias, “se configura não só
como instrumento de formação conceitual, mas também de emancipação da
manipulação da sociedade”. (Cadermatori, 1986, p.23)
A literatura infantil pode, a partir de questões presentes na narrativa,
proporcionar à criança, experiências ricas nas quais é permitido criar e recriar conceitos,
papéis sociais, concepções de mundo, valores, etc. Tais experiências são suscitadas no
diálogo da criança com o texto, com as ilustrações, os colegas, o professor e permeados
por suas experiências e sentimentos.
Ao trabalhar com literatura infantil, o professor pode ajudar as crianças a
pensarem melhor, a reverem suas opiniões e atitudes, a defenderem pontos de vistas e a
respeitarem o ponto de vista dos colegas. Para isso, é imprescindível assumir uma
postura dialógica, uma atitude de escuta, de respeito, incentivando a curiosidade natural
das crianças.
Em muitas obras literárias é possível perceber a presença de questões filosóficas.
Autores como Ruth Rocha, Fernanda Lopes de Almeida, Ana Maria Machado, Ziraldo,
Lígia Bojunga, entre outros, oferecem-nos um tesouro literário, pois tratam de valores,
sentimentos e temas como a morte, o poder, a amizade, a linguagem, a verdade, o amor,
o conhecimento, o tempo, o belo, a justiça, o preconceito, etc. Cabe ao educador
perceber as questões filosóficas presentes na literatura e estar aberto a trabalhar com as
crianças e os jovens numa perspectiva filosófica.
Referências bibliográficas
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5ª ed., São Paulo:
Scipione, 1997
ALMEIDA, Fernanda Lopes. A curiosidade premiada. São Paulo: Editora Ática, 1985.
CADERMATORI, Ligia. O que é literatura infantil. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense,
2010.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 9ª ed., Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991.
KOHAN, Walter Omar; KENNEDY, David. (orgs.) Filosofia e infância: possibilidades
de um encontro. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999 Vol. III
KOHAN, Walter Omar; LEAL, Bernadina Leal. (orgs.) Filosofia para crianças em
debate. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. Vol. IV
LÓPEZ DE LA VIEGA, M. Teresa. Figuras del logos. Entre la filosofía y la literatura.
Madrid: FCE, 1994.
379
Enseñar y aprender a filosofar en la enseñanza media
Isabel González
Mónica Planchón
Janett Tourn
El propósito de este trabajo es indagar las posibilidades de constituir el aula de
enseñanza media como espacio para filosofar.
Los programas vigentes de la asignatura Filosofía para la enseñanza media (CES,
Reformulación 2006)x plantean: “Se
trata de una formulación programática que
procura facilitar la apropiación por parte del alumno del pensar filosófico. En este
sentido, responde al
desafío docente de instrumentar pedagógicamente en forma
sistemática y con resultados evaluables, la construcción de habilidades cognitivas y
herramientas lógicas imprescindibles para la consolidación del pensamiento filosófico
en particular y del “buen pensamiento” en general.
Por eso se incluye en el desarrollo del programa: la tematización de los modos propios
en que la disciplina construye y fundamenta sus contenidos, y la enseñanza sistemática
de sus modos de investigación.”
Enseñar filosofía sería fundamentalmente enseñar a filosofar. Esta perspectiva, que no
es nueva, ha tenido en las últimas décadas un importante desarrollo teórico y ha
constituido un aporte fermental para la transformación de las prácticas de enseñanza. Al
mismo tiempo invita a repensar nuestra concepción de la didáctica de la filosofía, del
profesor de filosofía y de las prácticas de enseñanza.
La didáctica de la filosofía puede pensarse como filosofía de la enseñanza de la
filosofía, que le permite pensar las condiciones y posibilidades de su propia transmisión.
El profesor de filosofía puede pensarse como alguien que puede hacer el ejercicio
filosófico de pensar su propia actividad docente con las herramientas que la propia
filosofía le da, permitiendo poner en cuestión la distinción entre filósofo y profesor de
filosofía. Las prácticas de enseñanza de la filosofía pueden pensarse como prácticas
380
filosóficas, permitiendo plantear lo metodológico desde los modos propios de
construcción del saber filosófico.
Nuestro trabajo parte de este enfoque para pensar la enseñanza de la filosofía desde la
convicción de su potencialidad, al mismo tiempo que se propone explorar su sentido y
sus alcances, para aportar a su desarrollo teórico y a sus posibilidades prácticas en la
educación.
Las cuestiones que nos guían son: ¿qué significa filosofar en el aula?, ¿cómo es posible
filosofar en el aula?, y ¿qué implica este planteo para la tarea docente y para la
formación de profesores de filosofía?
En el trabajo realizado hasta el momento desarrollamos el significado de enseñar a
filosofar como “apropiación del pensar filosófico” en el aula considerando:
- la distinción entre la filosofía como saber y la filosofía como pensar, reconociéndola
como tensión.
- las posibilidades de enseñar y aprender la sintaxis de la disciplina, y de propiciar el
filosofar como experiencia; como caminos para habilitar la presencia de esa tensión en
el aula de enseñanza media
- la tarea del docente de filosofía como un trabajo de construcción metodológica desde
la sintaxis de la disciplina, superando las limitaciones que impone la categoría de
transposición didáctica para pensar la enseñanza de la filosofía.
Palabras clave: saber y pensar filosófico, enseñar y aprender a filosofar, sintaxis de la
disciplina, experiencia, transposición didáctica
381
Enseñar y aprender a filosofar en la enseñanza media
El propósito de este trabajo es indagar las posibilidades de constituir el aula de
enseñanza media como espacio para filosofar.
Los programas vigentes de la asignatura Filosofía para la enseñanza media (CES,
Reformulación 2006)x plantean: “Se
trata de una formulación programática que
procura facilitar la apropiación por parte del alumno del pensar filosófico. En este
sentido, responde al
desafío docente de instrumentar pedagógicamente en forma
sistemática y con resultados evaluables, la construcción de habilidades cognitivas y
herramientas lógicas imprescindibles para la consolidación del pensamiento filosófico
en particular y del “buen pensamiento” en general. Por eso se incluye en el desarrollo
del programa: la tematización de los modos propios en que la disciplina construye y
fundamenta sus contenidos, y la enseñanza sistemática de sus modos de investigación.”
Enseñar filosofía sería fundamentalmente enseñar a filosofar. Esta perspectiva, que no
es nueva, ha tenido en las últimas décadas un importante desarrollo teórico y ha
constituido un aporte fermental para la transformación de las prácticas de enseñanza. Al
mismo tiempo invita a repensar nuestra concepción de la enseñanza de la filosofía, del
docente de filosofía y de las prácticas de enseñanza.
Con la convicción de su potencialidad partimos de este enfoque con el propósito de
explorar su sentido y sus alcances, aportando a su desarrollo teórico y a sus
posibilidades prácticas en la educación. Las cuestiones que nos guían son: ¿qué
significa filosofar en el aula?, ¿en qué sentido es posible filosofar en el aula?, y ¿qué
implica este planteo para la tarea docente y para la formación de profesores de filosofía?
En el
trabajo realizado hasta el momento indagamos el significado de enseñar a
filosofar como “apropiación del pensar filosófico” en el aula considerando: la sintaxis
de la disciplina filosófica como contenido que se puede enseñar y aprender ; el filosofar
como experiencia que puede propiciarse en el aula; y la tarea del docente de filosofía
como un trabajo de construcción metodológica desde la sintaxis de la disciplina que no
se limita a una transposición didáctica, y como ejercicio de interpelación que habilite
un espacio de experiencia.
382
Proponemos abordar lo qué significa filosofar y cómo es posible en el salón de clases
de enseñanza media desde la noción de “sintaxis de la disciplina”x. Ésta refiere al modo
de pensamiento propio de una disciplina. Supone que cada una – en tanto campo de
saber- tiene un modo específico de producir conocimiento. Es posible entonces
reconocer y distinguir la estructura semántica y la estructura sintáctica de cada
disciplina.
Esta distinción permitiría también considerar la existencia dos tipos de contenidos
educativos: los contenidos semánticos, es decir lo sustancial de la disciplina, sus ideas
y conceptos fundamentales; y los contenidos sintácticos, aquellos que refieren a cómo
se producen, estructuran y fundamentan los conocimientos en ese campo.
Tradicionalmente la enseñanza ha sido concebida como transmisión de conocimientos y
ha priorizado los contenidos semánticos de las disciplinas, recortados curricularmente
en una asignatura escolar y asociados a la figura de un
docente transmisor y/o
explicador.
La consideración de ambos contenidos abre la posibilidad de “poner en movimiento” la
disciplina en el salón de clases, de recuperar la disciplina propiciando especialmente el
modo de producir conocimiento e investigar que la caracteriza.
En el caso de la asignatura Filosofía este planteo implicaría que no solo se trata de
enseñar Filosofía como saber producido históricamente y transpuesto en el aula; sino
también de enseñar a filosofar como recuperación del pensar propio de la disciplina
habilitando el filosofar en el espacio del aula. Esto significa fundamentalmente ocupar
de otro modo el lugar del docente, sin abandonar lo semántico de la disciplina, pero
tomando a su cargo el modo de proceder de la misma. El docente de filosofía puede
pensarse como alguien que hace el ejercicio filosófico de pensar su propia actividad con
las herramientas que la propia filosofía le da, desafiando la distinción entre filósofo y
profesor de filosofía. Al mismo tiempo el docente puede pensar y desarrollar las
prácticas de enseñanza de la filosofía
como prácticas filosóficas,
planteando lo
metodológico desde los modos propios de construcción del saber filosófico. Esta
perspectiva resignifica la cuestión metodológica en la enseñanza de la filosofía y propone
383
otro lugar para el docente, el alumno y las relaciones entre enseñar y aprender,
configurándose desde las características del saber a enseñar.
Poner la filosofía en
movimiento significa apropiarse de la sintaxis de la disciplina por parte del docente y de
los alumnos para posibilitar un modo de producción filosófica.
Nos preguntamos entonces:
¿cómo pensar la sintaxis de la disciplina?, y ¿en qué
consiste este modo de producir filosofìa en el aula?
Siguiendo el planteo de Tozzi, M.x el filosofar – es decir el modo de producir
conocimiento que reflexiona sobre el mundo- puede caracterizarse bajo tres aspectos: la
conceptualización, la problematización y la argumentación.
Estos tres aspectos caracterizarían el pensar filosófico, tanto en el filósofo “profesional”
como en aquel que sin desarrollar una producción estrictamente original, piensa
filosóficamente porque logra poner en movimiento su pensar en función de estos
procesos.
Entendemos que la presencia sistemática y tematizada de estos procesos en el aula,
significados aquí como formando parte de la estructura sintáctica de la disciplina
filosofía, pueden propiciar las condiciones para que “lo filosófico” se haga presente.
Reconociendo como abierta y siempre renovada la discusión acerca de qué sea la
filosofía y qué se entienda por lo filosófico, optamos aquí por recortar y reconocer en
estos procesos que señala Tozzi un modo de proceder que puede caracterizar el
filosofar. En este sentido asumimos que estos procesos podrían ser enseñados y
permitirían hacer filosofía en el aula. Si bien el filosofar no se reduciría a ello, puede
considerarse que propicia condiciones para su desarrollo con los jóvenes en la
enseñanza media.
Desde este planteo se supera la concepción de la enseñanza como “transmisión” en
sentido estricto y se apuesta a la construcción del conocimiento. Esta construcción de
conocimiento puede considerarse producción en tanto la posibilidad de conceptualizar,
es decir de formar conceptos, de poner en cuestión (nociones implícitas, ambiguas,
pensar en las consecuencias de las mismas, por ejemplo), y de argumentar, se vuelven
procesos personales aunque reconstruyan el recorrido de pensamiento de los filósofos a
través de sus textos.
384
No se trata entonces de “transponer” un saber acabadox sino de pensarlo y reconstruirlo
en su proceso de producción. Por ello es necesario apropiarse de la sintaxis de la
disciplina también como un contenido a enseñar y aprender, superando la falsa
dicotomía “forma-contenido”.
La producción de conocimiento no se piensa, en este caso, exclusivamente como
invención de categorías, aunque esto también puede suceder. Se propone una forma de
trabajar los contenidos semánticos que involucre activamente el pensar de los sujetos,
de manera que el
recorrido de la conceptualización,
el
cuestionamiento-
problematización y la argumentación sea un proceso personal. El pensar de los alumnos
puede, por ejemplo, anticiparse al recorrido de pensamiento de un autor en tanto va
captando su lógica interna. El proceso de reconstruir el recorrido del pensar filosófico
en un texto se vuelve un trabajo filosófico propio, de manera que la comprensión del
pensamiento del autor va unida a la producción. Consiste en definitiva en hacer presente
al filósofo, en recrearlo en el salón de clases, desde el sujeto que piensa.
No hay aquí transposición didáctica, pues no hay creación de un “saber a enseñar”
completo en sí mismo como “objeto a enseñar” para que los alumnos lo transformen en
“saber aprendido”. A modo de ejemplo, Tozzi establece distintas “vías de
conceptualización”, es decir posibles caminos para conformar el concepto. Estas vías
consisten en el pasaje de la noción espontánea (idea previa confusa que no corresponde
a la definición filosófica de la idea); desde imágenes o metáforas; desde los diferentes
campos de aplicación del concepto (diferentes sentidos del mismo); desde su
comprensión (características esenciales del concepto); desde su extensión (a quienes se
les adjudica) a la definición filosófica del concepto. La propuesta consiste en propiciar
alguna de estas vías (o varias) en el salón de clases, de manera que el “concepto” resulta
de la conceptualización. Y esto en doble sentido: desde el alumno que seguramente
piensa desde diferentes vías y desde el propio filósofo que quizá privilegie en su pensar
el pasaje de la noción espontánea a la definición o el uso de la metáfora e imágenes
como vías de conceptualización.
Hasta aquí planteamos un modo de pensar el sentido de filosofar desde algunas ideas de
Tozzi.. Filosofar como el reconocimiento y apropiación de los procesos /
procedimientos que se ponen en juego en el hacer filosófico. Procesos que sería posible
enseñar y aprender, en cualquier nivel educativo. De modo que -no quedando
385
exclusivamente reservados para el ejercicio profesional o académico de la disciplinaposibilitarían a alumnos y docentes pensar filosóficamente desde la sintaxis de la
disciplina.
Ahora bien, cabe preguntarse si una clase de filosofía filosófica- aquella en la que se
promueve la apropiación del pensar filosófico - quedaría definida exclusivamente por la
presencia de los procesos que plantea Tozzi: ¿apropiarse de la sintaxis de la disciplina
garantiza la presencia de “lo filosófico”?
La presencia y desarrollo del filosofar así entendido establece algunas condiciones para
que aparezca lo filosófico, pero lo filosófico no se sostiene sólo en un modo de proceder
o en el despliegue de ciertas habilidades y procedimientos que se vuelven objeto
sistemático de enseñanza y aprendizaje. Propiciar el filosofar en el aula no se reduciría a
un mero saber hacer técnico, y exigiría al mismo tiempo poner en juego la subjetividad,
interpelarla y transformarla. Tomamos la noción de experiencia en el sentido que la
plantea M. Foucault, para explorar esta posibilidad.
Foucaultx distngue entre “libro-verdad” y “libro-experiencia” , y plantea que el libro
experiencia permite al escritor y al lector salir transformado. Esta distinción resulta de
interés para pensar la posibilidad de que lo filosófico acontezca en el aula. La clase de
filosofía podría pensarse en clave de experiencia filosófica. Filosofar podría ser
entonces “atravesar experiencias directas, personales”. La experiencia para Foucault
sólo existe después que se ha vivido, es algo que ha sido realidad, y que no es ni
verdadera ni falsa. Es un modo de desgarrar al sujeto de sí mismo y de impedirle ser
siempre el mismo.
Hacer sonar la palabra experiencia en el campo pedagógico para J. Larrosa permite
pensar la educación de otro modo. En su planteo “lo importante no es que se aprenda
algo “exterior”, un cuerpo de conocimientos, sino que se elabore o reelabore alguna
forma de relación reflexiva del ‘educando’ consigo mismo”x No se trata de una
formación que promete una cierta identidad verdadera a la cual sujetarse sino una cierta
forma de desaprendizaje de uno mismo que posibilite verse y decirse de otra manera,
actuar sobre uno mismo de otra forma, transformarse.
386
Resulta valioso para nuestra reflexión explorar algunos rasgos de lo que, para él, puede
entenderse
como
experiencia, y de lo que permite hacer y decir en el campo
pedagógicox. La experiencia puede ser entendida como “lo que nos pasa”. El “lo”, nos
habla de exterioridad, alteridad y alienación. La experiencia tiene lugar cuando aparece
alguien, o algo que es extraño a mi o que no está en el lugar que yo le doy y que no es
reductible a mi saber o a mi voluntad. Es algo que me sucede, un acontecimiento. El
sujeto se altera en relación al acontecimiento. La experiencia es siempre del sujeto, un
sujeto singlar, sensible, expuesto, capaz de ser interpelado y que padece lo que le pasa.
La experiencia significa necesariamente, como en el planteo de Foucault,
transformación.
¿Qué significa que el aula de Filosofía puede dar lugar a la experiencia filosófica?
La experiencia filosófica tendría que tender a transformar nuestro propio pensamiento, a
pensar por nosotros mismos, en primera persona, con nuestras propias ideas, a pensar en
aquello que aún no puedo, no quiero o no sé pensar.
Siguiendo a Foucault significaría que no se busca un saber, una verdad que está en los
textos de los filósofos , sino que a través de ellos se posibilite la transformación de la
relación que tenemos con nosotros mismos, con nuestra cultura, con nuestro saber.
No se trataría para el docente de transmitir un saber o una verdad que los alumnos no
saben o no tienen. La experiencia así entendida no podría ser enseñada y no hay un
método que pueda garantizarla. No hay estrictamente algo a enseñar. Ponerse en el lugar
docente implicaría una mediación que funcione como invitación o como gesto, al decir
de Foucault, “para aquellos que puedan querer, eventualmente, hacer lo mismo, o algo
semejante, o, en cualquier caso, para aquellos que intenten deslizarse hacia este tipo de
experiencia”x
Podría ser un ejercicio de interpelación y de problematización para propiciar un espacio
de acontecimiento y experiencia con otros. Foucault señala que “una experiencia es, por
supuesto, algo que se vive solo; pero no puede tener su efecto completo a menos que el
individuo se pueda escapar de la subjetividad pura, de modo tal que otros puedan, no
diría exactamente reexperimentarla, sino al menos cruzarse en el camino con ella, o
seguir sus huellas”x.
387
La tarea docente podría pensarse de otro modo: como el trabajo filosófico de pensar con
otros, desplegando un tipo peculiar de mediación que no se reduce a una dimensión
técnica sino que lo implica éticamente en tanto en la relación que tenemos con nosotros
mismos es indispensable la presencia de otros.
Se trataría de ocupar de otro modo el lugar de maestro, de desbordarlo. El maestro como
otro que moviliza a la interpelación exponiéndose en ese mismo movimiento de
transformación. Al decir de M. Langonx sería un maestro vivo, que filosofando hace
filosofar, “que quiere poner en movimiento a sus discípulos, pero sin que eso implique
ni dominarlos ni morir”.
Podría plantearse también como un lugar en tensión entre el mandato institucional de
enseñar filosofía y la exigencia filosófica de habiltar el filosofar como experiencia.
Tensión entre la planificación y la metodología para la enseñanza rigurosa de los
conceptos y procedimientos que la disciplina ha construido históricamente; y el gesto
de invitar a otros “a pasar peligros juntos”x
En nuestro planteo no se trataría de desconocer esta tensión ni de eliminarla. Sería
mejor intentar desde esa misma tensión reconstruir el pensar y el
hacer docente
reivindicando la experiencia, y superando la ruptura entre enseñar y aprender. Pero al
mismo tiempo cuidando la experiencia de una trivialización tranquilizadora que nos
cree la ilusión de conjurar el desasosiego y cuidando el lugar docente de la ilusión de
omnipotencia.
388
UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA SOBRE AS CONTRADIÇÕES ÉTICAS
GERADAS PELO PROGRESSOx
Gabriel Vaccarix
Jâneo Manoelx
Sandra da Silva Fontourax
Elisete Tomazettix
Resumo:
O trabalho tem como temática a apresentação de uma abordagem filosófica sobre as
contradições éticas geradas pelo progresso. Ele teve origem nas atividades e oficinas
realizadas por dois grupos de bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
à Docência (PIBID) Filosofia UFSM, na Escola Estadual de Ensino Básico Edna May
Cardoso, localizada na Cohab Fernando Ferrari, no Bairro Camobi, no município de
Santa Maria, Rio Grande do Sul. Por meio da busca e do desenvolvimento de atividades
que visem ensinar e aprender filosofia e a filosofar, além de pesquisa sobre o ensino e a
aprendizagem da filosofia no nível médio, o grupo de bolsistas definiram um tema
norteador para as atividades no primeiro semestre de 2012, sendo este “O custo social
do progresso”. Após algumas atividades o grupo dividiu-se entre duas abordagens
pertinentes e originárias deste tema, sendo que uma delas teve como aspecto comum: as
contradições éticas geradas pelo progresso.
Palavras-chaves: ensino e aprendizagem de filosofia, ética, progresso, jovem.
O objetivo geral do trabalho foi a constituição da compreensão filosófica das
contradições éticas originárias do progresso, a partir da elucidação dos conceitos
filosóficos vinculados ao tema, junto aos estudantes. Além disso, as atividades foram
pensadas a partir da articulação com a leitura e a escrita filosófica.
No processo de apresentação do tema tratou-se da verificação destas
contradições por meio da análise dos seguintes problemas filosóficos: as relações entre
o desenvolvimento tecnológico e o exercício da liberdade. Neste tópico, analisamos até
que ponto o desenvolvimento incessante de novas técnicas e instrumentos de interação
389
humana, sejam elas de ordem industrial, comunicacional e científica, possibilitam uma
maior margem de liberdade para o homem em relação às necessidades naturais e
sociais? Além disso, o próprio imperativo de crescimento e progresso ininterrupto não
significa uma prisão para a sociedade contemporânea?
Também, analisamos o fenômeno da publicidade como processo mediador da
mercantilização dos valores presentes no discurso adotado por campanhas publicitárias,
veiculadas na mídia. Igualmente, questionamos a associação entre a aquisição de
mercadorias e o exercício e alcance de valores, tais como: felicidade, liberdade e
bondade; haja vista que este processo traz problemas importantes para a reflexão ética.
O terceiro momento problematizado foi o reflexo da rotina frenética da vida no
capitalismo e a supressão do espaço temporal da reflexão humana, dado que, em nosso
tempo histórico, somos consumidos por um ritmo de vida muito acelerado, que nos
impõe diariamente uma série de tarefas. Assim, o acúmulo de funções e trabalho
suprimem os espaços necessários ao exercício da reflexão, portanto as pessoas têm cada
vez menos tempo para responder aos desafios colocados no curso de sua vida social. Em
outras palavras, na rotina da vida social, o tempo da reflexão humana é castrado pelo
imperativo de respostas rápidas e imediatas as situações colocadas.
Por último, uma perspectiva ontológica das contradições postas pelo progresso
humano, como a subordinação do ser do homem ao ter das coisas, representa a inversão
da relação sujeito objeto. De forma que os homens encontram-se dominados pelo
fetiche de possuir cada vez mais, de maneira ininterrupta aquilo que produzem; ao ponto
de haver um processo de coisificação das pessoas e personificação das coisas. No
âmbito da ética, o homem se vê cercado pela necessidade sistêmica de tratar outros
seres humanos como meios para o enriquecimento individual, e em correspondência
com o individualismo vivenciado, pela sociedade contemporânea.
A idéia central deste estudo é problematizar o fenômeno do “progresso”, em
suas múltiplas dimensões, que por sua vez carrega consigo consequências
contraditórias, produtoras de oposições entre diversos setores que envolvem a
sociabilidade humana. Estas oposições influenciam no modo como o indivíduo humano
se insere no mundo, no conjunto de suas relações com os demais sujeitos, junto a
sociedade como um todo, e com a própria natureza.
Em suma, as novas dinâmicas sociais, provocadas e provocadoras do conceito de
progresso, são determinantes para a tomada da posição ética do sujeito no mundo. Além
390
disso, também fazer a crítica dos pressupostos ideológicos implícitos no interior deste
conceito, em função da sua amplitude dá-se a margem, para as mais variadas
interpretações.
A partir do exposto, o trabalho também propôs que houvesse a realização de
debates temáticos, reflexões e analises por parte dos estudantes, ao levar em
consideração o tema geral das atividades das oficinas do primeiro semestre de 2012, na
escola.
Uma destas produções foi um pequeno curta intitulado “Contradições”x, que teve
como objetivo mostrar os dilemas da exclusão social das classes populares nas
periferias urbanas. Assim, o curta, foi constituído, a partir da análise do cotidiano de
famílias pobres problematizando o estado de mendicância de um pai de família na luta
pela sobrevivência, que em função da fome, aliada e o desencanto frente à sociedade,
decide realizar um roubo, usando uma faca que havia encontrado. Porém, uma jovem
reage frente ao roubo de seu notebook e sem querer o pai de família a fere com a faca.
Desesperado, ele foge da situação.
Neste contexto, as imagens apresentam em um quarto de hospital a luta da
jovem pela vida, que por sua vez está nas mãos dos médicos e das novas tecnologias.
Por fim, mostra-se a banalização da existência humana na sociedade atual e na internet,
fato explicitado a partir da postagem da foto da moça ferida, por uma mulher
desconhecida, que de forma pontual e fria, tem como objetivo apenas divulgar um
“evento”. Sobre o qual, não demonstrou qualquer sentimento voltado ao cuidado da
vida daquela estranha, que estava a sua frente ferida, em estado de risco eminente. Com
efeito, à violência é um fato comum, e mediante esta banalização a dor do outro se torna
um mero espetáculo na esfera das ações coletivas, e em geral frente aos olhares dos
internautas nas redes sociais.
As oficinas, igualmente buscaram constituir novas formas de realizar as práticas
de leitura e escrita filosófica em sala de aula, bem como trabalhar novas metodologias
no Ensino Médio na disciplina de Filosofia.
As obras utilizadas como referencial teórico, para construção da temática “As
contradições éticas do progresso”, foram: do esloveno Slavoj Zizek “Primeiro como
tragédia, depois como farsa” (2011), a obra “De pernas para o ar – a escola do mundo
ao avesso” de Eduardo Galeano (2010), “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”
391
de Martin Heidegger (1999), “A Política” de Aristóteles (1965) e “O que é ideologia?”
de Marilena Chauí (2003).
Para pensar o ensino e aprendizagem da filosofia tivemos como referenciais a
obra “O ensino da filosofia como problema filosófico” de Alejandro Cerletti (2009),
“Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire (1987) e “Pedagogia do conceito”, de Sílvio
Gallo (2005)
Segundo Cerletti (2009), o ensino e aprendizagem da filosofia possui duas
dimensões fundamentais, tendo em paralelo uma terceira. As duas fundamentais ele
chama respectivamente de objetiva e subjetiva e a terceira de conjuntural.
A dimensão objetiva está relacionada com os elementos que incluem as
condições para que o filosofar aconteça, isto é, enquanto uma atitude filosófica não
parte de nenhum lugar, mas sim de algum lugar. Estas condições são: a história da
filosofia, sua tradição, os conteúdos e os pensamentos dos filósofos clássicos.
A dimensão subjetiva é exclusivamente a atitude filosófica, o ato de filosofar por
si do sujeito, é a fonte de onde emerge a criação e o próprio ato de pensar, que concede
novos significados constituidores para conceitos.
A dimensão conjuntural são os elementos que estão paralelos ao ensino e a
aprendizagem filosófica, os quais de certa forma até influenciam este processo, como
por exemplo, o contexto escolar no qual os estudantes estão envolvidos, as políticas
públicas da escola e a valorização profissional.
Todas estas dimensões não são separadas do ato de filosofar e de uma filosofia.
E nos termos de Deleuze, o ensinar e o aprender filosofia deve constituir-se por meio de
uma repetição criativa, onde estejam presentes os aspectos objetivos, para que a partir
deles se constitua a possibilidade à a criação e a ressignificação de sentidos, que é
caracterizada pela experiência do pensar, ou seja, pelo ato de filosofar, a favor da
transformação, da autonomia, da liberdade e da crítica construída junto aos sujeitos
envolvidos.
[...] Que a palavra do outro possa ter algum sentido diferente de
repetir o já sabido, que o que se estabeleça em uma sala de aula
de filosofia não seja simplesmente um circuito de reprodução e
verificação, que a aula não seja o lugar onde o professor ofereça
respostas a perguntas que seus alunos não tenham formulado,
(2004, p.31)
392
Desta forma se efetiva uma educação filosófica e:
...não uma exposição de figuras e momentos da história da
filosofia que estaremos, se o fizemos, contribuindo para afirmar
a filosofia como peça de museu, como algo que se contempla, se
admira, que se vê a distância, como algo intangível para nós
(GALLO, p. 197)
As referências utilizadas para acumularmos debates e conhecimentos relativos
ao tema problematizado ajudaram o grupo de bolsistas a elaborar uma série de questões
interconexas, que puderam dar uma coesão no trabalho das diversas temáticas
específicas. Pensando as contradições geradas pela aplicação prática do conceito de
progresso, pudemos elaborar o conjunto de problemas como partes de uma mesma
totalidade.
Desta forma o problema central, desdobrou-se em um processo de reflexão sobre
como o discurso publicitário contemporâneo encontra-se associado à aquisição de
mercadorias e a valores morais? Dentre eles: a busca pela felicidade, a virtude, a
reflexão e análise da conduta humana diante da rotina do trabalho, estudos e tarefas
cotidianas.
O texto fundamental, que orientou a totalidade de nosso trabalho, foi “O novo
espírito do capitalismo”, presente no livro “Primeiro como tragédia, depois como farsa”
de Slavoj Zizek. O fenômeno central que analisamos, e que serviu de base para as
oficinas do grupo, é resumido colocado pelo autor na seguinte forma:
No nível do consumo, esse novo espírito é o do chamado
“capitalismo
cultural”:
fundamentalmente,
compramos
mercadorias não pela utilidade ou pelo símbolo de status;
compramos para ter a experiência que oferecem, consumimos
para tornar a vida prazerosa e significativa. Um caso exemplar
de “capitalismo cultural” é a campanha publicitária da
Starbucks, que diz: “Não é só o que compramos, é em que
acreditamos”. Depois de louvar a qualidade do café
propriamente
dito,
o
anúncio
continua:
(apud
<<htpp://www.starbucks.com>.): “Quando você compra na
Starbucks, percebendo ou não, você passa a acreditar em algo
muito maior do que uma xícara de café. Passa a acreditar na
ética do café. Com nosso programa Starbucks Shared Planet
[Planeta Compartilhado da Starbucks], compramos mais café do
393
comércio justo do que qualquer empresa do mundo, garantindo
que os agricultores que cultivam grãos recebam um preço justo
por seu trabalho [...]” Aqui o excedente cultural é explicado em
seus mínimos detalhes: o café é mais caro que em qualquer
outro lugar porque, na verdade, o que estamos comprando é a
ética do café, e isso inclui a preocupação com o meio ambiente,
responsabilidade social para com os produtores e um lugar onde
podemos participar da vida comunitária, etc. (ZIZEK, p. 53 -54)
A partir deste entendimento, problematizou-se a percepção e a crítica do sujeito
que passa a distanciar-se de uma reflexão da realidade, bem como da relação da
tecnologia com a liberdade. Sendo a primeira pensada ou como mecanismo de controle
ou de liberdade de expressão; e a segunda entendida junto de questões, vinculadas aos
conceitos de ser e de ter, muitas vezes, confundidas pelo progresso, junto ao consumo
excessivo de produtos com preços elevados, por serem considerados de qualidade,
principalmente pelos materiais de propaganda e marketing apresentados pela mídia.
As oficinas na escola iniciaram-se com a formulação do problema filosófico, no
qual nos propomos a trabalhar: “Qual o custo social do progresso?” Assim,
primeiramente se usou alguns recursos para motivar os estudantes a constituir o
processo de filosofar, discutir e argumentar o tema proposto. Nestes pontos a
exploração de recursos e ferramentas pedagógicas no decurso da motivação dos alunos
foi de suma importância, ao buscar-se novas oportunidades na abordagem do tema, por
meio de charges, textos não filosóficos, trechos de filmes, histórias em quadrinhos, etc.
É interessante destacar que a oficina deve partir do cotidiano do estudante, ao
aproximar as leituras dos temas filosóficos e imagens à sua realidade, de forma que a
filosofia não seja um emaranhado de conteúdos distantes, enquanto uma atividade
intelectual que só é realizada por grandes pensadores. Portanto, vale observar que é
necessário permitir ao sujeito vivenciar, elaborar análises, argumentos e conceituar seus
problemas e ideias na aula de Filosofia, frente ao espanto no ato de filosofar, ao
constituir significações entre os conteúdos e suas vivências. Questões filosóficas são
mais relevantes do que imaginamos, elas estão presentes em nossas vidas.
Se a meta da metodologia é o filosofar, o ‘conteúdo’ a ensinar
deve integrar a atividade, a atitude e o tema filosófico. Cada
situação de aula constitui um desafio filosófico inédito, pois
quando efetivamente se filosofa, dá-se lugar ao pensamento do
394
outro, o que supõe, como dissemos, a irrupção da novidade
(CERLETTI, p.06)
Para tanto, faz-se necessário articular a interpretação e a leitura de uma obra
filosófica ou fragmento textual, vinculada a temática, no desenvolvimento das oficinas e
no questionamento do problema em questão. Em um processo posterior é mister ainda
analisar a produção dos argumentos, conceitos e contraposições de forma dialógica. Por
fim, realiza-se dependendo do tempo utilizado na atividade, uma produção conceitual
sobre o tema, que pode ser individual ou coletiva.
Nas oficinas realizadas na escola, observou-se que os estudantes protagonizam
experiências e processos de amadurecimento conceitual com a filosofia, o que lhes
possibilitou constituir argumentos, discutir e defender suas posições, frente aos
questionamentos filosóficos inerentes ao próprio ato de viver. Além do mais,
constituímos espaços/tempos de autonomia e liberdade, ao potencializamos nas
atividades espaços para o desenvolvimento autônomo do senso crítico dos sujeitos
envolvidos.
As oficinas tiveram como objetivo a articulação do tema norteador “O custo
social do progresso” com a leitura e escrita filosófica, o que podemos notar é que esta
atividade proporcionou aos estudantes acesso maior às obras filosóficas. Por
conseguinte, os conteúdos foram fundamentados na História do pensamento dos
filósofos, nos contextos vivenciados pelas humanidades, no universo das relações
contemporâneas. Nas atividades procuramos envolver os adolescentes com a
problematização de temas atuais, como por exemplo, o progresso e o custo social.
Em suma, não é possível enunciar de forma definitiva o resultado que as ações
realizadas provocam nos estudantes, embora possamos entender algumas questões
pertinentes ao encontro entre o saber da filosofia e o cotidiano da educação, em uma
escola pública, ao produzirmos um ambiente voltado ao conhecimento e cidadania às
classes populares. Haja vista que, o espaço escolar apresenta diversas possibilidades
para que se estabeleça um diálogo crítico e reflexivo com a comunidade escolar, no
processo de revitalização da disciplina de Filosofia no Ensino Médio, a partir dos temas
e conteúdos filosóficos revitalizados em meio às vivências da comunidade escolar, de
forma participativa.
395
Nas oficinas realizadas os bolsistas sentiram-se como aprendizes, ao saíram de
um universo individual, pois ao reverem parte de uma noção constituída na academia,
ganharam um novo campo de atuação produzido junto aos estudantes, no qual se criam
ideias, ao desconstruir conceitos e métodos tradicionais de ensino e aprendizagem da
Filosofia. Logo, foi o objeto dos estudos realizados pelo PIBID de Filosofia UFSM
problematizar a relação que constituímos em sala de aula e nas oficinas temáticas, a
partir do conhecimento e da interação com os estudantes.
Assim, a partir das práticas desenvolvidas na escola problematizaram-se
questões que escapam aos ditames da filosofia meramente escrita, o que
necessariamente leva o grupo a aprofundar as pesquisas, em busca de novas
metodologias de ensino, bem como
propor o entrelaçamento entre o pensamento
filosófico e o cotidiano tecido nas experiências da comunidade escolar.
Em linhas gerais, o maior ganho em relação a este trabalho foi a antecipação e a
articulação do ensino superior, aos anseios e necessidades do contexto da escola, dos
professores e dos estudantes com os quais nos relacionaremos e, por fim, a possibilidade
de pesquisa do ensino e aprendizagem da filosofia, em benefício da melhoria da
formação acadêmica, enquanto professores e futuros licenciados da disciplina.
396
Referências:
ARISTÓTELES. A Política. Rio de Janeiro: Edições de Ouro. 1965.
CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Tradução de
Ingrid M. Xavier. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
___Ensinar filosofia: da pergunta filosófica à proposta metodológica. In: KOHAN,
Walter. Org: Filosofia: caminhos para seu ensino. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. pg.
19-42
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Brasiliense, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
GALEANO, Eduardo. De pernas para o ar – a escola do mundo ao avesso. Tradução
de Sergio Faraco. Porto Alegre: LP&M Editores, 2010
GALLO, Silvio, Kohan, Walter. Crítica de alguns lugares-comuns ao se pensar a
filosofia no Ensino Médio. In: Gallo, S; Kohan, W. (Org.). Filosofia no ensino médio.
2 º ed. Petrópolis: Vozes, p. 174 – 196.
HEIDEGGER, Martin. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento. Coleção Os
Pensadores. 4ª Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
ZIZEK, Slavoj. Primeiro como tragédia, depois como farsa. Tradução de Maria
Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2011
397
Educación filosófica en Colombia: Un nuevo desafío en los
currículos escolares de la educación infantil.
Resumen:
Objetivo: Reflexionar sobre las situaciones actuales de la educación infantil, en cuanto a
la implementación de la filosofía con niños en los currículos institucionales y en las
posibles acciones encaminadas por parte de los docentes, por medio de la revisión de
literatura y el rastreo de experiencias específicas en el contexto Colombo-Brasilero.
Justificación:
Este escrito es realizado como punto de partida de un proceso de investigación, el cual
surge de la acción reflexiva de un ejercicio práctico pedagógico, basado inicialmente en
las concepciones educativas con respecto a la infancia en el contexto educativo
Colombiano, específicamente en la Ciudad de Medellín; en un comienzo, se ha
recurrido a la revisión de documentos oficiales que sustentan esta propuesta y de la cual
se pretende obtener contribuciones renovadoras en lo que respecta al desarrollo del
pensamiento en los niños con relación a la formación de habilidades y actitudes por
medio de la educación filosófica. Posteriormente se recurrió al rastreo bibliográfico de
textos e investigaciones que sustentan la trascendencia e importancia de trabajar
Filosofía con niños en las escuelas.
Sabemos que no es una labor fácil desarrollar el pensamiento desde las diferentes
acciones educativas que se llevan a cabo en las instituciones. Trabajar entonces por una
educación para el desarrollo del pensamiento, requiere mucho más que estrategias o
tareas cognitivas que se basan en la repetición de conceptos, nociones o datos.
En Colombia, la educación Infantil se ha interesado por fortalecer sus procesos
integrando los contextos, la familia y los docentes o agentes educativos. A través de los
años han ido mejorado las condiciones que se ofrecen a la primera infancia para
participar en los procesos de formación; la infraestructura, la dotación, los modelos
398
pedagógicos y las modalidades de atención han sido ejes esenciales en el transcurso de
esta transformación. La idea fundamental ha sido brindar una mejor atención a los niños
proyectando fortalecerlos en relación a sus dimensiones, buscando una educación que
permita respetar sus etapas de desarrollo, garantizando sus derechos humanos y
favoreciendo sus potencialidades tanto a nivel socio afectivo como cognitivo.
Resultados esperados:
Teniendo en cuenta la información circunscrita hasta el momento, se pretende al
terminar esta investigación, ofrecer aspectos esenciales y fundamentales que puedan
fortalecer los procesos de la educación infantil en Colombia; pretendiendo implementar
una “educación filosófica” dentro de los currículos escolares, los cuales aporten a los
niños en la formación de actitudes y en el desarrollo del pensamiento crítico, por medio
de situaciones relevantes que hagan parte de su contexto inmediato, de su cotidianidad.
Palabras clave: Educación, Filosofía, niño, maestro, pensamiento, currículo.
Educación filosófica en Colombia: Un nuevo desafío en los currículos escolares de la
educación infantil.
Durante algunos años, se ha buscado cambiar el curso o el sentido de la educación
Colombiana, la cual a través de diversas experiencias ha mostrado que su base ha estado
sustentada en la enseñanza y no exactamente en el aprendizaje, el cual muestra al
profesor como protagonista principal de estos procesos. Tradicionalmente, los
estudiantes han sobrellevado una educación poco participativa, donde constantemente se
recurre a la memorización como componente necesario de los ejercicios promovidos en
los encuentros escolares.
En los últimos tiempos, se ha pretendido proponer una
educación donde se le conceda mayor protagonismo al estudiante en su proceso de
formación, buscando de esta forma permitir que se conozca a sí mismo, que conozca su
medio inmediato, que actúe recíprocamente con sus conocimientos indagando las
formas o las alternativas más adecuadas para llegar e ellos; esto requiere de procesos de
aprendizajes más autónomos donde los niños o jóvenes aprendan a aprender, elemento
fundamental de la educación que se imparte por competencias.
399
Específicamente en Medellín, se han intentado hacer aportes relevantes en cuanto a la
construcción de la política pública para la primera infancia, apreciándola como “Una
infancia de derechos” y es por esto que se hace ineludible mirar el proceso de
escolarización y la forma o la calidad cómo los niños en la edad de cero a 5 años están
siendo escolarizados, procurando acciones que valoren los recursos que se disponen y
sus potencialidades.
En el año 2004 se creó desde el Consejo de Medellínx, un programa que tiene como
propósito atender de forma integral a la población infantil de la Ciudad, especialmente a
aquella que se encuentra en condición de vulnerabilidad desde la gestación hasta los 5
años de vida. Estos niños viven en zonas periféricas de la Ciudad, donde enfrentan
problemas de inseguridad y sus familias encaran situaciones de analfabetismo,
desnutrición o desempleo. En este proyecto hay un equipo de profesionales en las áreas
de pedagogía, psicología, nutrición, fonoaudiología y medicina que atienden a estos
niños y a sus familias.
Un eje fundamental de este proyecto es el trabajo por competencias, el cual está
especificado en el documento 10 del Ministerio de Educación Nacional de la república
de Colombia “Desarrollo Infantil y Competencias en la Primera Infancia”. En este
documento oficial, hace referencia a las Competencias y son definidas como
capacidades; las cuales tienen la siguiente particularidad: (…) “La competencia se
caracteriza porque moviliza o potencia el conocimiento que surge de una situación
específica, hacia diversas situaciones y este carácter flexible le brinda a los niños más
posibilidades de poder hacer y de un desarrollo autónomo”.x Por este motivo, este
concepto fundamental ha determinado la importancia y trascendencia de las
experiencias que viven los niños en su día a día. Estas experiencias, nombradas
también en este documento, hacen énfasis en aquel tipo de experiencias que recogen,
sintetizan y sistematizan los elementos de los procesos previos que conducen a
fortalecer los procesos futuros.
El trabajo por competencias en Colombia, ha sido un tema considerado importante
desde diferentes campos como el empresarial, social y el educativo. Específicamente
desde la pedagogía, se han realizado diversos tipos de reflexiones, las cuales se orientan
400
a mejorar la calidad de la educación considerando los aspectos políticos y filosóficos
como cuestiones fundamentales en la organización de los currículos.
A través de los años y específicamente haciendo referencia a los años novena, el
concepto de competencia fue asumido completamente por la educación Colombiana. En
el gobierno del entonces presidente Cesar Gaviria (1990-1994), se decide sugerir la
evaluación en la educación como parte de un plan de apertura educativa. Esta decisión
tiene una repercusión en la ley general de educación de 1994, donde se establecen
políticas que favorecieron la implementación de la formación en competencias en el
territorio nacional. Es entonces donde en 1996 la resolución 2343 decreta la evaluación
de las competencias a través de logros. Finalmente, en 1998 se produce una renovación
curricular definitiva, la cual sugiere el diseño y la aplicación de diversas pruebas que
permitan evaluar el desarrollo de competencias en los diferentes grados que hacen parte
de la educación básica primaria y secundaria.
El profesor e investigador Colombiano Sergio Tobónx considera las competencias
como los procesos complejos de desempeño con idoneidad en un determinado contexto
con responsabilidad; esta definición es ampliada en su texto “Formación basada en
competencias” de la siguiente manera:
(…) La formación en competencias constituye una propuesta
que parte del aprendizaje significativo y se orienta a la
formación humana integral como condición esencial de todo
proyecto pedagógico; integra la teoría con la práctica en las
diversas actividades; promueve la continuidad entre todos los
niveles educativos y entre éstos y los procesos laborales y de
convivencia; fomenta la construcción del aprendizaje autónomo;
orienta la formación y el afianzamiento del proyecto ético de
vida; busca el desarrollo del espíritu emprendedor como base del
crecimiento personal y del desarrollo socioeconómico; y
fundamenta la organización curricular con base en proyectos y
problemas, trascendiendo de esta manera el currículo basado en
asignaturas compartimentadas. (TOBÓN, 2005, p. 16)
401
En el documento “La educación encierra un tesoro: informe a la Unesco de la
Comisión Internacional sobre la educación para el siglo XXI” presidida por Jacques
Delors. Madrid: Unesco, 1996x se plantea en su capítulo 4, los cuatro pilares de la
educación: Aprender a Ser, Aprender a Conocer, Aprender a Hacer y Aprender a
Convivir. Esos aprendizajes constituyen todo lo que debe ser el desarrollo humano,
evidenciando además que desde el conocimiento, se debe actuar frente a los momentos
o situaciones en función del respeto por el otro y por el medio, forjando progresos que
mejoren la calidad de vida de todos y cada uno de los seres humanos.
Lo anteriormente expuesto, enmarca a grandes rasgos la propuesta educativa
Colombiana con respecto a la Educación Infantil, sugiriendo la ausencia de elementos
primordiales en lo que se considera el fomento de currículos específicos condicionados
por diversos elementos o circunstancias que promueven o limitan el desarrollo de los
seres humanos, en este caso de los niños. Desde mis cuestionamientos como educadora,
en vista de los cortos avances que se perciben en este sistema educativo, he intentado
iniciar una búsqueda teórica que aporte elementos relevantes en la formación que se
imparte a la Primera Infancia y que posibilite ampliar el sentido educacional, con el
propósito de alcanzar procesos pedagógicos cimentados en el desarrollo del
pensamiento.
La revisión de la literatura ha permitido encontrar autores que fundamentan y valoran en
sus propuestas la relevancia y trascendencia de desarrollar el pensamiento crítico en los
niños y jóvenes a través de la enseñanza de la filosofía, exponiendo otras opciones y/o
oportunidades educacionales que posibilitan a la escuela implementar currículos con
estas especificidades desde los primeros años de escolaridad.
Matthew Lipman fue pionero en relación a la creación del programa de Filosofía para
niños, de ahí en adelante numerosos profesores e investigadores han acogido su
propuesta realizando diferentes tipos de intervenciones en el campo educativo y el
hallazgo de múltiples textos dan prueba irrefutable de ello.
En el transcurso de este escrito se expondrán algunos elementos fundamentales de la
propuesta de Matthew Lipman a través de las interpretaciones que hacen diferentes
autores, enfocando la importancia que tiene trabajar filosofía para niños en la escuela,
posibilitando la iniciación de la investigación filosófica en relación a su formación
402
humana e intelectual, facilitando el acercamiento o posibilidad que los niños tienen de
dirigir su pensamiento hacia la consideración de pensar mejor todo lo que los rodea, lo
que tienen cerca.
Un elemento importante que vale la pena exponer no sólo desde los escritos de Lipman
sino desde los autores que analizan su propuesta, es la importancia que tiene el profesor,
su actuar fundamental dentro de la comunidad de investigación que se da dentro de las
salas de aula, pues es un espacio en el cual los niños discuten no sólo temas filosóficos
sino problemas que ocurren dentro de su cotidianidad en los diferentes contextos
sociales.
Considero la infancia como una etapa fundamental en la vida de todo ser humano, es en
ese momento donde se conforman las bases intelectuales y afectivas de la persona, las
cuales marcarán el presente como niño o el futuro como adulto. Filosofía para niños es
un proyecto de vital importancia en la escuela actual y más aún, un proyecto de debe
llevarse a cabo desde los años iniciales.
Hablar de filosofía para niños es básicamente hablar de Matthew Lipman; Su
concepción de infancia es muy específica y Walter kohan en su libro “Infancia entre
educación y Filosofía” la ilustra de la siguiente manera:
(…) Con todas sus diferencias, la concepción de Lipman de la
infancia tiene por lo menos dos puntos en común muy fuertes
como la de Platón: La fase inicial de la vida y en ambos casos la
posibilidad de un venir a ser, es la potencia del que será en el
futuro: Los niños son potencialmente razonables, democráticas,
ajuiciadas, tolerantes. Más también son potencialmente lo
contrario. (…) en función de esa potencialidad casi limitada, la
infancia es el material de los sueños políticos que una educación
bien entendida sabrá producir. Por eso es tan importante para
Lipman llevar la Filosofía a las escuelas. (KOHAN, 2003, p.
110-111)
El profesor Lipman tenía como idea fundamental crear un pensamiento racional a partir
de talleres que promovieran la discusión filosófica a través del estudio de sus novelas
filosóficas. Esta propuesta permitiría entonces más que aumentar las habilidades
académicas de los niños y jóvenes, desarrollar el pensamiento crítico y reflexivo en cada
individuo, el cual finalmente garantizaría además la libertad de pensamiento, la
403
formación de mejores ciudadanos, conscientes de las implicaciones de la vida
comunitaria en democracia.
Claudio Roberto Brocanelli en su texto “Mattew Lipman: Educación para el pensar
filosófico en la infancia” Expresa la siguiente idea:
(…) En 1969 Lipman comienza un proyecto de Filosofía para
Niños, que después será llamado Programa de Filosofía para
Niños. Inicia la redacción de un libro que es llamado por
Lipman la Novela Filosófica, con el título Harry Stottleimeier´s
Disscovery; en portugués recibió el nombre de A descoberta de
Ari dos Telles. Esa novela sería destinada a niños de 11 a 12
años. Termina su redacción en el siguiente año. A partir de ese
momento Lipman se tendrá que dedicar casi que exclusivamente
a esos estudios, aplicaciones de test en escuelas y la redacción
de otras novelas filosóficas para ser aplicadas en otras edades. El
proyecto se tornó como Programa de Filosofía para Niños.
(BROCANELLI, 2012, p.22.)
Este programa contaba con la posibilidad de recurrir a un material concreto de trabajo
como lo eran las novelas, las cuales eran utilizadas por los profesores en las salas de
aula. Este material ampliamente desarrollado se ha extendido al trabajo curricular
considerando etapas como la infancia y adolescencia. Las novelas cuentan con
características específicas para los estudiantes, pues sus protagonistas son niños de su
misma edad los cuales se enfrentan a situaciones o cuestionamientos similares, muy
próximos a la vida cotidiana de los lectores.
“Filosofía en la Sala de Aula” es uno de los textos de Mathhew Lipman, en este escrito
el profesor afirma:
(…) A medida que se pasa por uno de los currículos de Filosofía
para niños, se aprende cómo es importante obtener éxito para
que los materiales sean introducidos oportunamente en una
secuencia adecuada. Enseñar filosofía implica hacer que los
estudiantes propongan temas y vuelvan a ellos repetidamente,
elaborando discusiones en los estudiantes a medida que se
desarrollan las aulas. (LIPMAN, 2006. p 117)
404
En este programa de Filosofía para niños, hay otro elemento de mucha importancia; el
cual se refiere a la formación de los profesores. Esta propuesta hace referencia al
profesor como un facilitador; el cual tiene como función ayudar a los niños a expresar
sus ideas, sugiriéndoles que hagan sus formulaciones por medio de razones y
ejemplificaciones. Se trata entonces de cambiar la función tradicional que tenía el
profesor para convertirse en un animador en relación a los discursos que ofrecen los
niños; es una invitación directa a construir sus ideas a partir de los contribuciones de sus
compañeros, considerando los problemas o situaciones desde otras perspectivas.
En cuanto a ese aspecto el profesor Lipman en su texto “La Filosofía va a la escuela”
comenta:
(…) La enseñanza de la Filosofía requiere de profesores que
estén dispuestos a examinar ideas a comprometerse con la
investigación dialógica y a respetar a los niños que están siendo
enseñados. Los métodos actuales de formación de profesores no
se imponen por desarrollar esas disposiciones. (LIPMAN, 1990,
p.173)
Metodológicamente hablando y teniendo presente la importancia de los profesores en el
desarrollo de este programa, Matthew Lipman se refiere al diálogo, a la investigación, al
intercambio de ideas y pensamientos como eje operativo de los encuentros en las salas
de aula; lo que entonces el llamaría “comunidades de investigación” las cuales surgen a
partir de la lecturas de las novelas que él mismo escribe. El texto “Mattew Lipman:
Educación para el pensar filosófico en la infancia” del Profesor Claudio Roberto
Brocanelli describe estas comunidades como:
(…) La sala de aula se torna en un lugar propicio para la
discusión y la investigación filosófica, o sea, un lugar donde los
niños pueden preguntar y discutir sobre temas de Filosofía. El
profesor tiene la tarea de ayudar a sus alumnos, animándolos en
las discusiones para que se amplíen sus horizontes de reflexión,
impidiendo que ellos se contenten en solo imitar o copiar.
(BROCANELLI, 2012, p. 82)
Las comunidades de investigación, entonces, se caracterizarían por el intercambio, por
la capacidad de comunicación de sus participantes primando el diálogo, el saber
405
escuchar y el compartir con los demás miembros del grupo y el profesor Lipman en su
texto “O pensar na Educação”, expresa:
(...) Una comunidad de investigación intenta acompañar la
investigación por el camino que esta conduce en vez de ser
limitada por las líneas divisorias de las disciplinas existentes. Se
trata de un diálogo que busca armonizarse con la lógica,
siguiendo adelante indirectamente como un barco navegando
contra el viento, pero como el proceso de su progreso se asemeja
a aquel del propio pensamiento. (LIPMAN, 1995, p. 32).
Pensar por sí mismo es posible desde este programa, si se potencia desde la sala de aula,
si se entiende esta como una comunidad de investigación. Este es uno de los conceptos
fundamentales de esta propuesta. Matthew Lipman tuvo la influencia de grandes autores
a lo largo de su obra, pero es posible decir que Jhon Dewey es una de las mayores, pues
su propuesta educativa de trabajar el pensamiento creativo en los niños y jóvenes surge
de Dewey. Walter Kohan en uno de sus capítulos del texto “Filosofía para crianças”
afirma: (…) Fueron escogido pasajes de diferentes escritos de Dewey enfocados en tres
palabras que ejercieron mayor influencia sobre Lipman y por tanto en la Filosofía para
niños: Educación, Filosofía y democraciax.
Una de las preocupaciones de Jhon Dewey era investigar y mejorar el proceso reflexivo,
aspectos fundamentales en el mejoramiento de toda sociedad y de todo sistema
educativo y que además causan interés en la obra de Lipman. Este tipo de educación
tiene un elemento de vital importancia para este autor y es uno de sus ejes primordiales
en su obra: el concepto de experiencia. El trabajo por medio de las comunidades de
investigación y de las novelas, permiten según Lipman vivir una educación
experiencial; haciendo de la filosofía una experiencia existencial más que una situación
meramente conceptual, enfocada a un currículo escolar específico. Maximiliano López
en su texto “Filosofía con niños y jóvenes” expresa:
(…) El concepto de experiencia es central en la propuesta de
“Filosofía para niños”, en la medida en que el criterio
fundamental de trabajo es la propia vida de los chicos y no la
currícula escolar. (…) La idea de una educación para, por y a
través de la experiencia es uno de los elementos fundamentales
que Lipman toma de Dewey. (LÓPEZ, 2008, p.19-20).
406
Lipman y sus colaboradores crearon este programa el cual a nivel curricular es trabajado
por medio de siete novelas (Elfie, Kio y Gus, Pixie, Harry, Lisa, Suki y Mark) las cuales
son leídas en las salas de aula y es a partir de los temas que plantean estas lecturas que
establecen los diálogos de clase. Las novelas se crearon basándose en temas cercanos a
los niños, sus protagonistas tienen la misma edad de ellos, experimentan sus mismas
inquietudes y pueden sentirse identificados en algunas de las situaciones que narra la
historia. Nilson Santos presenta las siguientes ideas en referencia a este trabajo en la
sala de aula:
(...) El currículo de Filosofía para niños envuelve las habilidades
de raciocinio incluidas dentro de seis áreas de la Filosofía:
Lógica, teoría del conocimiento, política, estética, ética y
lenguaje. Esas áreas, muy a pesar que estén presentes en todas
las seis historias, surgen con mayor énfasis en una de ellas.
(...) Cada conjunto temático (Historia) y acompañado del
manual de instrucciones, proponiendo ejemplos de ejercicios
que contribuyen para profundizar los conceptos inherentes a los
capítulos las habilidades de raciocinio. Son esos ejercicios
constantes en los libros que posibilitan al profesor modelo o la
muestra del procedimiento que espera de él. (SANTOS, 2002, p.
75).
Este tipo de propuesta educativa, llevándola a nuestro contexto actual puede causar
diferentes reacciones y pensamientos en personas que ocupan múltiples labores en el
campo académico. En Brasil, cada vez son más los estudiantes e investigadores que se
inquietan por estudiar e implementar este programa en las escuelas, buscando darle a la
filosofía un sentido más auténtico, un medio para crear investigación y una estrategia
para generar cuestionamientos ante el mundo y su realidad. Estas investigacionesx han
arrojado resultados de diversos tipos, pero todas se orientan en la importancia que tiene
hacer filosofía con los niños, permitir que sean ellos quienes filosofen, haciendo validez
de sus capacidades y aprovechando de la mejor manera los materiales que el programa
ofrece invitando directamente a la escuela a ofrecer una educación para el pensar.
407
La Filosofía tiene una gran importancia educativa y social, la cual posiblemente la
sociedad en general aún no percibe. Periódicamente en las escuelas dentro de los
currículos y formas de enseñanza, los alumnos reciben mensajes contradictorios
restringiendo sus ideas y reflexiones sobre su inteligencia, la realidad y las diversas
situaciones que afronta el mundo. Los niños y adolescentes actuales necesitan
desarrollar estructuras mentales, afectivas y éticas que posibiliten orientar rotundamente
sus pensamientos en relación a sus interpretaciones de la realidad.
La escuela tradicional nos ha mostrado que es el profesor quien responde a los
interrogantes, pero ¿no sería mejor permitirles a los niños y jóvenes que generen sus
propias respuestas utilizando el potencial de su razonamiento? Las investigaciones
previamente mencionadas nos muestran cómo trabajar por medio de Filosofía para o
con niños, aporta a la escuela y específicamente a los docentes unas herramientas
básicas que estimulan en los estudiantes a lo largo de su etapa educativa.
(…) La elección de Matthew Lipman está lejos de ser banal
cuando se constata que el acto de cuestionar, en nuestra
concepción tradicional de la enseñanza, se acostumbra ser
propio de profesor, que hace a la clase una pregunta cuya
respuesta generalmente ya conocen y
que casi siempre se
traduce a la manera como él personalmente, como adulto se
coloca la cuestión, ignorando lo que es el problema para el
alumno. Con eso, dice Matthew Lipman, el profesor lleva a
ciertos alumnos a pensar, “pero no a pensar por ellos mismos”.
Al contrario, se predicen momentos en que el alumno cuestiona,
el suscita los intereses del aprendiz pela respuesta a su pregunta
y al mismo tiempo favorece su reflexión y su apetito de saber.
(LELEUX & COLABORADORES, 2008, p. 28)
Este programa entonces, es un medio que de alguna manera reformula la enseñanza
Escolar. Pero enseñar filosofía o por medio de la filosofía no sólo tiene que ver con la
vida académica, va mucho más allá, pues tener una visión filosófica del mundo cambia
408
las condiciones de vida para cualquier ser humano. Walter Kohan en un artículo
publicado en la revista “Cuestiones de filosofía” de la Universidad Pedagógica y
Tecnológica de Colombia opina al respecto:
(…) desde Sócrates la filosofía no sólo tiene que ver con el
pensamiento, sino con la vida. Entonces, de alguna manera,
enseñar filosofía es enseñar a vivir; sé que esto suena muy
pretencioso; no se trata de decirles a los otros cómo tienen que
vivir, pero sí que los otros aprenden a mirar su vida, a
problematizarla y eventualmente a vivir de otra manera. La
filosofía puede tornar la vida más interesante, más compleja,
más digna de ser vivida. (KOHAN, 2009, p.29)
Es claro que la educación no sólo se vive en la escuela, pero abordando específicamente
este campo sabemos que los niños son gestores y transformadores de múltiples
contextos o situaciones; vemos que la Filosofía para niños es un tipo de concepción
educativa que busca devolver el sentido a la experiencia de enseñar, posibilitando la
capacidad de búsqueda y de cuestionamiento de los niños. La idea no es enseñarles
filosofía a los niños, sino de inducirlos a pensar filosóficamente. Un artículo publicado
en la revista “Cuestiones de filosofía” opina al respecto: (…) La filosofía – campo
esencial de la cultura por su historia, sus doctrinas y sus métodos de pensamiento–,
cuando se convierte en una materia enseñada en el sistema educativo, debe didactizarse,
es decir, tomar una forma que pueda dar lugar a los aprendizajes accesibles a los
alumnosx.
Son múltiples los aportes y las miradas que diversos autores hacen de la filosofía para
niños; la obra de Matthew Lipman ha sido eje inspirador de muchos estudiosos del tema
y nos hacen hablar o pensar en la filosofía como aquella actividad o situación constante
que nos lleva al cuestionamiento continuo, que permite abolir las certezas cimentadas
por la educación tradicional y que desde siempre nos han infundido. Pero esta propuesta
educativa es una posibilidad para darles a los niños otro sentido en el sistema educativo.
Una publicación de la revista Colombiana “Estudios de filosofía” hace el siguiente
aporte en referencia a la propuesta de Lipman:
409
(…) el proyecto implica un cambio en nuestra manera de ver la
filosofía como una materia accesible sólo a estudiantes de
determinados niveles educativos y para uso exclusivo de ciertas
élites. Sugiere que es posible verla como algo accesible para
niños incluso de 3 y 4 años, por la siguiente razón: con el
proyecto no se pretende enseñarles historia de la filosofía, sino
ayudarles a cultivar el espíritu y las habilidades que se necesitan
para hacer filosofía. (HOYOS, 2012, p.3)
El programa de filosofía para niños hace énfasis además, a la importancia de enseñar la
filosofía en un contexto grupal y no aisladamente, donde los encuentros se conviertan
como anteriormente se mencionaba, en comunidades de búsqueda, de investigación, los
cuales permitan a los estudiantes participar al igual que el profesor en la exploración de
preguntas y temas de interés, por medio de los cuales además aprenden a expresar sus
opiniones a escuchar al otro. Maria Liza Silveira Teles, en su texto “Filosofia para
crianças e adolescentes”, expresa estas dos ideas interesantes con respecto al trabajo
que sugiere Matthew Lipman:
(...) La filosofía para niños y adolescentes, pues, es un programa
que cultiva o desarrollo de las habilidades de raciocinio a través
de la discusión de temas filosóficos, que los ayudará no
solamente en el aprendizaje del saber como en la de inferir,
comparar, relacionar, clasificar, definir, deducir, criticar, hacer
analogías, más también a desarrollar valores positivos y a
posicionarse frente a la vida. (SILVEIRA, 1999, p. 12)
(...) El alumno con el pasar del tiempo, va a percibir que es
capaz de descubrir cosas nuevas, ángulos diferentes sobre una
misma cuestión e nuevas ideas. Descubrirá, también, que la
filosofía es un pensar sobre el pensar, una larga actividad de
búsqueda y “exploración”. Es una actividad de “Explorador”.
Aprenderá a enfrentar la realidad, que en la existencia humana
es siempre una actividad de búsqueda, un dilema no es algo
410
hecho, mas puede ser el riesgo de la incertidumbre. (SILVEIRA,
1999, p. 14)
El siglo XXI ha estado caracterizado por cambios constantes y profundas
transformaciones, las cuales a nivel educativo han atribuido nuevas exigencias a la
educación y a los profesores como principales agentes educativos del sistema. La
pretensión de enseñar filosofía a niños y jóvenes puede convertirse en un desafío que
posiblemente hace parte de estas transformaciones.
Enseñar filosofía es pues, un desafío que posiblemente muy pocos estén dispuestos a
enfrentar, pues esta intención más que ser una pasión se convierte en un compromiso
personal y social; Walter Kohan opina:
(…) En el título de esta conferencia “Desafíos para pensar… la
enseñanza de la filosofía” está la palabra “desafíos”, y el primer
desafío es éste, de darle sentido al título cuando uno se
encuentra con otros, cuando los ojos empiezan a ver, cuando la
sensibilidad se abre y uno escucha palabras, ve miradas, percibe
cuerpos que atienden, que sienten de una manera y que caminan
y entonces uno empieza a pensar de verdad en lo que quiere
decirle a esas miradas, esos oídos, esos cuerpos y las
expectativas de la educación en filosofía. (KOHAN, 2009, p. 2)
Todas estas apreciaciones nos muestran la importancia de convertir a la Filosofía en
acciones reflexivas que incentiven a los niños y jóvenes a tomar decisiones personales,
políticas desde cualquier campo profesional o particular que les permita pensar
filosóficamente, accediendo de esta forma a aplicar conocimientos, hábitos, actitudes a
su vida habitual.
La educación en general vive un proceso de socialización que posibilita aprender,
asimilar e interpretar conocimientos que repercuten en las acciones dirigidas a una
sociedad o cultura determinada. Posiblemente para implementar el trabajo de filosofía
para o con niños, sea necesario modificar las formas de actuar en la escuela, en
referencia al despliegue de los currículos dentro en las aulas de clase, permitiendo o
411
proyectando la intención que los alumnos piensen por sí mismos, que sus conocimientos
y experiencias estén fundamentados con argumentos lógicos, que les permitan sentar
una posición clara frente a los hechos que enfrentan cotidianamente.
412
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Edição.1999
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ediciones. 2005.
413
HISTÓRIA DA FILOSOFIA E A
CONSTITUIÇÃO DO ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL
Katiuska Izaguirry Marçal
Elisete M. Tomazetti
Universidade Federal de Santa Maria
Introdução
O presente texto é parte da pesquisa Ensino e aprendizagem filosófica em discurso,
desenvolvida na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, sob financiamento do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/Cnpq. O projeto tem
por finalidade identificar e compreender os discursos sobre ensino e aprendizagem
filosóficos produzidos por pesquisadores/professores de Filosofia, assim como suas
condições de produção. Para tanto, propõe-se a analisar os artigos apresentados durante
as edições do Simpósio Sul-Brasileiro sobre Ensino de Filosofia, organizado pelo
Fórum Sul de Coordenadores de Cursos de Filosofia, e posteriormente publicados pela
Editora Unijuí em livros, na coleção Filosofia e Ensinox.
Nesta investigação, destacamos, entre outros aspectos, o debate em torno da “História
da Filosofia” como condição para o ensino da disciplina, tanto no âmbito da formação
de professores de filosofia, como no ensino básico. Sobressaiu-se, pois, a seguinte
questão: “Como se estabelece a relação entre a História da Filosofia e seu ensino?” O
exame desta relação requer a observação dos discursos que evidenciam tanto as
concepções de História da Filosofia como as de ensino deste saber.
No Brasil, o ensino filosófico pautou-se na História sob a justificativa de tornar “séria”
a filosofia então realizada. O processo de profissionalização da nossa filosofia
universitária possui data e diretrizes bastante recentes. Estas, na medida em que
pretendem arraigar em solo brasileiro a tradição europeia de pensamento, traduzem uma
série de medidas referentes à transmissibilidade do saber posto. Assim, pretendemos, no
primeiro momento desta apresentação, perpassar, mesmo que brevemente, algumas de
tais diretrizes. O segundo momento é destinado à análise dos discursos contemporâneos
414
sobre a formação de professores e pesquisadores em conjunção com o tratamento dado à
História
da
Filosofia.
Apresentamos,
então,
as
considerações
de
professores/pesquisadores a respeito das condições dos cursos de filosofia do país,
assim como os textos produzidos para o Simpósio. Nosso objetivo, assim pautado, é
pensar as continuidades e descontinuidades presentes nos discursos acadêmicos
brasileiros a respeito da possibilidade de se ensinar filosofia.
Filosofia e filosofar – História da Filosofia e método
Conforme assinalamos, não há como pensar a questão da História da Filosofia como
cerne de uma pedagogia específica, sem recorrer à constituição do fazer filosófico nas
universidades brasileiras. Destaca-se neste sentido, o modelo inaugurado na
Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Certamente que tal modelo não é
hegemônico, entretanto, tem por características exemplares o apego aos textos clássicos
europeus, a anterioridade da leitura em relação à escrita e a sobrevalorização dos
problemas filosóficos da tradição em detrimento de questões nascidas em uma
“realidade” própria aos acadêmicos brasileiros. Pensamos que esses elementos, alvos de
clássicas críticas à filosofia realizada no Brasil, possuem relação estreita com a
concepção de ensino e de Filosofia desenvolvida pelos professores franceses daquela
universidade paulista.
Esta concepção materializa-se, dentre outros documentos, no Anuário da Faculdade de
Filosofia de 1934-1935, elaborado pelo professor Jean Maugüé. Marcado pela
proposição kantiana, “a Filosofia não se ensina, Ensina-se a filosofar”, esta verdadeira
“certidão de nascimento” determina algumas condições para o ensino da filosofia: o
estudante de Filosofia deve ter uma cultura geral que sirva de sustentação ao estudo da
Filosofia; ele deve, em algum momento, expressar o seu pensamento acerca das
questões atuais; o ensino da Filosofia deve ser principalmente histórico e depois
contemporâneo, isto é, ser dedicado ao tempo presente; a leitura dos textos dos filósofos
é fundamental, pois é pelo texto que ocorre o encontro com o filósofo; e, por fim, o
ensino deve não apenas ser histórico, mas, sobretudo, pessoal e íntimo. Maugüé, enfim,
afirma que “a base do ensino da filosofia no Brasil é a história da filosofia” (RBF, 1955,
p.646). Apesar da importância dada ao caráter subjetivo do filosofar, tais condições
propõem a centralidade do texto clássico como garantia da especificidade da filosofia.
Além disso, estabelecem uma concepção pedagógica muito clara ao especificar que há
uma ordenação na aprendizagem filosófica: em primeiro lugar, ter um nível cultural
415
mínimo, depois ler os clássicos para aprender como se faz filosofia, e então, se atingidas
tais exigências de conhecimentos se poderá pensar em proposições externas ao texto e à
tradição, efetivando uma filosofia mais autoral.
As normas moldadas por Maugüé demarcam a importância de reportar os estudos
filosóficos aos clássicos, com o fim de estabelecer uma base de conhecimentos densa e
evitar o deslize para o pensamento sem referências. Juntamente a elas, as concepções de
Victor Goldschmidt e Martial Gueroult definem um modo de se estudar filosofia na
academia brasileira. Seus textos, respectivamente “Tempo histórico e tempo lógico na
interpretação dos sistemas filosóficos” e “Le problème de l’histoire de la philosophie”,
podem ser considerados marcos na constituição de uma “metodologia científica em
história da filosofia”, o chamado método estrutural (ARANTES, 1994, p. 17). A
contribuição de Goldschimidt (1963) refere-se à leitura do texto em seu movimento
interno, sua estrutura, sua lógica, enfim. Ele empreende a tentativa de elaborar um
método “ao mesmo tempo, científico e filosófico”, ou seja, que leve em conta as
condições históricas na observação externa do texto ou do problema, além da estrutura
interna, referente à constituição da verdade do texto e seus dogmas. A História da
Filosofia, praticada pelo método estrutural de leitura do texto dos filósofos, constituiuse, no Brasil, nos cursos de formação de filósofos/professores de Filosofia na forma
mais legítima e segura de se ensinar e aprender Filosofia, especialmente a partir da
década de 1960.
Mas estes elementos talvez possuam um fundamento de ordem pedagógica com efeitos
bastante perversos: a passividade da interpretação e da reprodução em detrimento da
criação e do pensamento autônomo. Conforme Cristiane Marinho (2012):
A predominância do método estrutural suscitou diversas críticas: foi
mais uma influência estrangeira em nosso filosofar; inibiu
criatividade, autonomia de pensamento, objetos de reflexão, material
filosófico; constituiu mera mudança de senhor filosófico, mas
permaneceu a subserviência de repetir os grandes filósofos vindos de
fora etc. Essa subserviência se mostraria na precária produção
acadêmica filosófica com seus temas repetidos. (Marinho, 2012, p.
222)
Da centralidade do texto e da leitura
Obviamente, deve-se reconhecer a amplitude das diretrizes moldadas ainda nos anos 30,
as quais, seguindo o pensamento kantiano, prestavam à atividade do filosofar valor mais
416
alto. Da mesma forma, o método estrutural previra a apreensão do fazer como objetivo
último. Entretanto, as críticas exemplificadas acima sugerem outros efeitos destas
concepções, enquanto práticas. Apesar de objetivarem a atividade, na medida em que se
utilizaram do conteúdo da tradição como condição para o filosofar, tais práticas
passaram a formar acadêmicos inibidos, pouco criativos e submissos.
Temos por hipótese que isto se deve à proeminência da leitura e a um raso processo de
criação escrita. Paulo Arantes (1994), aliás, presta um importante testemunho neste
sentido:
Éramos, sobretudo, uma pequena sociedade de leitores de filosofia, e
quem lê não costuma encontrar obstáculos. Um filósofo europeu (pelo
menos o dos tempos clássicos), por mais que se engane e extravie, não
fala de costas para a realidade, [...] não ignora a origem extrafilosófica dos seus problemas [...]. Não era bem assim o nosso caso: o
artifício do método que consiste em expor no vácuo a anatomia de um
sistema, aqui não era um experimento [...] mas a experiência diária
num ambiente onde a curiosidade filosófica estava à procura de
assunto. Enquanto este não vinha, o discurso filosófico que líamos e
comentávamos ia se desenrolando por conta própria, sem nada que o
confrontasse ou medisse. (Arantes, 1994, p. 196-197)
De novidade metodológica capaz de efetivar um fazer filosófico legítimo, a leitura dos
clássicos transforma-se em empecilho para o filosofar. É justamente neste sentido que
outro professor universitário, Armijo Palácios (2004), descreve sua surpresa ao depararse com certas práticas acadêmicas brasileiras:
Ouvia falar sobre este ou aquele filósofo, lia ou escutava dezenas de
citações e referências às mais opostas posições como se fosse mesmo
fácil citar, sem problemas e num mesmo texto, um Platão e um
Aristóteles, um Locke e um Hobbes, sem mostrar o menor desejo de
avaliar suas teses. (Palácios, 2004, p. 12)
Palácios se refere ao paradoxo de uma história da filosofia em que o texto é descolado
de suas condicionantes temporais ou territoriais, além da abstenção de juízos sobre os
clássicos. Os acadêmicos brasileiros são capazes de utilizar autores antagônicos para
legitimar uma argumentação e não ensaiam críticas mais contundentes aos grandes
personagens da tradição. A interdição sobre a crítica das doutrinas em nome da
compreensão do texto em si gerou alguns “vícios” de leitura, que se repetem na escrita
acrítica e dócil de muitos pesquisadores.
417
Se a leitura seguida da explicação – geralmente do especialista – constitui uma prática
da transmissão do conhecimento filosófico, onde está o espaço para o questionamento e
posicionamento frente as mais diversas teorias? Neste ponto se faz interessante a
anotação de Ernest Tugendhat sobre a importância da escrita para a aprendizagem da
filosofia, em contraponto à prática privilegiada da leitura. Ele faz uma avaliação do
ensino universitário que conheceu no Brasil:
Porque tudo o que se faz, em geral, é ler, tanto os grandes
filósofos do passado como os filósofos contemporâneos,
somente porque eles são exemplos de pensar. Ora, para poder
ter esse exemplo deve-se fazer a mesma coisa que eles, e para
isso não é suficiente estar numa aula e fazer as perguntas.
(Tugendhat, 2005, p. 146)
Tugendhat remete à prática cotidiana dos cursos de graduação em filosofia, nos quais a
leitura constitui atividade central, senão objetivo mesmo da formação que privilegia a
pesquisa. As normas de origem francesa determinaram a verdade da lógica intrínseca a
cada texto e desautorizaram as possíveis dissensões entre as diversas doutrinas,
historicamente postas. A consequência mais dura disso é o deslindamento de uma
história da filosofia pouco crítica, ou pelo menos, harmoniosa demais. Além disso, a
leitura remete a uma passividade no processo de aprendizagem. Esta praticamente
reduz-se ao processo de apreensão de conteúdos em sua forma representacional.
De fato, a formação para a pesquisa, tão valorizada nos departamentos de filosofia, sofre
fortes críticas. Oswaldo Porchat, por exemplo, questiona as práticas acadêmicas e
admite: formam-se historiadores de filosofia e comentaristas e, portanto, não formam-se
filósofos. Ele ousa perguntar: “Prepara-se alguém para a prática da filosofia do mesmo
modo que se prepara alguém para a prática da história da filosofia?” (SOUZA, 2005,
p. 112, grifos no original). Isso porque ele conclui: “o temor que me assalta é o de que,
levados pela nossa segura consciência de que a filosofia se alimenta continuamente de
sua história, tenhamos ido longe demais na prática da orientação historiográfica” (Ibid.,
p. 113).
A polêmica sobre a prática metodológica dos cursos universitários encontra-se há algum
tempo em crise. Neste sentido, convergem as críticas a um ensino pautado na leitura dos
clássicos e a avaliação de Porchat, Tugendaht e Palácios sobre a questão de que a
estrutura fundada na prática da pesquisa historiográfica concernente a uma cultura
antifilosófica, que não permite, pois, a criação ou a reflexão.
418
Interessante se faz acompanhar um pouco das sugestões de mudanças elaboradas por
Porchat para compreender as práticas atuais. Ele propõe que “a História da Filosofia
comece a dar lugar à Filosofia”. O primeiro ponto seria a introdução de pesquisas a
partir de problemas filosóficos e não apenas sobre “doutrinas filosóficas deste ou
daquele autor” (2005, p. 116); por conseguinte, dar ênfase às questões contemporâneas
na medida em que “é infelizmente possível entre nós, terminar a Graduação em filosofia
não tendo lido nem trabalhado nenhum, ou quase nenhum dos temas de que se ocupam
os filósofos que neste mesmo momento estão em nosso mundo propondo seus
filosofemas” (Ibid.). Relativamente à possibilidade de participação ativa dos estudantes:
“é muito desejável que nossos estudantes sejam fortemente incentivados, desde o início,
desde o primeiro ano, a exprimirem livremente nos seminários, nos trabalhos e nas
aulas os seus próprios pontos de vista sobre os assuntos tratados” (Ibid., p. 117-118,
grifos no original)
Porchat propõe uma nova pedagogia filosófica para os cursos superiores, agora, em
busca da criatividade e do livre pensamento, enfim, da filosofia mesma, e não da
pesquisa historiográfica. Junto da anotação de Tugendaht, sobre a importância da
escrita, estas concepções marcam a relevância da atividade do aprendiz como condição
para o filosofar. O método a ser abstraído na forma tradicional da historiografia
transformou-se, pois, em conteúdo e, no pior dos casos, criou uma cultura da repetição,
no entanto, com poucas possibilidades de criação.
A História da Filosofia e o ensino
Os aspectos até aqui destacados evidenciam que o ensino da filosofia e a própria
pesquisa na universidade brasileira constitui efeito de muitas das determinações
elaboradas em uma pedagogia específica. A análise de artigos recentes sobre a questão
da História da Filosofia corroboram tal estado de coisas, na medida em que apresentam
críticas ou a defesa da manutenção da história da filosofia como cerne do ensino.
Apresenta também outros efeitos, estruturais, referentes à grade curricular e aos modos
de organização das graduações.
Trazemos como exemplos desses efeitos quatro artigos que tratam da história da
filosofia como possível condição de seu ensino. São os seguintes: Gilles Deleuze e a
virtualidade: a passagem da história à cartografia no ensino da Filosofia, de Eladio C.
P. Craia (2002); O ensino de filosofia e a formação de professores, de Ester Maria
Dreher Heuser (2002); Algumas ponderações acerca da filosofia e da história da
419
filosofia, de Júlio César Burdzinski (2005); Ensino da filosofia com foco em sua história
ou na solução de problemas? Indagações em busca de uma visão comum, de José Luís
Corrêa Novaes e Marco Antônio Oliveira de Azevedo (2010). Todos eles tratam
primordialmente do processo de ensino da filosofia na própria universidade. Todavia, o
contexto de surgimento do Simpósio Sul-Brasileiro sobre Ensino da Filosofia esteve
ligado à emergência das discussões em torno da luta pelo retorno obrigatório da
disciplina ao ensino básico. Os artigos em questão não escapam, pois, à tentativa de
pensar, mesmo que tangencialmente ou analogamente, a transposição dessa metodologia
para o contexto do ensino básico, mais especificamente, do ensino médio.
Os artigos foram escritos por professores dos cursos de Filosofia de diferentes
universidades e, por isso, de certa forma, herdeiros da formação pautada na leitura do
texto e na hegemonia de determinados pensadores clássicos. Esses autores também são
professores que, seja pelo currículo que seguem, seja pela formação que tiveram,
também reproduzem, em certa medida, uma estrutura constituída pela divisão epocal de
textos, problemas e autores. É nesse sentido que a história da filosofia surge como
problema a ser debatido em nome de um esclarecimento sobre as possíveis
metodologias do ensino da filosofia. Nos artigos analisados, está presente a preocupação
com os meios de transmissão dos saberes e da tradição filosófica. Ora, são as mesmas
preocupações que levaram os eminentes professores franceses a escreverem as diretrizes
da implantação de uma “filosofia séria” em território ultramarino.
Dos elementos em comum entre os artigos analisados, destacamos a ideia de história da
filosofia como “um conjunto específico de questões que cabe resolver e uma lista
própria de autores e textos nos quais buscar sugestões e inspirações para resolvê-las”
(BURDZINSKI, 2005, p. 263). Mesmo quando se realiza uma revisão crítica sobre o
uso da história como referência do ensino de filosofia, há uma reivindicação da
manutenção dessa estrutura. Veja-se, pois, a conclusão de Novaes e Azevedo:
De todo modo, admiramos não só a Filosofia, mas também
aqueles que a fazem e fizeram: os Filósofos. Daí uma das razões
pelas quais valorizamos a História da Filosofia. [...] Conhecer a
história da arte filosófica resulta em pôr-se em contato com a
diversidade histórica de seu longo debate. (Novaes; Azevedo,
2005, p. 127)
Apesar do tom conservador com que concluem o artigo, esses autores articulam uma
interessante revisão sobre o termo “história” e concluem ser a história da filosofia uma
420
disciplina, e não necessariamente a estrutura cronológica à qual tem-se identificado a
grade curricular dos cursos de formação inicial. Por conseguinte, definem história da
filosofia como uma “forma de estudo (filosófico) e reflexão filosófica sobre ideias
(influentes) de (certos) pensadores do passado (interessantes a problemas presentes)”
(NOVAES; AZEVEDO, 2005, p. 119). Portanto, apesar da necessária reconstituição
conceitual do termo “história da filosofia” a fim de desvinculá-lo do caráter cronológico
e estático de suas formas de ensino, mantém-se a tentativa de instituir a história da
filosofia como conteúdo (muitas vezes, material) fundamental para a efetivação da
atividade filosófica, que, para os autores em questão, diz respeito à “arte de ocupar-se
intelectualmente em buscar soluções a problemas de natureza conceitual, e de buscar
construir argumentos em favor das soluções a tais problemas” (2005, p. 127).
Outro elemento que se sobressai nos artigos de professores/pesquisadores é a análise
crítica das consequências pedagógicas das formas de se trabalhar a história da filosofia.
Constata-se uma dicotomia entre forma e conteúdo, na qual a história da filosofia é o
conteúdo (material e teórico) que servirá de base para o desenvolvimento de habilidades
cognitivas e atitudes propriamente filosóficas. Assim percebe Ester Heuser, que, em
artigo de 2002, aponta duas perspectivas de ensino de filosofia consideradas por
professores e pesquisadores. A primeira refere-se ao ensino da “cultura filosófica” por
meio do uso do acervo de textos e obras filosóficas (textos clássicos). Heuser refere
Leopoldo e Silva para afirmar que, em tal perspectiva, a história da filosofia fornece
métodos e conceitos específicos desse saber. Essa forma de ensino tende a pressupor
conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais prévias dos estudantes.
Segundo outra concepção à filosofia cabe desenvolver “habilidades de raciocínio” e
uma “postura filosófica”. Tal perspectiva teria por conteúdo de conhecimento os temas
e problemas próprios às experiências dos estudantes. Compreender o uso do texto
clássico como resposta ou exemplo de problema filosófico pode estar no cerne da
contraposição entre forma e conteúdo – fazer filosófico e tradição filosófica. O texto é
parte da história enquanto produto datado e concreto. Mas em termos filosóficos,
podemos pensar que não é resposta nem exemplo de problema, mas mote para o
exercício do pensamento.
Ao desenvolver uma crítica à estrutura dos cursos de licenciatura em filosofia, Heuser
destaca a história da filosofia como eixo curricular. Assim, os alunos têm “um
importante panorama dos sistemas e paradigmas filosóficos criados ao longo dos 25
421
séculos de filosofia, abordando, a partir dele a lógica, a ética, a estética, a antropologia e
a epistemologia.” (HEUSER, 2002, p. 290). A autora ainda apresenta a concepção mais
comum de história da filosofia, qual seja, a de que esta constitui um acervo de textos
(portanto, material) e autores que tendem a ser estudados conforme ordem cronológica.
Nesse sentido, a história consistiria num tipo de representação de tudo o que foi
desenvolvido na tradição, que, por sua vez, é também historicizável – divide-se, pois,
muitas vezes, em normas epocais. Mesmo os problemas filosóficos clássicos tendem a
ser assim colocados. Ex.: a natureza e o devir entre os pré-socráticos; a verdade divina
para os medievais, o conhecimento para os modernos, etc. Os currículos universitários
e, muitas vezes, a grade de conteúdos escolares tendem a seguir tal cronologia.
Entendemos que haja aspectos interessantes nessa perspectiva: permite a compreensão
das condições de surgimento e manutenção de ideias clássicas e a historicidade do
conhecimento, além de evitar a ideia de gênio criador. No entanto, essa perspectiva
encaminha para uma compreensão homogênea de ideias e problemas que possuem
singularidades filosóficas e autorais, e a história, vista assim, poderia gerar uma noção
modelar de filosofia. Crer que haja problemas universais e atemporais, com respostas
clássicas pode limitar a filosofia enquanto experiência de pensamento.
A recorrência ao problema da história da filosofia parece demonstrar que há certa
insatisfação com os rumos dessa perspectiva, em termos de possibilidade de transmissão
dos saberes filosóficos. O risco de tornar a filosofia uma série linear de problemas,
conceitos e autores leva à busca de novas formas de articular o fazer filosófico à
tradição – jamais negada, é preciso enfatizar.
Dizemos que a tradição não é negada, porquanto, mesmo nas perspectivas críticas ao
modelo tradicional de ensino, está colocado um pressuposto, qual seja, o de que a
“tecné” filosófica acontece pela leitura, do mundo, mas também da “tradição, os livros
de filosofia, as obras de outros pensadores” (CRAIA, 2002, p. 214). Na tentativa de
propor uma nova leitura do que, já de senso comum, seria a história da filosofia, Craia
traz a perspectiva deleuziana, por muitos acusada de “um certo deslocamento em
relação ao protocolo mais generalizado e recomendado pelas regras da exegese mais
criteriosa.” (2002, p. 215). De acordo com tal perspectiva, os textos da história da
filosofia não são revistos em sua possível verdade originária, mas devem ser usados (p.
217). Por conseguinte, a filosofia de Deleuze erige a singularidade e a diferença como
supostos, em contraposição ao pensamento representacional da tradição, marcado pela
422
identidade como condição de verdade dos discursos – inclusive os filosóficos. Craia
defende, através do pensador francês, a relação intrínseca entre o fazer filosófico, isto é,
a experiência de pensamento, e a tradição inscrita nas obras. Dessa forma, ele afirma:
Assim, quando Deleuze lê, aquilo que lê não possui um sentido
único, senão que, pelo contrário, se trata de uma permanente
produção de sentido autodiferenciada, pois é formada e expressa
no horizonte de uma multiplicidade que nenhuma relação
mantém com o idêntico. Portanto, para Deleuze, toda forma de
identidade do sentido é eliminada, e, junto com ela, é eliminada
a verdade última do texto, enquanto tribunal inapelável da
leitura. (Craia, 2002, p. 220)
Percebe-se, na proposta de Eladio Craia, um deslocamento metodológico na forma de
ler o texto filosófico. Seguindo sua crítica, a leitura da história da filosofia tradicional
remete à explicitação de um “processo histórico” marcado pela ação de “identificar e
juntar elementos em uma relação de causa-efeito, estabelecida por continuidades
baseadas na identidade de cada ‘peça’, postulando a ‘linearidade’ para todo o processo.”
(2002, p. 224). A história da filosofia trabalhada de modo tradicional, além disso,
tenderia a estratificar e eleger modelos de questões e resoluções, tornando-se repetição
dogmática. Encontrar novas questões e ressaltar outros conceitos é a liberdade filosófica
possível a uma leitura dada pela multiplicidade. O “uso” diz respeito à singularidade
daquele que filosofa. O ensino de filosofia, assim, perpassaria a “captura de
virtualidade” e uma condizente liberdade de sentidos possíveis na obra filosófica.
Considerações finais
A pesquisa e análise dos discursos que perpassam a constituição dos cursos de filosofia
no Brasil elucidam alguns aspectos. Atualmente, há uma reação aos efeitos controversos
de uma pedagogia filosófica pautada na reverência ao pensamento europeu, assim como
à passividade causada pelo exercício quase exclusivo da leitura e comentário dos textos
clássicos.
O recente processo de expansão da filosofia como disciplina escolar também gera
implicações nesta direção. Na medida em que a academia é forçada a pensar a
transmissão da filosofia no âmbito do ensino básico, debates e dicotomias como
“filosofia versus filosofar” retornam como mote de reflexões metodológicas adaptadas
às condições contemporâneas. Isto mostra, em primeiro plano, que o debate pedagógico
423
não é fechado e não pode consistir em modelo universal de transmissão; depende pois,
do período histórico, conjuntural e do espaço em que deve se desenrolar.
Além disso, o que se percebe é um movimento crítico que abrange tanto a necessária
inovação pedagógica na área da filosofia para crianças e adolescentes, mas também, e
principalmente, na própria filosofia acadêmica. Talvez os agentes de tal movimento
sejam distintos e mais complexos quando nos referimos a cada esfera [universidade e
escola], todavia, partem da mesma vertente: professores e pesquisadores atuantes na
formação de profissionais da filosofia; sobretudo pessoas engajadas na formação de
docentes a atuarem na escola. Assim, o ensino de filosofia retroalimenta-se de
problemáticas concretas e passa também a constituir uma História filosófica. Por
conseguinte, impõe, paradoxalmente, a criação como mote do filosofar e da prática
pedagógica.
424
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HEUSER, Ester Maria Dreher. O ensino de filosofia e a formação de professores. In:
FÁVERO, Altair Alberto et al. (Org.). Um olhar sobre o ensino de filosofia. Ijuí:
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MARINHO, Cristiane Maria. De Deus à Diferença - trajetória das matrizes filosóficas
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PALÁCIOS, Gonçalo Armijos. Alheio olhar. Goiânia: Editora da UFG, 2004. 156p.
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SOUZA, José Crisóstomo de (Org.). A filosofia entre nós. – Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.
425
La inquietud de sí mismo: un enfoque del ejercicio filosófico
llevado a la Educación Media Superior
Lic. Christian Erik Sánchez Linares
La reducción de horas, y en algunos casos, de asignaturas que actualmente enfrenta la
enseñanza de la Filosofía en la Educación Media Superior [EMS] en México, proviene
de una gama de posturas que tienen muchos matices y que en gran medida son venidas
de diferentes sectores de dicho nivel educativo. Una de estas posturas es la que atañe a
la crítica que se hace a la labor docente dedicada a reproducir prácticas memorísticas y
de acumulación de datos, es decir, el docente es, como lo señala Díaz Barriga, un
operario, que se limita a cumplir el programa con el menor esfuerzo posible, con notas,
textos y apuntes que le funcionaron en una época (Díaz Barriga, 2005, p. 35). Y al
reproducir esta práctica por varias generaciones, llega un momento en que ya no se
atienden las necesidades específicas de los adolescentes con los que se convive, y el
trabajo del aula se centra en repetir una serie de datos a modo de preparación de un
examen, completamente descontextualizado e incluso fastidioso ya que esto se puede
hacer en menos tiempo y más fácil por medio de la lectura de un manual.
Por esta razón, es fundamental generar propuestas y estrategias didácticas que
tomen en cuenta las diferentes perspectivas que confluyen en el espacio áulico y que se
dé voz a todos y cada uno de los personajes que interactúan para generar una armonía,
es decir, reconocer en primer lugar las inquietudes del docente y del adolescente, pero
también es imprescindible retomar el programa institucional y los contenidos de la
asignatura para que con todos estos elementos se logre realizar un trabajo en donde se
haga manifiesto que la labor docente no tiene porque ser mecánica, reproductora y por
426
ende desagradable.
1.- La creatividad del docente
Indudablemente el esfuerzo del trabajo intelectual del docente se manifiesta en la
elaboración de propuestas didácticas, en las cuales es obligatorio tomar en cuenta al
adolescente, al programa, al contenido y por supuesto, a los intereses intelectuales y
pedagógicos del docente. Es importante señalar que las propuestas didácticas deben
estar secuenciadas, bien planeadas y acotadas por finalidades pedagógicas que atiendan
a momentos históricos y proyectos sociales específicos, que por supuesto no tienen que
disentir de los objetivos y propósitos del programa, antes bien ambas pueden confluir y
complementarse, siendo aquí en donde se nota en verdad esa capacidad inventiva,
innovadora e incluso recreativa de la tarea del docente.
Por ello es necesario comprender que el programa es sólo un punto de partida en
el cual el docente se tiene que basar para seleccionar y graduar el contenido, y con ello,
adaptarlo a cada situación específica. Reconociendo ante todo que los programas deben
ser una guía para la creación o interpretación e incluso un estimulante para ejercer dicha
labor.
Sin embargo para poder llevar al aula una estrategia o propuesta con significado
e incluyente, se debe anteponer que el adolescente que cursa la EMS no es un simple
depositario o alguien que va a reaccionar con base a la propuesta, antes bien posee una
curiosidad que es imprescindible fomentar, tiene creatividad, dinamismo y sobre todo
tiene intereses y conocimientos propios, razón por la cual no debe nunca dejarse de lado
la posibilidad de la experimentación e improvisación en el aula, factor determinante
para evitar el acartonamiento y la práctica repetitiva.
2.- El ejercicio filosófico
Debido a que la propuesta didáctica debe reflejar, por necesidad, los intereses o
427
tendencias intelectuales y pedagógicas de cada docente, en esta sección, se expondrá
una noción de aprendizaje filosófico que bien puede ser puesto en práctica en una
propuesta, ya que, como se verá, favorece a la formación del adolescente.
La enseñanza de la filosofía tiene distintas connotaciones que, depende del grado
en el cual se imparta, se diseñará o se planeará su didáctica. Así por ejemplo a nivel
licenciatura o posgrado se busca que el alumno produzca nuevos saberes o que
contribuya al avance de la disciplina, pero en el nivel Medio Superior, el panorama es
distinto, ya que la principal intención consiste en no sólo proveer al adolescente de
contenidos, sino además se pretende que puedan construir y formar una identidad que
les será de gran utilidad para conducirse por el mundo.
De este modo, si la finalidad de la enseñanza de la filosofía dentro de la EMS es
el de promover, facilitar o producir algún tipo de aprendizaje que le ayude a fomar su
identidad, ahora se analizará qué elementos se deben tomar en cuenta cuando se habla
de aprendizaje filosófico. Si bien no se puede dejar de lado los textos, los conceptos y
las teorías filosóficas, no se busca exclusivamente que los adolescentes recuerden la
historia de la filosofía, sino además que puedan desarrollar ciertas actitudes o
habilidades propias de la filosofía tales como la actitud crítica y reflexiva. Es decir,
comprender las problemáticas, saber cuáles son las preocupaciones de los diversos
filósofos y a qué intentan dar respuesta, todo ello con el propósito de ejercitar las
diversas facultades cognitivas para poder desarticular, advertir y comprender las
cuestiones filosóficas y adoptarlas como propias de la condición humana.
Por eso es tan fundamental no sólo planificar y desarrollar actividades que
permitan trabajar de forma interrelacionada tanto los contenidos como los
procedimientos o actitudes, sino además realizar ajustes conforme avanzan las sesiones,
para en todo momento incitar al adolescente a cuestionar y poner en duda lo que ya
428
aprendido, o ha aceptado de manera dogmática.
De tal suerte que se atenderá en todo momento a enseñar la filosofía de forma
que se ponga de manifiesto que necesariamente todo va acompañado de una reflexión
filosófica, de modo que los adolescentes descubran la filosofía a partir del campo
cultural donde se han desenvuelto, observando que existe un vínculo personal
intelectual y afectivo en tal reflexión.
3.- La inquietud de sí
La ejercitación en la reflexión filosófica es lo idóneo para concientizar al adolescente
sobre lo que está desarrollando su intelecto, dicho de otra manera, es fundamental tomar
en cuenta que el adolescente tiene deseos, anhelos, ideas, pensamientos y conocimientos
que en su conjunto forman una expectativa de vida, por tanto aquí es donde la reflexión
filosófica trabajará, ya que por medio de ella el adolescente aprenderá a cuestionar sus
verdades y valores, tanto doctrinales como vivenciales, para lograr con ello afinar dicha
expectativa. Con ello se busca impulsar una inquietud de sí que se puede ver reflejado
en un mejor dominio sobre los saberes y la forma de construcción de ideas y
pensamientos, y como lo señala Michel Foucault, realizar un giro del sujeto hacia sí
mismo; una conversión hacia su propio interior para poder dedicarse a su cuidado, con
el fin de conocerse a sí mismo (Foucault, 1990, p. 48). Razón por la cual el ejercicio
filosófico que se debe llevar al aula debe ir encaminada hacia una concientización del
actuar, un compromiso con la sociedad y una toma de postura respecto al acontecer.
Esta enfoque pedagógico se desarrolla con base en la idea de que en gran medida
la finalidad del acto educativo es formar al hombre, mejor dicho, guiar el
desenvolvimiento dinámico por el cual el hombre se forma a sí mismo y llega a ser un
hombre (Maritan, 1943). Y para poder ejercitar todas las facultades cognitivas que
429
permitan al adolescente desarrollarse, tiene que haber una actitud, un compromiso y una
responsabilidad para poder encontrar el lugar de cada quien en el mundo.
Pero ¿en qué consiste esta inquietud de sí mismo? ¿cómo se puede fomentar o
promover? En el caso específico de los adolescentes es fundamental que el docente haga
hincapíe en que cada quién es responsable de sí mismo, y que no se debe rehuir al
encuentro de la existencia de cada quién ni mucho menos a la de los otros. Fomentar el
análisis de la condición del sujeto para consigo mismo. La inquietud de sí tiene que ver
con un asunto de práctica de la experiencia, saber preguntar y saber interpretar, tomando
una actitud, un modo de considerar las cosas.
De tal modo, siempre hacer énfasis en que la formación humana es una creación
interna que se da en la intimidad del encuentro con uno mismo, con nuestra condición
humana que se ve reflejada en la toma de postura en y frente al mundo.
Así, cuando se habla de una propuesta didáctica enfocada en la inquietud de sí,
se centra en el afán de que cada individuo produzca su propia identidad y verdad
concentrada en las experiencias de sí mismo para consigo mismo y con la comunidad.
(Jiménez & Valle, 2012)
Por ejemplo en el caso de la asignatura de Lógica, con este enfoque, se busca
hacer patente al adolescente que los contenidos de la asignatura tienen una estrecha
relación directamente con él, ya que se tratan temas como lo son la elaboración de los
juicios, los conceptos y la argumentación. Es decir, es necesario hacer notar en el aula
que en todo momento se elaboran, de manera ingenua, pensamientos, conceptos, juicios
y que se hacen de acuerdo a diversos supuestos, creencias o saberes que cada quien
posee, por ello es importante no sólo analizar la forma en la cual se lleva a cabo la
construcción correcta de los razonamientos sino además mostrar que toda construcción
430
tiene como base las experiencias, los saberes o los dogmas personales.
Por lo tanto hasta aquí se puede afirmar que la enseñanza de la filosofía no sólo
tiene que ver con el contenido filosófico sino también con la disposición hacia la
reflexión filosófica independientemente de la cuestión a tratar, por lo que ésta puede
estar dedicada a la autoreflexión, a la inquietud y al cuidado de sí.
4.- Consideraciones finales
La importancia de promover una inquietud de sí por medio de la enseñanza de la
Filosofía es fundamental para nuestra situación y contexto actual ya que el descuido de
sí implica un desprecio silencioso, sin intereses propios y auténticos controlados por las
técnicas de consumo, la publicidad, y la mercadotecnia tan exclusivas de la
globalización.
De tal suerte, de lo que se trata es de poner atención a lo que se piensa y lo que
sucede al pensamiento, y comprender que esto es parte constitutiva del hombre para que
se haga cargo de sí mismo. Y con cargo de sí mismo se hace referencia a una
gubernamentalidad que implica la relación de uno hacia sí mismo. Concebido como el
conjunto de prácticas a través de las cuales se pueden constituir, definir y organizar las
disposiciones que los individuos en su libertad pueden establecer para con su entorno
Ya para concluir no queda otra cosa más que recalcar que esta tarea ha formado
siempre una de las funciones más importantes de la filosofía. La filosofía conjunto a su
reflexión y actitud crítica, ha sido precisamente el acto que ha puesto en cuestión todos
los ámbitos del acontecer humano. No hay razón para negar que esta función crítica de
la filosofía repercuta en un ocúpate de ti mismo, e incluso: aprender a dominarte a tì
mismo.
431
Trabajos citados
Díaz Barriga, Á. (2005). El docente y los programas escolares: Lo institucional y lo
didáctico . Barcelona : Ediciones Pomares .
Foucault, M. (1990). tecnologías del yo y otros textos afines. Barcelona, España:
Paídos.
Jiménez, M. A., & Valle, A. M. (2012). Hacia una pedagogía del cuidado de sí, una
alternativa institucional. In J. R. García García, Evaluación de las politícas hacia la
educación superior en México. ilusiones y desencantos . Mexico D.F.: Ediciones Díaz
de Santos .
Maritan, J. (1943). La educación en este momento crucial. Buenos Aires: Club de
lectores.
Salmerón, F. (1998). La filosofía y la tolerancia. In A. Sánchez Vázquez, El mundo de
la violencia . México: F.C.E. UNAM.
432
Discussão e Projeção do Ensino da Filosofia no Brasil através dos
Periódicos de Filosofia e Educação
Tiago Brentam Perencini
Theo Tanus Salvadori
Rodrigo Pelloso Gelamo
RESUMO
Promovemos esta pesquisa com o objetivo de analisar as publicações sobre o ensino da
Filosofia nos periódicos especializados em Filosofia e em Educação, que tiveram
vigência no Brasil a partir dos anos 1930 até o ano 2008. Com isso, pretendemos
investigar o seguinte problema: de que maneira se deu o debate acerca do ensino da
Filosofia nos periódicos filosóficos e educacionais brasileiros, e como reverberou esse
debate entre essas publicações? Temos como hipótese que as questões envolvidas em
seu debate, em detrimento da ampla complexidade de sua problemática, são
perspectivadas em quatro diferentes enfoques: (1) o entendimento da importância do
ensino da filosofia para a sociedade, para a cultura e para a formação crítica do homem;
(2) a reflexão sobre os temas e conteúdos a serem ensinados e sobre o currículo; (3) a
busca do entendimento e adequação metodológica do ensino da filosofia; e (4) a procura
pela abertura de uma nova frente para o ensino da filosofia: a filosofia para (com)
crianças. Poderíamos acrescentar a essas perspectivas anteriores, mais uma, um tanto
quanto heterodoxa, que se preocupa em pensar o ensino da filosofia a partir de
problemas como o da experiência, da infância etc. Nosso interesse se justifica pelo
retorno da obrigatoriedade da disciplina de Filosofia ao currículo do Ensino Médio da
educação brasileira, por meio da aprovação da Lei 11.684/2008. A partir desse contexto
legislativo, soma-se a nossa preocupação em compreender como se erigiu a discussão
sobre o campo de saber que denominados Ensino da Filosofia, em virtude de sua
importância primordial para o entendimento da assimilação da Filosofia em nosso país,
em todos os momentos em que esteve presente nos currículos do ensino secundário, e,
também, desde que está presente no ensino superior após a criação dos primeiros cursos
433
de Filosofia nas universidades brasileiras nos anos 1930. Como este trabalho está em
desenvolvimento, trazemos resultados parciais de nossa pesquisa e, por meio dela,
esperamos mapear, em todo o material designado, os documentos que trataram de
maneira expressiva sobre o ensino da filosofia. Assim, identificadas tais manifestações
documentais sobre nosso tema, pretendemos investigar o debate construído em torno
desse assunto; aumentar a base de dados de referência para futuras pesquisas sobre a
temática do ensino da filosofia e verificar se a hipótese exposta acima é confirmada.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino da Filosofia, Ensino da Filosofia no Brasil, Periódicos.
Trabalho em Processo.
Eixo Temático: Novos desafios no ensino de Filosofia.
INTRODUÇÃO
No Brasil, a produção teórica sobre o campo de saber que compreende o ensino
da filosofia é bem recente e ainda restrito. Ao iniciarmos o levantamento bibliográfico
sobre o assunto, notamos que a escassez de produção sobre esse campo de
conhecimento já era notada desde o final dos anos 1950, conforme se pode perceber na
pesquisa realizada por Carlos Frederico Maciel e publicada em 1959, Um estudopesquisa sobre o ensino secundário de filosofia. Para ele,
De um modo geral nosso movimento editorial filosófico é muito
escasso. Em todo caso o professor pode e deve recorrer à bibliografia
universal, para informar-se quanto ao conteúdo de sua disciplina. Mas
é ao contato mais especial da Didática da Filosofia, que queremos nos
referir.
É um fato que esse tipo de bibliografia é escasso, por um lado, e
pouco accessível, por outro, não existindo ainda trabalho de
catalogação (1959, p. 124-125).
De certo modo, o próprio Maciel procurou fazer um levantamento bibliográfico,
apresentado na referida pesquisa e em um estudo anterior publicado juntamente com
Amélia Domingues de Castro na Revista de Pedagogia da USP, em 1958, cujo título foi
Levantamento Bibliográfico da Didática da Filosofia. Ao iniciarmos o levantamento
bibliográfico em outras pesquisasx constatamos, no entanto, que uma catalogação mais
ampla ainda hoje não existe.
Dessa suspeita, surgiu o interesse em investigar a seguinte problemática: Qual a
recepção do debate sobre o ensino de filosofia nos periódicos brasileiros e como se deu
434
o debate entorno desse assunto?x Temos a hipótese de que a discussão sobre o ensino de
filosofia no Brasil, apesar do amplo tema-problema, foi perspectivada sob quatro
diferentes enfoques: (1) do entendimento da importância do ensino da filosofia para a
sociedade, para a cultura e para a formação crítica do homem; (2) da reflexão sobre os
temas e conteúdos a serem ensinados e sobre o currículo; (3) da busca do entendimento
metodológico do ensino da filosofia; (4) na procura pela abertura de uma nova frente
para o ensino da filosofia: a filosofia para (com) crianças.
Nosso objetivo geral é, mediante a toda discussão levantada, identificar o que e
como se pensou sobre o ensino de filosofia no Brasil, tomando como material de análise
vinte e três periódicos especializados em filosofia e em educação x que foram publicados
no país a partir da década de 1930 a 2008. O interesse em ambas as datas justifica-se
pelo retorno da obrigatoriedade da disciplina de Filosofia ao currículo do Ensino Médio
da educação brasileira, por meio da aprovação da Lei 11.684 no ano de 2008. A partir
desse contexto legislativo, soma-se a nossa preocupação em compreender como se
erigiu a discussão sobre o campo de saber que denominados Ensino da Filosofia, em
virtude de sua importância primordial para o entendimento da assimilação da Filosofia
em nosso país, em todos os momentos em que esteve presente nos currículos do ensino
secundário, e, também, desde que está presente no ensino superior após a criação dos
primeiros cursos de Filosofia nas universidades brasileiras nos anos 1930. Com isso há
três objetivos específicos: (1) analisar as produções sobre o ensino de filosofia por parte
dos especialistas e, com isso, tentar compreender como se deu esse debate; (2) ampliar a
base de dados para pesquisas futuras sobre a temática no país; (3) verificar se a hipótese
levantada acima se confirma.
Os 23 periódicos anteriormente citados dividem-se entre as áreas de Educação e
de Filosofia. São cinco da área de Educação: Revista de Educaçãox (São Paulo:
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 1927 a 1961); Boletim de Educação
Públicax (Distrito Federal – RJ: Secretaria Geral de Educação e Cultura, 1930 – 58);
Formação: Revista Brasileira de Educação (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938 –
54); Educação (Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação, 1939 – 1967);
Revista do Ensino (Porto Alegre: Secretaria de Educação e Cultura do RS, 1951 –
1974).
435
Os periódicos em Filosofia são dezoito: Anais da Sociedade Brasileira de
Filosofia (Rio de Janeiro: A Sociedade, 1939 – 1955); Organon (Porto Alegre:
Faculdade de Filosofia – UFRGS, 1956 – 69); Doxa (Pernambuco: Revista oficial do
Departamento de Cultura Acadêmica da Faculdade de Filosofia de Pernambuco. 1952 ?); Verbum (Rio de Janeiro: PUC, 1944 – 1979); Veritasx (Porto Alegre: PUC, 1956 -.).
Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo. (
1934-1952); Anuário da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais.
(1939-1954); Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento. (19411944); Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo, Filosofia. (1942-1964); Panorama: coletânea mensal do Pensamento Novo (São
Paulo: 1936); Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae
(1943-1955); Revista da Faculdade de Filosofia da Paraíba.(1954-1955); Boletim da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, História da
filosofia.(1954-1955); Reflexão : (Campinas) / Instituto de Filosofia e Teologia,
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. (1975-2009); Cadernos SEAF /
Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas. (1978-1979); Revista filosófica
brasileira / Departamento de Filosofia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. (1982);
Revista de filosofia: (Curitiba) / Departamento de Filosofia, Centro de Teologia e
Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Paraná. (1988); O que nos faz
pensar / Departamento de Filosofia, Pontificia Universidade Catolica do Rio de Janeiro.
(1989).
O MAPEAMENTO SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL
O artigo de Maugüé (1934-35), pelo Anuário da FFLCH USP, pode ser
considerado um texto capital para o entendimento sobre o ensino de Filosofia no Brasil.
O filósofo é figura fundamental para o filosofar no processo de ensino do filosofar, e
essa atividade deve ser pautada pela história da filosofia e vasta cultura que é condição
fundamental para que se a ensine. O autor também destaca a importância dos estudos
das ciências positivas para o filosofar, ressaltando a importância de que elas sejam
anteriores ao ensino da filosofia propriamente dita. Por fim, enaltece a importância dos
estudos filosóficos para a formação do senso crítico e espírito racional. Seu ponto de
partida é a célebre citação kantianax: “A Filosofia não se ensina. Ensina-se a filosofar”.
A partir disso, desconsidera todo um conjunto de verdades estabelecidas e
transmissíveis de maneira objetiva, e eleva a presença de um professor dotado de
436
talento. Rechaça o uso de manuais expositivos, e assinala a importância do filosofar
como o exercício que congrega o todo da inteligência, por meio da análise de cada
ciência particular.
Já no discurso de André Dreyfus (1939-49, v.I), em 1938, pelo Anuário FFLCH
USP, percebe-se uma descontinuidade do discurso sobre o ensino da filosofia
inaugurado por Maugüé (1934-35), e uma continuidade do discurso de Márcio Munhos
(1934-35) que abordou a importância da Faculdade de Filosofia, mas com incrementos
importantes. Para Dreyfus, a primeira grande função da Faculdade de Filosofia é formar
um corpo especializado de professores secundários, de carreira, que sejam competentes,
aptos para o ensino. Segundo ele, essas aulas do Secundário vêm sendo ministrada por
um corpo docente composto por profissionais liberais falidos que somente passam
conteúdos e técnicas de suas disciplinas. Além disso, destaca a importância da
Faculdade de Filosofia na formação de pesquisadores nas várias áreas do saber. Pois,
para ele, a ciência é uma das atividades humanas que define a alta civilização. Outro
destaque de Dreyfus sobre a função da Faculdade de Filosofia é o intercâmbio entre as
áreas do saber para que se comparem métodos de ensino e pesquisa. Assim, sugere a
construção de uma biblioteca central e que os professores em formação lecionem no
Colégio Universitário, orientados pela Faculdade de Filosofia, assim, seria possível criar
o verdadeiro espírito universitário. As considerações acerca da importância de
Faculdade Filosofia nesse discurso de 1938 surgiram no cerne de um discurso maior
dedicado ao valor da ciência na universidade.
Em 1939, Cícero Christiano de Souza (1939-49, v.I), pelo Anuário FFLCH USP,
na condição de orador da turma, dá continuidade ao discurso de Dreyfus, reforçando a
importância de a Faculdade de Filosofia formar professores para os secundários, e, além
disso, incrementa-a com outra função: a de formar técnicos para as ciências aplicadas.
Para Souza, é importante, assim como para Dreyfus em 1938, o cultivo da ciência, e
acrescenta a consideração sobre a importância da formação de críticos literários e de
pensadores, a fim da elevação da cultura nacional que é a maior missão de uma
instituição, segundo ele. Seu discurso sobre a importância da Faculdade de Filosofia,
bem como o de Dreyfus em 1938, surge no decorrer de um discurso maior de
enaltecimento da ciência pura na universidade.
Em seu discurso de 1942, Dreyfus (1939-49, v.I), pelo Anuário FFLCH USP,
ainda sustenta a continuidade de seu discurso de quatro anos atrás (1938), o qual
437
harmoniza com o discurso de Souza em 1939, afirmando que a Faculdade de Filosofia
têm dois objetivos fundamentais, a saber: formação de professores de carreira para o
segundo grau e de pesquisadores para os vários ramos do saber. Continua a considerar o
Segundo Grau muito importante para a formação da cultura geral, e, como as disciplinas
nele constantes são lecionadas por profissionais liberais falidos, estes se especializam
em apenas dar aulas, o que prejudicou a formação completa dos estudantes. Assim,
Dreyfus enxerga na Faculdade de Filosofia a missão essencial de formar licenciados de
carreira, competentes e exclusivamente dedicados ao seu ofício, e que ainda tenham
tempo para aperfeiçoar seus conhecimentos. Ele ainda rememora a terceira função que
atribuiu à Faculdade Filosofia no discurso anterior, ou seja, a produção científica,
conforme ressaltara em 1938, ponto também mencionado por Cícero Christiano de
Souza em 1939.
Em 1943, Florestan Fernandes, pelo Anuário da FFLCH USP, orador da turma,
prossegue o discurso que enuncia a importância da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da USP. Retoma pontos mencionados tanto por Dreyfus em 1938 e 1942, como
por Souza em 1939, ou seja, de que a função imediata da Faculdade é a de formar
técnicos, professores, cientistas e pensadores para a sociedade, tendo ela surgido a fim
de compreender universalmente a cultura, enunciação essa que já fora feita por Maugüé
(1934-35) quando se referia à disciplina de História da Filosofia, e Munhos (1934-35),
Dreyfus (1939-49, v.I) em 1938 e 1942 e por Souza (1939-49, v.I), quando todos esses
últimos, com a exceção de Maugüé se referiam à importância da Faculdade de Filosofia.
Em 1944, pela Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São
Bento, Beda Kruse escreve um artigo e um discurso que enunciam a importância da
Faculdade de Filosofia. Ele continua o discurso hegemônico de quase todos os seus
contemporâneos da USP, Dreyfus (1939-49, v.I), Souza (1939-49, v.I) e Fernandes
(1939-49, v.I), quando afirma a importância da Faculdade de Filosofia em constituir um
corpo de docentes para o ensino secundário com formação filosófica. Em seu caso, no
artigo, enuncia a urgência dessa formação, em função da “Lei Orgânica do Ensino
Secundário” e da legislação federal em vigor que contêm evidências da necessidade de
profissionais com essa formação. A finalidade fundamental do ensino secundário para
Kruse (1944) é formar a personalidade do adolescente. Enuncia que a Faculdade de
Filosofia fornece cultura de espírito e visão de conjunto necessárias para a função de
mestre e educador. Além da formação intelectual, a Faculdade de Filosofia completa a
438
formação moral-profissional para que o professor se dedique ao ensino secundário sem
risco. O autor destaca o Decreto-lei nº 1.190 de 4 de abril de 1939 que estabelece como
finalidade para as Faculdades de Filosofia (a) preparar o trabalhador intelectual para o
exercício das atividades culturais; (b) preparar candidatos ao magistério do ensino
secundário e normal; (c) realizar pesquisas quanto ao objeto de seu ensino. Assim, vê a
Faculdade de Filosofia de São Bento no caminho certo, pautada pelos princípios da
filosofia cristã, dando oportunidade aos alunos de maior preparo técnico e de
especialização, além do preparo e difusão de uma cultura superior, orgânica e
desinteressada. Já em seu discurso de saudação ao Arcebispo Metropolitano D. José
Gaspar de Afonseca e Silva, Kruse (1944) repete o enunciado de seu artigo na mesma
revista, de que a Faculdade de Filosofia se destina a promover e difundir uma cultura
superior norteada pelos princípios da filosofia cristã. Enuncia que a filosofia ensinada
em São Bento é a do Neo-tomismo, e que a filosofia cristã é uma forma do filosofar
para as verdades mais elevadas que integram a filosofia cristã. Considera o tomismo um
sistema capaz de chegar ao conhecimento das primeiras causas para alcançar uma
consideração orgânica do universo. Para o autor, a verdadeira filosofia prepara o espírito
para as verdades mais altas da vida, possibilitando a formação integral do homem.
Em 1946, no Boletim da FFLCH USP, Filosofia, João Cruz Costa lança uma
obra toda dedicada à vida intelectual de Monte Alverne e à Filosofia no Brasil,
descontinuada dos discursos analisados até então. Em dois de seus capítulos, Cruz Costa
enuncia a importância do compêndio para a incorporação da cultura francesa na
inteligência brasileira, sobretudo os compêndios do Genuense que estão ligados à
criação das primeiras aulas de filosofia no fim do século XVIII. Tais compêndios
seguem inspiração pombaliana, caracterizadamente iluminista e menos escolástica e
jesuítica. O contexto desse capítulo da obra de Costa (1946) é a recapitulação histórica
das obras pelas quais a Filosofia foi ensinada no Brasil na época colonial. Nesse período
da reforma educacional pombaliana surge o compêndio de Monte Alverne, o qual Costa
acredita ter tido contato com as obras de Genuense. Em outro capítulo, Costa (1946)
comenta os problemas pedagógicos do iluminismo português, pois a pedagogia não
estabelece um limite certo entre como ensinar e o que ensinar. Dessa maneira, destaca o
comprometimento da reforma da educação portuguesa pelo impedimento da reflexão
autônoma com os procedimentos inaugurados pela Filosofia Moderna. O autor cita
como exemplo as aulas de Lógica que passaram pela reforma, e então se desvincularam
439
da influência da Lógica antiga. Menciona o elogio do reitor da Universidade de
Coimbra aos compêndios Genuense que, segundo ele, eram ecléticos, desapegados de
qualquer sistema particular, com método geométrico, e que comentam a própria obra de
Genuense, dando a oportunidade aos novos filósofos de se deterem apenas ao estudo
dos Compêndios ditos acima acompanhados dos estudos específicos das obras maiores
que lhe servem de fonte.
Em 1948, Lívio Teixeira discursa como paraninfo da turma, pelo Anuário
FFLCH USP. Em meio a um discurso que reconstitui historicamente a importância das
carreiras universitárias no Brasil, Teixeira (1939-49, v.I) dá continuidade às palavras de
seus antecessores quando pontua a importância da Faculdade de Filosofia. Segundo ele,
após o apogeu das carreiras jurídicas, médicas e das engenharias, fez-se necessário
pensar a cultura geral e desinteressada. E, para isso, precisou-se preparar um corpo
docente de professores para os secundários, momento em que surgiram as Faculdades
de Filosofia, as quais se diferenciam das Ciências e Letras. O autor enuncia, pela
primeira vez entre os autores que mencionamos, a depreciação da Filosofia no Brasil
devido ao conteúdo que preza as doutrinas filosóficas europeias, que somente
interessam professores e estudantes de Filosofia. Teixeira (1939-49, v.I) considera
importante a ambientação da Filosofia à realidade onde é ensinada, ou seja, o Brasil.
Retoma as diretrizes de Maugüé (1934-35) quando enfatiza a História da Filosofia como
o princípio da sabedoria para todas as disciplinas filosóficas, a partir da qual se toma
consciência da cultura de um povo e seus problemas atuais. Em seguida, ainda
continuando o discurso de Maugüé, considera que a História da Filosofia auxiliará na
compreensão da Filosofia a fim de resolver problemas reais. Enuncia, novamente pela
primeira vez dentre os autores citados até agora, que estudar a História da Filosofia
apenas com o intuito de aprendizagem histórico é inútil, uma vez que ela deve estimular
a inteligência e não a memória para o esforço de resolução dos problemas reais. Assim,
Teixeira (1939-49, v.I) ressalta outra função da Faculdade de Filosofia: a formação de
intelectuais, e não apenas profissionais, o que de certa forma retoma o discurso de
Souza (1939-49, v.I), o qual considera importante para Faculdade de Filosofia a
formação de críticos literários e pensadores para uma missão ainda maior: a elevação da
cultura nacional. Para Teixeira (1939-49, v.I), desde o magistério secundário esses
profissionais intelectuais devem preparar a juventude para os problemas modernos da
sociedade, fundados na cultura geral a na formação de caráter. Notamos que a formação,
440
preparação e elevação da cultura geral nacional é um enunciado presente nos discursos
de todos os autores até então.
Em 1949, Roque Spencer Maciel de Barros, orador da turma, pelo Anuário da
FFLCH USP, transforma a enunciação sobre a importância da Faculdade de Filosofia
predominante entre seus antecessores: segundo Barros (1939-49, v.I), o papel básico da
Faculdade de Filosofia é o de definir as linhas teóricas fundamentais de uma concepção
do universo. Para isso, a indagação filosófica, a pesquisa científica e a criação científica
devem ser respeitadas. Algo que vai ao encontro dos textos dos demais autores
mencionados. Barros (1939-49, v.I) enxerga na Faculdade de Filosofia o fundamento da
Universidade, e retoma o discurso de Munhos (1934-35) onde ressalta o idealismo que
constitui essa Faculdade, enquanto as demais faculdades tentam aproximar o real do
ideal. Com vistas nesse enunciado, elabora um novo, descontínuo, crítico, quando cita a
falta de unidade pedagógica existente no interior da Faculdade de Filosofia, no que diz
respeito às suas várias seções, prejudicando a formação de uma unidade comum e,
consequentemente, dessa idealidade da Universidade. Para ele, deve haver
compatibilidade orgânica da Universidade com o sentimento de vida, todavia os
conhecimentos especializados ali ensinados não trilham uma única direção que é o
caminho da idealidade. Logo, Barros (1939-49, v.I) enuncia o impedimento da
Faculdade de Filosofia em cumprir sua missão, de acordo com suas observações.
Ressalta também a formação dos educadores, continuando seus antecessores, que devem
dar ao jovem uma concepção de universo e do homem de acordo com o tempo em que
vivem. Também dá continuidade ao discurso predominante quando enuncia a função
dos pesquisadores novos formandos em aumentar o universo que concebem os
educadores até os limites da condição humana.
No Anuário da FFLCH USP de 1939-49, v.II constam dois relatórios
importantes: o da Cadeira de Filosofia e o da Cadeira de História da Filosofia. O
relatório da Cadeira de Filosofia é elaborado por João Cruz Costa, titular da cadeira, o
qual dedica seu texto à orientação didática sobre o ensino da Filosofia. Segundo ele,
pretendendo se respaldar exatamente no artigo de Maugüé (1934-35), o ensino da
Filosofia deve ser dirigido no sentido que acentue a importância histórica dos sistemas e
dos problemas filosóficos, priorizando a formação do ponto de vista histórico, ainda que
a experiência exija pequenas modificações. Mesma diretriz segue o relatório da Cadeira
de História da Filosofia, ou seja, o ensino da Filosofia deve seguir a direção do ponto de
441
vista histórico, oferecendo aos alunos dois cursos: (a) estudo de todos os aspectos de
determinada filosofia; (b) aprofundamento de determinado aspecto de um sistema
filosófico. O relatório pontua, por fim, que tal ensino, por diversas circunstâncias, não
avançou além da Filosofia Antiga.
Desse modo, percebemos uma ruptura, uma transformação ou uma incoerência
muito importante dos relatórios das Cadeiras (1939-49, v.II) com o artigo basilar de
Maugüé (1934-35). Pois enquanto aquelas enfatizam somente a importância restrita aos
estudos históricos dos sistemas e dos problemas filosóficos e os consequentes
aprofundamentos de determinados aspectos dos sistemas, Maugüé vai além. Pois o autor
destaca o filosofar como processo principal do ensino da Filosofia. Por sua vez, deve ser
estimulado pelo estudo das ciências positivas e da própria História da Filosofia. Maugüé
se apoia na citação kantiana de que “A Filosofia não se ensina. Ensina-se a filosofar”.
Assim, como já dito no começo desta seção, ao contrário do que enunciam os relatórios
das Cadeiras de Filosofia e de História da Filosofia, Maugüé(1934-35) desconsidera que
possa um conjunto de verdades estabelecidas ser transmissível de maneira objetiva, e
eleva a presença de um professor dotado de talento para o ensino do filosofar
estimulado pela História da Filosofia e pelas ciências positivas, rechaçando o uso de
manuais expositivos, e assinalando a importância do filosofar como o exercício que
congrega o todo da inteligência, por meio da análise de cada ciência particular.
Em 1952, Marialice Foracchi, pelo Anuário da FFLCH USP, oradora da turma,
retoma o discurso de Teixeira (1939-49, v.I) quando a razão de ser da Faculdade de
Filosofia às condições histórico-sociais da vida intelectual brasileira, significando
essencialmente uma tomada de consciência. A autora acrescenta ainda que a
importância da Faculdade também contempla a definição de diretrizes morais e
pedagógicas que visem uma reorientação geral do pensamento brasileiro. Seu discurso
tem como cenário narrativo a formação de uma educação intelectual brasileiro desde o
século XIX. Nesse contexto, ela enuncia, também, importância à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras para o suprimento de falhas da formação intelectual
brasileira até então. Dá nova continuidade ao discurso de Barros (1939-49, v.I) e
também de Munhos (1934-35) a partir da consideração de que a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras devia definir uma concepção integrada de realidade condizente com os
ideais universitários. Sobretudo ao discurso de Barros (1939-49, v.I) quando referencia
a formação dos institutos, centros e faculdades que visavam a integrar as diversas
442
perspectivas para uma compreensão total da realidade. Ela enuncia a importância da
vinda dos professores estrangeiros para a consolidação da Faculdade de Filosofia no
panorama intelectual brasileiro. E, finalmente, Foracchi (1952) enuncia a crítica à
estrutura universitária, aos moldes de Barros (1939-49, v.I), quando menciona a pouca
diversidade das áreas científicas, a falta de tradição universitária que valoriza mais os
destaques individuais, a insuficiência de titulação dos professores que prejudica a
formação digna e idealizada esperada pelo aluno na Faculdade de Filosofia. Assim, para
a autora, a Faculdade de Filosofia tem perdido seu vigor enquanto vanguarda
intelectual, também tem perdido a unidade e vínculo entre as seções, tal como enunciara
Barros (1939-49, v.I), e enuncia o iminente risco da formação especializada à medida
que esse cenário se deteriora. Para Foracchi (1952) esse entrosamento das seções e
unidade de funcionamento são requisitados para que se mantenha viva a tradição do
espírito universitário.
Em 1954, na Revista da Faculdade de Filosofia da Paraíba, surge o documento
de Agostinho da Silva que disserta sobre o valor atual das Faculdades de Filosofia, em
conformidade com os discursos do Anuário da FFLCH USP de 1934 a 1952. Da Silva
(1954) descontinua os discursos de seus antecessores, enunciando que a filosofia deve
proporcionar soluções de pensamento integral pautada na metafísica perfeitamente
racional e lógica, de caráter religioso. Assim, discorda dos discursos de Dreyfus em
1938 e 1942 (1939-49, v.I), de Souza (1939-49, v.I), Fernandes em 1943 (1939-49, v.I)
e de Teixeira em 1948 (1939-49, v.I), quando enuncia que a missão das Faculdades de
Filosofia não está no preparo de professores do ensino secundário. Segundo ele,
priorizando a formação de professores, as escolas secundárias se tornariam técnicas,
como viveiros de professores de ginásio e de colégio. Afirma que as escolas são inúteis
para a vida prática. Assim, nas Faculdades de Filosofia se concentram totalmente os
fundamentos de todos os atos humanos, ou seja, onde se conhece o comportamento
exato do homem e do mundo, priorizando fundamentalmente a ciência em
contraposição à técnica. Além disso, os professores das Faculdades de Filosofia devem
possuir o espírito filosófico contemplador da palavra do filósofo, além de incentivar a
criação nas artes, na ciência pura, filologia e história. Enuncia que o professor deve
indicar, além do que sabe, o que não sabe, ao aluno para que este use sua capacidade
para o aumento do conhecimento. Servem, por fim, as Faculdades de Filosofia,
incentivar os alunos ao comportamento solitário e meditativo, e têm a missão de formar
443
os futuros santos de Deus, preparando os alunos para executarem as técnicas que visem
o mundo ideal.
Na mesma Revista, em 1954, surge o artigo de Francisco Lima que disserta
sobre a responsabilidade da Faculdade de Filosofia, descontínuo ao texto de da Silva
(1954). Segundo ele, nesses centros não se deve formar unicamente profissionais que
vençam na vida, ensinando por ensinar. Enuncia que a Faculdade de Filosofia tem a
missão de formar o homem integral, dando-lhe condições de conhecer o mundo
hodierno para se orientar sobre o futuro. Também, a Filosofia deve alicerçar e orientar o
processo cultural iniciado na Faculdade, ponto em que continua os discursos de Munhos
(1934-35), Souza (1939-49, v.I), Dreyfus (1939-49, v.I) e Fernandes (1939-49, v.I), em
que considera que a Filosofia relaciona ciência e a cultura, sendo fundamental para o
ensino de todas as áreas do saber, tal como enunciaram à sua maneira Barros (1939-49,
v.I) e Foracchi (1952).
Tornamos a encontrar artigos sobre o ensino da Filosofia, à partir de 1975, na
revista Reflexão da PUCCAMP. Severino (1975) afirma o lugar da filosofia no cenário
intelectual brasileiro, durante toda sua tradição histórica, na pesquisa e no ensino
universitário ou eclesiástico. Assim, crescem as experiências filosóficas em nível
acadêmico e editorial, e aumenta a expectativa para que se saiba a respeito de sua
contribuição para o pensamento nacional, algo que o autor enuncia ser necessário para
que ela saia da margem da cultura em que está inserida, tal como previa Lívio Teixeira
em 1948. Prosseguindo o discurso de Teixeira (1939-49, v.I), Severino (1975) ressalta o
caráter estrangeiro da estrutura e funcionamento dos cursos e disciplinas de filosofia nas
universidades brasileiras. E os modelos teóricos ensinados só sobrevivem quando
transformados em doutrinas escolásticas, cultivados como verdades dogmáticas, sem
espaço para o diálogo e crítica mais profundos. Isso, segundo Severino (1975), causou
sérias consequências para o ensino e pesquisa da filosofia no Brasil, pois, para ele, a
filosofia reduzida a conteúdos doutrinários não trará nenhuma contribuição ao Brasil.
Enuncia que aprender com os pensadores do passado é um exercício de compreender
como eles se postaram frente aos problemas reais que defrontaram, e, rememorando
Maugüé (1934-35) e Teixeira (1939-49, v.I), Severino (1975) assinala a importância da
História da Filosofia para a formação filosófica quando explicita a personalização da
experiência do homem frente ao mundo. Enuncia, também, a continuidade de um tema
hegemônico nos discursos do Anuário da FFLCH USP 1939-49, v.I, que é a elaboração,
444
norteamento e fundamentação de uma cultura profunda brasileira pelo trabalho do
filósofo. Assim, a Filosofia exige tratamento diferenciado das uiversidades e
instituições de pesquisa para que possa atuar no projeto histórico-cultural brasileiro,
requerendo preparo específico aos que vão trabalhar com filosofia. O autor cita o papel
dos cientistas das ciências humanas que assumem o pensamento da realidade brasileira,
mas carecem de preocupação filosófica, como imprescindíveis para o projeto cultural
brasileiro. Tal desinteresse das outras áreas pela Filosofia já se via iminente em Barros
(1939-49, v.I) e Foracchi (1952), os quais já apontavam a falta de unidade pedagógica e
vinculação entre as seções das cadeiras pertencentes à Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP quanto à pesquisa, método e ensino, o que prejucaria o ideal e espírito
universitário.
No mesmo ano e mesma edição da publicação de Antonio Joaquim Severino, em
1975, David Zaia faz uma resenha sobre uma conferência de Dominique H. Salman na
Universidade de Montreal em 1954: “O lugar da Filosofia na Universidade”. Relatando
as palavras de Salman, Zaia (1975) afirma que a filosofia deve estar vinculada a uma
universidade, e seu método de investigação filosófica deve ser sistemático, histórico e
científico. Chama a atenção para a importância da tradição através da filosofia como
maneira de oferecer uma formação mais ampla, tal como observava Foracchi (1952).
Dessa forma, enuncia que a filosofia deva ser ensinada aos alunos de outras áreas a
partir dos próprios problemas dos alunos, e então desenvolvê-los filosoficamente. Ainda
critica o fato de a filosofia estar desvinculada e inferiorizada pelas outras ciências, tal
como apontavam Barros (1939-49, v.I) e Foracchi (1952) no Anuário da FFLCH da
USP.
Em 1977, Sylvia Aranha de Oliveira Ribeiro escreve sobre o ensino da filosofia
na Revista Reflexão. Sua abordagem é histórica sobre a pedagogia jesuítica, tal como o
fizeram Costa (1946) e Geribello (1967-68), e sobre o método e os conteúdos
filosóficos ministrados pela Ratio Studiorum no século XVI. Segundo a autora, o
método era o de transmissão de conhecimentos e o estímulo ao exercício da memória. O
ensino era pautado pela doutrina escolástica e altamente religioso. O professor de
Filosofia devia ter concluído o curso de Teologia para lecionar. A ênfase era o estudo e
interpretação de textos, com muitas repetições da matéria dada. Segundo Ribeiro
(1977), com essas características esse ensino só poderia desenvolver conciências
ingênuas, não contribuindo para formar homens críticos ligados aos problemas do país.
445
Há nessa enunciação uma continuidade dos discursos de Teixeira (1939-49, v.I) e
Severino (1975). Outro aspecto importante enunciado pela autora foi o começo de uma
elitização a partir dos estudos filosóficos com a juventude que se formava nos colégios
e que viria a constituir a elite intelectual da colônia se distanciando das classes dirigidas.
Abordando diretamente o currículo de Filosofia da época, a autora enuncia que, apesar
de ele contemplar estudos introdutórios das ciências, seu apego predominante a
Aristóteles impediu a influência dos métodos experimentais e ao novo espírito que
surgia na Europa, em que podemos notar ressonâncias do discurso da Cadeira de
História da Filosofia (1939-49, v.II). Por outro lado, a autora considera positiva a
influência da pedagogia jesuítica para o estabelecimento de uma unidade nacional.
Também em 1977, pela mesma Reflexão, Álvaro César Iglesias aborda o tema
da importância e utilidade da Filosofia na Faculdade de Direito. Segundo ele, com a
perda da qualidade do ensino no Brasil, a Filosofia do Direito é uma das primeiras a
começar a ser banida dos currículo do Direito, por responsabilidade própria da filosofia
ensinada nos cursos jurídicos que, segundo o autor, repudia sua vocação para a verdade,
e está pactuada com o conformismo que antes combatia. Nisso podemos notar
enunciações familiares aos discursos de Kruse (1944) e da Silva (1954). O autor
prossegue dizendo que, com a Filosofia, só se aprendem conceitos obscuros, máximas
esotéricas, sem nenhum apreço aos resultados práticos, esterilizando toda a criatividade,
mantendo os esquemas vigentes, deixando de ser uma disciplina do pensamento para ser
mais uma do currículo escolar. Cita, também, a perda do pensamento vivo, dinâmico e
crítico em favor das exigências programáticas, abandonando a ação, trabalho e pesquisa
para o programa de transmissão extensionista em que se pensa o que já foi pensado,
momento em que percebemos uma conformidade com os discursos de Severino (1975)
e Ribeiro (1977). Assim, Iglesias (1977) retoma o discurso de Maugüé (1934-35)
quando afirma que o exercício crítico é da essência do filosofar. Nos cursos de Direito,
não se exercita o filosofar porque, segundo a hipóetse do autor, os ensinamentos da
Filosofia do Direito se limitam a uma exposição acrítica e superficial das doutrinas
jusfilosóficas, que se tornam, portanto, menos importante em meio a outras funções
cabíveis ao ensino filosófico nas faculdades de Direito no tocante à análise da realidade
que se apresenta. Então, Iglesias (1977) faz duas propostas: inserir no currículo um
elenco de disciplinar filosóficas propedêuticas, e concomitante criação de uma
orientadoria filosófica para operacionalizar esse instrumental fornecido por essas
446
disciplinas e exercitar a crítica, desdogmatizando o bacharel em Direito. Por fim,
questiona como seria possível introduzir a filosofia ativa na faculdade de Direito.
Ainda em 1977 pela Reflexão, Lídia Maria Rodrigo enuncia a situação da
Filosofia no Ensino Secundário, a qual será extinta dos currículos em 1979 a partir das
Reformas Educacionais e da Lei nº 5.692/71. Segundo a autora, mesmo a Universidade
será afetada com a ausência da Filosofia no Ensino Médio, uma vez que terá de se
adaptar a isso, sobretudo quando o curso de Filosofia tem como objetivo a formação de
professores para o 2º Grau, conforme diziam os discursos do Anuário da FFLCH USP
1939-49, v.I. Relata a condição da Filosofia como disciplina optativa para os currículos
de 1º e 2º grau, o que foi o primeiro passo para sua extinção do secundário.
Investigando como isso se deu, Rodrigo (1977) enuncia que, num primeiro momento, a
Filosofia foi preterida por não ser profissionalizante. Num segundo momento será pelo
fato de a carga horária para os cursos profissionalizantes não dar espaço para as
disciplinas optativas não profissionalizantes. Assim, a autora prevê sérias dificuldades
para os ingressantes no ensino superior, pois não terão a menor noção do que sejam
trabalho teórico e pesquisa científica. Ademais, para ela será interesssante notar o
crescimento da presença da Filosofia nos cursos básicos das universidades que
implantaram a Reforma, para esclarecimento do sentido do trabalho teórico, noção de
conhecimento sistemático e transição do concreto ao abstrato. Ainda vê a importância
da Filosofia no Secundário para gerar nos alunos a desconfiança sobre o imediatismo da
experiência frente à realidade.
Continuando em 1977, o SEAF publicou um artigo que versa sobre a
importância da Filosofia no curriculo do Segundo Grau, assim como o fez Rodrigo
(1977). Tratando quase que exatamente de alguns temas do artigo desta autora, o SEAF
destaca igualmente o desparecimento paulatino da Filosofia nos currículos após a
reforma educacional, e enuncia a incapacidade da Filosofia em não promover o jovem
ao mercado de trabalho, algo que desvalriza seu ensino. Menciona que, apesar de as
novas diretrizes curriculares privilegiarem o ensino técnico e instrumental de nível
médio, a Filosofia pode estimular o aluno a optar pelas ciências humanas ou mesmo
orientar na escolha de alguma ciência técnica. O SEAF (1977) volta a enunciar o
histórico discurso da importância dos cursos universitários de Filosofia em formar
professores para o 2º grau, e formar especialistas na área. E acrescenta que, sem a
Filosofia no 2º grau, não haverá sentido para seu ensino nas universidades visto que não
447
haverá mercado de trabalho para o professor de filosofia. E mesmo a diminuição do
número de alunos universitários interesados no curso pode decrescer a ponto de
transformá-lo ou fechá-lo. Assim, o SEAF (1977) considera que a defesa da manutenção
da Filosofia no secundário está tanto ligada à defesa do ensino da Filosofia nas
universidades, como à defesa de trabalho para o professor dessa disciplina.
Em 1979, Moacir Gadotti publica um artigo pela revista Reflexão em que
apresenta os resultados do encontro da Sociedade Brasileira de Cultura Convívio que
tratou do ensino da filosofia. Segundo o autor, foram exposta posições derrotistas que,
na opinião dele, justificam a filosofia no secundário, em que tambem se sugeriu a
eliminação do curso de graduação em Filosofia em decorrência da inexistência de um
mercado de trabalho, tal como sugeria o artigo da SEAF (1977). Assim, o autor faz a
investigação sobre o que justifica ainda a filosofia, e quais são as causas de seu
insucesso. A primeira hipótese é a da não tolerância dos regimes de direita ao ensino da
filosofia, por considerá-la inútil. Dessa maneira, ela vem sendo substituída por
conhecimentos que o autor denomina ironicamente “sólidos”, “úteis” e “práticos”.
Gadotti (1979) enuncia que, todavia o cenário desfavorável o ensino da filosofia que
permaneceu foi o de cunho teológico e dogmático que se adéqua aos interesses do
capital, subsidia a tecnocracia e a cultura burguesa, algo que evidencia uma
incapacidade em desenvolver em todoas a capacidade de pensar. Algo que já fôra
enunciado como realidade no Brasil colônia e seu ensino jesuítico da filosofia por
Ribeiro (1977). Dessa maneira, afirma que os filósofos brasileiros não têm coragem de
pensar por si mesmos e por seu país, crítica que já desenhava Iglesias (1977). Assim,
Gadotti (1977) torna a questionar para que serve a filosofia, argumentando sua inglória
história no Brasil, desde sua inofensividade no ensino secundário, e sua especialização
elitista no ensino superior. Ele torna a apresentar o discurso de que a filosofia é
importante para a formação do espírito crítico e para o exercício livre do debate.
Enuncia François Chatelet, para o qual o ensino da filosofia deve criticar esse mesmo
ensino e tudo o que ele envolve, a fim de mostrar qual é a função da filosofia. Gadotti
(1979) critica os que consideram a “morte da filosofia”, tal como Iglesias (1977), pois é
preciso compreender a abrangência desse significado. Ele enuncia que talvez uma crise
do saber sobre o mundo e o homem possa ser a razão de não se querer mais ensinar a
filosofia, mas que as crises fazem parte da história das grandes filosofias, oportunidade,
aliás, de renovar a filosofia através da dúvida e da inquietação e da busca.
448
Em 1980, Stanislavs Ladusãns, pela Reflexão, publica um artigo que torna
público o debate entre a CONPEFIL e o Gabinete Civil da Presidência da República
acerca da Filosofia no 2º grau. Para o CONPEFIL, segundo Ladusãns (1980), a filosofia
cumpre a função de ensinar a pensar em profundidade a realidade objetiva, e também
para orientação e fundamentação e na descoberta do sentido da realidade e da vida.
Enunciados já uma vez observados por Rodrigo (1977) e SEAF (1977). Além disso, a
filosofia proporciona que cada um estruture sua compreensão de vida, leva à meditação
sobre a totalidade do real, aperfeiçoa os sentidos dos valores humanos, aguçando a
capacidade crítica contra qualquer ideologia. Discurso esse continuado do Anuários da
FFLCH USP e mesmo dos artigos da revista Reflexão desde sua criação. Ladusãns
(1980) cita o processo didático requerido para ela, o qual deve ser adequado às
circunstâncias concretas dos alunos, para que aprofundem sua visão sobre os temas,
fortaleçam os pressupostos da fé cristã e constituam uma integração coerente de valores.
Sua ausência nas outras áreas pode ser um perigo para a cultura, o que rememora os
discursos do Anuário da FFLCH USP. Segundo o autor, Filosofia e História da Filosofia
devem ser distinguidos na medida em que esta se refere à coerência, sistematicidade,
fundamental na elaboração dos currículos dos departamentos e faculdades de Filosofia
para o ensino adaptado das disciplinas, devendo estar atrelada ao conhecimento
metafísico e à realidade concreta brasileira. Ressalta a Filosofia como busca e o
discernimento da verdade, em contraposição à técnica, conforme adiantava da Silva
(1954). Chama a atenção para que a elaboração do plano de ensino da Filosofia não caia
na unilateralidade e parcialidade, algo que os filósofos católicos já estão conscientes.
Também em 1980, Antonio Joaquim Severino publica mais um artigo pela
Reflexão, o qual aborda o papel e os desafios atuais da Filosofia no Brasil, continuando
em parte o discurso de Gadotti (1979). Para Severino (1980), a filosofia está ameaçada
porque perde o apoio e prestígio de sua tradição, é questionada sobre seu papel
institucional, sendo contrária aos interesse de uma elite controladora do governo e da
educação. Assim, a filosofia vem sendo desagregada internamente com sua exclusão do
2º grau e tecnicização dos currículos dos cursos superiores. Assim, o autor propõe,
trazendo à tona seu discurso de 1975: (1) O pensamento filosófico brasileiro deve se
preocupar com problemas relevantes para a comunidade brasileira, pois pensar em
temas relevantes é algo que sempre foi importante em toda tradição filosófica. Mas
ressalta o ensino histórico como vazio e deslocado do seu contexto histórico. (2) deve449
se colocá-la na verdadeira temporalidade, superando o historicismo e o modismo
presentista. Pois, filosofar não é retomar minuciosa e ornamentalmente teses defendidas
por autores clássicos, mas sim dialogar com eles sobre problemáticas que se fazem
sensíveis também no presente. (3) O filosofar brasileiro precisa, para redefinir-se em
termos de relevância temática, recuperar sua regionalidade e seu espaço social, ou seja,
priorizar o pensamento nacional frente ao reconhecimento estrangeiro. (4) O filosofar
brasileiro precisa ser interdisciplinar, isto é, dialogar com as ciências, pois é necessário
esse intercâmbio para se tratar do que é atual. (5) O filosofar brasileiro precisa da ação,
pois os problemas reais e, também, a reflexão surgem desta. (6) O filosofar brasileiro
deve se autocriticar, superando todas as formas de dogmatismo, convivendo com a
relatividade de seu discurso, pois, assim, o pensamento pode se superar e crescer. (7) É
preciso o espírito crítico em geral, evitando reducionismos, científico ou ideológico. (8)
A filosofia precisa se reconstruir como pedagogia. Ou seja, contribuir para a formação
política da sociedade brasileira, sendo paideia e politéia, em que ensejará uma nova
consciência social. Percebemos com as propostas de Severino (1980) uma discordância
discursiva com Ladusãns (1980).
Ainda em 1980, Olinto Pegoraro escreve pela revista Reflexão artigo sobre a
política da Filosofia no Brasil. O autor questiona a possibilidade de se pensar
seriamente em Filosofia na era da ciência e da técnica. Retomando Gadotti (1979) e
Severino (1980), Pegoraro (1980) enuncia a desnecessidade da filosofia para a
tecnocracia e o totalitarismo, mas sua importância para a transformação da sociedade
por meio do discurso filosófico contemporâneo. Porém, no contexto de sucateamento da
universidade pelo tecnicismo, perda da sua qualidade, a Filosofia tende a ser útil à
ideologia dominante, legitimando o sistema. Pois, das Faculdades de Filosofia se espera
a transmissão de conhecimentos advindos dos gênios do passado, com professores
dedicados à metafísica, o que só as alienam nos regimes fortes. Discurso semelhante
proferiu Gadotti (1979). O autor enuncia que mesmo os professores que se dedicavam a
questões mais urgentes eram preteridos nos departamentos. Pegoraro (1980) volta a
enunciar o papel ornamental da filosofia nas universidades, e de ela ter sido
gradualmente retirada do ensino secundário em função das dificuldades dos alunos com
questões metafísicas. Isso fora abordado por Iglesias (1977), Gadotti (1979) e Severino
(1980). Para Pegoraro (1980), o papel da filosofia no ensino secundário é o de
problematizar a reestruturação total do sistema educacional e ajudar os jovens na
450
formação de sua visão pessoal do mundo em que vivem e, na universidade, o de pôr em
crise os sistemas e a ciência em geral, interpretação e leitura da realidade, articular o
sentido de tudo quanto existe. Discurso esse um tanto difundido a partir dos anos 1970
na revista Reflexão e que toma mais força com o artigo de Pegoraro (1980).
No mesmo ano de 1980 surge mais um documento sobre o ensino da filosofia na
revista Reflexão. Trata-se do artigo de Maurice Lagueux que questiona o porquê de
ensinar a filosofia. Com a distinção de não tratar especificamente do ensino da filosofia
no Brasil, Lagueux (1980) trata do ensino filosófico no Canadá, e assim justifica seu
artigo pelo alto investimento público para financiar a atividade acadêmica filosófica, a
qual é desprezada pelos demais intelectuais. Para ele, a filosofia não é uma superciência que dê conta das demais, mas sim o esforço em dispor num conjunto coerente
todos os diversos aspectos da experiência humana. A filosofia séria, para o autor, é
aquela que considera os dados e métodos das diversas ciências. Prossegue que, por
direito, aqueles que saem de uma faculdade de filosofia e pretendem fazer obra
filosófica devem ensinar a filosofia para quem não será futuro filósofo. Enuncia que o
professor terá de ensinar a filosofar, ou seja, sugerir elementos de soluções, elucidando
noções ambíguas, entre outros procedimentos. A tarefa do professor de filosofia é a de
ajudar os estudantes a pensar coerentemente o conjunto de suas experiências de homem.
Faz ainda três considerações importantes sobre o método de ensino: (1) refletir sobre os
problemas colocados pelo meio faz nascer determinado pensamento; (2) o aluno deve
desenvolver seu pensamento também a partir do pensamento do professor, senão o
trabalho deste será vão; (3) a confusão de que em filosofia cada um faz o que lhe parece
melhor, o que faz a crítica requere um ensino fixo e objeto, ainda que não se saiba o que
isso seja, ao que visa e ao que serve.
Em 1981 é publicado um documento elaborado pelos congressistas do I
Encontro Nacional de Chefes de Departamento e de coordenadores de pós-graduação
em Filosofia, pela revista Reflexão. Tal documento contém considerações sobre a
Filosofia e seu ensino no Brasil. Segundo o documento, o paulatino desaparecimento da
filosofia no 2º grau, após 1971, empobreceu a formação cultural da juventude, além de
diminuir o número e a qualidade das pesquisas e publicações. Com o crescimento das
pós-graduações a partir de 1975, houve um movimento de recuperação do espaço da
Filosofia no espaço nacional, a partir do qual se observou a necessidade do retorno da
Filosofia ao 2º grau. Segundo o I Encontro Nacional de Chefes de Departamento e de
451
coordenadores de pós-graduação em Filosofia (1981), a Filosofia poderá contribuir para
a reformulação do ensino secundário, valorizando a reflexão crítica dos conteúdos do
saber. O documento conclui com as seguintes recomendações: que a Filosofia oferecida
nas universidades seja problematizadora; dialogadora com a tradição, com as ciências e
questionando-as; compreensiva quanto à realidade como um todo a fim de transformála. Quanto ao 2º Grau, que se dê maior liberdade possível a professores e alunos no que
se refere ao programa da disciplina; que se saiba da quantidade e qualidade dos
professores existentes para ela; que se ofereçam cursos de reciclagem para esses
profissionais.
Em 1981 surge outro documento elaborado por consultores em Filosofia no
encontro realizado em Brasília, sob patrocínio do MEC, publicado pela revista Reflexão,
intitulado “Inclusão da Filosofia no 2º grau”. Ali contêm algumas resoluções acerca da
inclusão da Filosofia como disciplina obrigatória no 2º grau. Primeiro, a Filosofia visa a
despertar uma leitura crítica do mundo para quem a estuda. Para isso, é preciso que ela
tenha conexão com as demais ciências, que se domine com rigor sua metodologia e
terminologia. Segundo, o retorno da Filosofia ao 2٥ Grau tem duas justificativas: uma
concepção de escola vai se tornando consensual, e pelo fato de a reflexão filosófica dar
ensejo à problematização no interior do 2º Grau que contribuirá para o encontro de um
caminho para a importância do 2º Grau na sociedade. Além disso, o ensino da Filosofia
tende a discutir as técnicas profissionalizantes e a preparação para a universidade,
ambos concernentes ao 2º Grau, algo que vincula necessariamente o conteúdo e forma
de ensino da Filosofia aos problemas educacionais dessa etapa escolar. Pontos que
continuam os discursos surgidos sobre o ensino da filosofia desde o início da revista
Reflexão. Os conteúdos pretendidos abrangem três campos de reflexão: compreensão do
sentido e origens das experiências dos adolescentes; elaboração reflexiva dessas
experiências; inserção dessa reflexão sobre o presente dos adolescentes, a considerar a
considerar a história do pensamento e da cultura para que se compreenda o sentido
dessa história, e para que se conecte, incessantemente, experiência e textos.
Em 1982, Mário Guerreiro escreve, na revista Reflexão, um artigo que relaciona
Filosofia como problema e estilo de filosofar. Fazendo uma abordagem sobre a Lógica
na História da Filosofia, o autor trata do método do ensino da Filosofia, tema iniciado
pelo documento de Lagueux (1980). Para Guerreiro (1982), pedagogia e argumentação
são inseparáveis no ensino e aprendizagem da Filosofia. Questiona se, ao utilizar os
452
métodos próprios dos filósofos, não estaria a estudar somente um tipo de filosofia, e não
a Filosofia. Constata que o exercício do pensamento compreende uma soma de uma
atitude filosófica com temas e problemas filosóficos, e, assim, isso estimula a pensar a
História da Filosofia não como um progresso, mas enquanto questões jamais resolvidas
que suscitam incessante atividade crítica e questionamento. Conclui que não existem
“filosofias”, mas estilos de filosofar, pois esta depende da criatividade, do senso crítico
e interpretação, algo que o autor enuncia como uma incógnita no que toca ao seu ensino.
Para ele, o filosofar pode ser um exercício da reflexão para resolução de problemas
peculiares, e o “ensinar a filosofar” pode estar ligado ao estilo adotado para pensá-los.
Também
em
1982,
Cósimo
Avila
relata,
pela
revista
Reflexão,
o
acompanhamento da reintrodução da Filosofia no 2º grau na rede oficial do Estado do
Rio de Janeiro. O autor verificou que o professor não tem boas condições de trabalho
dentro e fora da escola, o que torna inevitável a mera repetição e transmissão de
conhecimentos que não vão ao encontro da realidade vivida por ele e pelo aluno.
Retomando o discurso bastante difundido nos artigos da Reflexão, Avila (1982)
considera importante a tradução dos termos e expressões correntes que os filósofos
propagaram em seu tempo, e não o conhecimento das teorias em si e suas sucessões, sob
o risco de promover doutrinamento moral e cívico nos adolescentes. Só há sentido no
estudo da filosofia se puder estimular a articulação do pensamento com a experiência. O
autor também enuncia a importância do filosofar, tal como Severino (1980), Lagueux
(1980) e Guerreiro (1982). Ele também adverte que o retorno da Filosofia ao 2º grau
pode tanto servir para manter o sistema dominante e os alunos passivos, tal como
enunciaram seus contemporâneos da Reflexão, como para contribuir para a tomada de
consciência das contradições de suas experiências, articulando práxis e teoria.
Em 1983, um encontro na PUCCAMP intitulado “A volta da Filosofia ao 2º
grau” teve seus objetivos publicados pela Reflexão: (1) refletir a tarefa da Filosofia no
2º grau, (2) pensar o espaço da Filosofia na atual grade curricular, (2) analisar os
objetivos do retorno da Filosofia ao 2º grau, entre outros. Seu retorno, segundo o
documento publicado, justifica-se pelas crises sociais e mundiais, compreensão e
superação dos conflitos existenciais, criação de um mercado de trabalho para
graduandos e graduados em Filosofia, este último item já bastante contemplado
anteriormente pelo SEAF (1977). As propostas do encontro foram: entendimento da
Filosofia como instrumento de compreensão das experiências vividas pelos
453
adolescentes, repensar a tarefa pedagógica, recuperar o espaço legal da Filosofia, criar
comissões que reintroduzam a Filosofia nas instituições de ensino, levantamento
completo das condições de 2º grau e do universo do jovem de hoje; organização de
encontros para discussão de conteúdos e métodos em função da realidade do 2º grau;
criação de encontros profissionais e organização de um centro de documentação para
apoio dos professores de Filosofia. Especificamente, continuam enunciados já ditos
anteriormente por autores da revista Reflexão e pelo I Encontro Nacional de Chefes de
Departamento e de coordenadores de pós-graduação em Filosofia (1981), a saber: que o
professor de Filosofia deve primar pelo pluralismo do pensamento, evitando a
doutrinação, entender que áreas da Filosofia sensibilizam o jovem; compreensão das
características psicológicas do adolescente, estímulo à Arte como motivação do
estudante de 2º grau; problematização do existir, aguçar o potencial crítico do jovem,
percepção, por parte do professor, dos problemas filosóficos que mais interessam aos
alunos.
Também em 1983, temos outro discurso sobre experiência com filosofia no 2º
grau. Trata-se do artigo de Jamil Sawaya e Ruy Machado pela revista Reflexão, os quais
relatam suas experiências em dois colégios de Campinas. Destacam, como já fora
enunciado por Severino (1980), Lagueux (1980), Guerreiro (1982) e Avila (1982), a
importância do filosofar para o jovem no Colegial. Ressaltam a importância da
interdisciplinaridade Filosofia-História. Enunciam a marginalização e deturpação das
ciências humanas a partir do Golpe militar de 1964, em que os professores de filosofia
se tornaram narradores das biografias de grandes pensadores, sem vincular a produção
filosófica com a realidade social,
política e econômica. Com relação à
interdisciplinaridade apontada acima, Sawaya e Machado (1983) relatam a participação
de professor e alunos em conjunto, sem que o professor se posicionasse como detentor
do saber, com a colaboração de todos para uma prática político-social. Eles destacam a
importância desse trabalho para a discussão da tarefa da Filosofia, como propusera o
encontro “A volta da Filosofia ao 2º grau” em 1983, recuperando a credibilidade da
disciplina e da filosofia como reflexão crítica da realidade. Repensaram com os jovens
não apenas o conteúdo programático, mas uma filosofia da educação que compreenda o
homem na sociedade, o debate sobre a escola, entre outros. Consideram a Filosofia
necessária ao 2º grau como uma “ferramenta de trabalho” do jovem para o saber crítico
454
na elaboração de seu projeto existencial, como também enuncia “A volta da Filosofia ao
2º grau” (1983).
Ainda em 1983, Maria Teresa Penteado Cartolano publica pela Reflexão seu
artigo sobre a realidade da Filosofia no ensino de 2º grau. Para ela, a atividade filosófica
não consiste em construir verdades e sistemas absolutos, mas refletir acontecimentos da
experiência, questioná-los e problematizá-los de acordo com o contexto, o que continua
o discurso de seus contemporâneos de publicação. Trata-se de dar elementos para
refletir criticamente a existência, assim como o fizeram Sawaya e Machado(1983) e em
“A volta da Filosofia ao 2º grau” (1983). Relatando sua pesquisa a respeito da
experiência do ensino da filosofia em Campinas, Cartolano (1983) enuncia que os
alunos normalmente preferiam os problemas filosóficos às outras disciplinas. A
temática predominante numa pesquisa com eles foi “manifestações do comportamento
humano”. Em outra enquete realizada sobre a qualidade das aulas de filosofia, os alunos
reconheceram a importância da filosofia para a formação crítica do pensamento e para a
reflexão, mas que o vestibular é mais interessante ao gosto dos mesmos alunos. Assim,
a autora conclui a predominância da preocupação com o vestibular sobre a filosofia
entre os alunos, ainda que seja reconhecida sua importância para a formação. E ainda
considera que, como atividade de reflexão crítica da realidade social geral que é a
filosofia, ela deve se apresentar em contraposição à pressão do vestibular e do ensino
profissionalizante.
Mais uma vez em 1983, surge um documento sobre experiência docente com a
Filosofia no 2º grau, publicada pela Reflexão, de autoria de João Francisco Régis de
Morais. Relatando sua experiência com um 1º colegial de uma escola do Estado de São
Paulo entre os anos de 1970 e 1971, Morais (1983) propôs um programa no qual fosse
priorizado a problematização do existir, em vez dos conteúdos histórico-filosóficos,
como também enunciam Sawaya e Machado (1983), “A volta da Filosofia ao 2º grau”
(1983) e Cartolano (1983). O autor enfatiza que seu trabalho foi planejado segundo a
constatação de que a educação escolar vinha sendo um constante responder de perguntas
que não foram feitas. Assim, procurou aproximar a Filosofia aos interesses dos
adolescentes, como o enunciou “Inclusão da Filosofia no 2º grau” (1981) e “A volta da
Filosofia ao 2º grau” (1983). Assim, conclui que: (1) um professor de má vontade e
pouca sensibilidade ao mundo dos jovens pode influenciá-los negativamente contra a
filosofia; (2) é necessário compreender as ansiedades pessoais dos adolescentes; (3)
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