projeto integrado de pesquisa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA
Programa Institucional de Iniciação Científica
Roteiro para elaboração do Relatório Final de Atividades
(Máximo de 20 páginas de papel A4, letra corpo 12 e espaço simples)
CADA BOLSISTA DEVERÁ APRESENTAR UM RELATÓRIO INDIVIDUAL E ANEXÁ-LO EM
FORMATO PDF EM SEU SISTEMA DE FOMENTO PARA A POSTERIOR APROVAÇÃO DO
ORIENTADOR, ALÉM DE PREENCHER OS DEMAIS CAMPOS SOLICITADOS.
A ser elaborada pelo bolsista, com supervisão do orientador
1.1. Programa: Programa de Iniciação Científica Voluntária da UFMG
Nº do Edital: PRPq – 2014
1.2. Modalidade de relatório: FINAL
Deve ser apresentado 30 dias após o último dia de vigência do Programa
(até 30 de agosto para PIBIC/CNPq e 31 de março para
PROBIC/FAPEMIG), ou quando houver substituição do aluno bolsista
durante a vigência do Programa (até 30 dias após efetivada a
substituição).
.
1.3. Identificação:
Nome do bolsista: Bianca Sartori
Número de Matrícula: 2014049623
Nome do curso: Letras
Nome do orientador: Luana Lopes Amaral
Unidade/Departamento do Orientador: Faculdade de Letras
Título do projeto de pesquisa do orientador: Alternâncias de objeto
no português brasileiro
1.4. Período do relatório:
Data de início e de término da atividade do bolsista: 08/03/2016 a
08/03/2017
1
1.5. Relatório técnico-científico (usar linguagem científica, mostrando
clareza, objetividade e concisão):
Introdução e fundamentação
No processo de construção de orações, os verbos e seus argumentos
podem assumir diferentes formas de organização sintática. Essas distintas
maneiras de dispor os constituintes em uma frase se apresentam como um
fenômeno linguístico, conhecido como "alternância verbal" ou "alternância
argumental" (Levin, 1993). Tal alternância se dá através de propriedades
semânticas e não ocorre com todos os verbos. A Interface Sintaxe-Semântica
Lexical é linha de pesquisa que investiga a relação entre o sentido dos verbos
e a organização sintática dos argumentos na sentença.
A presente Iniciação Científica tem como proposta investigar o fenômeno
de alternância verbal do tipo locativo/instrumento, que ocorre no português
brasileiro (PB). Nessa alternância, o mesmo verbo pode apresentar as
seguintes configurações sintáticas:
1. SN1 V SN2 Pem SN3
2. SN1 V SN3 Pcom SN2
Nota-se que existe uma mudança na configuração sintática dos
elementos que denotam o locativo e o instrumento. Na forma 1, o instrumento
aparece como objeto direto, argumento SN2, e o locativo como complemento
da preposição em, argumento SN3; na forma 2, o SN3 passa para a posição de
objeto direto e o SN2 é complemento da preposição com.
Abaixo são ilustrados alguns exemplos desse tipo de alternância:
1) a. A menina espetou o garfo no bolo.
b. A menina espetou o bolo com o garfo.
2) a. O jogador acertou a bola na cesta.
b. O jogador acertou a cesta com a bola
A pesquisa se fundamenta na proposta de papéis temáticos e hierarquia
temática desenvolvida por Cançado e Amaral (2016). As autoras definem os
papéis temáticos da seguinte maneira (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 107):
Os papéis temáticos de um verbo são grupos de
propriedades atribuídas aos seus argumentos, a partir dos
acarretamentos lexicais estabelecidos na relação entre o
predicador verbal e o(s) argumento(s) na posição de
complemento e na relação entre o predicador expresso
pelo sintagma verbal e o argumento na posição de sujeito.
Assim, sabe-se que nas orações da língua existe uma relação, conexão,
entre o verbo e o(s) argumento(s). Essa relação entre ambos resulta em
determinados significados semânticos, isso é, gera acarretamentos lexicais.
Deste modo, por exemplo, na sentença O menino quebrou o vaso, o verbo
quebrar, juntamente com o argumento o vaso, resulta no sintagma quebrar o
2
vaso, que permite inferir, a partir desse, propriedades ao argumento o vaso,
sendo essas (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 107):




Passa por uma mudança de estado;
É causalmente afetado por outro participante;
É estacionário em relação ao movimento de outro
participante;
Etc.
O papel temático é, portanto, esse grupo de propriedades semânticas,
que são geradas pelo significado semântico, estabelecido na relação entre o
predicador verbal e o argumento na posição de complemento ou entre o
predicador do sintagma verbal e o argumento na posição de sujeito.
Ainda, Cançado e Amaral (2016) estabelecem o Princípio de Seleção
Argumental a partir das propostas anteriores de Dowty (1991) e Cançado
(2005). O Princípio da Seleção Argumental permite, assim, estabelecer
generalizações quanto à ordem dos argumentos de um predicador verbal,
ditando a posição dos argumentos na sentença e a característica semântica
desses argumentos. Esse princípio se fundamenta em dois eixos: o eixo das
eventualidades e o eixo dos estativos. O eixo das eventualidades se compõe
por três propriedades: ser um desencadeador de um processo; ser afetado por
um processo e ser ou estar em um determinado estado – ou, resumindo,
desencadeador, afetado e estativo.
Essas propriedades se fundamentam em três grandes categorias
semânticas, relacionadas aos eventos do mundo:

Ações/causações: categoria que denota o início, meio e fim
de uma situação, ou início e sustentação dessa. O desencadeador é a
propriedade referente ao indivíduo (elemento) que inicia a situação.
3) a. A Maria quebrou o copo.
b. O ventou abriu a janela.
c. O competidor correu a maratona.

Processos: categoria que denota o meio e o fim de uma
situação. O afetado é a propriedade referente ao indivíduo que sofre as
mudanças ocorridas durante a situação.
4) a. O copo quebrou.
b. A janela abriu.

Estados: categoria que refere a estados permanentes do
indivíduo, durante um espaço de tempo. O estativo é a propriedade
referente ao indivíduo que se encontra nesse estado permanente.
5) a. O copo está quebrado.
b. A janela está aberta.
Além dessas, baseadas no eixo estativo, referente aos verbos de
natureza estritamente estativa, são propostas outras três propriedades também
3
pertinentes ao Princípio de Seleção Argumental: estar em algum tipo de
condição mental, ser o possuidor de algo e ser o objeto de referência do estado
denotado pelo verbo – ou, resumindo, condição mental, possuidor e objeto de
referência.
Essas propriedades se fundamentam à grande categoria dos estados,
exemplificada a seguir:

Estados

Condição mental: propriedade referente ao estado mental
de um indivíduo, seja psicológico, cognitivo ou perceptual.
6) a. O Lucas ama a Carol.
b. A Júlia sabe português.

Possuidor: propriedade referente ao estado de posse de
um indivíduo.
7) a. O João tem uma casa na praia.
b. O fazendeiro possui muitos gados.

Objeto de referência: propriedade referente ao objeto para
o qual se estabelece uma determinada propriedade.
8) a. O João mora no Rio de Janeiro.
b. A menina adora chocolate.
Tendo em vista tais aspectos, o Princípio da Seleção Argumental é
estabelecido a partir das regras que o compõem (CANÇADO; AMARAL, 2016,
p. 121-122):

Regra A: eixo das eventualidades
Nível semântico: Desencadeador > Afetado > Estativo
Nível sintático: Sujeito > 1 º Complemento > 2º Complemento

Regra B: eixo estativo
Nível semântico: Condição mental ou Possuidor > Objeto de referência >
Outros
Nível sintático: Sujeito > 1º Complemento

Regra C: violação da hierarquia
Todo o argumento cujo papel temático viola a ordem hierárquica,
quando está presente na sentença, é marcado com uma preposição, na
posição de adjunção.
A Regra A dita a relação entre as propriedades semânticas dos
argumentos e as posições sintáticas de sujeito e complemento (argumentos de
verbos relacionados à eventualidade). Assim, o argumento com “a propriedade
mais proeminente da hierarquia no nível semântico é associado à função mais
proeminente da hierarquia no nível sintático” (CANÇADO; AMARAL, 2016,
p.122). Abaixo são elencados alguns exemplos que ilustram essa regra:
4
9) a. O chefe pagou os funcionários.  Desencadeador > Afetado
b. A criança empurrou a mãe.  Desencadeador > Afetado
c. O ventou abriu a janela.  Desencadeador > Afetado
d. A moça perdeu os brincos.  Afetado > Estativo
e. João ganhou no bingo.  Afetado > Estativo
A Regra B dita a hierarquia existente para verbos exclusivamente
estativos, isso é, que possuem argumentos com a propriedade de ser e estar
(sabe-se que não existe na língua um segundo complemento para verbos
estativos). Assim, bem como a Regra A, o argumento do verbo estativo que
possuir a propriedade com posição hierárquica mais proeminente no nível
semântico, terá a posição hierárquica mais proeminente no nível sintático.
Alguns exemplos são demonstrados a seguir:
10) a. A Júlia ama sua irmã.  Estativo/condição mental >
Estativo/objeto de referência
b. O João tem uma casa na praia.  Estativo/possuidor >
Estativo/posse.
c. A Laura mora em Pernambuco.  Estativo/objeto de referência >
Estativo/locativo
A Regra C, por sua vez, dita que existem alguns predicadores verbais
que possibilitam a violação na ordem hierárquica quando a estrutura da
sentença é reorganizada sintaticamente. Isso ocorre, por exemplo, nas
construções passivas, nas alternâncias causativo-incoativa, agentebeneficiário, entre outras. Desta maneira, a Regra C determina que o elemento
que viola a ordem hierárquica deve ser marcado com uma preposição. Por
exemplo:
11) cansar: {desencadeador, afetado}
A ordem prevista pela Regra A é desencadeador > afetado. Assim:
12) A brincadeira cansou as crianças.
O verbo cansar aceita a alternância causativo-incoativa, em que o
argumento com a propriedade afetado passa para a posição de sujeito, sendo
possível omitir ou não o argumento que estava na posição de sujeito
anteriormente. Deste modo:
13) As crianças (se) cansaram com a brincadeira.
Diante dos conceitos apresentados, Cançado e Amaral (2016) ainda
incluem ao conjunto a propriedade de controle definida como “a capacidade de
se começar ou interromper algo voluntariamente” (CANÇADO, 2005, apud
CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 132).
A partir das regras estabelecidas, as autoras concluem, portanto, ser
possível determinar a seleção argumental de um grande número de
predicadores verbais para o português. Com base nesse aporte teórico,
5
propõe-se uma análise para a alternância locativo/instrumento do português
brasileiro, com a hipótese de que tal alternância pode ser explicada a partir da
Regra A.
Objetivos
A Iniciação Científica tem como objetivo geral contribuir para a descrição
e a análise do português brasileiro, através do estudo da alternância
locativo/instrumento. Este projeto se insere no projeto maior intitulado
"Descrição e representação semântica do léxico verbal do português
brasileiro", que vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa em
Semântica Lexical (NUPES) da FALE/UFMG. 1
Os objetivos específicos da pesquisa são:
- fazer um levantamento dos verbos do Português Brasileiro que
participam da alternância locativo/instrumento;
- descrever a alternância em questão, mostrando com quais tipos de
verbos ela pode ocorrer;
- e propor, com os dados, uma análise teórica para a alternância e para
os verbos analisados.
Metodologia
A metodologia de pesquisa adotada seguiu a metodologia dos trabalhos
do NUPES, consistindo em três etapas básicas: coleta de dados, leitura e
revisão de bibliografia e análise dos dados.
Inicialmente foi realizada uma extensa coleta de verbos no Dicionário
Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil, de Borba
(1990), resultando em 52 verbos que parecem efetuar esse tipo de alternância.
Em seguida, realizou-se um estudo com a bibliografia básica da área,
bem como a leitura da textos e artigos relacionados ao tema. Através destes,
foi proposta a hipótese de que os verbos que aceitam tal alternância devem
acarretar afetação para o argumento locativo, o SN3. Ou seja, o papel temático
do argumento SN3 tem como uma de suas propriedades ser afetado, conforme
a proposta teórica de papéis temáticos de Cançado (2005). Além disso, foi
suposto que os verbos alternantes não permitiriam que as preposições que
introduzem os terceiros argumentos fossem trocadas.
Para averiguar se tais propriedades semânticas influenciam na
alternância, foram realizados testes com cada um dos verbos coletados. O
primeiro teste consistiu em averiguar se os verbos acarretavam afetação para o
SN3. Para isso, foi utilizado um modelo de estrutura que permitia constatar tal
característica, baseado no teste proposto por Jackendoff (1990). O modelo
possuía a seguinte ordenação:
14) O que aconteceu com SN3 foi que V SN2 nele(a)(s).
1
http://www.letras.ufmg.br/nucleos/nupes/
6
Caso o locativo aceitasse a propriedade de afetado, o verbo possuiria
uma forma alternada com o locativo na posição de objeto direto, conforme
exemplificado abaixo:
15) Verbo: Acertar
Forma básica: O menino acertou a bola na janela.
Teste: O que aconteceu com a janela foi que acertaram a bola nela.
Forma alternada: O menino acertou a janela com a bola.
Para monitoramento, foi selecionado um grupo de controle com verbos
que não realizam a alternância, mas que possuem a forma alternada do
locativo na posição de objeto direto. Os verbos alternantes e os verbos do
grupo de controle estão listados no apêndice deste relatório.
O segundo teste fundamentou-se em verificar se os verbos alternantes
não aceitavam outras preposições para introduzirem o SN3. Assim, para uma
mesma oração, foram alternadas preposições, analisando se os verbos
permitiam ou não tais substituições, como ilustrado a seguir:
16) Verbo: Arranhar
Forma básica: O gato arranhou as unhas no sofá.
Teste outra preposição: *O gato arranhou as unhas com o sofá;
*O gato arranhou as unhas para o sofá;
*O gato arranhou as unhas em direção ao sofá.
Desta maneira, foi possível verificar a coerência das hipóteses iniciais
formuladas diante dos resultados obtidos.
Resultados alcançados e discussão
Com a realização dos testes, dos 52 verbos analisados, 32 verbos
passaram no teste e aceitaram a alternância locativo/instrumento. Pelos
exemplos listados abaixo, a hipótese aparenta estar seguindo uma direção
correta:
17) Verbo: Acertar
Forma básica: O menino acertou a bola na janela
Teste: O que aconteceu com a janela foi que acertaram a bola nela.
Forma alternada: O menino acertou a janela com a bola.
18) Verbo: Amarrar
Forma básica: O rapaz amarrou a corda no cachorro.
Teste: O que aconteceu com o cachorro foi que amarraram a corda
nele.
Forma alternada: O rapaz amarrou o cachorro com a corda.
19) Verbo: Cutucar
Forma básica: O menino cutucou o galho no formigueiro
Teste: O que aconteceu com o formigueiro foi que cutucaram o galho
nele.
7
Forma alternada: O menino cutucou o formigueiro com o galho.
Contudo, algumas discordâncias foram verificadas no primeiro teste com
os outros 20 verbos, sendo essas: o verbo possuía a forma básica e alternada,
mas não passava no teste; o verbo passava no teste, mas a forma alternada
soava estranha; a variação dos argumentos na sentença mudava o resultado
do teste; o verbo passava no teste, possuía a forma alternada, mas a forma
básica soava estranha.
Assim, descrevendo tais discordâncias observou-se que alguns verbos,
mesmo possuindo as formas básica e alternada, não traziam o sentido de
afetado para o argumento SN3 ao ser realizado o teste, a exemplo:
20) Verbo: Enlaçar
Forma básica: A menina enlaçou a fita nos cabelos.
Teste: ?O que aconteceu com os cabelos foi que enlaçaram a fita
neles.
Forma alternada: A menina enlaçou os cabelos com a fita.
Salienta-se, entretanto, que o teste realizado foi uma proposta de
Jackendoff (1990) para o papel temático de paciente. Sabe-se que o papel
temático de paciente, apesar de conter a propriedade de afetado, não se
equipara a ela. Assim, o teste pode estar pegando propriedades para além
desta propriedade. Com isso, o resultado não compatível com a hipótese pode
ser um problema do teste, e não necessariamente da hipótese.
Ainda, determinados verbos possuíam a forma básica, passavam no
teste, contudo não aceitavam a forma alternada, ou a forma alternada ficava
estranha, ou agramatical, conforme abaixo:
21) Verbo: Fincar
Forma básica: Maria fincou a agulha na irmã.
Teste: O que aconteceu com a irmã foi que fincaram a agulha nela.
Forma alternada: *Maria fincou a irmã com a agulha.
22) Verbo: Ferroar
Forma básica: O menino ferroou o espinho na tia.
Teste: O que aconteceu com a tia foi que ferroaram o espinho nela.
Forma alternada: ? O menino ferroou a tia com o espinho.
Percebeu-se também que, para um mesmo verbo, o teste funcionava ou
não dependendo dos argumentos:
23) a. Verbo: Espremer
Forma básica: A menina espremeu o dedo na uva.
Teste: O que aconteceu com a uva foi espremeram o dedo nela.
Forma alternada: A menina espremeu a uva com o dedo.
b. Verbo: Espremer
Forma básica: João espremeu a formiga na parede.
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Teste: *O que aconteceu com a parede foi que espremeram a
formiga nela.
Forma alternada: *João espremeu a parede com a formiga.
Tal fato trouxe a possibilidade de considerar-se que a alternância é
composicional, ou seja, depende dos argumentos, e não só da semântica
lexical do verbo.
Ainda, alguns verbos, passavam no teste de afetação, possuíam a forma
alternada, mas a forma básica soava estranha:
24) Verbo: Forçar
Forma básica: ? O homem forçou o martelo na porta
Teste: O que aconteceu com a porta foi que forçaram o martelo nela.
Forma alternada: O homem forçou a porta com o martelo.
No grupo de controle, os verbos que possuíam a forma alternada, mas
não possuíam a forma básica, não passavam no teste, de acordo com o
esperado. Assim:
25) Verbo: Estourar
Forma básica: *João estourou a agulha no balão.
Teste: *O que aconteceu com o balão foi que estouraram a agulha
nele.
Forma alternada: João estourou o balão com a agulha.
26) Verbo: Ferir
Forma básica: *Carla feriu o espinho na amiga.
Teste: *O que aconteceu com a amiga foi que feriram o espinho nela.
Forma alternada: Carla feriu a amiga com o espinho.
Contudo, constatou-se alguns verbos presentes que possuíam a forma
básica, passavam no teste, mas não possuíam a forma alternada, por exemplo:
27) Verbo: Atirar
Forma básica: O menino atirou a pedra no gato.
Teste: O que aconteceu com o gato foi que atiraram a pedra nele.
Forma alternada: *O menino atirou o gato com a pedra.
No segundo teste realizado, alguns verbos não permitiram a troca de
preposições, em consonância com a hipótese inicial. Assim:
28) Verbo: Arranhar
Forma básica: O gato arranhou as unhas no sofá.
Teste outra preposição: *arranhou as unhas com o sofá; * arranhou
as unhas em direção ao sofá; *arranhou as unhas para o sofá.
29) Verbo: Amarrar
Forma básica: O rapaz amarrou a corda no cachorro.
9
Teste outra preposição: *amarrou a corda com o cachorro; ?amarrou
a corda em direção ao cachorro; ?amarrou a corda para o cachorro.
Entretanto, foi constatado que alguns verbos, mesmo os que passavam
no teste e possuíam a forma básica e alternada, permitiam a troca de
preposições, em divergência com a hipótese postulada de que tal troca não
seria possível. Alguns desses são:
30) Verbo: Abanar
Forma básica: A menina abanou o leque na mãe.
Teste outra preposição: abanou o leque em direção a mãe; abanou o
leque para a mãe.
31) Verbo: Embrulhar
Forma básica: O padeiro embrulhou os pães no saco.
Teste outra preposição: O padeiro embrulhou os pães com o saco.
Com isso, conforme os resultados obtidos, dado o significativo número
de verbos que realizam a alternância locativo/instrumento, constatou-se ser
esse um fenômeno importante da língua. Ainda, foi possível verificar que existe
pelo menos uma restrição, além da afetação, necessária para que a alternância
ocorra.
Conclusões
A presente iniciação, seguindo a linha de pesquisa da Interface SintaxeSemântica Lexical, iniciou-se com a coleta dos verbos que realizam a
alternância verbal do tipo locativo/instrumento presente no português brasileiro,
resultando em um total de 52 verbos coletados. A partir desses, leituras dos
textos básicos da área, bem como textos relacionados ao assunto foram
estudados, resultando na hipótese do papel temático do argumento SN 3 ter
como uma de suas propriedades ser afetado, sem permitir também a troca de
preposições.
A fim de averiguar tais suposições, testes específicos foram realizados.
Constatou-se que 32 verbos, dos 52 coletados, aceitaram a alternância
locativo/instrumento. Pelo significativo número de verbos que realizam a
alternância, a pesquisa permitiu concluir que a alternância locativo/instrumento
é um importante fenômeno da língua portuguesa brasileira e que merece ser
estudado em profundidade. Além disso, constatou-se a existência de pelo
menos uma restrição necessária, além da propriedade de afetação, para que a
alternância locativo/instrumento ocorra.
Contudo, devido algumas discordâncias, os testes ainda não parecem
muito conclusivos, sendo necessário uma continuidade com o estudo, a fim de
se chegar a uma explicação satisfatória do fenômeno.
10
Referências bibliográficas
BORBA, F (Coord.). Dicionário gramatical de verbos do português
contemporâneo do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1990.
CANÇADO, M. Posições argumentais e propriedades semânticas. Delta, v. 21,
n. 1, p. 23-56. (2005)
CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana. Introdução à Semântica Lexical: Papéis
temáticos, aspectos lexicais e decomposição de predicados.
DOWTY, D. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n.
3, p. 547 -619, 1991.
JACKENDOFF, R. Semantic structures. Cambridge: MIT Press, 1990
LEVIN, B. English Verb Classes and Alternations: A Preliminar Investigation.
Chicago: University Of Chicago Press, 1993.
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Apêndice
1. Coleta de verbos que alternam
Abanar, Acertar, Agarrar, Amarrar, Arranhar, Atingir, Bombar,
Bombardear, Bombear, Borrifar, Catucar, Chicotear, Cotucar, Cravar, Cutucar,
Embrulhar, Encravar, Enfeitar, Enlaçar, Enroscar, Envolver, Escovar, Espetar,
Espinhar, Espremer, Estampar, Estapear, Ferroar, Fincar, Forçar, Futucar,
Golpear, Laçar, Lambuzar, Marcar, Metralhar, Passar, Pincelar, Pinicar, Pintar,
Prender, Prensar, Pressionar, Rapar, Raspar, Remendar, Retocar, Revolver,
Semear, Tatuar, Tecer, Vestir.
Total: 52 Verbos
2. Teste 1 – Exemplos de verbos que alternam
1) Verbo: Acertar
Forma básica: O menino acertou a bola na janela.
Teste: O que aconteceu com a janela foi que acertaram a bola nela.
Forma alternada: O menino acertou a janela com a bola.
2) Verbo: Agarrar
Forma básica: A criança agarrou as mãos na bola.
Teste: O que aconteceu com a bola foi que agarraram as mãos nela.
Forma alternada: A criança agarrou a bola com as mãos.
3) Verbo: Amarrar
Forma básica: O rapaz amarrou a corda no cachorro.
Teste: O que aconteceu com o cachorro foi que amarraram a corda nele.
Forma alternada: O rapaz amarrou o cachorro com a corda.
4) Verbo: Arranhar
Forma básica: O gato arranhou as unhas no sofá.
Teste: O que aconteceu com o sofá foi que arranharam as unhas nele.
Forma alternada: O gato arranhou o sofá com as unhas.
5) Verbo: Atingir
Forma básica: O menino atingiu a pedra no gato.
Teste: O que aconteceu com o gato foi que atingiram a pedra nele.
6) Verbo: Espinhar
Forma básica: O menino espinhou o alfinete na tia.
Teste: O que aconteceu com a tia foi que espinharam o alfinete nela.
Forma alternada: O menino espinhou a tia com o alfinete.
3. Teste 1 – Grupo de controle
Atirar, Cultivar, Estourar, Ferir, Fincar, Furar, Lançar, Machucar, Pegar,
Sufocar.
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1) Verbo: Atirar
Forma básica: Os policiais atiraram balas de borracha nos estudantes
Teste: O que aconteceu com os estudantes foi que atiraram balas de
borracha neles
Forma alternada: *Os policiais atiraram os estudantes com balas de
borracha.
2) Verbo: Cultivar
Forma básica: O jardineiro cultiva margaridas no jardim
Teste: O que aconteceu com o jardim foi que cultivaram margaridas nele.
Forma alternada: *O jardineiro cultiva o jardim com margaridas.
3) Verbo: Estourar
Forma básica: *João estourou a agulha no balão.
Teste: *O que aconteceu com o balão foi que estouraram a agulha nele.
Forma alternada: João estourou o balão com a agulha.
4) Verbo: Ferir
Forma básica: *Carla feriu o espinho na amiga.
Teste: *O que aconteceu com a amiga foi que feriram o espinho nela Forma
alternada: Carla feriu a amiga com o espinho
5) Verbo: Fincar
Forma básica: A menina fincou a agulha na irmã.
Teste: O que aconteceu com a irmã foi que fincaram a agulha nela. (da
sentido de afetação, mas não possui forma alternada)
Forma alternada: *A menina fincou a irmã com a agulha
6) Verbo: Furar
Forma básica: *João furou o alfinete no dedo.
Teste: *O que aconteceu com o dedo foi que furaram o alfinete nele.
Forma alternada: João furou o dedo com o alfinete.
7) Verbo: Lançar
Forma básica: Pedro lançou o estilingue na pedra (sentido diferente!)
Teste: O que aconteceu com a pedra foi que lançaram o estilingue nela.
Forma alternada: Pedro lançou a pedra com o estilingue (sentido diferente!)
8) Verbo: Machucar
Forma básica: *O menino machucou a faca na mão.
Teste: *O que aconteceu com a faca foi que machucaram a mão nela.
Forma alternada: O menina machucou a mão com a faca
9) Verbo: Pegar
Forma básica: *A criança pegou a rede na borboleta.
Teste: *O que aconteceu com a borboleta foi que pegaram a rede nela.
Forma alternada: A criança pegou a borboleta com a rede.
10) Verbo: Sufocar
Forma básica: *O homem sufocou o travesseiro na velha.
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Teste: *O que aconteceu com a velha foi que sufocaram o travesseiro nela.
Forma alternada: O homem sufocou a velha com o travesseiro.
4. Teste 2 – Preposições.
32) Verbo: Abanar
Forma básica: A menina abanou o leque na mãe.
Teste outra preposição: abanou o leque com a mãe; abanou o leque
sobre a mãe; abanou o leque em direção a mãe; abanou o leque para a
mãe.
33) Verbo: Acertar
Forma básica: O menino acertou a bola na janela.
Teste outra preposição: *acertou a bola com a janela; acertou a bola
sobre a janela; acertou a bola em direção a janela; *acertou a bola para
a janela.
34) Verbo: Agarrar
Forma básica: A criança agarrou as mãos na bola.
Teste outra preposição: *agarrou as mãos com a bola; ?agarrou as
mãos sobre a bola; *agarrou as mãos em direção a bola; agarrou as
mãos para a bola.
35) Verbo: Amarrar
Forma básica: O rapaz amarrou a corda no cachorro.
Teste outra preposição: *amarrou a corda com o cachorro; ?amarrou a
corda em direção ao cachorro; ?amarrou a corda para o cachorro.
36) Verbo: Arranhar
Forma básica: O gato arranhou as unhas no sofá.
Teste outra preposição: *arranhou as unhas com o sofá; *arranhou
1.6. Principais fatores negativos e positivos que interferiram na execução
do projeto técnico-científico:
A dificuldade de encontrar textos relacionados ao tema interferiu na
possibilidade de formular mais hipóteses dentro do período da iniciação
científica. Contudo, a dedicação e disposição da orientadora Luana Amaral foi
imprescindível para eu chegar a uma feliz conclusão do trabalho.
14
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