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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
A LUTA PRA PESCAR: UMA DISCUSSÃO INICIAL SOBRE DIREITO
SOCIAL E POLÍTICA PÚBLICA DOS PESCADORES ARTESANAIS
LARISSA TAVARES MORENO1
Resumo: A atividade laboral do pescador artesanal brasileiro é cada vez mais prejudicada por
entraves e dificuldades ao acesso a seus direitos, aos seus territórios e as políticas públicas. Neste
sentido, discutimos ainda que inicialmente, alguns desses limites e perdas históricas a esses
trabalhadores. Mais precisamente apontamos os efeitos e mudanças que se estabelece através de
três mecanismos recentes: a portaria 445, a medida provisória 665 e o decreto 8.425. Com essa
discussão visa-se demonstrar os desafios e problemáticas que envolvem o universo do pescador na
atualidade, em sua luta e resistência constante para viverem do seu trabalho.
Palavras-chave: pescadores artesanais, direitos, precarização do trabalho, resistências.
Abstract: The labor activity of the Brazilian artisanal fisherman is becoming undermined by
obstacles and difficulties to access to their rights, to their territories and public policies. In this sense,
also we argue that initially, some of these limits and historical losses for the workers. More precisely
aim the effects and changes that is established through three recent mechanisms: Portaria 445,
Medida Provisória 665 and Decreto 8.425. With this discussion aims to analyze the challenges and
problems involving the artisanal fisherman today, in their struggle and constant resistance to live of
their work.
Key-words: artisanal fisherman, rights, precarious work, resistances.
1 - Introdução
O presente texto foi pensado a partir da atual conjuntura política e econômica
brasileira, decorrente do avanço conservador do modelo de desenvolvimento que
demonstra-se violador de direitos históricos, isto é, que acarreta prejuízos e desafios
para o conjunto dos trabalhadores brasileiros. Assim, visando conexões com a
nossa pesquisa de mestrado2 desenvolvida na FCT/UNESP - Presidente Prudente,
sobre as dinâmicas territoriais de conflito e resistências dos pescadores artesanais
do mar em Ubatuba (localizado no litoral norte do Estado de São Paulo),
buscaremos ao longo deste texto apresentar como vem se acirrando atualmente a
precarização do trabalhador pescador artesanal no país. Para isso, focando-se nas
recentes mudanças que afetam os direitos sociais e trabalhistas dos pescadores
artesanais brasileiros.
Por isso esse texto traz uma breve reflexão sobre o reconhecimento jurídico
da pesca artesanal no país e suas limitações. Posteriormente, adentramos na
1
Mestranda em Geografia pela FCT/UNESP. Bolsista FAPESP. Membro do Centro de Estudos de
Geografia do Trabalho (CEGeT). [email protected]
2
A pesquisa tem como título "Os trabalhadores artesanais do mar em Ubatuba/SP: a dinâmica
territorial do conflito e da resistência", e é financiada pela FAPESP (Processo 2014/01907-2).
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discussão e problemáticas advindas com as três recentes medidas que vem
ocasionando rebatimentos ao descumprimento e perda dos direitos históricos dos
pescadores artesanais brasileiros.
2- Uma breve reflexão sobre o reconhecimento jurídico-legal da pesca
artesanal no Brasil
O reconhecimento jurídico da pesca artesanal e das próprias políticas
públicas à atividade são temáticas bem recentes. Prova disto é a nova Lei da Pesca
e Aquicultura (Lei nº 11.959 de 2009) que é vigente até hoje e revogou o Código de
Pesca de 1967 que regia até então.
No que tange a pesca foi através desta Lei de 2009 que se ampliou o
entendimento e reconhecimento da pesca artesanal, considerando os pescadores
artesanais desde os produtores de petrechos até os beneficiários, por isso para
muitos autores foi a partir de então que há realmente a regulamentação jurídica da
atividade, de maneira a reconhecer legalmente a pesca artesanal, ainda que sejam
feitas várias críticas aos termos e definições feitas desta atividade nesta Lei, até
mesmo pela heterogeneidade com que a pesca artesanal litorânea e continental
acontece no país, sem dúvidas também não podemos deixar de reconhecer que foi
um importante avanço (SILVA, LEITÃO, 2012; OLIVEIRA; SILVA, 2012; AZEVEDO,
2012). Sobretudo devido o longo período de uma não definição jurídica do setor
artesanal em relação a última Lei criada ainda no período militar (mudança que se
iniciou em 2003 e foi ratificada com a nova Lei da Pesca em 2009).
A definição jurídica de pesca artesanal é importante em dois níveis. No
primeiro, a regulamentação da atividade possibilita o reconhecimento
profissional dos trabalhadores. E sendo assim, o pescador passa a
resguardar para si todos os direitos advindos das atividades laborais,
especialmente em relação aos benefícios previdenciários. E, por último,
mas não menos importante, a regulamentação serve como maneira de
afirmar políticas públicas de estímulo a atividades comunitárias e nãoindustriais, atividades negligenciadas e, inclusive, suprimidas pelos regimes
autoritários brasileiros. (OLIVEIRA; SILVA, 2012, p.338)
Por outro lado, mesmo diante de alguns avanços advindos desta nova Lei da
Pesca e do conjunto dessas novas leis, propostas e políticas ao setor, há também as
problemáticas e contradições. Primeiro aspecto a ser compreendido é que essa
definição jurídica da pesca artesanal, mesmo entendendo vários sujeitos do
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processo produtivo como pescador, somente os considera para os efeitos da própria
lei, isto é, as demais atividades de equiparação a pesca artesanal não atinge a
legislação previdenciária e trabalhista, apenas no que tange concessões de
financiamentos especiais (OLIVEIRA, SILVA, 2012). Isso significa dizer que apenas
o trabalhador diretamente na lida, no ato de pescar tem direito garantido, enquanto
que os que auxiliam, confeccionam petrechos, os que atuam no processamento e
beneficiamento do pescado são excluídos, o que rebate muitas vezes na
desvalorização histórica do trabalho das mulheres, das pescadoras artesanais.
Segundo aspecto, que é consequência do anterior, é a questão das políticas
públicas de estímulo a atividade. Essas políticas ao serem realizadas, na realidade,
acabam acarretando a dissolução do modo de produção artesanal, afinal a
intervenção desenvolvimentista do Estado somente visa a consolidação da pesca
industrial (OLIVEIRA; SILVA, 2012), ou então alavancar a produção aquícola (ver,
por exemplo, o Art.21 da Lei nº11.959/2009).
Aliás o que se tem visto, na concepção de algumas políticas é a lógica de
"inclusão social subordinada" e a "assimilação mercantil", afinal há por detrás desta
lógica a busca da "descaracterização e desvalorização de práticas, técnicas,
conhecimentos e saberes tradicionais [...] que mantêm sua identidade de
pescadores artesanais." (OLIVEIRA; LIMA FILHO, 2014, p.6).
Deve-se acrescentar a essa compreensão, o que Dias-Neto (2010) menciona,
de que as políticas são elitistas e definidas em seus diferentes períodos nem sempre
consideram os aspectos fundamentais ao setor e aos seus recursos, muito pelo
contrário. Para nós inclusive diríamos que muitas destas políticas elaboradas ao
longo de todo o processo histórico que envolveu/envolve o setor pesqueiro
foram/são ligadas aos interesses de uma classe, de um projeto de nação e
desenvolvimento, embutidos pela lógica do capital.
Aliado a essas reflexões, é preciso mencionarmos que historicamente o alvo
das políticas públicas sempre se destinaram ao peixe, isto é, ao pescado/produção
(MAIA, 2009), e não ao pescador, o objetivo a alcançar, normalmente não vem com
um caráter social.
O terceiro ponto a ser mencionado, que é desencadeado pelos aspectos
anteriores, é a entendimento dos pescadores como produtores rurais. Mesmo com a
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nova Lei da Pesca, os pescadores ainda são compreendidos como beneficiários do
crédito rural (como estabelecido pela política agrícola), o que demonstra uma visão
se não reducionista, no mínimo contraditória, como mesmo apontado no Art.3º desta
Lei que diz o seguinte: " § 1º O ordenamento pesqueiro deve considerar as
peculiaridades e as necessidades dos pescadores artesanais, de subsistência e da
aquicultura familiar, visando a garantir sua permanência e sua continuidade."
(BRASIL, 2009, s/p).
Portanto, não há na Lei uma compreensão das especificidades e
singularidades da pesca artesanal realizada nas diferentes localidades e regiões do
país. Além disso, a Lei não menciona nada sobre a proteção de direitos
estruturantes aos pescadores e pescadoras artesanais, como é o caso por exemplo
do direito ao seu território (CONSEA, 2014).
Ainda que a pesca artesanal tenha sido reconhecida junto ao Estado, e sendo
responsável pela maior parte da produção de pescados nacionais, e de fato que
tenha ganhado maior visibilidade enquanto sujeitos sociais e políticos, passando a
serem
entendidos
como
pescadores
trabalhadores
e
de
direitos
sociais,
previdências/trabalhistas (mesmo diante de controvérsias e críticas as Leis, as
políticas e ao Estado, não se pode negar esse fato). Contudo, esta atividade ainda
vive nos limites da "formalidade/informalidade" diante destes vários fatores e
desafios apontados anteriormente (SILVA; NASCIMENTO; LEONCIO, 2014).
Portanto como pontuado por Callou (2009) a dívida social do Estado e
governo para com os pescadores e pescadoras brasileiros é imensa, e se refere aos
direitos sociais, políticos, econômicos, territoriais, ambientais e culturais.
Como se não bastasse essas dificuldades existentes e as historicamente
vivenciadas pelos pescadores e pescadoras ao longo da história do Brasil,
recentemente esses trabalhadores sofrem enfrentamentos no âmbito dos seus
direitos sociais e trabalhistas, por exemplo. Verifica-se atualmente o acirramento da
precarização do pescador e pescadora artesanal no país, como exemplo disto, a
seguir são discutidas três recentes medidas que rebatem diretamente sobre esses
sujeitos, foco de nossa análise de pesquisa.
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3- A recente violação dos direitos sociais e trabalhistas dos pescadores
artesanais
Recentemente novas mudanças e medidas sinalizam o objetivo explícito de
um processo de retrocesso e de perdas dos direitos conquistados pelos pescadores
e pescadoras brasileiros.
A primeira medida que a ser mencionada é a Portaria 445 criada pelo
Ministério do Meio Ambiente, lançada em dezembro de 2014. Nesta foi acrescentado
novas espécies ameaçadas de extinção (compreendendo agora um total de 475
espécies) na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção Peixes e Invertebrados Aquáticos. Conforme mencionado em seu Art. 2º as espécies
que constam nessa lista são classificadas em extintas na natureza (EW),
criticamente em perigo (CR), em perigo (EN), vulnerável (VU) e ficam proibidas entre
outras coisas a proibição de pesca, transporte, armazenamento, manejo,
beneficiamento e comercialização. A grande questão é que muitas dessas espécies
incluídas são de alto interesse comercial.
Com essa Portaria gerou-se uma grande revolta, não só pelos pescadores
artesanais, mas também dos pescadores industriais que se viram privados de muitas
pescarias comumente realizadas. As críticas e mobilizações contra a medida não
foram apenas pela lista de proibição de espécies, mas também pela falta de uma
gestão adequada da pesca que deve compreender monitoramento, fiscalização,
avaliações/estatísticas atualizadas do setor, e medidas de ordenamento. Como
sabemos a restrição por si só em nada resolverá o fato da crise das pescarias
nacionais. Assim como, deve haver uma melhor compreensão do setor, inclusive de
maneira a diferenciar os tipos de pesca que realmente causam essa crise e as
problemáticas que afetam direta ou indiretamente os recursos pesqueiros, o que não
é muito difícil de saber, isto é, não são todos os tipos de pesca que afetam os
recursos, logo as proibições não devem igualmente ser aplicadas a todo tipo de
pescaria.
Entretanto, os pescadores se mobilizaram e pressionaram o poder público,
afinal a divulgação desta lista previa inclusive que a proibição de pesca deveria se
dar num prazo de 180 dias (a vencer em 16 de junho de 2015), assim diante das
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mobilizações e críticas a Portaria o MMA adiou a proibição da pesca de espécies
para dezembro deste ano.
Ainda que alguns pesquisadores e organizações ambientalistas discordem
dessa prorrogação, entendemos que há outras maneiras de se fazer o ordenamento
pesqueiro, que seja menos verticalizado e excludente, e que de fato esteja atento as
especificidades da pesca realizada no país, sobretudo a artesanal.
Outra ação recente que compromete a pesca artesanal e os direitos
trabalhistas conquistados pelos pescadores/as após muita luta, é a criação do
decreto 8.425 de 31 de março de 2015 (e concomitantemente a própria criação do
Decreto nº 8.424) que dispõe sobre os critérios para a inscrição no Registro Geral da
Atividade Pesqueira e a concessão de autorização, permissão ou licença para o
exercício da atividade. O grande cerne de discussão sobre esse decreto diz respeito
à nova divisão/classificação feita do trabalho na atividade pesqueira, com
rebatimento direto às mulheres. Isto é, primeiramente passa a se considerar o
pescador somente aquele que trabalha na captura do pescado, excluindo o restante
do processo produtivo. Nisto se soma a caracterização de uma nova categoria: a de
trabalhador/trabalhadora de apoio a pesca, ou seja, num sentido de inferiorizar os
pescadores
e
principalmente
as
mulheres
pescadoras
que
auxiliam
no
beneficiamento do pescado, na confecção e reparo das artes e petrechos da pesca
e em outras atividades, afetando assim a identidade do pescador e da pescadora
artesanal.
Além disso, no Art.2º ao se definir o pescador e pescadora artesanal se
destaca que estes podem utilizar embarcação com arqueação bruta menor ou igual
a 20, o que na visão dos pescadores artesanais, conforme exposta na Carta de
Repúdio (2015), representa uma flexibilização e abertura explícita ao empresariado.
No seu parágrafo único do Art.4º menciona que os pescadores/as
profissionais artesanais deverão informar se exercem a atividade de maneira
exclusiva, principal ou subsidiária, ou seja, como forma de se desconsiderar as
demais atividades que também são em muitas comunidades pesqueiras brasileiras
exercidas, tais como a agricultura e o artesanato. Em outras palavras, isso significa
cada vez mais o privilegiamento daqueles pescadores que vivem exclusivamente da
pesca, o que sabemos é cada vez mais difícil vide os casos de expropriações,
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conflitos, desafios e limites de todos os lados que estes sujeitos sofrem. Sem falar,
que essa especialização (exclusivismo na atividade pesqueira) contraria a condição
do próprio pescador artesanal de se adaptar às diferentes condições sazonais da
pesca.
Vê-se, deste modo, a negação e eliminação de direitos históricos
conquistados com muita luta, afinal se nega os direitos dessas comunidades
tradicionais e divide a categoria contrariando legislações trabalhistas nacionais e até
mesmo internacionais. Sem falar que o Estado continua alheio a realidade diversa e
heterogênea da pesca e dos pescadores e pescadoras artesanais no país.
Vale dizer ainda que neste decreto foi inicialmente estimulado o prazo de 45
dias após a sua publicação para entrar em vigor (05 de maio de 2015),
posteriormente foi prorrogada para mais 75 dias, e novamente para 105 dias após a
data de publicação (ou seja até o dia 15 de julho).
Quanto a essa última prorrogação é importante informar que isso decorre de
uma forte mobilização dos pescadores pela revogação deste decreto. Como
exemplo, podemos citar as mobilizações do Movimento de Pescadores e
Pescadoras Artesanais (MPP) que ocupou no dia 15 de julho as superitendências do
Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e agências do INSS em mais de 10 estados
do país de maneira a exigir a revogação do decreto, que na opinião do movimento
interfere na identidade das comunidades pesqueiras e prejudica a garantia dos
direitos, sem falar que fere acordos e legislações nacionais como a lei que garante
os direitos aos povos e comunidades tradicionais, e internacionais como a
Convenção 169 da OIT.
Este decreto faz parte de uma engrenagem de Racismo institucional que
objetiva invisibilizar e eliminar os pescadores e pescadoras artesanais, pois
estes são entraves para o desenvolvimento degradador, excludente e
concentrador ao estar perto e viver em íntima relação com a natureza tão
cobiçada pelo capital e que conta com a anuência e conivência do Estado
(CARTA DE REPÚDIO, 2015, s/p)
Com essa mobilização e pressão dos pescadores, sobretudo a ocupação de
instâncias do poder público, o governo adiou a vigência do decreto para um mês,
além disso o então ministro do MPA Helder Barbalho, se comprometeu em debater
as reivindicações dos pescadores para alterações no decreto. Enfim, esses
pescadores e pescadoras estão seguindo em luta por seus direitos.
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Além dessas duas medidas recentes (a portaria 445 e o decreto 8.425) foi
criada em 30 de dezembro de 2014 a Medida Provisória(MP) 665 que dispõe
alterações em relação e restrições ao acesso ao seguro-desemprego, ao abono
salarial e ao seguro-defeso (especificamente aos pescadores artesanais). Contudo,
mesmo com contestação dos trabalhadores brasileiros, incluindo-se aí os
pescadores e pescadoras artesanais que se mobilizaram contra a MP, esta foi
aprovada no senado federal em 26 de maio e se converteu na Lei 13.134 de 16 de
junho de 2015.
No que tange aos pescadores e pescadoras artesanais essa MP, agora Lei,
determina que apenas aqueles pescadores que se enquadram na categoria de
pescador exclusiva (conforme dado pelo decreto 8.425 e 8.424) é que passarão a ter
direito a receber o seguro-defeso (ou seja, negando-se o seguro aos pescadores
com atividades principais ou subsidiárias). Além disso, exige um tempo mínimo de 3
anos de registro na atividade (RGP) e comprovação da comercialização da
produção. Medidas essas que ao invés de facilitar o acesso ao seguro-defeso3,
acarretam numa maior dificuldade, já que, como se sabe é difícil o pescador
artesanal ter notas fiscais que comprovem sua comercialização, pois muitas vezes,
comercializam diretamente com o consumidor, ou então aos atravessadores. São
estabelecidos também, o pagamento máximo de 5 meses de seguro defeso,
enquanto que normalmente o período de defeso correspondem a 6 meses.
Soma-se a essa questão, do pescador artesanal não poder mais receber o
seguro-defeso e outro benefício no mesmo ano (conforme pode ser visto no Art.2º
do Decreto 8.424/2015), como o programa social Bolsa Família, por exemplo, o que
demonstra o não entendimento da real situação de muitas comunidades pesqueiras
que vivem situação precária.
Há também um equívoco em torno da natureza do seguro defeso, que
segundo o pesquisador de políticas públicas FERNANDES (2015), este não é um
benefício
previdenciário
mas
sim
uma
compensação.
O
que
rebate
no
questionamento a passagem da operação do seguro-defeso por parte do INSS e
não mais pelo Ministério do Trabalho, afinal o que se parece é a tendência a se
3
Atualmente a legislação de referência do seguro-defeso aos pescadores são a Lei 10.779 de 2003 e
também o Decreto 8. 424 de 31 de março de 2015.
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transformar o caráter do seguro defeso enquanto benefício previdenciário aliado às
questões estruturais do INSS que conseguirá prontamente realizar a fiscalização e
capacitação para operar no seguro defeso, fazendo com que haja um processo de
burocratização e até mesmo lentidão e mecanismos de se barrar esse pagamento
(FERNANDES, 2015).
Como nas demais ações mencionadas nesta parte, diante da MP 665
ocorreram mobilizações e repúdios a esse processo, vide o caso da audiência
pública no Senado Federal conseguida através da mobilização do MPP, CPP e da
Comissão Nacional das RESEX Marinhas (CONFREM). Com participação massiva
dos pescadores e pescadoras de várias regiões brasileiras a audiência pública
aconteceu no 27 de abril de 2015 onde se discutiu os perigos e problemáticas que a
MP representa ao direito dos pescadores e pescadoras artesanais.
Para somar forças contra essa medida, o Ministério Público Federal emitiu
uma nota técnica denunciando a MP 665 que impacta negativamente os pescadores
e pescadoras artesanais.
Embora tenha se lutado contra a aprovação desta MP, esta se transformou na
Lei 13.134 em 16 de junho de 2015. Deste modo a atual Lei se conecta com outras
ações e instrumentos, assim como com os que aqui priorizamos para a discussão, e
juntos estão privando os pescadores de seus direitos.
As restrições e implicações aos pescadores e pescadoras artesanais são
várias, indo além desses três exemplos aqui expostos. Essas medidas são
autoritárias e excludentes, e se mostram como um conjunto de ações que visam
negar e "abocanhar" os direitos históricos dos pescadores e pescadoras artesanais
brasileiros.
Enfim, esse conjunto de ações excludentes, violam os direitos do trabalhador
e dos cidadãos, das comunidades tradicionais, neste caso, dos pescadores e
pescadoras artesanais brasileiros.
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4 - Considerações parciais
Durante o desenvolvimento de nossa pesquisa de mestrado, observou-se a
histórica relação de controle e marginalidade do pescador e pescadora brasileiro por
parte do Estado, assim como pelo capital que busca sua expansão a qualquer custo.
Constatou-se ainda que a atividade laboral do pescador está cada vez mais
sendo prejudicada por entraves e dificuldades ao acesso a seus direitos, aos seus
territórios e as políticas públicas. Que descumprem os direitos desses pescadores
aliado a falta de políticas públicas voltadas aos pescadores e não a pesca. Por isso,
viu-se a necessidade de analisarmos, discutirmos e nos posicionarmos frente a
questões atuais que estão ocorrendo e que geram a precarização do trabalhador
pescador ao se retirar os seus direitos históricos (ainda que poucos e tardios).
Para isso, centramo-nos nesses medidas recentes que demonstram
implicações substanciais aos pescadores, para além da discussão, apontamos
nosso repúdio a esses mecanismos e medidas de maneira a somar forças com os
movimentos sociais e trabalhadores do setor, em defesa de seus direitos sociais,
aos seus territórios, ao seu trabalho e modo de vida.
Neste sentido, como analisado e demonstrado nesse trabalho, ainda que de
maneira inicial, observamos justamente a negação ao direito (social, trabalhista,
territorial e etc) a partir de mecanismos/ações/leis que incentivam a precarização
do(a) trabalhador(a) pescador(a), visto que esses estão envoltos aos ditames das
políticas públicas com explícito viés modernizador/industrial/desenvolvimentista, que
visa atender aos interesses do capital.
Por outro lado, as resistências e lutas pra continuar a pescar são constantes e
revelam a importância do trabalho desses pescadores e pescadoras artesanais
brasileiros. Constata-se que esses trabalhadores resistem a sua maneira, usando as
estratégias que lhes é viável, mas expressivamente de modo geral (re)afirmam
cotidianamente sua luta, que é demonstrada no seu fazer saber, no seu fazer
laboral, no seu ser homem-cidadão, no seu ser pescador/pescadora.
A identidade do ser pescador, embora historicamente desvalorizada e
negada, é ainda hoje no século XXI, incrivelmente sentida, vivida e presente nas
diversas localidades e comunidades brasileiras. É preciso compreender e
reconhecer seu valor, sua história, seu passado e seu presente, seu espaço e
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território.
É preciso estar aberto a realidade, ao fato de que os pescadores e
pescadoras não são objetos, mas que são sujeitos sociais e políticos, sujeitos ativos
do processo, e como tais merecem os seus direitos garantidos e ampliados.
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