“Representações sobre sexualidade e Aids de homens jovens com HIV/Aids” por Jorge Luís de Souza Riscado Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública. Orientador principal: Prof. Dr. Romeu Gomes Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Elaine Ferreira do Nascimento Rio de Janeiro, setembro de 2013. Esta tese, intitulada “Representações sobre sexualidade e Aids de homens jovens com HIV/Aids” apresentada por Jorge Luís de Souza Riscado foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Prof.ª Dr.ª Stella Regina Taquette Prof.ª Dr.ª Rosana Quintella Brandão Vilela Prof.ª Dr.ª Martha Cristina Nunes Moreira Prof.ª Dr.ª Fátima Regina Cecchetto Prof. Dr. Romeu Gomes – Orientador principal Tese defendida e aprovada em 09 de setembro de 2013. Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública R595 Riscado, Jorge Luís de Souza Representações sobre sexualidade e Aids de homens jovens com HIV/Aids. / Jorge Luís de Souza Riscado. -2013. 120 f. : graf. Orientador: Gomes, Romeu Nascimento, Elaine Ferreira do Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2013. 1. Masculinidade. 2. Sexualidade. 3. HIV. 4. Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - prevenção & controle. 5. Vulnerabilidade em Saúde. I. Título. CDD – 22.ed. – 614.5993 DEDICATÓRIA Aos meus pais (in memoriam), Manoel e Maria das Dores. Às minhas guerreiras Tias Maria José (‘braba’) e (‘doce’) Maria Rita Ao meu filho amado Jorge Luís Júnior À minha diarista-amiga Maria das Graças (‘Ia’ pro Junior) À Dona Amália Borges, meu Carinho Perdoem a cara amarrada Perdoem a falta de abraço Perdoem a falta de espaço Os dias eram assim Perdoem por tantos perigos Perdoem a falta de abrigo Perdoem a falta de amigos Os dias eram assim Perdoem a falta de folhas Perdoem a falta de ar Perdoem a falta de escolha Os dias eram assim E quando passarem a limpo E quando cortarem os laços E quando soltarem os cintos Façam a festa por mim Quando lavarem a mágoa Quando lavarem a alma Quando lavarem a água Lavem os olhos por mim Quando brotarem as flores Quando crescerem as matas Quando colherem os frutos Digam o gosto pra mim Aos Nossos Filhos (Ivan Lins) AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Romeu Gomes, de forma mais especial, pela orientação conduzida com sabedoria, competência, disponibilidade e generosidade, no decorrer desse processo. A ele, sou gratíssimo então por ter acreditado em mim e ter tido a paciência necessária para orientar-me nessa empreitada que é fazer uma tese de doutorado e, em especial, pelas conversas que me reanimaram e me ajudaram a concluir este trabalho, assim como por sua característica criativa que tanto influenciou em diversas decisões tomadas acerca da estrutura do trabalho. À Profa. Dra. Elaine Ferreira do Nascimento pela preciosa e incansável orientação, sempre com competência e disponibilidade. E a vida continua... Vamos que vamos... À minha família, em especial aos meus irmãos Antonio (Toninho) e cunhada Maurinha (in memorian), Neide, Angélica, e primos Patrícia, Caio, Igor e Murilo, Grace de Fátima e Marcos, por todo apoio e incentivo. Ao meu Grupo de Oração da Igreja dos Capuchinhos, Ademir Oliveira, Benilda de Luna, Gabriel Ferreira, Nadja Amorim, Paulo Guimarães e Silvete Galdino, que nunca me deixaram esmorecer. Aos meus Colegas do DINTER de Maceió Soninha (in memorian), Josineide, Cristina, Waneska e Cristiane, pelos momentos agradáveis que compartilhamos nessa caminhada e nas viagens para João Pessoa. Aos colegas do DINTER, Ana Claudia (Clode para os íntimos), Ana Luisa, Ana Suerda, Ângela, Anubes, Bianca, Aurilene, Climério (Olha a banana, olha o dulcíssimo caju...), Gigliola, José da Paz, Liza (e Família), Nilza, Suelma (Claro e Evidente), Waglânia. Aos coordenadores do Doutorado Interinstitucional, Profa. Dra. Maria Helena Barros, Profa. Dra. Cristina Guillam, Prof. Dr. César Cavalcanti da Silva, Profa. Dra. Ana Maria Gondin (Gentileza Pura), aos professores e funcionários do DINTER, pela dedicação e apoio no decorrer desse processo. Aos amigos Otávio Pinho, Maria de Lourdes B. Gomes (Marilu) e Rivaldo Maia (Riva/Bado) pela antiga amizade, pelo carinho e pelo acolhimento quando estadia em João Pessoa, PB. Saudades. À Profa. Dra. Vera Amaral (in memorian) pela forma amorosa, alegre, sempre para com a minha pessoa. Obrigadão por conhecê-la. Aos docentes da banca examinadora pela disponibilidade e valiosas contribuições na construção dessa tese. O meu agradecimento especial se remete a esses avaliadores formais – Rosana Vilela, Stella Taquette, Martha Moreira, Fátima Cechetto,– seja na qualificação e na defesa da tese. Obrigadão pelo aceite do convite, por terem deixado seus compromissos e, por alguns momentos, focalizado a atenção na leitura do que estava sendo produzido. Obrigado também pelos encaminhamentos propostos e os que serão apresentados após a defesa. Aos gestores, diretores dos SAE, apoiadores, equipes SAE PAMSALGADINHO – Psicólogos/as Fábio Lins Mota, Samuel Delane, Aline Oliveira, Simone Tavares, a Enf. Riviane Tavares, Tec. Enf. Elaine, a Coordenadora Adm. Waldacir (Wal) Rocha, a Coord. Prog. DST/Aids e Hepatites Virais Psy Sandra Cristina Gomes, Assist. Social Tereza Carvalho e, ao Gestor de Saúde de Maceió. Meu carinho especial ao Hospital Dia do HUPAA/UFAL, pela forma acolhedora com que nos receberam e que se disponibilizaram a contribuir com esse estudo, como a baluarte Profa. MsC. Vania Pires, a Psy Márcia Guimarães, Enf. Teresa Paula Peixoto, Carlos Alberto (Beto), Tec. Enf. Sandra Moura e Dona Marlene. À Superintendente de Vigilância em Saúde – SESau/Alagoas, incrível ser humano Dra. Sandra Canuto, pelo carinho, respeito, credibilidade, Obrigadão. Também à Assist. Social Francisca Fátima do Programa Estadual de DST/Aids. Aos incansáveis ‘brothers’ Laudemi José de Oliveira e Lourani Oliveira, pelo apoio logístico, sempre presentes. Muitíssimo Obrigaduuuuuu. E os/as discentes Jennifer Peroba Lins, Vicente de Tarso Lisboa Granja, David Monteiro e Mayara Juliana Cardoso, pela valiosa colaboração nos meandros desse trabalho. Aos meus parceiros de rápido convívio de disciplinas pós-acadêmicas e construção de artigo, doutoranda/o Edna Granja (Recife, PE) e Eduardo Honorato (UFAM). Aos sujeitos de pesquisa que juntos partilhamos intimidades, particularidades e juntos construímos conhecimento. Minhas reverências. Aos meus colegas da FAMED/UFAL, singularmente Rosana Vilela, Francisco Passos, Lourdinha Vieira, Iasmim Duarte, Divanise Suruagy, Gilberto Macedo (in memorian), Antonio Piranema (in memorian), Rogério e Telma Pinheiro, Ana Dayse, Jairo Calado, Ângela Canuto, Fátima Albuquerque, Ângela Bahia, minhas colegas do NUSP e aos demais da UFAL como Maria Aparecida de Oliveira (Cida), Tonholo, Claudio Miranda, Eduardo Lira, José Roberto Santos, Silvia Cardeal, Pedro Nelson Bonfim, Maisa Kulock, Maria Helena Ferreira, Gilda Brandão e Gedalva Mateus. Aos professores compositores e orquestradores de minha trajetória acadêmica, jardim de infância, primário, ginásio, científico, graduação, especialização, mestrado e doutorado. À FAPEAL e à CAPES, agências financiadoras, órgãos que apoiaram o desenvolvimento científico, auxiliando em algo tão importante para nós pesquisadores, fornecendo as condições para se realizar a pesquisa. À Deus, esse Ser Superior que a tudo sou grato. Acredito então que esse mesmo Deus foi o responsável por ter me aproximado dessas pessoas maravilhosas, anteriormente mencionadas, que floriram e perfumaram meu caminhar, e de ter oportunizado fornecendo a inspiração e a motivação necessária para realizar um trabalho capaz de trazer alguma contribuição à sociedade e por ter me dado condições para terminar, quando parecia que não havia mais fôlego para realizar tal intento, pelos enormes problemas particulares emergidos durante o doutoramento. Finalmente, por conta da diversidade de vínculos, contatos e experiências com inúmeras pessoas, ou ainda, em decorrência de uma possível questão de memória, admito “mea culpa”, que posso ter omitido algum nome. A estes, ficam as minhas desculpas na esperança de ter outra oportunidade para redimir-me desse lapso. “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” Pais e filhos (Renato Russo) Muitíssimo Obrigado. EPÍGRAFE E se for pra semear a esperança num jardim E se for pra desculpar uma criança eu digo, sim E se for pra perdoar não tenho escolha Também sou pecador, também preciso de perdão. Não sou santo e não sou anjo e nem Demônio, eu sou só eu . Imperfeito, insatisfeito, mas feliz, assim sou eu. Eu sou contradição, eu sou imperfeição, Só Deus é coerente. Já sorri, já fiz feliz, já promovi, já elevei. Já chorei, já fiz chorar, já me excedi, já magoei. Eu tenho um coração, mas sou contradição, mas Só Deus acerta sempre. Por isto eu canto esta canção Canção de amor arrependido, Ao Deus que é pai, ao Deus que é paz, ao Deus que é luz, ao Deus que é vida. E quando a gente cai Deus age como Pai: Perdoa, perdoa... E torna a perdoar e ensina como amar, Eu sou contradição, mas Deus, ele é perdão. “Canção dos Imperfeitos” RESUMO O objetivo do estudo foi analisar as representações sobre a sexualidade e Aids de homens jovens com HIV/Aids. Visa ainda contribuir com subsídios para políticas públicas de saúde de enfrentamento da epidemia da Aids. A pesquisa de natureza qualitativa foi desenvolvida no Serviço de Atendimento Especializado (SAE) de DST/HIV/Aids da Secretaria de Saúde de Maceió, com pacientes entre 18 e 26 anos diagnosticados há mais de um ano com HIV. Numa perspectiva de pesquisa qualitativa, os dados foram produzidos através das técnicas de entrevistas semiestruturadas e observação participante. O método de análise adotado foi interpretação de sentidos. Os marcos conceituais são juventude, masculinidade e Aids. Os resultados apontaram para as representações da Aids, revelaram os contextos de vulnerabilidades à Aids que homens jovens estão expostos, as dificuldades enfrentadas após o diagnóstico e perspectivas de vida. As principais conclusões do estudo assinalam que as marcas identitárias de gênero masculino podem oferecer maiores resistências dos homens a cuidarem de sua saúde e às práticas de sexo protegido. Recomenda-se a incorporação das questões de gênero no masculino da juventude nas diversas esferas dos programas governamentais de educação e saúde. Palavras-chave: representações, masculinidade, sexualidade, HIV/Aids, prevenção ABSTRACT The aim of the study was to analyze the representations of sexuality and AIDS in young men with HIV / AIDS. It also aims to provide insight for public health policies to fight the AIDS epidemic. The qualitative research was developed in the Specialized Care Service (NCS) STD / HIV / AIDS Health Department of Maceió, patients between 18 and 26 years diagnosed for over a year with HIV. Perspective of qualitative research, the data were produced using the techniques of semi-structured interviews and participant observation. The analysis method was adopted interpretation of meanings. The conceptual frameworks are youth, manhood and AIDS. The results pointed to the representations of AIDS, revealed the contexts of vulnerability to AIDS than young men are exposed, the difficulties faced after diagnosis and life prospects. The main findings of the study indicate that the identity marks of males may offer greater resistance of men to care for their health and to practice safe sex. It is recommended the incorporation of gender issues in the male youth in the various spheres of government programs in education and health. Keywords: representations, masculinity, sexuality, HIV/AIDS prevention RÉSUMÉ L'objectif de l'étude était d'analyser les représentations de la sexualité et du sida chez les jeunes hommes vivant avec le VIH / SIDA. Il vise également à donner un aperçu des politiques de santé publique pour lutter contre l'épidémie de sida. La recherche qualitative a été développé dans le service de soins spécialisés (NCS) Département de la Santé IST / VIH / SIDA de Maceió, les patients âgés de 18 ans et 26 années diagnostiqué depuis plus d'un an avec le VIH. Perspective de la recherche qualitative, les données ont été produites en utilisant les techniques d'entrevues semi-structurées et l'observation participante. La méthode d'analyse a été adopté interprétation de significations. Les cadres conceptuels sont des jeunes, la virilité et le sida. Les résultats ont indiqué les représentations du sida, ont révélé les contextes de vulnérabilité au sida que les jeunes hommes sont exposés, les difficultés rencontrées après le diagnostic et la vie prospects. Les principales conclusions de l'étude indiquent que les marques d'identité des hommes peuvent offrir une plus grande résistance des hommes pour prendre soin de leur santé et à des pratiques sexuelles sécuritaires. Il est recommandé l'intégration des questions de genre dans les jeunes hommes dans les différents domaines des programmes gouvernementaux dans l'éducation et la santé. Mots-clés: représentations, la masculinité, la sexualité, la prévention du VIH / SIDA LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29 anos, segundo raça/cor e categoria de exposição, no Brasil. .................. 26 Gráfico 2 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29 anos, segundo raça/cor e categoria de exposição, no Nordeste. ............. 27 Gráfico 3 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29 anos, segundo local de residência, raça/cor e categoria de exposição, em Alagoas e Maceió. .................................................................................... 28 SUMÁRIO Apresentação ............................................................................................................ 13 Introdução ................................................................................................................. 16 Capítulo 1: A configuração da epidemia da Aids na juventude masculina: cenário contemporâneo em Maceió .................................................................... 23 Capítulo 2: Representações sobre sexualidade e masculinidade ............................. 31 Capítulo 3: Juventude como categoria sócio-cultural ................................................ 39 Capítulo 4: Juventude masculina e Aids: vivenciando a sexualidade........................ 59 4.1 – Vulnerabilidade e Aids ................................................................... 64 Capítulo 5: Desenho Metodológico ........................................................................... 69 Capítulo 6: Resultados e Discussão.......................................................................... 77 Considerações Finais .............................................................................................. 101 Produto .................................................................................................................... 106 Referências ............................................................................................................. 107 Anexos .................................................................................................................... 116 APRESENTAÇÃO O presente trabalho estará alicerçado na trajetória percorrida pelo autor na temática Aids, quando já no mestrado procurou investigar sobre comportamento, prevenção e representações sociais de estudantes universitários da área de saúde (RISCADO, 2000). O olhar sobre a questão já se encontrava desde 1990, auge do avanço da epidemia e que, naquele momento, não se vislumbrava nenhum movimento para tratamento, a não ser o AZT e, a cura não passava de utopia. Anos mais tarde, os antirretrovirais vieram acenar uma possibilidade para uma enfermidade crônica e, não mais um cutelo para morte. Nesse período pós-retrovirais algumas reflexões foram realizadas como na obra Sexualidade e Aids: um olhar arqueológico sobre o homoerotismo masculino (Riscado, 1999), quando o autor numa perspectiva foucaultiana busca pensar a sexualidade e o homoerotismo masculino e levanta a hipótese que a partir do preconceito e dos mitos, a Aids tornara-se ‘uma doença da doença’, porquanto se compreendia a homossexualidade enquanto doença, incrustada no Catálogo do Código Internacional de Doenças (CID). Entre os estudos do autor sobre Aids (Farias e Riscado, 2002) o foco compreendia a sexualidade de homens que fazem sexo com homens, seu comportamento sexual e vulnerabilidades diante da Aids. Caminhando ainda dentro dessa perspectiva, desenhou-se um estudo sobre diversidade sexual e mobilização social em Alagoas (Farias, 2005), e assim também prefaciando a obra. Homens caminhoneiros do estado de Alagoas foram objeto de vários estudos (Riscado, 2003; Souza e Riscado, 2010) que revelaram questões de masculinidade hegemônica, a relação sexual com outros homens e travestis, o não uso do preservativo em todas as relações sexuais, o uso/abuso de “arrebites” e outras drogas e o não cuidado de si, da sua saúde. As longas permanências fora do seio familiar são um dispositivo para as vulnerabilidades e para a questão de que “homem não pode ficar sem ter relações sexuais por muito tempo”. Mais tarde foi desenvolvido um estudo com professores de 42 escolas da rede pública de ensino do estado de Alagoas, objetivando as representações que 14 esses sujeitos realizavam diante do fato de ter um aluno (a) gay, ou colega de local de trabalho – professor, diretor – e, sobre homossexualidade. Este trabalho (Maravilha e Riscado, 2007) permitiu através das opiniões, dos sujeitos, compreender os mitos sobre a homossexualidade e o preconceito e estigma de ser gay. As informações vinham quase sempre carregadas de um conjunto de grafias estereotipadas hegemônica de homossexualidade, cujo conceito estigmatizava e, quando aliada à Aids levava a uma morte social. Compreender como os jovens vinham lidando com a prevenção da Aids e do uso/abuso de drogas, Riscado et al. (2000) investigaram 1202 sujeitos, alunos/as da rede pública de ensino – fundamental e médio – do município de Maceió. Encontraram meninas grávidas em idade aproximada de treze anos e meio, e, em ambos os gêneros, um descuido no que diz respeito ao uso de preservativos; ouviram relatos de abuso sexual; observaram o uso/abuso de drogas, principalmente da maconha e, já o uso do crack, conforme ambos, meninos e meninas, confessaram. Assim como os estudantes universitários da área da saúde (Riscado e Araujo, 2004) buscou-se a prevalência do uso/abuso de drogas e conhecimento sobre Aids, nos locais onde a diversidade de substâncias químicas são usadas, principalmente pelos rapazes, observou-se primeiras relações, que o uso do preservativo ocorre tão somente nas acontecendo um “relaxamento” após certo tempo de convivências com o/a parceiro/a. As informações e conhecimento sobre Aids encontram-se relativamente corretas, mas promovem comportamentos de vulnerabilidades quanto ao uso/abuso de drogas e o não uso da camisinha em toda e qualquer relação sexual, seja com parceiro/a fixo/a ou eventual. O risco de acidente ocupacional para o HIV e Hepatites Virais B e C, o conhecimento e comportamento de acadêmicos universitários em uma Unidade de Emergência de Maceió, esteve na pauta de estudo de Riscado e Araújo (2004). Outra investigação que envolveu a questão da Aids (Riscado et al., 2011) tendo como sujeitos a população negra quilombola de Alagoas, revelou também as vulnerabilidades diante de uma conjuntura social que traz as iniquidades de saúde. A questão da pauperização, as dificuldades de acesso à saúde, os invólucros de gênero – masculino e feminino – estão na crista das vulnerabilidades à Aids. Baseado ainda nesse estudo verificou-se o vivenciar do racismo e a violência entre as mulheres (Riscado; Oliveira e Brito, 2010); e a masculinidade hegemônica de que 15 ser homem é ser viril, é ser forte e que a busca do cuidado de si é de competência das mulheres. Os homens alegam a falta de tempo e, que só recorrem ao profissional de saúde “quando está se acabando” (sic) (RISCADO; NASCIMENTO E SILVA, 2011). O perfil epidemiológico dos óbitos por Aids, em Alagoas, o período 2000 e 2008 foi investigado por Riscado et al. (2011) e os resultados apontaram para um registro de 538 óbitos entre 2000 e 2008. Em 2000, dos óbitos notificados, 68,29%(28) eram homens e 31,71% (13) eram mulheres. Já em 2008, 72,15% (57) dos óbitos correspondiam aos homens e 27,85% (22) às mulheres. Quanto à idade, pacientes com 20-34 anos correspondiam a faixa etária mais prevalente em 2000 com 53,65% (22). Enquanto que em 2008 a faixa mais prevalente correspondia os pacientes entre 35-49 anos, com 44,30% (35). A variável estado civil demonstrou que em 2000, 80,49% (33) dos óbitos foram de indivíduos solteiros, já em 2008 houve redução para 55,7% (44) óbitos de casados, em 2000 representaram 14,63% (6), enquanto em 2008 esse índice foi para 26,58% (21). No tocante à variável raça/cor houve um aumento considerável da cor parda, passando de 14 óbitos em 2000 para 59 em 2008, as demais cor de pele apresentaram pequenas oscilações no decorrer do período avaliado. Além dessas pesquisas, onde envolviam a Aids, as masculinidades e as vulnerabilidades de diversos segmentos populacionais, uma reflexão sobre a questão da masculinidade foi realizada por Riscado; Silva e Nascimento (2011) e a implantação da Política Integral da Saúde do Homem em Alagoas, por Riscado, Oliveira e Nascimento (2012). Portanto, estudar Aids, masculinidade e juventude acompanham uma trajetória de mais de duas décadas. INTRODUÇÃO OBJETO Assim sendo, percorrendo essa linha no tempo e todo o conhecimento acumulado pelos estudos desenvolvidos é que elegemos como objeto do presente estudo as representações sobre sexualidade e Aids dos homens jovens portadores de HIV. Com esse objeto, pretende-se focalizar a dimensão simbólica das falas e das ações desses sujeitos para que se possa não só melhor atuar junto a eles, mas também – como base nessa dimensão – subsidiar ações com e para homens jovens em geral, voltadas para a promoção da sexualidade saudável, em geral, e a prevenção do HIV/Aids, em específico. As representações estão sendo entendidas neste estudo a partir de uma dimensão socioantropológica, baseando-se nos conceitos de Laplantine (2001) e de Sperber (2001). Para o primeiro autor, a representação é um saber do senso comum, mediado entre a instância individual e a social. Para ele a representação: é o encontro de uma experiência individual e de modelos sociais, num modo de apreensão particular do real, o da imagem-crença. Trata-se de um saber que os indivíduos de uma dada sociedade ou de um grupo social constroem acerca de um segmento de sua existência ou de toda sua existência. É uma interpretação que se organiza em proximal relação com o social e que se é concebida para aqueles que a elas colam, a própria realidade (LAPLANTINE, 2001, p. 241). Já Sperber observa que: Toda representação coloca em jogo uma relação entre, no mínimo, três termos: a própria representação, seu conteúdo e um usuário [...] pode-se acrescentar um quarto: o produtor da representação, quando é distinto do usuário (SPERBER, 2001, p. 91). Segundo esse autor, as representações são muito mais dinâmicas do que estáticas, uma vez que “tendem a ser transformadas, mais do que reproduzidas exatamente, cada vez que são transmitidas” (SPERBER, 2001). Assim, de acordo com o autor acima, representar é uma ação que engloba 17 parafrasear, traduzir, resumir, envolver, significando um ato de interpretar. Portanto, a representação nesse estudo vai se configurar como um sentido atribuído à Aids pela experiência, a vivência do sujeito e a importação dada de ideações, estabelecidas, forjadas na realidade social. A Aids em sua carreira histórica foi representada por uma diversidade de pensamentos metafóricos, conotações expressas e transmitidas pela força impactante e penetrante da mídia. A Aids era cercada, metaforicamente, circunscreviam sentido de amedrontamento e identificação com a morte. Por um longo período de tempo esse espelhar promovia um alerta de horror a partir de configurações corporais naquelas pessoas acometidas pelo HIV e entravam no quadro de Aids – dando um sentido figurado à enfermidade, forjando a doença como doença, ou seja, como metáfora. Para uma parcela da ala conservadora, a Aids era retratada como uma maldição, alicerçadas pelo estilo de vida das pessoas acometidas por ela (RISCADO, 1998). Seguindo esse caminho, focalizar a sexualidade e a Aids a partir dessa base conceitual, traduz-se principalmente por compreender o conteúdo constitutivo dessas noções; desvelar o simbolismo a elas relacionado; identificar as imagens utilizadas para representá-las e entender o seu processo de construção no espaço das relações entre sujeito-sujeito, sujeito-grupo e sujeitos-instituições, tendo como objetivo a interpretação dos fenômenos, fatos, acontecimentos e experiências. Toda representação, portanto precisa levar em conta o conteúdo e o contexto e o produto final será algo fruto de aspectos também intuitivos. Parte-se do pressuposto de que as marcas identitárias do modelo hegemônico de masculinidade – Connell (1995) a define enquanto “uma configuração de práticas em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero” – podem se constituir em fatores de vulnerabilidade para a infecção do HIV, uma vez que, ser homem, principalmente jovem, é quase sempre a adoção de uma postura de virilidade exacerbada em que não se pode negar uma relação sexual e, ao mesmo tempo, tem-se a sensação de que nada acontece consigo, pois se acha invulnerável. A sensação de vulnerabilidade encontra-se muito associada ao modelo padrão, no entanto, outros aspectos também compõem as marcas identitárias masculinas que apresentam certa flexibilidade de como os sujeitos lidam o cotidiano 18 com o padrão hegemônico de masculinidade, como apontam os estudos de Nascimento e Gomes (2008). As marcas identitárias da masculinidade [...] não são incorporadas mecanicamente [...] e quando são assimiladas, estas sofrem adaptações a partir do contexto em que vivem e dos momentos históricos em que se encontram, ou seja, os jovens são influenciados por estas marcas, mas constroem seus sentidos de forma singular. O que significa dizer que, ao mesmo tempo em que podem incorporá-las podem também rejeitá-las. No conjunto dos nossos dados, identificamos as seguintes marcas identitárias do ser masculino: provedor, dominador, heterossexual e cuidador (p. 1558/59). Pode-se, então, inferir que as marcas identitárias da masculinidade, refletem uma pluralidade das masculinidades. Os estudos acerca das representações do que vem a ser homem, fundadas e abrigadas pelo construto da masculinidade hegemônica podem trazer melhor compreensão das sexualidades existentes, compreensão simbólica dos seus roteiros sexuais e prevenção da Aids. E, ao mesmo tempo, mostrar que nem todos seguirão a risca o modelo hegemônico, pois existe a possibilidade de uma fluidez, de uma transitoriedade no processo de sociabilização dos homens jovens, o que permite talvez um contraponto da noção de que todos seguirão os ditames estabelecidos, configurados. JUSTIFICATIVA Justifica-se esse estudo, uma vez que, consulta feita no período de janeiro à julho de 2011à Scientific Eletronic Library Online – SCIELO e a Biblioteca Virtual de Saúde – BVS na área da Saúde Pública revelou uma presença modesta de estudo, na produção do conhecimento sobre o assunto no campo da saúde pública. A publicação de artigos em periódicos sobre “representação/ões, sexualidade, Aids, homens, jovens” assinalou para o montante de oito títulos, sendo que – após minucioso olhar – retirando dois títulos repetidos – restaram seis artigos acessados. Ressalta-se que o descritor “homossexualidade” não fez parte do conjunto dos demais descritores, porque partimos do pressuposto que daríamos uma conotação preconceituosa a priori de que “Aids logo homossexualidade”. Nesse sentido visualizamos a possibilidade de, na varredura dos artigos, pinçar, aleatoriamente, 19 alguns que trouxessem a temática para o contexto dos respectivos estudos. Nossa análise é que o quantitativo em si já aponta para a necessidade de se investir em mais estudos acerca do assunto. Mas não é só isso que enseja a realização da pesquisa em questão. No próprio acervo acessado, há questões que ainda merecem ser mais desenvolvidas à luz da articulação entre informações empíricas e aspectos teóricos. Nesse sentido, esboçam-se a seguir ideias da literatura acessada para que reforcem a relevância do objeto desta pesquisa. Parker (2007), num texto eminentemente conceitual, traz reflexões sobre a sexualidade e HIV/Aids com um olhar sobre a cultura sexual brasileira O exercício da sexualidade como um “elemento chave da experiência humana” (p. 99). Salienta ainda como as culturas sexuais organizam representações e práticas – roteiros sexuais – que podem levar à vulnerabilidade em relação à infecção pelo HIV. Reflete sobre o número bastante significativo de pesquisas que vem documentando a complexidade e as especificidades socioculturais e comportamentais sobre a temática. Trata-se de características que envolvem tanto homens quanto mulheres, em diversas sociedades latino-americanas, como a organização sociocultural das relações de gênero que simbolicamente estruturam as relações homens-mulheres, homens-homens e mulheres-mulheres; e a construção sociocultural dos atos sexuais. Ao criticar os programas de prevenção calcados no espaço comportamental individual, o autor elege as abordagens mais sociologicamente fundamentadas do desenvolvimento e mobilização da comunidade. Percebe a importância das representações e significados socioculturais que moldam o comportamento ou as práticas humanas. O estudo de Guerriero et al. (2002) revela que o ser homem, ao refletir aspectos de modelos de masculinidade (como sentir-se forte, imune a doenças; ser impetuoso, correr riscos; ser incapaz de recusar uma mulher; considerar que o homem tem mais necessidade de sexo do que a mulher e de que esse desejo é incontrolável) pode tornar homens heterossexuais mais vulneráveis ao HIV. Merchán-Hamann (1995), num estudo com adolescentes pobres detectou representações traduzidas por um conhecimento do senso comum que refletem aspectos ideológicos relacionados ao poder da medicalização; visão epidemiológica; conceito de grupo de risco e risco; noção do “outro” que é atingido; sexualidade e identidade; ideia de castigo enquanto transgressão a várias normas. O autor, dentre outros aspectos, propõe que se reconheça a construção simbólica que o 20 adolescente faz da Aids, a partir da sua realidade, que é inseparável do seu contexto. Observa que não se deve fixar o adolescente única e exclusivamente num sujeito a-histórico, aos seus aspectos biológicos, mas que contemple a forma como se produz a construção cultural e social dos seus fatores correlatos. Salienta ainda que no campo da sexualidade, o comportamento é indissociável das construções de masculinidades, de papéis de gênero, afetos e segurança. Alves (2003) mostra como homens rurais do nordeste representam suas práticas sexuais e a prevenção de DST/Aids. Os roteiros sexuais, os construtos do que é ser homem e as masculinidades, sexualidades e identidades transitam pelas narrativas. Ao buscar compreender o papel da migração na prevenção da infecção pelo HIV no Nordeste brasileiro, Kerr-Pontes et al. (2004) verificaram que a vulnerabilidade não está restrita tão-somente ao uso/não uso da camisinha. Observam que a cultura, entendida, conceituada como lugar de crenças e representações que arrojadamente influenciam o campo dos comportamentos, pode aumentar a vulnerabilidade ao HIV/Aids. Formaliza que representações das relações de gênero podem ser um campo propício para a vulnerabilidade ao HIV/Aids. Determinantes sociais como racismo, racismo institucional, pobreza, família monoparental, falta de perspectiva futura, drogas, exclusão, preconceitos e outros direitos humanos básicos também parecem ser contributivos para uma vulnerabilidade ao HIV. Vislumbrando o campo da antropologia do corpo e da saúde Piccolo e Knauth (2002) analisam práticas e representações sociais sobre a Aids, suas formas de infecção ao HIV e prevenção, tanto do ponto de vista dos roteiros sexuais como dos de drogadição, formalizadas por usuários de drogas. Representações, sexualidades, roteiros sexuais, masculinidades e papéis de gênero, ainda que com parcos estudos, estão na pauta das investigações e reflexões supracitadas, indicando a necessidade de se promover um número maior de pesquisas. Ao se debruçar sobre o assunto, esta pesquisa poderá contribuir para o campo da saúde coletiva no sentido de compreender não só os resultados estatísticos epidemiológicos, como também aspectos socioculturais relacionados a segmentos populacionais distintos portadores do HIV. Assim, será possível avançar na discussão sobre a temática e, possivelmente, colocar em questão a eficácia de estratégias adotadas; os resultados encontrados em estudos e a necessidade de 21 (re)pensar as políticas preventivas, tornando-as mais compatíveis não só com a realidade epidemiológica da Aids, mas também com a dimensão simbólica relacionada a essa enfermidade. OBJETIVOS 1 Objetivo Geral Analisar as representações sobre a sexualidade de homens jovens com HIV/Aids. 2 Objetivos Específicos a. identificar os sentidos atribuídos à sexualidade e à Aids pelos homens jovens; b. discutir os sentidos associados à sexualidade e Aids dos homens jovens antes e depois deles terem conhecimento de ter HIV/Aids; c. identificar enredos sexuais que influenciam as representações de sexualidade e HIV/Aids; d. estabelecer relações entre as representações da sexualidade e Aids e modelos culturais de masculinidade a partir das falas dos sujeitos; e. compreender a vulnerabilidade de homens jovens portadores de HIV/Aids, na interseção do individual, programático e do social. Estruturou-se a presente obra na perspectiva de se estabelecer um nexo entre as partes, onde a questão da Aids e juventude pode ser visualizada tanto em nível de Brasil, Nordeste, quanto em Alagoas e Maceió, posta no primeiro capítulo. As representações sobre sexualidade no contexto da masculinidade juvenil se mostram apresentadas no segundo capítulo. Já o terceiro capítulo aporta uma revisão de literatura sobre juventude como categoria sócio-cultural. Quanto à categoria juventude masculina, vulnerabilidades e Aids é pauta de reflexão no quarto capítulo. O percurso metodológico que desencadeou essa tese encontra-se meticulosamente desenhado no quinto capítulo. Em relação ao sexto e último 22 capítulo, ele é tomado pelos resultados e leva à discussão desses elementos à flor do referencial teórico. As considerações finais procuram estabelecer uma conversação entre os pressupostos estabelecidos, aquilo que se propôs a estudar e os resultados encontrados, assim como o impacto para a produção do conhecimento na área da saúde e as possibilidades para as políticas governamentais. CAPÍTULO 1 A CONFIGURAÇÃO DA EPIDEMIA DA AIDS NA JUVENTUDE MASCULINA: CENÁRIO CONTEMPORÂNEO EM MACEIÓ A Aids ao longo das últimas décadas deixou de ser uma sentença de morte, mesmo nos grupos sociais mais vulneráveis, como os homens gays. No Brasil, estima-se que cerca de 630 mil indivíduos de 15 a 49 estão infectados pelo HIV/Aids. Segundo parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a epidemia de Aids é concentrada, ou seja, apresenta taxa de prevalência da infecção pelo HIV menor que 1% na população em geral e maior que 5% em subgrupos populacionais de risco acrescido para infecção pelo HIV Homens que fazem sexo com homens (HSH), usuários de drogas e profissionais do sexo feminino. A taxa de prevalência da infecção pelo HIV, na população de 15 a 49 anos mantém-se estável em aproximadamente 0,61% desde 2004, sendo 0,41% entre as mulheres e 0,82% entre os homens. Entre os jovens do sexo masculino de 17 a 20 anos, a taxa de prevalência do HIV foi estimada, em 2007, em 0,12%, apresentando ligeiro aumento quando comparado com a estimativa de 2002 (0,09%), embora não estatisticamente significativo (BRASIL, 2010; UNAIDS, 2010). No entanto, os cuidados com a prevenção diminuiu e os resultados estão a mostrar que o Brasil vem registrando trinta e oito mil novos casos de Aids por ano, com aproximadamente mil óbitos por mês (BRASIL, 2012). Examinando o Boletim de Aids do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012) , verificamos que os índices de infecção continuam crescendo nas regiões Nordeste, Norte e Sul, do nosso País. Vale salientar que a última região citada goza de um alto IDH, pautado pela educação, saúde, trabalho e geração de renda. Observa-se também entre os homens jovens, homossexuais, cada vez mais dispensam os cuidados preventivos, como por exemplo, a desobrigação em alguns momentos do uso do preservativo, como também após certo tempo de relação homoafetiva. Isso já era observado no estudo de Riscado (1999), onde os sujeitos pesquisados revelaram que após um período de “conhecimento” da outra pessoa, 24 nas relações sexuais era dispensada a camisinha, partindo da premissa de que havia um grau de confiabilidade no outro. Passados 30 anos de epidemia, o Brasil vive uma epidemia de Aids com os seguintes contornos, isto é, a infecção pelo HIV e a Aids estão estáveis, mas com índices muitos elevados. A taxa de incidência por 100.000 habitantes continua nos últimos 10 anos em torno de 20 casos por 100.000 habitantes (BRASIL, 2012). Observa-se que a partir dos antirretrovirais houve uma melhor oferta de tratamento, mas a prevenção foi deixada fora de sentinela. Detectamos uma concentração bastante acentuada de infecção entre os gays. O preconceito é ainda uma tônica da realidade social entre esse segmento da sociedade. Os jovens por seu status que ocupa na ordem do desenvolvimento humano encontram-se na totalidade dos funcionamentos hormonais sexuais, isto quer dizer que, vivem uma plenitude sexual ativamente. O Boletim (BRASIL, 2010) nos informa que entre os jovens homossexuais, por exposição sexual, na faixa etária de 15 a 24 anos, o número de infectados passou de 25% em 1990, para 46% em 2010. Isto significa que entre os homens que fazem sexo com homens (HSH) esse índice basicamente quase que dobrou. O jovem tem muitas relações sexuais. As visões distorcidas sobre a possível cura através dos antirretrovirais, a banalização sobre riscos, acabam provocando um desuso do preservativo nas relações sexuais. Observa-se também uma banalização que a população assume por estar se falando perenemente sobre Aids. É o relaxamento que faz com que o índice de infecção aumente. A notificação compulsória remete uma legislação, desde o passado, em que só se fizesse a notificação quando o indivíduo se mostrava com quadro de Aids. Na atualidade, com a oferta do teste rápido, por campanhas, o resultado deve ser comunicado com certa rapidez e ser informado ao Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids (SI-CTA) para expressar a realidade. Notifica-se, mesmo tão somente com HIV positivo, as gestantes, independentemente do quadro dos linfócitos e/ou apresentação de quadro de Aids. Mensura-se a quantidade de CD4, ou seja, a quantidade de linfócitos circulando por ml de sangue. O indivíduo pode até nem apresentar quadro de Aids, 25 mas se a quantidade de linfócitos (CD4) estiver abaixo de 350 plaquetas, a notificação dar-se-á pelo profissional responsável. Destacamos que o indivíduo, na atual legislação, pode até ser medicado, sem, no entanto, estar notificado. De 2001 a 2010 a taxa de incidência na região Sudeste caiu de 23 casos para 21 casos por 100.000 habitantes. No resto do País podemos observar que esse fenômeno se deu inversamente, ou seja, no Nordeste passou-se de 8 casos para 14 casos por 100.000 habitantes, portanto quase que dobrando; no Norte mais que dobrou, de 9 casos para 21 casos por 100.000 habitantes; já na região Sul os casos aconteceram de 27 para 31por 100.000 habitantes (BRASIL, 2012). Frente a esse cenário podemos afirmar que a Aids continua sendo um caso de saúde pública e, que portanto, não pode haver esmorecimento. O perfil epidemiológico dos casos notificados de Aids, masculinos, por exposição sexual, na faixa etária de 15 a 26 anos, segundo raça/cor, por local de residência, período 2000 e 2012, no Brasil apontam para 22361 casos, dos quais 10.413 caso na população negra – pardos e pretos e, 11948 brancos; em Alagoas, os resultados consultados no DATASUS (2013) via SINAN, apontaram para um registro de 279 casos, sendo que 227 se encontram entre pardos e pretos e, 52 casos na população branca. Em Maceió foram notificados 194 casos, quando 151 estão situados na população negra e, 43 casos entre os brancos. No período de 2000 a 2012, foram notificados no Brasil 33.234 casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29 anos. Desses 5.930 homens jovens são residentes na região Nordeste, sendo que 379 no estado de Alagoas e 261 na capital, Maceió. A análise da série histórica considerando os atributos raça/cor e a categoria de exposição sexual mostrada na Figura 1 evidencia que, de modo geral, a distribuição percentual é semelhante entre os dois grupos. No entanto, quando se analisa a evolução dos casos observa-se que há uma redução dos percentuais em todas as categorias de exposição nos homens de cor branca, enquanto que entre os negros há um aumento em todas as categorias, com maior variação percentual (2000/2012) entre os heterossexuais (25,2%) e bissexuais (19,5%). Outro ponto importante a ser destacado é que, em todo o período, o 26 percentual de casos de Aids da população de cor branca demonstra maior exposição dos homossexuais, todavia, entre os negros há predominância dos héteros e bissexuais e, a partir de 2005, a categoria heterossexual passa a ser a mais atingida. Figura 1 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29 anos, segundo raça/cor e categoria de exposição. Brasil: 2000 a 2012. Fonte: www.datasus.gov.br. no Menu Informações em saúde > Epidemiológicas e Morbidade Origem dos dados: SINAN, SIM e SISCEL A região Nordeste apresenta um padrão bastante diferenciado em relação ao Brasil, no qual o percentual de casos entre homens de cor negra são bem mais elevados, chegando a ser superior em três vezes ou mais. Conforme ocorre no País, há tendência de queda entre os percentuais de casos de homens de cor branca, em todas as categorias de exposição, com predomínio da categoria homossexual, seguida pela heterossexual. Já entre os negros há tendência de aumento em todas as categorias com a maior variação percentual (2000/2012) observada entre os bissexuais (16,7%) e homossexuais (15,5%) (Figura 2). 27 Figura 2 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29 anos, segundo raça/cor e categoria de exposição. Nordeste: 2000 a 2012. Fonte: www.datasus.gov.br. no Menu Informações em saúde > Epidemiológicas e Morbidade Origem dos dados: SINAN, SIM e SISCEL Quando da desagregação dos dados por categoria de exposição observou-se que o pequeno número de casos registrados a cada ano em Alagoas e Maceió, inviabiliza uma análise consistente da evolução da doença entre essas categorias. No entanto, o total de casos acumulados nesse período aponta para uma realidade semelhante à encontrada na região Nordeste, com percentuais mais elevados entre os homens de cor negra, quase três vezes superior. A predominância de percentuais de casos nos homens heterossexuais e bissexuais entre os negros também se assemelha ao perfil observado para a Região. Contudo, todos os casos de bissexuais negros registrados no período eram residentes em Maceió, sendo que no ano de 2012 não foi notificado nenhum caso nessa categoria de exposição. 28 Figura 3 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29 anos, segundo local de residência, raça/cor e categoria de exposição. Alagoas e Maceió: 2000 a 2012. Fonte: www.datasus.gov.br. no Menu Informações em saúde > Epidemiológicas e Morbidade Origem dos dados: SINAN, SIM e SISCEL O crescimento entre a população negra pode estar atrelada aos determinantes sociais de saúde como racismo, racismo institucional (BATISTA, 2005), ao fato de que é mais pobre, morre mais cedo, apresenta níveis mais baixos de escolaridade e menos acesso a serviços de saúde do que a população branca (PNUD, 2004) apontando para a priorização de ações de saúde nesse grupo visando conter o avanço da doença. Embora os dados apontem para o decréscimo da epidemia de Aids no País, as mudanças no perfil de como a doença se apresenta entre grupos específicos vem merecendo atenção especial para a saúde pública. Análise da epidemia segundo as características de raça/cor evidenciam desigualdades entre a população que se declara de cor branca e entre preta e parda que merecem mais atenção dos gestores da saúde. Observa-se no Brasil tendência inversa entre a notificação de casos de Aids. Enquanto no período de 2000 a 2011 a população branca era a mais atingida e apresentava queda nos percentuais, a partir de 2012 houve uma inversão, e o percentual, entre as pessoas pretas e pardas, que se encontrava crescente a cada ano, chegou a superar os da população branca. 29 Embora os dados de 2012 ainda sejam parciais, está seguindo a tendência esperada para a doença. Entre 2000 e 2012 foram notificados na região Nordeste 44.128 casos de Aids no sexo masculino, dos quais 5.156 (11,6%) foram entre a população que se declarou branca e 16.973 (38,5%) em preta e parda . No período analisado observou-se que o percentual da população preta e parda atingida pela Aids foi sempre superior, chegando a partir de 2008, a ser de quase seis vezes maior que população declarada branca. Outro ponto importante observado é que os percentuais de casos notificados decresceram entre as pessoas de cor branca, enquanto que no outro grupo a tendência foi de aumento. Em Alagoas, o perfil é bastante semelhante ao da região Nordeste sendo os percentuais de casos notificados entre a população declarada preta e parda mais elevada e crescente, chegando a ser quase seis vezes maior que os da população de cor branca, também se apresentando em queda. A variação percentual entre os casos notificados na população branca revelou uma queda de 23,8 entre 2000 e 2012, enquanto entre as pessoas de cor preta e parda foi observado um aumento de 8,24%. Em decorrência de Maceió concentrar quase 70% dos casos notificados de Aids, o perfil é bastante semelhante ao observado no Estado, que aponta para percentuais mais elevados e com tendência de aumento entre as pessoas que se declaram de cor preta e parda, passando de 71,7% em 2000 para 90,3% em 2012, enquanto que entre as pessoas de cor branca vem se observando queda nos percentuais. Convém destacar que a variável raça/cor foi introduzida no SINAN no ano 2000 e embora apresente melhoria no preenchimento o percentual de campos incompletos ainda é um fator limitante para uso desses dados na epidemiologia (GLATT, 2005). Outro ponto que deve ser destacado é o aumento da proporção da população que se declara preta e parda nos últimos 10 anos, atribuída a uma recuperação da identidade racial (IBGE, 2010) possa influenciar na análise epidemiológica descritiva da epidemia segundo esse quesito. Só estudos mais detalhados poderiam medir o verdadeiro risco entre esse grupo populacional. O levantamento realizado por Barbosa (2004) que buscava primeiramente observar a tendência da disseminação da epidemia do HIV/Aids no Nordeste 30 brasileiro, detectou que segundo os dados, à época, do Ministério da Saúde, no período de 1980 a 2003, dos cerca dos 26 mil casos notificados nessa região nacional, a faixa etária mais acometida pela epidemia estava no entorno entre 20 e 39 anos e que, majoritariamente, a infecção se dava por transmissão sexual. Esse último aspecto foi tomado em consideração quando observado a série histórica de 1988 (60,7%) – que aumenta gradativamente – a 1998 (77%). Em relação às orientações sexuais, o estudo acima referendado, tem a dizer que no Nordeste ao olharmos os anos de tendência crescente da epidemia, a exposição de infecção por via heterossexual é majoritária, contrastando por uma tendência decrescente da infecção do HIV por relações homo e bissexuais, assim como usuários de drogas injetáveis (UDI) e transfusão sanguínea. A autora supracitada, num segundo momento do estudo, ao promover uma análise espacial – 1988, 1991, 1996 e 1998 – das taxas de incidência de Aids, padronizadas nos municípios do Nordeste brasileiro, verificou, dentre outras coisa, que se dá uma concentração das incidências mais elevadas em regiões das áreas das Capitais, entre os municípios localizados mais proximamente ao litoral, mas com possibilidades de ocorrência de espraiamento da epidemia, isto é, se movimentando para o interior. Conclui a autora que há uma tendência da doença, num futuro próximo, em atingir indiscriminadamente todos os municípios da região Nordeste. No tocante à variável raça/cor, na faixa etária de 18 a 29 anos, há um aumento considerável na população negra frente às demais cor de pele quando localizamos Maceió, Alagoas e Brasil. Frente a esse cenário podemos afirmar que a Aids continua sendo um caso de saúde pública, que se fazem necessárias mais pesquisas para embasarem políticas governamentais no que se alude, principalmente, à prevenção. CAPÍTULO 2 REPRESENTAÇÕES SOBRE SEXUALIDADE E MASCULINIDADE Uma abordagem biomédica, para compreensão das sexualidades perdurou como hegemônica até meados do século XX, mais precisamente até a década de sessenta, tendo surgido como perspectiva contra hegemônica, a partir do movimento feminista, que buscou provocar um novo olhar sobre as sexualidades humana tendo em seu invólucro, os matizes da cultura do seu povo. O corpo passa a ser encarado como biológico e erógeno, mas também cultural e social. Baseado na história e na sociologia, os movimentos feministas foram capazes de criar um corpo de perspectivas que evocasse as sexualidades no âmbito sociocultural. Muito desta contribuição vê-se ancorada nos estudos de Foucault. O movimento feminista é apontado por Gomes (2008) como o grande arranjador do conceito de gênero, quando parte das premissas de que a expressão é constitutiva das relações sociais instaladas no olhar diferencial entre os sexos e que também é no gênero que o poder se instaura. Salienta Gagnon (2006) que “na maioria das sociedades, a conduta sexual e a conduta dos gêneros estão, até certo ponto, ligadas” (p. 217). Nesse olhar incluía as questões de gênero feminino e masculino de papeis desempenhados sócio-culturalmente, deixando para escanteio o aspecto do sexo biológico, anatômico como nuances de orientações e visibilidade de uma sexualidade. Há de se compreender que há diferenças anatômicas entre os seres do sexo masculino e do sexo feminino. Há também de se olhar atributos fisiológicos e biológicos concernentes a um dos sexos, como por exemplo, a gestação, a amamentação são exclusivamente competências da mulher. Inicialmente é necessário dispor o que se é compreendido por “sexo” e o que é “gênero”. O primeiro está vinculado muito mais ao caráter físico, anatômico, biológico do ser humano, enquanto gênero demarca um lugar do que significa ser homem e ser mulher, calcado este numa cultura. Já nessa demarcação vão sendo construídos os papéis de gênero, ou seja, aquilo que compete ao homem, forjando a sua masculinidade, e o que é da instância da mulher – a feminilidade. Aqui, parte-se 32 da premissa segundo a qual o ser humano não se constitui fora de um espaço de construção social, de uma cultura. Partimos do princípio de que a concepção do que é ser humano não é dado desde o nascimento, ou seja, não é inato ao indivíduo. Nossa premissa é de que o ser humano constrói o seu ser paulatinamente, apropriando-se do material do mundo social e cultural, ao mesmo tempo que, dialeticamente, atua sobre este mundo, é protagonista na sua construção, age e modifica-se. Isto quer dizer também que, ao transformar o mundo, o ser humano transfigura suas condições de vida e, assim fazendo, se transforma. Como quando ao nascer colocam-nos num dado lugar, ou seja, num povo, com uma língua vernácula, numa família, em contato com uma orientação religiosa e isso vai nos tomando como se próprio fosse. Ao longo do processo de socialização primária e secundária – neste momento ampliam-se os espaços (BERGER & LUCMANN, 1985) a partir da entrada no trabalho – as diferenças de gênero paulatinamente vão se constituindo. Portanto, vão-se incorporando construtos sociais, de papéis, para homens (a masculinidade) e mulheres (a feminilidade), que irão nortear comportamentos sociais, conduta sexual, roteiros sexuais. Ao nascer – meninos e meninas – o grande auditório societário vai criando uma perspectiva de gênero, formatando questões inclusive ligadas à esfera das sexualidades humana. Criam-se expectativas em torno do indivíduo ao longo do processo primário e secundário do desenvolvimento humano. Ao tornarem-se adultos, essa rede social espera que papéis do que é ser homem e do que é ser mulher tenham sido incorporados e inscritos. Portanto, a sexualidade de cada ser humano emerge e existe num contexto cultural e se influencia por uma série de aspectos psíquicos, raça-etnia, econômicos, a diferença sexual, o gênero. Não há uma única sexualidade como se apregoava, como tão pouco há uma tão somente prática sexual. Nesse posicionamento, a sexualidade dialoga com as emoções, as relações e o desejo. Assim, a sexualidade não pode ser circunscrita numa interação física ou passionalmente à reprodução da espécie, mas vai além, isto quer dizer, facilita a comunicação de emoções, promove prazer, favorece a autoestima, tangenciando as pessoas em sua intimidade. A sexualidade é uma construção social que conversa com as diversas maneiras em que pela imbricação dos processos de socialização primária e 33 secundária vão modelando ou dando lugar para as emoções, relações e o aporte dos desejos. Nessa configuração desse grande auditório societário, normas e regras são estabelecidas junto às parcerias, estabelecendo a quem devemos aceitar como tal. Estabelece-se um roteiro de normas que tem a haver com os toques, lugares do corpo que se pode tocar ou penetrar, atrelados ao momento e à frequência, assim como o cenário e modo de relação sexual e coito. Ainda que se observe um avanço no que tange ao conhecimento sobre a sexualidade e a contribuição das múltiplas mídias que proporcionam difusão, que norteiam e controlam as práticas sexuais percebe-se ainda valores e crenças embutidos e cristalizados historicamente. Nas diferenciações anátomo-fisiológicas ao nascer e pelos processos de socialização – primária e secundária – as modelações de homem e mulher promovem a construção de identidade de gênero. As masculinidades e as feminilidades emergem nas sociedades e culturas que dão significados sociais, seja através de símbolos, atitudes e papéis sociais desempenhados. Esse processo de socialização é experenciado por todos os seres humanos independentemente da idade, raça-etnia, nível socioeconômico e outras categorias e, o que se impõe ao longo da existência do indivíduo. Existem construtos sociais impostos aos homens e às mulheres ao longo do processo de socialização em suas vidas que irão estabelecer as diferenças de gênero, independentemente da diferença de sexo. Também a característica relacional de gênero deve estar imbricada com as categorias de classe social e raça/cor (GOMES, 2008). Um conceito central de gênero remete ao sistema sexo-gênero. Assim, é o conjunto de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades cultuam a partir da diferença sexual anátomo-fisiológica, determinando por imposição as relações sociais e de poder, estendida para a esfera da sexualidade. Scott (1995), que cunha gênero como objeto analítico, diz que o termo gênero se apresenta ao mesmo tempo como mais objetivo e neutro que “mulheres”. Nesta perspectiva Scott (1995, p. 75) relata: O termo “gênero”, além de um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens que um implica o estudo do outro. Essa utilização enfatiza o fato de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo 34 masculino [...] Além disso, o termo “gênero” também é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação, no fato de que as mulheres tem as crianças e que os homens tem uma força muscular superior. O gênero torna-se, antes, uma maneira de indicar “construções sociais”, a criação inteiramente social de ideias sobre os papeis adequados aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres (SCOTT, 1995). A ideia de gênero, abordada pela autora supracitada, evidencia que a categoria é historicamente determinada, e que, portanto, vai ser construída não apenas sobre a diferença sexual, mas atribuindo a essa diferença o resultado de um processo cultural que atribui socialmente quais devem ser os papéis masculino e feminino a serem desempenhados por homens e mulheres na sociedade (RISCADO, OLIVEIRA; BRITO, 2010). A concepção de gênero trabalhada nesta pesquisa pauta-se na proposta que defende a terminologia de gênero como uma construção histórica e social (OLIVEIRA, 2006; SAFFIOTI, 2004; SCOTT, 1995). A discussão sobre gênero na sociedade brasileira deve ser refletida nas dinâmicas sociais por meio das quais as identidades de gênero são socialmente construídas e, nesse processo de socialização, a família, a circunvizinhança, a escola, o credo religioso, etc. atuam naturalizando certos pressupostos estereotipados. Os arcabouços de gênero que se constroem socialmente, tanto na infância como na adolescência, meninos e meninas vão absorvê-los como se fossem próprios. Portanto, esses construtos ao longo da vida social vão orientar a sexualidade, os manejos dos afetos, a adequação do vestuário e da cor, a escolha da profissão e a divisão sexual do trabalho. Homens e mulheres vão paulatinamente construindo a sua identidade social e, ao mesmo tempo, construindo a maneira pela qual se mostrarão na organização social, nas esferas da vida privada e pública. Então, quando ao se falar sobre a sexualidade humana, esta pode ser compreendida a partir de uma coordenação de atividades mentais e invólucros corporais (BOZON, 2004; GOMES, 2008). A atividade sexual humana não é tãosomente “cobrir” o outro ser, conforme procedem os demais animais, mas é 35 compreendida como uma elaboração mental e um sentido que se vai dar. Outras interpretações acerca das sexualidades – diversidade sexual – podem ser feitas, isto quer dizer, como os roteiros sexuais também são indicadores de leituras diferenciadas sobre sexo e concepções de gênero. Diz Gagnon (2006) que “a experiência efetiva do sexual e o que é feito sexualmente pelos indivíduos resultam das circunstâncias particulares de aprendizagem de uma cultura específica [...] as pessoas aprendem a ser sexuais em culturas específicas e em grupos sociais específicos dentro de qualquer cultura.” (p. 217). Por outro lado, o que homens e mulheres roteirizam na intimidade costuma diferir, e existem prescrições e experiências específicas ligadas à conduta sexual conforme o gênero. Ao mostrar a importância da sexualidade Gagnon (2006) afirma que a vida sexual se assemelha a toda a vida social: é uma atividade provocada pelas circunstâncias sociais e culturais, e uma atividade que difere de uma era histórica para outra ou de uma cultura para outra (GAGNON e SIMON, 1973). Reporta Gomes (2008) que as emoldurações de gênero se estruturam e dinamizam na perspectiva relacional em que a masculinidade estaria calcada na não-significação do que é pertencente à mulher. Avança ainda propondo que as simbolizações relacionais de gênero circunscrevem as parelhas homem-mulher, mulher-mulher como também, homem-homem, impondo-os os arcabouços de masculinidade e feminilidade. As representações de masculinidade encontradas por Gomes (2008) e Guerriero; Ayres; Hearst (2002) têm no homem ativo em todas as conjunturas sociais e nas intimidades sexuais, como sedentos e dilacerantes por sexo, forte, mostra virilidade, imune à doença, desafiador e que se coloca diante de algum risco eminente. Os sentidos atribuídos à sexualidade é a busca incessante ao prazer e a sentinela prontidão sexual tornando-se um ritual constante – aprendizado técnico – da virilidade. O contexto cultural traz ainda em seu bojo mitos e muitos destes no que tange ao homem, continuam remanescentes na nossa contemporaneidade, tais como ereção e prontidão peniana ad eternnum, o tamanho do falo e esse, enquanto área única de erogenização, a supremacia do coito na relação sexual (NOGALES, 2006). Essas representações têm tamanha força e conformidade que homens e mulheres acabam entendendo enquanto verdades e levam essas representações também para os seus roteiros sexuais. 36 Neste arcabouço, cria-se uma masculinidade defendida por hegemônica que “se define a partir de práticas genéricas que expressam padrões aceitos para a posição dominante de homens e a subordinação de mulheres; relaciona-se a um tipo de masculinidade tida como exemplar...” (CONNEL, 2007 apud GOMES, 2008, p. 239). Quanto à construção da feminilidade, a mulher deve mostrar uma gramática corporal e de organização social do trabalho oposto ao do que representa os homens, e vice versa, principalmente no tocante às nuances, práticas e condutas sexuais. Sendo assim, quando essas inscrições estão num território outro, trocado de sexo, uma leitura será tomada e concebida pela homossexualidade. Portanto, se um papel ou uma expressão, atitude que se é esperada por um dos sexos e esta gramática incorpora o sexo oposto, é concebida e discutida numa versão homoerótica. Muitos homossexuais não se propõem a uma visibilidade social por receio ao rechaço, estigma e preconceito – homofobia – que podem sofrer diante da sociedade. Pode-se nos dar conta de que existem masculinidades, isto que dizer que, a heterossexualidade enquanto heteronormatização pode trazer subversões e nuances em condutas sexuais entre homens que dependendo do papel (ativo) não trará nenhuma arranhadura à sua masculinidade. Gomes e Nascimento (2006) verificaram situações roteirizadas sexualmente permitidas, sem nenhum interdito quando nos “jogos” [sexuais] infanto-juvenis, em populações privadas de liberdade e entre homens profissionais do sexo. Gomes (2008) quando aborda a questão da sexualidade masculina e a heterossexualidade – a heteronormatização – tomada no campo das ciências sociais, relata que embora concorde com os argumentos trazidos por Gagnon (2006) sobre o uso da nomenclatura preferência sexual, vai adotar a expressão mais corrente de orientação sexual. As normas sociais são dadas e impostas, nesse caso a “heteronormatividade”/heterossexualidade, como roteiros, mapas que orientam sem ser, no entanto, totalmente coerentes e sem contradições. Sendo assim, no seio de uma organização social é possível existir um padrão sexual dominante, a masculina e muitas experiências que fujam à norma, devem ser banidas, conforme apregoa a ala, instituições mais conservadoras da sociedade. Baseia-se na ideia de que existe uma luta constante em torno do que é tido 37 como moralmente certo, normal, legítimo em termos de sexualidade e gênero e que há uma hierarquização sexual na qual a heterossexualidade é considerada “saudável” à custa da estigmatização, degradação e mesmo criminalização da diversidade sexual. A cultura ocidental moderna, por meio de um esforço de estabelecer categorias de identidade pessoal ligadas à orientação sexual, levou à imposição da heterossexualidade como orientação sexual “natural”, “normal”, “saudável”, desde que praticada entre adultos, legitimada pelo casamento e associada à reprodução. Para Gagnon (2006) o aspecto da preferência sexual está na intimidade, o gênero do ator é que é desejado e não o sexo; esse desejo é um construto e não uma impressão instintiva; lança-se a querência pelo outro ator que se dará de forma instável e mutável ao longo da vida, isto é, a instabilidade tanto é interna (o que é desejável é mutável) quanto externa (quem é querido – do mesmo gênero ou de outro – também muda). As querências têm além do contorno de gênero, lugar circunscrito nas nuances técnicas, na raça/cor, na estética, no contexto, etc. No campo da diversidade sexual, a preferência sexual para Gagnon (2006) ou orientação sexual como acomoda Gomes (2008) a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo tem conotações diferenciadas em outras culturas e/ou outros momentos históricos (RISCADO, 1999). As expressões homossexualidade e homossexual vão aparecer no século XIX, após a publicação da obra Psicopatia Sexualis, do médico austríaco KrafftEbing, que ouvira milhares de confissões dos seus pacientes sobre a conduta sexual, porque estas desarranjavam uma ordem e pensamento oitocentistas sobre a sexualidade e tipo humano. O modelo de sexualidade familiar, conjugal e heterossexual representava a moral privada e supremacia burguesa sobre as demais classes sociais e povos (GOMES, 2008; RISCADO, 1999). Alguns autores tomam a categoria homossexualidade recheada de significados médicos e de medicalização e preferem o termo homoerotismo, como o estudioso psicanalista Jurandir Freire Costa (1992) que resgata o vocábulo no sentido de fazer transparecer e exprimir a verdadeira natureza dos amores masculinos (apud RISCADO, 1999). Gagnon (2006) diz que: Assim [...] a ideia de que existe homossexualidade ou a heterossexualidade, 38 é o resultado conjunto das mudanças ocorridas na vida social (inclusive na sexualidade) das sociedades ocidentais, desde o início do século XIX, e da ascensão de um aparato científico para pensar sobre o sexual [...] é consequência dos mesmos processos históricos, [...] a heterossexualidade, a homossexualidade e a ciência da ‘sexologia’ são produtos comuns das mudanças ocorridas na vida ocidental nos últimos duzentos anos. A pesquisa sobre a sexualidade, portanto, inventa fatos sociais, além de ajudar a promulgá-los. Essa ‘inventividade’ se estende à teoria da roteirização,... (p. 216 e 217). Não se deve, portanto, cair num reducionismo como mera questão de instintos, impulsos, genes, “hormônios”, etc.. Não se nega a importância da fisiologia e da morfologia como constituintes do que é materialmente possível em termos de sexualidade, mas não se considera que as predisposições biológicas produzam por si só, as condutas sexuais, a identidade de gênero ou a orientação sexual. Realizamos neste momento uma observação já pontuada por Parker (2001), porém desenvolvida por Gagnon (2006) e Gomes (2008) quanto à diferenciação entre comportamento sexual e conduta sexual. Assim, comportamento sexual deve ser compreendido como sendo unicamente as práticas corporais desempenhadas pelos seres humanos e não-humanos, enquanto conduta sexual salienta uma proposta de roteirização, constituída no plano da história do indivíduo, suas experiências e ideias. O teórico acima referendado repensa a sexualidade a partir de olhares em que não pertence única e exclusivamente ao exemplar humano; não se caracteriza enquanto fenômeno universal e nem é similar ao longo da história da humanidade e, tampouco, aos espaços culturais. CAPÍTULO 3 JUVENTUDE COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é entendida como o período da vida dos 10 até aos 19 anos, dividida em dois subperíodos de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos; e a juventude na faixa de 15 a 25 anos, o que compreende uma parte da adolescência e nessa, uma parte da juventude se acha imbricada. Já a Organização Interamericana da Juventude (OIJ) considera a juventude no intervalo de 15 a 29 anos (SPOSITO E CARRANO, 2003). Mas, a concepção de juventude atrelada a estágios de ciclo de vida ou aportada em uma determinada faixa etária vem sendo questionada conforme podemos verificar em vários estudos ensaístas (ABRAMO, 1997; LOPES et al., 2008; MAIA, 2010; PAIS, 1990; PAPPÁMIKAIL, 2010). É observado de longa data a necessidade de se refletir sobre o conceito de juventude, visando romper com as normativas imutáveis referentes a esse termo. Tal nomeação é cercada de um paradoxo atualmente estudado e discutido. A juventude enquanto “fase de vida” engloba indivíduos distintos, agrupados como “jovens” levando apenas como consideração a faixa etária destes. Enquanto categoria social, são passíveis de manipulação; apresentam universos sociais distintos, reconhecemse diferentes entre si, pertencem a classes – econômicas, culturais, e outras – variadas. O sentido de grupo perde em riqueza quando se observam as semelhanças e quando se estudam as diferenças e subjetividades que englobam a categoria (PAIS, 1990). Coloca o autor que a sociologia da juventude enlaça duas vertentes, ou seja, ou se aporta numa unicidade de juventude, encarada enquanto bloco massificado de indivíduos ancorados a uma dada faixa etária, ou a juventude é laçada enquanto conjunto social que tem em seu bojo diferentes parcelas de poder, diferentes culturas juvenis, diferentes contornos econômicos, diferentes ensejos ocupacionais. Portanto, colocar a juventude em uma ou outra esfera traz paradoxos e com eles vieses e interpretações equivocadas. Segundo Groppo:(2000), 40 A psicologia, a psicanálise e a pedagogia criaram a concepção de adolescência, relativa às mudanças na personalidade, na mente ou no comportamento do indivíduo que se torna adulto. a sociologia costuma trabalhar com a concepção de juventude quando trata do período interstício entre as funções sociais da infância e as funções sociais do homem adulto (p.14). A autora Pappámikail (2010) diz que os jovens por passarem por uma crise psíquica, marcada por períodos de dúvidas e instabilidades, cujos pressupostos vem marcadamente tecidos pelas Teorias Psicanalíticas se centraram na adolescência e não na juventude. Tais características acabam por rotulá-los de irresponsáveis, por ainda não possuírem maturidade suficiente para decidir sobre o rumo de sua vida. Entendem que para o conceito de “juventude” implica uma responsabilidade, uma vez que as condições entendidas como “responsabilidade” são aqueles rituais de passagem que os jovens precisam alcançar para a vida adulta: estabilidade profissional, moradia própria, conjugalidade e parentalidade, conforme partem da premissa Gonçalves; Coutinho (2008) que é pelo trabalho, principalmente, que conquistam autonomia financeira e, por extensão, independência individual, referência do ingresso na vida adulta. Contribuindo para elevar a juventude de mera fase da vida à categoria sociocultural, parece haver, também, uma crescente divergência entre os seus aspectos simbólicos e culturais e os aspectos especificamente fisiológicos do desenvolvimento do corpo. Significa isto que a análise de indivíduos jovens, aferindo a partir do seu estado de maturação biológica um estado psicossocial correspondente, perde progressivamente sentido quando nas populações progressivamente melhor nutridas se vai antecipando, em média, o início da puberdade. Ou seja, cresce-se mais cedo, mas emancipa-se cada vez mais tarde (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 398). O debate estabelecido por esses autores supracitados revelam quão ambíguo e ao mesmo tempo tênue os termos adolescência e juventude incitam. O primeiro reflete a lógica do desenvolvimento humano da psicologia, da pedagogia e da medicina, situando-o numa fase intermediária entre criança e adulto. Já o segundo debate reflete uma outra lógica. Ou seja, trata-se de uma categoria sociológica relacionada a status e papeis sociais. A obra de Groppo (2000) demarca muito bem essas lógicas, com posicionamento adotado para o termo juventude enquanto enquadramentos de pertença no que concerne ao ser humano adulto. 41 Assim, podemos refletir que as perspectivas de investigação no que se refere à adolescência voltam-se para o indivíduo propriamente dito, pensando as transformações psíquicas ocorridas e, enquanto os que tangem à juventude se importam com a relação entre o sujeito e a realidade social na qual ele está introduzido. Os autores Gonçalves e Coutinho (2008) partem de uma análise de dados coletados, por meio de entrevistas e grupos de reflexão, com 1500 jovens com idade entre 13 a 22 anos da Comunidade Bom Retiro, Duque de Caxias, na baixada Fluminense, no curso do Projeto Jovem Total. Os depoimentos oriundos de 39 jovens foram analisados e comparados, em categorias, a falas de outros jovens que vivem ou viveram em épocas e culturas diversas. Os temas abordados englobaram “vida, comunidade e perspectiva de futuro”; muito embora o tema principal discutido ao longo do texto tenha sido a família e suas relações, ideais e expectativas do ponto de vista do jovem. Os autores comungam da mesma percepção de Pais (1990), ou seja, durante a juventude ocorre uma crise psíquica em que o jovem é confrontado com realidades e pensamentos muitas vezes distintos de seu contexto familiar. Na aquisição de autonomia, o amadurecimento e a busca pela independência tornam a família vilã, árida e mocinho para o desenvolvimento do adolescente, ou seja, a família ocupa as faces da mesma moeda. Enquanto a “família real” permanece como campo de batalha, na “família ideal” prevalecem sentimentos de amor e paz, que revelam em parte o conflito do jovem descrito acima. Entende-se pois necessário que existam e se relacionem entre si, isto quer dizer, instituições sócias capazes de fornecer suporte a essa categoria social que, uma vez discordante dos valores familiares, necessita de um ancoradouro para seus questionamentos. Caso contrário buscarão suas respostas em espaços alternativos, em interlocuções outras, mais acomodativas. Possivelmente, a mais marcante na transição para a vida adulta é particularmente, a entrada no mercado de trabalho. A condição do jovem nesse mercado – desempregado, inativo, aprendiz, estudante em processo de aprendizagem – está longe da almejada estabilidade profissional. Tal dificuldade retarda a possibilidade de aquisição das demais etapas do amadurecimento – marcos de transição – proporcionando maior tempo de co-habitação com a família. 42 Nessa co-habitação passam então a ser cercados de conflitos interfamiliares, visto que o jovem desenvolve sua autonomia, sem gozar da liberdade que acredita, possuir, ser seu direito. Visando solucionar tal questão, substitui a tradicionalidade do casamento pela busca por outros tipos de laços (uniões sentimentais, estáveis, novas formas de sexualidade). Objetiva de maneira imediatista conquistar o status de adulto (PAIS, 1990). O autor acima traz para foco de discussão o seu País e reflete que em Portugal, durante as décadas de 60 e início da de 70, observou-se um fervilhar de jovens ingressantes em Universidades. Estas, que hoje são vistas como principal espaço para a juventude desenvolver todo seu potencial, seja ele social, seja científico; ainda eram cenários voltados apenas ao ensino de conhecimentos teóricos. Setores da sociedade portuguesa perceberam que para além do ambiente de educação, aquele era também um formador de pensamentos econômicos e políticos e, portanto necessitava então de uma reforma geral. Reflete Pais (1990) que de maneira simplória, o movimento de acesso estudantil a essas instituições de ensino justificou-se no ideal de que a inserção no mercado de trabalho estaria garantida na medida em que o jovem apresentasse conhecimentos técnicos suficientes, desconsiderando outras variáveis que afetam o mercado de trabalho, tais como a economia mundial, também observada na realidade atual, a crise dos Estados Unidos do Norte e a Comunidade Comum Europeia. Identificou-se que não apenas a educação garantiria a estabilidade profissional e, as taxas de desemprego frustraram esses jovens. Nesse contexto, surgiram os movimentos sociais, historicamente atribuídos à juventude. Nada mais eram do que a representação concreta dessas inquietações. Passou-se então a associar-se a Juventude “lutadora” e “utópica” das décadas de 60-70 a uma categoria social-problema. Esse olhar voltado a tal faixa etária estimulou os estudos sobre as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho. A realidade social define o termo juventude como uma categoria homogênea, caracterizada por indivíduos cépticos, individualistas, com dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, uso de drogas e violência, conflitos familiares, imaturidade. A juventude acaba por existir como representação social, porém afastada da realidade. A heterogeneidade dos jovens não é levada em consideração, muito menos são questionados sobre se os problemas que lhe são atribuídos são, de fato, 43 os seus problemas, se eles lhes pertencem. É sabido que alguns jovens, realmente, se percebem como parte dessa “juventude”, porém outros acreditam ser esta uma experiência particular de cada indivíduo, distante dos rótulos do senso comum As atribuições a determinadas fases da vida variam ao longo da historia. É notável que a juventude seja algo mutável, variando com a cultura e a época vivenciada. Os problemas que lhe são associados também variam com as questões a que estão sujeitados seu contexto histórico. A associação entre idade cronológica e atividades a se desenvolver depende da percepção do individuo e reconhecimento daquilo como sendo seu, ou ao grupo de pertença. Se tal percepção se assemelha entre a maioria dos sujeitos daquela faixa etária, esse conjunto de atitudes passa a ser entendido como “o normal”. Na dependência do impacto social – na perspectiva de gerar conscientização sobre – dessas representações, surgirão estudos e políticas públicas que atendam às suas necessidades. Para Pais (1990) um dos desafios ao se nomear uma categoria social é não permitir que tal “unificação” moldure as diferenças entre os sujeitos agrupados no termo. Quando aplicado ao termo juventude, parte-se do princípio de que devemos levar em consideração que o sentido de unidade se faz presente de maneira uniforme, consensual apenas ao serem considerados sujeitos de mesma faixa etária; e mesmo enquanto fase do ciclo de vida, já existem divergências conceituais sobre quando se inicia e termina a juventude, visto que características mutáveis biológica, cultural e historicamente interferem em tal nomeação. Essa questão pode ser observada nos levantamentos de Sposito (1997) onde mostrava a frequência da utilização dos termos jovem e adolescente às produções acadêmicas nacionais de 1981 a 1995. Detectou que, nesse período de 15 anos, tão somente 4% das produções assumiram a temática enquanto foco, e o pico maior foi no ano de 1985. Desses 4% das produções, o termo adolescente (15,2%) teve lugar protagonizado quando comparado ao termo jovem, que abrigou 13,5% da produção. E Sposito e Carrano (2003) promoveram um levantamento sobre políticas governamentais brasileiras, na esfera federal, voltadas para a juventude, conforme podemos visualizar a sistematização desse estudo num quadro mais adiante. Os problemas e representações divergem amplamente entre tais indivíduos. “a juventude aparece socialmente dividida em função dos seus interesses, das suas origens sociais, das suas perspectivas e aspirações.” Essa incapacidade de se 44 considerar uma juventude única, se alicerça também nas chamadas trajetórias biográficas, isto quer dizer, acontecimentos históricos e individuais se contrapondo e se somando na construção do saber. Quando consideradas “múltiplas”, observam-se caminhos distintos na busca do processo de tornar-se adulto. Dentre os jovens de um desses caminhos, existem trajetórias distintas. O que nos faz perceber que a Juventude deve, sim, ser considerada um todo, visto que fica então mais representativa e sujeita a uma maior atenção social, que facilita os avanços; homogênea quando comparada a outras juventudes em tempos distintos. No entanto, se comparada à juventude em um mesmo tempo histórico e cultural, observamos uma heterogeneidade de achados, pensamentos, valores e problemas; dificultando o falar em fenômeno socialmente homogêneo. É a dicotomia entre juventude enquanto fase de vida e enquanto categoria social. Maia (2010) em relação às suas reflexões sobre juventude e como forma de solucionar as controvérsias distanciando da perspectiva de reducionismo dessa categoria a faixas etárias do desenvolvimento humano propõe a Teoria das Representações Sociais e o método circunscrito na busca de dados oriundo espontaneamente no cotidiano para se atingir a uma objetividade diante do conflito emergido, isto quer dizer, deve-se definir a juventude antes da pesquisa de campo. O autor supracitado argumenta que há uma apropriação valorativa da juventude que perpassa pelo senso comum e que está contido uma definição tal que norteia comportamentos grupais. Quando falamos de juventude, estamos nos referindo ao momento posterior à infância, que envolve a adolescência e jovens adultos propriamente ditos. Mas, ao longo da história recente esses estágios do desenvolvimento humano tem se confundido, embolado, criando em alguns momentos miscelâneas e extensões de conceitos que trazem dissonâncias cognitivas, ora se falando de adolescentes, ora se abordando juventude, para que se possa a partir de concepções concretas, se delinearem ações e políticas públicas de saúde, como por exemplo, para o HIV/Aids. Mas por outro lado, conforme aborda Pappámikail (2010) que parte da premissa de que o estudo da juventude torna-se complexo devido ser essa uma etapa transitória e, ainda, a existência de várias juventudes, tendo em conta categorias como, região geográfica, das práticas e estresse que os atingem, das 45 identificações e, até mesmo, do sexo biológico, inclusive dentro de uma mesma juventude. Historicamente nas ciências sociais tem-se registrado um interesse constante sobre a juventude e os jovens. Um interesse que tem sido particularmente sensível às sucessivas representações, normativas e ideológicas, associadas àquela emergente categoria social. Da autonomia enquanto conceito à apreensão sociológica dos percursos de individuação nas sociedades contemporâneas, propõe-se neste artigo um breve percurso reflexivo (PAPPÁMIKAIL, 2010). A partir do modo como a sociologia tem tratado a categoria juventude e os sujeitos que ela engloba é que se pretende refletir sobre outro importante debate transversal às ciências sociais. Considera-se, portanto, que as reflexões e discussões que as juventudes e os jovens suscitam são, na verdade, um excelente gatilho para se repensarem termos tão centrais quanto banais nas ciências sociais (PAPPÁMIKAIL, 2010). A autora Pappámikail (2010) parte do princípio de que a categoria juventude é emergente enquanto categoria social, cuja definição aporta numa complexidade. O texto tem por propósito debater as bases teóricas dos estudos envolvendo a juventude por acreditar ser essa etapa de vida rica em possibilidades. Os jovens, mediante suas constantes inquietações, modelos comportamentais menos regrados e que podem subverter a ordem, acabam por inspirar estudos e pesquisas sobre conceitos difundidos na sociedade, em geral, sobre a modificação desses conceitos à luz da atualidade. Procura realizar uma reflexão sobre a transição de uma fase da vida para uma categoria social e das perspectivas sobre a juventude às experiências dos jovens. Remete que o eclodir da categoria, se assim pode ser chamada, juventude é algo moderno. Passa a ser percebida principalmente devido ao advento e obrigatoriedade dos espaços educativos (escolas, universidades, faculdades) que proporcionaram ambiente favorável para o desenvolvimento gradativo de relacionamentos interpessoais e experimentações de vida. Diz que a juventude, como a concebemos, envolve um período que antecede o casamento, marco forte na mudança para a vida adulta. Argumenta que o jovem é aquele que passa a gozar de alguma independência da família, sem, contudo, a ele ser permitido o desenvolvimento de trabalho produtivo. Tais significados simbólicos 46 e culturais, e não apenas as mudanças corporais além de favorecerem o entendimento da juventude como não apenas uma fase da vida, mas como uma categoria social nova, criam uma dicotomia: apesar de se amadurecer, sexualmente, cada dia mais cedo, o processo de “tornar-se adulto” acaba sendo cada vez mais postergado. Esse processo é marcado por uma crise psíquica e relacional em especial com a família. Assim, o jovem acaba tornando-se numa situação canhestra, ou seja, vítima e malfeitor, um bandoleiro social. O comportamento de risco experimentado pelo jovem torna-o mais propenso a ser protagonista de situações que ameaçam a ordem social, na busca por autonomia, bem como coloca-o em risco biológicos e sociais, visto que seu referencial de identidade é também aquele que é visto como limitante de seu desenvolvimento, na medida em que impõe regras e tenta ditar ações. Ao falar na possibilidade de existência de várias juventudes, devido aos territórios, das ações identitárias, as questões etnia e de gênero e outras, mesmo dentro da juventude, a autora diz ainda ser sabido que a conjuntura políticoideológica é determinante na formação desta. O sentido de juventude enquanto grupo rebelde pode ser remetido ao período pós-guerra, onde se tornou aparente um grupo populacional que apresentava resistência e culturas de desvio do padrão a época, um grupo com inquietações que até hoje marcam essa categoria social, o jovem. Pappámikail (2010) promove ainda algumas observações críticas a partir de uma agenda de investigação, tendo por objeto de estudo transições juvenis para a vida adulta. Aponta que o estudo do processo de tomada de autonomia, liberdade e independência pelo jovem é circunscrita por rituais de passagem. Assim, torna-se adulto aquele que possui emprego estável, moradia própria, casa-se e/ou constitui família. Apesar de bastante objetivas as etapas a serem alcançadas nessa fase transicional, não é observado o mesmo interesse em conhecer e entender as implicações subjetivas dessas mudanças no jovem e na sua família. Para muitos, o interesse em permanecer estudando, como possibilidade de melhor qualidade de vida no futuro, adia a saída de casa e o rompimento com a dependência familiar; para outros, a gravidez na adolescência acaba por antecipar esses referenciais. De qualquer forma, o “tornar-se adulto” a partir do cumprimento da sequência de 47 eventos citadas anteriormente como essencial, não é visto como algo obrigatório ou hegemônico pelos jovens atuais. Para a autora, o conceito de juventude é cercado de preconceitos, exemplificados pela necessidade de tornar-se adulto para, e nessa perspectiva, ser encarado como indivíduo maduro, responsável; é necessária uma mudança de identidade para ocorrer uma mudança social. E esses pré-conceitos, que tanto influenciam na formação do indivíduo, estão sendo estudados e derrubados. A autora procura concorrer para a objetivação do conceito de juventude tendo como marco autonomia, liberdade e independência. Busca pautar a autonomia enquanto a obtenção da identidade formada, da moral construída, a forma de escolher viver a vida. Não coincide com a tomada de independência, numa compreensão como a capacidade de ser autossuficiente financeiramente, isto quer dizer, que nem necessita desta para existir. Os jovens não querem esperar ter condições financeiras de se manterem sem auxilio da família para serem encarados enquanto autônomos, até porque com o mercado de trabalho atual a independência financeira torna-se um propósito desafiador. Essas perspectivas, que no passado por acontecerem em etapas cronológicas muito próximas, vislumbraram por se confundirem conceitualmente. É importante ressaltar, porém que, a autonomia pode ser limitada pela falta de independência e que ambas quando coexistem são socialmente mais valorizadas do que quando apenas a primeira está presente. Sendo a autonomia um vocábulo que remete, por um lado, para um dos valores matriciais e constitutivos da modernidade, num tempo em que o apelo normativo à autonomia individual é generalizado, e, por outro, para um processo social experimentado pelos sujeitos empiricamente, vale a parar por instantes e questionar, repensando, os conceitos a que de forma (demasiado) rotineira se recorre. É precisamente a esse exercício que este texto se dedica, no sentido de contribuir para debater as bases teóricas do estudo dos sujeitos jovens, concebendo-os a partir da diversidade das suas experiências de vida no tempo e no espaço, sem o peso excessivo que o uso normativo de tradições de pensamento e suas categorias de análise acarreta (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 396). A ambiguidade ainda vai emergir quando pensamos e admitimos liberdade por autonomia, isto quer dizer que, pode promover dúvidas e tende a ser confunditório. Refere-se à liberdade, à condição de cada ser humano de se decidir ou agir sem coerções, de forma que as expectativas se movimentem na própria 48 determinação. Isto é, poder tornar-se protagonista no meio de uma realidade social, coadunando com os limites estabelecidos pelas normas definidas. As intenções fazem parte de uma subjetividade, na articulação dos processos cognitivos, que irão se objetivar num agir. Mas, concomitantemente, as intenções podem ser autônomas na subjetividade e cerceadas na objetivação, como por exemplo, num impeditivo material ou simbólico – ditame parental ou falta de recursos – ou uma impossibilidade legal, que é conduzir um veículo com ingestão de álcool, na perspectiva da “Lei Seca”. Assim, os jovens podem ter sua autonomia – intenção, vontade de fazer determinada ação – porém não ter a liberdade para pô-la em prática, restando-lhes acomodar a situação, revoltar-se ou tentar barganhar e chegar a um consenso com aqueles que cerceiam a liberdade, sejam entes do círculo familiar ou setores sociais. Numa objetivação mais ampla, a dependência financeira parece ser o real marco da passagem da adolescência para a vida adulta, visto que seu prolongamento/adiamento é o principal fator de discussão dos trabalhos sobre a temática transicional. Pode afirmar-se com um razoável grau de segurança que a juventude, tal como se concebe actualmente (na sua dupla vertente de fase da vida e categoria social e cultural), é um produto da modernidade (PAPPÁMIKAIL, 2010, p.396). Além dos aspectos culturais e éticos que a modernidade introduziu na forma como se concebem os indivíduos, na vivência da família e no relacionamento intergeracional, foram fenômenos como a democratização do acesso ao ensino, bem como o prolongamento da sua obrigatoriedade e aumento da participação até aos níveis atuais, a também contribuir para um maior relevo social da juventude enquanto condição duplamente etária e cultural - (PAPPÁMIKAIL, 2010). Do ponto de vista do indivíduo, e no cerne dos muitos sentidos associados à juventude, permanece a ideia, portanto, de que o jovem é alguém inacabado, em processo de construção ou em devir” (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 399). É certo que há um forçoso carácter geracional nalgumas transformações sociais que marcam a contemporaneidade, uma vez que em cada tempo histórico são muitas vezes os mais jovens os primeiros a serem tocados por certas mutações que afectam, nomeadamente, a esfera da produção (aparecimento e desaparecimento de formas de emprego, a flexibilização e precarização nos tempos mais recentes, por exemplo) e da técnica 49 (desenvolvimento do imaterial através de novas tecnologias, para falar apenas de uma) (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 398). A diferenciação social, objetivada na multiplicação e multiplicidade de territórios de interação e construção de si, é tida como um dos traços incontornáveis da modernidade, pelo que a identidade parece ser cada vez mais concebida como um compromisso narrativo, provisório, que implica a articulação e a coordenação dos vários traços (heterogêneos e paradoxais, herdados e construídos) do sujeito que atua nesses diversos territórios (PAPPÁMIKAIL, 2010). A tese do prolongamento da juventude constitui uma primeira linha de abordagem a esta incontornável tendência de transformação social, que se impôs, de forma contundente aliás, nas agendas de investigação por todo o mundo11. Com efeito, à vista de todos, e em todas as sociedades ocidentais, têm-se acentuado tendências que apontam para o prolongamento da co-residência familiar e para o adiamento, dessincronização, e reversibilidade de rituais de passagem que antes permitiam uma identificação pacífica da transição para a denominada vida adulta: a estabilização profissional, a residência autónoma, a conjugalidade, a parentalidade (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 401). O filão teórico-empírico mais explorado pela sociologia da juventude nas décadas mais recentes tem sido precisamente investigar, não tanto como se vive a juventude, mas antes como dela se sai (PAPPÁMIKAIL, 2010). A dependência material de muitos jovens das suas famílias pode inibir o reconhecimento público da sua autonomia (identitária), mas não impede a sua construção. Muitos jovens respondem, justamente, reivindicando a autonomia como um dos principais eixos da sua identidade, traço que é interpretado em algumas pesquisas como o recurso sistemático a uma “retórica da autonomia” que seria típica na juventude actual (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 404). Posto de uma forma simples o conceito de liberdade constrói-se como propriedade primária da acção, onde confluem as intenções e motivações, por um lado, e o conjunto de potenciais restrições e constrangimentos exteriores ao actor, por outro (PAPPÁMIKAIL, p. 405). Em suma, a autonomia deve ser sempre entendida no contexto intersubjectivo do diálogo com a(s) alteridade(s), com as quais se estabelece, também, dinâmicas de poder simbólico que podem pôr em causa a simetria implícita à dignidade de cada indivíduo na interação (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 405). Assim sendo, a distinção entre estes três conceitos – autonomia, liberdade e independência – é apenas um dos trilhos possíveis para a recomposição crítica dos 50 instrumentos conceptuais, a oferecer novas abordagens do processo de individuação nas sociedades contemporâneas. A intersubjetividade e a individuação, tempos, espaços e lógicas sociais de construção de si à medida que o corpo cresce e tudo o resto se transforma, são portanto, os ingredientes fundamentais para a configuração de um olhar diferente sobre os indivíduos que, pela sua idade e identidade, são considerados e se consideram jovens. Tem crescido a atenção dirigida aos jovens nos últimos anos no Brasil, tanto por parte da “opinião pública”, notadamente os meios de comunicação de massa, como da academia, assim como por parte de atores políticos e de instituições, governamentais e não governamentais, que prestam serviços sociais. Nos últimos anos têm crescido as ações dirigidas aos jovens por todos os setores da sociedade. Dentre os meios de comunicação e os espaços destinados aos jovens existe uma diferenciação da temática: quando diretamente dirigida ao jovem, a grande mídia aborda temas como moda, lazer, cultura, música e estilo de vida; em contrapartida quando são assuntos de cadernos destinados aos adultos, os temas abordados são relacionados aos problemas sociais como drogadição, violência, crime e exploração sexual. Na academia tem crescido o número de trabalhos abordando o jovem como temática, porém a maioria aborda sistemas e instituições presentes em sua vida, de maneira incipiente surgem os estudos que abordam o jovem e suas experiências, percepções, formas de sociabilidade e percepção. No que diz respeito às políticas públicas direcionadas ao jovem, o Brasil começa a focalizar programas e políticas públicas específicas a esse público, separando-os dos programas das crianças, diferentes de países mais desenvolvidos que tratam dessa faixa etária de maneira específica há bastante tempo. A partir do levantamento de Sposito e Carrano (2003), procuramos sistematizar e construir um quadro, conforme exposto, que nos possibilitasse visualizar o comportamento desse fenômeno, na esfera de governo federal brasileiro. 51 Quadro 1– Informativos de políticas governamentais no Brasil. 2003. ÓRGÃO Ministério da Educação (MEC) Ministério do Esporte e Turismo (MET) PROJETO ANO FAIXA ETÁRIA DA JUVENTUDE PARCERIAS/CONVÊNIOS Programa de estudante em convênio de graduação (PEC-G) s/ informação 18 a 25 anos Parceria com Ministério das Relações Exteriores Projeto Escola Jovem Março de 2001 Ensino Médio BID e pelos estados da Federação Jogos da Juventude 1995 a 1999 e 2001 s/ informação s/ informação Olimpíadas Colegiais 2000 Adolesc. 12 a 14 anos e jovens 15 a 17 anos s/ informação Revelação de Talentos Projeto Navegar 1999 12 a 15 anos s/ informação Comunidades ribeirinhas / esportes náuticos 1997 Jovens de 18 anos Excedidos de Contingente Militar Ministério da Defesa Fundo de Amparo ao Trabalhador Sec. Est. Trabalho e Emprego e ONGs Preparação para o trabalho e para cidadania s/ informação Adolescentes em conflito com a Lei s/ informação Utiliza como base o ECA 1999 s/ informação s/ informação Utiliza como base o ECA Serviço Civil Voluntário Ministério da Justiça (MJ) Ministério da Saúde (MS) Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Ministério da Assistência e Previdência Social (MAPS) Programa de Reinserção Social do Adolescente em Conflito com a Lei Promoção de Direitos de Mulheres Jovens Vulneráveis ao Abuso Sexual e à Exploração Sexual Comercial no Brasil Programa de Saúde do Adolescente e do Jovem Conselho da Comunidade Solidária e CNPq Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão 10 a 24 anos s/ informação Ser uma escola para jovens e jovens adultos Articulação intra e interinstitucional em níveis Federal, Estadual e Municipais e ONGs Focaliza o jovem de nível técnico em fase de conclusão de curso ou recém formados Vulnerabilidade social, implantação dos centros da juventude Preparar o jovem para atuação intergerencional Estudantes, Escolas Técnicas e/ou Curso Superior com menos de 30 anos Jovem Empreendedor 1998 a 2002 18 a 29 anos Banco do Nordeste Estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Região Nordeste Ministério do Planejamento Programa Brasil Jovem 1998 a 2002 15 a 17 anos e 14 a 25 anos Ministério da Saúde Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano 2000 a 2013 Jovens de baixa renda Sec. Esp. Assistência Social, ONGs e Empresários Prêmio Jovem Cientista Desde 1981, interrupções em 1986 e 1987 Expressivamente elástica, estende o conceito de juventude à faixa dos 40 anos s/ informação Prêmio Jovem Cientista do Futuro 1999 Alunos do Ensino Médio s/ informação Moldes do Prêmio Jovem Cientista Programa Capacitação Solidária 1996 16 a 21 anos s/ informação Capacitação profissional Projeto Rede Jovem A partir de 1995 Jovens de baixa renda Estados da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo e ONGs Conectar jovens Articulação com seis Ministérios Programas EJA, Esporte Solidário, Pais nas Escolas, Qualificação Profissional do Trabalhador, Saúde do Jovem e Outros Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq) Presidência da República: Comunidade Solidária 1989/1999 terminologias diferentes OUTROS Brasil Ação/Grupo Juventude Dados: Sposito; Carrano (2003) Desde 2000 15 a 29 anos 52 Aqui construímos esse painel a partir do levantamento de Sposito e Carrano (2003) – os autores destacam que embora o acesso a essas informações tenha sido bastante caótico – e nos revelam, quando olhamos panoramicamente, que dois conceitos foram vigorosos nos documentos dos órgãos do Governo Federal e Organizações Não Governamentais (ONGs), isto quer dizer, que os projetos e programas estavam ancorados na juventude enquanto protagonismo juvenil e jovens em situação de risco social, porém demarcadamente por faixas etárias. Refletem que essas concepções foram muito mais apontadas por apelo social que ideias aportadas em diagnósticos sociais e reflexões analíticas sobre a temática juventude. Diferentemente do estado e suas ações, as instituições e agências do trabalho social tem desenvolvido trabalhos e intervenções com esse público alvo, priorizando grupos de vulnerabilidade social ou risco. Deste setor não governamental os projetos são diversos variando entre ressocialização e capacitação profissional que no fundo buscam conter o risco real da ociosidade dos jovens e projetos que visam formação para cidadania baseados nos problemas sociais que afetam a juventude, mas no fundo tomam o jovem como problema sobre o qual se faz necessário uma intervenção. Maia (2010) coloca que estudos como os de Alves (2005) e de Oliveira (2006), nos quais se discutem gênero, raça/etnia, violência e têm sua aplicabilidade voltada para se pensar e elaborar as políticas públicas. Diante das abordagens atuais sobre tratamento com o jovem, fica notória a necessidade de informação, conceituação, pedagogia e metodologia específica ao público alvo, subsidiando o tratamento singularizado de adolescentes e jovens. A maioria dos programas desenvolvidos surge de forma obscura, da pragmática concepção que ‘adolescência é mesmo uma fase difícil, conturbada’ e, diante desse quadro, raras são as exceções que tomam como base o protagonismo juvenil, tratando os jovens como colaboradores e partícipes nos processos educativos. No que diz respeito aos atores políticos e à relação com a juventude, existe ausência dos jovens nos espaços e canais de participação política, o que gera preocupação e ao mesmo tempo não existem abordagens das questões políticas relativas ao jovem, o que contribui para esse afastamento. Tal desinteresse pela política e questões sociais acaba sendo resultado da acentuação do individualismo e pragmatismo dos jovens, tornando-os apolíticos. Numa retrospectiva histórica, vale salientar a participação da juventude entre os anos 1930 e os anos 1970 na política, 53 sendo a geração dos anos 80 marcada por enfraquecimento dos atores estudantis e atuações juvenis desqualificadas para a política, com atuações que tendem mais à festa propriamente dita que a politização de fato. Veladamente, existe uma preocupação dos atores políticos em manter o desinteresse da juventude pela esfera pública, devido, provavelmente, ao temor da inserção desse setor da sociedade nos processos de construção e consolidação da democracia. Existe uma dificuldade de considerar os jovens enquanto sujeitos e isso fica exemplificado quando se pesquisa a relação entre jovem e cidadania. Os resultados são relações enquanto mote da denuncia de privação e quase nunca como sujeitos capazes de participar dos processos de definição, invenção e negociação de direitos e a razão disto muito se deve a como é tematizada a juventude no ocidente, na contemporaneidade. Juventude é tratada como retrato projetivo da sociedade e a mesma vira objeto de atenção quando representa uma ameaça de ruptura com a continuidade social. Ao mesmo tempo, a sociologia observa a juventude como momento “específico e dramático de socialização”, “sendo momento crucial para a continuidade social”, e abordam como temática apenas as falhas nessa integração social. A visão ocidental da juventude desde a metade do século XX, deposita um alerta e ao mesmo tampo uma expectativa sobre a mesma, sendo a categoria passível de “atitudes de contenção, intervenção ou salvação”, sendo difícil o estabelecimento de troca, diálogo e intercâmbio, sendo marcada por mudanças no entendimento dos jovens ao longo dos anos. Agora nos idos de 2013, as convocações por vozes engajadas e conscientes da realidade política e social do País, a juventude até então, no momento, vista como apática diante dos desmando de corrupção, desvio do dinheiro público e uma classe política governamental que vilipendia a saúde, a educação e outras, foi provocada para uma tomada de atitude. Na história recente do País, em outros momentos sociopolíticos, os jovens foram às ruas em movimentos pela restituição do estado de direito, pelas ‘Diretas Já’, os ‘Cara Pintada’ na destituição de poder de um presidente da república considerado corrupto. Os jovens ouviram o clamor da sociedade e tomaram os espaços públicos em todo Pais, mobilizados pelas redes sociais, impondo as revindicações por um não aumento das passagens dos transportes públicos ou não e exigindo o passe livre. Mas essa iniciativa abraçou 54 também outras causas que incomodavam essa sociedade no que tange às condições de saúde (‘saúde padrão FIFA’), educação (‘educação padrão FIFA), etc, referindo-se aos gastos descomedidos, exorbitantes com a (re) construção dos estádios de futebol exigidos pela FIFA, por ocasião dos eventos futebolísticos de 2013 e 2014, Parece-nos que nesse episódio a sociedade solicitou uma tomada de atitude da juventude diante dos fatos, plausível que fosse, uma vez que a juventude se evidencia sob o signo da mobilidade. Esse é o tratamento que a sociedade dispensa ao indivíduo, ao atribuir-lhe um papel social, dizendo-lhe sobre a função que ocupa, e o lugar do contexto que especifica e determina tal período da vida, abdicando os valores da infância e a inserção na esfera da vida adulta. Desse modo, a idade converte-se em fator mutável para classificar criança, jovem ou adulto, pois a dependência infantil e a autonomia indicativa de maturidade são relativas. Conforme Levi e Schmitt (1996) apud Bayer (2008), nenhum limite fisiológico basta para identificar analiticamente uma fase da vida que se pode explicar melhor pela determinação cultural das sociedades humanas, segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de atribuir ordem e sentido a algo que parece tipicamente transitório, vale dizer caótico e desordenado (p.268). Nos anos 50, a visão da adolescência era marcada como fase de vida turbulenta, devendo ser “pastoreada” pelos adultos devido à predisposição a transgressão e delinquência, os famosos “rebeldes sem causa”. Esse panorama muda nos 60 e parte dos 70, quando toda uma geração ameaçava a ordem social tanto no plano político quanto cultural e moral pela atitude critica à ordem estabelecida e pelo desencadear de atos concretos em busca de transformação. Tal comportamento condensou o pânico da revolução pela sociedade frente a juventude, marcando um ganho de visibilidade para a categoria pelas lutas contra regimes ditatoriais, participação nos partidos de esquerda e entidades estudantis, sendo os mesmos alvos da ação repressora do estado. Posteriormente, a essas ações repressoras, ocorre o refluxo dos movimentos juvenis o que paradoxalmente reelabora uma visão positiva da juventude tomando a geração de 60 como modelo por sua rebeldia, idealismo, inovação e utopia, características agora essenciais à juventude. 55 A geração de 80 é marcada como oposta aos anos 60, por seu individualismo, consumismo, conservadorismo e sua indiferença aos assuntos públicos, uma geração apática. E, a apreensão da sociedade passa a ser o ‘fim da história’ pela juventude, negar seu papel de contribuidora de mudança. A geração de 90 muda um pouco e é marcada pelas figuras juvenis nas ruas, envolvidos em diversos tipos de ações individuais e coletivas, tais como, meninos na rua e em risco social, surf ferroviário, gangues, as galeras, vandalismo, e outras. Retomando a visão dos anos 50, concentrando a atenção nos problemas de comportamento dos jovens. Os jovens aparecem como vítimas e promotores de uma ”dissolução do social”. Por serem vitimas e promotores dessa dissolução, são tidos como encarnação de todos os dilemas e dificuldades que a sociedade tem enfrentado, não podendo ser vistos, ouvidos e entendidos por esse viés. Dois filmes levantados no texto de Abramo (1997) – “O que é isso companheiro?” e, “Como nascem os anjos” - acabam demonstrando como o jovem é visto pela sociedade. Apesar dos roteiros acontecerem em décadas diferentes, 60 e 90, respectivamente, ambos colocam o jovem como manipulados pelo destino, nunca como protagonistas reais das ações. Tal processo de vitimização frente à lógica do sistema acaba mantendo “invisível e impensável qualquer tipo de positividade das figuras juvenis”. Quando o jovem é visto e tratado como um emblema, é impossível não desqualificar sua atuação enquanto sujeito. Só recentemente tem ganhado certo volume o número de estudos voltados para a consideração dos próprios jovens e suas experiências, suas percepções, formas de sociabilidade e atuação (ABRAMO, 1997). Essa premissa pode ser observada nas investigações de Yonekura et al. (2010), que mapeiam a partir de dados sociodemográficos e econômicos as desigualdades sofridas pelos jovens da cidade de Santo André, SP. Esse trabalho situa os sujeitos de pesquisa na ordem de 15 a 25 anos, tendo como parâmetro o Censo de 2000. Santos e Mandarino (2005); Silva, Santos; Licciardi; Paiva (2008), ambos os estudos estão na pauta a juventude tendo a orientação religiosa e a religiosidade enquanto espaços preferenciais de lazer e de norte para com o movimento da sexualidade. Quanto à pesquisa de Tavares (2010) que aporta na juventude e sexualidade masculina no contexto do lazer e da cultura, remete inicialmente o texto para a categoria juventude e afirma que o conceito mais difundido está ancorado no de 56 gerações, desenvolvido por Mannheim (1952), instigado na noção qualitativa de tempo e como esse tempo está pautado no processo de mudança social. Diz, “a juventude inserida num processo de formação de ‘uma unidade geracional’ diversa, frente à subjetividade de seus atores, realiza-se na busca de suas metas íntimas, do espírito de seu próprio tempo” (p. 1). Quanto aos seus sujeitos de investigação observamos no desenho metodológico que esses estão situados entre os 17 e 27 anos, sem que com isso traga alguma arranhadura nos resultados. De um modo geral, pode-se dizer que a “juventude” tem estado presente, tanto na opinião pública como no pensamento acadêmico, como uma categoria propícia para simbolizar os dilemas da contemporaneidade. A juventude, vista como categoria geracional que substitui a atual, aparece como retrato projetivo da sociedade. Nesse sentido, condensa as angústias, os medos assim como as esperanças, em relação às tendências sociais percebidas no presente e aos rumos que essas tendências imprimem para a conformação social futura (ABRAMO, 1997). O estudo de Yonekura et al. (2010), procura analisar as desigualdades sociais e situa seus sujeitos de pesquisa enquanto jovens de 15 a 24 anos de idade. Assim, os pressupostos, os argumentos e as bases de sustentação dos argumentos são alicerçadas em “juventudes” descritas ao longo do artigo enquanto indivíduos da mesma faixa etária que experimentam a vida, em todas as suas variáveis, de maneiras distintas. Apesar de inseridos na mesma sociedade, apresentam espaços sociais distintos. A partir desse entendimento é que as políticas sociais públicas dirigidas a esses grupos devem ser pensadas, lembrando que tais iniquidades propagam a manutenção do nível intelecto-sócio-econômico-cultural, levando a impossibilidade de mudança de vida nas futuras gerações. Lopes et al. (2008), dizem que: o debate acerca das concepções com relação à juventude e à adolescência é essencial, pois a partir delas serão retratadas e interpretadas suas formas de ser e estar no mundo e, além disso, a maneira como a sociedade se organiza na atenção a essas fases da vida, especialmente o modo como são configurados os direitos e os deveres dos adolescentes e dos jovens e quais são as ações sociais e políticas reivindicadas (LOPES, 2008, p. 65). Nesse estudo, os autores remetem seus argumentos às categorias de desenvolvimento humano, criança e adolescente, e partem do pressuposto que os jovens são um grupo bastante sujeito a vulnerabilidades, em especial no ambiente 57 escolar, e nas bases de sustentação dos argumentos reportam as categorias crianças, adolescentes e jovens, seja discutindo o quadro de violações dos direitos, seja em outras instancias. As categorias jovem e juventude não são marcadas enquanto tal, e por isso deixa o leitor à deriva da compreensão. Pactua Alves; Muniz; Teles (2010), a concepção de que a adolescência é defendida como o período de transição entre a infância e a idade adulta, caracterizada pela instabilidade emocional, mudanças corporais e sociais. Os dois últimos estudos do IBGE (2012a; 2012b) sobre a evolução sóciodemográficas da população – referendado na análise dos resultados dos Censos Demográficos, a partir de 1940 e da Contagem da População 1996, que trata do processo evolutivo da população jovem e suas características diferenciais, tais como sexo, raça/cor e composição urbana/rural e, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1992 a 1995, em que se discute a questão da mulher sobre a ótica da esfera educacional, trabalho, fecundidade e nupcialidade, estão assentados a população jovem na faixa etária de 15 a 24 anos. Vale ressaltar que esse contingente populacional eles os situam enquanto jovens e adultos jovens. Os estudos acima referendados do IBGE, partem do princípio de que o segmento jovem de 15 a 24 anos é de grande valia o seu status na realidade social por se constituir na extensão do político e da cultura. Os grupos etários 15/17 anos, 18/19 anos, 20/24 anos se constituem na interface dos significados sociológicos, apresentando características próprias. Consideram que, jovens são pessoas dessa faixa etária, de 15 a 24 anos, porque determinam certas características clássicas entre as quais se destacam a do ponto de vista educacional, possuírem condições de terem terminado ao menos o curso fundamental, possibilidade de ter inaugurado, com sua presença, o mercado de trabalho, segundo a legislação atual. Souto de Oliveira (1999) veio nos informar que esta definição de juventude pela faixa etária é muito ambígua, argumentando que a questão do jovem é muito complexa desde a própria definição do termo jovem. Discute estes limites etários na movimentação – estrutura e dinâmica – da própria sociedade, ao logo dos tempos. Ao longo dessa reflexão, podemos observar que os estudos nem sempre utilizam “juventude” no sentido de categoria sociológica, ou seja, ora usam como sinônimo de “puberdade e adolescência”, ora utilizam como fase posterior a ela. Assim sendo, a partir deste ponto e diante de uma diversidade de dissonâncias cognitivas frente ao conceito de juventude como categoria social, 58 iremos situá-la como um período intermediário entre os status e papéis da infância e os da vida adulta, integrando indivíduos particulares que comungam e vivenciam uma teia de relações sociais particulares, atreladas a contextos sócio-históricos e culturais. CAPÍTULO 4 JUVENTUDE MASCULINA E AIDS: VIVENCIANDO A SEXUALIDADE As ações desse campo devem estabelecer prioridades em termos de alcance, buscando considerar os segmentos masculinos apontados – principalmente os mais jovens – como de maior vulnerabilidade (SILVA et al., 2002; GUERRIERO et al., 2002; ABRAMOVAY et al., 2004). Trabalhar com os relatos de homens jovens pode favorecer ancoragens para ações preventivas que se aproximem mais da realidade desse público e que tenham maior possibilidade de adesão aos cuidados que devem ser tomados para que não haja um comprometimento da sexualidade, ocasionado por doenças, aí se incluindo a Aids. O estudo de Rebello e Gomes (2012) sobre as narrativas na atitude de homens jovens universitários em relação aos cuidados preventivos com a Aids observou que, em termos de sexualidade, a primeira relação sexual ocorreu em torno dos 17 anos e que esta não foi planejada. Esses universitários informaram ter usado preservativo na primeira relação. Esse trabalho é parte da pesquisa “Sexualidade Masculina e Cuidados de Saúde”. A obtenção dos relatos teve como disparador o slogan da campanha do Ministério da Saúde realizada no carnaval de 2008, que levantava a seguinte questão: qual sua atitude na luta contra a Aids?. Objetivou analisar as narrativas de homens jovens, com foco nos sentidos atribuídos à sexualidade e à prevenção da Aids. Apresenta como desenho metodológico o estudo de narrativas de vinte e dois homens jovens universitários, tendo como marco conceitual teórico os conceitos de masculinidade hegemônica e roteiro sexual. As narrativas foram coletadas por entrevistadores do mesmo sexo/gênero e de faixa etária próxima à dos entrevistados, ambos com formação em ciências humanas. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados com base na técnica universos familiares, apresentam idade entre 21 e 24 anos e, possivelmente, tiveram a sua iniciação sexual na década de 90. Ao longo do texto, os autores Rebello e Gomes (2012), sinalizam para as narrativas dos sujeitos entrevistados serem universitários e, portanto, podem ser vistos como um alvo privilegiado das campanhas de prevenção da Aids, uma vez 60 que tanto podem melhor compreender as mensagens dessas campanhas, como ter acesso a outras informações para desenvolverem ações preventivas. Entretanto, nas narrativas de alguns deles, observam-se roteiros sexuais influenciados pelo modelo hegemônico de ser homem. Assim, alguns deles sugerem que o cuidado não é prerrogativa masculina, associando-o à instância do feminino. Outros recorriam à ideia de que os homens nem sempre conseguem usar o preservativo por causa de a sexualidade masculina ser desenfreada. Há ainda a ideia de que, no ato sexual, o prazer e a emoção têm ascendência sobre a razão. Junto às ideias hegemônicas de que o exercício da masculinidade compromete a prevenção da Aids, mais especificamente o uso do preservativo, há ideias que apontam para a existência de outros modelos de masculinidade. Nesse sentido, há jovens que aderem ao cuidar de si, traduzido por uma preocupação com o corpo, principalmente em termos de alimentação e higiene. Chama a atenção, na escuta das narrativas dos sujeitos de pesquisa de Rebello e Gomes (2012), que o uso do preservativo, quando priorizado na primeira relação sexual, vai sendo abandonado nas relações sexuais que se sucedem. Os autores das narrativas argumentam que a intimidade que vai sendo construída nos relacionamentos possibilita este tipo de atitude e que no caso de parceiras eventuais o preservativo é sempre priorizado. As narrativas destacam a necessidade de se rever as ações de saúde voltadas para cuidados com a sexualidade masculina, no sentido de ampliar a discussão sobre o tema, levando em conta aspectos culturais associados à construção da identidade dos sujeitos e espaços onde os homens sintam-se à vontade para buscar informação e atendimento que o levem a uma atitude de prevenção. Em contrapartida, tanto as críticas dos jovens às reduções das campanhas de prevenção da Aids, quanto a presença de outros modelos de masculinidade, em suas narrativas apontam para a possibilidade de se promover um maior investimento na promoção dos cuidados com a sexualidade, junto aos segmentos masculinos. Na análise do trabalho, os autores privilegiaram – como marco conceitual teórico – os conceitos de masculinidade hegemônica e roteiro sexual. A masculinidade hegemônica expressa ideias, fantasias e desejos que fornecem modelos de relações entre homens e mulheres, naturalizando as diferenças e as hierarquias de gênero (GOMES, 2008; CONNEL, 2002). Essa masculinidade 61 ancora-se, pelo menos, em dois eixos: a dominação dos homens e a perspectiva heterossexuada do mundo (KEIJZER, 2003). Além desses eixos estruturantes, ela costuma ser associada ao ideal de um homem viril, forte, invulnerável e provedor, que embora tenha sido abalado pelos movimentos feministas e de gays (CONNEL, 2002), ainda costuma servir de referência para alguns segmentos masculinos, mesmo que seja no plano da idealização. Quanto ao conceito roteiro sexual, entende-se como um conjunto de elementos simbólicos e não verbais que estruturam uma sequência de condutas organizadas e delimitadas no tempo, nomeando os atores dessas condutas, descrevendo suas qualidades, indicando motivos do comportamento dos participantes e encaminhando a finalizações exitosas (GAGNON, 2006). Outra ideia associada a roteiro sexual é do sociólogo Bozon (BOZON, 2004) que aborda o conceito de scripts sexuais. O autor entende que todas as experiências sexuais são construídas como scripts, “ou seja, foram apreendidas, codificadas e inscritas na consciência, estruturadas e elaboradas como relatos" (BOZON, 2004, p.130). Devido à sexualidade humana ter limites, os scripts sexuais irão descrever os cenários de uma sexualidade possível. Com base nesse referencial, o estudo de Rebello e Gomes (2012) tem como pressuposto que, para além da escolaridade dos homens, as marcas identitárias masculinas hegemônicas influenciam tanto os sentidos atribuídos à prevenção da Aids como a adesão a essa prevenção. Ainda sobre o estudo acima referendado, os sujeitos das narrativas – por serem universitários – podem ser vistos como um alvo privilegiado das campanhas de prevenção da Aids, uma vez que tanto podem melhor compreender as mensagens dessas campanhas, como ter acesso a outras informações para desenvolverem ações preventivas. Entretanto, nas narrativas de alguns deles, observam-se roteiros sexuais influenciados pelo modelo hegemônico de ser homem. Assim, alguns deles sugerem que o cuidado não é prerrogativa masculina, associando-o à instância do feminino. Outros recorriam à ideia de que os homens nem sempre conseguem usar o preservativo por causa de a sexualidade masculina ser desenfreada. Há ainda a ideia de que, no ato sexual, o prazer e a emoção têm ascendência sobre a razão. Apesar de o trabalho envolver entrevistados com um nível intelectual elevado, torna-se visível a persistência das questões de gênero relacionadas ao cuidado com 62 a saúde. Ainda é hegemônico a ideia de “cuidado pertencendo ao feminino” e de que o uso do preservativo é mais importante quando se aumenta a frequência dos relacionamentos sexuais ou o número de parcerias. É necessário o entendimento de como os papeis de gênero e os cenários, personagens e enredos sexuais se entrelaçam e interferem no conceito e ações de saúde. Mesmo sendo importante um olhar diferenciado quanto à prevenção da Aids com foco em homens que fazem sexo com homens, faz-se necessário aprofundar a questão. No caso das relações homossexuais masculinas, o estudo de Gondim e Kerr-Pontes (2000), por exemplo, destaca que: (a) relações sexuais desprotegidas não são necessariamente inseguras para o HIV, desde que ocorram numa relação mutuamente monogâmica entre dois parceiros soronegativos; (b) quanto mais emocionalmente envolvidos com o parceiro, menor percepção de vulnerabilidade com relações sexuais desprotegidas estes indivíduos irão apresentar e (c) o sexo desprotegido pode ser motivo de grande excitação. Entretanto, guardadas as devidas especificidades, essa reflexão pode ser ampliada para as relações heterossexuais, permitindo que se ultrapassem os limites da estigmatização. Assim, monogamia, envolvimento emocional e excitação com o sexo desprotegido podem ser aspectos decisivos para a prevenção ou não da Aids, independentemente, de se tratar de relações entre parceiros do mesmo sexo ou de sexos diferentes. A investigação de Fontanella e Gomes (2012), conjecturou condutas de prevenção à Aids na iniciação sexual de homens jovens e na compreensão sobre o uso não consistente do preservativo, objetivando caracterizar aspectos das significações simbólicas das práticas sexuais de jovens do sexo masculino. Realizaram entrevistas com quarenta e dois sujeitos, cujas iniciações sexuais começaram no final dos anos 90. Foram abordadas qualitativamente por meio de análise de enunciados e interpretadas sob as perspectivas teóricas dos roteiros sexuais e do habitus masculino. Os sujeitos entrevistados enfatizaram a importância de exames sorológicos e da análise biográfica das parceiras na perspectiva da "confiança" e tenderam a utilizar uma semiotécnica – conjuntura corporal – não fundamentada para avaliar o estado de saúde das parcerias. Estabeleceram uma tipologia dual: parcerias "não fixas" e "fixas", exercitando respectivamente dois tipos de roteiros quanto ao uso do preservativo: para prevenção das DST/Aids e gravidez ou tão somente para prevenir gravidez. As narrativas resultaram dentre outros fatores, de um processo de biomedicalização de aspectos de suas sexualidades e 63 de anseios de relacionamentos afetivo-sexuais estáveis e monogâmicos. Entre os participantes, as importantes e recentes mudanças nos roteiros sexuais intrapsíquico e interpessoal não parecem ser, por hora, acompanhadas de mudanças igualmente profundas nos roteiros culturais ou de ‘habitus’ masculino. É bastante visível a dicotomia quanto ao uso ou não do preservativo a depender do tipo de parceria relacionada, se “fixa” ou “não fixa”. De maneira tradicional, o uso do preservativo parece ter mais valor na prevenção de DST quando se desconhece o “estado sorológico” de sua parceria, de modo que fatores como confiança e análise biográfica (status social e comportamento, por exemplo) parecem negativá-lo, mesmo na ausência de teste laboratorial específico. Observase ainda um descompasso entre roteiros sexuais intrapsíquicos e culturais, sendo o conhecimento acerca do modo de transmissão da doença HIV/Aids conhecido, porém negligenciado em inúmeras ocasiões apesar do já referido medo de contaminação. Cunha e Gomes (2012) objetivaram analisar a influência dos modelos de masculinidade compartilhados pelo senso comum nos enredos sexuais de homens de intervalos de gerações diferentes. Busca-se, ainda, analisar se esses modelos influenciam o autocuidado de homens que, em princípio, têm acesso à informação. O desenho metodológico é de análise de narrativas. As fontes analisadas são parte do acervo de duas pesquisas qualitativas realizadas na cidade do Rio de Janeiro – A construção da masculinidade como fator impeditivo do cuidar de si e Sexualidade masculina e cuidados de saúde – com homens com curso superior e universitários, que tiveram iniciação sexual nos anos 1970 e 1990, respectivamente. A seleção dos sujeitos foi realizada a partir do critério de universos familiares. O estudo foi dividido em três etapas: a primeira buscou compreender o contexto das narrativas de construção da sexualidade e de autocuidado em saúde de homens de duas gerações distintas; a segunda, desvendar os aspectos estruturais da narrativa; e a terceira elaborou uma síntese interpretativa, em que os dados revelados pelas narrativas dialogaram com contexto sócio-histórico. Apesar da diferença temporal existente nos grupos apresentados neste trabalho, observa-se que a mudança em relação ao cuidado com a saúde sofreu pouco implemento. Mudanças importantes ocorreram principalmente nos cenários e personagens sexuais; porém, ainda persiste o ideal de masculinidade que se torna um impeditivo na busca por ações preventivas e curativas. Podemos inferir que tais 64 atitudes sejam o reflexo do modelo educacional familiar, alicerçado nos valores culturais do que é socialmente construído e, portanto, aceito e esperado, dos papeis de gênero. No entanto, apesar desse modelo hegemônico, consegue-se visualizar um grupo que apresenta uma mentalidade diferenciada acerca dos cuidados com seu corpo, estando inclusos ai aqueles homens que buscam o serviço de saúde e protegem-se contra doenças sexualmente transmissíveis, sem atribuir apenas à mulher o papel de cuidar do bem estar comum. 4.1 - Vulnerabilidade e Aids As terminologias ou mesmo conceitos tais como grupo de risco, comportamento de risco e vulnerabilidade se fazem acompanhar paralelamente e, até mesmo se confundem na construção social da Aids, pelo menos no início da epidemia. Os dois primeiros tiveram seus momentos de contradições e conflitos, porque traziam em seu âmago, campos de discriminação, estigma e preconceitos. Muitos dos indivíduos, por conta das marcas identitárias estigmatizadoras em torno de grupos de homossexuais, prostitutas, drogaditos, negros haitianos, foram levados ao rechaço e à morte social (CALAZANS, 2011; RISCADO, 1998). No início da epidemia o fato de incorrer, naquele momento, em homens homossexuais, esta foi caracterizada por ‘Peste Rosa ou Peste Gay’, tanto que se postulou a denominá-la de Gay Related Immuno Deficiency (GRID), muito antes de ser nomeada e estandardizada de Aids, para as línguas anglo-saxônicas e, SIDA para as línguas neolatinas (CALAZANS, 2011; RISCADO, 1998). Tangenciava a compreensão societária que também os gays masculinos eram responsáveis pela transmissão. Posteriormente, foram incluídos outros grupos societários, como drogaditos, prostitutas e negros haitianos. Esses segmentos traziam um invólucro estigmatizador, pois eram possuidores de estilos de vida nada conservadores, considerados subversivos das normas, isto quer dizer, promoviam a liberalidade das práticas sexuais e o uso/abuso de substâncias químicas. Relatam Ayres, Calazans, Saletti Filho (2009) que é na área da advocacia internacional pelos Direitos Humanos Universais que se vai cunhar o conceito de 65 vulnerabilidade e arrastar a partir dos movimentos sociais qualificando-os para os discursos e adoção de “novas” práticas da saúde pública e a ganhar o perfil e seus aspectos particulares que se detém na atualidade. Atinha-se, naquele momento de gênese, a grupos ou indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seus direitos de cidadania. Na atualidade visualizamos o conceito de vulnerabilidade, quando se coloca que todos os seres humanos, independentemente do seu estilo de vida, encontramse num estado de exposição ao risco. Buchalla e Paiva (2002) fazem um estado da arte das tendências das pesquisas com populações e/ou grupos estudados que historicamente se mostram mais vulneráveis à infecção ou ao adoecimento, por conta, principalmente, da maior dificuldade de acesso a serviços públicos de saúde, de educação, de moradia, de lazer, de trabalho e outros direitos. Apontam que historicamente na categoria “gênero” o foco se deteve nas mulheres e dizem da urgência em conduzir estudos entre homens jovens ou adultos frente ao controle da epidemia. Concluem que A vulnerabilidade de um grupo à infecção pelo HIV e ao adoecimento é resultado de um conjunto de características dos contextos político, econômico e socioculturais que ampliam ou diluem o risco individual. Além de trabalhar essas dimensões sociais – vulnerabilidade social – é um desafio permanente e de longo prazo no sentido de sofisticar os programas de prevenção e assistência, abrindo espaço para o diálogo e a compreensão sobre os obstáculos mais estruturais da prevenção e sobre o acesso e para as experiências diversas com os meios preventivos disponíveis – vulnerabilidade programática – para que, no plano das crenças, atitudes e práticas pessoais – vulnerabilidade individual – todos, significando cada um, possam de fato se proteger da infecção e do adoecimento (p.118-119). Ayres, Calazans, Saletti Filho (2009) reportam que mesmo David Ho e o ‘coquetel’ de medicamentos terem sido as celebridades em 1996, na XI Conferência Internacional de Aids, em Vancouver, não foram tão pouco colocadas em segundo plano, a sistematização do acúmulo de experiências vivenciadas nos anos 90, ou seja, de programas outros não voltados única e exclusivamente para o HIV, mas pensados numa dimensão que extrapola a esfera pura do vírus e vão ao encontro de fatores estruturais arrolados à vulnerabilidade e ao impacto do HIV – estigma, discriminação, preconceito, isolamento social e a nulidade do sujeito acometido no espaço da produtividade – trabalho e geração de renda. Os trabalhos apresentados 66 na referida Conferência traziam o emponderamento de diversos segmentos populacionais, tais como, gays, prostitutas, indígenas, usuários de drogas injetáveis e outros. Relatam os autores acima referendados que ‘vulnerabilidade’ foi a palavrachave mais mencionada no relatório da Conferência. Dizem que “toda vez que aí se buscou relatar ou propor aproximações teóricas ou intervenções não restritas ao HIV, ao risco, ao comportamento individual, às abordagens biomédicas, foi ‘vulnerabilidade’ o termo preferencialmente escolhido” (p. 126-27). A partir desse momento, esse novo olhar sobre a cidadania, a dignidade humana vai angariar forças cada vez mais, desembocando em vários estudos, principalmente no dispositivo da prevenção, como pontuam Mann e Tarantola (1996). O conceito de vulnerabilidade vai ganhando espaço, compreendendo-o na possibilidade de exposição dos indivíduos ao adoecimento, mas partindo do pressuposto de que uma gama de cofatores encontram-se imbricados, não tão somente no que concerne a individuação, mas também nos coletivos, no contexto, implicando em passíveis alterações no processo saúde-doença-cuidado. Assim, Ayres, Calazans, Saletti Filho (2009) pensam que as análises de vulnerabilidade estão na interface de três eixos que se articulam e organizam, tais como, o elemento individual, o programático e o componente social. Compreendemos por componente individual aquele que reflete o estágio e a qualidade da informação que o indivíduo possui no que toca ao problema; deve estar fundamentado na capacidade de alcançar informação, compreensão e elaboração, dos indivíduos, para uma prática concreta individual; naquilo que depende do indivíduo; assumindo práticas protegidas e protetoras. Quanto ao elemento social, para uma prática concreta, deve-se ater aos condicionantes de escolarização, acesso à saúde, condições de moradia, trabalho, lazer, ingresso a meios de comunicação e a enfrentamento a barreiras culturais, livre do poder coercitivo a violações de direito e a possibilidade de confrontar-se. No que diz respeito ao componente programático, esse deve estar atrelado aos programas governamentais nas três odes de governo na direção da prevenção e cuidado relativo ao HIV/Aids. Isto quer dizer que, os recursos destinados à questão devem ser bem empenhados e alocados em bases necessárias, a partir de demandas legítima, distantes de interesses da política partidária. 67 Muito embora não se queira aqui esquivar-se das análises epidemiológicas, porquanto prosseguirá sempre a ser um influente desenho metodológico, sobre risco e a chance de risco, análises estatísticas probabilísticas e as variáveis, assim como cruzamento de variáveis, as análises de vulnerabilidade não hão de dispensar das análises acima descritas. Aliado ao perfil epidemiológico, este deve se articular com a dimensão simbólica de ser e estar no mundo. Mas, se as variáveis não são interpretadas quanto à variabilidade e se as influências de forças socioculturais não forem levadas em consideração, principalmente no campo da formulação das políticas que englobam a promoção da saúde, a prevenção e a intervenção, o perfil epidemiológico acaba sendo incompleto e traz transtornos para se alcançar o objetivo. Os estudos quantitativos, assim como as análises advindas dessa abordagem são de extrema importância e precisam estar também articulados aos estudos qualitativos, para que se possa ter um maior êxito na incorporação da categoria vulnerabilidade como uma ferramenta viável na esfera interventiva. Riscado e Oliveira (2011) ao estudarem os sujeitos de comunidades remanescentes quilombolas observam que as vulnerabilidades ao HIV/Aids encontram-se aportadas na vulnerabilidade individual e política, em que o cuidado de si perpassa pela questão de gênero, conforme pode ser verificado no que diz o homem em relação à sua saúde e, para Riscado, Oliveira e Brito (2012) no tocante à mulher. Na vulnerabilidade social, quando os acessos à educação, à saúde, ao trabalho e geração de renda, à moradia, ao saneamento básico, aos meios de locomoção, à comunicação, à inclusão digital e outras, encontram-se dilaceradas porquanto determinantes sociais, como por exemplo, também, as diversas formas de racismo, com destaque para o racismo institucional. A vulnerabilidade programática, no estudo acima mencionado, fica por conta de uma política pública voltada e assumida pela população negra. O estudo revelou que os recursos sociais disponibilizados para que os/as quilombolas não se exponham ao HIV e se protejam estão aquém do esperado, pecando na quantidade e qualidade dos esforços de planejamento e projetos governamentais sinérgicos. Vale salientar que, particularmente nesse contingente populacional, as formas como se apresentam o racismo e o racismo institucional permeiam os três elementos de vulnerabilidade. 68 Para o presente estudo, com homens jovens portadores de HIV/Aids, vamos compreender a vulnerabilidade na interseção do individual, do programático e do social. Representações, sexualidades, roteiros sexuais, masculinidades e papéis de gênero, ainda que com parcos estudos, estão na pauta das investigações e reflexões supracitadas, indicando a necessidade de se promover um número maior de pesquisas. Ao se debruçar sobre o assunto, esta pesquisa poderá contribuir para o campo da saúde coletiva no sentido de compreender não só os resultados estatísticos epidemiológicos, como também aspectos socioculturais relacionados a segmentos populacionais distintos portadores do HIV. Assim, será possível avançar na discussão sobre a temática e, possivelmente, colocar em questão a eficácia de estratégias adotadas; os resultados encontrados em estudos e a necessidade de (re)pensar as políticas preventivas, tornando-as mais compatíveis não só com a realidade epidemiológica da Aids, mas também com a dimensão simbólica relacionada a essa enfermidade. CAPÍTULO 5 DESENHO METODOLÓGICO Em sua obra sobre Aids, pesquisa social e educação, Czeresnia et al. (1995) reportam a pertinência da pesquisa qualitativa em sua diversidade de métodos, que podem ser incorporados para dar conta sobre cultura sexual em relação ao HIV/Aids. Os autores acima citados colocam que o desenho das pesquisas qualitativas, assim como das abordagens quantitativas, depende muito dos objetivos do estudo, sem deixar de colocar em perspectiva o contexto. Dizem os autores “... o estudo da cultura sexual levanta uma série de questões específicas, distintas, talvez, das que surgiriam no estudo de outros domínios culturais” (p. 30). A natureza das informações coletadas, particularidades sexuais, roteiros sexuais, tendo por pano de fundo as variações sexuais na história da vida privada dos sujeitos tem na entrevista semiestruturada o status de proximidade e particularidade, no conjunto da observação participante, uma possibilidade de familiaridade, ganhando expressões significativas. Argumentam Czeresnia et al. (1995) que, “dada a natureza altamente sensível das informações sobre comportamento sexual, a qualidade dos dados coletados através de entrevistas profundas depende muito do grau de confiança desenvolvido entre o pesquisador e seus informantes [...] a relação entre entrevistadores e informantes é desenvolvida ao longo do tempo [...] durante o desenvolvimento de uma abordagem culturalmente sensível ao estudo do comportamento sexual em relação ao HIV e à Aids, a pesquisa qualitativa sistemática pode oferecer insights importantes que, de outra forma, não seriam percebidos” (p.37 e 40). TIPO DE PESQUISA O estudo se pautou numa abordagem de pesquisa qualitativa, aqui entendida como um conjunto de práticas interpretativas que busca investigar os sentidos que os sujeitos atribuem aos fenômenos e ao conjunto de relações em que eles se 70 inserem, compreendendo e contextualizando os sentidos subjacentes às falas dos sujeitos investigados (DESLANDES E GOMES, 2004). Ao adotarmos a perspectiva qualitativa, percebemo-nos alicerçados em Minayo (2006), para quem essa abordagem se preocupa com o nível de realidade que não pode ser quantificado, pois refere a significados, crenças, valores, atitudes que correspondem ao plano da subjetividade, isto quer dizer, o nível mais profundo das relações e dos processos que não podem traduzir e reduzir a demarcação e operacionalidade de variáveis. Salientamos que a qualidade do material empírico é tão consistente quanto na linha quantitativa, além de sinalizar um horizonte de intensidade – plenitude, aprofundamento – para além da extensão, onde se apreendem os sentidos atribuídos dos fenômenos sociais na esfera da saúde. O CAMPO DE ESTUDO Admitimos campo a partir da concepção de Bourdieu (1996) de que a realidade social é composta de microcosmos ou espaços de objetivações. O campo tem uma historicidade, nele os indivíduos estabelecem relações de força e interesses, demarcam seus limites e as ações econômicas e psicológicas por ele eliciadas protagonizam movimentos que podem conservar ou transformar a sua estrutura. O Serviço de Atenção Especializada para Aids (SAE) da Secretaria Municipal de Saúde de Maceió, Alagoas atende homens jovens, infectados por HIV/Aids por relações sexuais. A escolha desse serviço – que é considerado uma das referências no estado de Alagoas para a assistência a portadores de HIV/Aids – é uma decisão estratégica para se acessar os sujeitos que são de interesse do estudo. Nesse sentido, o serviço em questão não será o objeto de análise da pesquisa, uma vez que servirá apenas de ponto de partida para a seleção dos sujeitos. Para poder dar conta da demanda dos portadores do HIV e dos casos de Aids em Alagoas, Maceió concentra as instalações das unidades/hospitais de referências – Hospital Hélvio Auto, junto com o Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes (HUPAA) e o PAM – Salgadinho. O SAE escolhido situa-se no Pronto Atendimento Médico (PAM) do Salgadinho, instalado no Bloco I. O PAM compreende os serviços médicos, de 71 enfermagem, psicologia, odontologia, serviço social. Além de acolher um grupo de adesão ao tratamento também disponibiliza os retrovirais. O setor de Psicologia realiza o serviço de psicoterapia individual. A configuração e a ampliação dos serviços especializados somente se concretizaram após as primeiras iniciativas relacionadas à formação e qualificação dos profissionais pioneiros, a partir, particularmente, da assistência e ao processo de trabalho com a epidemia, dando início às estruturas e dinâmicas organizativas, tendo por referencial a Coordenação Nacional de DST/Aids (CNDST/Aids), posteriormente Programa Nacional de DST/Aids e na atualidade, Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais; a partir de uma concepção de rede, com diretrizes técnico-políticas comuns, assegurando a unidade da política nacional de Aids na cidade e o estabelecimento de fluxos, protocolos e ações padronizadas desenvolvidas pelo conjunto de serviços. Pode-se afirmar que hoje os serviços pertencentes ao Programa Municipal de DST, Aids e Hepatites Virais, da cidade de Maceió oferecem acesso regionalizado para a prevenção e a assistência. Os CTA (Centros de Testagem e Aconselhamento) são serviços estruturados para o diagnóstico, com o oferecimento de exames para o HIV como de outras DST e ações de prevenção; não contemplando a área assistencial e no âmbito da prevenção, além de campo de pesquisa e a integralidade de ações que inserem em seus atendimentos, tendo como eixo ético o “Princípio da Equidade” no atendimento às necessidades da comunidade (SOUZA; CZERESNIA, 2009). Assim, a qualificação profissional tem acompanhado a rota de necessidades das pessoas em tratamento do HIV ao longo destes anos. O avanço no campo dos medicamentos, assistência laboratorial, de insumos e programas de prevenção, estende-se ao controle clínico, mas também a outras necessidades da “vida” de pessoas soropositivas diante de suas demandas. O Programa de DST, Aids e Hepatites Virais, do município de Maceió, em seu papel normativo, também tem trabalhado para o controle da sífilis congênita, hepatites virais, com o oferecimento da testagem durante os atendimentos no aconselhamento e qualificação no atendimento destas patologias. Destacam-se também, as diretrizes para o tratamento e diagnóstico do Papiloma Vírus Humano (HPV). Atualmente o preparo da rede especializada está voltado para as normas de 72 orientações e condutas para exposição sexual, cujo foco da prevenção do HIV vai além dos paradigmas do uso dos preservativos, mas também na oferta do conjunto de medicamentos profiláticos. Neste sentido, novos desafios são traçados na relação entre a prevenção dialogada e a exposição sexual consensual ou por acidente. O desafio é o preparo dos profissionais para oferecer atendimento isento de préjulgamentos e subsidiar a análise de riscos efetivos da infecção e, consequentemente, o acesso à quimioprofilaxia. No entanto, apesar do processo de qualificação dos profissionais que trabalham com o HIV/Aids, observamos uma certa rotatividade dos profissionais qualificados seja por parte da busca de melhorias salariais em outras instituições, seja por parte da relação de poder organizacional. Para a inserção do pesquisador na unidade de saúde da rede especializada, o processo de oferta e interesse da pesquisa aconteceu através da área de Desenvolvimento Científico da Coordenação Municipal de DST, Aids e Hepatites Virais, de Maceió, que orientou os passos necessários para o desenvolvimento da pesquisa no serviço de saúde e recorresse aos Comitês de Ética em Pesquisas com Seres Humanos e, só a partir do protocolo de aceite apresentado foi inserido à reunião de acordo de parceria. Assim, após a aprovação no Comitê de Ética, o pesquisador apresentou ao conjunto de profissionais denominados interlocutores de pesquisa da Coordenação do Programa Municipal de DST/Aids, que por sua vez acionou a Unidade Especializada em DST/Aids apresentando os objetivos da pesquisa e estes repassaram para os demais profissionais da Unidade, com vistas a colaborarem na identificação do perfil dos sujeitos da pesquisa e facilitarem a inserção do pesquisador nessa unidade de saúde. Das três unidades existentes no Estado (Arapiraca, Coruripe e Maceió) da rede especializada em DST e Aids, com as configurações de SAE, apenas uma pertence ao Programa Municipal da cidade de Maceió. Ressaltamos que o serviço recebeu informações sobre a proposta de estudo, através de reuniões com interlocutores de pesquisa, como já mencionado, além do contato pessoal com os profissionais, na busca de indicação por homens jovens com o perfil proposto para o desenvolvimento do presente estudo. 73 OS SUJEITOS DE PESQUISA Os sujeitos da pesquisa foram homens jovens vivendo com HIV/Aids inseridos no Serviço de Saúde da Rede Especializada em DST/Aids, da cidade de Maceió, Alagoas, que aceitaram, voluntariamente, participar do estudo. O critério amostral adotado foi o de saturação ou exaustão, visando um esgotamento das informações que se busca alcançar através das falas dos sujeitos entrevistados; esgotamento esse que ocorre através das repetições das ideais ou sentidos fornecidos durante o conjunto das entrevistas (MINAYO, 2006; SCHRAIBER, 2008). A escolha dos participantes foi pautada nos seguintes critérios de inclusão: (a) participar do SAE; (b) ser homem e jovem; (c) faixa etária compreendida entre 18 e 29 anos, considerando a possibilidade de um relato de aprofundado acerca de suas experiências de vida, e recorte máximo etário se orienta no limite superior baseado na Organização Interamericana da Juventude; (d) terem conhecimento do diagnóstico da Aids há, pelo menos um ano para que possa expressar uma maior reflexão acerca da experiência de ser portador de Aids, (e) terem se infectado por via de exposição sexual e (f) após informados da natureza do estudo, concordarem em participar. Quanto aos critérios de exclusão foram considerados sujeitos, os seguintes: homens jovens menores de dezoito e/ou maiores de trinta anos; incapacitados de dar entrevista, não infectados por exposição sexual, não fazerem parte do SAE e que não tiveram interesse em participar da pesquisa. Promoveu-se um levantamento a partir do banco de dados dos usuários do SAE de Infectologia PAM-Salgadinho, dos sujeitos que estariam contemplando os critérios de inclusão estabelecidos para participarem da pesquisa. Nesse primeiro movimento conseguiu-se acessar quarenta e sete sujeitos com as características a prioristicamente estabelecidas. Quando a tentativa de contato buscava dar-se, incorria-se nas dificuldades de telefones e endereços desatualizados, de mudanças para outras cidades e até mesmo para outro estado da federação, alegações da ordem do trabalho e outras. Desses, foram acessados vinte e um homens jovens, sendo que um deles não concordou em participar da pesquisa. Avaliamos o conteúdo das vinte 74 entrevistas, verificando se o material empírico era suficiente para a análise, e concluímos que esse número atendia à composição do corpus analítico do estudo. O processo de busca de informantes aconteceu, por mais de uma via, tanto junto aos sujeitos de pesquisa que se encontravam em reuniões com os profissionais dos serviços, quanto pelo contato individual e direto entre o pesquisador e os profissionais de saúde da rede especializada que intermediaram os contatos com os usuários do serviço. A estratégia mais efetiva para a captação dos homens jovens entrevistados se deu na conversa informal com os profissionais. Dos profissionais que sugeriram os homens jovens para serem entrevistadas foram, principalmente, os/as infectologistas, os/as psicólogos/as. Quanto à identificação dos informantes, foram sugeridos nomes fictícios para o conjunto dos vinte entrevistados. O recurso da gravação facilitou o registro das falas, valorizando os conteúdos, e seguindo os cuidados éticos. Tanto as observações de campo como as entrevistas foram realizadas pelo próprio autor do presente estudo. TÉCNICA DE PRODUÇÃO DOS DADOS Em termos de produção de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada, com questões abertas sobre a opinião dos sujeitos acerca da sexualidade, masculinidade, Aids e a experiência da sexualidade com Aids (Anexo A). Durante a realização das entrevistas, foi preenchido um diário de campo para que se possibilitasse o registro das observações, objetivando melhor compreensão das informações fornecidas pelos sujeitos. As entrevistas foram precedidas de orientações a respeito do estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com garantia de sigilo (Anexo B). Utilizamos também um questionário (Anexo C) para que pudéssemos ter uma caracterização dos entrevistados. Seu preenchimento ocorreu com informações dos sujeitos, consultadas nos prontuários ou complementada antecedentemente à entrevista com os próprios sujeitos. Dentre as técnicas de produção de dados empíricos que dispõe a pesquisa qualitativa, a de entrevista de homens jovens acerca de seus roteiros sexuais, foi a 75 eleita, por permitir o aprofundamento das questões enunciadas assim como fazer emergir outras não inicialmente previstas (KOSMINSKY, 1984). Seguindo nessa direção, salienta Minayo (2012) que “o registro fidedigno, e se possível ‘ao pé da letra’, de entrevistas e outras modalidades de coleta de dados cuja matéria-prima é a fala, torna-se crucial para boa compreensão da lógica interna do grupo ou da coletividade estudada” (p. 69). No entanto, para a obtenção das entrevistas, relevantes para o processo investigativo foi fundamental o estabelecimento de vínculos de confiança e responsabilidade diante de contextos da vida e da intimidade dos sujeitos pesquisados, favorecendo relatos espontâneos com exposição de sentimentos e ideias sobre os temas desenvolvidos durante as entrevistas (SCHRAIBER, 2008). O período de realização das entrevistas compreendeu entre 2ª quinzena de agosto de 2012 a 1ª quinzena de junho de 2013. As entrevistas foram realizadas uma única vez, com duração média entre de 30 e 40 minutos de conversação cada e em salas fechadas disponibilizadas pelo Serviço. Dos sujeitos que participaram do estudo, quatro solicitaram que as entrevistas acontecessem em suas residências ou entorno, num período em que tinham maior disponibilidade, sob a alegação de preferirem conversar fora do espaço de tratamento, possivelmente por não terem elaborado psicologicamente ainda a sua soropositividade ou por que questões de exposição num espaço genuinamente delator. Todas as demais entrevistas aconteceram nas dependências do serviço de saúde especializado. ANÁLISE DOS DADOS Quanto aos procedimentos analíticos, o estudo lançou mão do método de interpretação de sentidos (GOMES et al., 2005; GOMES, 2012), com base em princípios hermenêuticos-dialéticos (MINAYO, 2006; MINAYO, 2012) para a interpretação do contexto, das razões e das lógicas dos depoimentos que emergiram em torno das temáticas do estudo. Na trajetória analítico-interpretativa, foram percorridos os seguintes passos: (a) leitura compreensiva, visando impregnação, visão de conjunto e apreensão das particularidades do material gerado pela pesquisa; (b) identificação e recorte temático dos depoimentos sobre as representações que os homens jovens fazem 76 sobre a sexualidade e a Aids; (c) identificação e problematização das ideias explícitas e implícitas no texto; (d) busca de sentidos mais amplos (socioculturais) que articulam as falas dos sujeitos da pesquisa; (e) diálogo entre as ideias problematizadas, informações provenientes de outros estudos acerca do assunto e o referencial teórico do estudo; e (f) elaboração de síntese interpretativa, procurando articular objetivo do estudo, base teórica adotada e dados empíricos. ASPÉCTOS ÉTICOS O Projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da FIOCRUZ, via Plataforma Brasil, que após apreciação resultou no aprove pelo protocolo de nº CAAE: 01429612.4.0000.5240, de 27/07/2012. (Anexo D). CAPÍTULO 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO 6.1 – Memórias do Campo Em relação à assistência e tratamento aos portadores de HIV/Aids, o Programa Municipal de DST, Aids e Hepatites Virais de Maceió oferece um serviço Serviço de Atenção Especializada (SAE) - com atendimento matutino e vespertino, dentro do conhecido como Bloco I do PAM-SALGADINHO. O Serviço de Atenção Especializada (SAE) funciona como referência, de média complexidade – nível secundário da atenção à saúde. Articula-se com o Hospital Escola Hélvio Auto (HEHA), e também com Hospital Dia de Infectologia do Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes (HUPAA). Além da Coordenação Administrativa constitui-se com uma equipe de profissionais de dermatologista, saúde, capacitados, ginecologista, de médicos gastroenterologista, infectologistas, enfermeiros, pediatra, psicólogos, assistentes sociais, odontólogos, nutricionista e outros técnicos especializados. Esses profissionais possuem um quadro de escala tendo em vista o rodízio de plantões. O Bloco I do PAM-Salgadinho abriga ainda o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) que funciona também diariamente, nos dois horários. O CTA é uma porta de entrada de usuários que por algum motivo – curiosidade, relação desprotegida com parceiro com estado sorológico desconhecido, rotatividade de parceiros, e outras – procuram o serviço sem encaminhamento médico, numa demanda espontânea. Assim que recebem o resultado do exame, independentemente dele, seja negativo ou positivo, é encaminhado para o profissional psicólogo para comunicar o resultado e promover o aconselhamento. Esse CTA encontra-se interligado, em nível nacional, ao Sistema de Informação CTA (SI-CTA). O Serviço de Atenção Especializada (SAE) oferece ainda atividades de laborterapia, atividades lúdicas, reuniões e encontros entre pares de cidadãs positivas, de travestis, profissionais do sexo e outras, objetivando as relações 78 interpessoais e representações desses segmentos populacionais em cuidado de si no contexto, e participações em eventos etc. Ressaltamos que o SAE no que se refere ao atendimento, abrange predominantemente adolescentes e adultos jovens. Um número significativo de indivíduos atendidos são as gestantes, que vem crescendo rapidamente ao longo dos anos. Uma minoria de atendimento envolvem os idosos, apesar de ser observado um crescimento desse grupo populacional nos últimos anos. As crianças também são minoria, devido inclusive às ações e as diretrizes do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) e do Projeto Nascer, com as intervenções terapêuticas durante a gestação, no parto e puerpério. Mas vale assinalar que o SAE na atualidade não conta com o profissional de saúde da infectopediatria e nesse sentido a demanda é direcionada para o HEHA ou Hospital Universitário de Universidade Federal de Alagoas (HUPAA). O SAE atende muitas mulheres e muitos homens, a grande maioria em idade reprodutiva. Quanto à especificidade de gênero, são as mulheres predominantemente as que mais participam de atividades internas, seja no campo do cuidado de si, nos grupos terapêuticos, adesão ao tratamento, aos antirretrovirais, seja no espaço do lúdico, nas festas comemorativas, etc. A média de atendimento diário da Enfermagem é de trinta pacientes. O profissional médico infectologista, o gastroenterologista e o dermatologista atendem doze pacientes por turno, cada uma dessas especialidades. Já o profissional da psicologia tem uma perspectiva de marcação e atendimento de quatro a cinco pacientes, por turnos diários. Por ser possuidor de um banco de dados com os prontuários dos usuários do Serviço de Atendimento Especializado (SAE), isso permitiu-nos o acesso, a partir de um instrumento de coleta de dados, um Inquérito, quando se elegeram 15 variáveis, sendo oito referentes à identificação dos usuários, tais como: iniciais/nº prontuário; idade, raça/cor (baseada na classificação do IBGE), escolaridade, estado civil, nível socioeconômico, ocupação, local/bairro de moradia/telefone e os demais dados relacionados à infecção pelo HIV, como: ano do diagnóstico, motivo realização do exame, sexualidade, história de multiparceria, enfermidades oportunistas, história de drogas e quais os acompanhamentos no SAE. Preocupamo-nos, ao acessar o banco de dados, selecionar os sujeitos que se incluíssem nos critérios de inclusão para participar da pesquisa. A partir dessa 79 seleção, levando em conta os critérios de elegibilidade, fazia-se contatos com os jovens que eram possíveis candidatados a ser sujeito da pesquisa. Aproveitávamos também a ida desses jovens ao SAE, no agendamento para atendimento médico ou psicológico. Nesse momento, os psicólogos ou os enfermeiros faziam o convite para a participação da pesquisa e, caso o indivíduo concordasse, era realizado o agendamento, com local e horário da entrevista. Essas foram realizadas em uma sala climatizada, disponibilizada pela direção do SAE. Observamos que muitos dos dados necessários não se encontravam preenchidos nos prontuários médicos ou, mostravam-se conflituosos. No momento de encontro com os sujeitos selecionados, procurávamos atualizar as informações pertinentes. Ao debruçarmos sobre os prontuários médicos obtínhamos uma noção das lacunas existentes. Observávamos ainda o percurso de especialidades acessado pelos usuários do SAE. Nas performances das entrevistas, observamos que quanto mais baixa a escolaridade mais dificuldade de inteligibilidade, de compreensão do que se perguntava, fazendo que determinadas palavras tornassem ininteligíveis. Acreditamos que a baixa escolaridade, em alguns casos, contribuiu para a baixa natureza das respostas. Notamos que, quando o diagnóstico da soropositividade era recente, havia uma tendência dos usuários, possivelmente pelo impacto do diagnóstico, a afastarem-se dos Serviços, recusarem-se a comparecer quando convocados ou a negar a situação de ser portador de HIV. Ainda em relação ao tempo de diagnóstico, observamos que alguns jovens que atenderam às nossas convocatórias com mais de um ano de diagnóstico (nosso ponto de corte) ainda se apresentavam sobre os efeitos do impacto que causara o resultado, como que possivelmente se situasse no processo de assimilação e significação da nova condição sorológica. Encontravam-se ainda estupefatos pelo ‘status’, demonstrando medo, desconforto, sofrimento e amargura. Alguns deles abordavam a questão do sigilo para dar entrevista e solicitavam que os resultados do seu diagnóstico não fossem informados para seus familiares. Procurávamos minimizar a intranquilidade, abordando de imediato o contrato do sigilo e do voluntariado. 80 Houve outros fatores impeditivos para que os sujeitos selecionados comparecessem para a entrevista. Dentre eles destacamos a dificuldade de transporte, devido ao baixo recurso financeiro dos usuários ou por não possuírem ainda a gratuidade no momento da pesquisa. O fato de o SAE do Bloco I do PAMSalgadinho ser identificado como um lugar para o tratamento da Aids também foi um fator impeditivo para alguns não comparecerem porque não desejavam a visibilidade social do seu possível ‘status’ de soropositividade. 6.2 – Caracterização dos sujeitos O Quadro 1, não só aporta informações que permitem caracterizar os sujeitos em termos sócio demográficos, como também possibilita visualizar alguns fatores contributivos para as vulnerabilidades frente ao HIV/Aids . Assim, o perfil dos homens jovens entrevistados é destacado na seguinte caracterização: a maioria são pardos e pretos, constitutivos da população negra, centrando entre o ensino fundamental incompleto e o ensino médio incompleto; a maioria diz ser homem que faz sexo com homem (HSH), muitos dos familiares desconhecem a sorologia positiva para o HIV dos entrevistados, para alguns, as drogas lícitas e ilícitas fazem-se presentes na cotidianidade de seus passados. Destacamos essa premissa, uma vez que o uso/abuso de drogas é um contributivo para o desleixo com a prevenção, ou seja, os indivíduos sujeitados ao álcool e/ou outras drogas, fatores de vulnerabilidade, tornam-se expostos às DST/HIV/Aids, pelo não uso do preservativo em todas as relações sexuais. 81 Quadro 1 – Perfil dos homens jovens entrevistados Hamilton 24 Cor da pele Branco Solteiro Orientação Sexual Homo Fund. Inc. Não admite Ano Diagnóstico 2010 Halaor 23 Pardo Solteiro Homo Médio Comp Cabeleireiro 2011 Sim Sim Hemerson 22 Branco Solteiro Bi Sup. Inc Recepcionista 2012 Sim Não Hilton 22 Pardo Solteiro Homo Fund. Inc. Aux. Pedreiro 2012 Sim Não Hermes 24 Branco União Estável BI Fund. Inc. Carregador 2012 Não Sim Helder 25 Branco Solteiro Homo Sup. Inc Aux Adm/Est 2012 Sim Não Helio 21 Pardo Solteiro Homo Médio Inc Aux Loja 2011 Sim Sim Hamurabi 24 Branco Solteiro Bi Sup. Comp. Jornalista 2012 Não Sim Hefestion 18 Branco Solteiro Homo Médio Inc Estudante 2012 Sim Não Hugo 20 Pardo Solteiro Hetero Médio Comp. Porteiro 2009 Sim Sim Hiran 19 Preto Solteiro Hetero Médio Inc. Estudante 2012 Não Não Humberto 26 Branco Casado Bi Superior Inc. Autônomo 2010 Sim Não Helcias 26 Pardo Solteiro Hetero Superior Inc. Desempregado 2010 Sim Sim Hermito 28 Pardo União Estável Homo Médio Comp. Garçom 2007 Sim Sim Herculano 22 Pardo União Estável Homo Médio Comp. Autônomo 2008 Não Não Hetemilton 19 Pardo Solteiro Homo Superior Inc. Operador Caixa 2011 Sim Não Huldo 22 Pardo Solteiro Bi Médio Tec. Aprendiz Pedreiro 2012 Sim Sim Holinto 24 Pardo Casado Bi Médio Comp. Entregador 2009 Sim Sim Holiver 23 Branco Solteiro Homo Médio Inc. Desempregado 2011 Sim Não Halair 24 Pardo Casado Hetero Fund. Comp. Desempregado 2012 Sim Sim Nome Idade Est. Civil Escolaridade Profissão Multiparceria Sim História de Droga Sim No sentido de preservar a identidade dos sujeitos, utilizamos nomes fictícios, iniciados pela letra “h”. A idade dos entrevistados situou-se no intervalo de 18 (nosso ponto de corte) à 26 anos, com a média de 22,7 anos, uma mediana de 23 anos e uma moda de 24 anos. Nas notificações e prontuários médicos há cinco opções para os sujeitos escolherem a sua cor da pele, as quais se baseiam nas categorias estabelecidas pelo IBGE (2010), tais como, amarelo, branco, indígena, pardo e preto. Neste estudo, com base em Batista (2005), aglutinamos as expressões ‘pardo’ e ‘preto’ na categoria ‘negro’. Essa categoria abrange a maior parte dos nossos sujeitos (12). A maioria também se nomeava solteiro (14), com uma escolaridade que circula do ensino fundamental incompleto, com maior preponderância para até 11 anos de estudo, ao ensino superior completo. Muitos se encontravam desempregados, outros se assumiam autônomos ou até mesmo com atividades profissionais menos qualificadas. A grande maioria é residente em bairros populares e um bom número ainda reside com os pais. Nota-se que dos vinte entrevistados, somente cinco haviam revelado, espontaneamente, durante seu acompanhamento, o evento de soropositividade aos seus parceiros atuais e/ou familiares. O ano de diagnóstico prevalente foi o de 2012, mas 2008 foi o ano quando um jovem com 17 para 18 anos tomou conhecimento de sua sorologia positiva para o 82 HIV. A multiparceria e o uso de substâncias psicoativas, numa grande parcela, fizeram parte dos enredos sexuais desses homens jovens. Além de homens heterossexuais, homossexuais e bissexuais também compuseram a amostra. 6.3 – A sexualidade e a Aids para os homens jovens O método de análise adotado, interpretação de sentidos, possibilitou a compreensão dos depoimentos numa dimensão em que, aspectos similares e dissonantes surgissem apontando e dando forma a um mosaico de sentidos, moldando os seguintes eixos de discussão: (1) a compreensão sobre sexualidade e sexo; (2) as experiências sexuais de homens jovens; (3) as representações da Aids e (4) o cuidar de si e o cuidar do outro no contexto da Aids. 6.3.1 - A compreensão sobre sexualidade e sexo Em nossa análise a partir das falas sobre sexualidade e sexo, emerge o modelo hegemônico de sexualidade masculina. A sexualidade em geral apresenta aspectos que a lança numa dimensão sócio-histórica, mesmo quando verbalizada, a prática, destaca, quase que exclusivamente a questão do prazer. Em nome desse prazer, ou sob a influência do modelo hegemônico de masculinidade, busca-se responder a todo custo uma virilidade desmedida, podendo este tipo de comportamento fragilizá-lo em relação a se descuidar de si no tocante à saúde sexual. Um fator também bastante presente é a rigidez do papel cultural dos homens em relação à sexualidade, o afeto não é algo que deva ser valorizado, pelo menos na faixa estaria estudada. Muito pelo contrário, ao homem jovem exige-se que este tenha o máximo de experiências sexuais e de preferência com o menor vínculo afetivo possível. Isto quer dizer, o atendimento ao desejo carnal, este assumindo uma possível supremacia sobre o sentimento afetivo, pode provocando, às vezes, uma atividade/exercício sexual, constante e irrestrito, que pode levar ao descuido de si no tocante à saúde sexual. Uma prática de sexo segura, às vezes, pode ser vista como algo fora da 83 ordem das diretrizes do modelo hegemônico de masculinidade, por um lado seria responsabilidade daquele que “assume” o papel “passivo” na relação sexual, ou seja, daquele que é penetrado. A sexualidade, portanto, se caracteriza por ser uma das singularidades do ser humano que abrange uma gama intrincada que transita por um caminho complexo e nem sempre claramente demarcado como gênero, orientação/preferência sexual, fantasias, desejos, interdições e tantas outras esferas que mentes e corpos são capazes de criar, sejam estas experimentadas ou não na vida real (GAGNON, 2006). O roteiro sexual hegemônico que surge nas falas dos homens jovens sobre sexualidade, retrata muito fortemente a dimensão do prazer, dando ênfase no aspecto fugaz e sem envolvimento afetivo. Mesmo ao verbalizá-las, os homens jovens se concentram quase que apenas em um aspecto, o do prazer rápido e sem envolvimento afetivo, pode-se aferir que talvez eles estejam seguindo um roteiro sexual hegemônico. Nessa perspectiva e apesar de toda complexidade sociocultural que envolve a sexualidade, os depoimentos dos homens jovens se concentram, quase que exclusivamente, na dimensão do ato físico em si. Ou seja, a sexualidade acaba sendo reduzida à relação sexual crua. O que pode revelar a necessidade de responder a uma performance/desempenho que garanta o ‘status’ de virilidade exigida aos homens pelo modelo hegemônico de masculinidade. “[...] ter um relacionamento, numa noite [...] abrange prazer... mostra minha masculinidade, praticando, fazendo [...]” (Hugo). “[...] buscar a sexualidade desregrada, só por prazer [...] você fez sexo com a pessoa que você não conhece [...] ah, você é macho [...]” (Helcias). “[...] pra mim era prazer, era adrenalina... [...] ter um corpão... corpos bonitos, beleza... era só mais atração física... é aquela coisa do instinto, de correr atrás de prazer...[...]” (Hermito). “[...] ter uma vida ativa [...] conhecimento do nosso corpo [...] passa a ter desejos [...] questão de hormônios [...]” (Hetemilton). “[...] focado no prazer [...] mais adrenalina, mais o medo, coração pulsante [...]” (Huldo). “[...] no meu caso, sexo oposto, homem e mulher [...]” (Holinto). Estudos como o de Gomes et al. (2012), Marques Junior et al. (2012) 84 corroboraram a ideia de que masculinidade hegemônica possivelmente seja uma vulnerabilidade individual que está na ordem do pessoal, como expõe Ayres et al. (2009); Buchalla e Paiva (2002). Nesse sentido, quando ser homem significa a adoção da virilidade, não negar uma relação sexual e ter multiparceria, potencializada com o uso/abuso de drogas, o uso do preservativo como medida de prevenção do HIV/Aids talvez possa ficar comprometido. Mas, a vulnerabilidade dos homens jovens não se dá tão exclusivamente pelo uso/não uso do preservativo. Outros cofatores acham-se imbricados nessa questão. As marcas identitárias de gênero masculino como dar conta das mulheres, ser forte, não adoecer, impetuosidade exacerbada para o sexo e resposta imediata ao desejo e correr risco fazem parte do modelo hegemônico, conforme Guerriero; Ayres; Hearst (2002), diferentemente da mulher de quem se espera a passividade, o recato e a monoparceria (TAQUETTE, 2009). A masculinidade hegemônica traz no seu encarte desejos, fantasias e ideias, portadoras de um roteiro sexual (GOMES, 2008). Mesmo que uma das marcas identitárias do modelo hegemônico de gênero, no que se refere à masculinidade, seja a heterossexualidade, o depoimento a seguir subjetiva essa referência numa perspectiva questionadora, onde a masculinidade alternativa é possível: “[...] não é por eu ser homossexual que vou deixa de ser homem [...]” (Herculano) “[...] sexo é uma forma de desejo [...] tanto pode ser do mesmo sexo quanto de outro sexo... (Humberto). . Na perspectiva ainda individual da vulnerabilidade, Santos (2011) verifica a possibilidade para risco acrescido a prostituição masculina, enquanto um conjunto de roteiros sexuais vivenciados por esse grupo, seja na expressão de homens que promovem sexo com outros homens, seja nos contornos do sexo comercial onde todas as práticas sexuais – oral, anal e vaginal – e outras fantasias sexuais, fazemse presentes. Mas, alinhar-se à masculinidade hegemônica, não isenta a possibilidade de outros contornos. Essa prontidão sexual e poderio trazem dissabores, desconfortos para o homem, amordaça e o engessa tornando distante dos sentimentos, da 85 emocionalidade, conforme podemos detectar nas falas abaixo: “[...] a figura masculina... é um grande problema pra gente...[...]” (Hiran). “[...] a questão masculina é que nem todo homem é super-homem...[...]” (Humberto). Embora se observe que o exercício da sexualidade para os homens jovens tenha um significado pontual no processo de construção e afirmação da sua masculinidade, essa formatação impõe incômodos pela compulsoriedade. “[...] a gente tem um desejo... muitas pessoas são raptadas pelo simples desejo...[...]” (Humberto). “[...] eu vivia muito ativo... hoje vou sair, vou caçar umas minas aí, vou fazer sexo... buscar a sexualidade desregrada, só por fazer, só por prazer... como diz o organismo da gente é uma necessidade biológica... o corpo pede... [...] momento de prazer, você se sente mais leve, mais aliviado.. (Helcias). Os sentidos atribuídos à sexualidade masculina, as considerações sobre os aspectos da sexualidade masculina e Aids parecem estar subscritos nas falas dos sujeitos quando importam que é algo instintivo, voltada meramente ao prazer, ao comportamento sexual próximo/similar a outros animais – animalidade sexual - e isso vem ratificar aspectos culturais de masculinidade. “[...] meio machista, só quer saber de chegar lá, fazer e pronto... solteiro só pensa nisso... ele quer saber de ter o prazer dele, quer fazer e cada um pro seu canto, não fica muito preocupado... ah, será que gostou?... será que quer... ele quer ter o prazer dele [...]” (Hugo). “[...] quantidade de parceiros sexuais, não é igual à qualidade..[...] ” (Humberto). No contraponto, ou seja, na contramão da direção das ações dos sujeitos, em algumas falas, a sexualidade e o sexo podem ser situados na esfera dos afetos. “[...] é o ato de fazer amor... envolve pessoas, envolve sentimentos, envolve emoções... sexo é um ato de amor...[...]” ( Hiran). “[...] às vezes mistura o sentimento... [abrange] dependendo da nossa situação sentimental, às vezes chega a ser mais profundo, começa a se criar um sentimento... o sentimento pode crescer, crescer...[...]” (Humberto). O fato de demonstrar sentimentos, emoções, amor, o homem pode cair numa 86 outra esfera de que não a da masculinidade hegemônica – ser viril, não chorar, não se emocionar e ser sentimental – pode ganhar contornos de expressão da feminilidade, que enseja esse tipo de gramática comportamental e, nesse sentido, o da masculinidade contra-hegemônica, conforme aponta Gomes (2008). O perceber a sexualidade/sexo na atualidade, pós-infecção do HIV, pode estimular ou assumir outro tipo de comportamento, diferentemente daquele percebido pelo senso comum, ou seja, apresenta outro revés, numa outra perspectiva, ancorada não mais numa sexualidade desregrada, de múltiplos parceiros/as, displicentes de cuidado de si. Muito embora a sexualidade seja vista como necessidade biológica, surge a ideia de que ela pode ser autocontrolada, ser traçada com limites, ser mais comedida. “[...] tem que ter mais controle... até no sexo oral...[...]” (Hugo). “[...] a gente procura mais se prevenir...[...]” (Hiran). “[...] depois que você é infectado, começa a ver as coisas num todo... não só no lado corporal, você vê no emocional...[...]” (Humberto). “[...] a sexualidade não se resume só no sexo em si... se resume em pessoa, em caráter, carinho... procurar ter menos parceiros... procurar ter alguém fixo...[...]” (Hermito). A permanência de aspectos de uma sexualidade masculina hegemônica, em grande parte das falas dos nossos jovens, talvez se deva ao fato de esses sujeitos enquadrarem-se na juventude. Nessa etapa da vida, aqueles que se candidatam ao ‘status’ de adulto, costumam se espelhar em modelos que dispõem de maior prestígio para que possam ser vistos como homens. Isso não significa, necessariamente, que eles consigam viver, tais modelos, em seu cotidiano. Mas, os seus sentidos, são reflexos de uma idealização sexual masculina. Esse eixo se concentrou nas características de prazer, masculinidades contra-hegemônicas, invulnerabilidade, afeto, controle, todas trazidas a partir das falas dos nossos interlocutores. Essas características parecem fazer parte de um arcabouço cultural, que podem promover a construção social dos sujeitos ou de um determinado grupo. Vejamos que, ora se circula no âmbito dos prazeres, ora outro momento se aporta nos afetos. 87 6.3.2 – As experiências sexuais de homens jovens Por um lado o ser homem parece estar vinculado a uma gramática de eventos para se sentir e perceber-se macho, másculo. Há uma consecução de um propósito, ou seja, possuir uma mulher ou outro homem, penetrar ou ser penetrado e partir para outra ou outro. Por outro lado, as questões do amor, as emoções, os afetos, a fidelidade parecem-nos destoar do universo social de masculinidade. A desenvoltura sexual, características desses homens jovens, parece demonstrar que esse é o padrão de masculinidade ideal e convencional das masculinidades. “[...] eu ficava assim na internet, procurava alguém pra ter relação... jovens usam a internet... ter relação... alguém que queira fazer sem camisinha, sentir prazer... eu entrava na internet, chamava pra vir [própria casa] e tinha relação sexual. a internet é ainda o espaço que você se se comunica, arruma seus relacionamentos... Já tive sexo grupal...” (Hemerson) “[...] desde criança eu já ficava excitado com outros meninos quando brincava. tomava banho de cueca [excitação] [sexualidade masculina] acho que é mais promíscua que mulheres.. engloba as vezes mais o sexo que o próprio sentimento mesmo.. [Aids] é a internet.. vc. Conhece pessoas e mal conhece já vai pra cama.. homem é mais isso, é mais carne, é mais prazer e mais a sensação da hora.. eu mesmo tenho sexo anal e oral.. sexo grupal vária vezes, via internet, amigo meu e aí fui..(Helder) “[...] (num show) eu tava dentro do banheiro, aí teve uns caras que ficaram olhando e começaram a se beijar, aí fez um grupo e eu entrei no grupo... (Hélio) As experiências sexuais de homens jovens revelam que o sexo grupal, mesmo que atitude episódica, também faz parte dos enredos sexuais, isto quer dizer que, contatos variados e mais livres por iniciativa dos jovens fazem com que uma variedade de nuances possa ser assegurada no atendimento ao desejo nas práticas sexuais. Esse tipo de comportamento foi observado em investigação com jovens homens caboverdianos (TEIXEIRA, 2012) “[...] forma como me relaciono sexualmente, sexo é o gênero, eu sou masculino... como relacionar sexualmente... penetração, anal, beijo, sexo oral... [...] ele adorava que eu ejaculasse na boca dele [...]” (Halaor) “[...] eu já tinha assim presenciado, o ato sexual, de gente mais velho [..]”. (Hilton) “[...] eu transava sem camisinha, não gostava de usar camisinha, gostava sem camisinha [...] eu transava com um viado amigo meu... quando eu transei com ele, eu fiquei com a mãe dele... também fiquei com outra [mulher].” (Hermes) 88 “[...] só quer ser o garanhão, o gostosão... sai e não quer saber com quem tá... só quer pegar e pronto... geralmente a maioria dos homens da minha idade eles contraem por causa disso... são mais ousados [...]” (Hiran). “[...] era só prazer... era adrenalina... corpos bonitos... beleza... festa... físico [...]” (Herculano). Marcas identitárias de gênero masculino e enredos sexuais mostram o que vem a ser um caminhar de homens jovens construídos social e sexualmente. Ser homem induz a obter uma gramática física e sexual, ser ousado e desafiador, e traz na jovialidade a possibilidade da autonomia e experimentação, conforme delineia Groppo (2010). Mas, nas vulnerabilidades para a Aids dentro dos enredos sexuais das masculinidades, as substâncias psicoativas podem também compor esse cenário de erotização e prazer dos homens jovens, conforme observamos nas falas abaixo. “[...] pegando o carro com a menina e rola... fazia o que queria... a pessoa fica mais relaxada, não tem preocupação... numa noitada... a quantidade de álcool... vai fumar maconha... você faz as coisas sem preocupação, a cabeça livre... eu saia, tinha várias meninas que eu curtia...[...]” (Hugo). “[...] sexo, drogas [...] você começa a praticar sexo, você se sente diferente [...] eu gostava muita de rock, sexo, [...] a galera fazia [festas] rolava rock’nroll, sexo, drogas [...]” (Holinto). “[...] na época eu bebia, me empolgava durante a bebedeira e terminava acontecendo e sem o uso do preservativo... [...] não lembrava nem com quem... [tinha transado][...]” (Hermito). “[...] vamos sair hoje à noite pra balada, depois no final da noite a gente ia pro motel... eu fumava, que eu bebia... tinha mesmo uma vida desregrada... álcool, bebida...de vez em quando usava algumas drogas... cocaína... antigamente eu fazia o que me desse na telha...[...]” (Helcias). Os jovens têm sido apontados, no mundo todo, como grupo mais suscetível não só à Aids, mas também às drogas. Como categoria sócio-histórica-cultural, a juventude (PAIS, 1990; SPOSITO, CARRANO, 2003) apresenta diversidades na sua forma de existir, o que a coloca em diferentes graus de vulnerabilidade em relação às drogas. São diferenças de urbano/rural, classe sociodemográfico, de estilos que coexistem, ao mesmo tempo, com características comuns a este momento. Vários estudos mostram o quanto os jovens estão expostos às drogas (CEBRID, 2013; PAULILO, JEOLÁS, 2000; RISCADO, 2000; RISCADO, 2004). Nos relatos somos capazes de perceber que as experiências sexuais desses 89 homens jovens perpassam roteiros com espaços específicos de baladas/noitadas, festas, motel, internet, falta de medo, ousadia, supremacia masculina (superhomem, garanhão), rotatividade de parceiros, exposição a riscos, juvenilidade masculina, corpos belos (físico), dispensa do preservativo, bebidas e outras drogas ilícitas. Estudando vulnerabilidades de homens que fazem sexo com outros homens (HSH), Andrade et al. (2007) destaca que taxativamente é marcante, na atual conjuntura, o grau de informação que possuem esse segmento populacional, no que se refere à doença Aids e seus modo de transmissão/infecção. Mas parece-nos que os roteiros sexuais, o desejo, a busca máxima pelo prazer, podem trazer conformidades outras, que subvertam a lógica do controle e do cuidado de si. Godim e Kerr-Pontes (2000) dizem que no caso das relações homossexuais masculinos que tanto o vultoso envolvimento emocional com o parceiro quanto a grande excitação, são motivos que podem levar ao sexo desprotegido. Silva (2009) mostra que no seu estudo com “barebacking” (‘cavalgar ou montar sem cela’) que embora em alguns de seus sujeitos não houvesse a intencionalidade para o ‘jogo’, mas a condição de expor-se ao risco - relação sexual desprotegida -, ou seja, a deliberalidade de não usar preservativo aproxima essa prática de um ‘brincar com fogo’ (“fire play”). Vale salientar que, a prática do ‘barebacking’ sempre envolve uma pessoa com HIV que participa do sexo grupal, mas num anonimato da identificação do sujeito. Na perspectiva de um prazer mais ‘carne a carne’, nas relações sexuais, por concentrar e intensificar mais sensações e, subversivo à ordem e controle do corpo, alguns homens adotam a prática de sexo não seguro em suas composições eróticas. Isto quer dizer que, as subversões, as transgressões são capazes, possivelmente, de trazer satisfação e prazer. Groppo (2010) ao conceber a dialética da condição juvenil – movimento duplo integração social e autonomia juvenil – nos coloca que entre as forças dinâmicas separação/experimentação, essa última tem em seu arcabouço o elemento da autonomia, ou seja, ele é elemento atrativo da juventude e se permite viver intensamente no tempo presente, no aqui e agora. 90 6.3.3 – Representações da Aids Parece-nos que a Aids continua sendo representada como uma doença do outro, pelo fato do descuido de si na saúde sexual e reprodutiva. O cuidado especial só passa a ser assumido após infecção e conhecimento da sorologia positiva, do seu ‘status’ sorológico, assim como a possibilidade de se buscar maiores informações, aprofundar no conhecimento, acompanhado da prevenção de si e de outrem, pelo uso incondicional do preservativo em todas e quaisquer tipologias de relação sexual – oral, anal, vaginal. “[...] [os pais] ficaram surpresos, nunca esperam isso, não... na verdade é uma novidade, meu pai falou que é uma novidade... a gente nunca espera... só que acontece... é a vida... a gente tem que se cuidar, ele disse... eu disse a eles, agora... nada até agora mudou pra mim... tá tudo do mesmo jeito...[...]” (Hiran). Desde o início da epidemia a Aids ganhou olhares no imaginário social sobre a sua possibilidade de existência enquanto doença do ‘outro’. Estudos, como o de Guerriero et al. (2002) e Riscado (1999), corroboram o imaginário social advindo das concepções da Aids. Esses achados são consistentes com a ideia de que o fatalismo, o destino é colocado na ordem do ‘outro’ (SALDANHA et al., 2008). A partir dos relatos dos sujeitos entrevistados também observamos que a Aids traz ainda na atualidade, enquanto invólucros, preconceito, estigma, discriminação, vergonha, a não cura, o curto espaço de tempo de sobrevida, a morte eminente. “[...] a aids pra mim... o medo... muito receio..[...].” (Hermito). “[...] eu vi quando era mais novo as pessoas comentando... eu via aquele preconceito... eu tinha medo de ter... aids era uma doença incurável... tinha pouco tempo de vida...[...]” (Helcias). “[...] algo que morria de medo... aquela vergonha... tenho receio... preconceito... [...]” (Herculano). “[...] tá sendo como uma segunda chance de vida... hoje eu dou muito mais valor à minha família... as pessoas dizem, ah, porque é uma carta pra você morrer... [...]” (Hetemilton). “[...] se você fala pra família que tem isso (HIV), você é excluído... é o prato, o copo, colher separado... a roupa é lavado separado... é uma coisa que é muito discriminada... a gente ia ser excluído... [...]” (Holinto). Mas, por outro lado a Aids permite também a condição de (re)nascer, uma 91 segunda chance de vida e possibilita estabelecer uma proximidade familiar, um novo vínculo com os pais. Riscado (1998) verificou que alguns sujeitos acometidos pela Aids tiveram sua aproximação familiar restabelecida. Aqueles que haviam se afastado do seio familiar devido a homofobia, tiveram na Aids uma oportunidade de reaproximação e nova convivência. Por conta das representações da Aids, conhecer a situação sorológica pode ser angustiante e fazer com que os sujeitos sejam estigmatizados e vivam situações de preconceito e discriminação. “[...] morria de medo que as pessoas soubessem... minha família é muito preconceituosa... podia atrapalhar minha vida... aquela vergonha tão grande... tenho receio sim, aquele medo.. minha família ninguém sabe...[...]” (Hermito). “[...] [para a namorada] não foi fácil... eu me isolei...[...]” (Helcias). “[...] a pessoa fica meio paranóico... fica com vontade de chorar... dá até vontade de se matar... eu vou morrer, não tem mais cura... [...] eu fiquei meio doido, meio aéreo... tinha noite que não dormia direito... como vai ser o dia de amanhã... a única pessoa que ia me entender, que falo abertamente, meu tio e amigo...[...]” (Hugo). “[...] no momento do conhecimento... só tentei uma vez falar isso, mas foi como se fosse levar um tiro... preconceito é isso...[...]” (Humberto). “[...] pra mim, foi uma destruição terrível... eu não conseguia trabalhar direito... eu tive depressão... tive acompanhamento psicológico [...]” (Herculano). Observamos nas falas dos sujeitos os transtornos desencadeados a partir do conhecimento do diagnóstico de soropositividade ao HIV. Reações que vão ser tangenciadas pelo desequilíbrio emocional, como a depressão, o afastamento do convívio social até a abstinência sexual. O receio do preconceito faz com que também seja poupada a família e esta tem lugar pouco situado para o conhecimento da sorologia positiva. São poucos os privilegiados que possam partilhar esse ‘status’ de portador de HIV. Estudos como o de Riscado (2000) e Guerriero et al. (2002) corroboraram com os achados acima referidos e com as metáforas da Aids (SONTAG, 1989) bem como com o estigma advindo (GOFFMANN, 1988), promovendo um recolhimento e um ocultamento da sua condição sorológica, bem como fugindo possivelmente do rechaço e da exclusão social. Partimos ainda do princípio de que a Aids possa ser uma ‘doença da doença’ segundo Riscado (1999), oriunda de desejos, de uma masculinidade não-hegemônica, como relata Marques Junior et al. (2012), 92 imaginário social sobre a enfermidade direciona os sujeitos acometidos por ela para o preconceito. Goffman (1988) delineia que o estigma é um atributo de caráter depreciativo que gera exclusão. De acordo com esse autor, (...) o estigma envolve não tanto um conjunto de indivíduos concretos que podem ser divididos em duas pilhas, a de estigmatizados e a de normais, quanto um processo social de dois papéis no qual cada indivíduo participa de ambos, pelo menos em algumas conexões e em algumas fases da vida. O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que, provavelmente, atuam sobre o encontro (p.148). O partilhar do ‘status’ de soropositividade pode eliciar a revelação e/ou confirmação da intimidade e os segredos da questão do espaço íntimo da sexualidade, da particularidade e, coloca o sujeito na estância da publicização. Possivelmente, traz espaços, lugares de uma intimidade em que aportam os sujeitos em outras masculinidades, quiçá numa tomada de masculinidade contrahegemônica. “[...] [a mãe] ela é capaz de ter uma coisa... ataque do coração... [a família] o pessoal é tudo preconceituoso... não iam me aceitar...[...]” (Hugo). “[...] no mesmo dia fui com minha mãe pro infectologista... [pais] ficaram surpresos, nunca esperaram isso... na verdade é uma novidade...[...]” (Hiran). “[...] minha família, ninguém sabe... e nem imagina, nem chega próximo... só mesmo três parceiros meus e, hoje meu parceiro atual...[...]” (Hermito). “[...] só quatro pessoas sabem... dois parceiros do passado, meu parceiro atual, e a mãe dele... da minha família, ninguém... [...]” (Herculano). “[...] minha mãe, que hoje tá comigo, e sabe, e as minhas duas irmãs, o resto ninguém[...]” (Hetemilton). “[...] a minha parceira eu já contei... (sexo com outros homens) eu não conto pra ninguém, só rola, só e, pronto... [...]” (Huldo). “[...] (no diagnóstico) já sou casado desde 2008... (esposa HIV positiva)... depois desse período, minha única parceira sexual é ela... [...]” (Holinto). Segundo Rabuske (2009) a decisão de revelar ou não o diagnóstico para outras pessoas foi considerada difícil em função do medo da reação dos outros, medo de sofrer preconceito, rejeição e abandono, e também em função da solidão e do isolamento implicados na manutenção do segredo, corroborando com os nossos 93 achados. Platzer e Cardoso (2012) observam que o advento da constatação sorológica positiva traz implicações psicológicas, nas inter-relações familiares e sociais, ou seja, interfere nas relações sociais, familiares, na vida afetiva, profissional, na sexualidade, corroborando com os achados do presente estudo. Os autores pontuam ainda que o receio de contar e/ou a descoberta no local de trabalho pode trazer atitudes discriminatórias por parte das pessoas e a eminência de perder o emprego. Isso se reflete na fala de um dos nossos sujeitos: “[...] a aids pra mim, o medo... eu tenho muito receio ainda, no trabalho... preconceito [...] a história da empresa e outra empresa... aí lá dentro alguém sabe... eu tenho medo de ser posto pra fora... vou sofrer ‘bulling’ lá dentro...” (Herculano). A Aids é ainda uma enfermidade recheada de preconceitos e estigma impactando nas relações interpessoais e nos diversos espaços sociais, como por exemplo, no ambiente de trabalho. Conforme Ferreira e Figueiredo (2006); Platzer e Cardoso (2012), o trauma na perda do emprego devido à Aids é uma discriminação difícil de ser superado. O trabalho saudável, aquele não escravo, opressor, ocupa um lugar de liberdades na dignidade humana. Diante do contexto da Aids, a preservação da saúde está agora atrelada à promoção de práticas saudáveis, na não exposição ao risco de contrair outras enfermidades que podem e agravam o quadro e, antecipar a morte, já que na atualidade a Aids é vista como uma doença crônica. “[...] pode transmiti-lo [o HIV] pra outra pessoa... fica mais vulnerável a outras doenças... pode pegar um mesmo vírus só que do tipo diferente e fica tudo mais fácil, tudo mais vulnerável pra gente... fica vulnerável a várias doenças, por que nossas defesas caem...[...]” (Hugo). “[...] eu tendo ou não, tudo aconteceu... uma pessoa que tem hiv ela pode ter mais riscos, pode por que a gente tem a imunidade mais baixa, que as outras pessoas, mas uma pessoa que também não tem, também pode ocorrer dela, qualquer doença ela pode pegar...[...]” (Hiran). “[...] depende do risco... quando tem HIV, o risco de se infectar mais... de pegar doenças... todo mundo tem esses riscos. Isso depende também dos cuidados que o soropositivo tem... [...] no risco pessoal, você fica um pouco destemido com a vida... (fatalidade) sou mais ousado na vida. [...] ousado é ultrapassar o medo...[...]” (Humberto). “[...] tem mais riscos por que tem as doenças oportunistas... maior sensibilidade nos órgãos sexuais... adquiri fungos...[...]” (Hermito). 94 “[...] [fumar, beber, drogas] hoje em dia parei tudo, pra cuidar realmente e ter uma vida saudável... as defesas, por qualquer coisa pode ficar doente, e as defesas podem baixar..[...].” (Helcias). A não compreensão da enfermidade pode incorrer no risco de vida. “[...] se a gente não tiver controle, pode até morrer, piorar o nosso quadro e morrer...[...]” (Hiran). Silva (2009) em seus achados percebeu que alguns dos seus interlocutores, embora estivesse circulando no movimento de “barebacking”, e isso significava a possibilidade da soroconversão, que não querem se contaminar e nem ficar doentes, muito embora não tenham medo da morte. Alguns partem do princípio que diante da realidade social a morte se faz eminente em vários momentos da vida cotidiana, como por exemplo, numa situação de assalto a qual estamos a todo o momento expostos. Na verdade são outros sentimentos contraditórios e ambíguos que se fazem presentes nos encontros de “barebacking”. Quanto ao conhecimento sobre Aids, todos parecem deter um saber biomédico, percebe-se que por força da situação sorológica, os sujeitos foram levados a tomar conhecimento e pedir informações fornecidas dos profissionais de saúde. Alguns mesmos buscaram obter uma compreensão mais ampla e profunda da enfermidade através de recursos informatizados. “[...] é um vírus... não tem cura, mas tem controle... tem as limitações, tem seus limites... restringir de muita coisa... até o sexo mesmo com segurança...[...]” (Hugo). “[...] a aids é uma doença, só que vírus é o HIV... cuidar primeiro do vírus que é pra não chegar até a aids... a gente pode controlar... é que nem uma doença do coração... seguir rigidamente o que é passado pelo médicos...[...]” (Hiran). “[...] quem é portador do HIV, pode viver... quem tem um cuidado especial, que se cuida mesmo, tem chance de procurar informação e se prevenir, prevenir as outras pessoas também.[...]” (Humberto). “[...] eu posso ser transmissor através do sexo sem camisinha... beijo na boca, tomar no copo, na taça, não pega...[...]” (Helcias). “[...] hoje eu posso sobreviver com isso e controlar...[...]” (Hermito). Acreditamos que a noção de controle da doença, o poderio advindo de si esteja vinculado às marcas identitárias do gênero masculino, quando ser homem é exercer o poder e o controle sobre as coisas, inclusive sobre a saúde, a doença e o 95 cuidado. O eixo sobre as representações da Aids destacou alguns pontos, através das falas dos sujeitos da pesquisa, que tendem a reforçar situações que podem ser vistas como estigmatizantes e produtoras de sofrimento social; este reverbera tanto na dimensão objetiva/pública quanto na subjetivada/privada. As questões apresentadas são da ordem do medo em revelar a condição sorológica, uma vez que, ao terem acesso às pessoas podem incorrer um isolamento, promover uma exclusão, deixar de socializar com os portadores do vírus. Esse afastamento pode ocorrer na relação com os familiares e nas relações afetivas sexuais, no espaço da casa ou na intimidade, como com os amigos ou colegas de trabalho, na esfera pública, gerando medo social da discriminação. Nesse olhar, o preconceito torna-se um obstáculo para o acolhimento, ação esta tão necessária para lidar com a doença, no entanto, os sujeitos que conseguem superar esse estágio de coisas, até por ser uma ‘representação’ de via de mão dupla podem ultrapassar tais limites e aprender a ressignificar como se vê e é visto com a doença. Ao consideramos na atualidade a Aids como doença crônica, Herzlich (2004) reporta que essa característica traz ao longo da vida do acometido e afeta a cotidianidade da pessoa, uma intercalaridade de “dias bons” e “dias ruins”. Quando as doenças agudas interferem por algum tempo na rotina dos pacientes, diferentemente, as doenças crônicas, como a Aids, fazem rever essa cotidianidade, desde a esfera do público – trabalho e sociabilidades – quanto do campo do privado, família e da intimidade das relações sexuais. Seguindo nessa direção, há que se destacar que a Aids, mesmo assumindo o aspecto de uma doença crônica, ela mantém uma singularidade que envolve preconceitos e estigmas que após o reconhecimento e visibilidade da mesma, esta envolve dor e sofrimento social. A concepção que se tem da Aids, por mais que tenha superado o olhar que se tinha ancorado sobre a mesma no início da epidemia, ainda não rompeu, no campo das representações do indivíduo soropositivo, a consciência/implicação de ser uma “peste” das masculinidades contra-hegemônicas. O que significa dizer que, as experiências dos sujeitos com Aids, se mantem fortemente atrelada às estruturas da vida cotidiana que os sustentam (BURY, 1982), porque a Aids não é uma enfermidade qualquer, diferenciando o olhar que se tem sobre ela, de outras doenças, como por exemplo, a diabete. 96 Ainda em Bury (1982), remete que uma doença duradoura leva a “uma fundamental reconsideração da biografia da pessoa e de seu conceito de si”. Devido a seu conceito de “ruptura biográfica”, a ênfase se deslocou na direção da dimensão temporal da experiência da doença e do trabalho “reflexivo” realizado pelos pacientes que buscam, nem sempre com sucesso, recuperar o controle de suas vidas. No caso da Aids, os sujeitos acometidos por essa enfermidade passam por transformações estruturais em relação ao aspecto físico, como por exemplo, a emaciação do corpo, a lipodistrofia, o estima e discriminação, assim como a perda da autoestima. Família surpreendida, medo, vergonha, receio, exclusão, comentários, preconceito, doença incurável, finitude, morte, (re)nascer, valor familiar, situação sorológica, são aspectos oriundos das falas dos sujeitos que permitem identificarmos as representações que a doença ainda gera. 6.3.4 – O cuidado de si e o cuidar do outro no contexto da Aids Ainda seguindo a nossa compreensão sobre os construtos sociais em relação às representações que ancoram o que pertence ao homem e o que é da estância da mulher, o cuidar de si parece fazer parte muito mais dessa última, expressando-se desde a puberdade em que os preventivos ginecológicos passam a fazer parte do cenário feminino e uma frequência regular aos consultórios médicos. Por outro lado, a saúde do homem, a partir da juventude perde a visibilidade e torna-se negligenciada. “[...] falar da sexualidade masculina, acho que o homem é muito afoito, na questão de fazer muito sexo [...] o homem... não gosta da camisinha [...] o homem, acho que já tem uma tendência a querer né.. aquela coisa de procriar de fazer ou que... vai lá e ... planta a semente [...] eu acho que tá no homem mais do que na mulher essa coisa de sexo, de querer ir atrás, de caçar, de fazer [...] isso possa, ele ser tão afoito, ele querer se aventurar onde não deve e contrair [...] homem é muito safado... apesar de que hoje em dia né, as mulheres tão que tão também, muito solta [...] o homem sempre se destacou muito [...] héteros que tá ali tem que ter um monte de mulher e homossexuais também [...]a gente mais ver é que são muito afoitos né, sempre tá querendo ta com muitos parceiros [...] já fui muito danado [...] “ (Halaor). “[...] o homem ele, não... a mulher, ela é mais preventiva, cuidadosa... o 97 homem não, ele sai... sai pegando todo mundo...[...]”(Hiran). Na construção social da masculinidade, o efeito de cuidar da saúde traz marcas de fragilidade, já que ser homem é ser forte, não chora, não adquire doenças. Seguindo essa ideia, os estudos de Gomes (2008), de Riscado et al. (2011) demonstram que o cuidar de si revela e denuncia fragilidades, pertencentes possivelmente à masculinidade contra-hegemônica e/ou à condição feminina (CECHETTO, 2004). No sistema público de saúde, reclama-se sempre da ausência masculina em ambulatórios e em consultas regulares. O homem encontra-se distante da promoção da saúde, da prevenção de doenças e é mais frequentador, muito mais, dos espaços hospitalares devido aos agravos advindos das faltas de atenção primária de saúde, (FIGUEIREDO, 2005; FIGUEIREDO; SCHRAIBER; COUTO, 2012; GOMES, 2008; RISCADO, OLIVEIRA; BRITO, 2011; SEFFNER, 2012). Esta constatação encontra-se também revelada em Ayres et al. (2003), Gomes e Nascimento (2006), Marques Junior et al. (2012), Zacheu et al. (2012) em que boa parte do segmento masculino, na relacionalidade com as mulheres, nem tão constantemente busca os serviços de saúde – para promoção de saúde, prevenção de agravos e doenças – na perspectiva em que esses setores são fundamentais na esfera da vulnerabilidade institucional, isto quer dizer, de programas voltados para a política integral de saúde do homem e estratégias de acesso aos serviços de atenção básica. A combinação de ser jovem homem propõe uma constituição do fervor dos “hormônios” e, significativamente, os sexuais, a descoberta da sexualidade e o lugar de plenitude do ciclo da vida, aliado a um modelo hegemônico de gênero masculino onde a atenção e idolatria aos prazeres faz parte dos roteiros sexuais . Se por um lado se tem a seiva da juventude – a imaginária fonte da eterna juventude – some-se a isto a virilidade do ser homem enquanto marca identitária de masculinidade. “[...] sexo... você é novo, jamais (pensa) que vai acontecer isso... (uns amigos) é você se prevenir, mas outros nem diziam... comecei a pesquisar, saber sobre sexo... querer buscar o sexo desde os catorze anos... minhas amizades bem mais velhas, eu queria alguém que me ensinasse, que me indicasse o caminho, dava prioridade, valor sempre às pessoas da rua... hoje pra mim, é uma nova vida, eu mudei completamente a minha mentalidade, a minha cabeça, a minha forma de viver hoje... eu sou muito mais saudável, 98 muito mais cabeça no lugar do que antes... saudável de me cuidar 100%, de querer realizar os objetivos, meus ideais... [...]” (Hetemilton). “[...] antes de saber, se tem menos preocupações... (sem)... preocupação da prevenção acaba contraindo... não ter preocupação com o HIV, com a DST... tive sífilis... eu bebia, geralmente quando estava embriagado, nem todas às vezes eu usava o preservativo... (agora) o uso do preservativo... a seleção do parceiro... [...]” (Herculano). “[...] eu levava camisinha, mas quando eu tava no rola-rola, bem-bom, eu esquecia... eu não conto pra ninguém, só rola, só e pronto... é sexo oral, anal, mas agora... uso sim, sempre camisinha... tô levando a vida numa boa, normal... como era antes, eu saio, tomo uma, bebo... [...]” (Huldo). “[...] no meu caso, me preocupava mais na hora da penetração, colocar a camisinha só na hora da penetração... sexo oral eu não usava camisinha... depois é que você tem que usar pra qualquer tipo de sexo, o preservativo... eu não me arrisco a transar com ninguém fora mais (de casa)... corro o risco de pegar uma hepatite, piorar o meu caso... [...]” (Holinto). Quando se estudou a prostituição masculina – garotos de programa – Santos (2011) verificou que todos se iniciaram bem jovens e nas entrevistas relataram que a jovialidade faz parte do pacote da carreira de trabalho. A virilidade, ou seja, a prontidão do falo e, em todos os contornos sexuais e fantasias do cliente, tem que se fazer presente nesse tipo de atividade. Essas vicissitudes evidenciam os limites impostos por esse tipo de trabalho, tendo o corpo como mercadoria de troca, de venda, a negociação por gratificações financeiras. A juventude sempre teve seu lugar na história enquanto objeto obscuro do desejo. Os ‘jovens efebos’, na civilização greco-romana eram convocados para fazerem parte de uma casta junto aos pensadores e filósofos que enquanto mais velhos, portanto modelo a ser seguido, preocupavam-se em repassar o conhecimento aos mais jovens, inclusive o homoerotismo masculino (COSTA, 1992; GUIMARÃES, 2008; RISCADO, 1999). Ao desconstruírem-se discursivamente no descuido de si, os sujeitos constroem-se no cuidado de si e do outrem. As falas produzidas encarnam um cuidado de si ‘a posteriori’, ou seja, ao pós-facto de terem se infectado com o HIV. Isso vem acompanhado do cuidado do outro, do receio de infectar o outro, baseando-se na premissa de que não se sentiriam confortáveis repassando o vírus. O par da relação cuidado de si/cuidado do outro acompanha o processo de experiência nas relações sexuais atuais, a partir do conhecimento da soropositividade. “não é igual, é totalmente diferente, tem que se prevenir... usar camisinha”[...] pra não passar pra ele né... que eu tenho consciência, né [...] (Hamilton) 99 “começa a fazer as coisas com mais controle... uma coisa mais limitada... tem hora pra voltar, tem que chegar mais cedo... não pode beber muito... se poupar... [não] fumar também... usar o preservativo é prioridade... até no sexo oral... a gente fica vulnerável a várias doenças, há questão da defesa cai...” (Hugo). “tem que se policiar... sempre usar camisinha” (Hiran). “procurar informação e se prevenir, prevenir as outras pessoas também” (Humberto). “hoje em dia eu já não faço mais... [as noitadas e as baladas] eu me respeito... eu não quero ser um transmissor de doença...” (Helcias). “hoje eu posso sobreviver com isso [HIV] e controlar... também me cuidar, correr atrás do prejuízo...” (Hermito). Os construtos sociais que promovem a demarcação identitária do gênero masculino trazem impacto no cuidar de si e vulnerabilidades individuais, a partir do comportamento e dos roteiros sexuais desses homens jovens que admitem para si como naturais. Isso quer dizer, como uma virilidade a todo tempo, perene, a uma impetuosidade associada ao incorrer riscos, que o desejo sexual masculino não pode ser demarcado e nem controlado e, que o sexo nesse perfil é jurisdição feminina. Este eixo tratou de algumas características enfatizadas por nossos entrevistados que perpassam pela crença da invencibilidade, de que coisas ruins não atingirão, que o cuidado, principalmente, o preventivo é coisa de mulher, que o sexo desprotegido tem associação direta com ser ‘macho’, frequentar balada ao limite, de que quanto mais novo não se deve preocupar em pegar doenças. No entanto, alguns depoimentos também tratam de que o uso do preservativo, por alguns jovens, é importante; e ao final quando se encontram com o vírus, pelo menos no discurso, é necessário mudar comportamento, ter uma vida voltada para o cuidar de si. O ‘cuidar de si’ é uma definição que tem de se apoiar na ideia da cultura de si. Esse conceito se funda na perspectiva em que existe uma “intensificação da relação consigo pela qual o sujeito se constitui enquanto sujeito de seus atos”, conforme Foucault (1985, p. 47). A perspectiva do cuidar de si surge a partir da tradição grega, em que é ressaltada via, tanto o pensamento quanto a prática médica. O cuidar de si aqui se foca na atenção ao corpo. As relações sexuais reportadas pelos entrevistados 100 apontam para uma fragilidade no campo da saúde sexual. Ao tentar corresponder ao modelo hegemônico de sexualidade masculina, esta resposta pode se inscrever em uma armadilha para a adoção desse cuidado. Assim, os homens, em particular os homens jovens, ficam mais vulneráveis à exposição à infecção das DST e ao HIV. Do ponto de vista das políticas de saúde, principalmente as dirigidas aos homens e, que abordam o âmbito das da sexualidade masculina, estudos tem apontado que além dessas focarem quase que exclusivamente as doenças, também tendem a configurar os homens como seres infectantes e pouco investem na perspectiva da subjetividade ou mesmo tratando os homens como protagonistas de suas ações. CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência de homens jovens que vivem com HIV/Aids foi a proposta desse estudo, no qual reverberam essas vivências para o cuidado de si e do outro no cenário contemporâneo da epidemia. Nossa premissa, partimos do princípio de que os homens jovens são influenciados pelas marcas identitárias da masculinidade e que estas podem distanciá-los e vulnerabilizá-los no trato com a saúde. Isto quer dizer que, o modelo de masculinidade hegemônico a ser seguido pode se constituir em uma armadilha para que os homens e, em particular, os homens jovens possam viver de forma plena e integral a sua saúde. O forjar identitário pode ser a base essencial de aspectos de vulnerabilidade para a infecção do HIV. Em relação à juventude masculina, que de uma forma geral, tem sido percebida como um segmento que gera tensões, nos diversos espaços da realidade social, precisa ser compreendida concomitantemente como uma representação sociocultural e uma situação social. A juventude masculina, portanto, é uma concepção, representação ou criação simbólica, oriunda dos grupos sociais ou pelos próprios sujeitos tidos como jovens, para designar uma série de comportamentos e atitudes a ela atribuídos e nem sempre compreendidos, aceitos ou respeitados pela sociedade como um todo. Nessa perspectiva, a juventude masculina se apresenta como plural e com diversos marcadores que darão um tom que é coletivo e singular ao mesmo tempo, variando a partir de determinados aspectos estruturantes, tais como: gênero, unidade de geração, repertório comum de experiências sociais, dramáticas ou não, particulares ou cotidianas. Ela também pode ser influenciada pela questão racial, possibilitando experiências e vivências que caracterizam forma distinta para homens jovens brancos e negros, gerando processos diferenciados de inserção, oportunidades, subalternidades, construção de identidades raciais. Assim, ao associar juventude masculina e sexualidade, essa tende a se configurar como uma importante questão social, sendo a juventude um momento em que se dá a afirmação da identidade sexual; esse período de certa forma se relaciona, quase sempre, a controle e interdições. Nesse sentido, dependendo do grupo social, de um lado, se administra a forma como o homem jovem exerce a sua 102 sexualidade e, de outro, há uma preocupação, principalmente em relação aos jovens do sexo masculino, em observar se os comportamentos expressos se enquadram num padrão de identidade sexual prescrito pelo modelo hegemônico de masculinidade. Seguindo esse caminho, a sexualidade masculina juvenil se ancora em múltiplos roteiros, refletindo relações entre os diferentes modelos de masculinidade, nesse sentido, o homem jovem que conseguir corresponder ao modelo hegemônico será mais valorizado e terá maior legitimidade. No entanto, também existe a possibilidade da subjetivação por parte de outros grupos de homens jovens que questionam esse modelo, gerando processos, adoção/incorporação e convivência com outros modelos de gênero considerados não hegemônicos ou subalternizados. Marcas identitárias de gênero na esfera do masculino foram os pressupostos que constituíram, possivelmente, um dos mais significativos fatores de descuido/descaso com o cuidado de si e da saúde geral, repercutindo, entre outros elementos, na exposição à infecção e na perspectiva com o tratamento do HIV/Aids. Para a compreensão do estudo como um todo, incluindo o processo de análise, lançamos mão dos referenciais teóricos de sexualidade masculina, juventude, vulnerabilidade e representações da Aids e dos eixos estruturantes, tais como: 1) a compreensão sobre sexualidade e sexo; 2) as experiências sexuais de homens jovens; 3) os sentidos atribuídos à Aids e 4) o cuidado de si e o cuidar do outro no contexto da Aids. Assim, a produção das considerações finais buscou uma forma articulada e dialética entre os referenciais teóricos e os eixos, não os separando ao longo do texto. Os enunciados para a compreensão sobre sexualidade e sexo estão atrelados ao modelo hegemônico de masculinidade, quando pautam por uma sexualidade de multiparcerias, voltada exclusivamente para o prazer, com estranhos ou estranhas, com pouca ou nenhuma relação de afeto. Após o conhecimento acerca da soropositividade e do tempo de maturação, lidar com a enfermidade pelo HIV parece-nos que o conceito sobre o comportamento passa a ser repensado, ocorrendo uma busca, mesmo que utópica, que vai da relação sexual casual para um relacionamento que envolva uma sexualidade mais exclusiva. Os roteiros sexuais, então, exercitam e procuraram dar conta de uma atitude mais virtuosa. As experiências sexuais de homens jovens constituem roteiros sexuais que 103 permeiam espaços de balada, bebidas, drogas e parcerias múltiplas em muita das vezes com um relaxar do uso de meios preventivos, incorrendo em um risco potencial e substancial porque tendem a adotar uma prática sexual arriscada, sem o uso, sobretudo, do preservativo. Destaca-se que as representações sobre Aids dos jovens homossexuais não se diferenciam das dos heterossexuais. No entanto, as representações sobre sexualidade ganham contornos que se arregimentam ora singulares, ora plurais. Nas sexualidades masculinas ainda se persiste a ideia de que, no ato sexual, o prazer e a emoção (‘adrenalina’) estão além da razão, da racionalidade. Os roteiros sexuais pelas masculinidades, nas identidades sexuais ora se aproximam – na busca pelo prazer, na rotatividade de parceiros, na incorrência de riscos, pela não prevalência nas relações sexuais do uso do preservativo – ora se distanciam, ou seja, nos construtos simbólicos das interdições, quando particularmente nas práticas sexuais se aproximam da instância do feminino. As experiências da sexualidade na realidade social são orientadas pela concepção de masculinidade, do que é ser homem, nos roteiros sexuais, sobretudo pela presença da multiparcerias e das masculinidades diversas. Aliada a essas questões, alguns homens jovens fazem uso de substâncias psicoativas, aumentando seu status de vulnerabilidade ao HIV e às Hepatites Virais. Os papeis socializadores de gênero e, ancorados nesses, os roteiros sexuais em conformidade à hegemonia de masculinidade fazem com que a vulnerabilidade individual marque um dos pilares e que se possa incluir nos esquemas de promoção à saúde, prevenção das doenças, nas políticas governamentais. Além dos sentidos atribuídos à Aids, pelo imaginário social de doença do outro e de uma sexualidade desregrada, esta carrega o estigma pela possibilidade de uma masculinidade contra-hegemônica – a homossexualidade – e vertente de preconceito homofóbico, que promove a exclusão social. O diagnóstico de soropositividade desses homens jovens projeta um marco em suas vidas, principalmente nos primeiros momentos, tanto no sentido do possível adoecimento e de passar a pertencer a um grupo que se encontra estigmatizado e pode deparar-se diante da morte biofísica, psicológica e da morte social. Assim, compreendem também para o não revelar o diagnóstico para pais e outros familiares próximos, uma vez que esse fato pode trazer dor, sofrimento, eliciar o estigma e, promover, discriminação junto aos entes queridos. Pensam que a 104 revelação pode se dar num futuro quando o quadro de saúde em relação ao HIV/Aids estiver deteriorado. O cuidado de si e do outro no contexto da Aids destacam-se pelo entendimento de que a mesma passou a ser uma enfermidade crônica, que a vida continua, que vale a pena ser vivida e cuidada, promovendo um cuidar sobre si, em todas as esferas, seja física, psicológica e social. O fato da não publicização da soropositividade modela o emocional e o fortalecimento de si e, garante uma possível não visibilidade discriminatória e preconceituosa, que poderia ter implicações para uma morte social. Os projetos de vida desses homens jovens são retomados na perspectiva de se tornarem mais saudáveis, na alimentação, de se cuidar ‘cem por cento’, de realizar os objetivos, os ideais, etc. Nas conversas no campo, pós entrevistas, nossas anotações situaram que esses homens jovens apontam para uma perspectiva de retomada aos estudos, outrora abandonado, a busca por trabalho, e outras. Partem do pressuposto de que em todas as relações sexuais o uso do preservativo vai tomando posto na perspectiva de que a sobre-exposições de características de vírus possibilita outras infecções para si, como também preserva a integridade do/a parceiro/a para uma não infecção, já que o revelar a sorologia positiva do HIV para o parceiro/a pode trazer desconfortos, revelar o preconceito introjetado nas pessoas e eliciar, disparar a discriminação. O conceito de vulnerabilidade vem de há muito tempo numa familiaridade com a questão da Aids e essa particularidade, traz uma assertiva para compreender os diversos campos que se impõe para a possível interpretação do fenômeno, nos esquemas estruturais da vulnerabilidade – individual, social e programática. O quadro da Aids aponta para um lócus de pauperização, ou seja, o que no início da epidemia parecia acometer tão somente as pessoas abastadas, há um bom tempo esse cenário, vem tendo uma outra conformidade. No que se referem à vulnerabilidade social os homens jovens tem uma escolaridade flutuante de parcos números de anos estudados, ou seja, revelam um abandono dos estudos em algum momento de suas vidas. Nota-se ainda o compartilhamento de desemprego, ou atividades laborais não consecutivas, perenes, baixos salários, referência de nível socioeconômico e moradias simples, localizadas em bairros populares. 105 Aqui, a vulnerabilidade individual encontra-se atrelada ao gênero masculino na interface com a jovialidade, que contribuem para o descuido de si, da saúde geral e, pelo adoecimento explicam o patamar de alta prevalência de infecção ao HIV, por exposição sexual, entre homens jovens. O cuidado de si e da sua saúde perpassa, após o diagnóstico, para o plano de valoração à vida, nos cuidados de uma vida saudável, não desregrada como antes. Percebem que o sucesso dessa nova projeção inclui não unicamente movimentos individuais, seja no tocante à alimentação, atividades físicas, evitar os excessos e outras, mas também os serviços de saúde e medicamentos disponibilizados pelas esferas de governo. Veem como importantes os serviços de cuidados oferecidos nos SAE e sinalizam para o atendimento bem adequado dos profissionais de saúde no que se refere ao acolhimento, aos repasses de maiores informações e conhecimentos, ao tratamento, os preceitos éticos principalmente no aporte ao sigilo, à equidade e à justiça. Nas observações de campo, nas conversas anotadas no diário de campo, remetem que os profissionais de saúde que atendem nos serviços especializados estão fundamentados cientificamente e capacitados. Para esses homens jovens, os SAE de Maceió têm cumprido o seu papel de forma coerente e exemplar, conforme apregoam as diretrizes da esfera governamental federal, onde tem instalado dentro do Ministério da Saúde, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, que dá sentido às normas, regras, referências para a prevenção, tratamento e outras. Nessa nossa agenda, incorporar as questões de gênero no masculino e mocidade pode contribuir para a promoção da saúde e prevenção de doenças. Isto quer dizer, estabelecer a perspectiva programática, trazendo para o diálogo os saberes dessas categorias, pode ser uma possibilidade de adesão dos homens aos cuidados de sua saúde, a prevenção de doenças e, no caso em questão de homens jovens vivendo com HIV, evitar a reinfecção de si e de outrem. E, nos diversos níveis da educação, enquanto campo, tornar-se um lugar de discussão, debate e práticas. PRODUTO Instituir uma disciplina eletiva “gênero e saúde” na graduação da medicina; Sugerir a criação de uma disciplina e linha de pesquisa “gênero e saúde” na Especialização do NUSP e no Mestrado Profissional de Educação em Saúde; Fortalecer o grupo de pesquisa da FAMED; Articular com outros Núcleos de Estudo da UFAL na interface; Fortalecer a parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Maceió e a SESAu/AL; Sugerir um acolhimento e assistência para a cronicidade da Aids. REFERÊNCIAS ABRAMO, H. W. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. N. 5/6, mai/dez., 1997. ABRAMOVAY, M. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas / Miriam Abramovay et al. – Brasília: UNESCO, BID, 2002. 192 p. ALVES, M. F. P. Sexualidade e prevenção de DST/Aids: representações sociais de homens rurais de um município da zona da mata pernambucana, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro. 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Em sua opinião, como é a vida sexual de uma pessoa com HIV/Aids? 4. Para você, como é a vida sexual de uma pessoa antes e depois de ela saber que tem HIV/Aids? 5. Costuma-se dizer que a vida sexual de uma pessoa com Aids tem mais riscos do que de uma pessoa sem essa doença. O que você acha sobre isso? 6. Você tem alguma sugestão de como é que os homens jovens com HIV/Aids devem ser atendidos nos serviços de saúde? 7. Você tem algo mais a comentar sobre sexualidade masculina e HIV/Aids? 118 ANEXO B Ministério da Saúde FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Comitê de Ética em Pesquisa Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Você está sendo convidado para participar da pesquisa sobre sexualidade e AIDS com homens. Você foi selecionado porque é homem, tem entre 18 e 29 anos e aponta sorologia positiva para o HIV e sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com minha pessoa, ao corpo técnico aqui do SAE e com aqui o Bloco I e a Secretaria de Saúde (Programa Municipal de DST/AIDS). Os objetivos deste estudo são analisar as representações sobre a sexualidade e a AIDS, conhecer os sentidos dos homens antes e depois do diagnóstico de AIDS, conhecer os enredos sexuais e o que é masculinidade. Sua participação nesta pesquisa consistirá na entrevista, nos relatos dessas questões que anteriormente foram faladas. Os riscos relacionados com sua participação são mínimos. Os benefícios relacionados com a sua participação são que poderemos pensar prevenção e promoção à saúde a partir dos resultados encontrados, assim como as políticas públicas de saúde. As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação porque utilizaremos nomes fantasias/artísticos, ou seja, codinomes/pseudônimos para manter o anonimato. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do pesquisador principal e do CEP, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. ______________________________________ JORGE LUÍS DE SOUZA RISCADO PROGRAMA UNIVERSIDAIDS DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL Av. Lourival de Melo Mota, S/N - Campus A. C. Simões - Tabuleiro do Martins - CEP: 57.072-970 - Maceió – Alagoas (82) 3124.1164 / 9973.7379 CONSELHO DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 - Térreo Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ / CEP. 21041-210 Tel e Fax - (21) 2598-2863 Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar. _________________________________________ Sujeito da pesquisa 119 ANEXO C QUESTIONÁRIO LOCAL: BLOCO I – PAM SALGADINHO PESQUISADOR: PROF. DR. JORGE LUÍS DE SOUZA RISCADO IDENTIFICAÇÃO 1) Nome: 2) Idade: / / 3) Raça/cor: 4) Escolaridade: 5) Estado Civil: ( )Solteiro ( )Casado ( )Divorciado ( )União estável ( )Outro: ____________ 6) Nível socioeconômico: 7) Ocupação: 8) Local de Moradia/Bairro: TELEFONE: DADOS RELACIONADOS À INFECÇÃO 9) Ano do diagnóstico: 10)Qual o motivo da realização do exame diagnóstico? __________________________________________________________________________ ___ 11) Sexualidade: ( )Heterossexual ( )Homossexual ( )Bissexual 12) Múltiplos parceiros: ( )Sim ( )Não 13) Enfermidades Oportunistas: ( )Sim ( )Não Se sim, quais? 14) História de drogas: ( )Sim ( )Não Se sim, qual(is)? 15) Quais os acompanhamentos realizados? 120 ANEXO D Plataforma Brasil - Ministério da Saúde Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP/ FIOCRUZ PROJETO DE PESQUISA Título: REPRESENTAÇÕES SOBRE SEXUALIDADE E AIDS DE HOMENS JOVENS QUE SE INFECTARAM COM HIV/AIDS. Área Temática: Pesquisador: JORGE LUÍS DE SOUZA RISCADO Versão: 3 Instituição: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio CAAE: 01429612.4.0000.5240 Arouca - ENSP/FIOCRUZ PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP Número do Parecer:66803 Data da Relatoria:03/08/2012 Apresentação do Projeto: Sem comentários. Objetivo da Pesquisa: Sem comentários. Avaliação dos Riscos e Benefícios: Sem comentários. Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Sem comentários. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Sem comentários. Recomendações: Sem comentários. Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Projeto na íntegra, contendo modificações resultantes da qualificação, foi enviado por email pelo orientador à coordenador a do CEP/ENSP em 30/07/2012. A coordenadora do CEP/ENSP anexou o documento que permanecia como pendência e aprovou. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não RIO DE JANEIRO, 03 de Agosto de 2012 Assinado por: Ângela Fernandes Esher Moritz