por Jorge Luís de Souza Riscado Tese apresentada

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“Representações sobre sexualidade e Aids de homens jovens com HIV/Aids”
por
Jorge Luís de Souza Riscado
Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na
área de Saúde Pública.
Orientador principal: Prof. Dr. Romeu Gomes
Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Elaine Ferreira do Nascimento
Rio de Janeiro, setembro de 2013.
Esta tese, intitulada
“Representações sobre sexualidade e Aids de homens jovens com HIV/Aids”
apresentada por
Jorge Luís de Souza Riscado
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof.ª Dr.ª Stella Regina Taquette
Prof.ª Dr.ª Rosana Quintella Brandão Vilela
Prof.ª Dr.ª Martha Cristina Nunes Moreira
Prof.ª Dr.ª Fátima Regina Cecchetto
Prof. Dr. Romeu Gomes – Orientador principal
Tese defendida e aprovada em 09 de setembro de 2013.
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública
R595
Riscado, Jorge Luís de Souza
Representações sobre sexualidade e Aids de homens
jovens com HIV/Aids. / Jorge Luís de Souza Riscado. -2013.
120 f. : graf.
Orientador: Gomes, Romeu
Nascimento, Elaine Ferreira do
Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2013.
1. Masculinidade. 2. Sexualidade. 3. HIV. 4. Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida - prevenção & controle.
5. Vulnerabilidade em Saúde. I. Título.
CDD – 22.ed. – 614.5993
DEDICATÓRIA
Aos meus pais (in memoriam), Manoel e Maria das Dores.
Às minhas guerreiras Tias Maria José (‘braba’) e (‘doce’) Maria Rita
Ao meu filho amado Jorge Luís Júnior
À minha diarista-amiga Maria das Graças (‘Ia’ pro Junior)
À Dona Amália Borges, meu Carinho
Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim
Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim
Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim
E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim
Quando lavarem a mágoa
Quando lavarem a alma
Quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim
Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim
Aos Nossos Filhos (Ivan Lins)
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Romeu Gomes, de forma mais especial, pela orientação
conduzida com sabedoria, competência, disponibilidade e generosidade, no decorrer
desse processo. A ele, sou gratíssimo então por ter acreditado em mim e ter tido a
paciência necessária para orientar-me nessa empreitada que é fazer uma tese de
doutorado e, em especial, pelas conversas que me reanimaram e me ajudaram a
concluir este trabalho, assim como por sua característica criativa que tanto
influenciou em diversas decisões tomadas acerca da estrutura do trabalho.
À Profa. Dra. Elaine Ferreira do Nascimento pela preciosa e incansável
orientação, sempre com competência e disponibilidade. E a vida continua... Vamos
que vamos...
À minha família, em especial aos meus irmãos Antonio (Toninho) e cunhada
Maurinha (in memorian), Neide, Angélica, e primos Patrícia, Caio, Igor e Murilo,
Grace de Fátima e Marcos, por todo apoio e incentivo.
Ao meu Grupo de Oração da Igreja dos Capuchinhos, Ademir Oliveira,
Benilda de Luna, Gabriel Ferreira, Nadja Amorim, Paulo Guimarães e Silvete
Galdino, que nunca me deixaram esmorecer.
Aos meus Colegas do DINTER de Maceió Soninha (in memorian), Josineide,
Cristina, Waneska e Cristiane, pelos momentos agradáveis que compartilhamos
nessa caminhada e nas viagens para João Pessoa.
Aos colegas do DINTER, Ana Claudia (Clode para os íntimos), Ana Luisa,
Ana Suerda, Ângela, Anubes, Bianca, Aurilene, Climério (Olha a banana, olha o
dulcíssimo caju...), Gigliola, José da Paz, Liza (e Família), Nilza, Suelma (Claro e
Evidente), Waglânia.
Aos coordenadores do Doutorado Interinstitucional, Profa. Dra. Maria Helena
Barros, Profa. Dra. Cristina Guillam, Prof. Dr. César Cavalcanti da Silva, Profa. Dra.
Ana Maria Gondin (Gentileza Pura), aos professores e funcionários do DINTER, pela
dedicação e apoio no decorrer desse processo.
Aos amigos Otávio Pinho, Maria de Lourdes B. Gomes (Marilu) e Rivaldo
Maia (Riva/Bado) pela antiga amizade, pelo carinho e pelo acolhimento quando
estadia em João Pessoa, PB. Saudades.
À Profa. Dra. Vera Amaral (in memorian) pela forma amorosa, alegre, sempre
para com a minha pessoa. Obrigadão por conhecê-la.
Aos docentes da banca examinadora pela disponibilidade e valiosas
contribuições na construção dessa tese. O meu agradecimento especial se remete a
esses avaliadores formais – Rosana Vilela, Stella Taquette, Martha Moreira, Fátima
Cechetto,– seja na qualificação e na defesa da tese. Obrigadão pelo aceite do
convite, por terem deixado seus compromissos e, por alguns momentos, focalizado
a atenção na leitura do que estava sendo produzido. Obrigado também pelos
encaminhamentos propostos e os que serão apresentados após a defesa.
Aos gestores, diretores dos SAE, apoiadores, equipes SAE PAMSALGADINHO – Psicólogos/as Fábio Lins Mota, Samuel Delane, Aline Oliveira,
Simone Tavares, a Enf. Riviane Tavares, Tec. Enf. Elaine, a Coordenadora Adm.
Waldacir (Wal) Rocha, a Coord. Prog. DST/Aids e Hepatites Virais Psy Sandra
Cristina Gomes, Assist. Social Tereza Carvalho e, ao Gestor de Saúde de Maceió.
Meu carinho especial ao Hospital Dia do HUPAA/UFAL, pela forma
acolhedora com que nos receberam e que se disponibilizaram a contribuir com esse
estudo, como a baluarte Profa. MsC. Vania Pires, a Psy Márcia Guimarães, Enf.
Teresa Paula Peixoto, Carlos Alberto (Beto), Tec. Enf. Sandra Moura e Dona
Marlene.
À Superintendente de Vigilância em Saúde – SESau/Alagoas, incrível ser
humano Dra. Sandra Canuto, pelo carinho, respeito, credibilidade, Obrigadão.
Também à Assist. Social Francisca Fátima do Programa Estadual de DST/Aids.
Aos incansáveis ‘brothers’ Laudemi José de Oliveira e Lourani Oliveira, pelo
apoio logístico, sempre presentes. Muitíssimo Obrigaduuuuuu.
E os/as discentes Jennifer Peroba Lins, Vicente de Tarso Lisboa Granja,
David Monteiro e Mayara Juliana Cardoso, pela valiosa colaboração nos meandros
desse trabalho.
Aos meus parceiros de rápido convívio de disciplinas pós-acadêmicas e
construção de artigo, doutoranda/o Edna Granja (Recife, PE) e Eduardo Honorato
(UFAM).
Aos sujeitos de pesquisa que juntos partilhamos intimidades, particularidades
e juntos construímos conhecimento. Minhas reverências.
Aos meus colegas da FAMED/UFAL, singularmente Rosana Vilela, Francisco
Passos, Lourdinha Vieira, Iasmim Duarte, Divanise Suruagy, Gilberto Macedo (in
memorian), Antonio Piranema (in memorian), Rogério e Telma Pinheiro, Ana Dayse,
Jairo Calado, Ângela Canuto, Fátima Albuquerque, Ângela Bahia, minhas colegas do
NUSP e aos demais da UFAL como Maria Aparecida de Oliveira (Cida), Tonholo,
Claudio Miranda, Eduardo Lira, José Roberto Santos, Silvia Cardeal, Pedro Nelson
Bonfim, Maisa Kulock, Maria Helena Ferreira, Gilda Brandão e Gedalva Mateus.
Aos professores compositores e orquestradores de minha trajetória
acadêmica, jardim de infância, primário, ginásio, científico, graduação,
especialização, mestrado e doutorado.
À FAPEAL e à CAPES, agências financiadoras, órgãos que apoiaram o
desenvolvimento científico, auxiliando em algo tão importante para nós
pesquisadores, fornecendo as condições para se realizar a pesquisa.
À Deus, esse Ser Superior que a tudo sou grato. Acredito então que esse
mesmo Deus foi o responsável por ter me aproximado dessas pessoas
maravilhosas, anteriormente mencionadas, que floriram e perfumaram meu
caminhar, e de ter oportunizado fornecendo a inspiração e a motivação necessária
para realizar um trabalho capaz de trazer alguma contribuição à sociedade e por ter
me dado condições para terminar, quando parecia que não havia mais fôlego para
realizar tal intento, pelos enormes problemas particulares emergidos durante o
doutoramento.
Finalmente, por conta da diversidade de vínculos, contatos e experiências
com inúmeras pessoas, ou ainda, em decorrência de uma possível questão de
memória, admito “mea culpa”, que posso ter omitido algum nome. A estes, ficam as
minhas desculpas na esperança de ter outra oportunidade para redimir-me desse
lapso.
“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”
Pais e filhos (Renato Russo)
Muitíssimo Obrigado.
EPÍGRAFE
E se for pra semear a esperança num jardim
E se for pra desculpar uma criança eu digo, sim
E se for pra perdoar não tenho escolha
Também sou pecador, também preciso de perdão.
Não sou santo e não sou anjo e nem
Demônio, eu sou só eu . Imperfeito,
insatisfeito, mas feliz, assim sou eu. Eu sou
contradição, eu sou imperfeição, Só Deus é coerente.
Já sorri, já fiz feliz, já promovi, já elevei.
Já chorei, já fiz chorar, já me excedi, já magoei.
Eu tenho um coração, mas sou contradição, mas
Só Deus acerta sempre.
Por isto eu canto esta canção
Canção de amor arrependido,
Ao Deus que é pai,
ao Deus que é paz, ao Deus que é luz,
ao Deus que é vida. E quando a gente cai
Deus age como Pai: Perdoa, perdoa...
E torna a perdoar e ensina como amar,
Eu sou contradição, mas Deus, ele é perdão.
“Canção dos Imperfeitos”
RESUMO
O objetivo do estudo foi analisar as representações sobre a sexualidade e
Aids de homens jovens com HIV/Aids. Visa ainda contribuir com subsídios para
políticas públicas de saúde de enfrentamento da epidemia da Aids. A pesquisa de
natureza qualitativa foi desenvolvida no Serviço de Atendimento Especializado
(SAE) de DST/HIV/Aids da Secretaria de Saúde de Maceió, com pacientes entre 18
e 26 anos diagnosticados há mais de um ano com HIV. Numa perspectiva de
pesquisa qualitativa, os dados foram produzidos através das técnicas de entrevistas
semiestruturadas e observação participante. O método de análise adotado foi
interpretação de sentidos. Os marcos conceituais são juventude, masculinidade e
Aids. Os resultados apontaram para as representações da Aids, revelaram os
contextos de vulnerabilidades à Aids que homens jovens estão expostos, as
dificuldades enfrentadas após o diagnóstico e perspectivas de vida. As principais
conclusões do estudo assinalam que as marcas identitárias de gênero masculino
podem oferecer maiores resistências dos homens a cuidarem de sua saúde e às
práticas de sexo protegido. Recomenda-se a incorporação das questões de gênero
no masculino da juventude nas diversas esferas dos programas governamentais de
educação e saúde.
Palavras-chave: representações, masculinidade, sexualidade, HIV/Aids, prevenção
ABSTRACT
The aim of the study was to analyze the representations of sexuality and AIDS
in young men with HIV / AIDS. It also aims to provide insight for public health policies
to fight the AIDS epidemic. The qualitative research was developed in the
Specialized Care Service (NCS) STD / HIV / AIDS Health Department of Maceió,
patients between 18 and 26 years diagnosed for over a year with HIV. Perspective of
qualitative research, the data were produced using the techniques of semi-structured
interviews and participant observation. The analysis method was adopted
interpretation of meanings. The conceptual frameworks are youth, manhood and
AIDS. The results pointed to the representations of AIDS, revealed the contexts of
vulnerability to AIDS than young men are exposed, the difficulties faced after
diagnosis and life prospects. The main findings of the study indicate that the identity
marks of males may offer greater resistance of men to care for their health and to
practice safe sex. It is recommended the incorporation of gender issues in the male
youth in the various spheres of government programs in education and health.
Keywords: representations, masculinity, sexuality, HIV/AIDS prevention
RÉSUMÉ
L'objectif de l'étude était d'analyser les représentations de la sexualité et du
sida chez les jeunes hommes vivant avec le VIH / SIDA. Il vise également à donner
un aperçu des politiques de santé publique pour lutter contre l'épidémie de sida. La
recherche qualitative a été développé dans le service de soins spécialisés (NCS)
Département de la Santé IST / VIH / SIDA de Maceió, les patients âgés de 18 ans et
26 années diagnostiqué depuis plus d'un an avec le VIH. Perspective de la
recherche qualitative, les données ont été produites en utilisant les techniques
d'entrevues semi-structurées et l'observation participante. La méthode d'analyse a
été adopté interprétation de significations. Les cadres conceptuels sont des jeunes,
la virilité et le sida. Les résultats ont indiqué les représentations du sida, ont révélé
les contextes de vulnérabilité au sida que les jeunes hommes sont exposés, les
difficultés rencontrées après le diagnostic et la vie prospects. Les principales
conclusions de l'étude indiquent que les marques d'identité des hommes peuvent
offrir une plus grande résistance des hommes pour prendre soin de leur santé et à
des pratiques sexuelles sécuritaires. Il est recommandé l'intégration des questions
de genre dans les jeunes hommes dans les différents domaines des programmes
gouvernementaux dans l'éducation et la santé.
Mots-clés: représentations, la masculinité, la sexualité, la prévention du VIH / SIDA
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29
anos, segundo raça/cor e categoria de exposição, no Brasil. .................. 26
Gráfico 2 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29
anos, segundo raça/cor e categoria de exposição, no Nordeste. ............. 27
Gráfico 3 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29
anos, segundo local de residência, raça/cor e categoria de exposição, em
Alagoas e Maceió. .................................................................................... 28
SUMÁRIO
Apresentação ............................................................................................................ 13
Introdução ................................................................................................................. 16
Capítulo 1: A configuração da epidemia da Aids na juventude masculina: cenário
contemporâneo em Maceió .................................................................... 23
Capítulo 2: Representações sobre sexualidade e masculinidade ............................. 31
Capítulo 3: Juventude como categoria sócio-cultural ................................................ 39
Capítulo 4: Juventude masculina e Aids: vivenciando a sexualidade........................ 59
4.1 – Vulnerabilidade e Aids ................................................................... 64
Capítulo 5: Desenho Metodológico ........................................................................... 69
Capítulo 6: Resultados e Discussão.......................................................................... 77
Considerações Finais .............................................................................................. 101
Produto .................................................................................................................... 106
Referências ............................................................................................................. 107
Anexos .................................................................................................................... 116
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho estará alicerçado na trajetória percorrida pelo autor na
temática Aids, quando já no mestrado procurou investigar sobre comportamento,
prevenção e representações sociais de estudantes universitários da área de saúde
(RISCADO, 2000).
O olhar sobre a questão já se encontrava desde 1990, auge do avanço da
epidemia e que, naquele momento, não se vislumbrava nenhum movimento para
tratamento, a não ser o AZT e, a cura não passava de utopia. Anos mais tarde, os
antirretrovirais vieram acenar uma possibilidade para uma enfermidade crônica e,
não mais um cutelo para morte.
Nesse período pós-retrovirais algumas reflexões foram realizadas como na
obra Sexualidade e Aids: um olhar arqueológico sobre o homoerotismo
masculino (Riscado, 1999), quando o autor numa perspectiva foucaultiana busca
pensar a sexualidade e o homoerotismo masculino e levanta a hipótese que a partir
do preconceito e dos mitos, a Aids tornara-se ‘uma doença da doença’, porquanto
se compreendia a homossexualidade enquanto doença, incrustada no Catálogo do
Código Internacional de Doenças (CID).
Entre os estudos do autor sobre Aids (Farias e Riscado, 2002) o foco
compreendia a sexualidade de homens que fazem sexo com homens, seu
comportamento sexual e vulnerabilidades diante da Aids.
Caminhando ainda dentro dessa perspectiva, desenhou-se um estudo sobre
diversidade sexual e mobilização social em Alagoas (Farias, 2005), e assim também
prefaciando a obra.
Homens caminhoneiros do estado de Alagoas foram objeto de vários estudos
(Riscado, 2003; Souza e Riscado, 2010) que revelaram questões de masculinidade
hegemônica, a relação sexual com outros homens e travestis, o não uso do
preservativo em todas as relações sexuais, o uso/abuso de “arrebites” e outras
drogas e o não cuidado de si, da sua saúde. As longas permanências fora do seio
familiar são um dispositivo para as vulnerabilidades e para a questão de que
“homem não pode ficar sem ter relações sexuais por muito tempo”.
Mais tarde foi desenvolvido um estudo com professores de 42 escolas da
rede pública de ensino do estado de Alagoas, objetivando as representações que
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esses sujeitos realizavam diante do fato de ter um aluno (a) gay, ou colega de local
de trabalho – professor, diretor – e, sobre homossexualidade. Este trabalho
(Maravilha e Riscado, 2007) permitiu através das opiniões, dos sujeitos,
compreender os mitos sobre a homossexualidade e o preconceito e estigma de ser
gay. As informações vinham quase sempre carregadas de um conjunto de grafias
estereotipadas hegemônica de homossexualidade, cujo conceito estigmatizava e,
quando aliada à Aids levava a uma morte social.
Compreender como os jovens vinham lidando com a prevenção da Aids e do
uso/abuso de drogas, Riscado et al. (2000) investigaram 1202 sujeitos, alunos/as da
rede pública de ensino – fundamental e médio – do município de Maceió.
Encontraram meninas grávidas em idade aproximada de treze anos e meio, e, em
ambos os gêneros, um descuido no que diz respeito ao uso de preservativos;
ouviram relatos de abuso sexual; observaram o uso/abuso de drogas, principalmente
da maconha e, já o uso do crack, conforme ambos, meninos e meninas,
confessaram.
Assim como os estudantes universitários da área da saúde (Riscado e Araujo,
2004) buscou-se a prevalência do uso/abuso de drogas e conhecimento sobre Aids,
nos locais onde a diversidade de substâncias químicas são usadas, principalmente
pelos rapazes, observou-se
primeiras relações,
que o uso do preservativo ocorre tão somente nas
acontecendo
um “relaxamento”
após certo
tempo
de
convivências com o/a parceiro/a. As informações e conhecimento sobre Aids
encontram-se
relativamente
corretas,
mas
promovem
comportamentos
de
vulnerabilidades quanto ao uso/abuso de drogas e o não uso da camisinha em toda
e qualquer relação sexual, seja com parceiro/a fixo/a ou eventual.
O risco de acidente ocupacional para o HIV e Hepatites Virais B e C, o
conhecimento e comportamento de acadêmicos universitários em uma Unidade de
Emergência de Maceió, esteve na pauta de estudo de Riscado e Araújo (2004).
Outra investigação que envolveu a questão da Aids (Riscado et al., 2011)
tendo como sujeitos a população negra quilombola de Alagoas, revelou também as
vulnerabilidades diante de uma conjuntura social que traz as iniquidades de saúde.
A questão da pauperização, as dificuldades de acesso à saúde, os invólucros de
gênero – masculino e feminino – estão na crista das vulnerabilidades à Aids.
Baseado ainda nesse estudo verificou-se o vivenciar do racismo e a violência entre
as mulheres (Riscado; Oliveira e Brito, 2010); e a masculinidade hegemônica de que
15
ser homem é ser viril, é ser forte e que a busca do cuidado de si é de competência
das mulheres. Os homens alegam a falta de tempo e, que só recorrem ao
profissional de saúde “quando está se acabando” (sic) (RISCADO; NASCIMENTO E
SILVA, 2011).
O perfil epidemiológico dos óbitos por Aids, em Alagoas, o período 2000 e
2008 foi investigado por Riscado et al. (2011) e os resultados apontaram para um
registro de 538 óbitos entre 2000 e 2008. Em 2000, dos óbitos notificados,
68,29%(28) eram homens e 31,71% (13) eram mulheres. Já em 2008, 72,15% (57)
dos óbitos correspondiam aos homens e 27,85% (22) às mulheres. Quanto à idade,
pacientes com 20-34 anos correspondiam a faixa etária mais prevalente em 2000
com 53,65% (22). Enquanto que em 2008 a faixa mais prevalente correspondia os
pacientes entre 35-49 anos, com 44,30% (35). A variável estado civil demonstrou
que em 2000, 80,49% (33) dos óbitos foram de indivíduos solteiros, já em 2008
houve redução para 55,7% (44) óbitos de casados, em 2000 representaram 14,63%
(6), enquanto em 2008 esse índice foi para 26,58% (21). No tocante à variável
raça/cor houve um aumento considerável da cor parda, passando de 14 óbitos em
2000 para 59 em 2008, as demais cor de pele apresentaram pequenas oscilações
no decorrer do período avaliado.
Além dessas pesquisas, onde envolviam a Aids, as masculinidades e as
vulnerabilidades de diversos segmentos populacionais, uma reflexão sobre a
questão da masculinidade foi realizada por Riscado; Silva e Nascimento (2011) e a
implantação da Política Integral da Saúde do Homem em Alagoas, por Riscado,
Oliveira e Nascimento (2012).
Portanto, estudar Aids, masculinidade e juventude acompanham uma
trajetória de mais de duas décadas.
INTRODUÇÃO
OBJETO
Assim sendo, percorrendo essa linha no tempo e todo o conhecimento
acumulado pelos estudos desenvolvidos é que elegemos como objeto do presente
estudo as representações sobre sexualidade e Aids dos homens jovens portadores
de HIV. Com esse objeto, pretende-se focalizar a dimensão simbólica das falas e
das ações desses sujeitos para que se possa não só melhor atuar junto a eles, mas
também – como base nessa dimensão – subsidiar ações com e para homens jovens
em geral, voltadas para a promoção da sexualidade saudável, em geral, e a
prevenção do HIV/Aids, em específico.
As representações estão sendo entendidas neste estudo a partir de uma
dimensão socioantropológica, baseando-se nos conceitos de Laplantine (2001) e de
Sperber (2001).
Para o primeiro autor, a representação é um saber do senso comum, mediado
entre a instância individual e a social. Para ele a representação:
é o encontro de uma experiência individual e de modelos sociais, num modo
de apreensão particular do real, o da imagem-crença. Trata-se de um saber
que os indivíduos de uma dada sociedade ou de um grupo social constroem
acerca de um segmento de sua existência ou de toda sua existência. É uma
interpretação que se organiza em proximal relação com o social e que se é
concebida para aqueles que a elas colam, a própria realidade
(LAPLANTINE, 2001, p. 241).
Já Sperber observa que:
Toda representação coloca em jogo uma relação entre, no mínimo, três
termos: a própria representação, seu conteúdo e um usuário [...] pode-se
acrescentar um quarto: o produtor da representação, quando é distinto do
usuário (SPERBER, 2001, p. 91).
Segundo esse autor, as representações são muito mais dinâmicas do que
estáticas, uma vez que “tendem a ser transformadas, mais do que reproduzidas
exatamente, cada vez que são transmitidas” (SPERBER, 2001).
Assim, de acordo com o autor acima, representar é uma ação que engloba
17
parafrasear, traduzir, resumir, envolver, significando um ato de interpretar.
Portanto, a representação nesse estudo vai se configurar como um sentido
atribuído à Aids pela experiência, a vivência do sujeito e a importação dada de
ideações, estabelecidas, forjadas na realidade social.
A Aids em sua carreira histórica foi representada por uma diversidade de
pensamentos metafóricos, conotações expressas e transmitidas pela força
impactante e penetrante da mídia. A Aids era cercada, metaforicamente,
circunscreviam sentido de amedrontamento e identificação com a morte.
Por um longo período de tempo esse espelhar promovia um alerta de horror a
partir de configurações corporais naquelas pessoas acometidas pelo HIV e entravam
no quadro de Aids – dando um sentido figurado à enfermidade, forjando a doença
como doença, ou seja, como metáfora.
Para uma parcela da ala conservadora, a Aids era retratada como uma
maldição, alicerçadas pelo estilo de vida das pessoas acometidas por ela
(RISCADO, 1998).
Seguindo esse caminho, focalizar a sexualidade e a Aids a partir dessa base
conceitual, traduz-se principalmente por compreender o conteúdo constitutivo
dessas noções; desvelar o simbolismo a elas relacionado; identificar as imagens
utilizadas para representá-las e entender o seu processo de construção no espaço
das relações entre sujeito-sujeito, sujeito-grupo e sujeitos-instituições, tendo como
objetivo a interpretação dos fenômenos, fatos, acontecimentos e experiências. Toda
representação, portanto precisa levar em conta o conteúdo e o contexto e o produto
final será algo fruto de aspectos também intuitivos.
Parte-se do pressuposto de que as marcas identitárias do modelo
hegemônico de masculinidade – Connell (1995) a define enquanto “uma
configuração de práticas em torno da posição dos homens na estrutura das relações
de gênero” – podem se constituir em fatores de vulnerabilidade para a infecção do
HIV, uma vez que, ser homem, principalmente jovem, é quase sempre a adoção de
uma postura de virilidade exacerbada em que não se pode negar uma relação
sexual e, ao mesmo tempo, tem-se a sensação de que nada acontece consigo, pois
se acha invulnerável.
A sensação de vulnerabilidade encontra-se muito associada ao modelo
padrão, no entanto, outros aspectos também compõem as marcas identitárias
masculinas que apresentam certa flexibilidade de como os sujeitos lidam o cotidiano
18
com o padrão hegemônico de masculinidade, como apontam os estudos de
Nascimento e Gomes (2008).
As marcas identitárias da masculinidade [...] não são incorporadas
mecanicamente [...] e quando são assimiladas, estas sofrem adaptações a
partir do contexto em que vivem e dos momentos históricos em que se
encontram, ou seja, os jovens são influenciados por estas marcas, mas
constroem seus sentidos de forma singular. O que significa dizer que, ao
mesmo tempo em que podem incorporá-las podem também rejeitá-las.
No conjunto dos nossos dados, identificamos as seguintes marcas
identitárias do ser masculino: provedor, dominador, heterossexual e
cuidador (p. 1558/59).
Pode-se, então, inferir que as marcas identitárias da masculinidade, refletem
uma pluralidade das masculinidades.
Os estudos acerca das representações do que vem a ser homem, fundadas e
abrigadas pelo construto da masculinidade hegemônica podem trazer melhor
compreensão das sexualidades existentes, compreensão simbólica dos seus
roteiros sexuais e prevenção da Aids. E, ao mesmo tempo, mostrar que nem todos
seguirão a risca o modelo hegemônico, pois existe a possibilidade de uma fluidez,
de uma transitoriedade no processo de sociabilização dos homens jovens, o que
permite talvez um contraponto da noção de que todos seguirão os ditames
estabelecidos, configurados.
JUSTIFICATIVA
Justifica-se esse estudo, uma vez que, consulta feita no período de janeiro à
julho de 2011à Scientific Eletronic Library Online – SCIELO e a Biblioteca Virtual de
Saúde – BVS na área da Saúde Pública revelou uma presença modesta de estudo,
na produção do conhecimento sobre o assunto no campo da saúde pública. A
publicação de artigos em periódicos sobre “representação/ões, sexualidade, Aids,
homens, jovens” assinalou para o montante de oito títulos, sendo que –
após
minucioso olhar – retirando dois títulos repetidos – restaram seis artigos acessados.
Ressalta-se que o descritor “homossexualidade” não fez parte do conjunto dos
demais descritores, porque partimos do pressuposto que daríamos uma conotação
preconceituosa a priori de que “Aids logo homossexualidade”. Nesse sentido
visualizamos a possibilidade de, na varredura dos artigos, pinçar, aleatoriamente,
19
alguns que trouxessem a temática para o contexto dos respectivos estudos.
Nossa análise é que o quantitativo em si já aponta para a necessidade de se
investir em mais estudos acerca do assunto. Mas não é só isso que enseja a
realização da pesquisa em questão. No próprio acervo acessado, há questões que
ainda merecem ser mais desenvolvidas à luz da articulação entre informações
empíricas e aspectos teóricos. Nesse sentido, esboçam-se a seguir ideias da
literatura acessada para que reforcem a relevância do objeto desta pesquisa.
Parker (2007), num texto eminentemente conceitual, traz reflexões sobre a
sexualidade e HIV/Aids com um olhar sobre a cultura sexual brasileira O exercício
da sexualidade como um “elemento chave da experiência humana” (p. 99). Salienta
ainda como as culturas sexuais organizam representações e práticas – roteiros
sexuais – que podem levar à vulnerabilidade em relação à infecção pelo HIV. Reflete
sobre o número bastante significativo de pesquisas que vem documentando a
complexidade e as especificidades socioculturais e comportamentais sobre a
temática. Trata-se de características que envolvem tanto homens quanto mulheres,
em diversas sociedades latino-americanas, como a organização sociocultural das
relações de gênero que simbolicamente estruturam as relações homens-mulheres,
homens-homens e mulheres-mulheres; e a construção sociocultural dos atos
sexuais. Ao criticar os programas de prevenção calcados no espaço comportamental
individual, o autor elege as abordagens mais sociologicamente fundamentadas do
desenvolvimento e mobilização da comunidade. Percebe a importância das
representações e significados socioculturais que moldam o comportamento ou as
práticas humanas.
O estudo de Guerriero et al. (2002) revela que o ser homem, ao refletir
aspectos de modelos de masculinidade (como sentir-se forte, imune a doenças; ser
impetuoso, correr riscos; ser incapaz de recusar uma mulher; considerar que o
homem tem mais necessidade de sexo do que a mulher e de que esse desejo é
incontrolável) pode tornar homens heterossexuais mais vulneráveis ao HIV.
Merchán-Hamann (1995), num estudo com adolescentes pobres detectou
representações traduzidas por um conhecimento do senso comum que refletem
aspectos ideológicos relacionados ao poder da medicalização; visão epidemiológica;
conceito de grupo de risco e risco; noção do “outro” que é atingido; sexualidade e
identidade; ideia de castigo enquanto transgressão a várias normas. O autor, dentre
outros aspectos, propõe que se reconheça a construção simbólica que o
20
adolescente faz da Aids, a partir da sua realidade, que é inseparável do seu
contexto. Observa que não se deve fixar o adolescente única e exclusivamente num
sujeito a-histórico, aos seus aspectos biológicos, mas que contemple a forma como
se produz a construção cultural e social dos seus fatores correlatos. Salienta ainda
que no campo da sexualidade, o comportamento é indissociável das construções de
masculinidades, de papéis de gênero, afetos e segurança.
Alves (2003) mostra como homens rurais do nordeste representam suas
práticas sexuais e a prevenção de DST/Aids. Os roteiros sexuais, os construtos do
que é ser homem e as masculinidades, sexualidades e identidades transitam pelas
narrativas.
Ao buscar compreender o papel da migração na prevenção da infecção pelo
HIV no Nordeste brasileiro, Kerr-Pontes et al. (2004) verificaram que a
vulnerabilidade não está restrita tão-somente ao uso/não uso da camisinha.
Observam que a cultura, entendida, conceituada como lugar de crenças e
representações que arrojadamente influenciam o campo dos comportamentos, pode
aumentar a vulnerabilidade ao HIV/Aids. Formaliza que representações das relações
de gênero podem ser um campo propício para a vulnerabilidade ao HIV/Aids.
Determinantes sociais como racismo, racismo institucional, pobreza, família
monoparental, falta de perspectiva futura, drogas, exclusão, preconceitos e outros
direitos
humanos
básicos
também
parecem
ser
contributivos
para
uma
vulnerabilidade ao HIV.
Vislumbrando o campo da antropologia do corpo e da saúde Piccolo e Knauth
(2002) analisam práticas e representações sociais sobre a Aids, suas formas de
infecção ao HIV e prevenção, tanto do ponto de vista dos roteiros sexuais como dos
de drogadição, formalizadas por usuários de drogas.
Representações, sexualidades, roteiros sexuais, masculinidades e papéis de
gênero, ainda que com parcos estudos, estão na pauta das investigações e
reflexões supracitadas, indicando a necessidade de se promover um número maior
de pesquisas. Ao se debruçar sobre o assunto, esta pesquisa poderá contribuir para
o campo da saúde coletiva no sentido de compreender não só os resultados
estatísticos epidemiológicos, como também aspectos socioculturais relacionados a
segmentos populacionais distintos portadores do HIV. Assim, será possível avançar
na discussão sobre a temática e, possivelmente, colocar em questão a eficácia de
estratégias adotadas; os resultados encontrados em estudos e a necessidade de
21
(re)pensar as políticas preventivas, tornando-as mais compatíveis não só com a
realidade epidemiológica da Aids, mas também com a dimensão simbólica
relacionada a essa enfermidade.
OBJETIVOS
1 Objetivo Geral
 Analisar as representações sobre a sexualidade de homens jovens com
HIV/Aids.
2 Objetivos Específicos
a. identificar os sentidos atribuídos à sexualidade e à Aids pelos homens jovens;
b. discutir os sentidos associados à sexualidade e Aids dos homens jovens
antes e depois deles terem conhecimento de ter HIV/Aids;
c. identificar enredos sexuais que influenciam as representações de sexualidade
e HIV/Aids;
d. estabelecer relações entre as representações da sexualidade e Aids e
modelos culturais de masculinidade a partir das falas dos sujeitos;
e. compreender a vulnerabilidade de homens jovens portadores de HIV/Aids, na
interseção do individual, programático e do social.
Estruturou-se a presente obra na perspectiva de se estabelecer um nexo
entre as partes, onde a questão da Aids e juventude pode ser visualizada tanto em
nível de Brasil, Nordeste, quanto em Alagoas e Maceió, posta no primeiro capítulo.
As representações sobre sexualidade no contexto da masculinidade juvenil se
mostram apresentadas no segundo capítulo. Já o terceiro capítulo aporta uma
revisão de literatura sobre juventude como categoria sócio-cultural. Quanto à
categoria juventude masculina, vulnerabilidades e Aids é pauta de reflexão no quarto
capítulo. O percurso metodológico que desencadeou essa tese encontra-se
meticulosamente desenhado no quinto capítulo. Em relação ao sexto e último
22
capítulo, ele é tomado pelos resultados e leva à discussão desses elementos à flor
do referencial teórico. As considerações finais procuram estabelecer uma
conversação entre os pressupostos estabelecidos, aquilo que se propôs a estudar e
os resultados encontrados, assim como o impacto para a produção do conhecimento
na área da saúde e as possibilidades para as políticas governamentais.
CAPÍTULO 1
A CONFIGURAÇÃO DA EPIDEMIA DA AIDS NA JUVENTUDE
MASCULINA: CENÁRIO CONTEMPORÂNEO EM MACEIÓ
A Aids ao longo das últimas décadas deixou de ser uma sentença de morte,
mesmo nos grupos sociais mais vulneráveis, como os homens gays.
No Brasil, estima-se que cerca de 630 mil indivíduos de 15 a 49 estão
infectados pelo HIV/Aids. Segundo parâmetros estabelecidos pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) a epidemia de Aids é concentrada, ou seja, apresenta taxa
de prevalência da infecção pelo HIV menor que 1% na população em geral e maior
que 5% em subgrupos populacionais de risco acrescido para infecção pelo HIV Homens que fazem sexo com homens (HSH), usuários de drogas e profissionais do
sexo feminino.
A taxa de prevalência da infecção pelo HIV, na população de 15 a 49 anos
mantém-se estável em aproximadamente 0,61% desde 2004, sendo 0,41% entre as
mulheres e 0,82% entre os homens. Entre os jovens do sexo masculino de 17 a 20
anos, a taxa de prevalência do HIV foi estimada, em 2007, em 0,12%, apresentando
ligeiro aumento quando comparado com a estimativa de 2002 (0,09%), embora não
estatisticamente significativo (BRASIL, 2010; UNAIDS, 2010).
No entanto, os cuidados com a prevenção diminuiu e os resultados estão a
mostrar que o Brasil vem registrando trinta e oito mil novos casos de Aids por ano,
com aproximadamente mil óbitos por mês (BRASIL, 2012).
Examinando o Boletim de Aids do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012) ,
verificamos que os índices de infecção continuam crescendo nas regiões Nordeste,
Norte e Sul, do nosso País. Vale salientar que a última região citada goza de um alto
IDH, pautado pela educação, saúde, trabalho e geração de renda.
Observa-se também entre os homens jovens, homossexuais, cada vez mais
dispensam os cuidados preventivos, como por exemplo, a desobrigação em alguns
momentos do uso do preservativo, como também após certo tempo de relação
homoafetiva.
Isso já era observado no estudo de Riscado (1999), onde os sujeitos
pesquisados revelaram que após um período de “conhecimento” da outra pessoa,
24
nas relações sexuais era dispensada a camisinha, partindo da premissa de que
havia um grau de confiabilidade no outro.
Passados 30 anos de epidemia, o Brasil vive uma epidemia de Aids com os
seguintes contornos, isto é, a infecção pelo HIV e a Aids estão estáveis, mas com
índices muitos elevados. A taxa de incidência por 100.000 habitantes continua nos
últimos 10 anos em torno de 20 casos por 100.000 habitantes (BRASIL, 2012).
Observa-se que a partir dos antirretrovirais houve uma melhor oferta de tratamento,
mas a prevenção foi deixada fora de sentinela.
Detectamos uma concentração bastante acentuada de infecção entre os
gays. O preconceito é ainda uma tônica da realidade social entre esse segmento da
sociedade.
Os jovens por seu status que ocupa na ordem do desenvolvimento humano
encontram-se na totalidade dos funcionamentos hormonais sexuais, isto quer dizer
que, vivem uma plenitude sexual ativamente.
O Boletim (BRASIL, 2010) nos informa que entre os jovens homossexuais,
por exposição sexual, na faixa etária de 15 a 24 anos, o número de infectados
passou de 25% em 1990, para 46% em 2010. Isto significa que entre os homens que
fazem sexo com homens (HSH) esse índice basicamente quase que dobrou.
O jovem tem muitas relações sexuais. As visões distorcidas sobre a possível
cura através dos antirretrovirais, a banalização sobre riscos, acabam provocando um
desuso do preservativo nas relações sexuais.
Observa-se também uma banalização que a população assume por estar se
falando perenemente sobre Aids. É o relaxamento que faz com que o índice de
infecção aumente.
A notificação compulsória remete uma legislação, desde o passado, em que
só se fizesse a notificação quando o indivíduo se mostrava com quadro de Aids. Na
atualidade, com a oferta do teste rápido, por campanhas, o resultado deve ser
comunicado com certa rapidez e ser informado ao Sistema de Informação dos
Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids (SI-CTA) para expressar a
realidade.
Notifica-se,
mesmo
tão
somente
com
HIV
positivo,
as
gestantes,
independentemente do quadro dos linfócitos e/ou apresentação de quadro de Aids.
Mensura-se a quantidade de CD4, ou seja, a quantidade de linfócitos
circulando por ml de sangue. O indivíduo pode até nem apresentar quadro de Aids,
25
mas se a quantidade de linfócitos (CD4) estiver abaixo de 350 plaquetas, a
notificação dar-se-á pelo profissional responsável.
Destacamos que o indivíduo, na atual legislação, pode até ser medicado,
sem, no entanto, estar notificado.
De 2001 a 2010 a taxa de incidência na região Sudeste caiu de 23 casos para
21 casos por 100.000 habitantes.
No resto do País podemos observar que esse fenômeno se deu
inversamente, ou seja, no Nordeste passou-se de 8 casos para 14 casos por
100.000 habitantes, portanto quase que dobrando; no Norte mais que dobrou, de 9
casos para 21 casos por 100.000 habitantes; já na região Sul os casos aconteceram
de 27 para 31por 100.000 habitantes (BRASIL, 2012).
Frente a esse cenário podemos afirmar que a Aids continua sendo um caso
de saúde pública e, que portanto, não pode haver esmorecimento.
O perfil epidemiológico dos casos notificados de Aids, masculinos, por
exposição sexual, na faixa etária de 15 a 26 anos, segundo raça/cor, por local de
residência, período 2000 e 2012, no Brasil apontam para 22361 casos, dos quais
10.413 caso na população negra – pardos e pretos e, 11948 brancos; em Alagoas,
os resultados consultados no DATASUS (2013) via SINAN, apontaram para um
registro de 279 casos, sendo que 227 se encontram entre pardos e pretos e, 52
casos na população branca. Em Maceió foram notificados 194 casos, quando 151
estão situados na população negra e, 43 casos entre os brancos.
No período de 2000 a 2012, foram notificados no Brasil 33.234 casos de Aids
em homens na faixa etária de 18 a 29 anos. Desses 5.930 homens jovens são
residentes na região Nordeste, sendo que 379 no estado de Alagoas e 261 na
capital, Maceió.
A análise da série histórica considerando os atributos raça/cor e a categoria
de exposição sexual mostrada na Figura 1 evidencia que, de modo geral, a
distribuição percentual é semelhante entre os dois grupos.
No entanto, quando se analisa a evolução dos casos observa-se que há uma
redução dos percentuais em todas as categorias de exposição nos homens de cor
branca, enquanto que entre os negros há um aumento em todas as categorias, com
maior variação percentual (2000/2012) entre os heterossexuais (25,2%) e bissexuais
(19,5%).
Outro ponto importante a ser destacado é que, em todo o período, o
26
percentual de casos de Aids da população de cor branca demonstra maior
exposição dos homossexuais, todavia, entre os negros há predominância dos
héteros e bissexuais e, a partir de 2005, a categoria heterossexual passa a ser a
mais atingida.
Figura 1 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29
anos, segundo raça/cor e categoria de exposição. Brasil: 2000 a
2012.
Fonte: www.datasus.gov.br. no Menu Informações em saúde > Epidemiológicas e Morbidade
Origem dos dados: SINAN, SIM e SISCEL
A região Nordeste apresenta um padrão bastante diferenciado em relação ao
Brasil, no qual o percentual de casos entre homens de cor negra são bem mais
elevados, chegando a ser superior em três vezes ou mais.
Conforme ocorre no País, há tendência de queda entre os percentuais de
casos de homens de cor branca, em todas as categorias de exposição, com
predomínio da categoria homossexual, seguida pela heterossexual. Já entre os
negros há tendência de aumento em todas as categorias com a maior variação
percentual (2000/2012) observada entre os bissexuais (16,7%) e homossexuais
(15,5%) (Figura 2).
27
Figura 2 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29
anos, segundo raça/cor e categoria de exposição. Nordeste: 2000 a
2012.
Fonte: www.datasus.gov.br. no Menu Informações em saúde > Epidemiológicas e Morbidade
Origem dos dados: SINAN, SIM e SISCEL
Quando da desagregação dos dados por categoria de exposição observou-se
que o pequeno número de casos registrados a cada ano em Alagoas e Maceió,
inviabiliza uma análise consistente da evolução da doença entre essas categorias.
No entanto, o total de casos acumulados nesse período aponta para uma realidade
semelhante à encontrada na região Nordeste, com percentuais mais elevados entre
os homens de cor negra, quase três vezes superior.
A predominância de percentuais de casos nos homens heterossexuais e
bissexuais entre os negros também se assemelha ao perfil observado para a
Região. Contudo, todos os casos de bissexuais negros registrados no período eram
residentes em Maceió, sendo que no ano de 2012 não foi notificado nenhum caso
nessa categoria de exposição.
28
Figura 3 – Distribuição de casos de Aids em homens na faixa etária de 18 a 29
anos, segundo local de residência, raça/cor e categoria de
exposição. Alagoas e Maceió: 2000 a 2012.
Fonte: www.datasus.gov.br. no Menu Informações em saúde > Epidemiológicas e Morbidade
Origem dos dados: SINAN, SIM e SISCEL
O
crescimento
entre
a população
negra
pode
estar
atrelada
aos
determinantes sociais de saúde como racismo, racismo institucional (BATISTA,
2005), ao fato de que é mais pobre, morre mais cedo, apresenta níveis mais baixos
de escolaridade e menos acesso a serviços de saúde do que a população branca
(PNUD, 2004) apontando para a priorização de ações de saúde nesse grupo
visando conter o avanço da doença.
Embora os dados apontem para o decréscimo da epidemia de Aids no País,
as mudanças no perfil de como a doença se apresenta entre grupos específicos vem
merecendo atenção especial para a saúde pública.
Análise da epidemia segundo as características de raça/cor evidenciam
desigualdades entre a população que se declara de cor branca e entre preta e parda
que merecem mais atenção dos gestores da saúde.
Observa-se no Brasil tendência inversa entre a notificação de casos de Aids.
Enquanto no período de 2000 a 2011 a população branca era a mais atingida e
apresentava queda nos percentuais, a partir de 2012 houve uma inversão, e o
percentual, entre as pessoas pretas e pardas, que se encontrava crescente a cada
ano, chegou a superar os da população branca.
29
Embora os dados de 2012 ainda sejam parciais, está seguindo a tendência
esperada para a doença.
Entre 2000 e 2012 foram notificados na região Nordeste 44.128 casos de Aids
no sexo masculino, dos quais 5.156 (11,6%) foram entre a população que se
declarou branca e 16.973 (38,5%) em preta e parda . No período analisado
observou-se que o percentual da população preta e parda atingida pela Aids foi
sempre superior, chegando a partir de 2008, a ser de quase seis vezes maior que
população declarada branca. Outro ponto importante observado é que os
percentuais de casos notificados decresceram entre as pessoas de cor branca,
enquanto que no outro grupo a tendência foi de aumento.
Em Alagoas, o perfil é bastante semelhante ao da região Nordeste sendo os
percentuais de casos notificados entre a população declarada preta e parda mais
elevada e crescente, chegando a ser quase seis vezes maior que os da população
de cor branca, também se apresentando em queda. A variação percentual entre os
casos notificados na população branca revelou uma queda de 23,8 entre 2000 e
2012, enquanto entre as pessoas de cor preta e parda foi observado um aumento de
8,24%.
Em decorrência de Maceió concentrar quase 70% dos casos notificados de
Aids, o perfil é bastante semelhante ao observado no Estado, que aponta para
percentuais mais elevados e com tendência de aumento entre as pessoas que se
declaram de cor preta e parda, passando de 71,7% em 2000 para 90,3% em 2012,
enquanto que entre as pessoas de cor branca vem se observando queda nos
percentuais.
Convém destacar que a variável raça/cor foi introduzida no SINAN no ano
2000 e embora apresente melhoria no preenchimento o percentual de campos
incompletos ainda é um fator limitante para uso desses dados na epidemiologia
(GLATT, 2005).
Outro ponto que deve ser destacado é o aumento da proporção da população
que se declara preta e parda nos últimos 10 anos, atribuída a uma recuperação da
identidade racial (IBGE, 2010) possa influenciar na análise epidemiológica descritiva
da epidemia segundo esse quesito. Só estudos mais detalhados poderiam medir o
verdadeiro risco entre esse grupo populacional.
O levantamento realizado por Barbosa (2004) que buscava primeiramente
observar a tendência da disseminação da epidemia do HIV/Aids no Nordeste
30
brasileiro, detectou que segundo os dados, à época, do Ministério da Saúde, no
período de 1980 a 2003, dos cerca dos 26 mil casos notificados nessa região
nacional, a faixa etária mais acometida pela epidemia estava no entorno entre 20 e
39 anos e que, majoritariamente, a infecção se dava por transmissão sexual. Esse
último aspecto foi tomado em consideração quando observado a série histórica de
1988 (60,7%) – que aumenta gradativamente – a 1998 (77%).
Em relação às orientações sexuais, o estudo acima referendado, tem a dizer
que no Nordeste ao olharmos os anos de tendência crescente da epidemia, a
exposição de infecção por via heterossexual é majoritária, contrastando por uma
tendência decrescente da infecção do HIV por relações homo e bissexuais, assim
como usuários de drogas injetáveis (UDI) e transfusão sanguínea.
A autora supracitada, num segundo momento do estudo, ao promover uma
análise espacial – 1988, 1991, 1996 e 1998 – das taxas de incidência de Aids,
padronizadas nos municípios do Nordeste brasileiro, verificou, dentre outras coisa,
que se dá uma concentração das incidências mais elevadas em regiões das áreas
das Capitais, entre os municípios localizados mais proximamente ao litoral, mas com
possibilidades de ocorrência de espraiamento da epidemia, isto é, se movimentando
para o interior. Conclui a autora que há uma tendência da doença, num futuro
próximo, em atingir indiscriminadamente todos os municípios da região Nordeste.
No tocante à variável raça/cor, na faixa etária de 18 a 29 anos, há um
aumento considerável na população negra frente às demais cor de pele quando
localizamos Maceió, Alagoas e Brasil.
Frente a esse cenário podemos afirmar que a Aids continua sendo um caso
de saúde pública, que se fazem necessárias mais pesquisas para embasarem
políticas governamentais no que se alude, principalmente, à prevenção.
CAPÍTULO 2
REPRESENTAÇÕES SOBRE SEXUALIDADE E MASCULINIDADE
Uma abordagem biomédica, para compreensão das sexualidades perdurou
como hegemônica até meados do século XX, mais precisamente até a década de
sessenta, tendo surgido como perspectiva contra hegemônica, a partir do movimento
feminista, que buscou provocar um novo olhar sobre as sexualidades humana tendo
em seu invólucro, os matizes da cultura do seu povo. O corpo passa a ser encarado
como biológico e erógeno, mas também cultural e social.
Baseado na história e na sociologia, os movimentos feministas foram capazes
de criar um corpo de perspectivas que evocasse as sexualidades no âmbito
sociocultural. Muito desta contribuição vê-se ancorada nos estudos de Foucault.
O movimento feminista é apontado por Gomes (2008) como o grande
arranjador do conceito de gênero, quando parte das premissas de que a expressão
é constitutiva das relações sociais instaladas no olhar diferencial entre os sexos e
que também é no gênero que o poder se instaura. Salienta Gagnon (2006) que “na
maioria das sociedades, a conduta sexual e a conduta dos gêneros estão, até certo
ponto, ligadas” (p. 217).
Nesse olhar incluía as questões de gênero feminino e masculino de papeis
desempenhados sócio-culturalmente, deixando para escanteio o aspecto do sexo
biológico, anatômico como nuances de orientações e visibilidade de uma
sexualidade.
Há de se compreender que há diferenças anatômicas entre os seres do sexo
masculino e do sexo feminino. Há também de se olhar atributos fisiológicos e
biológicos concernentes a um dos sexos, como por exemplo, a gestação, a
amamentação são exclusivamente competências da mulher.
Inicialmente é necessário dispor o que se é compreendido por “sexo” e o que
é “gênero”. O primeiro está vinculado muito mais ao caráter físico, anatômico,
biológico do ser humano, enquanto gênero demarca um lugar do que significa ser
homem e ser mulher, calcado este numa cultura. Já nessa demarcação vão sendo
construídos os papéis de gênero, ou seja, aquilo que compete ao homem, forjando a
sua masculinidade, e o que é da instância da mulher – a feminilidade. Aqui, parte-se
32
da premissa segundo a qual o ser humano não se constitui fora de um espaço de
construção social, de uma cultura.
Partimos do princípio de que a concepção do que é ser humano não é dado
desde o nascimento, ou seja, não é inato ao indivíduo. Nossa premissa é de que o
ser humano constrói o seu ser paulatinamente, apropriando-se do material do
mundo social e cultural, ao mesmo tempo que, dialeticamente, atua sobre este
mundo, é protagonista na sua construção, age e modifica-se. Isto quer dizer também
que, ao transformar o mundo, o ser humano transfigura suas condições de vida e,
assim fazendo, se transforma.
Como quando ao nascer colocam-nos num dado lugar, ou seja, num povo,
com uma língua vernácula, numa família, em contato com uma orientação religiosa e
isso vai nos tomando como se próprio fosse. Ao longo do processo de socialização
primária e secundária – neste momento ampliam-se os espaços (BERGER &
LUCMANN, 1985) a partir da entrada no trabalho – as diferenças de gênero
paulatinamente vão se constituindo. Portanto, vão-se incorporando construtos
sociais, de papéis, para homens (a masculinidade) e mulheres (a feminilidade), que
irão nortear comportamentos sociais, conduta sexual, roteiros sexuais.
Ao nascer – meninos e meninas – o grande auditório societário vai criando
uma perspectiva de gênero, formatando questões inclusive ligadas à esfera das
sexualidades humana. Criam-se expectativas em torno do indivíduo ao longo do
processo primário e secundário do desenvolvimento humano. Ao tornarem-se
adultos, essa rede social espera que papéis do que é ser homem e do que é ser
mulher tenham sido incorporados e inscritos.
Portanto, a sexualidade de cada ser humano emerge e existe num contexto
cultural e se influencia por uma série de aspectos psíquicos, raça-etnia, econômicos,
a diferença sexual, o gênero. Não há uma única sexualidade como se apregoava,
como tão pouco há uma tão somente prática sexual.
Nesse posicionamento, a sexualidade dialoga com as emoções, as relações e
o desejo. Assim, a sexualidade não pode ser circunscrita numa interação física ou
passionalmente à reprodução da espécie, mas vai além, isto quer dizer, facilita a
comunicação de emoções, promove prazer, favorece a autoestima, tangenciando as
pessoas em sua intimidade.
A sexualidade é uma construção social que conversa com as diversas
maneiras em que pela imbricação dos processos de socialização primária e
33
secundária vão modelando ou dando lugar para as emoções, relações e o aporte
dos desejos. Nessa configuração desse grande auditório societário, normas e regras
são estabelecidas junto às parcerias, estabelecendo a quem devemos aceitar como
tal. Estabelece-se um roteiro de normas que tem a haver com os toques, lugares do
corpo que se pode tocar ou penetrar, atrelados ao momento e à frequência, assim
como o cenário e modo de relação sexual e coito.
Ainda que se observe um avanço no que tange ao conhecimento sobre a
sexualidade e a contribuição das múltiplas mídias que proporcionam difusão, que
norteiam e controlam as práticas sexuais percebe-se ainda valores e crenças
embutidos e cristalizados historicamente.
Nas diferenciações anátomo-fisiológicas ao nascer e pelos processos de
socialização – primária e secundária – as modelações de homem e mulher
promovem a construção de identidade de gênero. As masculinidades e as
feminilidades emergem nas sociedades e culturas que dão significados sociais, seja
através de símbolos, atitudes e papéis sociais desempenhados. Esse processo de
socialização é experenciado por todos os seres humanos independentemente da
idade, raça-etnia, nível socioeconômico e outras categorias e, o que se impõe ao
longo da existência do indivíduo. Existem construtos sociais impostos aos homens e
às mulheres ao longo do processo de socialização em suas vidas que irão
estabelecer as diferenças de gênero, independentemente da diferença de sexo.
Também a característica relacional de gênero deve estar imbricada com as
categorias de classe social e raça/cor (GOMES, 2008).
Um conceito central de gênero remete ao sistema sexo-gênero. Assim, é o
conjunto de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as
sociedades cultuam a partir da diferença sexual anátomo-fisiológica, determinando
por imposição as relações sociais e de poder, estendida para a esfera da
sexualidade.
Scott (1995), que cunha gênero como objeto analítico, diz que o termo gênero
se apresenta ao mesmo tempo como mais objetivo e neutro que “mulheres”.
Nesta perspectiva Scott (1995, p. 75) relata:
O termo “gênero”, além de um substituto para o termo mulheres, é também
utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é
necessariamente informação sobre os homens que um implica o estudo do
outro. Essa utilização enfatiza o fato de que o mundo das mulheres faz
parte do mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo
34
masculino [...] Além disso, o termo “gênero” também é utilizado para
designar as relações sociais entre os sexos.
O gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os
sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas como aquelas que
encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação, no fato
de que as mulheres tem as crianças e que os homens tem uma força muscular
superior. O gênero torna-se, antes, uma maneira de indicar “construções sociais”, a
criação inteiramente social de ideias sobre os papeis adequados aos homens e às
mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das
identidades subjetivas dos homens e das mulheres (SCOTT, 1995).
A ideia de gênero, abordada pela autora supracitada, evidencia que a
categoria é historicamente determinada, e que, portanto, vai ser construída não
apenas sobre a diferença sexual, mas atribuindo a essa diferença o resultado de um
processo cultural que atribui socialmente quais devem ser os papéis masculino e
feminino a serem desempenhados por homens e mulheres na sociedade
(RISCADO, OLIVEIRA; BRITO, 2010).
A concepção de gênero trabalhada nesta pesquisa pauta-se na proposta que
defende a terminologia de gênero como uma construção histórica e social
(OLIVEIRA, 2006; SAFFIOTI, 2004; SCOTT, 1995).
A discussão sobre gênero na sociedade brasileira deve ser refletida nas
dinâmicas sociais por meio das quais as identidades de gênero são socialmente
construídas e, nesse processo de socialização, a família, a circunvizinhança, a
escola,
o
credo
religioso,
etc.
atuam
naturalizando
certos
pressupostos
estereotipados. Os arcabouços de gênero que se constroem socialmente, tanto na
infância como na adolescência, meninos e meninas vão absorvê-los como se
fossem próprios. Portanto, esses construtos ao longo da vida social vão orientar a
sexualidade, os manejos dos afetos, a adequação do vestuário e da cor, a escolha
da profissão e a divisão sexual do trabalho. Homens e mulheres vão paulatinamente
construindo a sua identidade social e, ao mesmo tempo, construindo a maneira pela
qual se mostrarão na organização social, nas esferas da vida privada e pública.
Então, quando ao se falar sobre a sexualidade humana, esta pode ser
compreendida a partir de uma coordenação de atividades mentais e invólucros
corporais (BOZON, 2004; GOMES, 2008). A atividade sexual humana não é tãosomente “cobrir” o outro ser, conforme procedem os demais animais, mas é
35
compreendida como uma elaboração mental e um sentido que se vai dar.
Outras interpretações acerca das sexualidades – diversidade sexual – podem
ser feitas, isto quer dizer, como os roteiros sexuais também são indicadores de
leituras diferenciadas sobre sexo e concepções de gênero. Diz Gagnon (2006) que
“a experiência efetiva do sexual e o que é feito sexualmente pelos indivíduos
resultam das circunstâncias particulares de aprendizagem de uma cultura específica
[...] as pessoas aprendem a ser sexuais em culturas específicas e em grupos sociais
específicos dentro de qualquer cultura.” (p. 217). Por outro lado, o que homens e
mulheres roteirizam na intimidade costuma diferir, e existem prescrições e
experiências específicas ligadas à conduta sexual conforme o gênero.
Ao mostrar a importância da sexualidade Gagnon (2006) afirma que a vida
sexual se assemelha a toda a vida social: é uma atividade provocada pelas
circunstâncias sociais e culturais, e uma atividade que difere de uma era histórica
para outra ou de uma cultura para outra (GAGNON e SIMON, 1973).
Reporta Gomes (2008) que as emoldurações de gênero se estruturam e
dinamizam na perspectiva relacional em que a masculinidade estaria calcada na
não-significação do que é pertencente à mulher. Avança ainda propondo que as
simbolizações relacionais de gênero circunscrevem as parelhas homem-mulher,
mulher-mulher como também, homem-homem, impondo-os os arcabouços de
masculinidade e feminilidade.
As representações de masculinidade encontradas por Gomes (2008) e
Guerriero; Ayres; Hearst (2002) têm no homem ativo em todas as conjunturas
sociais e nas intimidades sexuais, como sedentos e dilacerantes por sexo, forte,
mostra virilidade, imune à doença, desafiador e que se coloca diante de algum risco
eminente. Os sentidos atribuídos à sexualidade é a busca incessante ao prazer e a
sentinela prontidão sexual tornando-se um ritual constante – aprendizado técnico –
da virilidade.
O contexto cultural traz ainda em seu bojo mitos e muitos destes no que tange
ao homem, continuam remanescentes na nossa contemporaneidade, tais como
ereção e prontidão peniana ad eternnum, o tamanho do falo e esse, enquanto área
única de erogenização, a supremacia do coito na relação sexual (NOGALES, 2006).
Essas representações têm tamanha força e conformidade que homens e mulheres
acabam entendendo enquanto verdades e levam essas representações também
para os seus roteiros sexuais.
36
Neste arcabouço, cria-se uma masculinidade defendida por hegemônica que
“se define a partir de práticas genéricas que expressam padrões aceitos para a
posição dominante de homens e a subordinação de mulheres; relaciona-se a um tipo
de masculinidade tida como exemplar...” (CONNEL, 2007 apud GOMES, 2008, p.
239).
Quanto à construção da feminilidade, a mulher deve mostrar uma gramática
corporal e de organização social do trabalho oposto ao do que representa os
homens, e vice versa, principalmente no tocante às nuances, práticas e condutas
sexuais. Sendo assim, quando essas inscrições estão num território outro, trocado
de sexo, uma leitura será tomada e concebida pela homossexualidade. Portanto, se
um papel ou uma expressão, atitude que se é esperada por um dos sexos e esta
gramática incorpora o sexo oposto, é concebida e discutida numa versão
homoerótica. Muitos homossexuais não se propõem a uma visibilidade social por
receio ao rechaço, estigma e preconceito – homofobia – que podem sofrer diante da
sociedade.
Pode-se nos dar conta de que existem masculinidades, isto que dizer que, a
heterossexualidade enquanto heteronormatização pode trazer subversões e
nuances em condutas sexuais entre homens que dependendo do papel (ativo) não
trará nenhuma arranhadura à sua masculinidade. Gomes e Nascimento (2006)
verificaram situações roteirizadas sexualmente permitidas, sem nenhum interdito
quando nos “jogos” [sexuais] infanto-juvenis, em populações privadas de liberdade e
entre homens profissionais do sexo.
Gomes (2008) quando aborda a questão da sexualidade masculina e a
heterossexualidade – a heteronormatização – tomada no campo das ciências
sociais, relata que embora concorde com os argumentos trazidos por Gagnon (2006)
sobre o uso da nomenclatura preferência sexual, vai adotar a expressão mais
corrente de orientação sexual.
As
normas
sociais
são
dadas
e
impostas,
nesse
caso
a
“heteronormatividade”/heterossexualidade, como roteiros, mapas que orientam sem
ser, no entanto, totalmente coerentes e sem contradições. Sendo assim, no seio de
uma organização social é possível existir um padrão sexual dominante, a masculina
e muitas experiências que fujam à norma, devem ser banidas, conforme apregoa a
ala, instituições mais conservadoras da sociedade.
Baseia-se na ideia de que existe uma luta constante em torno do que é tido
37
como moralmente certo, normal, legítimo em termos de sexualidade e gênero e que
há uma hierarquização sexual na qual a heterossexualidade é considerada
“saudável” à custa da estigmatização, degradação e mesmo criminalização da
diversidade sexual.
A cultura ocidental moderna, por meio de um esforço de estabelecer
categorias de identidade pessoal ligadas à orientação sexual, levou à imposição da
heterossexualidade como orientação sexual “natural”, “normal”, “saudável”, desde
que praticada entre adultos, legitimada pelo casamento e associada à reprodução.
Para Gagnon (2006) o aspecto da preferência sexual está na intimidade, o
gênero do ator é que é desejado e não o sexo; esse desejo é um construto e não
uma impressão instintiva; lança-se a querência pelo outro ator que se dará de forma
instável e mutável ao longo da vida, isto é, a instabilidade tanto é interna (o que é
desejável é mutável) quanto externa (quem é querido – do mesmo gênero ou de
outro – também muda). As querências têm além do contorno de gênero, lugar
circunscrito nas nuances técnicas, na raça/cor, na estética, no contexto, etc.
No campo da diversidade sexual, a preferência sexual para Gagnon (2006) ou
orientação sexual como acomoda Gomes (2008) a relação sexual entre pessoas do
mesmo sexo tem conotações diferenciadas em outras culturas e/ou outros
momentos históricos (RISCADO, 1999).
As expressões homossexualidade e homossexual vão aparecer no século
XIX, após a publicação da obra Psicopatia Sexualis, do médico austríaco KrafftEbing, que ouvira milhares de confissões dos seus pacientes sobre a conduta
sexual, porque estas desarranjavam uma ordem e pensamento oitocentistas sobre a
sexualidade e tipo humano. O modelo de sexualidade familiar, conjugal e
heterossexual representava a moral privada e supremacia burguesa sobre as
demais classes sociais e povos (GOMES, 2008; RISCADO, 1999).
Alguns autores
tomam a
categoria
homossexualidade
recheada
de
significados médicos e de medicalização e preferem o termo homoerotismo, como o
estudioso psicanalista Jurandir Freire Costa (1992) que resgata o vocábulo no
sentido de fazer transparecer e exprimir a verdadeira natureza dos amores
masculinos (apud RISCADO, 1999).
Gagnon (2006) diz que:
Assim [...] a ideia de que existe homossexualidade ou a heterossexualidade,
38
é o resultado conjunto das mudanças ocorridas na vida social (inclusive na
sexualidade) das sociedades ocidentais, desde o início do século XIX, e da
ascensão de um aparato científico para pensar sobre o sexual [...] é
consequência dos mesmos processos históricos, [...] a heterossexualidade,
a homossexualidade e a ciência da ‘sexologia’ são produtos comuns das
mudanças ocorridas na vida ocidental nos últimos duzentos anos. A
pesquisa sobre a sexualidade, portanto, inventa fatos sociais, além de
ajudar a promulgá-los. Essa ‘inventividade’ se estende à teoria da
roteirização,... (p. 216 e 217).
Não se deve, portanto, cair num reducionismo como mera questão de
instintos, impulsos, genes, “hormônios”, etc.. Não se nega a importância da fisiologia
e da morfologia como constituintes do que é materialmente possível em termos de
sexualidade, mas não se considera que as predisposições biológicas produzam por
si só, as condutas sexuais, a identidade de gênero ou a orientação sexual.
Realizamos neste momento uma observação já pontuada por Parker (2001),
porém desenvolvida por Gagnon (2006) e Gomes (2008) quanto à diferenciação
entre comportamento sexual e conduta sexual. Assim, comportamento sexual deve
ser compreendido como sendo unicamente as práticas corporais desempenhadas
pelos seres humanos e não-humanos, enquanto conduta sexual salienta uma
proposta de roteirização, constituída no plano da história do indivíduo, suas
experiências e ideias.
O teórico acima referendado repensa a sexualidade a partir de olhares em
que não pertence única e exclusivamente ao exemplar humano; não se caracteriza
enquanto fenômeno universal e nem é similar ao longo da história da humanidade e,
tampouco, aos espaços culturais.
CAPÍTULO 3
JUVENTUDE COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é entendida
como o período da vida dos 10 até aos 19 anos, dividida em dois subperíodos de 10
a 14 anos e de 15 a 19 anos; e a juventude na faixa de 15 a 25 anos, o que
compreende uma parte da adolescência e nessa, uma parte da juventude se acha
imbricada. Já a Organização Interamericana da Juventude (OIJ) considera a
juventude no intervalo de 15 a 29 anos (SPOSITO E CARRANO, 2003).
Mas, a concepção de juventude atrelada a estágios de ciclo de vida ou
aportada em uma determinada faixa etária vem sendo questionada conforme
podemos verificar em vários estudos ensaístas (ABRAMO, 1997; LOPES et al.,
2008; MAIA, 2010; PAIS, 1990; PAPPÁMIKAIL, 2010).
É observado de longa data a necessidade de se refletir sobre o conceito de
juventude, visando romper com as normativas imutáveis referentes a esse termo. Tal
nomeação é cercada de um paradoxo atualmente estudado e discutido. A juventude
enquanto “fase de vida” engloba indivíduos distintos, agrupados como “jovens”
levando apenas como consideração a faixa etária destes. Enquanto categoria social,
são passíveis de manipulação; apresentam universos sociais distintos, reconhecemse diferentes entre si, pertencem a classes – econômicas, culturais, e outras –
variadas. O sentido de grupo perde em riqueza quando se observam as
semelhanças e quando se estudam as diferenças e subjetividades que englobam a
categoria (PAIS, 1990).
Coloca o autor que a sociologia da juventude enlaça duas vertentes, ou seja,
ou se aporta numa unicidade de juventude, encarada enquanto bloco massificado de
indivíduos ancorados a uma dada faixa etária, ou a juventude é laçada enquanto
conjunto social que tem em seu bojo diferentes parcelas de poder, diferentes
culturas juvenis, diferentes contornos econômicos, diferentes ensejos ocupacionais.
Portanto, colocar a juventude em uma ou outra esfera traz paradoxos e com eles
vieses e interpretações equivocadas.
Segundo Groppo:(2000),
40
A psicologia, a psicanálise e a pedagogia criaram a concepção de
adolescência, relativa às mudanças na personalidade, na mente ou no
comportamento do indivíduo que se torna adulto.
a sociologia costuma trabalhar com a concepção de juventude quando trata
do período interstício entre as funções sociais da infância e as funções
sociais do homem adulto (p.14).
A autora Pappámikail (2010) diz que os jovens por passarem por uma crise
psíquica, marcada por períodos de dúvidas e instabilidades, cujos pressupostos vem
marcadamente tecidos pelas Teorias Psicanalíticas se centraram na adolescência e
não na juventude. Tais características acabam por rotulá-los de irresponsáveis, por
ainda não possuírem maturidade suficiente para decidir sobre o rumo de sua vida.
Entendem que para o conceito de “juventude” implica uma responsabilidade, uma
vez que as condições entendidas como “responsabilidade” são aqueles rituais de
passagem que os jovens precisam alcançar para a vida adulta: estabilidade
profissional, moradia própria, conjugalidade e parentalidade, conforme partem da
premissa Gonçalves; Coutinho (2008) que é pelo trabalho, principalmente, que
conquistam autonomia financeira e, por extensão, independência individual,
referência do ingresso na vida adulta.
Contribuindo para elevar a juventude de mera fase da vida à categoria
sociocultural, parece haver, também, uma crescente divergência entre os
seus aspectos simbólicos e culturais e os aspectos especificamente
fisiológicos do desenvolvimento do corpo. Significa isto que a análise de
indivíduos jovens, aferindo a partir do seu estado de maturação biológica
um estado psicossocial correspondente, perde progressivamente sentido
quando nas populações progressivamente melhor nutridas se vai
antecipando, em média, o início da puberdade. Ou seja, cresce-se mais
cedo, mas emancipa-se cada vez mais tarde (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 398).
O debate estabelecido por esses autores supracitados revelam quão ambíguo
e ao mesmo tempo tênue os termos adolescência e juventude incitam. O primeiro
reflete a lógica do desenvolvimento humano da psicologia, da pedagogia e da
medicina, situando-o numa fase intermediária entre criança e adulto. Já o segundo
debate reflete uma outra lógica. Ou seja, trata-se de uma categoria sociológica
relacionada a status e papeis sociais.
A obra de Groppo (2000) demarca muito bem essas lógicas, com
posicionamento adotado para o termo juventude enquanto enquadramentos de
pertença no que concerne ao ser humano adulto.
41
Assim, podemos refletir que as perspectivas de investigação no que se refere
à adolescência voltam-se para o indivíduo propriamente dito, pensando as
transformações psíquicas ocorridas e, enquanto os que tangem à juventude se
importam com a relação entre o sujeito e a realidade social na qual ele está
introduzido.
Os autores Gonçalves e Coutinho (2008) partem de uma análise de dados
coletados, por meio de entrevistas e grupos de reflexão, com 1500 jovens com idade
entre 13 a 22 anos da Comunidade Bom Retiro, Duque de Caxias, na baixada
Fluminense, no curso do Projeto Jovem Total. Os depoimentos oriundos de 39
jovens foram analisados e comparados, em categorias, a falas de outros jovens que
vivem ou viveram em épocas e culturas diversas. Os temas abordados englobaram
“vida, comunidade e perspectiva de futuro”; muito embora o tema principal discutido
ao longo do texto tenha sido a família e suas relações, ideais e expectativas do
ponto de vista do jovem.
Os autores comungam da mesma percepção de Pais (1990), ou seja, durante
a juventude ocorre uma crise psíquica em que o jovem é confrontado com realidades
e pensamentos muitas vezes distintos de seu contexto familiar. Na aquisição de
autonomia, o amadurecimento e a busca pela independência tornam a família vilã,
árida e mocinho para o desenvolvimento do adolescente, ou seja, a família ocupa as
faces da mesma moeda. Enquanto a “família real” permanece como campo de
batalha, na “família ideal” prevalecem sentimentos de amor e paz, que revelam em
parte o conflito do jovem descrito acima. Entende-se pois necessário que existam e
se relacionem entre si, isto quer dizer, instituições sócias capazes de fornecer
suporte a essa categoria social que, uma vez discordante dos valores familiares,
necessita de um ancoradouro para seus questionamentos. Caso contrário buscarão
suas
respostas
em
espaços
alternativos,
em
interlocuções
outras,
mais
acomodativas.
Possivelmente, a mais marcante na transição para a vida adulta é
particularmente, a entrada no mercado de trabalho. A condição do jovem nesse
mercado
–
desempregado,
inativo,
aprendiz,
estudante
em processo
de
aprendizagem – está longe da almejada estabilidade profissional. Tal dificuldade
retarda a possibilidade de aquisição das demais etapas do amadurecimento –
marcos de transição – proporcionando maior tempo de co-habitação com a família.
42
Nessa co-habitação passam então a ser cercados de conflitos interfamiliares,
visto que o jovem desenvolve sua autonomia, sem gozar da liberdade que acredita,
possuir, ser seu direito. Visando solucionar tal questão, substitui a tradicionalidade
do casamento pela busca por outros tipos de laços (uniões sentimentais, estáveis,
novas formas de sexualidade). Objetiva de maneira imediatista conquistar o status
de adulto (PAIS, 1990).
O autor acima traz para foco de discussão o seu País e reflete que em
Portugal, durante as décadas de 60 e início da de 70, observou-se um fervilhar de
jovens ingressantes em Universidades. Estas, que hoje são vistas como principal
espaço para a juventude desenvolver todo seu potencial, seja ele social, seja
científico; ainda eram cenários voltados apenas ao ensino de conhecimentos
teóricos. Setores da sociedade portuguesa perceberam que para além do ambiente
de educação, aquele era também um formador de pensamentos econômicos e
políticos e, portanto necessitava então de uma reforma geral.
Reflete Pais (1990) que de maneira simplória, o movimento de acesso
estudantil a essas instituições de ensino justificou-se no ideal de que a inserção no
mercado de trabalho estaria garantida na medida em que o jovem apresentasse
conhecimentos técnicos suficientes, desconsiderando outras variáveis que afetam o
mercado de trabalho, tais como a economia mundial, também observada na
realidade atual, a crise dos Estados Unidos do Norte e a Comunidade Comum
Europeia.
Identificou-se que não apenas a educação garantiria a estabilidade
profissional e, as taxas de desemprego frustraram esses jovens. Nesse contexto,
surgiram os movimentos sociais, historicamente atribuídos à juventude. Nada mais
eram do que a representação concreta dessas inquietações. Passou-se então a
associar-se a Juventude “lutadora” e “utópica” das décadas de 60-70 a uma
categoria social-problema. Esse olhar voltado a tal faixa etária estimulou os estudos
sobre as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho.
A realidade social define o termo juventude como uma categoria homogênea,
caracterizada por indivíduos cépticos, individualistas, com dificuldade de acesso ao
mercado de trabalho, uso de drogas e violência, conflitos familiares, imaturidade.
A juventude acaba por existir como representação social, porém afastada da
realidade. A heterogeneidade dos jovens não é levada em consideração, muito
menos são questionados sobre se os problemas que lhe são atribuídos são, de fato,
43
os seus problemas, se eles lhes pertencem. É sabido que alguns jovens, realmente,
se percebem como parte dessa “juventude”, porém outros acreditam ser esta uma
experiência particular de cada indivíduo, distante dos rótulos do senso comum
As atribuições a determinadas fases da vida variam ao longo da historia. É
notável que a juventude seja algo mutável, variando com a cultura e a época
vivenciada. Os problemas que lhe são associados também variam com as questões
a que estão sujeitados seu contexto histórico.
A associação entre idade cronológica e atividades a se desenvolver depende
da percepção do individuo e reconhecimento daquilo como sendo seu, ou ao grupo
de pertença. Se tal percepção se assemelha entre a maioria dos sujeitos daquela
faixa etária, esse conjunto de atitudes passa a ser entendido como “o normal”. Na
dependência do impacto social – na perspectiva de gerar conscientização sobre –
dessas representações, surgirão estudos e políticas públicas que atendam às suas
necessidades.
Para Pais (1990) um dos desafios ao se nomear uma categoria social é não
permitir que tal “unificação” moldure as diferenças entre os sujeitos agrupados no
termo. Quando aplicado ao termo juventude, parte-se do princípio de que devemos
levar em consideração que o sentido de unidade se faz presente de maneira
uniforme, consensual apenas ao serem considerados sujeitos de mesma faixa
etária; e mesmo enquanto fase do ciclo de vida, já existem divergências conceituais
sobre quando se inicia e termina a juventude, visto que características mutáveis
biológica, cultural e historicamente interferem em tal nomeação.
Essa questão pode ser observada nos levantamentos de Sposito (1997) onde
mostrava a frequência da utilização dos termos jovem e adolescente às produções
acadêmicas nacionais de 1981 a 1995. Detectou que, nesse período de 15 anos, tão
somente 4% das produções assumiram a temática enquanto foco, e o pico maior foi
no ano de 1985. Desses 4% das produções, o termo adolescente (15,2%) teve lugar
protagonizado quando comparado ao termo jovem, que abrigou 13,5% da produção.
E Sposito e Carrano (2003) promoveram um levantamento sobre políticas
governamentais brasileiras, na esfera federal, voltadas para a juventude, conforme
podemos visualizar a sistematização desse estudo num quadro mais adiante.
Os problemas e representações divergem amplamente entre tais indivíduos.
“a juventude aparece socialmente dividida em função dos seus interesses, das suas
origens sociais, das suas perspectivas e aspirações.” Essa incapacidade de se
44
considerar uma juventude única, se alicerça também nas chamadas trajetórias
biográficas, isto quer dizer, acontecimentos históricos e individuais se contrapondo e
se somando na construção do saber.
Quando consideradas “múltiplas”, observam-se caminhos distintos na busca
do processo de tornar-se adulto. Dentre os jovens de um desses caminhos, existem
trajetórias distintas. O que nos faz perceber que a Juventude deve, sim, ser
considerada um todo, visto que fica então mais representativa e sujeita a uma maior
atenção social, que facilita os avanços; homogênea quando comparada a outras
juventudes em tempos distintos.
No entanto, se comparada à juventude em um mesmo tempo histórico e
cultural, observamos uma heterogeneidade de achados, pensamentos, valores e
problemas; dificultando o falar em fenômeno socialmente homogêneo. É a dicotomia
entre juventude enquanto fase de vida e enquanto categoria social.
Maia (2010) em relação às suas reflexões sobre juventude e como forma de
solucionar as controvérsias distanciando da perspectiva de reducionismo dessa
categoria a faixas etárias do desenvolvimento humano propõe a Teoria das
Representações Sociais e o método circunscrito na busca de dados oriundo
espontaneamente no cotidiano para se atingir a uma objetividade diante do conflito
emergido, isto quer dizer, deve-se definir a juventude antes da pesquisa de campo.
O autor supracitado argumenta que há uma apropriação valorativa da
juventude que perpassa pelo senso comum e que está contido uma definição tal que
norteia comportamentos grupais.
Quando falamos de juventude, estamos nos referindo ao momento posterior à
infância, que envolve a adolescência e jovens adultos propriamente ditos.
Mas, ao longo da história recente esses estágios do desenvolvimento humano
tem se confundido, embolado, criando em alguns momentos miscelâneas e
extensões de conceitos que trazem dissonâncias cognitivas, ora se falando de
adolescentes, ora se abordando juventude, para que se possa a partir de
concepções concretas, se delinearem ações e políticas públicas de saúde, como por
exemplo, para o HIV/Aids.
Mas por outro lado, conforme aborda Pappámikail (2010) que parte da
premissa de que o estudo da juventude torna-se complexo devido ser essa uma
etapa transitória e, ainda, a existência de várias juventudes, tendo em conta
categorias como, região geográfica, das práticas e estresse que os atingem, das
45
identificações e, até mesmo, do sexo biológico, inclusive dentro de uma mesma
juventude.
Historicamente nas ciências sociais tem-se registrado um interesse constante
sobre a juventude e os jovens. Um interesse que tem sido particularmente sensível
às sucessivas representações, normativas e ideológicas, associadas àquela
emergente categoria social. Da autonomia enquanto conceito à apreensão
sociológica dos percursos de individuação nas sociedades contemporâneas,
propõe-se neste artigo um breve percurso reflexivo (PAPPÁMIKAIL, 2010).
A partir do modo como a sociologia tem tratado a categoria juventude e os
sujeitos que ela engloba é que se pretende refletir sobre outro importante debate
transversal às ciências sociais. Considera-se, portanto, que as reflexões e
discussões que as juventudes e os jovens suscitam são, na verdade, um excelente
gatilho para se repensarem termos tão centrais quanto banais nas ciências sociais
(PAPPÁMIKAIL, 2010).
A autora Pappámikail (2010) parte do princípio de que a categoria juventude é
emergente enquanto categoria social, cuja definição aporta numa complexidade. O
texto tem por propósito debater as bases teóricas dos estudos envolvendo a
juventude por acreditar ser essa etapa de vida rica em possibilidades. Os jovens,
mediante suas constantes inquietações, modelos comportamentais menos regrados
e que podem subverter a ordem, acabam por inspirar estudos e pesquisas sobre
conceitos difundidos na sociedade, em geral, sobre a modificação desses conceitos
à luz da atualidade.
Procura realizar uma reflexão sobre a transição de uma fase da vida para
uma categoria social e das perspectivas sobre a juventude às experiências dos
jovens.
Remete que o eclodir da categoria, se assim pode ser chamada, juventude é
algo moderno. Passa a ser percebida principalmente devido ao advento e
obrigatoriedade dos espaços educativos (escolas, universidades, faculdades) que
proporcionaram
ambiente
favorável
para
o
desenvolvimento
gradativo
de
relacionamentos interpessoais e experimentações de vida.
Diz que a juventude, como a concebemos, envolve um período que antecede
o casamento, marco forte na mudança para a vida adulta. Argumenta que o jovem é
aquele que passa a gozar de alguma independência da família, sem, contudo, a ele
ser permitido o desenvolvimento de trabalho produtivo. Tais significados simbólicos
46
e culturais, e não apenas as mudanças corporais além de favorecerem o
entendimento da juventude como não apenas uma fase da vida, mas como uma
categoria social nova, criam uma dicotomia: apesar de se amadurecer, sexualmente,
cada dia mais cedo, o processo de “tornar-se adulto” acaba sendo cada vez mais
postergado. Esse processo é marcado por uma crise psíquica e relacional em
especial com a família. Assim, o jovem acaba tornando-se numa situação canhestra,
ou seja, vítima e malfeitor, um bandoleiro social.
O comportamento de risco experimentado pelo jovem torna-o mais propenso
a ser protagonista de situações que ameaçam a ordem social, na busca por
autonomia, bem como coloca-o em risco biológicos e sociais, visto que seu
referencial de identidade é também aquele que é visto como limitante de seu
desenvolvimento, na medida em que impõe regras e tenta ditar ações.
Ao falar na possibilidade de existência de várias juventudes, devido aos
territórios, das ações identitárias, as questões etnia e de gênero e outras, mesmo
dentro da juventude, a autora diz ainda ser sabido que a conjuntura políticoideológica é determinante na formação desta. O sentido de juventude enquanto
grupo rebelde pode ser remetido ao período pós-guerra, onde se tornou aparente
um grupo populacional que apresentava resistência e culturas de desvio do padrão a
época, um grupo com inquietações que até hoje marcam essa categoria social, o
jovem.
Pappámikail (2010) promove ainda algumas observações críticas a partir de
uma agenda de investigação, tendo por objeto de estudo transições juvenis para a
vida adulta. Aponta que o estudo do processo de tomada de autonomia, liberdade e
independência pelo jovem é circunscrita por rituais de passagem. Assim, torna-se
adulto aquele que possui emprego estável, moradia própria, casa-se e/ou constitui
família.
Apesar de bastante objetivas as etapas a serem alcançadas nessa fase
transicional, não é observado o mesmo interesse em conhecer e entender as
implicações subjetivas dessas mudanças no jovem e na sua família. Para muitos, o
interesse em permanecer estudando, como possibilidade de melhor qualidade de
vida no futuro, adia a saída de casa e o rompimento com a dependência familiar;
para outros, a gravidez na adolescência acaba por antecipar esses referenciais. De
qualquer forma, o “tornar-se adulto” a partir do cumprimento da sequência de
47
eventos citadas anteriormente como essencial, não é visto como algo obrigatório ou
hegemônico pelos jovens atuais.
Para a autora, o conceito de juventude é cercado de preconceitos,
exemplificados pela necessidade de tornar-se adulto para, e nessa perspectiva, ser
encarado como indivíduo maduro, responsável; é necessária uma mudança de
identidade para ocorrer uma mudança social. E esses pré-conceitos, que tanto
influenciam na formação do indivíduo, estão sendo estudados e derrubados.
A autora procura concorrer para a objetivação do conceito de juventude tendo
como marco autonomia, liberdade e independência. Busca pautar a autonomia
enquanto a obtenção da identidade formada, da moral construída, a forma de
escolher viver a vida. Não coincide com a tomada de independência, numa
compreensão como a capacidade de ser autossuficiente financeiramente, isto quer
dizer, que nem necessita desta para existir. Os jovens não querem esperar ter
condições financeiras de se manterem sem auxilio da família para serem encarados
enquanto autônomos, até porque com o mercado de trabalho atual a independência
financeira torna-se um propósito desafiador. Essas perspectivas, que no passado
por acontecerem em etapas cronológicas muito próximas, vislumbraram por se
confundirem conceitualmente. É importante ressaltar, porém que, a autonomia pode
ser limitada pela falta de independência e que ambas quando coexistem são
socialmente mais valorizadas do que quando apenas a primeira está presente.
Sendo a autonomia um vocábulo que remete, por um lado, para um dos
valores matriciais e constitutivos da modernidade, num tempo em que o
apelo normativo à autonomia individual é generalizado, e, por outro, para
um processo social experimentado pelos sujeitos empiricamente, vale a
parar por instantes e questionar, repensando, os conceitos a que de forma
(demasiado) rotineira se recorre. É precisamente a esse exercício que este
texto se dedica, no sentido de contribuir para debater as bases teóricas do
estudo dos sujeitos jovens, concebendo-os a partir da diversidade das suas
experiências de vida no tempo e no espaço, sem o peso excessivo que o
uso normativo de tradições de pensamento e suas categorias de análise
acarreta (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 396).
A ambiguidade ainda vai emergir quando pensamos e admitimos liberdade
por autonomia, isto quer dizer que, pode promover dúvidas e tende a ser
confunditório.
Refere-se à liberdade, à condição de cada ser humano de se decidir ou agir
sem coerções, de forma que as expectativas se movimentem na própria
48
determinação. Isto é, poder tornar-se protagonista no meio de uma realidade social,
coadunando com os limites estabelecidos pelas normas definidas.
As intenções fazem parte de uma subjetividade, na articulação dos processos
cognitivos, que irão se objetivar num agir. Mas, concomitantemente, as intenções
podem ser autônomas na subjetividade e cerceadas na objetivação, como por
exemplo, num impeditivo material ou simbólico – ditame parental ou falta de
recursos – ou uma impossibilidade legal, que é conduzir um veículo com ingestão de
álcool, na perspectiva da “Lei Seca”.
Assim, os jovens podem ter sua autonomia – intenção, vontade de fazer
determinada ação – porém não ter a liberdade para pô-la em prática, restando-lhes
acomodar a situação, revoltar-se ou tentar barganhar e chegar a um consenso com
aqueles que cerceiam a liberdade, sejam entes do círculo familiar ou setores sociais.
Numa objetivação mais ampla, a dependência financeira parece ser o real
marco da passagem da adolescência para a vida adulta, visto que seu
prolongamento/adiamento é o principal fator de discussão dos trabalhos sobre a
temática transicional.
Pode afirmar-se com um razoável grau de segurança que a juventude, tal
como se concebe actualmente (na sua dupla vertente de fase da vida e
categoria social e cultural), é um produto da modernidade (PAPPÁMIKAIL,
2010, p.396).
Além dos aspectos culturais e éticos que a modernidade introduziu na forma
como se concebem os indivíduos, na vivência da família e no relacionamento intergeracional, foram fenômenos como a democratização do acesso ao ensino, bem
como o prolongamento da sua obrigatoriedade e aumento da participação até aos
níveis atuais, a também contribuir para um maior relevo social da juventude enquanto condição duplamente etária e cultural - (PAPPÁMIKAIL, 2010).
Do ponto de vista do indivíduo, e no cerne dos muitos sentidos associados à
juventude, permanece a ideia, portanto, de que o jovem é alguém
inacabado, em processo de construção ou em devir” (PAPPÁMIKAIL, 2010,
p. 399).
É certo que há um forçoso carácter geracional nalgumas transformações
sociais que marcam a contemporaneidade, uma vez que em cada tempo
histórico são muitas vezes os mais jovens os primeiros a serem tocados por
certas mutações que afectam, nomeadamente, a esfera da produção
(aparecimento e desaparecimento de formas de emprego, a flexibilização e
precarização nos tempos mais recentes, por exemplo) e da técnica
49
(desenvolvimento do imaterial através de novas tecnologias, para falar
apenas de uma) (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 398).
A diferenciação social, objetivada na multiplicação e multiplicidade de
territórios de interação e construção de si, é tida como um dos traços incontornáveis
da modernidade, pelo que a identidade parece ser cada vez mais concebida como
um compromisso narrativo, provisório, que implica a articulação e a coordenação
dos vários traços (heterogêneos e paradoxais, herdados e construídos) do sujeito
que atua nesses diversos territórios (PAPPÁMIKAIL, 2010).
A tese do prolongamento da juventude constitui uma primeira linha de
abordagem a esta incontornável tendência de transformação social, que se
impôs, de forma contundente aliás, nas agendas de investigação por todo o
mundo11. Com efeito, à vista de todos, e em todas as sociedades
ocidentais, têm-se acentuado tendências que apontam para o
prolongamento da co-residência familiar e para o adiamento,
dessincronização, e reversibilidade de rituais de passagem que antes
permitiam uma identificação pacífica da transição para a denominada vida
adulta: a estabilização profissional, a residência autónoma, a conjugalidade,
a parentalidade (PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 401).
O filão teórico-empírico mais explorado pela sociologia da juventude nas
décadas mais recentes tem sido precisamente investigar, não tanto como se vive a
juventude, mas antes como dela se sai (PAPPÁMIKAIL, 2010).
A dependência material de muitos jovens das suas famílias pode inibir o
reconhecimento público da sua autonomia (identitária), mas não impede a
sua construção. Muitos jovens respondem, justamente, reivindicando a
autonomia como um dos principais eixos da sua identidade, traço que é
interpretado em algumas pesquisas como o recurso sistemático a uma
“retórica da autonomia” que seria típica na juventude actual (PAPPÁMIKAIL,
2010, p. 404).
Posto de uma forma simples o conceito de liberdade constrói-se como
propriedade primária da acção, onde confluem as intenções e motivações,
por um lado, e o conjunto de potenciais restrições e constrangimentos
exteriores ao actor, por outro (PAPPÁMIKAIL, p. 405).
Em suma, a autonomia deve ser sempre entendida no contexto
intersubjectivo do diálogo com a(s) alteridade(s), com as quais se
estabelece, também, dinâmicas de poder simbólico que podem pôr em
causa a simetria implícita à dignidade de cada indivíduo na interação
(PAPPÁMIKAIL, 2010, p. 405).
Assim sendo, a distinção entre estes três conceitos – autonomia, liberdade e
independência – é apenas um dos trilhos possíveis para a recomposição crítica dos
50
instrumentos conceptuais, a
oferecer novas abordagens do
processo de
individuação nas sociedades contemporâneas.
A intersubjetividade e a individuação, tempos, espaços e lógicas sociais de
construção de si à medida que o corpo cresce e tudo o resto se transforma, são
portanto, os ingredientes fundamentais para a configuração de um olhar diferente
sobre os indivíduos que, pela sua idade e identidade, são considerados e se
consideram jovens.
Tem crescido a atenção dirigida aos jovens nos últimos anos no Brasil, tanto
por parte da “opinião pública”, notadamente os meios de comunicação de massa,
como da academia, assim como por parte de atores políticos e de instituições,
governamentais e não governamentais, que prestam serviços sociais.
Nos últimos anos têm crescido as ações dirigidas aos jovens por todos os
setores da sociedade. Dentre os meios de comunicação e os espaços destinados
aos jovens existe uma diferenciação da temática: quando diretamente dirigida ao
jovem, a grande mídia aborda temas como moda, lazer, cultura, música e estilo de
vida; em contrapartida quando são assuntos de cadernos destinados aos adultos, os
temas abordados são relacionados aos problemas sociais como drogadição,
violência, crime e exploração sexual.
Na academia tem crescido o número de trabalhos abordando o jovem como
temática, porém a maioria aborda sistemas e instituições presentes em sua vida, de
maneira incipiente surgem os estudos que abordam o jovem e suas experiências,
percepções, formas de sociabilidade e percepção. No que diz respeito às políticas
públicas direcionadas ao jovem, o Brasil começa a focalizar programas e políticas
públicas específicas a esse público, separando-os dos programas das crianças,
diferentes de países mais desenvolvidos que tratam dessa faixa etária de maneira
específica há bastante tempo.
A partir do levantamento de Sposito e Carrano (2003), procuramos
sistematizar e construir um quadro, conforme exposto, que nos possibilitasse
visualizar o comportamento desse fenômeno, na esfera de governo federal
brasileiro.
51
Quadro 1– Informativos de políticas governamentais no Brasil. 2003.
ÓRGÃO
Ministério da
Educação (MEC)
Ministério do Esporte
e Turismo (MET)
PROJETO
ANO
FAIXA ETÁRIA DA
JUVENTUDE
PARCERIAS/CONVÊNIOS
Programa de estudante
em convênio de
graduação (PEC-G)
s/
informação
18 a 25 anos
Parceria com Ministério
das Relações Exteriores
Projeto Escola Jovem
Março de
2001
Ensino Médio
BID e pelos estados da
Federação
Jogos da Juventude
1995 a 1999
e 2001
s/ informação
s/ informação
Olimpíadas Colegiais
2000
Adolesc. 12 a 14
anos e jovens 15 a
17 anos
s/ informação
Revelação de
Talentos
Projeto Navegar
1999
12 a 15 anos
s/ informação
Comunidades
ribeirinhas /
esportes náuticos
1997
Jovens de 18 anos
Excedidos de
Contingente Militar
Ministério da Defesa
Fundo de Amparo ao
Trabalhador
Sec. Est. Trabalho e
Emprego e ONGs
Preparação para
o trabalho e para
cidadania
s/
informação
Adolescentes em
conflito com a Lei
s/ informação
Utiliza como base
o ECA
1999
s/ informação
s/ informação
Utiliza como base
o ECA
Serviço Civil Voluntário
Ministério da Justiça
(MJ)
Ministério da Saúde
(MS)
Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE)
Ministério da
Assistência e
Previdência Social
(MAPS)
Programa de
Reinserção Social do
Adolescente em Conflito
com a Lei
Promoção de Direitos
de Mulheres Jovens
Vulneráveis ao Abuso
Sexual e à Exploração
Sexual Comercial no
Brasil
Programa de Saúde do
Adolescente e do
Jovem
Conselho da
Comunidade Solidária
e CNPq
Ministério do
Planejamento,
Orçamento e Gestão
10 a 24 anos
s/ informação
Ser uma escola
para jovens e
jovens adultos
Articulação intra e
interinstitucional
em níveis
Federal, Estadual
e Municipais e
ONGs
Focaliza o jovem
de nível técnico
em fase de
conclusão de
curso ou recém
formados
Vulnerabilidade
social,
implantação dos
centros da
juventude
Preparar o jovem
para atuação
intergerencional
Estudantes,
Escolas Técnicas
e/ou Curso
Superior com
menos de 30
anos
Jovem Empreendedor
1998 a 2002
18 a 29 anos
Banco do Nordeste
Estados do Espírito Santo,
Minas Gerais e Região
Nordeste
Ministério do Planejamento
Programa Brasil Jovem
1998 a 2002
15 a 17 anos e 14 a
25 anos
Ministério da Saúde
Agente Jovem de
Desenvolvimento Social
e Humano
2000 a 2013
Jovens de baixa
renda
Sec. Esp. Assistência
Social, ONGs e
Empresários
Prêmio Jovem Cientista
Desde 1981,
interrupções
em 1986 e
1987
Expressivamente
elástica, estende o
conceito de
juventude à faixa
dos 40 anos
s/ informação
Prêmio Jovem Cientista
do Futuro
1999
Alunos do Ensino
Médio
s/ informação
Moldes do Prêmio
Jovem Cientista
Programa Capacitação
Solidária
1996
16 a 21 anos
s/ informação
Capacitação
profissional
Projeto Rede Jovem
A partir de
1995
Jovens de baixa
renda
Estados da Bahia, Ceará,
Distrito Federal, Espírito
Santo, Pernambuco, Rio
de Janeiro e São Paulo e
ONGs
Conectar jovens
Articulação com seis
Ministérios
Programas EJA,
Esporte Solidário,
Pais nas Escolas,
Qualificação
Profissional do
Trabalhador,
Saúde do Jovem
e Outros
Ministério da Ciência
e Tecnologia (CNPq)
Presidência da
República:
Comunidade Solidária
1989/1999
terminologias
diferentes
OUTROS
Brasil Ação/Grupo
Juventude
Dados: Sposito; Carrano (2003)
Desde 2000
15 a 29 anos
52
Aqui construímos esse painel a partir do levantamento de Sposito e Carrano
(2003) – os autores destacam que embora o acesso a essas informações tenha sido
bastante caótico – e nos revelam, quando olhamos panoramicamente, que dois
conceitos foram vigorosos nos documentos dos órgãos do Governo Federal e
Organizações Não Governamentais (ONGs), isto quer dizer, que os projetos e
programas estavam ancorados na juventude enquanto protagonismo juvenil e jovens
em situação de risco social, porém demarcadamente por faixas etárias. Refletem
que essas concepções foram muito mais apontadas por apelo social que ideias
aportadas em diagnósticos sociais e reflexões analíticas sobre a temática juventude.
Diferentemente do estado e suas ações, as instituições e agências do
trabalho social tem desenvolvido trabalhos e intervenções com esse público alvo,
priorizando
grupos
de
vulnerabilidade
social
ou
risco.
Deste
setor
não
governamental os projetos são diversos variando entre ressocialização e
capacitação profissional que no fundo buscam conter o risco real da ociosidade dos
jovens e projetos que visam formação para cidadania baseados nos problemas
sociais que afetam a juventude, mas no fundo tomam o jovem como problema sobre
o qual se faz necessário uma intervenção.
Maia (2010) coloca que estudos como os de Alves (2005) e de Oliveira
(2006), nos quais se discutem gênero, raça/etnia, violência e têm sua aplicabilidade
voltada para se pensar e elaborar as políticas públicas.
Diante das abordagens atuais sobre tratamento com o jovem, fica notória a
necessidade de informação, conceituação, pedagogia e metodologia específica ao
público alvo, subsidiando o tratamento singularizado de adolescentes e jovens. A
maioria dos programas desenvolvidos surge de forma obscura, da pragmática
concepção que ‘adolescência é mesmo uma fase difícil, conturbada’ e, diante desse
quadro, raras são as exceções que tomam como base o protagonismo juvenil,
tratando os jovens como colaboradores e partícipes nos processos educativos.
No que diz respeito aos atores políticos e à relação com a juventude, existe
ausência dos jovens nos espaços e canais de participação política, o que gera
preocupação e ao mesmo tempo não existem abordagens das questões políticas
relativas ao jovem, o que contribui para esse afastamento. Tal desinteresse pela
política e questões sociais acaba sendo resultado da acentuação do individualismo e
pragmatismo dos jovens, tornando-os apolíticos. Numa retrospectiva histórica, vale
salientar a participação da juventude entre os anos 1930 e os anos 1970 na política,
53
sendo a geração dos anos 80 marcada por enfraquecimento dos atores estudantis e
atuações juvenis desqualificadas para a política, com atuações que tendem mais à
festa propriamente dita que a politização de fato. Veladamente, existe uma
preocupação dos atores políticos em manter o desinteresse da juventude pela esfera
pública, devido, provavelmente, ao temor da inserção desse setor da sociedade nos
processos de construção e consolidação da democracia.
Existe uma dificuldade de considerar os jovens enquanto sujeitos e isso fica
exemplificado quando se pesquisa a relação entre jovem e cidadania. Os resultados
são relações enquanto mote da denuncia de privação e quase nunca como sujeitos
capazes de participar dos processos de definição, invenção e negociação de direitos
e a razão disto muito se deve a como é tematizada a juventude no ocidente, na
contemporaneidade.
Juventude é tratada como retrato projetivo da sociedade e a mesma vira
objeto de atenção quando representa uma ameaça de ruptura com a continuidade
social. Ao mesmo tempo, a sociologia observa a juventude como momento
“específico e dramático de socialização”, “sendo momento crucial para a
continuidade social”, e abordam como temática apenas as falhas nessa integração
social.
A visão ocidental da juventude desde a metade do século XX, deposita um
alerta e ao mesmo tampo uma expectativa sobre a mesma, sendo a categoria
passível de “atitudes de contenção, intervenção ou salvação”, sendo difícil o
estabelecimento de troca, diálogo e intercâmbio, sendo marcada por mudanças no
entendimento dos jovens ao longo dos anos.
Agora nos idos de 2013, as convocações por vozes engajadas e conscientes
da realidade política e social do País, a juventude até então, no momento, vista
como apática diante dos desmando de corrupção, desvio do dinheiro público e uma
classe política governamental que vilipendia a saúde, a educação e outras, foi
provocada para uma tomada de atitude. Na história recente do País, em outros
momentos sociopolíticos, os jovens foram às ruas em movimentos pela restituição
do estado de direito, pelas ‘Diretas Já’, os ‘Cara Pintada’ na destituição de poder de
um presidente da república considerado corrupto. Os jovens ouviram o clamor da
sociedade e tomaram os espaços públicos em todo Pais, mobilizados pelas redes
sociais, impondo as revindicações por um não aumento das passagens dos
transportes públicos ou não e exigindo o passe livre. Mas essa iniciativa abraçou
54
também outras causas que incomodavam essa sociedade no que tange às
condições de saúde (‘saúde padrão FIFA’), educação (‘educação padrão FIFA), etc,
referindo-se aos gastos descomedidos, exorbitantes com a (re) construção dos
estádios de futebol exigidos pela FIFA, por ocasião dos eventos futebolísticos de
2013 e 2014,
Parece-nos que nesse episódio a sociedade solicitou uma tomada de atitude
da juventude diante dos fatos, plausível que fosse, uma vez que a juventude se
evidencia sob o signo da mobilidade. Esse é o tratamento que a sociedade dispensa
ao indivíduo, ao atribuir-lhe um papel social, dizendo-lhe sobre a função que ocupa,
e o lugar do contexto que especifica e determina tal período da vida, abdicando os
valores da infância e a inserção na esfera da vida adulta. Desse modo, a idade
converte-se em fator mutável para classificar criança, jovem ou adulto, pois a
dependência infantil e a autonomia indicativa de maturidade são relativas. Conforme
Levi e Schmitt (1996) apud Bayer (2008),
nenhum limite fisiológico basta para identificar analiticamente uma fase da
vida que se pode explicar melhor pela determinação cultural das sociedades
humanas, segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de atribuir ordem
e sentido a algo que parece tipicamente transitório, vale dizer caótico e
desordenado (p.268).
Nos anos 50, a visão da adolescência era marcada como fase de vida
turbulenta, devendo ser “pastoreada” pelos adultos devido à predisposição a
transgressão e delinquência, os famosos “rebeldes sem causa”. Esse panorama
muda nos 60 e parte dos 70, quando toda uma geração ameaçava a ordem social
tanto no plano político quanto cultural e moral pela atitude critica à ordem
estabelecida e pelo desencadear de atos concretos em busca de transformação. Tal
comportamento condensou o pânico da revolução pela sociedade frente a juventude,
marcando um ganho de visibilidade para a categoria pelas lutas contra regimes
ditatoriais, participação nos partidos de esquerda e entidades estudantis, sendo os
mesmos alvos da ação repressora do estado.
Posteriormente, a essas ações repressoras, ocorre o refluxo dos movimentos
juvenis o que paradoxalmente reelabora uma visão positiva da juventude tomando a
geração de 60 como modelo por sua rebeldia, idealismo, inovação e utopia,
características agora essenciais à juventude.
55
A geração de 80 é marcada como oposta aos anos 60, por seu individualismo,
consumismo, conservadorismo e sua indiferença aos assuntos públicos, uma
geração apática. E, a apreensão da sociedade passa a ser o ‘fim da história’ pela
juventude, negar seu papel de contribuidora de mudança. A geração de 90 muda um
pouco e é marcada pelas figuras juvenis nas ruas, envolvidos em diversos tipos de
ações individuais e coletivas, tais como, meninos na rua e em risco social, surf
ferroviário, gangues, as galeras, vandalismo, e outras.
Retomando a visão dos anos 50, concentrando a atenção nos problemas de
comportamento dos jovens. Os jovens aparecem como vítimas e promotores de uma
”dissolução do social”. Por serem vitimas e promotores dessa dissolução, são tidos
como encarnação de todos os dilemas e dificuldades que a sociedade tem
enfrentado, não podendo ser vistos, ouvidos e entendidos por esse viés.
Dois filmes levantados no texto de Abramo (1997) – “O que é isso
companheiro?” e, “Como nascem os anjos” - acabam demonstrando como o jovem é
visto pela sociedade. Apesar dos roteiros acontecerem em décadas diferentes, 60 e
90, respectivamente, ambos colocam o jovem como manipulados pelo destino,
nunca como protagonistas reais das ações. Tal processo de vitimização frente à
lógica do sistema acaba mantendo “invisível e impensável qualquer tipo de
positividade das figuras juvenis”. Quando o jovem é visto e tratado como um
emblema, é impossível não desqualificar sua atuação enquanto sujeito.
Só recentemente tem ganhado certo volume o número de estudos voltados
para a consideração dos próprios jovens e suas experiências, suas percepções,
formas de sociabilidade e atuação (ABRAMO, 1997).
Essa premissa pode ser observada nas investigações de Yonekura et al.
(2010), que mapeiam a partir de dados sociodemográficos e econômicos as
desigualdades sofridas pelos jovens da cidade de Santo André, SP. Esse trabalho
situa os sujeitos de pesquisa na ordem de 15 a 25 anos, tendo como parâmetro o
Censo de 2000. Santos e Mandarino (2005); Silva, Santos; Licciardi; Paiva (2008),
ambos os estudos estão na pauta a juventude tendo a orientação religiosa e a
religiosidade enquanto espaços preferenciais de lazer e de norte para com o
movimento da sexualidade.
Quanto à pesquisa de Tavares (2010) que aporta na juventude e sexualidade
masculina no contexto do lazer e da cultura, remete inicialmente o texto para a
categoria juventude e afirma que o conceito mais difundido está ancorado no de
56
gerações, desenvolvido por Mannheim (1952), instigado na noção qualitativa de
tempo e como esse tempo está pautado no processo de mudança social. Diz, “a
juventude inserida num processo de formação de ‘uma unidade geracional’ diversa,
frente à subjetividade de seus atores, realiza-se na busca de suas metas íntimas, do
espírito de seu próprio tempo” (p. 1). Quanto aos seus sujeitos de investigação
observamos no desenho metodológico que esses estão situados entre os 17 e 27
anos, sem que com isso traga alguma arranhadura nos resultados.
De um modo geral, pode-se dizer que a “juventude” tem estado presente,
tanto na opinião pública como no pensamento acadêmico, como uma categoria
propícia para simbolizar os dilemas da contemporaneidade. A juventude, vista como
categoria geracional que substitui a atual, aparece como retrato projetivo da
sociedade. Nesse sentido, condensa as angústias, os medos assim como as
esperanças, em relação às tendências sociais percebidas no presente e aos rumos
que essas tendências imprimem para a conformação social futura (ABRAMO, 1997).
O estudo de Yonekura et al. (2010), procura analisar as desigualdades sociais
e situa seus sujeitos de pesquisa enquanto jovens de 15 a 24 anos de idade. Assim,
os pressupostos, os argumentos e as bases de sustentação dos argumentos são
alicerçadas em “juventudes” descritas ao longo do artigo enquanto indivíduos da
mesma faixa etária que experimentam a vida, em todas as suas variáveis, de
maneiras distintas. Apesar de inseridos na mesma sociedade, apresentam espaços
sociais distintos. A partir desse entendimento é que as políticas sociais públicas
dirigidas a esses grupos devem ser pensadas, lembrando que tais iniquidades
propagam a manutenção do nível intelecto-sócio-econômico-cultural, levando a
impossibilidade de mudança de vida nas futuras gerações.
Lopes et al. (2008), dizem que:
o debate acerca das concepções com relação à juventude e à adolescência
é essencial, pois a partir delas serão retratadas e interpretadas suas formas
de ser e estar no mundo e, além disso, a maneira como a sociedade se
organiza na atenção a essas fases da vida, especialmente o modo como
são configurados os direitos e os deveres dos adolescentes e dos jovens e
quais são as ações sociais e políticas reivindicadas (LOPES, 2008, p. 65).
Nesse estudo, os autores remetem seus argumentos às categorias de
desenvolvimento humano, criança e adolescente, e partem do pressuposto que os
jovens são um grupo bastante sujeito a vulnerabilidades, em especial no ambiente
57
escolar, e nas bases de sustentação dos argumentos reportam as categorias
crianças, adolescentes e jovens, seja discutindo o quadro de violações dos direitos,
seja em outras instancias. As categorias jovem e juventude não são marcadas
enquanto tal, e por isso deixa o leitor à deriva da compreensão.
Pactua Alves; Muniz; Teles (2010), a concepção de que a adolescência é
defendida como o período de transição entre a infância e a idade adulta,
caracterizada pela instabilidade emocional, mudanças corporais e sociais.
Os dois últimos estudos do IBGE (2012a; 2012b) sobre a evolução sóciodemográficas da população – referendado na análise dos resultados dos Censos
Demográficos, a partir de 1940 e da Contagem da População 1996, que trata do
processo evolutivo da população jovem e suas características diferenciais, tais como
sexo, raça/cor e composição urbana/rural e, a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios de 1992 a 1995, em que se discute a questão da mulher sobre a ótica da
esfera educacional, trabalho, fecundidade e nupcialidade, estão assentados a
população jovem na faixa etária de 15 a 24 anos. Vale ressaltar que esse
contingente populacional eles os situam enquanto jovens e adultos jovens.
Os estudos acima referendados do IBGE, partem do princípio de que o
segmento jovem de 15 a 24 anos é de grande valia o seu status na realidade social
por se constituir na extensão do político e da cultura. Os grupos etários 15/17 anos,
18/19 anos, 20/24 anos se constituem na interface dos significados sociológicos,
apresentando características próprias. Consideram que, jovens são pessoas dessa
faixa etária, de 15 a 24 anos, porque determinam certas características clássicas
entre as quais se destacam a do ponto de vista educacional, possuírem condições
de terem terminado ao menos o curso fundamental, possibilidade de ter inaugurado,
com sua presença, o mercado de trabalho, segundo a legislação atual.
Souto de Oliveira (1999) veio nos informar que esta definição de juventude
pela faixa etária é muito ambígua, argumentando que a questão do jovem é muito
complexa desde a própria definição do termo jovem. Discute estes limites etários na
movimentação – estrutura e dinâmica – da própria sociedade, ao logo dos tempos.
Ao longo dessa reflexão, podemos observar que os estudos nem sempre
utilizam “juventude” no sentido de categoria sociológica, ou seja, ora usam como
sinônimo de “puberdade e adolescência”, ora utilizam como fase posterior a ela.
Assim sendo, a partir deste ponto e diante de uma diversidade de
dissonâncias cognitivas frente ao conceito de juventude como categoria social,
58
iremos situá-la como um período intermediário entre os status e papéis da infância e
os da vida adulta, integrando indivíduos particulares que comungam e vivenciam
uma teia de relações sociais particulares, atreladas a contextos sócio-históricos e
culturais.
CAPÍTULO 4
JUVENTUDE MASCULINA E AIDS: VIVENCIANDO A SEXUALIDADE
As ações desse campo devem estabelecer prioridades em termos de alcance,
buscando considerar os segmentos masculinos apontados – principalmente os mais
jovens – como de maior vulnerabilidade (SILVA et al., 2002; GUERRIERO et al.,
2002; ABRAMOVAY et al., 2004). Trabalhar com os relatos de homens jovens pode
favorecer ancoragens para ações preventivas que se aproximem mais da realidade
desse público e que tenham maior possibilidade de adesão aos cuidados que devem
ser tomados para que não haja um comprometimento da sexualidade, ocasionado
por doenças, aí se incluindo a Aids.
O estudo de Rebello e Gomes (2012) sobre as narrativas na atitude de
homens jovens universitários em relação aos cuidados preventivos com a Aids
observou que, em termos de sexualidade, a primeira relação sexual ocorreu em
torno dos 17 anos e que esta não foi planejada. Esses universitários informaram ter
usado preservativo na primeira relação.
Esse trabalho é parte da pesquisa “Sexualidade Masculina e Cuidados de
Saúde”. A obtenção dos relatos teve como disparador o slogan da campanha do
Ministério da Saúde realizada no carnaval de 2008, que levantava a seguinte
questão: qual sua atitude na luta contra a Aids?. Objetivou analisar as narrativas de
homens jovens, com foco nos sentidos atribuídos à sexualidade e à prevenção da
Aids. Apresenta como desenho metodológico o estudo de narrativas de vinte e dois
homens jovens universitários, tendo como marco conceitual teórico os conceitos de
masculinidade hegemônica e roteiro sexual. As narrativas foram coletadas por
entrevistadores do mesmo sexo/gênero e de faixa etária próxima à dos
entrevistados, ambos com formação em ciências humanas. Os sujeitos da pesquisa
foram selecionados com base na técnica universos familiares, apresentam idade
entre 21 e 24 anos e, possivelmente, tiveram a sua iniciação sexual na década de
90.
Ao longo do texto, os autores Rebello e Gomes (2012), sinalizam para as
narrativas dos sujeitos entrevistados serem universitários e, portanto, podem ser
vistos como um alvo privilegiado das campanhas de prevenção da Aids, uma vez
60
que tanto podem melhor compreender as mensagens dessas campanhas, como ter
acesso a outras informações para desenvolverem ações preventivas. Entretanto,
nas narrativas de alguns deles, observam-se roteiros sexuais influenciados pelo
modelo hegemônico de ser homem. Assim, alguns deles sugerem que o cuidado
não é prerrogativa masculina, associando-o à instância do feminino. Outros
recorriam à ideia de que os homens nem sempre conseguem usar o preservativo por
causa de a sexualidade masculina ser desenfreada. Há ainda a ideia de que, no ato
sexual, o prazer e a emoção têm ascendência sobre a razão.
Junto às ideias hegemônicas de que o exercício da masculinidade
compromete a prevenção da Aids, mais especificamente o uso do preservativo, há
ideias que apontam para a existência de outros modelos de masculinidade. Nesse
sentido, há jovens que aderem ao cuidar de si, traduzido por uma preocupação com
o corpo, principalmente em termos de alimentação e higiene.
Chama a atenção, na escuta das narrativas dos sujeitos de pesquisa de
Rebello e Gomes (2012), que o uso do preservativo, quando priorizado na primeira
relação sexual, vai sendo abandonado nas relações sexuais que se sucedem. Os
autores das narrativas argumentam que a intimidade que vai sendo construída nos
relacionamentos possibilita este tipo de atitude e que no caso de parceiras eventuais
o preservativo é sempre priorizado.
As narrativas destacam a necessidade de se rever as ações de saúde
voltadas para cuidados com a sexualidade masculina, no sentido de ampliar a
discussão sobre o tema, levando em conta aspectos culturais associados à
construção da identidade dos sujeitos e espaços onde os homens sintam-se à
vontade para buscar informação e atendimento que o levem a uma atitude de
prevenção. Em contrapartida, tanto as críticas dos jovens às reduções das
campanhas de prevenção da Aids, quanto a presença de outros modelos de
masculinidade, em suas narrativas apontam para a possibilidade de se promover um
maior investimento na promoção dos cuidados com a sexualidade, junto aos
segmentos masculinos.
Na análise do trabalho, os autores privilegiaram – como marco conceitual
teórico – os conceitos de masculinidade hegemônica e roteiro sexual. A
masculinidade hegemônica expressa ideias, fantasias e desejos que fornecem
modelos de relações entre homens e mulheres, naturalizando as diferenças e as
hierarquias de gênero (GOMES, 2008; CONNEL, 2002). Essa masculinidade
61
ancora-se, pelo menos, em dois eixos: a dominação dos homens e a perspectiva
heterossexuada do mundo (KEIJZER, 2003). Além desses eixos estruturantes, ela
costuma ser associada ao ideal de um homem viril, forte, invulnerável e provedor,
que embora tenha sido abalado pelos movimentos feministas e de gays (CONNEL,
2002), ainda costuma servir de referência para alguns segmentos masculinos,
mesmo que seja no plano da idealização.
Quanto ao conceito roteiro sexual, entende-se como um conjunto de
elementos simbólicos e não verbais que estruturam uma sequência de condutas
organizadas e delimitadas no tempo, nomeando os atores dessas condutas,
descrevendo
suas
qualidades,
indicando
motivos
do
comportamento
dos
participantes e encaminhando a finalizações exitosas (GAGNON, 2006). Outra ideia
associada a roteiro sexual é do sociólogo Bozon (BOZON, 2004) que aborda o
conceito de scripts sexuais. O autor entende que todas as experiências sexuais são
construídas como scripts, “ou seja, foram apreendidas, codificadas e inscritas na
consciência, estruturadas e elaboradas como relatos" (BOZON, 2004, p.130). Devido
à sexualidade humana ter limites, os scripts sexuais irão descrever os cenários de
uma sexualidade possível.
Com base nesse referencial, o estudo de Rebello e Gomes (2012) tem como
pressuposto que, para além da escolaridade dos homens, as marcas identitárias
masculinas hegemônicas influenciam tanto os sentidos atribuídos à prevenção da
Aids como a adesão a essa prevenção.
Ainda sobre o estudo acima referendado, os sujeitos das narrativas – por
serem universitários – podem ser vistos como um alvo privilegiado das campanhas
de prevenção da Aids, uma vez que tanto podem melhor compreender as
mensagens dessas campanhas, como ter acesso a outras informações para
desenvolverem ações preventivas. Entretanto, nas narrativas de alguns deles,
observam-se roteiros sexuais influenciados pelo modelo hegemônico de ser homem.
Assim, alguns deles sugerem que o cuidado não é prerrogativa masculina,
associando-o à instância do feminino. Outros recorriam à ideia de que os homens
nem sempre conseguem usar o preservativo por causa de a sexualidade masculina
ser desenfreada. Há ainda a ideia de que, no ato sexual, o prazer e a emoção têm
ascendência sobre a razão.
Apesar de o trabalho envolver entrevistados com um nível intelectual elevado,
torna-se visível a persistência das questões de gênero relacionadas ao cuidado com
62
a saúde. Ainda é hegemônico a ideia de “cuidado pertencendo ao feminino” e de que
o uso do preservativo é mais importante quando se aumenta a frequência dos
relacionamentos sexuais ou o número de parcerias. É necessário o entendimento de
como os papeis de gênero e os cenários, personagens e enredos sexuais se
entrelaçam e interferem no conceito e ações de saúde.
Mesmo sendo importante um olhar diferenciado quanto à prevenção da Aids
com foco em homens que fazem sexo com homens, faz-se necessário aprofundar a
questão. No caso das relações homossexuais masculinas, o estudo de Gondim e
Kerr-Pontes (2000), por exemplo, destaca que: (a) relações sexuais desprotegidas
não são necessariamente inseguras para o HIV, desde que ocorram numa relação
mutuamente monogâmica entre dois parceiros soronegativos; (b) quanto mais
emocionalmente envolvidos com o parceiro, menor percepção de vulnerabilidade
com relações sexuais desprotegidas estes indivíduos irão apresentar e (c) o sexo
desprotegido pode ser motivo de grande excitação. Entretanto, guardadas as
devidas especificidades, essa reflexão pode ser ampliada para as relações
heterossexuais, permitindo que se ultrapassem os limites da estigmatização. Assim,
monogamia, envolvimento emocional e excitação com o sexo desprotegido podem
ser aspectos decisivos para a prevenção ou não da Aids, independentemente, de se
tratar de relações entre parceiros do mesmo sexo ou de sexos diferentes.
A investigação de Fontanella e Gomes (2012), conjecturou condutas de
prevenção à Aids na iniciação sexual de homens jovens e na compreensão sobre o
uso não consistente do preservativo, objetivando caracterizar aspectos das
significações simbólicas das práticas sexuais de jovens do sexo masculino.
Realizaram entrevistas com quarenta e dois sujeitos, cujas iniciações sexuais
começaram no final dos anos 90. Foram abordadas qualitativamente por meio de
análise de enunciados e interpretadas sob as perspectivas teóricas dos roteiros
sexuais e do habitus masculino. Os sujeitos entrevistados enfatizaram a importância
de exames sorológicos e da análise biográfica das parceiras na perspectiva da
"confiança" e tenderam a utilizar uma semiotécnica – conjuntura corporal – não
fundamentada para avaliar o estado de saúde das parcerias. Estabeleceram uma
tipologia dual: parcerias "não fixas" e "fixas", exercitando respectivamente dois tipos
de roteiros quanto ao uso do preservativo: para prevenção das DST/Aids e gravidez
ou tão somente para prevenir gravidez. As narrativas resultaram dentre outros
fatores, de um processo de biomedicalização de aspectos de suas sexualidades e
63
de anseios de relacionamentos afetivo-sexuais estáveis e monogâmicos. Entre os
participantes, as importantes e recentes mudanças nos roteiros sexuais intrapsíquico
e interpessoal não parecem ser, por hora, acompanhadas de mudanças igualmente
profundas nos roteiros culturais ou de ‘habitus’ masculino.
É bastante visível a dicotomia quanto ao uso ou não do preservativo a
depender do tipo de parceria relacionada, se “fixa” ou “não fixa”. De maneira
tradicional, o uso do preservativo parece ter mais valor na prevenção de DST
quando se desconhece o “estado sorológico” de sua parceria, de modo que fatores
como confiança e análise biográfica (status social e comportamento, por exemplo)
parecem negativá-lo, mesmo na ausência de teste laboratorial específico. Observase ainda um descompasso entre roteiros sexuais intrapsíquicos e culturais, sendo o
conhecimento acerca do modo de transmissão da doença HIV/Aids conhecido,
porém negligenciado em inúmeras ocasiões apesar do já referido medo de
contaminação.
Cunha e Gomes (2012) objetivaram analisar a influência dos modelos de
masculinidade compartilhados pelo senso comum nos enredos sexuais de homens
de intervalos de gerações diferentes. Busca-se, ainda, analisar se esses modelos
influenciam o autocuidado de homens que, em princípio, têm acesso à informação.
O desenho metodológico é de análise de narrativas. As fontes analisadas são parte
do acervo de duas pesquisas qualitativas realizadas na cidade do Rio de Janeiro – A
construção da masculinidade como fator impeditivo do cuidar de si e Sexualidade
masculina e cuidados de saúde – com homens com curso superior e universitários,
que tiveram iniciação sexual nos anos 1970 e 1990, respectivamente. A seleção dos
sujeitos foi realizada a partir do critério de universos familiares. O estudo foi dividido
em três etapas: a primeira buscou compreender o contexto das narrativas de
construção da sexualidade e de autocuidado em saúde de homens de duas
gerações distintas; a segunda, desvendar os aspectos estruturais da narrativa; e a
terceira elaborou uma síntese interpretativa, em que os dados revelados pelas
narrativas dialogaram com contexto sócio-histórico.
Apesar da diferença temporal existente nos grupos apresentados neste
trabalho, observa-se que a mudança em relação ao cuidado com a saúde sofreu
pouco implemento. Mudanças importantes ocorreram principalmente nos cenários e
personagens sexuais; porém, ainda persiste o ideal de masculinidade que se torna
um impeditivo na busca por ações preventivas e curativas. Podemos inferir que tais
64
atitudes sejam o reflexo do modelo educacional familiar, alicerçado nos valores
culturais do que é socialmente construído e, portanto, aceito e esperado, dos papeis
de gênero. No entanto, apesar desse modelo hegemônico, consegue-se visualizar
um grupo que apresenta uma mentalidade diferenciada acerca dos cuidados com
seu corpo, estando inclusos ai aqueles homens que buscam o serviço de saúde e
protegem-se contra doenças sexualmente transmissíveis, sem atribuir apenas à
mulher o papel de cuidar do bem estar comum.
4.1 - Vulnerabilidade e Aids
As terminologias ou mesmo conceitos tais como grupo de risco,
comportamento de risco e vulnerabilidade se fazem acompanhar paralelamente e,
até mesmo se confundem na construção social da Aids, pelo menos no início da
epidemia. Os dois primeiros tiveram seus momentos de contradições e conflitos,
porque traziam em seu âmago, campos de discriminação, estigma e preconceitos.
Muitos dos indivíduos, por conta das marcas identitárias estigmatizadoras em torno
de grupos de homossexuais, prostitutas, drogaditos, negros haitianos, foram levados
ao rechaço e à morte social (CALAZANS, 2011; RISCADO, 1998).
No início da epidemia o fato de incorrer, naquele momento, em homens
homossexuais, esta foi caracterizada por ‘Peste Rosa ou Peste Gay’, tanto que se
postulou a denominá-la de Gay Related Immuno Deficiency (GRID), muito antes de
ser nomeada e estandardizada de Aids, para as línguas anglo-saxônicas e, SIDA
para as línguas neolatinas (CALAZANS, 2011; RISCADO, 1998).
Tangenciava a compreensão societária que também os gays masculinos
eram responsáveis pela transmissão. Posteriormente, foram incluídos outros grupos
societários, como drogaditos, prostitutas e negros haitianos.
Esses segmentos traziam um invólucro estigmatizador, pois eram possuidores
de estilos de vida nada conservadores, considerados subversivos das normas, isto
quer dizer, promoviam a liberalidade das práticas sexuais e o uso/abuso de
substâncias químicas.
Relatam Ayres, Calazans, Saletti Filho (2009) que é na área da advocacia
internacional pelos Direitos Humanos Universais que se vai cunhar o conceito de
65
vulnerabilidade e arrastar a partir dos movimentos sociais qualificando-os para os
discursos e adoção de “novas” práticas da saúde pública e a ganhar o perfil e seus
aspectos particulares que se detém na atualidade.
Atinha-se, naquele momento de gênese, a grupos ou indivíduos fragilizados,
jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seus direitos de
cidadania.
Na atualidade visualizamos o conceito de vulnerabilidade, quando se coloca
que todos os seres humanos, independentemente do seu estilo de vida, encontramse num estado de exposição ao risco. Buchalla e Paiva (2002) fazem um estado da
arte das tendências das pesquisas com populações e/ou grupos estudados que
historicamente se mostram mais vulneráveis à infecção ou ao adoecimento, por
conta, principalmente, da maior dificuldade de acesso a serviços públicos de saúde,
de educação, de moradia, de lazer, de trabalho e outros direitos. Apontam que
historicamente na categoria “gênero” o foco se deteve nas mulheres e dizem da
urgência em conduzir estudos entre homens jovens ou adultos frente ao controle da
epidemia. Concluem que
A vulnerabilidade de um grupo à infecção pelo HIV e ao adoecimento é
resultado de um conjunto de características dos contextos político,
econômico e socioculturais que ampliam ou diluem o risco individual. Além
de trabalhar essas dimensões sociais – vulnerabilidade social – é um
desafio permanente e de longo prazo no sentido de sofisticar os programas
de prevenção e assistência, abrindo espaço para o diálogo e a
compreensão sobre os obstáculos mais estruturais da prevenção e sobre o
acesso e para as experiências diversas com os meios preventivos
disponíveis – vulnerabilidade programática – para que, no plano das
crenças, atitudes e práticas pessoais – vulnerabilidade individual – todos,
significando cada um, possam de fato se proteger da infecção e do
adoecimento (p.118-119).
Ayres, Calazans, Saletti Filho (2009) reportam que mesmo David Ho e o
‘coquetel’ de medicamentos terem sido as celebridades em 1996, na XI Conferência
Internacional de Aids, em Vancouver, não foram tão pouco colocadas em segundo
plano, a sistematização do acúmulo de experiências vivenciadas nos anos 90, ou
seja, de programas outros não voltados única e exclusivamente para o HIV, mas
pensados numa dimensão que extrapola a esfera pura do vírus e vão ao encontro de
fatores estruturais arrolados à vulnerabilidade e ao impacto do HIV – estigma,
discriminação, preconceito, isolamento social e a nulidade do sujeito acometido no
espaço da produtividade – trabalho e geração de renda. Os trabalhos apresentados
66
na referida Conferência traziam o emponderamento de diversos segmentos
populacionais, tais como, gays, prostitutas, indígenas, usuários de drogas injetáveis
e outros.
Relatam os autores acima referendados que ‘vulnerabilidade’ foi a palavrachave mais mencionada no relatório da Conferência. Dizem que “toda vez que aí se
buscou relatar ou propor aproximações teóricas ou intervenções não restritas ao
HIV, ao risco, ao comportamento individual, às abordagens biomédicas, foi
‘vulnerabilidade’ o termo preferencialmente escolhido” (p. 126-27).
A partir desse momento, esse novo olhar sobre a cidadania, a dignidade
humana vai angariar forças cada vez mais, desembocando em vários estudos,
principalmente no dispositivo da prevenção, como pontuam Mann e Tarantola
(1996).
O conceito de vulnerabilidade vai ganhando espaço, compreendendo-o na
possibilidade de exposição dos indivíduos ao adoecimento, mas partindo do
pressuposto de que uma gama de cofatores encontram-se imbricados, não tão
somente no que concerne a individuação, mas também nos coletivos, no contexto,
implicando em passíveis alterações no processo saúde-doença-cuidado.
Assim, Ayres, Calazans, Saletti Filho (2009) pensam que as análises de
vulnerabilidade estão na interface de três eixos que se articulam e organizam, tais
como, o elemento individual, o programático e o componente social.
Compreendemos por componente individual aquele que reflete o estágio e a
qualidade da informação que o indivíduo possui no que toca ao problema; deve estar
fundamentado na capacidade de alcançar informação, compreensão e elaboração,
dos indivíduos, para uma prática concreta individual; naquilo que depende do
indivíduo; assumindo práticas protegidas e protetoras.
Quanto ao elemento social, para uma prática concreta, deve-se ater aos
condicionantes de escolarização, acesso à saúde, condições de moradia, trabalho,
lazer, ingresso a meios de comunicação e a enfrentamento a barreiras culturais, livre
do poder coercitivo a violações de direito e a possibilidade de confrontar-se.
No que diz respeito ao componente programático, esse deve estar atrelado
aos programas governamentais nas três odes de governo na direção da prevenção e
cuidado relativo ao HIV/Aids. Isto quer dizer que, os recursos destinados à questão
devem ser bem empenhados e alocados em bases necessárias, a partir de
demandas legítima, distantes de interesses da política partidária.
67
Muito embora não se queira aqui esquivar-se das análises epidemiológicas,
porquanto prosseguirá sempre a ser um influente desenho metodológico, sobre risco
e a chance de risco, análises estatísticas probabilísticas e as variáveis, assim como
cruzamento de variáveis, as análises de vulnerabilidade não hão de dispensar das
análises acima descritas. Aliado ao perfil epidemiológico, este deve se articular com
a dimensão simbólica de ser e estar no mundo.
Mas, se as variáveis não são interpretadas quanto à variabilidade e se as
influências de forças socioculturais não forem levadas em consideração,
principalmente no campo da formulação das políticas que englobam a promoção da
saúde, a prevenção e a intervenção, o perfil epidemiológico acaba sendo incompleto
e traz transtornos para se alcançar o objetivo. Os estudos quantitativos, assim como
as análises advindas dessa abordagem são de extrema importância e precisam
estar também articulados aos estudos qualitativos, para que se possa ter um maior
êxito na incorporação da categoria vulnerabilidade como uma ferramenta viável na
esfera interventiva.
Riscado e Oliveira (2011) ao estudarem os sujeitos de comunidades
remanescentes quilombolas observam que as vulnerabilidades ao HIV/Aids
encontram-se aportadas na vulnerabilidade individual e política, em que o cuidado
de si perpassa pela questão de gênero, conforme pode ser verificado no que diz o
homem em relação à sua saúde e, para Riscado, Oliveira e Brito (2012) no tocante à
mulher.
Na vulnerabilidade social, quando os acessos à educação, à saúde, ao
trabalho e geração de renda, à moradia, ao saneamento básico, aos meios de
locomoção, à comunicação, à inclusão digital e outras, encontram-se dilaceradas
porquanto determinantes sociais, como por exemplo, também, as diversas formas de
racismo, com destaque para o racismo institucional.
A vulnerabilidade programática, no estudo acima mencionado, fica por conta
de uma política pública voltada e assumida pela população negra. O estudo revelou
que os recursos sociais disponibilizados para que os/as quilombolas não se
exponham ao HIV e se protejam estão aquém do esperado, pecando na quantidade
e qualidade dos esforços de planejamento e projetos governamentais sinérgicos.
Vale salientar que, particularmente nesse contingente populacional, as formas
como se apresentam o racismo e o racismo institucional permeiam os três
elementos de vulnerabilidade.
68
Para o presente estudo, com homens jovens portadores de HIV/Aids, vamos
compreender a vulnerabilidade na interseção do individual, do programático e do
social.
Representações, sexualidades, roteiros sexuais, masculinidades e papéis de
gênero, ainda que com parcos estudos, estão na pauta das investigações e
reflexões supracitadas, indicando a necessidade de se promover um número maior
de pesquisas. Ao se debruçar sobre o assunto, esta pesquisa poderá contribuir para
o campo da saúde coletiva no sentido de compreender não só os resultados
estatísticos epidemiológicos, como também aspectos socioculturais relacionados a
segmentos populacionais distintos portadores do HIV. Assim, será possível avançar
na discussão sobre a temática e, possivelmente, colocar em questão a eficácia de
estratégias adotadas; os resultados encontrados em estudos e a necessidade de
(re)pensar as políticas preventivas, tornando-as mais compatíveis não só com a
realidade epidemiológica da Aids, mas também com a dimensão simbólica
relacionada a essa enfermidade.
CAPÍTULO 5
DESENHO METODOLÓGICO
Em sua obra sobre Aids, pesquisa social e educação, Czeresnia et al. (1995)
reportam a pertinência da pesquisa qualitativa em sua diversidade de métodos, que
podem ser incorporados para dar conta sobre cultura sexual em relação ao
HIV/Aids. Os autores acima citados colocam que o desenho das pesquisas
qualitativas, assim como das abordagens quantitativas, depende muito dos objetivos
do estudo, sem deixar de colocar em perspectiva o contexto.
Dizem os autores “... o estudo da cultura sexual levanta uma série de questões
específicas, distintas, talvez, das que surgiriam no estudo de outros domínios
culturais” (p. 30).
A natureza das informações coletadas, particularidades sexuais, roteiros
sexuais, tendo por pano de fundo as variações sexuais na história da vida privada
dos sujeitos tem na entrevista semiestruturada o status de proximidade e
particularidade, no conjunto da observação participante, uma possibilidade de
familiaridade, ganhando expressões significativas.
Argumentam Czeresnia et al. (1995) que, “dada a natureza altamente sensível
das informações sobre comportamento sexual, a qualidade dos dados coletados
através de entrevistas profundas depende muito do grau de confiança desenvolvido
entre o pesquisador e seus informantes [...] a relação entre entrevistadores e
informantes é desenvolvida ao longo do tempo [...] durante o desenvolvimento de
uma abordagem culturalmente sensível ao estudo do comportamento sexual em
relação ao HIV e à Aids, a pesquisa qualitativa sistemática pode oferecer insights
importantes que, de outra forma, não seriam percebidos” (p.37 e 40).
TIPO DE PESQUISA
O estudo se pautou numa abordagem de pesquisa qualitativa, aqui entendida
como um conjunto de práticas interpretativas que busca investigar os sentidos que
os sujeitos atribuem aos fenômenos e ao conjunto de relações em que eles se
70
inserem, compreendendo e contextualizando os sentidos subjacentes às falas dos
sujeitos investigados (DESLANDES E GOMES, 2004).
Ao adotarmos a perspectiva qualitativa, percebemo-nos alicerçados em
Minayo (2006), para quem essa abordagem se preocupa com o nível de realidade
que não pode ser quantificado, pois refere a significados, crenças, valores, atitudes
que correspondem ao plano da subjetividade, isto quer dizer, o nível mais profundo
das relações e dos processos que não podem traduzir e reduzir a demarcação e
operacionalidade de variáveis.
Salientamos que a qualidade do material empírico é tão consistente quanto na
linha quantitativa, além de sinalizar um horizonte de intensidade – plenitude,
aprofundamento – para além da extensão, onde se apreendem os sentidos
atribuídos dos fenômenos sociais na esfera da saúde.
O CAMPO DE ESTUDO
Admitimos campo a partir da concepção de Bourdieu (1996) de que a
realidade social é composta de microcosmos ou espaços de objetivações. O campo
tem uma historicidade, nele os indivíduos estabelecem relações de força e
interesses, demarcam seus limites e as ações econômicas e psicológicas por ele
eliciadas protagonizam movimentos que podem conservar ou transformar a sua
estrutura.
O Serviço de Atenção Especializada para Aids (SAE) da Secretaria Municipal
de Saúde de Maceió, Alagoas atende homens jovens, infectados por HIV/Aids por
relações sexuais. A escolha desse serviço – que é considerado uma das referências
no estado de Alagoas para a assistência a portadores de HIV/Aids – é uma decisão
estratégica para se acessar os sujeitos que são de interesse do estudo. Nesse
sentido, o serviço em questão não será o objeto de análise da pesquisa, uma vez
que servirá apenas de ponto de partida para a seleção dos sujeitos.
Para poder dar conta da demanda dos portadores do HIV e dos casos de Aids
em Alagoas, Maceió concentra as instalações das unidades/hospitais de referências
– Hospital Hélvio Auto, junto com o Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes
(HUPAA) e o PAM – Salgadinho.
O SAE escolhido situa-se no Pronto Atendimento Médico (PAM) do
Salgadinho, instalado no Bloco I. O PAM compreende os serviços médicos, de
71
enfermagem, psicologia, odontologia, serviço social. Além de acolher um grupo de
adesão ao tratamento também disponibiliza os retrovirais. O setor de Psicologia
realiza o serviço de psicoterapia individual.
A configuração e a ampliação dos serviços especializados somente se
concretizaram após as primeiras iniciativas relacionadas à formação e qualificação
dos profissionais pioneiros, a partir, particularmente, da assistência e ao processo de
trabalho com a epidemia, dando início às estruturas e dinâmicas organizativas, tendo
por referencial a Coordenação Nacional de DST/Aids (CNDST/Aids), posteriormente
Programa Nacional de DST/Aids e na atualidade, Departamento de DST/Aids e
Hepatites Virais; a partir de uma concepção de rede, com diretrizes técnico-políticas
comuns, assegurando a unidade da política nacional de Aids na cidade e o
estabelecimento de fluxos, protocolos e ações padronizadas desenvolvidas pelo
conjunto de serviços.
Pode-se afirmar que hoje os serviços pertencentes ao Programa Municipal de
DST, Aids e Hepatites Virais, da cidade de Maceió oferecem acesso regionalizado
para a prevenção e a assistência. Os CTA (Centros de Testagem e Aconselhamento)
são serviços estruturados para o diagnóstico, com o oferecimento de exames para o
HIV como de outras DST e ações de prevenção; não contemplando a área
assistencial e no âmbito da prevenção, além de campo de pesquisa e a integralidade
de ações que inserem em seus atendimentos, tendo como eixo ético o “Princípio da
Equidade” no atendimento às necessidades da comunidade (SOUZA; CZERESNIA,
2009).
Assim, a qualificação profissional tem acompanhado a rota de necessidades
das pessoas em tratamento do HIV ao longo destes anos. O avanço no campo dos
medicamentos, assistência laboratorial, de insumos e programas de prevenção,
estende-se ao controle clínico, mas também a outras necessidades da “vida” de
pessoas soropositivas diante de suas demandas.
O Programa de DST, Aids e Hepatites Virais, do município de Maceió, em seu
papel normativo, também tem trabalhado para o controle da sífilis congênita,
hepatites virais, com o oferecimento da testagem durante os atendimentos no
aconselhamento e qualificação no atendimento destas patologias. Destacam-se
também, as diretrizes para o tratamento e diagnóstico do Papiloma Vírus Humano
(HPV).
Atualmente o preparo da rede especializada está voltado para as normas de
72
orientações e condutas para exposição sexual, cujo foco da prevenção do HIV vai
além dos paradigmas do uso dos preservativos, mas também na oferta do conjunto
de medicamentos profiláticos. Neste sentido, novos desafios são traçados na relação
entre a prevenção dialogada e a exposição sexual consensual ou por acidente. O
desafio é o preparo dos profissionais para oferecer atendimento isento de préjulgamentos
e
subsidiar
a
análise
de
riscos
efetivos
da
infecção
e,
consequentemente, o acesso à quimioprofilaxia. No entanto, apesar do processo de
qualificação dos profissionais que trabalham com o HIV/Aids, observamos uma certa
rotatividade dos profissionais qualificados seja por parte da busca de melhorias
salariais em outras instituições, seja por parte da relação de poder organizacional.
Para a inserção do pesquisador na unidade de saúde da rede especializada, o
processo de oferta e interesse da pesquisa aconteceu através da área de
Desenvolvimento Científico da Coordenação Municipal de DST, Aids e Hepatites
Virais, de Maceió, que orientou os passos necessários para o desenvolvimento da
pesquisa no serviço de saúde e recorresse aos Comitês de Ética em Pesquisas com
Seres Humanos e, só a partir do protocolo de aceite apresentado foi inserido à
reunião de acordo de parceria. Assim, após a aprovação no Comitê de Ética, o
pesquisador apresentou ao conjunto de profissionais denominados interlocutores de
pesquisa da Coordenação do Programa Municipal de DST/Aids, que por sua vez
acionou a Unidade Especializada em DST/Aids apresentando os objetivos da
pesquisa e estes repassaram para os demais profissionais da Unidade, com vistas a
colaborarem na identificação do perfil dos sujeitos da pesquisa e facilitarem a
inserção do pesquisador nessa unidade de saúde.
Das três unidades existentes no Estado (Arapiraca, Coruripe e Maceió) da
rede especializada em DST e Aids, com as configurações de SAE, apenas uma
pertence ao Programa Municipal da cidade de Maceió. Ressaltamos que o serviço
recebeu informações sobre a proposta de estudo, através de reuniões com
interlocutores de pesquisa, como já mencionado, além do contato pessoal com os
profissionais, na busca de indicação por homens jovens com o perfil proposto para o
desenvolvimento do presente estudo.
73
OS SUJEITOS DE PESQUISA
Os sujeitos da pesquisa foram homens jovens vivendo com HIV/Aids inseridos
no Serviço de Saúde da Rede Especializada em DST/Aids, da cidade de Maceió,
Alagoas, que aceitaram, voluntariamente, participar do estudo.
O critério amostral adotado foi o de saturação ou exaustão, visando um
esgotamento das informações que se busca alcançar através das falas dos sujeitos
entrevistados; esgotamento esse que ocorre através das repetições das ideais ou
sentidos
fornecidos
durante
o
conjunto
das
entrevistas
(MINAYO,
2006;
SCHRAIBER, 2008).
A escolha dos participantes foi pautada nos seguintes critérios de inclusão: (a)
participar do SAE; (b) ser homem e jovem; (c) faixa etária compreendida entre 18 e
29 anos, considerando a possibilidade de um relato de aprofundado acerca de suas
experiências de vida, e recorte máximo etário se orienta no limite superior baseado
na Organização Interamericana da Juventude; (d) terem conhecimento do
diagnóstico da Aids há, pelo menos um ano para que possa expressar uma maior
reflexão acerca da experiência de ser portador de Aids, (e) terem se infectado por
via de exposição sexual e (f) após informados da natureza do estudo, concordarem
em participar.
Quanto aos critérios de exclusão foram considerados sujeitos, os seguintes:
homens jovens menores de dezoito e/ou maiores de trinta anos; incapacitados de
dar entrevista, não infectados por exposição sexual, não fazerem parte do SAE e que
não tiveram interesse em participar da pesquisa.
Promoveu-se um levantamento a partir do banco de dados dos usuários do
SAE de Infectologia PAM-Salgadinho, dos sujeitos que estariam contemplando os
critérios de inclusão estabelecidos para participarem da pesquisa. Nesse primeiro
movimento conseguiu-se acessar quarenta e sete sujeitos com as características a
prioristicamente estabelecidas. Quando a tentativa de contato buscava dar-se,
incorria-se nas dificuldades de telefones e endereços desatualizados, de mudanças
para outras cidades e até mesmo para outro estado da federação, alegações da
ordem do trabalho e outras.
Desses, foram acessados vinte e um homens jovens, sendo que um deles
não concordou em participar da pesquisa. Avaliamos o conteúdo das vinte
74
entrevistas, verificando se o material empírico era suficiente para a análise, e
concluímos que esse número atendia à composição do corpus analítico do estudo.
O processo de busca de informantes aconteceu, por mais de uma via, tanto
junto aos sujeitos de pesquisa que se encontravam em reuniões com os profissionais
dos serviços, quanto pelo contato individual e direto entre o pesquisador e os
profissionais de saúde da rede especializada que intermediaram os contatos com os
usuários do serviço.
A estratégia mais efetiva para a captação dos homens jovens entrevistados se
deu na conversa informal com os profissionais. Dos profissionais que sugeriram os
homens
jovens
para
serem
entrevistadas
foram,
principalmente,
os/as
infectologistas, os/as psicólogos/as.
Quanto à identificação dos informantes, foram sugeridos nomes fictícios para
o conjunto dos vinte entrevistados. O recurso da gravação facilitou o registro das
falas, valorizando os conteúdos, e seguindo os cuidados éticos.
Tanto as observações de campo como as entrevistas foram realizadas pelo
próprio autor do presente estudo.
TÉCNICA DE PRODUÇÃO DOS DADOS
Em termos de produção de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada,
com questões abertas sobre a opinião dos sujeitos acerca da sexualidade,
masculinidade, Aids e a experiência da sexualidade com Aids (Anexo A).
Durante a realização das entrevistas, foi preenchido um diário de campo para
que se possibilitasse o registro das observações, objetivando melhor compreensão
das informações fornecidas pelos sujeitos. As entrevistas foram precedidas de
orientações a respeito do estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, com garantia de sigilo (Anexo B).
Utilizamos também um questionário (Anexo C) para que pudéssemos ter uma
caracterização dos entrevistados. Seu preenchimento ocorreu com informações dos
sujeitos, consultadas nos prontuários ou complementada antecedentemente à
entrevista com os próprios sujeitos.
Dentre as técnicas de produção de dados empíricos que dispõe a pesquisa
qualitativa, a de entrevista de homens jovens acerca de seus roteiros sexuais, foi a
75
eleita, por permitir o aprofundamento das questões enunciadas assim como fazer
emergir outras não inicialmente previstas (KOSMINSKY, 1984).
Seguindo nessa direção, salienta Minayo (2012) que “o registro fidedigno, e
se possível ‘ao pé da letra’, de entrevistas e outras modalidades de coleta de dados
cuja matéria-prima é a fala, torna-se crucial para boa compreensão da lógica interna
do grupo ou da coletividade estudada” (p. 69).
No entanto, para a obtenção das entrevistas, relevantes para o processo
investigativo foi fundamental o estabelecimento de vínculos de confiança e
responsabilidade diante de contextos da vida e da intimidade dos sujeitos
pesquisados, favorecendo relatos espontâneos com exposição de sentimentos e
ideias sobre os temas desenvolvidos durante as entrevistas (SCHRAIBER, 2008).
O período de realização das entrevistas compreendeu entre 2ª quinzena de
agosto de 2012 a 1ª quinzena de junho de 2013.
As entrevistas foram realizadas uma única vez, com duração média entre de 30
e 40 minutos de conversação cada e em salas fechadas disponibilizadas pelo
Serviço. Dos sujeitos que participaram do estudo, quatro solicitaram que as
entrevistas acontecessem em suas residências ou entorno, num período em que
tinham maior disponibilidade, sob a alegação de preferirem conversar fora do espaço
de tratamento, possivelmente por não terem elaborado psicologicamente ainda a sua
soropositividade ou por que questões de exposição num espaço genuinamente
delator. Todas as demais entrevistas aconteceram nas dependências do serviço de
saúde especializado.
ANÁLISE DOS DADOS
Quanto aos procedimentos analíticos, o estudo lançou mão do método de
interpretação de sentidos (GOMES et al., 2005; GOMES, 2012), com base em
princípios hermenêuticos-dialéticos (MINAYO, 2006; MINAYO, 2012) para a
interpretação do contexto, das razões e das lógicas dos depoimentos que emergiram
em torno das temáticas do estudo.
Na trajetória analítico-interpretativa, foram percorridos os seguintes passos:
(a) leitura compreensiva, visando impregnação, visão de conjunto e apreensão das
particularidades do material gerado pela pesquisa; (b) identificação e recorte
temático dos depoimentos sobre as representações que os homens jovens fazem
76
sobre a sexualidade e a Aids; (c) identificação e problematização das ideias
explícitas e implícitas no texto; (d) busca de sentidos mais amplos (socioculturais)
que articulam as falas dos sujeitos da pesquisa; (e) diálogo entre as ideias
problematizadas, informações provenientes de outros estudos acerca do assunto e o
referencial teórico do estudo; e (f) elaboração de síntese interpretativa, procurando
articular objetivo do estudo, base teórica adotada e dados empíricos.
ASPÉCTOS ÉTICOS
O Projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da FIOCRUZ, via Plataforma Brasil, que após apreciação resultou no aprove pelo
protocolo de nº CAAE: 01429612.4.0000.5240, de 27/07/2012. (Anexo D).
CAPÍTULO 6
RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 – Memórias do Campo
Em relação à assistência e tratamento aos portadores de HIV/Aids, o
Programa Municipal de DST, Aids e Hepatites Virais de Maceió oferece um serviço Serviço de Atenção Especializada (SAE) - com atendimento matutino e vespertino,
dentro do conhecido como Bloco I do PAM-SALGADINHO.
O Serviço de Atenção Especializada (SAE) funciona como referência, de
média complexidade – nível secundário da atenção à saúde. Articula-se com o
Hospital Escola Hélvio Auto (HEHA), e também com Hospital Dia de Infectologia do
Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes (HUPAA).
Além da Coordenação Administrativa constitui-se com uma equipe de
profissionais
de
dermatologista,
saúde,
capacitados,
ginecologista,
de
médicos
gastroenterologista,
infectologistas,
enfermeiros,
pediatra,
psicólogos,
assistentes sociais, odontólogos, nutricionista e outros técnicos especializados.
Esses profissionais possuem um quadro de escala tendo em vista o rodízio de
plantões.
O Bloco I do PAM-Salgadinho abriga ainda o Centro de Testagem e
Aconselhamento (CTA) que funciona também diariamente, nos dois horários. O CTA
é uma porta de entrada de usuários que por algum motivo – curiosidade, relação
desprotegida com parceiro com estado sorológico desconhecido, rotatividade de
parceiros, e outras – procuram o serviço sem encaminhamento médico, numa
demanda
espontânea.
Assim
que
recebem
o
resultado
do
exame,
independentemente dele, seja negativo ou positivo, é encaminhado para o
profissional psicólogo para comunicar o resultado e promover o aconselhamento.
Esse CTA encontra-se interligado, em nível nacional, ao Sistema de Informação
CTA (SI-CTA).
O Serviço de Atenção Especializada (SAE) oferece ainda atividades de
laborterapia, atividades lúdicas, reuniões e encontros entre pares de cidadãs
positivas, de travestis, profissionais do sexo e outras, objetivando as relações
78
interpessoais e representações desses segmentos populacionais em cuidado de si
no contexto, e participações em eventos etc.
Ressaltamos que o SAE no que se refere ao atendimento, abrange
predominantemente adolescentes e adultos jovens. Um número significativo de
indivíduos atendidos são as gestantes, que vem crescendo rapidamente ao longo
dos anos.
Uma minoria de atendimento envolvem os idosos, apesar de ser
observado um crescimento desse grupo populacional nos últimos anos. As crianças
também são minoria, devido inclusive às ações e as diretrizes do Programa de
Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) e do Projeto Nascer, com as
intervenções terapêuticas durante a gestação, no parto e puerpério. Mas vale
assinalar que o SAE na atualidade não conta com o profissional de saúde da infectopediatria e nesse sentido a demanda é direcionada para o HEHA ou Hospital
Universitário de Universidade Federal de Alagoas (HUPAA).
O SAE atende muitas mulheres e muitos homens, a grande maioria em idade
reprodutiva.
Quanto
à
especificidade
de
gênero,
são
as
mulheres
predominantemente as que mais participam de atividades internas, seja no campo
do cuidado de si, nos grupos terapêuticos, adesão ao tratamento, aos
antirretrovirais, seja no espaço do lúdico, nas festas comemorativas, etc.
A média de atendimento diário da Enfermagem é de trinta pacientes. O
profissional médico infectologista, o gastroenterologista e o dermatologista atendem
doze pacientes por turno, cada uma dessas especialidades. Já o profissional da
psicologia tem uma perspectiva de marcação e atendimento de quatro a cinco
pacientes, por turnos diários.
Por ser possuidor de um banco de dados com os prontuários dos usuários do
Serviço de Atendimento Especializado (SAE), isso permitiu-nos o acesso, a partir de
um instrumento de coleta de dados, um Inquérito, quando se elegeram 15 variáveis,
sendo oito referentes à identificação dos usuários, tais como: iniciais/nº prontuário;
idade, raça/cor (baseada na classificação do IBGE), escolaridade, estado civil, nível
socioeconômico, ocupação, local/bairro de moradia/telefone e os demais dados
relacionados à infecção pelo HIV, como: ano do diagnóstico, motivo realização do
exame, sexualidade, história de multiparceria, enfermidades oportunistas, história de
drogas e quais os acompanhamentos no SAE.
Preocupamo-nos, ao acessar o banco de dados, selecionar os sujeitos que se
incluíssem nos critérios de inclusão para participar da pesquisa. A partir dessa
79
seleção, levando em conta os critérios de elegibilidade, fazia-se contatos com os
jovens que eram possíveis candidatados a ser sujeito da pesquisa. Aproveitávamos
também a ida desses jovens ao SAE, no agendamento para atendimento médico ou
psicológico.
Nesse momento, os psicólogos ou os enfermeiros faziam o convite para a
participação da pesquisa e, caso o indivíduo concordasse, era realizado o
agendamento, com local e horário da entrevista. Essas foram realizadas em uma
sala climatizada, disponibilizada pela direção do SAE.
Observamos que muitos dos dados necessários não se encontravam
preenchidos nos prontuários médicos ou, mostravam-se conflituosos. No momento
de encontro com os sujeitos selecionados, procurávamos atualizar as informações
pertinentes.
Ao debruçarmos sobre os prontuários médicos obtínhamos uma noção das
lacunas existentes. Observávamos ainda o percurso de especialidades acessado
pelos usuários do SAE.
Nas performances das entrevistas, observamos que quanto mais baixa a
escolaridade mais dificuldade de inteligibilidade, de compreensão do que se
perguntava,
fazendo
que
determinadas
palavras
tornassem
ininteligíveis.
Acreditamos que a baixa escolaridade, em alguns casos, contribuiu para a baixa
natureza das respostas.
Notamos que, quando o diagnóstico da soropositividade era recente, havia
uma tendência dos usuários, possivelmente pelo impacto do diagnóstico, a
afastarem-se dos Serviços, recusarem-se a comparecer quando convocados ou a
negar a situação de ser portador de HIV.
Ainda em relação ao tempo de diagnóstico, observamos que alguns jovens
que atenderam às nossas convocatórias com mais de um ano de diagnóstico (nosso
ponto de corte) ainda se apresentavam sobre os efeitos do impacto que causara o
resultado, como que possivelmente se situasse no processo de assimilação e
significação da nova condição sorológica. Encontravam-se ainda estupefatos pelo
‘status’, demonstrando medo, desconforto, sofrimento e amargura. Alguns deles
abordavam a questão do sigilo para dar entrevista e solicitavam que os resultados
do seu diagnóstico não fossem informados para seus familiares. Procurávamos
minimizar a intranquilidade, abordando de imediato o contrato do sigilo e do
voluntariado.
80
Houve outros fatores impeditivos para que os sujeitos selecionados
comparecessem para a entrevista. Dentre eles destacamos a dificuldade de
transporte, devido ao baixo recurso financeiro dos usuários ou por não possuírem
ainda a gratuidade no momento da pesquisa. O fato de o SAE do Bloco I do PAMSalgadinho ser identificado como um lugar para o tratamento da Aids também foi um
fator impeditivo para alguns não comparecerem porque não desejavam a visibilidade
social do seu possível ‘status’ de soropositividade.
6.2 – Caracterização dos sujeitos
O Quadro 1, não só aporta informações que permitem caracterizar os sujeitos
em termos sócio demográficos, como também possibilita visualizar alguns fatores
contributivos para as vulnerabilidades frente ao HIV/Aids .
Assim, o perfil dos homens jovens entrevistados é destacado na seguinte
caracterização: a maioria são pardos e pretos, constitutivos da população negra,
centrando entre o ensino fundamental incompleto e o ensino médio incompleto; a
maioria diz ser homem que faz sexo com homem (HSH), muitos dos familiares
desconhecem a sorologia positiva para o HIV dos entrevistados, para alguns, as
drogas lícitas e ilícitas fazem-se presentes na cotidianidade de seus passados.
Destacamos essa premissa, uma vez que o uso/abuso de drogas é um contributivo
para o desleixo com a prevenção, ou seja, os indivíduos sujeitados ao álcool e/ou
outras drogas, fatores de vulnerabilidade, tornam-se expostos às DST/HIV/Aids, pelo
não uso do preservativo em todas as relações sexuais.
81
Quadro 1 – Perfil dos homens jovens entrevistados
Hamilton
24
Cor da
pele
Branco
Solteiro
Orientação
Sexual
Homo
Fund. Inc.
Não admite
Ano
Diagnóstico
2010
Halaor
23
Pardo
Solteiro
Homo
Médio Comp
Cabeleireiro
2011
Sim
Sim
Hemerson
22
Branco
Solteiro
Bi
Sup. Inc
Recepcionista
2012
Sim
Não
Hilton
22
Pardo
Solteiro
Homo
Fund. Inc.
Aux. Pedreiro
2012
Sim
Não
Hermes
24
Branco
União Estável
BI
Fund. Inc.
Carregador
2012
Não
Sim
Helder
25
Branco
Solteiro
Homo
Sup. Inc
Aux Adm/Est
2012
Sim
Não
Helio
21
Pardo
Solteiro
Homo
Médio Inc
Aux Loja
2011
Sim
Sim
Hamurabi
24
Branco
Solteiro
Bi
Sup. Comp.
Jornalista
2012
Não
Sim
Hefestion
18
Branco
Solteiro
Homo
Médio Inc
Estudante
2012
Sim
Não
Hugo
20
Pardo
Solteiro
Hetero
Médio Comp.
Porteiro
2009
Sim
Sim
Hiran
19
Preto
Solteiro
Hetero
Médio Inc.
Estudante
2012
Não
Não
Humberto
26
Branco
Casado
Bi
Superior Inc.
Autônomo
2010
Sim
Não
Helcias
26
Pardo
Solteiro
Hetero
Superior Inc.
Desempregado
2010
Sim
Sim
Hermito
28
Pardo
União Estável
Homo
Médio Comp.
Garçom
2007
Sim
Sim
Herculano
22
Pardo
União Estável
Homo
Médio Comp.
Autônomo
2008
Não
Não
Hetemilton
19
Pardo
Solteiro
Homo
Superior Inc.
Operador Caixa
2011
Sim
Não
Huldo
22
Pardo
Solteiro
Bi
Médio Tec.
Aprendiz Pedreiro
2012
Sim
Sim
Holinto
24
Pardo
Casado
Bi
Médio Comp.
Entregador
2009
Sim
Sim
Holiver
23
Branco
Solteiro
Homo
Médio Inc.
Desempregado
2011
Sim
Não
Halair
24
Pardo
Casado
Hetero
Fund. Comp.
Desempregado
2012
Sim
Sim
Nome
Idade
Est. Civil
Escolaridade
Profissão
Multiparceria
Sim
História
de Droga
Sim
No sentido de preservar a identidade dos sujeitos, utilizamos nomes fictícios,
iniciados pela letra “h”.
A idade dos entrevistados situou-se no intervalo de 18 (nosso ponto de corte)
à 26 anos, com a média de 22,7 anos, uma mediana de 23 anos e uma moda de 24
anos.
Nas notificações e prontuários médicos há cinco opções para os sujeitos
escolherem a sua cor da pele, as quais se baseiam nas categorias estabelecidas
pelo IBGE (2010), tais como, amarelo, branco, indígena, pardo e preto. Neste
estudo, com base em Batista (2005), aglutinamos as expressões ‘pardo’ e ‘preto’ na
categoria ‘negro’. Essa categoria abrange a maior parte dos nossos sujeitos (12).
A maioria também se nomeava solteiro (14), com uma escolaridade que
circula do ensino fundamental incompleto, com maior preponderância para até 11
anos
de
estudo,
ao
ensino
superior
completo.
Muitos
se
encontravam
desempregados, outros se assumiam autônomos ou até mesmo com atividades
profissionais menos qualificadas. A grande maioria é residente em bairros populares
e um bom número ainda reside com os pais.
Nota-se que dos vinte entrevistados, somente cinco haviam revelado,
espontaneamente, durante seu acompanhamento, o evento de soropositividade aos
seus parceiros atuais e/ou familiares.
O ano de diagnóstico prevalente foi o de 2012, mas 2008 foi o ano quando um
jovem com 17 para 18 anos tomou conhecimento de sua sorologia positiva para o
82
HIV. A multiparceria e o uso de substâncias psicoativas, numa grande parcela,
fizeram parte dos enredos sexuais desses homens jovens. Além de homens
heterossexuais, homossexuais e bissexuais também compuseram a amostra.
6.3 – A sexualidade e a Aids para os homens jovens
O método de análise adotado, interpretação de sentidos, possibilitou a
compreensão dos depoimentos numa dimensão em que, aspectos similares e
dissonantes surgissem apontando e dando forma a um mosaico de sentidos,
moldando os seguintes eixos de discussão: (1) a compreensão sobre sexualidade e
sexo; (2) as experiências sexuais de homens jovens; (3) as representações da Aids
e (4) o cuidar de si e o cuidar do outro no contexto da Aids.
6.3.1 - A compreensão sobre sexualidade e sexo
Em nossa análise a partir das falas sobre sexualidade e sexo, emerge o
modelo hegemônico de sexualidade masculina. A sexualidade em geral apresenta
aspectos que a lança numa dimensão sócio-histórica, mesmo quando verbalizada, a
prática, destaca, quase que exclusivamente a questão do prazer. Em nome desse
prazer, ou sob a influência do modelo hegemônico de masculinidade, busca-se
responder a todo custo uma virilidade desmedida, podendo este tipo de
comportamento fragilizá-lo em relação a se descuidar de si no tocante à saúde
sexual.
Um fator também bastante presente é a rigidez do papel cultural dos homens
em relação à sexualidade, o afeto não é algo que deva ser valorizado, pelo menos
na faixa estaria estudada. Muito pelo contrário, ao homem jovem exige-se que este
tenha o máximo de experiências sexuais e de preferência com o menor vínculo
afetivo possível. Isto quer dizer, o atendimento ao desejo carnal, este assumindo
uma possível supremacia sobre o sentimento afetivo, pode provocando, às vezes,
uma atividade/exercício sexual, constante e irrestrito, que pode levar ao descuido de
si no tocante à saúde sexual.
Uma prática de sexo segura, às vezes, pode ser vista como algo fora da
83
ordem das diretrizes do modelo hegemônico de masculinidade, por um lado seria
responsabilidade daquele que “assume” o papel “passivo” na relação sexual, ou
seja, daquele que é penetrado.
A sexualidade, portanto, se caracteriza por ser uma das singularidades do ser
humano que abrange uma gama intrincada que transita por um caminho complexo e
nem sempre claramente demarcado como gênero, orientação/preferência sexual,
fantasias, desejos, interdições e tantas outras esferas que mentes e corpos são
capazes de criar, sejam estas experimentadas ou não na vida real (GAGNON,
2006).
O roteiro sexual hegemônico que surge nas falas dos homens jovens sobre
sexualidade, retrata muito fortemente a dimensão do prazer, dando ênfase no
aspecto fugaz e sem envolvimento afetivo.
Mesmo ao verbalizá-las, os homens jovens se concentram quase que apenas
em um aspecto, o do prazer rápido e sem envolvimento afetivo, pode-se aferir que
talvez eles estejam seguindo um roteiro sexual hegemônico.
Nessa perspectiva e apesar de toda complexidade sociocultural que envolve a
sexualidade, os depoimentos dos homens jovens se concentram, quase que
exclusivamente, na dimensão do ato físico em si. Ou seja, a sexualidade acaba
sendo reduzida à relação sexual crua. O que pode revelar a necessidade de
responder a uma performance/desempenho que garanta o ‘status’ de virilidade
exigida aos homens pelo modelo hegemônico de masculinidade.
“[...] ter um relacionamento, numa noite [...] abrange prazer... mostra minha
masculinidade, praticando, fazendo [...]” (Hugo).
“[...] buscar a sexualidade desregrada, só por prazer [...] você fez sexo com
a pessoa que você não conhece [...] ah, você é macho [...]” (Helcias).
“[...] pra mim era prazer, era adrenalina... [...] ter um corpão... corpos
bonitos, beleza... era só mais atração física... é aquela coisa do instinto, de
correr atrás de prazer...[...]” (Hermito).
“[...] ter uma vida ativa [...] conhecimento do nosso corpo [...] passa a ter
desejos [...] questão de hormônios [...]” (Hetemilton).
“[...] focado no prazer [...] mais adrenalina, mais o medo, coração pulsante
[...]” (Huldo).
“[...] no meu caso, sexo oposto, homem e mulher [...]” (Holinto).
Estudos como o de Gomes et al. (2012), Marques Junior et al. (2012)
84
corroboraram a ideia de que masculinidade hegemônica possivelmente seja uma
vulnerabilidade individual que está na ordem do pessoal, como expõe Ayres et al.
(2009); Buchalla e Paiva (2002). Nesse sentido, quando ser homem significa a
adoção da virilidade, não negar uma relação sexual e ter multiparceria,
potencializada com o uso/abuso de drogas, o uso do preservativo como medida de
prevenção do HIV/Aids talvez possa ficar comprometido.
Mas, a vulnerabilidade dos homens jovens não se dá tão exclusivamente pelo
uso/não uso do preservativo. Outros cofatores acham-se imbricados nessa questão.
As marcas identitárias de gênero masculino como dar conta das mulheres, ser forte,
não adoecer, impetuosidade exacerbada para o sexo e resposta imediata ao desejo
e correr risco fazem parte do modelo hegemônico, conforme Guerriero; Ayres;
Hearst (2002), diferentemente da mulher de quem se espera a passividade, o recato
e a monoparceria (TAQUETTE, 2009).
A masculinidade hegemônica traz no seu encarte desejos, fantasias e ideias,
portadoras de um roteiro sexual (GOMES, 2008).
Mesmo que uma das marcas identitárias do modelo hegemônico de gênero,
no que se refere à masculinidade, seja a heterossexualidade, o depoimento a seguir
subjetiva essa referência numa perspectiva questionadora, onde a masculinidade
alternativa é possível:
“[...] não é por eu ser homossexual que vou deixa de ser homem [...]”
(Herculano)
“[...] sexo é uma forma de desejo [...] tanto pode ser do mesmo sexo quanto
de outro sexo... (Humberto).
.
Na perspectiva ainda individual da vulnerabilidade, Santos (2011) verifica a
possibilidade para risco acrescido a prostituição masculina, enquanto um conjunto
de roteiros sexuais vivenciados por esse grupo, seja na expressão de homens que
promovem sexo com outros homens, seja nos contornos do sexo comercial onde
todas as práticas sexuais – oral, anal e vaginal – e outras fantasias sexuais, fazemse presentes.
Mas, alinhar-se à masculinidade hegemônica, não isenta a possibilidade de
outros contornos. Essa prontidão sexual e poderio trazem dissabores, desconfortos
para o homem, amordaça e o engessa tornando distante dos sentimentos, da
85
emocionalidade, conforme podemos detectar nas falas abaixo:
“[...] a figura masculina... é um grande problema pra gente...[...]” (Hiran).
“[...] a questão masculina é que nem todo homem é super-homem...[...]”
(Humberto).
Embora se observe que o exercício da sexualidade para os homens jovens
tenha um significado pontual no processo de construção e afirmação da sua
masculinidade, essa formatação impõe incômodos pela compulsoriedade.
“[...] a gente tem um desejo... muitas pessoas são raptadas pelo simples
desejo...[...]” (Humberto).
“[...] eu vivia muito ativo... hoje vou sair, vou caçar umas minas aí, vou fazer
sexo... buscar a sexualidade desregrada, só por fazer, só por prazer... como
diz o organismo da gente é uma necessidade biológica... o corpo pede... [...]
momento de prazer, você se sente mais leve, mais aliviado.. (Helcias).
Os sentidos atribuídos à sexualidade masculina, as considerações sobre os
aspectos da sexualidade masculina e Aids parecem estar subscritos nas falas dos
sujeitos quando importam que é algo instintivo, voltada meramente ao prazer, ao
comportamento sexual próximo/similar a outros animais – animalidade sexual - e
isso vem ratificar aspectos culturais de masculinidade.
“[...] meio machista, só quer saber de chegar lá, fazer e pronto... solteiro só
pensa nisso... ele quer saber de ter o prazer dele, quer fazer e cada um pro
seu canto, não fica muito preocupado... ah, será que gostou?... será que
quer... ele quer ter o prazer dele [...]” (Hugo).
“[...] quantidade de parceiros sexuais, não é igual à qualidade..[...] ”
(Humberto).
No contraponto, ou seja, na contramão da direção das ações dos sujeitos, em
algumas falas, a sexualidade e o sexo podem ser situados na esfera dos afetos.
“[...] é o ato de fazer amor... envolve pessoas, envolve sentimentos, envolve
emoções... sexo é um ato de amor...[...]” ( Hiran).
“[...] às vezes mistura o sentimento... [abrange] dependendo da nossa
situação sentimental, às vezes chega a ser mais profundo, começa a se
criar um sentimento... o sentimento pode crescer, crescer...[...]” (Humberto).
O fato de demonstrar sentimentos, emoções, amor, o homem pode cair numa
86
outra esfera de que não a da masculinidade hegemônica – ser viril, não chorar, não
se emocionar e ser sentimental – pode ganhar contornos de expressão da
feminilidade, que enseja esse tipo de gramática comportamental e, nesse sentido, o
da masculinidade contra-hegemônica, conforme aponta Gomes (2008).
O perceber a sexualidade/sexo na atualidade, pós-infecção do HIV, pode
estimular ou assumir outro tipo de comportamento, diferentemente daquele
percebido pelo senso comum, ou seja, apresenta outro revés, numa outra
perspectiva, ancorada não mais numa sexualidade desregrada, de múltiplos
parceiros/as, displicentes de cuidado de si. Muito embora a sexualidade seja vista
como necessidade biológica, surge a ideia de que ela pode ser autocontrolada, ser
traçada com limites, ser mais comedida.
“[...] tem que ter mais controle... até no sexo oral...[...]” (Hugo).
“[...] a gente procura mais se prevenir...[...]” (Hiran).
“[...] depois que você é infectado, começa a ver as coisas num todo... não
só no lado corporal, você vê no emocional...[...]” (Humberto).
“[...] a sexualidade não se resume só no sexo em si... se resume em pessoa,
em caráter, carinho... procurar ter menos parceiros... procurar ter alguém
fixo...[...]” (Hermito).
A permanência de aspectos de uma sexualidade masculina hegemônica, em
grande parte das falas dos nossos jovens, talvez se deva ao fato de esses sujeitos
enquadrarem-se na juventude. Nessa etapa da vida, aqueles que se candidatam ao
‘status’ de adulto, costumam se espelhar em modelos que dispõem de maior
prestígio para que possam ser vistos como homens. Isso não significa,
necessariamente, que eles consigam viver, tais modelos, em seu cotidiano. Mas, os
seus sentidos, são reflexos de uma idealização sexual masculina.
Esse eixo se concentrou nas características de prazer, masculinidades
contra-hegemônicas, invulnerabilidade, afeto, controle, todas trazidas a partir das
falas dos nossos interlocutores. Essas características parecem fazer parte de um
arcabouço cultural, que podem promover a construção social dos sujeitos ou de um
determinado grupo. Vejamos que, ora se circula no âmbito dos prazeres, ora outro
momento se aporta nos afetos.
87
6.3.2 – As experiências sexuais de homens jovens
Por um lado o ser homem parece estar vinculado a uma gramática de eventos
para se sentir e perceber-se macho, másculo. Há uma consecução de um propósito,
ou seja, possuir uma mulher ou outro homem, penetrar ou ser penetrado e partir
para outra ou outro. Por outro lado, as questões do amor, as emoções, os afetos, a
fidelidade parecem-nos destoar do universo social de masculinidade. A desenvoltura
sexual, características desses homens jovens, parece demonstrar que esse é o
padrão de masculinidade ideal e convencional das masculinidades.
“[...] eu ficava assim na internet, procurava alguém pra ter relação... jovens
usam a internet... ter relação... alguém que queira fazer sem camisinha, sentir
prazer... eu entrava na internet, chamava pra vir [própria casa] e tinha relação
sexual. a internet é ainda o espaço que você se se comunica, arruma seus
relacionamentos... Já tive sexo grupal...” (Hemerson)
“[...] desde criança eu já ficava excitado com outros meninos quando
brincava. tomava banho de cueca [excitação] [sexualidade masculina] acho
que é mais promíscua que mulheres.. engloba as vezes mais o sexo que o
próprio sentimento mesmo.. [Aids] é a internet.. vc. Conhece pessoas e mal
conhece já vai pra cama.. homem é mais isso, é mais carne, é mais prazer e
mais a sensação da hora.. eu mesmo tenho sexo anal e oral.. sexo grupal
vária vezes, via internet, amigo meu e aí fui..(Helder)
“[...] (num show) eu tava dentro do banheiro, aí teve uns caras que ficaram
olhando e começaram a se beijar, aí fez um grupo e eu entrei no grupo...
(Hélio)
As experiências sexuais de homens jovens revelam que o sexo grupal,
mesmo que atitude episódica, também faz parte dos enredos sexuais, isto quer dizer
que, contatos variados e mais livres por iniciativa dos jovens fazem com que uma
variedade de nuances possa ser assegurada no atendimento ao desejo nas práticas
sexuais. Esse tipo de comportamento foi observado em investigação com jovens
homens caboverdianos (TEIXEIRA, 2012)
“[...] forma como me relaciono sexualmente, sexo é o gênero, eu sou
masculino... como relacionar sexualmente... penetração, anal, beijo, sexo
oral... [...] ele adorava que eu ejaculasse na boca dele [...]” (Halaor)
“[...] eu já tinha assim presenciado, o ato sexual, de gente mais velho [..]”.
(Hilton)
“[...] eu transava sem camisinha, não gostava de usar camisinha, gostava
sem camisinha [...] eu transava com um viado amigo meu... quando eu transei
com ele, eu fiquei com a mãe dele... também fiquei com outra [mulher].”
(Hermes)
88
“[...] só quer ser o garanhão, o gostosão... sai e não quer saber com quem
tá... só quer pegar e pronto... geralmente a maioria dos homens da minha
idade eles contraem por causa disso... são mais ousados [...]” (Hiran).
“[...] era só prazer... era adrenalina... corpos bonitos... beleza... festa... físico
[...]” (Herculano).
Marcas identitárias de gênero masculino e enredos sexuais mostram o que
vem a ser um caminhar de homens jovens construídos social e sexualmente. Ser
homem induz a obter uma gramática física e sexual, ser ousado e desafiador, e traz
na jovialidade a possibilidade da autonomia e experimentação, conforme delineia
Groppo (2010).
Mas, nas vulnerabilidades para a Aids dentro dos enredos sexuais das
masculinidades, as substâncias psicoativas podem também compor esse cenário de
erotização e prazer dos homens jovens, conforme observamos nas falas abaixo.
“[...] pegando o carro com a menina e rola... fazia o que queria... a pessoa fica
mais relaxada, não tem preocupação... numa noitada... a quantidade de
álcool... vai fumar maconha... você faz as coisas sem preocupação, a cabeça
livre... eu saia, tinha várias meninas que eu curtia...[...]” (Hugo).
“[...] sexo, drogas [...] você começa a praticar sexo, você se sente diferente
[...] eu gostava muita de rock, sexo, [...] a galera fazia [festas] rolava
rock’nroll, sexo, drogas [...]” (Holinto).
“[...] na época eu bebia, me empolgava durante a bebedeira e terminava
acontecendo e sem o uso do preservativo... [...] não lembrava nem com
quem... [tinha transado][...]” (Hermito).
“[...] vamos sair hoje à noite pra balada, depois no final da noite a gente ia pro
motel... eu fumava, que eu bebia... tinha mesmo uma vida desregrada...
álcool, bebida...de vez em quando usava algumas drogas... cocaína...
antigamente eu fazia o que me desse na telha...[...]” (Helcias).
Os jovens têm sido apontados, no mundo todo, como grupo mais suscetível
não só à Aids, mas também às drogas. Como categoria sócio-histórica-cultural, a
juventude (PAIS, 1990; SPOSITO, CARRANO, 2003) apresenta diversidades na sua
forma de existir, o que a coloca em diferentes graus de vulnerabilidade em relação
às drogas. São diferenças de urbano/rural, classe sociodemográfico, de estilos que
coexistem, ao mesmo tempo, com características comuns a este momento. Vários
estudos mostram o quanto os jovens estão expostos às drogas (CEBRID, 2013;
PAULILO, JEOLÁS, 2000; RISCADO, 2000; RISCADO, 2004).
Nos relatos somos capazes de perceber que as experiências sexuais desses
89
homens jovens perpassam roteiros com espaços específicos de baladas/noitadas,
festas, motel, internet, falta de medo, ousadia, supremacia masculina (superhomem, garanhão), rotatividade de parceiros, exposição a riscos, juvenilidade
masculina, corpos belos (físico), dispensa do preservativo, bebidas e outras drogas
ilícitas.
Estudando vulnerabilidades de homens que fazem sexo com outros homens
(HSH), Andrade et al. (2007) destaca que taxativamente é marcante, na atual
conjuntura, o grau de informação que possuem esse segmento populacional, no que
se refere à doença Aids e seus modo de transmissão/infecção.
Mas parece-nos que os roteiros sexuais, o desejo, a busca máxima pelo
prazer, podem trazer conformidades outras, que subvertam a lógica do controle e do
cuidado de si.
Godim e Kerr-Pontes (2000) dizem que no caso das relações homossexuais
masculinos que tanto o vultoso envolvimento emocional com o parceiro quanto a
grande excitação, são motivos que podem levar ao sexo desprotegido.
Silva (2009) mostra que no seu estudo com “barebacking” (‘cavalgar ou
montar sem cela’) que embora em alguns de seus sujeitos não houvesse a
intencionalidade para o ‘jogo’, mas a condição de expor-se ao risco - relação sexual
desprotegida -, ou seja, a deliberalidade de não usar preservativo aproxima essa
prática de um ‘brincar com fogo’ (“fire play”). Vale salientar que, a prática do
‘barebacking’ sempre envolve uma pessoa com HIV que participa do sexo grupal,
mas num anonimato da identificação do sujeito.
Na perspectiva de um prazer mais ‘carne a carne’, nas relações sexuais, por
concentrar e intensificar mais sensações e, subversivo à ordem e controle do corpo,
alguns homens adotam a prática de sexo não seguro em suas composições
eróticas. Isto quer dizer que, as subversões, as transgressões são capazes,
possivelmente, de trazer satisfação e prazer.
Groppo (2010) ao conceber a dialética da condição juvenil – movimento duplo
integração social e autonomia juvenil – nos coloca que entre as forças dinâmicas
separação/experimentação, essa última tem em seu arcabouço o elemento da
autonomia, ou seja, ele é elemento atrativo da juventude e se permite viver
intensamente no tempo presente, no aqui e agora.
90
6.3.3 – Representações da Aids
Parece-nos que a Aids continua sendo representada como uma doença do
outro, pelo fato do descuido de si na saúde sexual e reprodutiva. O cuidado especial
só passa a ser assumido após infecção e conhecimento da sorologia positiva, do
seu ‘status’ sorológico, assim como a possibilidade de se buscar maiores
informações, aprofundar no conhecimento, acompanhado da prevenção de si e de
outrem, pelo uso incondicional do preservativo em todas e quaisquer tipologias de
relação sexual – oral, anal, vaginal.
“[...] [os pais] ficaram surpresos, nunca esperam isso, não... na verdade é
uma novidade, meu pai falou que é uma novidade... a gente nunca espera...
só que acontece... é a vida... a gente tem que se cuidar, ele disse... eu disse
a eles, agora... nada até agora mudou pra mim... tá tudo do mesmo jeito...[...]”
(Hiran).
Desde o início da epidemia a Aids ganhou olhares no imaginário social sobre
a sua possibilidade de existência enquanto doença do ‘outro’. Estudos, como o de
Guerriero et al. (2002) e Riscado (1999), corroboram o imaginário social advindo das
concepções da Aids. Esses achados são consistentes com a ideia de que o
fatalismo, o destino é colocado na ordem do ‘outro’ (SALDANHA et al., 2008).
A partir dos relatos dos sujeitos entrevistados também observamos que a
Aids traz ainda na atualidade, enquanto invólucros, preconceito, estigma,
discriminação, vergonha, a não cura, o curto espaço de tempo de sobrevida, a morte
eminente.
“[...] a aids pra mim... o medo... muito receio..[...].” (Hermito).
“[...] eu vi quando era mais novo as pessoas comentando... eu via aquele
preconceito... eu tinha medo de ter... aids era uma doença incurável... tinha
pouco tempo de vida...[...]” (Helcias).
“[...] algo que morria de medo... aquela vergonha... tenho receio...
preconceito... [...]” (Herculano).
“[...] tá sendo como uma segunda chance de vida... hoje eu dou muito mais
valor à minha família... as pessoas dizem, ah, porque é uma carta pra você
morrer... [...]” (Hetemilton).
“[...] se você fala pra família que tem isso (HIV), você é excluído... é o prato, o
copo, colher separado... a roupa é lavado separado... é uma coisa que é
muito discriminada... a gente ia ser excluído... [...]” (Holinto).
Mas, por outro lado a Aids permite também a condição de (re)nascer, uma
91
segunda chance de vida e possibilita estabelecer uma proximidade familiar, um novo
vínculo com os pais. Riscado (1998) verificou que alguns sujeitos acometidos pela
Aids tiveram sua aproximação familiar restabelecida. Aqueles que haviam se
afastado do seio familiar devido a homofobia, tiveram na Aids uma oportunidade de
reaproximação e nova convivência.
Por conta das representações da Aids, conhecer a situação sorológica pode
ser angustiante e fazer com que os sujeitos sejam estigmatizados e vivam situações
de preconceito e discriminação.
“[...] morria de medo que as pessoas soubessem... minha família é muito
preconceituosa... podia atrapalhar minha vida... aquela vergonha tão grande...
tenho receio sim, aquele medo.. minha família ninguém sabe...[...]” (Hermito).
“[...] [para a namorada] não foi fácil... eu me isolei...[...]” (Helcias).
“[...] a pessoa fica meio paranóico... fica com vontade de chorar... dá até
vontade de se matar... eu vou morrer, não tem mais cura... [...] eu fiquei meio
doido, meio aéreo... tinha noite que não dormia direito... como vai ser o dia de
amanhã... a única pessoa que ia me entender, que falo abertamente, meu tio
e amigo...[...]” (Hugo).
“[...] no momento do conhecimento... só tentei uma vez falar isso, mas foi
como se fosse levar um tiro... preconceito é isso...[...]” (Humberto).
“[...] pra mim, foi uma destruição terrível... eu não conseguia trabalhar direito...
eu tive depressão... tive acompanhamento psicológico [...]” (Herculano).
Observamos nas falas dos sujeitos os transtornos desencadeados a partir do
conhecimento do diagnóstico de soropositividade ao HIV. Reações que vão ser
tangenciadas pelo desequilíbrio emocional, como a depressão, o afastamento do
convívio social até a abstinência sexual. O receio do preconceito faz com que
também seja poupada a família e esta tem lugar pouco situado para o conhecimento
da sorologia positiva. São poucos os privilegiados que possam partilhar esse ‘status’
de portador de HIV.
Estudos como o de Riscado (2000) e Guerriero et al. (2002) corroboraram
com os achados acima referidos e com as metáforas da Aids (SONTAG, 1989) bem
como com o estigma advindo (GOFFMANN, 1988), promovendo um recolhimento e
um ocultamento da sua condição sorológica, bem como fugindo possivelmente do
rechaço e da exclusão social. Partimos ainda do princípio de que a Aids possa ser
uma ‘doença da doença’ segundo Riscado (1999), oriunda de desejos, de uma
masculinidade não-hegemônica, como relata Marques Junior et al. (2012),
92
imaginário social sobre a enfermidade direciona os sujeitos acometidos por ela para
o preconceito.
Goffman (1988) delineia que o estigma é um atributo de caráter depreciativo
que gera exclusão. De acordo com esse autor,
(...) o estigma envolve não tanto um conjunto de indivíduos concretos que
podem ser divididos em duas pilhas, a de estigmatizados e a de normais,
quanto um processo social de dois papéis no qual cada indivíduo participa
de ambos, pelo menos em algumas conexões e em algumas fases da vida.
O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são
geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de
normas não cumpridas que, provavelmente, atuam sobre o encontro
(p.148).
O partilhar do ‘status’ de soropositividade pode eliciar a revelação e/ou
confirmação da intimidade e os segredos da questão do espaço íntimo da
sexualidade, da particularidade e, coloca o sujeito na estância da publicização.
Possivelmente, traz espaços, lugares de uma intimidade em que aportam os sujeitos
em outras masculinidades, quiçá numa tomada de masculinidade contrahegemônica.
“[...] [a mãe] ela é capaz de ter uma coisa... ataque do coração... [a família] o
pessoal é tudo preconceituoso... não iam me aceitar...[...]” (Hugo).
“[...] no mesmo dia fui com minha mãe pro infectologista... [pais] ficaram
surpresos, nunca esperaram isso... na verdade é uma novidade...[...]” (Hiran).
“[...] minha família, ninguém sabe... e nem imagina, nem chega próximo... só
mesmo três parceiros meus e, hoje meu parceiro atual...[...]” (Hermito).
“[...] só quatro pessoas sabem... dois parceiros do passado, meu parceiro
atual, e a mãe dele... da minha família, ninguém... [...]” (Herculano).
“[...] minha mãe, que hoje tá comigo, e sabe, e as minhas duas irmãs, o resto
ninguém[...]” (Hetemilton).
“[...] a minha parceira eu já contei... (sexo com outros homens) eu não conto
pra ninguém, só rola, só e, pronto... [...]” (Huldo).
“[...] (no diagnóstico) já sou casado desde 2008... (esposa HIV positiva)...
depois desse período, minha única parceira sexual é ela... [...]” (Holinto).
Segundo Rabuske (2009) a decisão de revelar ou não o diagnóstico para
outras pessoas foi considerada difícil em função do medo da reação dos outros,
medo de sofrer preconceito, rejeição e abandono, e também em função da solidão e
do isolamento implicados na manutenção do segredo, corroborando com os nossos
93
achados.
Platzer e Cardoso (2012) observam que o advento da constatação sorológica
positiva traz implicações psicológicas, nas inter-relações familiares e sociais, ou
seja, interfere nas relações sociais, familiares, na vida afetiva, profissional, na
sexualidade, corroborando com os achados do presente estudo. Os autores
pontuam ainda que o receio de contar e/ou a descoberta no local de trabalho pode
trazer atitudes discriminatórias por parte das pessoas e a eminência de perder o
emprego. Isso se reflete na fala de um dos nossos sujeitos:
“[...] a aids pra mim, o medo... eu tenho muito receio ainda, no trabalho...
preconceito [...] a história da empresa e outra empresa... aí lá dentro alguém
sabe... eu tenho medo de ser posto pra fora... vou sofrer ‘bulling’ lá dentro...”
(Herculano).
A Aids é ainda uma enfermidade recheada de preconceitos e estigma
impactando nas relações interpessoais e nos diversos espaços sociais, como por
exemplo, no ambiente de trabalho. Conforme Ferreira e Figueiredo (2006); Platzer e
Cardoso (2012), o trauma na perda do emprego devido à Aids é uma discriminação
difícil de ser superado. O trabalho saudável, aquele não escravo, opressor, ocupa
um lugar de liberdades na dignidade humana.
Diante do contexto da Aids, a preservação da saúde está agora atrelada à
promoção de práticas saudáveis, na não exposição ao risco de contrair outras
enfermidades que podem e agravam o quadro e, antecipar a morte, já que na
atualidade a Aids é vista como uma doença crônica.
“[...] pode transmiti-lo [o HIV] pra outra pessoa... fica mais vulnerável a outras
doenças... pode pegar um mesmo vírus só que do tipo diferente e fica tudo
mais fácil, tudo mais vulnerável pra gente... fica vulnerável a várias doenças,
por que nossas defesas caem...[...]” (Hugo).
“[...] eu tendo ou não, tudo aconteceu... uma pessoa que tem hiv ela pode ter
mais riscos, pode por que a gente tem a imunidade mais baixa, que as outras
pessoas, mas uma pessoa que também não tem, também pode ocorrer dela,
qualquer doença ela pode pegar...[...]” (Hiran).
“[...] depende do risco... quando tem HIV, o risco de se infectar mais... de
pegar doenças... todo mundo tem esses riscos. Isso depende também dos
cuidados que o soropositivo tem... [...] no risco pessoal, você fica um pouco
destemido com a vida... (fatalidade) sou mais ousado na vida. [...] ousado é
ultrapassar o medo...[...]” (Humberto).
“[...] tem mais riscos por que tem as doenças oportunistas... maior
sensibilidade nos órgãos sexuais... adquiri fungos...[...]” (Hermito).
94
“[...] [fumar, beber, drogas] hoje em dia parei tudo, pra cuidar realmente e ter
uma vida saudável... as defesas, por qualquer coisa pode ficar doente, e as
defesas podem baixar..[...].” (Helcias).
A não compreensão da enfermidade pode incorrer no risco de vida.
“[...] se a gente não tiver controle, pode até morrer, piorar o nosso quadro e
morrer...[...]” (Hiran).
Silva (2009) em seus achados percebeu que alguns dos seus interlocutores,
embora estivesse circulando no movimento de “barebacking”, e isso significava a
possibilidade da soroconversão, que não querem se contaminar e nem ficar doentes,
muito embora não tenham medo da morte. Alguns partem do princípio que diante da
realidade social a morte se faz eminente em vários momentos da vida cotidiana,
como por exemplo, numa situação de assalto a qual estamos a todo o momento
expostos. Na verdade são outros sentimentos contraditórios e ambíguos que se
fazem presentes nos encontros de “barebacking”.
Quanto ao conhecimento sobre Aids, todos parecem deter um saber
biomédico, percebe-se que por força da situação sorológica, os sujeitos foram
levados a tomar conhecimento e pedir informações fornecidas dos profissionais de
saúde. Alguns mesmos buscaram obter uma compreensão mais ampla e profunda
da enfermidade através de recursos informatizados.
“[...] é um vírus... não tem cura, mas tem controle... tem as limitações, tem
seus limites... restringir de muita coisa... até o sexo mesmo com
segurança...[...]” (Hugo).
“[...] a aids é uma doença, só que vírus é o HIV... cuidar primeiro do vírus que
é pra não chegar até a aids... a gente pode controlar... é que nem uma
doença do coração... seguir rigidamente o que é passado pelo médicos...[...]”
(Hiran).
“[...] quem é portador do HIV, pode viver... quem tem um cuidado especial,
que se cuida mesmo, tem chance de procurar informação e se prevenir,
prevenir as outras pessoas também.[...]” (Humberto).
“[...] eu posso ser transmissor através do sexo sem camisinha... beijo na
boca, tomar no copo, na taça, não pega...[...]” (Helcias).
“[...] hoje eu posso sobreviver com isso e controlar...[...]” (Hermito).
Acreditamos que a noção de controle da doença, o poderio advindo de si
esteja vinculado às marcas identitárias do gênero masculino, quando ser homem é
exercer o poder e o controle sobre as coisas, inclusive sobre a saúde, a doença e o
95
cuidado.
O eixo sobre as representações da Aids destacou alguns pontos, através das
falas dos sujeitos da pesquisa, que tendem a reforçar situações que podem ser
vistas como estigmatizantes e produtoras de sofrimento social; este reverbera tanto
na dimensão objetiva/pública quanto na subjetivada/privada.
As questões apresentadas são da ordem do medo em revelar a condição
sorológica, uma vez que, ao terem acesso às pessoas podem incorrer um
isolamento, promover uma exclusão, deixar de socializar com os portadores do
vírus. Esse afastamento pode ocorrer na relação com os familiares e nas relações
afetivas sexuais, no espaço da casa ou na intimidade, como com os amigos ou
colegas de trabalho, na esfera pública, gerando medo social da discriminação.
Nesse olhar, o preconceito torna-se um obstáculo para o acolhimento, ação
esta tão necessária para lidar com a doença, no entanto, os sujeitos que conseguem
superar esse estágio de coisas, até por ser uma ‘representação’ de via de mão dupla
podem ultrapassar tais limites e aprender a ressignificar como se vê e é visto com a
doença.
Ao consideramos na atualidade a Aids como doença crônica, Herzlich (2004)
reporta que essa característica traz ao longo da vida do acometido e afeta a
cotidianidade da pessoa, uma intercalaridade de “dias bons” e “dias ruins”. Quando
as doenças agudas interferem por algum tempo na rotina dos pacientes,
diferentemente, as doenças crônicas, como a Aids, fazem rever essa cotidianidade,
desde a esfera do público –
trabalho e sociabilidades – quanto do campo do
privado, família e da intimidade das relações sexuais.
Seguindo nessa direção, há que se destacar que a Aids, mesmo assumindo o
aspecto de uma doença crônica, ela mantém uma singularidade que envolve
preconceitos e estigmas que após o reconhecimento e visibilidade da mesma, esta
envolve dor e sofrimento social. A concepção que se tem da Aids, por mais que
tenha superado o olhar que se tinha ancorado sobre a mesma no início da epidemia,
ainda não rompeu, no campo das representações do indivíduo soropositivo, a
consciência/implicação de ser uma “peste” das masculinidades contra-hegemônicas.
O que significa dizer que, as experiências dos sujeitos com Aids, se mantem
fortemente atrelada às estruturas da vida cotidiana que os sustentam (BURY, 1982),
porque a Aids não é uma enfermidade qualquer, diferenciando o olhar que se tem
sobre ela, de outras doenças, como por exemplo, a diabete.
96
Ainda em Bury (1982), remete que uma doença duradoura leva a “uma
fundamental reconsideração da biografia da pessoa e de seu conceito de si”. Devido
a seu conceito de “ruptura biográfica”, a ênfase se deslocou na direção da dimensão
temporal da experiência da doença e do trabalho “reflexivo” realizado pelos
pacientes que buscam, nem sempre com sucesso, recuperar o controle de suas
vidas.
No caso da Aids, os sujeitos acometidos por essa enfermidade passam por
transformações estruturais em relação ao aspecto físico, como por exemplo, a
emaciação do corpo, a lipodistrofia, o estima e discriminação, assim como a perda
da autoestima.
Família surpreendida, medo, vergonha, receio, exclusão, comentários,
preconceito, doença incurável, finitude, morte, (re)nascer, valor familiar, situação
sorológica, são aspectos oriundos das falas dos sujeitos que
permitem
identificarmos as representações que a doença ainda gera.
6.3.4 – O cuidado de si e o cuidar do outro no contexto da Aids
Ainda seguindo a nossa compreensão sobre os construtos sociais em relação
às representações que ancoram o que pertence ao homem e o que é da estância da
mulher, o cuidar de si parece fazer parte muito mais dessa última, expressando-se
desde a puberdade em que os preventivos ginecológicos passam a fazer parte do
cenário feminino e uma frequência regular aos consultórios médicos. Por outro lado,
a saúde do homem, a partir da juventude perde a visibilidade e torna-se
negligenciada.
“[...] falar da sexualidade masculina, acho que o homem é muito afoito, na
questão de fazer muito sexo [...] o homem... não gosta da camisinha [...] o
homem, acho que já tem uma tendência a querer né.. aquela coisa de
procriar de fazer ou que... vai lá e ... planta a semente [...] eu acho que tá no
homem mais do que na mulher essa coisa de sexo, de querer ir atrás, de
caçar, de fazer [...] isso possa, ele ser tão afoito, ele querer se aventurar
onde não deve e contrair [...] homem é muito safado... apesar de que hoje em
dia né, as mulheres tão que tão também, muito solta [...] o homem sempre se
destacou muito [...] héteros que tá ali tem que ter um monte de mulher e
homossexuais também [...]a gente mais ver é que são muito afoitos né,
sempre tá querendo ta com muitos parceiros [...] já fui muito danado [...] “
(Halaor).
“[...] o homem ele, não... a mulher, ela é mais preventiva, cuidadosa... o
97
homem não, ele sai... sai pegando todo mundo...[...]”(Hiran).
Na construção social da masculinidade, o efeito de cuidar da saúde traz
marcas de fragilidade, já que ser homem é ser forte, não chora, não adquire
doenças.
Seguindo essa ideia, os estudos de Gomes (2008), de Riscado et al. (2011)
demonstram que o cuidar de si revela e denuncia fragilidades, pertencentes
possivelmente à masculinidade contra-hegemônica e/ou à condição feminina
(CECHETTO, 2004).
No sistema público de saúde, reclama-se sempre da ausência masculina em
ambulatórios e em consultas regulares. O homem encontra-se distante da promoção
da saúde, da prevenção de doenças e é mais frequentador, muito mais, dos espaços
hospitalares devido aos agravos advindos das faltas de atenção primária de saúde,
(FIGUEIREDO, 2005; FIGUEIREDO; SCHRAIBER; COUTO, 2012; GOMES, 2008;
RISCADO, OLIVEIRA; BRITO, 2011; SEFFNER, 2012).
Esta constatação encontra-se também revelada em Ayres et al. (2003),
Gomes e Nascimento (2006), Marques Junior et al. (2012), Zacheu et al. (2012) em
que boa parte do segmento masculino, na relacionalidade com as mulheres, nem tão
constantemente busca os serviços de saúde – para promoção de saúde, prevenção
de agravos e doenças – na perspectiva em que esses setores são fundamentais na
esfera da vulnerabilidade institucional, isto quer dizer, de programas voltados para a
política integral de saúde do homem e estratégias de acesso aos serviços de
atenção básica.
A combinação de ser jovem homem propõe uma constituição do fervor dos
“hormônios” e, significativamente, os sexuais, a descoberta da sexualidade e o lugar
de plenitude do ciclo da vida, aliado a um modelo hegemônico de gênero masculino
onde a atenção e idolatria aos prazeres faz parte dos roteiros sexuais . Se por um
lado se tem a seiva da juventude – a imaginária fonte da eterna juventude – some-se
a isto a virilidade do ser homem enquanto marca identitária de masculinidade.
“[...] sexo... você é novo, jamais (pensa) que vai acontecer isso... (uns
amigos) é você se prevenir, mas outros nem diziam... comecei a pesquisar,
saber sobre sexo... querer buscar o sexo desde os catorze anos... minhas
amizades bem mais velhas, eu queria alguém que me ensinasse, que me
indicasse o caminho, dava prioridade, valor sempre às pessoas da rua... hoje
pra mim, é uma nova vida, eu mudei completamente a minha mentalidade, a
minha cabeça, a minha forma de viver hoje... eu sou muito mais saudável,
98
muito mais cabeça no lugar do que antes... saudável de me cuidar 100%, de
querer realizar os objetivos, meus ideais... [...]” (Hetemilton).
“[...] antes de saber, se tem menos preocupações... (sem)... preocupação da
prevenção acaba contraindo... não ter preocupação com o HIV, com a DST...
tive sífilis... eu bebia, geralmente quando estava embriagado, nem todas às
vezes eu usava o preservativo... (agora) o uso do preservativo... a seleção do
parceiro... [...]” (Herculano).
“[...] eu levava camisinha, mas quando eu tava no rola-rola, bem-bom, eu
esquecia... eu não conto pra ninguém, só rola, só e pronto... é sexo oral, anal,
mas agora... uso sim, sempre camisinha... tô levando a vida numa boa,
normal... como era antes, eu saio, tomo uma, bebo... [...]” (Huldo).
“[...] no meu caso, me preocupava mais na hora da penetração, colocar a
camisinha só na hora da penetração... sexo oral eu não usava camisinha...
depois é que você tem que usar pra qualquer tipo de sexo, o preservativo...
eu não me arrisco a transar com ninguém fora mais (de casa)... corro o risco
de pegar uma hepatite, piorar o meu caso... [...]” (Holinto).
Quando se estudou a prostituição masculina – garotos de programa – Santos
(2011) verificou que todos se iniciaram bem jovens e nas entrevistas relataram que a
jovialidade faz parte do pacote da carreira de trabalho. A virilidade, ou seja, a
prontidão do falo e, em todos os contornos sexuais e fantasias do cliente, tem que
se fazer presente nesse tipo de atividade. Essas vicissitudes evidenciam os limites
impostos por esse tipo de trabalho, tendo o corpo como mercadoria de troca, de
venda, a negociação por gratificações financeiras.
A juventude sempre teve seu lugar na história enquanto objeto obscuro do
desejo. Os ‘jovens efebos’, na civilização greco-romana eram convocados para
fazerem parte de uma casta junto aos pensadores e filósofos que enquanto mais
velhos, portanto modelo a ser seguido, preocupavam-se em repassar o
conhecimento aos mais jovens, inclusive o homoerotismo masculino (COSTA, 1992;
GUIMARÃES, 2008; RISCADO, 1999).
Ao desconstruírem-se discursivamente no descuido de si, os sujeitos
constroem-se no cuidado de si e do outrem. As falas produzidas encarnam um
cuidado de si ‘a posteriori’, ou seja, ao pós-facto de terem se infectado com o HIV.
Isso vem acompanhado do cuidado do outro, do receio de infectar o outro,
baseando-se na premissa de que não se sentiriam confortáveis repassando o vírus.
O par da relação cuidado de si/cuidado do outro acompanha o processo de
experiência
nas
relações
sexuais
atuais,
a
partir
do
conhecimento
da
soropositividade.
“não é igual, é totalmente diferente, tem que se prevenir... usar camisinha”[...]
pra não passar pra ele né... que eu tenho consciência, né [...] (Hamilton)
99
“começa a fazer as coisas com mais controle... uma coisa mais limitada... tem
hora pra voltar, tem que chegar mais cedo... não pode beber muito... se
poupar... [não] fumar também... usar o preservativo é prioridade... até no sexo
oral... a gente fica vulnerável a várias doenças, há questão da defesa cai...”
(Hugo).
“tem que se policiar... sempre usar camisinha” (Hiran).
“procurar informação e se prevenir, prevenir as outras pessoas também”
(Humberto).
“hoje em dia eu já não faço mais... [as noitadas e as baladas] eu me
respeito... eu não quero ser um transmissor de doença...” (Helcias).
“hoje eu posso sobreviver com isso [HIV] e controlar... também me cuidar,
correr atrás do prejuízo...” (Hermito).
Os construtos sociais que promovem a demarcação identitária do gênero
masculino trazem impacto no cuidar de si e vulnerabilidades individuais, a partir do
comportamento e dos roteiros sexuais desses homens jovens que admitem para si
como naturais. Isso quer dizer, como uma virilidade a todo tempo, perene, a uma
impetuosidade associada ao incorrer riscos, que o desejo sexual masculino não
pode ser demarcado e nem controlado e, que o sexo nesse perfil é jurisdição
feminina.
Este eixo tratou de algumas características enfatizadas por nossos
entrevistados que perpassam pela crença da invencibilidade, de que coisas ruins
não atingirão, que o cuidado, principalmente, o preventivo é coisa de mulher, que o
sexo desprotegido tem associação direta com ser ‘macho’, frequentar balada ao
limite, de que quanto mais novo não se deve preocupar em pegar doenças.
No entanto, alguns depoimentos também tratam de que o uso do
preservativo, por alguns jovens, é importante; e ao final quando se encontram com o
vírus, pelo menos no discurso, é necessário mudar comportamento, ter uma vida
voltada para o cuidar de si.
O ‘cuidar de si’ é uma definição que tem de se apoiar na ideia da cultura de si.
Esse conceito se funda na perspectiva em que existe uma “intensificação da relação
consigo pela qual o sujeito se constitui enquanto sujeito de seus atos”, conforme
Foucault (1985, p. 47).
A perspectiva do cuidar de si surge a partir da tradição grega, em que é
ressaltada via, tanto o pensamento quanto a prática médica. O cuidar de si aqui se
foca na atenção ao corpo. As relações sexuais reportadas pelos entrevistados
100
apontam para uma fragilidade no campo da saúde sexual.
Ao tentar corresponder ao modelo hegemônico de sexualidade masculina,
esta resposta pode se inscrever em uma armadilha para a adoção desse cuidado.
Assim, os homens, em particular os homens jovens, ficam mais vulneráveis à
exposição à infecção das DST e ao HIV.
Do ponto de vista das políticas de saúde, principalmente as dirigidas aos
homens e, que abordam o âmbito das da sexualidade masculina, estudos tem
apontado que além dessas focarem quase que exclusivamente as doenças, também
tendem a configurar os homens como seres infectantes e pouco investem na
perspectiva da subjetividade ou mesmo tratando os homens como protagonistas de
suas ações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de homens jovens que vivem com HIV/Aids foi a proposta
desse estudo, no qual reverberam essas vivências para o cuidado de si e do outro
no cenário contemporâneo da epidemia.
Nossa premissa, partimos do princípio de que os homens jovens são
influenciados pelas marcas identitárias da masculinidade e que estas podem
distanciá-los e vulnerabilizá-los no trato com a saúde. Isto quer dizer que, o modelo
de masculinidade hegemônico a ser seguido pode se constituir em uma armadilha
para que os homens e, em particular, os homens jovens possam viver de forma
plena e integral a sua saúde. O forjar identitário pode ser a base essencial de
aspectos de vulnerabilidade para a infecção do HIV.
Em relação à juventude masculina, que de uma forma geral, tem sido
percebida como um segmento que gera tensões, nos diversos espaços da realidade
social, precisa ser compreendida concomitantemente como uma representação
sociocultural e uma situação social. A juventude masculina, portanto, é uma
concepção, representação ou criação simbólica, oriunda dos grupos sociais ou pelos
próprios sujeitos tidos como jovens, para designar uma série de comportamentos e
atitudes a ela atribuídos e nem sempre compreendidos, aceitos ou respeitados pela
sociedade como um todo.
Nessa perspectiva, a juventude masculina se apresenta como plural e com
diversos marcadores que darão um tom que é coletivo e singular ao mesmo tempo,
variando a partir de determinados aspectos estruturantes, tais como: gênero,
unidade de geração, repertório comum de experiências sociais, dramáticas ou não,
particulares ou cotidianas. Ela também pode ser influenciada pela questão racial,
possibilitando experiências e vivências que caracterizam forma distinta para homens
jovens
brancos e
negros,
gerando
processos
diferenciados
de
inserção,
oportunidades, subalternidades, construção de identidades raciais.
Assim, ao associar juventude masculina e sexualidade, essa tende a se
configurar como uma importante questão social, sendo a juventude um momento em
que se dá a afirmação da identidade sexual; esse período de certa forma se
relaciona, quase sempre, a controle e interdições. Nesse sentido, dependendo do
grupo social, de um lado, se administra a forma como o homem jovem exerce a sua
102
sexualidade e, de outro, há uma preocupação, principalmente em relação aos jovens
do sexo masculino, em observar se os comportamentos expressos se enquadram
num padrão de identidade sexual prescrito pelo modelo hegemônico de
masculinidade.
Seguindo esse caminho, a sexualidade masculina juvenil se ancora em
múltiplos roteiros, refletindo relações entre os diferentes modelos de masculinidade,
nesse sentido, o homem jovem que conseguir corresponder ao modelo hegemônico
será mais valorizado e terá maior legitimidade. No entanto, também existe a
possibilidade da subjetivação por parte de outros grupos de homens jovens que
questionam esse modelo, gerando processos, adoção/incorporação e convivência
com outros modelos de gênero considerados não hegemônicos ou subalternizados.
Marcas identitárias de gênero na esfera do masculino foram os pressupostos
que
constituíram,
possivelmente,
um
dos
mais
significativos
fatores
de
descuido/descaso com o cuidado de si e da saúde geral, repercutindo, entre outros
elementos, na exposição à infecção e na perspectiva com o tratamento do HIV/Aids.
Para a compreensão do estudo como um todo, incluindo o processo de
análise, lançamos mão dos referenciais teóricos de sexualidade masculina,
juventude, vulnerabilidade e representações da Aids e dos eixos estruturantes, tais
como: 1) a compreensão sobre sexualidade e sexo; 2) as experiências sexuais de
homens jovens; 3) os sentidos atribuídos à Aids e 4) o cuidado de si e o cuidar do
outro no contexto da Aids.
Assim, a produção das considerações finais buscou uma forma articulada e
dialética entre os referenciais teóricos e os eixos, não os separando ao longo do
texto.
Os enunciados para a compreensão sobre sexualidade e sexo estão
atrelados ao modelo hegemônico de masculinidade, quando pautam por uma
sexualidade de multiparcerias, voltada exclusivamente para o prazer, com estranhos
ou estranhas, com pouca ou nenhuma relação de afeto. Após o conhecimento
acerca da soropositividade e do tempo de maturação, lidar com a enfermidade pelo
HIV parece-nos que o conceito sobre o comportamento passa a ser repensado,
ocorrendo uma busca, mesmo que utópica, que vai da relação sexual casual para
um relacionamento que envolva uma sexualidade mais exclusiva. Os roteiros
sexuais, então, exercitam e procuraram dar conta de uma atitude mais virtuosa.
As experiências sexuais de homens jovens constituem roteiros sexuais que
103
permeiam espaços de balada, bebidas, drogas e parcerias múltiplas em muita das
vezes com um relaxar do uso de meios preventivos, incorrendo em um risco
potencial e substancial porque tendem a adotar uma prática sexual arriscada, sem o
uso, sobretudo, do preservativo.
Destaca-se que as representações sobre Aids dos jovens homossexuais não
se diferenciam das dos heterossexuais. No entanto, as representações sobre
sexualidade ganham contornos que se arregimentam ora singulares, ora plurais.
Nas sexualidades masculinas ainda se persiste a ideia de que, no ato sexual,
o prazer e a emoção (‘adrenalina’) estão além da razão, da racionalidade.
Os roteiros sexuais pelas masculinidades, nas identidades sexuais ora se
aproximam – na busca pelo prazer, na rotatividade de parceiros, na incorrência de
riscos, pela não prevalência nas relações sexuais do uso do preservativo – ora se
distanciam,
ou
seja,
nos
construtos
simbólicos
das
interdições,
quando
particularmente nas práticas sexuais se aproximam da instância do feminino.
As experiências da sexualidade na realidade social são orientadas pela
concepção de masculinidade, do que é ser homem, nos roteiros sexuais, sobretudo
pela presença da multiparcerias e das masculinidades diversas. Aliada a essas
questões, alguns homens jovens fazem uso de substâncias psicoativas, aumentando
seu status de vulnerabilidade ao HIV e às Hepatites Virais.
Os papeis socializadores de gênero e, ancorados nesses, os roteiros sexuais
em conformidade à hegemonia de masculinidade fazem com que a vulnerabilidade
individual marque um dos pilares e que se possa incluir nos esquemas de promoção
à saúde, prevenção das doenças, nas políticas governamentais.
Além dos sentidos atribuídos à Aids, pelo imaginário social de doença do
outro e de uma sexualidade desregrada, esta carrega o estigma pela possibilidade
de uma masculinidade contra-hegemônica – a homossexualidade – e vertente de
preconceito homofóbico, que promove a exclusão social.
O diagnóstico de soropositividade desses homens jovens projeta um marco
em suas vidas, principalmente nos primeiros momentos, tanto no sentido do possível
adoecimento e de passar a pertencer a um grupo que se encontra estigmatizado e
pode deparar-se diante da morte biofísica, psicológica e da morte social.
Assim, compreendem também para o não revelar o diagnóstico para pais e
outros familiares próximos, uma vez que esse fato pode trazer dor, sofrimento, eliciar
o estigma e, promover, discriminação junto aos entes queridos. Pensam que a
104
revelação pode se dar num futuro quando o quadro de saúde em relação ao
HIV/Aids estiver deteriorado.
O cuidado de si e do outro no contexto da Aids destacam-se pelo
entendimento de que a mesma passou a ser uma enfermidade crônica, que a vida
continua, que vale a pena ser vivida e cuidada, promovendo um cuidar sobre si, em
todas as esferas, seja física, psicológica e social. O fato da não publicização da
soropositividade modela o emocional e o fortalecimento de si e, garante uma
possível não visibilidade discriminatória e preconceituosa, que poderia ter
implicações para uma morte social.
Os projetos de vida desses homens jovens são retomados na perspectiva de
se tornarem mais saudáveis, na alimentação, de se cuidar ‘cem por cento’, de
realizar os objetivos, os ideais, etc. Nas conversas no campo, pós entrevistas,
nossas anotações situaram que esses homens jovens apontam para uma
perspectiva de retomada aos estudos, outrora abandonado, a busca por trabalho, e
outras.
Partem do pressuposto de que em todas as relações sexuais o uso do
preservativo vai tomando posto na perspectiva de que a sobre-exposições de
características de vírus possibilita outras infecções para si, como também preserva a
integridade do/a parceiro/a para uma não infecção, já que o revelar a sorologia
positiva do HIV para o parceiro/a pode trazer desconfortos, revelar o preconceito
introjetado nas pessoas e eliciar, disparar a discriminação.
O conceito de vulnerabilidade vem de há muito tempo numa familiaridade com
a questão da Aids e essa particularidade, traz uma assertiva para compreender os
diversos campos que se impõe para a possível interpretação do fenômeno, nos
esquemas estruturais da vulnerabilidade – individual, social e programática.
O quadro da Aids aponta para um lócus de pauperização, ou seja, o que no
início da epidemia parecia acometer tão somente as pessoas abastadas, há um bom
tempo esse cenário, vem tendo uma outra conformidade.
No que se referem à vulnerabilidade social os homens jovens tem uma
escolaridade flutuante de parcos números de anos estudados, ou seja, revelam um
abandono dos estudos em algum momento de suas vidas. Nota-se ainda o
compartilhamento de desemprego, ou atividades laborais não consecutivas,
perenes, baixos salários, referência de nível socioeconômico e moradias simples,
localizadas em bairros populares.
105
Aqui, a vulnerabilidade individual encontra-se atrelada ao gênero masculino
na interface com a jovialidade, que contribuem para o descuido de si, da saúde geral
e, pelo adoecimento explicam o patamar de alta prevalência de infecção ao HIV, por
exposição sexual, entre homens jovens.
O cuidado de si e da sua saúde perpassa, após o diagnóstico, para o plano
de valoração à vida, nos cuidados de uma vida saudável, não desregrada como
antes.
Percebem que o sucesso dessa nova projeção inclui não unicamente
movimentos individuais, seja no tocante à alimentação, atividades físicas, evitar os
excessos e outras, mas também os serviços de saúde e medicamentos
disponibilizados pelas esferas de governo.
Veem como importantes os serviços de cuidados oferecidos nos SAE e
sinalizam para o atendimento bem adequado dos profissionais de saúde no que se
refere ao acolhimento, aos repasses de maiores informações e conhecimentos, ao
tratamento, os preceitos éticos principalmente no aporte ao sigilo, à equidade e à
justiça.
Nas observações de campo, nas conversas anotadas no diário de campo,
remetem que os profissionais de saúde que atendem nos serviços especializados
estão fundamentados cientificamente e capacitados. Para esses homens jovens, os
SAE de Maceió têm cumprido o seu papel de forma coerente e exemplar, conforme
apregoam as diretrizes da esfera governamental federal, onde tem instalado dentro
do Ministério da Saúde, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, que dá
sentido às normas, regras, referências para a prevenção, tratamento e outras.
Nessa nossa agenda, incorporar as questões de gênero no masculino e
mocidade pode contribuir para a promoção da saúde e prevenção de doenças. Isto
quer dizer, estabelecer a perspectiva programática, trazendo para o diálogo os
saberes dessas categorias, pode ser uma possibilidade de adesão dos homens aos
cuidados de sua saúde, a prevenção de doenças e, no caso em questão de homens
jovens vivendo com HIV, evitar a reinfecção de si e de outrem.
E, nos diversos níveis da educação, enquanto campo, tornar-se um lugar de
discussão, debate e práticas.
PRODUTO
 Instituir uma disciplina eletiva “gênero e saúde” na graduação da medicina;
 Sugerir a criação de uma disciplina e linha de pesquisa “gênero e saúde” na
Especialização do NUSP e no Mestrado Profissional de Educação em Saúde;
 Fortalecer o grupo de pesquisa da FAMED;
 Articular com outros Núcleos de Estudo da UFAL na interface;
 Fortalecer a parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Maceió e a
SESAu/AL;
 Sugerir um acolhimento e assistência para a cronicidade da Aids.
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DST/Aids. São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde, 2012. 185-195. 200 p.
ANEXOS
117
ANEXO A
Instrumento de Pesquisa dos Sujeitos
IDENTIFICAÇÃO
1) Nome:
2) Idade: /
/
3) Raça/cor:
4) Escolaridade:
5) Estado Civil: ( )Solteiro ( )Casado ( )Divorciado ( )União estável ( )Outro:
____________
6) Nível socioeconômico:
7) Ocupação:
8) Local de Moradia/Bairro:
TELEFONE:
1. O que é a sexualidade para você? O que ela envolve ou o que ela
abrange? O que ela diz para você?
2. O que é a Aids? De tudo que você ouviu ou leu sobre a Aids, o que você
pode falar dessa doença?
3. Em sua opinião, como é a vida sexual de uma pessoa com HIV/Aids?
4. Para você, como é a vida sexual de uma pessoa antes e depois de ela
saber que tem HIV/Aids?
5. Costuma-se dizer que a vida sexual de uma pessoa com Aids tem mais
riscos do que de uma pessoa sem essa doença. O que você acha sobre
isso?
6. Você tem alguma sugestão de como é que os homens jovens com
HIV/Aids devem ser atendidos nos serviços de saúde?
7. Você tem algo mais a comentar sobre sexualidade masculina e HIV/Aids?
118
ANEXO B
Ministério da Saúde
FIOCRUZ
Fundação Oswaldo Cruz
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
Comitê de Ética em Pesquisa
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidado para participar da pesquisa sobre sexualidade e AIDS com homens.
Você foi selecionado porque é homem, tem entre 18 e 29 anos e aponta sorologia positiva para o HIV e sua
participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento.
Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com minha pessoa, ao corpo técnico aqui do SAE e com
aqui o Bloco I e a Secretaria de Saúde (Programa Municipal de DST/AIDS).
Os objetivos deste estudo são analisar as representações sobre a sexualidade e a AIDS, conhecer os sentidos
dos homens antes e depois do diagnóstico de AIDS, conhecer os enredos sexuais e o que é masculinidade.
Sua participação nesta pesquisa consistirá na entrevista, nos relatos dessas questões que anteriormente foram
faladas.
Os riscos relacionados com sua participação são mínimos.
Os benefícios relacionados com a sua participação são que poderemos pensar prevenção e promoção à saúde a
partir dos resultados encontrados, assim como as políticas públicas de saúde.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação porque utilizaremos nomes
fantasias/artísticos, ou seja, codinomes/pseudônimos para manter o anonimato.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do pesquisador principal e
do CEP, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
______________________________________
JORGE LUÍS DE SOUZA RISCADO
PROGRAMA UNIVERSIDAIDS DA FACULDADE DE MEDICINA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL
Av. Lourival de Melo Mota, S/N - Campus A. C.
Simões - Tabuleiro do Martins - CEP: 57.072-970 - Maceió – Alagoas
(82) 3124.1164 / 9973.7379
CONSELHO DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP
Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 - Térreo
Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ / CEP. 21041-210
Tel e Fax - (21) 2598-2863
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e
concordo em participar.
_________________________________________
Sujeito da pesquisa
119
ANEXO C
QUESTIONÁRIO
LOCAL: BLOCO I – PAM SALGADINHO
PESQUISADOR: PROF. DR. JORGE LUÍS DE SOUZA RISCADO
IDENTIFICAÇÃO
1) Nome:
2) Idade: /
/
3) Raça/cor:
4) Escolaridade:
5) Estado Civil: ( )Solteiro ( )Casado ( )Divorciado ( )União estável ( )Outro:
____________
6) Nível socioeconômico:
7) Ocupação:
8) Local de Moradia/Bairro:
TELEFONE:
DADOS RELACIONADOS À INFECÇÃO
9) Ano do diagnóstico:
10)Qual o motivo da realização do exame diagnóstico?
__________________________________________________________________________
___
11) Sexualidade: ( )Heterossexual ( )Homossexual ( )Bissexual
12) Múltiplos parceiros: ( )Sim ( )Não
13) Enfermidades Oportunistas: ( )Sim ( )Não
Se sim, quais?
14) História de drogas: ( )Sim ( )Não
Se sim, qual(is)?
15) Quais os acompanhamentos realizados?
120
ANEXO D
Plataforma Brasil - Ministério da Saúde
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP/ FIOCRUZ
PROJETO DE PESQUISA
Título: REPRESENTAÇÕES SOBRE SEXUALIDADE E AIDS DE HOMENS JOVENS
QUE SE INFECTARAM COM HIV/AIDS.
Área Temática:
Pesquisador: JORGE LUÍS DE SOUZA RISCADO
Versão: 3
Instituição: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio CAAE: 01429612.4.0000.5240
Arouca - ENSP/FIOCRUZ
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
Número do Parecer:66803
Data da Relatoria:03/08/2012
Apresentação do Projeto:
Sem comentários.
Objetivo da Pesquisa:
Sem comentários.
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
Sem comentários.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
Sem comentários.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
Sem comentários.
Recomendações:
Sem comentários.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Projeto na íntegra, contendo modificações resultantes da qualificação, foi enviado por email pelo orientador à coordenador a
do CEP/ENSP em 30/07/2012. A coordenadora do CEP/ENSP anexou o documento que permanecia como pendência e
aprovou.
Situação do Parecer:
Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP:
Não
RIO DE JANEIRO, 03 de Agosto de 2012
Assinado por:
Ângela Fernandes Esher Moritz
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