Discussão sobre a Apresentação de Raquel Zak de

Propaganda
Joyce McDougall
Joyce McDougall
Gostaria, inicialmente, de agradecer à Raquel Zak de Goldstein por
ter aceito escrever esse belo texto
para nós.
A questão do enquadre com os
neuróticos narcísicos ou borderline
sempre foi objeto de questionamento para os analistas, tanto do
ponto de vista teórico quanto clínico. Sem dúvida, Otto Kernberg foi
um dos primeiros a levar adiante um
trabalho sobre essa questão, assim
como Willy Baranger, na Argentina.
A citação que Raquel faz desse: “O
enquadre ... habitado por um par
muito especial de sonhadores, analista e analisando” encontra igualmente eco na última obra de
Thomas Ogden, Conversations aux
frontières du rêve, na qual ele tenta
transmitir essa relação ímpar.
Isso me lembra um grupo de discussão sobre Winnicott, por ocasião
de um congresso da IPA, em Londres: Winnicott falava do enquadre dos
pacientes limítrofes e narcísicos. Alguém colocou-lhe a seguinte questão:
“Como o senhor consegue suportar os ataques constantes ao enquadre, próprios desse tipo de pacientes?”, e ele respondeu: “É preciso sempre aceitar
que é cansativo ser um seio mau. Constantemente nos fazemos atacar, mas
o importante, para o analista, é sobreviver a esses ataques”.
Agora, é minha vez de lembrar de um analisando que veio me ver
depois de ter cansado quatro analistas. Ao deitar-se no divã, ele me diz:
“Não quero mais ouvir o velho refrão mamãe-papai-xixi-cocô”, ao que eu
lhe respondi: “Está bem, não resta mais ninguém a não ser você e eu!”. Foi,
aliás, nessa época que eu comecei a escrever um artigo intitulado “Narciso
em busca de uma fonte”. Isso vai ao encontro, parece-me, das reflexões de
Raquel sobre a necessidade, nos analistas, de encarnar o que ela chama,
citando Freud, “o outro pré-histórico inesquecível”, e ela continua: “Esse
outro seria encarnado pelo analista que se oferece, pelo fato de se colocar
como pano de fundo e suporte do enquadre equipado por sua escuta específica e por sua rêverie bioniana”.
Mais adiante, Raquel nos diz que o tipo de pacientes que ela estuda
aqui não pode se ater a um projeto convencional. Como ela o expressa,
“tudo se mexe, menos a intenção de compreender e de apoiar a situação,
por um lado, e a demanda de socorro, por outro lado”. Ela chama a atenção,
de maneira muito adequada, para o fato de haver vários enquadres em jogo
com os pacientes com patologia narcísica. O que nos conduz às fronteiras
do analisável. Ela enfatiza os diferentes enquadres que dizem respeito ao
analista, mencionando sua atitude profissional e sua contratransferência,
incluindo os desejos que estimulam o campo dinâmico do tratamento. E eu
acrescentaria o enquadre que se origina da escola de pensamento psicanalítico à qual pertence o analista. Em algum lugar escrevi que o ditado “Só
acredito vendo” poderia traduzir-se, no que concerne à adesão a uma escola de psicanálise, por “Eu verei se eu acreditar”. Mais adiante, Raquel pro-
Joyce McDougall
põe que. quando o analista encarna esse outro pré-histórico inesquecível,
com suas esperanças e sua nostalgia erótico-narcísica, a da rêverie primitiva, poderá retomar, a partir de suas rupturas e fragmentos, o trabalho da
figurabilidade de que falam os Botella.
Raquel evoca, com razão, a dimensão do masoquismo nos analisandos
em questão, que ela chama “a matriz da psicopatologia do quaseinanalisável”, e ela mostra, de maneira bastante clara, que o analista está
implicado numa luta interminável com um sobrevivente anestesiado – seu
analisando buscando apenas uma testemunha para sua dor, para sua humilhação e para sua impotência.
Isso me lembra uma analisanda desse tipo com quem tinha decidido
compartilhar minha contratransferência, porque ela me acusava de não
compreendê-la há meses, de não a ajudar e de não existir para ela. Como,
inúmeras vezes, eu tinha lhe oferecido interpretações a esse respeito, um
dia acabei por lhe dizer que, apesar dos meus esforços para compreendê-la
e ajudá-la, tinha o sentimento de ter fracassado. Ela, então, literalmente,
saltou do divã, urrando: “Se eu devo agora me preocupar com seus problemas, seria melhor eu ir embora!”.
Há também uma outra das minhas analisandas, um pouco borderline,
que se queixou, três vezes por semana, durante três anos, de minha incompetência para curá-la de uma grave depressão e de uma tendência a se mutilar – ela fazia cortes nos antebraços. Numa sexta-feira, exasperada, ela
me diz: “Você vai ver, vou me suicidar durante o fim de semana”, e eu,
saindo do enquadre, me ouço urrar: “Se você fizer isso, nunca mais falarei
com você!”. Na segunda-feira de manhã, chegou na hora e me disse que riu
todo o fim de semana do absurdo da minha resposta, acrescentando que,
pela primeira vez, ela tinha compreendido que eu me importava com ela e
desejava que ela vivesse.
Em suas conclusões provisórias, Raquel coloca questões implícitas
que nutrem nossa reflexão, no que concerne ao espaço potencial e ao jogo
do squiggle – ou, como no do carretel, a inscrição da recuperação do objeto
perdido (ao qual é preciso acrescentar o fato de que a criança do carretel é
agora senhor e não mais vítima do desaparecimento e de recuperação do
objeto perdido).
Certamente, é mais importante formular boas questões que fornecer
respostas. Como dizia o outro, “A resposta é a desgraça da pergunta”. Raquel finaliza sua bela exposição dizendo que foi Winnicott quem melhor
definiu as características essenciais do enquadre e da situação analítica, e
eu acrescentaria, de bom grado, que a própria Raquel foi mais adiante.
Na breve vinheta clínica que ela nos ofereceu, conta que uma paciente
dizia tê-la escolhido como analista porque tinha observado a qualidade de
sua relação com sua filha – relação que a tinha encantado. Observo que,
por outro lado, essa analisanda tinha vivido o nascimento de uma irmã,
nascida logo depois dela, e gostaria de perguntar a Raquel se essa jovem
paciente buscava, inconscientemente, entrar em rivalidade com a filha da
analista e, assim, acertar contas com a mãe má do passado.
Que Raquel receba nossos agradecimentos por tudo o que ela nos
aportou.
Download