Apostila - Curso de Inverno – Tópicos em Fisiologia Comparativa

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Comissão Organizadora
Ana Paula Dantas Passos
Danilo Eugênio de França Laurindo Flôres
Elisa Mari Akagi Jordão
Laura Camila Cabanzo Olarte
Mariana Zanotti Tavares de Oliveira
Mateus Torres Cruz
Victor Daniel Vásquez Matsuda
Coordenação
Profa. Dra. Renata Guimarães Moreira
Profa. Dra. Zulma Felisbina da Silva Ferreira
Realização
Programa de
Pós-Graduação
em Fisiologia
Patrocínio e apoio
Sumário
Apresentação ..................................................................................... 3
Programação ..................................................................................... 5
Cronograma – Apresentações Departamento ................................. 7
Temas dos debates científicos ......................................................... 8
Contextos dos estágios .................................................................... 9
Resumos das aulas ......................................................................... 10
Neurofisiologia celular ............................................................................... 11
Comunicação celular no sistema nervoso ............................................... 14
Sistema Sensorial: Uma Abordagem Comparativa ................................. 18
Genética e Comportamento Instintivo ...................................................... 22
Fisiologia do comportamento ................................................................... 26
Regulação fisiológica: conceitos e mecanismos da homeostase ......... 28
Taxa Metabólica e Alometria ...................................................................... 32
Padrões de Locomoção, Custo Energético e Tamanho Corpóreo......... 35
Frequência cardíaca: Aspectos básicos e variabilidade ........................ 40
Osmorregulação: Superando desafios ambientais ................................. 47
Termorregulação......................................................................................... 49
Controle hormonal dos padrões de comportamento reprodutivo de
vertebrados ................................................................................................. 53
Ritmos Corporais e Energética da Reprodução ...................................... 59
Fisiologia do Estresse................................................................................ 63
Estresse e Imunidade ................................................................................. 68
Ecoimunologia – Conceitos e métodos com ênfase em anfíbios .......... 75
Conceitos e fundamentos da Cronobiologia ........................................... 83
A melatonina e o sistema circadiano: uma visão evolutiva ................... 90
Controle Circadiano do Metabolismo Energético ................................... 94
Um novo entendimento de como o organismo interpreta o tempo: A pele
como um modelo de estudo .................................................................... 102
Eixo Imune-Pineal: adequação temporal do organismo em condições
fisiológicas e fisiopatológicas................................................................. 111
Leishmanioses como modelo de estudos de fisiologia da interação
patógeno-hospedeiro ............................................................................... 116
O papel da fisiologia no estudo de múltiplos estressores e seus impactos
sobre a biota ............................................................................................. 124
Bioindicadores e Biomarcadores para avaliação da qualidade do
ambiente .................................................................................................... 133
Mudanças climáticas e branqueamento de cnidários ........................... 139
Percepção ................................................................................................. 142
Atenção ..................................................................................................... 146
Memória ..................................................................................................... 149
O Sistema Nervoso como gerador de previsões ................................... 153
Apresentação
O curso de inverno é idealizado e organizado por pós-graduandos do Instituto de
Biociências da USP em São Paulo e é voltado para alunos de graduação e recémgraduados de universidades de todo o mundo, originários das diversas áreas do
conhecimento com interesse em Ciências Fisiológicas, mais especificamente em
Fisiologia Comparativa. Ele ocorre todos os anos durante o mês de Julho.
Objetivo do curso
O curso pretende promover uma discussão de conceitos fundamentais e
complementares necessários para uma boa formação em Fisiologia, assim como
proporcionar uma vivência no dia-a-dia da pesquisa do Departamento de Fisiologia do
IB-USP. Isto ocorrerá não só por meio das aulas teóricas mas, principalmente, durante
a realização de estágios supervisionados pelos pós-graduandos e respectivos
orientadores.
Teoria e prática
O curso terá uma duração de três semanas, em período integral e será dividido
em aulas teóricas e práticas, e desenvolvimento de estágio com projeto de pesquisa.
Na primeira e segunda semanas (11 a 22 de julho) teremos aulas teóricas, palestras
com os pesquisadores do departamento e visitas aos laboratórios . Em parte da
segunda semana e na terceira semana (18 a 29 de julho), os participantes
desenvolverão um projeto de pesquisa em um dos laboratórios do Departamento.
Avaliação: Os alunos participarão de atividades ao final de cada aula teórica,
podendo ser um exercício escrito, de múltipla escolha, ou até mesmo uma dinâmica
dentro da sala de aula, porém essas atividades não terão peso de nota.
Estágio supervisionado
Os estágios supervisionados nos laboratórios do Departamento de Fisiologia terão
como objetivo exercitar o pensamento científico, a partir de temas gerais, ou
“contextos científicos”, que serão apresentados na primeira semana do curso. Ao final
da primeira semana, os estudantes deverão escolher um dos temas apresentados
para realizar seu estágio. Haverá mais de uma vaga por laboratório, de modo que o
3
estágio será realizado em grupo. Em caso de superlotação, a seleção será feita por
sorteio.
Com base no contexto científico escolhido e com auxílio dos pós-gradunados e
professores orientadores, os alunos formularão uma pergunta. Serão trabalhados o
pensamento crítico e noções básicas do método científico. Além disso haverá contato
com as técnicas e projetos dos pós-graduandos do departamento. Com esse suporte
científico e técnico, os estudantes elaborarão um projeto de pesquisa a partir da
pergunta formulada. Em função da curta duração do estágio, não será exigida, embora
será incentivada, a obtenção de resultados experimentais. Reforçamos, contudo, que
o foco do estágio é a aquisição de conhecimento e habilidades fundamentais para
planejar e escrever um projeto científico, e não a execução de experimentos.
Ao final do estágio, os alunos entregarão um projeto escrito de 2 páginas e farão
uma apresentação oral, que serão arguidos pela banca avaliadora composta por três
membros do Departamento.
Comissão Organizadora
XII Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa
Universidade de São Paulo
11 a 29 de Julho de 2016
4
Programação
Hora
8h-9h
9h-10h
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Primeira Semana (11 a 15/07)
Sexta
Credenciamento Neurofisiologia
Genética e
Comportamento
Instintivo
Metabolismo
Termorregulação
Palavras da
Chefe do
Departamento e
do
Coordenardor
Pós-Graduação
Fisiologia do
Comportamento
Circulação
Termorregulação
Regulação
fisiológica:
conceitos e
mecanismos da
homeostase
Osmorregulação
Controle
hormonal dos
padrões de
comportamento
reprodutivo de
vertebrados
Metabolismo
energético
Debates
Científicos I
Ritmos corporais
e energética da
reprodução
Sinapse
química
Intervalo
10h2011h20
Apresentação
da Comissão
Fisiologia
Sensorial
11h2012h20
Apresentação
dos
Participantes
ALMOÇO
14h16h
Palestras
Professores
Palestras
Professores
Palestras
Professores
Início de Estágio Início de Estágio
Intervalo
16h3018h30
19h22h
Visitas aos
laboratórios
Visitas aos
laboratórios
Visitas aos
laboratórios
Início de Estágio
Debates
Científicos II
Confraternização
5
Hora
8h-9h
Segunda
Fisiologia do
Estresse
Terça
Quarta
Quinta
Segunda Semana (18 a 22/07)
Introdução à
Cronobiologia
Melatonina e
Imunologia
9h-10h
Estresse e
Imunologia
Cronobiologia
Evolutiva
Sexta
Fisiologia como
ferramenta de
estudo dos
impactos das
mudanças
globais sobre a
biota
O Sistema
Nervoso como
Gerador de
Previsões
Invertebrados
como
biomarcadores
da saúde do
meio
Percepção I
Invertebrados
como
biomarcadores
da saúde do
meio
Percepção II e
Atenção
Mudanças
climáticas e
impactos em
cnidários
Memória
Estágio
Estágio
Intervalo
10h2011h20
11h2012h20
EcoimunologiaConceitos e
parâmetros com
ênfase em
anfíbios
Genes de
Relógio e
Metabolismo
Debates
Científicos III
Fisiologia
Circadiana
Fisiologia
interação
parasita hospedeiro
ALMOÇO
14h18h
19h22h
Estágio
Estágio
Estágio
Confraternização
Terceira Semana (25 a 29/07)
8h-12h
Estágio
Estágio
Estágio
Entrega do
Apresentações
Projeto escrito
ALMOÇO
14h18h
19h
Estágio
Estágio
Estágio
Preparação da
Apresentação
Apresentações
Festa de
Encerramento
6
Cronograma – Apresentações
Departamento
14:00
14:15
14:30
14:45
15:00
APRESENTAÇÃO DOS PROFESSORES
11/07 (SEGUNDA) 12/07 (TERÇA)
13/07 (QUARTA)
José Natali (José Sandra Muxler (Lucile
Debora Chadi
Berlinck)
Floeter-Winter)
Carlos Navas
Maria Visconti
José Bicudo
Aline Dal Olio (Renata
Regina Markus
André Helene
Guimarães)
Danilo Flores
Hamilton
Marcio Custódio
(Gisele Oda)
Haddad (vídeo)
Nathalia Moraes
Fernando Gomes
Zulma Ferreira
(Ana Castrucci)
VISITAS AOS LABORATÓRIOS
11/07 (SEGUNDA) 12/07 (TERÇA)
13/07 (QUARTA)
José Berlinck +
Carlos Navas
Lucile Floeter-Winter
José Bicudo
Gisele Oda
Maria Visconti
Renata Guimarães
André Frazão +
A PARTIR Gilberto Xavier
Hamilton
Márcio Custódio
DAS 16:30
Haddad
Regina Marcus + Zulma
Ana Castrucci Fernando Gomes
Ferreira + Pedro
Fernandes
Débora Chadi
7
Temas dos debates científicos
DIA 14/07 às 11h20 →
- Importância do pós-graduando na pesquisa no Brasil
- Prós e contras da participação de empresas privadas na pesquisa
- Fim do Ministério da Ciência e Tecnologia: no que afeta a pós-graduação?
DIA 15/07 às 16H30 →
- Critérios de seleção para o programa e para obtenção de bolsa
- Comecei minha pós. E agora? A vida do pós-graduando
- Atitude do pós-graduando durante sua formação
- Comunicação Pós-graduando/Orientador
DIA 18/07 às 11h20 →
- Pesquisa básica vs (ou +) Pesquisa aplicada: esta dicotomia é válida?
- Watson, IBM: qual o futuro da pesquisa?
- O que é Doutorado Informal?
8
Contextos dos estágios
Contexto
Fisiologia do Exercício e
Variabilidade da Frequência
Cardíaca
Fisiologia e Comportamento de
formigas-cortadeiras
Isolamento social e ansiedade
Privação de sono e memória
Laboratório
Laboratório de Energética Ingrid El Dash e
e Fisiologia Teórica
Vivian El Dash
Laboratório de Ciências
da Cognição
Laboratório de
Neurociências e
comportamento
Laboratório de
Neurociências e
comportamento
Consequências da ativação dos
genes de relógio em
Laboratório de Fisiologia
melanócitos e melanomas
da Pigmentação
murinos em resposta à luz
branca.
Laboratório de
Termorregulação em anfíbios
Ecofisiologia e fisiologia
evolutiva
Laboratório de
Atenção em Humanos
Neurociências e
comportamento
"O estresse agudo e seu efeito
Laboratório de
sobre a atividade antibacteriana
Comportamento e
das secreções cutâneas dos
Fisiologia Evolutiva
sapos"
fisiologia da interação
Lab. Fisiologia de
patógeno-hospedeiro
Tripanossomatídeos
Lab. Neurotransmissão e
Neurotransmissão e Modulação
Modulação Neural da
Neural da Pressão Arterial
Pres. Arterial
Cronofarmacologia
Responsável Vagas
Lab. Cronofarmacologia
Nathalia Estrella e
Pedro Brisola
Daniel Giura, Mateus
Cruz e Victor
Vásquez
Daniel Giura, Mateus
Cruz e Victor
Vásquez
2
4
2
2
Leonardo Assis e
Nathalia Moraes
3
Mariana Oliveira
2
Elisa Jordão
1
Faride e Adriana
3
Ricardo Zampieri e
Sandra Muxel
2
Débora Chadi
2
Regina Markus e
Zulma Ferreira
2
9
Resumos das aulas
10
Neurofisiologia celular
Marcelo Arruda
[email protected]
Laboratório da Ciência da Cognição
A aula retoma tópicos iniciais da neurofisiologia celular, buscando associar os
conceitos de forma lógica. O principal objetivo é conectar os conceitos de forma que
as propriedades elétricas dos neurônios não constituam uma barreira para o
entendimento, e sim uma ponte para compreensão de aspectos mais sofisticados do
sistema nervoso.
A separação de moléculas e íons com cargas elétricas entre o meio celular
interno e o meio externo produzem uma diferença de potencial elétrico e de
concentração entre o lado interno e externo da membrana celular. Essa separação de
cargas produz um potencial relativamente positivo no meio externo e, em
consequência, um potencial relativamente mais negativo no meio interno. Essa
diferença de potenciais é chamada potencial de membrana. Nas membranas estão
presentes os canais iônicos, permeáveis a íons específicos (como os de Na+ e K+).
A capacidade desses canais de permitir a passagem de íons entre o meio interno e
externo são determinantes sobre o comportamento do potencial de membrana dos
neurônios. Num determinado momento, a quantidade de canais abertos de pode ser
interpretada como proporcional à condutância da membrana àquele íon específico.
No meio externo à célula há mais Na+ e Cl-, enquanto internamente há mais
K+ e íons orgânicos. Uma célula em repouso tem poucos canais de Na+ que ficam
abertos (baixa condutância). Portanto, apesar do gradiente eletroquímico favorecendo
a entrada de Na+ na célula, pouco Na+ entra na célula em repouso. Por outro lado, a
célula em repouso tem alta condutância à K+ (muitos canais abertos em repouso).
Mas enquanto o gradiente químico direciona o K+ para dentro da célula, o elétrico o
direciona para fora. O resultado é uma força fraca movendo o K+ para fora. Com o
tempo, esses dois gradientes, tanto o de Na+ quanto o de K+, se dissipariam. Não
fosse pela ATPase que consome ATP para transportar Na+ para fora e K+ para dentro
da célula, ou seja, contra os gradientes existentes no repouso. Dessa forma, a
membrana em repouso não está em equilíbrio, mas em um estado estacionário de um
sistema dinâmico. Há um influxo contínuo passivo de Na+ e um efluxo de K+, que são
contrabalanceados pela ATPase que faz o contrário, hiperpolarizando a membrana
11
num potencial mais negativo do que seria alcançado simplesmente pela difusão
passiva de íons.
Distúrbios que provoquem a abertura dos canais de Na+ voltagem dependentes
fazem com que o influxo de Na+ supere o efluxo de K+, resultando num influxo de
carga positiva (despolarização). Quanto maior a despolarização, mais canais de Na+
dependentes de voltagem se abrem, formando um feedback positivo, desencadeando
o chamado potencial de ação. Há também canais de K+ voltagem dependentes. No
entanto eles se abrem a uma taxa muito menor, levando muito mais tempo, quase o
mesmo tempo que os canais de Na+ dependentes de voltagem levam para ficar
inativos. Antes de voltar a ficar ativo, um canal de Na+ inativo precisa voltar ao estado
de repouso (fechado), o que significa que a membrana necessita retornar ao seu
estado de repouso.
Tanto o potencial de ação quando o de repouso apresentados constituem um
modelo canônico de funcionamento do neurônio. Uma vez entendido o princípio de
funcionamento, fica mais simples compreender a propagação do sinal pelo axônio
como um potencial de ação que se desloca direcionalmente. Quando os canais
dependente de voltagem de um dado ponto se abrem, eles promovem uma alteração
do potencial (despolarização) local, que se espalha nas regiões adjacentes. No
entanto, nas regiões adjacentes anteriores, os canais de Na+ dependentes de
voltagem estão no seu período refretário absoluto, e antes de se tornarem ativos
novamente precisam necessariamente retornar ao seu estado inativo. Por outro lado,
os canais das regiões adjacentes posteriores não estão refratários, e em
consequência da despolarização, se abrem. Consequentemente, a despolarização
segue direcionalmente pelo axônio no sentido de suas terminações.
Da mesma forma, os potenciais formados nos dendritos de um neurônio por
conta da estimulação de um outro neurônio aferente (potencial excitatório pós
sináptico) são locais. A integração dos potenciais locais dos dendritos ocorre na zona
de integração do corpo celular, na base do axônio. Os potenciais locais do dendritos
se somam nessa região, e, se provocarem uma despolarização local supra limiar,
ocorre a despolarização ao longo do axônio, transmitindo adiante o sinal elétrico.
Portanto, o comportamento de um neurônio depende da integração dos estímulos que
esse neurônio recebe dos neurônios conectados à ele.
12
Os neurônios se conectam em vias de arquiteturas específicas, que podem
incluir vias seriais, paralelas e mistas, interagindo através de excitações e inibições,
de forma que essas vias sejam capazes de produzir controle sobre os sinais que são
por ela transmitidos. Com controle, pretende-se dizer que um dado sinal pode ser
alterado (ampliado ou reduzido), transmitido ou bloqueado. Através da capacidade de
controlar esses sinais, as vias os transmitem a outras vias específicas que também o
controlam e os integram, produzindo o que se configura uma capacidade de
processamento. Embora a capacidade de processamento seja uma característica
bastante sofisticada do sistema nervoso, ela tem origem direta nos mecanismos
básicos de funcionamento do neurônio, que é a base de compreensão funcional do
sistema nervoso, e da integração desses em redes.
Referências
KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSEL, T.M. Principles of neuroscience, 4rd
ed., McGraw-Hill, 2000.
13
Comunicação celular no sistema nervoso
A Sinapse Química
Amyres Carvalho Ribeiro
[email protected]
Laboratório de Neurociências e Comportamento
Introdução
Para coordenar as funções das células existem dois sistemas de controle. Um
deles o (1) o sistema endócrino é um grupamento de mensageiros químicos
transportados pelo sangue que atuam de forma relativamente lenta, enquanto o outro,
(2) o sistema nervoso, é um sistema de controle rápido. Juntos, regulam a maioria
das funções internas, organizam e controlam atividades que nós genericamente
denominamos de comportamento. (GUYTON; HALL, 2011; WIDMAIER; HERSHEL;
STRANG, 2013)⁠⁠
Estes 2 sistemas utilizam de diferentes tipos de comunicação para controlarem
o comportamento, bem como funções internas. Esses tipos são: (1) Endócrino,
basicamente envolve a liberação de hormônios na corrente sanguínea, atingindo todo
o organismo; (2) Parácrino, quando uma célula libera moléculas de comunicação no
líquido intersticial, com o objetivo de sinalizar células vizinhas; (3) Autócrino, quando
uma célula libera uma molécula de comunicação no líquido intersticial com o objetivo
de modificar sua própria função; (4) Efáptica (fig. 1), quando as células estão
próximas, ao ponto de suas membranas celulares praticamente se tocarem, criando
um espaço virtual, onde, alterações na atividade elétrica de uma membrana,
influenciam a outra; (5) Sinapses, este tipo de comunicação, divide-se em 2 tipos,
14
Sinapse Química e Elétrica. (GUYTON; HALL, 2011;KOEPPEN; STANTON, 2009;
WIDMAIER; HERSHEL; STRANG, 2013)
⁠
Fig. 1. Efáptica
A sinapse química será discutida com maiores detalhes a seguir. A sinapse
elétrica, é um tipo de comunicação celular, presente tanto no sistema nervoso, quanto
em outros sistemas, como músculo esquelético e sistema cardiovascular, por
exemplo. Neste tipo de sinapse, 2 ou mais células, agrupam-se por meio de junções
comunicantes (quando proteínas de membrana (no caso, conexinas ou panexinas) de
uma célula se unem com de outra e formam canais, com diâmetro que permite a
passagem iônica), possuindo como principal característica a velocidade de
comunicação, muito superior a da sinapse química, e a capacidade de conduzir
bidirecionalmente o potencial elétrico. (GUYTON; HALL, 2011; KOEPPEN;
STANTON, 2009; WIDMAIER; HERSHEL; STRANG, 2013)⁠
Porem, essa forma de sinapse, também apresenta seus pontos negativos, (1)
devido a condução bidirecional, potencias de ação podem se cancelar, devido ao
período refratário e (2) o máximo de plasticidade alcançado por este tipo de sinapse,
é, alterações no funcionamento de seus canais iônicos. Por fim, este tipo de
comunicação é muito utilizado no Sistema Nervoso, por neurônios que possuem a
15
necessidade de trabalhar em blocos.(GUYTON; HALL, 2011; KOEPPEN; STANTON,
2009; WIDMAIER; HERSHEL; STRANG, 2013)⁠
Sinapse Química
Definida como a junção anatomicamente especializada entre 2 neurônios, na
qual a atividade elétrica de 1 neurônio (pré-sináptico) influência a atividade elétrica ou
metabólica do segundo neurônio (pós-sináptico). Esta junção, possui os seguintes
componentes: (1) Botão pré-sináptico, (2) Botão pós-sináptico, (3) Fenda sináptica.
No botão pré-sináptico é encontrado as vesículas sinápticas e em seu interior os
neurotransmissores, que são responsáveis por influenciar a atividade elétrica ou
metabólica do neurônio pós-sináptico, é encontrado neste botão também, as proteínas
de ancoragem, que são responsáveis por promoverem a ligação entre vesícula
sináptica e a membrana do botão pré-sináptico. No botão pós-sináptico, encontra-se
os receptores de neurotransmissores. Por fim, tem-se a fenda sináptica, que realiza a
separação entre o botão pré e pós sináptico, fazendo com que assim, a sinalização,
aconteça em uma única direção; Fator importante, que permite ao sistema nervoso,
reconhecer sinais vindos da periferia do organismo, bem como sinalizar as devidas
alterações para a periferia.(KANDEL et al., 2014; WIDMAIER; HERSHEL; STRANG,
2013)⁠
A liberação de neurotransmissores na sinapse química, inicia-se com a geração
de um potencial de ação no terminal pré-sináptico, essa mudança do potencial elétrico
da membrana, permite a abertura de canais de cálcio voltagem dependente, que por
sua vez, aumenta a permeabilidade da membrana pré-sináptica ao íon cálcio. A
entrada de cálcio no terminal, promove modificação na proteína sinaptotagmina que
por sua vez, faz com que, a vesícula sináptica mova-se para o fim do terminal, onde,
proteínas “SNARE” (do inglês, Laço) fixam a vesícula a membrana do terminal,
promovendo assim a exocitose do neurotransmissor na fenda sináptica. O
neurotransmissor, liga-se a receptores na membrana do terminal pós-sináptico
gerando um Potencial Excitatório Pós-Sináptico (PEPS) ou um Potencial Inibitório
Pós-Sináptico (PIPS), a geração de um PEPS ou PIPS é determinada por: (1)
Neurotransmissor e (2) receptor proteico presente na membrana do terminal pós-
16
sináptico. Se este receptor for por exemplo um canal iônico para o ânion cloreto, então
teremos um PIPS, se for um canal iônico para o cátion sódio, teremos um PEPS, se o
neurotransmissor for o Glutamato é bem provável que ocorra um PEPS, já que na
maioria das vezes este é um neurotransmissor excitatório, caso seja o GABA (Ácido
gama-aminobutírico), o efeito seria uma inibição, já que o mesmo atua sobre canais
de cloreto. Caso vários PEPS sejam gerados no terminal pós-sináptico, ocorre um
Potencial de Ação, se forem PIPS, teremos uma Hiperpolarização.(KANDEL et al.,
2014; WIDMAIER; HERSHEL; STRANG, 2013)⁠
Por fim, é necessário a realização da retirada do neurotransmissor da fenda
sináptica, existem diversos mecanismos pelos quais isto pode ocorrer, os mais
comuns são: (1) Metabolização Enzimática e (2) Recaptação por células da Glia e o
próprio terminal pré-sináptico.(KANDEL et al., 2014; WIDMAIER; HERSHEL;
STRANG, 2013)⁠
Plásticidade Sináptica
A principal característica da sinapse química e que faz dela, extremamente
importante, é sua alta capacidade plástica. Por meio da potenciação de longa duração,
as sinapses conseguem alterar sua morfologia e fisiologia, e dessa forma favorecer a
formação de memórias, que são funções meio do sistema nervoso, que por sua vez
auxiliam na formação, organização e execução de comportamentos (que é uma
função fim do sistema nervoso) auxiliam na formação, organização e execução de
comportamentos (que é uma função fim do sistema nervoso) (KANDEL et al., 2014)
Referências
GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. 2011.
KANDEL, E. et al. Princípios de Neurociências. 5. ed. 2014.
KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Fisiologia. 6. ed. 2009.
WIDMAIER, E. P.; HERSHEL, R.; STRANG, K. T. Fisiologia Humana: Os
Mecanismos das Funções Corporais. 12. ed. 2013.
17
Sistema Sensorial: Uma Abordagem Comparativa
Daniele Victoratti do Carmo
[email protected]
Laboratório da Ciência da Cognição
Todo organismo está captando o tempo todo informações do meio externo e
interno a ele. Estas informações podem ser por meio de fatores bióticos (os seres
vivos) e fatores abióticos (temperatura, umidade, vento, pH, salinidade, solo, chuva,
luz, gravidade, pressão, oxigênio, etc.). Portanto, para sobreviver, um organismo
necessita captar de forma precisa informações do meio externo e interno a ele
garantindo assim a manutenção da sua homeostase, e por fim, a sua sobrevivência.
A capacidade que um ser vivo tem de reagir a estímulos é chama de
irritabilidade. Esta propriedade é essencial e está presente tanto em organismos
unicelulares quanto pluricelulares.
Neste último, há o desafio de conduzir a
informação dentro do organismo em diferentes células, tecidos e sistemas. Certas
células se especializaram, intensificando a sua capacidade de reagir a um estímulo,
aumentando então, a rapidez de condução das informações.
Estas células são os neurônios que fazem conexões com células receptoras, ou
com outros neurônios formando um sistema nervoso especializado em receber
estímulos, processar as informações e enviar respostas aos órgãos efetores.
O neurônio tem a sua estrutura básica praticamente semelhante ao longo da
evolução dos metazoários: o neurônio de um celenterado é essencialmente
semelhante, em estrutura e função a uma célula nervosa humana. Ao longo da escala
zoológica o sistema nervoso foi gradativamente se tornando mais elaborado, mas este
grau de complexidade e alterações das estruturas dos neurônios não foi alcançado de
forma brusca: os neurônios se tornaram mais numerosos e houve um aumento de
suas interconexões.
A maioria das células é moderadamente sensível a muitas formas de energia:
mecânica, elétrica, radiação, química, etc, mas somente as células sensoriais ou
também chamadas células receptoras conseguem detectar um tipo específico de
energia e de transformá-la em alterações elétricas, ou seja, traduzir na linguagem de
potenciais de ação, que são os únicos dados passíveis de serem transmitidos aos
centros integradores superiores.
18
As células receptoras podem ser encontradas de forma isolada ou se organizar
em tecidos que formam os órgãos sensoriais. O agrupamento das células em órgãos
sensoriais permitiu a captação dos estímulos de modo mais preciso do que poderia
ser realizado por células receptoras isoladas.
Estas células receptoras estão divididas em três grupos: o primeiro são os
exteroceptores que captam estímulos do meio externo, fornecendo informações ao
animal gerando ajustes comportamentais. O segundo grupo é chamado de
interoceptores que respondem a sinais no meio interno ao animal e comunicam as
informações ao cérebro por vias que normalmente não estão ao nosso nível de
consciência: como a pressão osmótica nas células, temperatura, o pH, composição
sanguínea, entre outras, isso nos permite sentir fome, sede, náuseas etc. O último
grupo pertence aos proprioceptores que monitoram a posição dos músculos e
articulações, tendões e órgãos internos do corpo. A função dessas células receptoras
é de informar ao sistema nervoso central sobre a posição, movimento do corpo e o
grau de estiramento ou força de contração.
Nesta aula vamos abordar com mais detalhes somente com as células
receptoras que captam estímulos externos, ou seja, os exteroceptores, que são
fundamentais para a sobrevivência do organismo em
seu meio, fornecendo
informações sobre alimento, temperatura, predadores, identificação de fêmeas,
machos ou indivíduos do mesmo grupo, etc.
Uma classificação mais tradicional (Aristóteles) destas células receptoras as
agrupa em 5 sentidos: audição, olfato, paladar, tato e visão. Mas o que são os
sentidos?
Um sentido é um sistema que consiste em um grupo de um tipo de células
sensoriais que responde a um fenômeno físico específico, e que corresponde a um
determinado grupo de regiões do cérebro onde os sinais são recebidos e
interpretados.
Discussões
sobre
o
número
de
sentidos
que
os seres
humanos possuem tipicamente surgem da classificação dos vários tipos de células e
as regiões do cérebro correspondentes. É bastante interessante entender como são
feitas estas classificações e em aula vamos ver alguns exemplos.
Quando olhamos para a diversidade de animais que encontramos na natureza
podemos concluir que a lista de estímulos aos quais os animais respondem é muito
extensa que a lista feita inicialmente por Aristóteles. Nesta aula eu convido vocês a
19
um novo olhar para o sistema sensorial e para isso precisaremos deixar de lado a
tradicional classificação dos cinco sentidos.
Então como vamos resolver o problema de classificação das células sensoriais?
Uma classificação mais apropriada seria baseada no tipo de energia ao qual os
receptores são sensíveis:
1- Quimiorreceptores: são sensíveis a estímulos químicos, como por exemplo,
as células receptoras da gustação e olfação;
2- Fotorreceptores: são sensíveis a energia luminosa, como por exemplo, as
células receptoras da retina;
3- Mecanorreceptores: respondem a estímulos mecânicos, detectando
deformações mecânicas, receptores de som, equilíbrio, movimento, pressão, tensão
e contato;
4- Termorreceptores: são sensíveis a variações de temperatura, como as células
receptoras de calor, frio e radiação infravermelha.
5- Eletrorreceptores: são sensíveis a campos elétricos.
6- Etc...
Nesta aula vamos falar das principais células receptoras que são capazes de
captar os estímulos externos ao organismo, com uma abordagem comparativa, ou
seja, vamos olhar para os invertebrados e vertebrados.
Para finalizar, é importante considerar que uma descrição fisiológica sensorial
deve incluir dois aspectos: (1) as propriedades da célula receptora, que a permitem
receber informações do ambiente, (2) deve-se considerar a forma como o sistema
nervoso processa as informações das células sensoriais para produzir sensações
reconhecíveis. E para concluir, não podemos esquecer que quaisquer distorções
produzidas pelas células sensoriais ou pelo posterior processamento destas
informações no sistema nervoso central nos farão achar que esta característica é do
próprio estímulo, ao passo que na verdade está relacionada à nossa percepção e não
ao estímulo. E é com esta informação em mente que devemos caminhar para a aula
de percepção.
20
Referências:
AGOSTA, W. C. Chemical communication: the language of pheromones.
Macmillan, 1992.
ARISTOTELES. De anima. Clarendon Press, 1961.
BEAR, M.F., CONNORS, B.W. & PARADISO, M.A. Neurociências – Desvendando
o Sistema Nervoso. Porto Alegre 2ª ed, Artmed Editora, 2002.
CASTRO, Fabiano S.; LANDEIRA-FERNANDEZ, J. Soul, body and the ancient greek
civilization: the first observations of brain functioning and mental activities. Psicologia:
Reflexão e Crítica, v. 24, n. 4, p. 798-809, 2011.
CHOWN, Steven L.; NICOLSON, Sue. Insect physiological ecology: mechanisms
and patterns. Oxford University Press, 2004.
ECKERT, R. et al. Fisiologia animal : mecanismos e adaptações. 4 Eds. Madrid :
McGraw Hill-Interamericana, 2002.
KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Principios de neurociencia.
4a Eds. Madrid : McGraw-Hill Interamericana, 2001.
LENT, Roberto. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de
Neurociência-2ª edição. Brasil: Editora Atheneu, 2001.
MOYES, Christopher D.; SCHULTE, Patricia M. Principios de fisiología animal.
Artmed Editora, 2009.
ROMERO, S. M. B. Fundamentos de neurofisiologia comparada. 1 Eds. Ribeirão
Preto: Holos, 2000.
21
Genética e Comportamento Instintivo
Victor Daniel Vasquez Matsuda
[email protected]
Laboratório de Neurociências e Comportamento
Muitos animais nascem com habilidades para realizar tarefas complexas: As
aranhas de jardim tecem teias intrincadas logo depois que elas eclodem, as aves
criadas em isolamento têm a capacidade de construir elaborados ninhos, os esquilos
criados em cativeiro distinguem facilmente bolotas de espécies estreitamente
relacionadas ao carvalho armazenando-as seletivamente. De fato, animais ingênuos
exibem uma ampla gama de comportamentos espécie-específicos, incluindo a
construção do ninho, agressão territorial, migração, predação e evasão de
predadores. Esses comportamentos, essenciais para a sobrevivência dos indivíduos
e da propagação da espécie, são programados em um animal a nível genético e são
denominados inatos ou instintivos.
O conceito de comportamento e o papel do instinto nele têm sido um dos grandes
debates nas ciências biológicas desde seus inicios. Atualmente, o instinto é entendido
como a parte inata do comportamento que emerge sem nenhum treinamento ou
aprendizagem. É o impulso interior que faz o animal executar inconscientemente atos
adequados às necessidades de sobrevivência própria, da sua espécie ou da sua prole.
Sendo o comportamento uma propriedade intrínseca dos seres vivos, é possível
dizer que, como qualquer outra característica biológica, o comportamento evolui. A
Evolução é a base do pensamento biológico em todos os campos, constituindo o
caminho ideal para a compreensão da conduta animal. De fato, sem esses princípios,
a biologia viraria uma coleção de acontecimentos isolados sobre o mundo vivo bem
como uma coleção de bichos bonitos o suficiente para olhar, mas não particularmente
coerentes e, certamente, sem nenhuma explicação racional ou direção aparente.
Mas, será que é possível explicar a origem dos instintos desde a perspectiva da
evolução? Em 1859 o próprio Charles Darwin argumentou no seu livro “A origem das
espécies” que a seleção natural representava um avanço significativo na
compreensão da conduta instintiva. Mesmo assim, ele reconheceu que a explicação
deste fenómeno não é uma tarefa fácil e sim um amplo desafio, sendo considerada
22
uma das quatro maiores dificuldades que a teoria da evolução encerra para seu
esclarecimento.
Fica clara então a importância de compreender qual é o equilíbrio entre a
genética (instinto ou natureza) e a aprendizagem (educação) na formação do
comportamento. Uma visão extrema disto sugere que todo comportamento animal
(incluindo humanos) é instintivo, deixando pouco espaço para a aprendizagem. No
outro extremo, alguns cientistas argumentam que o comportamento é, de fato, plástico
ou modificável, fornecendo assim uma grande gama de possibilidades. Deste modo,
as experiências individuais dos indivíduos teriam a capacidade de determinar o
comportamento deles ao longo da vida. E você, o que acha? Atualmente, a maioria
dos investigadores sugere que, no mundo animal, o comportamento pode ser
imaginado como um balance entre a aprendizagem e o instinto. Dependendo do
comportamento e, em alguns casos, do indivíduo, a explicação pode (raramente)
envolver um dos extremos, ou (mais provavelmente) uma variedade infinita de
localizações intermédias ao longo desse equilíbrio.
Existem muitos exemplos de comportamentos instintivos na natureza que podem
ser observados facilmente. Um patinho seguindo a sua mãe por um jardim ou em uma
lagoa, um castor construindo uma represa, um rato recém-nascido que segue uma
trilha de odor ate o mamilo da mãe e começa a chupar, ou ate um jovem amante que
fica raivoso com a visão da sua namorada falando com outro rapaz são claros
exemplos de comportamento instintivo. E qual é a relação deles com a genética? O
estudo da filogenia tenta responder esta pergunta comparando famílias, subespécies
e espécies, olhando se as diferenças nesses níveis podem ajudar a indicar até que
ponto os genes influenciam o comportamento.
As linhagens, às vezes chamadas de subespécies, podem ser produzidas
naturalmente ou por meio de seleção artificial. Quando a subespécie é formada
naturalmente, é possível realizar uma comparação com outras subespécies para
determinar se diferem comportamentalmente. Se for assim, há a possibilidade de
influência genética sobre o comportamento. No caso da seleção artificial, os animais
são criados para produzir estirpes com características diferentes, incluindo o
comportamento; Neste caso as comparações entre estirpes são também importante
fonte de informação para o estudo da genética comportamental.
23
Uma vez que o fenótipo comportamental do animal é determinado por uma
combinação de fatores ambientais e genéticos, os cientistas podem estimar as
influências genéticas, eliminando a variação ambiental na vida do animal; se
conseguirem fazê-lo com sucesso, então quaisquer diferenças observáveis podem ser
atribuídas à genética. Por exemplo, a construção de um cladograma, ou filogenia,
permite aos investigadores acompanhar as mudanças nos padrões de comportamento
no tempo evolutivo e identificar inovações comportamentais chave.
Finalmente, complexos comportamentos podem acontecer na natureza sem a
necessidade de envolver o fenômeno da aprendizagem. Estes desempenhos inatos,
essenciais para a sobrevivência do indivíduo e da propagação da espécie, são
determinados geneticamente. A codificação genética deles pode surgir como
resultado de uma modulação no desenvolvimento do cérebro o das funções cognitivas
envolvidas. Futuros estudos de redes genéticas e circuitos neurais irão fornecer mais
luz sobre a codificação genética e neural dos comportamentos inatos.
Bibliografia

Steele MA, Manierre S, Genna T, Contreras TA, et al. 2006. The innate basis
of food-hoarding decisions in grey squirrels: evidencefor behavioural
adaptations to the oaks. AnimBehav 71: 155–60.
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Weiner J. 2000. Time, Love, Memory: A Great Biologist and His Quest for the
Origins of Behavior. New York: Vintage.
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Manoli DS, Meissner GW, Baker BS. 2006. Blueprints for behavior: genetic
specification of neural circuitry for innate behaviors. Trends Neurosci 29: 444–
51.
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Blumberg MS. 2005. Basic Instinct: The genesis of behavior.

Yasukawa K. 2014. Animal behavior: How and why animals do the things they
do.

Boake, C.R.B., Arnold, S.J., Breden, F., Meffert, L.M., Ritchie, M.G., Taylor,
B.J., et al., 2002. Genetic tools for studying adaptation and the evolution of
behavior. Am. Nat. 160 (Suppl. S), S143–S159.
24
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Lehrman, D.S., 1953. A critique of Konrad Lorenz’s theory of instinctive
behavior. Q. Rev. Biol. 28, 337–363.

Breed MD, J Moore. 2016. Animal Behavior. Chapter 3: Genetic Behavior

Spink A. 2010. Information Behavior: An evolutionary Instinct.
25
Fisiologia do comportamento
Pedro Brisola Constantino
[email protected]
Laboratório da Ciência da Cognição
A fisiologia é o ramo da biologia que estuda os processos físicos, bioquímicos e
mecânicos que ocorrem em um individuo. Historicamente a fisiologia dividiu o organismo em
várias partes e focou-se no estudo dessas partes. Didaticamente, a fisiologia é ensinada
dividindo-se os diversos sistemas. Entretanto, o organismo é o funcionamento sinergético de
todos os sistemas se ajustando e regulando de acordo com estímulos ambientais e internos.
O comportamento animal, muito bem estudado do ponto de vista ecológico e evolutivo,
tende a ser subestimado do ponto de vista fisiológico. Entretanto, todo comportamento animal
é deflagrado por estímulos que ativam mecanismos fisiológicos subjacentes. Entender as vias
fisiológicas de um comportamento e como ela se relaciona com o ambiente no qual o animal
vive é uma temática de estudo promissora.
Um exemplo de comportamento bem estudado do ponto de vista fisiológico é o reflexo
de retração branquial em Aplysia. Este molusco gastrópode não possui concha e, portanto,
pode-se dizer que não é tão protegido contra predadores como seus parentes com concha.
Este animal ao ser tocado exibe o comportamento de retrair as brânquias para a cavidade do
manto: Um comportamento simples de defesa. Eric R. Kandel, descreveu que esse
comportamento está associado a uma rede neural muito simples, composta por: um receptor
tátil, um neurônio aferente, que faz sinapse diretamente com um neurônio eferente motor. Ou
seja, assim que o receptor tátil é acionado, a informação é diretamente passada ao neurônio
motor que contraí o musculo associado à retração das brânquias. Note que a resposta ao
estímulo é simples (retraí ou não). Estudos com esse modelo animal garantiram a Kandel o
prêmio Nobel de medicina e fisiologia.
Apesar de ser um comportamento relevante, o reflexo de retração branquial em Aplysia
é extremamente simples. Porém, a grande maioria dos comportamentos é complexa e não
está associada a um simples arco-reflexo. Entretanto, é possível explicar muitos
comportamentos com o aumento de uma rede neural associada ao arco-reflexo. Redes
neurais maiores permitem modulações de respostas simples de sim ou não. Ao aumentar e
integrar uma rede neural é possível o aumento da entrada de informações no sistema, com
mais vias aferentes associadas a mais sistemas sensoriais; a modulação de respostas de sim
ou não com o aumento de interneurônios; e aumentar a complexidade e a quantidade de
informações que saem do sistema com o aumento de vias eferentes. O hipocampo humano,
área coordenadora de diversos comportamentos e processos fisiológicos é um exemplo de
rede neural complexa que integra informação de várias fontes e emite informações para vários
26
efetores, também. Não obstante, o comportamento humano é tão complexo e diverso, já que
nosso sistema nervoso é uma rede neural gigantesca e extremamente complexa, que ainda
não foi completamente compreendida.
Se a maioria dos comportamentos está associada a uma rede complexa de difícil
compreensão, como estuda-los? Etologistas assumem que comportamentos, para serem
estudados devem apresentar algumas características, como: ser complexo, ser resposta a um
estímulo-chave, ser instintivo e comum a todos os membros da espécie. Baseado nesta
definição é possível afirmar que comportamentos possuem base genética, já que ser instintivo
e comum a todos os membros da espécie sugere herdabilidade.
Logo, comportamento pode ser estudado do ponto de vista genético. Por exemplo,
existem comportamentos que são associados a um gene, como o forrageamento em abelhas
Apis: dependendo da ativação ou não do gene FOR, a abelha operária irá forragear ou
permanecerá na colmeia para ser alimentada por outras abelhas. Apesar de o mecanismo de
ação desse gene no comportamento não estar bem esclarecido, a associação é clara.
Compreender o mecanismo pelo qual um gene influencia um comportamento é um trabalho
árduo, porém possível. Um exemplo, onde o mecanismo de ação do gene em um
comportamento está bem descrito, é a formação de ninhos em formigas Solenopsis; neste
caso um gene está associado a uma proteína presente na cutícula do inseto, que está
associado a aceitação de mais de uma rainha na colônia. Porém, comportamentos geralmente
estão associados a múltiplas vias fisiológicas e genéticas, como o comportamento de
socialização em ratos, que depende da percepção de feromônios e de vias fisiológicas de
hormônios sexuais; qualquer falha nesta cadeia de etapas impede a deflagração do
comportamento.
Sistema nervoso, sistema endócrino, sistema osmorregulatório, sistema sensorial,
sistema imune... todas essas vias fisiológicas integram-se no organismo e culminam em um
comportamento observável, mensurável e passível de ser estudado.
27
Regulação fisiológica: conceitos e mecanismos da
homeostase
Aline Dal’Olio Gomes
[email protected]
Laboratório Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
A maioria dos organismos enfrenta variações ambientais ao longo de sua história
de vida. A temperatura, a disponibilidade de alimentos e o ambiente físico e químico
ao redor do animal podem mudar com a hora do dia, com a estação do ano ou com o
movimento do animal no ambiente. O equilíbrio das condições internas frente às
perturbações ambientais é chamado de homeostase.
A maioria das células dos animais multicelulares não tolera muita variação e
depende de uma constância do seu meio interno, principalmente do líquido
extracelular, para manter seu funcionamento. Na metade do século XIX, Claude
Bernard, um médico francês, desenvolveu o conceito de meio interno (milieu intérieur).
Durante seus estudos de medicina experimental, Claude Bernard observou a
estabilidade de várias funções fisiológicas, como a temperatura corpórea, a frequência
cardíaca e a pressão sanguínea. Segundo Bernard (1872), “A constância do meio
interno é a condição para uma vida livre e independente”, demonstrando que a
habilidade de um animal para sobreviver em ambientes frequentemente mutáveis e
estressantes diretamente reflete a sua habilidade em manter o ambiente interno
estável.
No início de 1900, Walter Cannon estendeu a noção de consistência interna
proposta por Bernard para organização e funcionamento das células, tecidos e
órgãos. Foi Cannon (1929), de fato, quem cunhou o termo homeostase. Cannon
explicou que escolheu o prefixo -homeo (significando similar), em lugar do prefixo –
homo (significando o mesmo), porque o meio interno é mantido dentro de uma faixa
de valores, ao invés de um valor exato fixo. Ele também salientou que o sufixo stasis,
neste caso, significa uma condição, não um estado que é estático e inalterável. Deste
modo, o termo homeostase proposto por Cannon é descrito como a manutenção de
um meio interno relativamente constante. Segundo Cannon, as variações da posição
média (set point) de uma variável regulada não alcançam níveis extremos, os quais
28
podem prejudicar a função das células ou ameaçar a existência de um organismo,
pois antes que esses extremos sejam alcançados uma série de respostas atua
trazendo a posição média da variável de volta ao seu estado “normal”.
Os animais ajustam essas respostas fisiológicas por meio de controles
antagonistas que podem ser locais ou sistêmicos. O controle local acontece no
próprio tecido ou célula através de uma resposta autócrina ou parácrina e o controle
sistêmico responde as mudanças que se estendem por todo o organismo (controle
reflexo). Em uma via reflexa, um centro integrador (Sistema Nervoso) localizado longe
da célula ou tecido afetado, recebe o estímulo, avalia e decide se envia ou não um
sinal químico ou elétrico para iniciar uma resposta. Neste caso, o controle se dá por
meio de alças de retroalimentação (feed back) negativa, sendo este o mecanismo
mais importante no controle da homeostase. Em uma alça de retroalimentação
negativa, a resposta gerada envia um sinal de volta ao estímulo que reduz a sua
intensidade estabilizando a variável modificada. Por exemplo, quando você come, a
comida que está sendo ingerida causa a distensão do estômago. A mudança no
volume estomacal e os primeiros produtos da digestão acionam uma alça de
retroalimentação negativa, agindo através do encéfalo para reduzir o apetite. Muitos
sistemas fisiológicos possuem um ponto de ajuste (set point), um estado fisiológico
preferencial mantido por alças de retroalimentação.
A homeostase e a regulação do meio interno são princípios fundamentais da
fisiologia e o seu conceito clássico (segundo Cannon, 1932) é essencial para entender
os ajustes fisiológicos. Contudo, o conceito de homeostase parece não incorporar
todos os processos fisiológicos envolvidos no ajuste das variáveis frente a diferentes
situações ambientais, de modo que ao longo do tempo muitos pesquisadores
contemporâneos apresentaram outros conceitos:
- Reostase (Mrosovsky, 1990): se refere a uma mudança no valor defendido (set
point) de uma variável fisiológica por um período de tempo. Essas alterações de set
point podem ser obrigatórias em certas fases do ciclo de vida do animal e, muitas
ocorrem independentemente das condições do ambiente. Neste caso, as
modificações ocorrem de forma lenta, previsível e são frequentemente cíclicas, sendo
chamadas de reostase programada (reprodução, gravidez, lactação, eventos de
migração, hibernação, etc). Por outro lado, alterações rápidas de set point
29
ocasionadas por mudanças inesperadas aos organismos são respostas de reostase
reativa (infecção por patógenos, disponibilidade de água e alimento reduzida,
obesidade e hipertensão, etc).
De modo geral, o conceito original da homeostase traz a ideia de que as variáveis
fisiológicas são mantidas em valores relativamente constantes, mesmo que o
ambiente mude. Segundo a reformulação proposta por Mrosovsky, na reostase os
organismos podem ter seus valores defendidos reprogramados, frente a mudanças
previsíveis ou imprevisíveis do ambiente externo ou interno, como uma forma de
preparação
fisiológica
a
esses desafios
(reostase
programada
e
reativa,
respectivamente).
- Alostase (Schulkin, 2003; Sterling, 2004): é o processo pelo qual um organismo
alcança a estabilidade através de alterações. Quando ocorrem desafios impostos pelo
ambiente, de maneira inesperada ou contínua, ultrapassando limites de intensidade,
previsibilidade e duração, são ativados os sistemas regulatórios que passam a regular
a homeostase em níveis mais elevados de demandas. A ativação dos sistemas
alostáticos gera um custo energético ao organismo, denominado de carga alostática
que, quando em excesso, pode desencadear patologias físicas e transtornos mentais
no indivíduo, situação esta conhecida como sobrecarga alostática (McEwen &
Wingfield 2003).
Observa-se, portanto, que o conceito de alostase amplia e adequa o conceito de
homeostase aos conhecimentos recentes da fisiologia, levando a uma nova visão
também sobre a resposta ao estresse. Enquanto que o conceito clássico de
homeostase prevê o funcionamento do organismo em condições
basais,
independentemente da demanda a qual o organismo está sujeito. Os mecanismos
envolvidos com a resposta alostática envolvem o controle da resposta ao estresse.
Deste modo, entender e prever como os organismos respondem às mudanças
ambientais é um desafio constante, principalmente frente às alterações nos
ecossistemas e a crescente ameaça dos impactos antrópicos. O objeto da presente
aula é apresentar o modelo teórico de regulação fisiológica e alguns pontos referentes
às respostas desencadeadas pelos organismos no ambiente durante o processo de
reprodução frente à eventos imprevisíveis do ambiente. Dentro disso, serão
30
apresentados trabalhos científicos atuais desenvolvidos no Departamento de
Fisiologia do Instituto de Biociências que ilustram esse contexto e apresentam o
modelo teórico da homeostase como plano de fundo.
Bibliografia
Cannon, W.B. (1929). Organization for physiological homeostasis. Physiological
Reviews,
9(3):
399-403.
Recuperado
de
http://physrev.physiology.org/content/physrev/9/3/399.full.pdf
McEwen, B.S. & Wingfield, J.C. (2003). The concept of allostasis in biology and
biomedicine. Hormones and Behavior, 4(1): 2-15.
Moyes, C.D. & Schulte, P.M. (2010). Princípios de Fisiologia Animal. 2° edição,
Artmed, Porto Alegre.
Mrozovsky, N. (1990). Rheostasis –Tthe physiology of change. Oxford University
Press, New York.
Randall, D.; Burggren, W. & French, K. (2011). Fisiologia Animal – Mecanismos e
Adaptações. 4° edição, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro.
Schulkin, J. (2003). Allostasis: A neural behavioral perspective. Hormones and
Behavior, 43(1): 21-27.
Silverthorn, D.U. (2010). Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5° edição,
Artmed, Porto Alegre.
Sousa, M.B.C.; Silva, H.P.A. & Galvão-Coelho, N.L. (2015). Resposta ao estresse: I.
Homeostase e teoria da alostase. Estudos de Psiologia, 20(1): 2-11.
Sterling, P. (2004). Principles of allostasis: optimal desing, Predictive regulation,
pathophisiology, and rational therapeutics. In: Schulkin, J. (ed.). Allostais, homeostasis
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Sterling, P. (2012). Allostasis: a model of predictive regulation. Physiology & Behavior,
106: 5-15.
Wingfield, J.C. (2004). Allostatic load and life cycles: implications for neuroendocrine
mechanisms. In: Schulkin, J. (ed.). Allostais, homeostasis and the costs of
physiological adaptation. Cambridge University Press. Pp. 302-342.
31
Taxa Metabólica e Alometria
Mestre: Carlos Eduardo Tolussi
[email protected]
Laboratório Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
Antes de abordar os temas é necessário conceituar alguns parâmetros.
Metabolismo - o conjunto de transformações das moléculas orgânicas
catalisadas por enzimas nas células vivas.
Taxa Metabólica - a taxa metabólica refere-se ao metabolismo de energia por
unidade de tempo.
Taxa Metabólica Basal (TMB) - consiste na menor taxa metabólica, ou mínimo
de energia que o organismo necessita para viver.
Taxa metabólica Padrão (TMP) Metabolismo do animal em repouso em jejum
em certa temperatura corporal.
Historicamente os estudos de taxa metabólica desenvolvidos por Lavoiser
utilizaram porcos da guiné, ratos e pardais como animais modelos. Esses dados são
diretamente relacionados com a produção de calor (calor definido como transferência
de energia por meio deferentes temperaturas), medido em jaules, perdida para o
ambiente, teste esse chamado de calorimetria direta. O metabolismo dos animais é
comumente medido por meio da calorimetria direta, mas de forma mais sofisticada do
que a proposta por Lavoiser. Além deste teste, existem outras formas de se calcular
a taxa metabólica dos animais, como por exemplo, o metabolismo de glicose para
dióxido de carbono e água, a taxa de consumo de oxigênio (VO 2) ou produção de
dióxido de carbono (VCO2). Essas duas últimas medidas não são diretamente
equivalentes à transferência de energia pro meio do calor, sendo então denominadas
de calorimetria indireta.
Em uma calorimetria indireta, a medida da taxa metabólica está baseada no
conceito da primeira lei da termodinâmica (Um sistema não pode criar ou consumir
energia, mas apenas armazená-la ou transferi-la ao meio onde se encontra, como
trabalho, ou ambas as situações simultaneamente, então, ao receber uma
quantidade de calor, esta poderá realizar um trabalho e aumentar a energia interna do
sistema) e a bomba de calorimetria. Outro principio importante é a lei de somas de
32
Hess, em que o valor total de energia liberada em uma reação química deve se a
mesma ao número de passos intermediários, por exemplo, a combustão da glicose
em uma bomba calorimétrica para CO2 e H2O libera a mesma quantidade de energia
de glicose para um mesmo produto, utilizando alguma outra rota de alteração, como
a conversão através um monóxido de carbono intermediário ou por múltiplos passos
do metabolismo celular.
Outro ponto importante no metabolismo é o orçamento energético que é o
balanço de todas as fontes de uso de ganho, estoque e perda energética. Essas fontes
incluem o alimento e água. A energia é perdida por meio das fezes e urina, já se
armazenamento tor tecidos de crescimento ou seja, a produção. A Produção é
geralmente positiva, mas pode ser negativa se o animal metaboliza o tecido. Nesta
aula o tópico discutido será o armazenamento de energia.
Quando o gasto de energia é menor que o consumo de alimento, nos animais, o
excesso de energia é armazenado em forma de gordura independente do tipo de
alimento ingerido. Isso ocorre porque a gordura gera mais que o dobro de energia que
o carboidrato, mas ocorrem algumas exceções em animais que armazenam em foram
de glicogênio. Para esses organismos, que não se movem como as ostras e marisco,
o peso não tem uma grande consequência.
O glicogênio é provavelmente uma substância de reserva mais adequada que a
gordura, pois podem ser utilizados na presença de pouco ou nenhum oxigênio, mas
devido ao seu conteúdo baixo de energia de seu carboidrato comparado com o da
gordura, e também por sua característica hidrossolúvel seu armazenamento causaria
um enorme ganho de peso no organismo. Sendo assim, os animais que se movem,
como aves migradoras, que podem carregar de 40 a 50% do seu peso corpóreo em
gordura (molécula hidrofóbica) não conseguiriam migrar caso armazenassem
glicogênio.
O tamanho corpóreo é um dos fatores que alteram a taxa metabólica dos
organismos. Um elefante é maior que um rato e sua taxa metabólica é maior, no
entanto se a comparação for feita por unidade de massa essa o resultado é diferente
que a comparação. Uma clássica análise para mamíferos e aves realizada por Kleiber
mostrou que a relação entre a taxa metabólica e a massa corpórea não é linear. A
taxa metabólica de animas de tamanho corpóreo mais elevado foi consideravelmente
menor que os dos animais menores. No calculo porque o estudo não deve levar em
33
conta apenas a unidade de massa absoluta e a unidade de massa especifica, mas
também a unidade de massa independente. Essa última gera resultados de taxa
metabólica independente da massa corpórea auxiliando nos cálculos comparativos.
As diferenças da taxa metabólica em relação ao tamanho gera consequências
ao custo energético, estudos sobre as consequências da mudança do tamanho ou
escala é um aspecto importante. Em fisiologia a escala é definida como as
consequências estruturais e funcionais de uma mudança no tamanho entre animais
organizados de modo distintos. Um exemplo é o coração de um cavalo pesa mais que
de um rato, mas o peso deste órgão no peso corpóreo é de 0,6%. Tal dados em união
com outros exemplos, que serão apresentados em aula permitiram concluir que o
problema de escala dos animais, seus órgãos e suas funções fisiológicas, nem sempre
é uma função simples do tamanho corpóreo e que considerações mais complexas
entram no que é necessário para formar um organismo integrado e que funcione bem.
Além dos assuntos discutidos acima, será apresentados exemplos de trabalhos
relacionados ao tema desenvolvidos no departamento de fisiologia.
Referência Bibliográficas
Knut Schmidt-Nielsen, 2002. Fisiologia Animal – Adaptação e Meio Ambiente. Livaria
Santos (Ed.) São Paulo, 169 – 200.
Philip C. Withers, 1992. Comparative Animal Physiology. Kangarro. United States of
America. 82 – 93.
34
Ingrid ElDash
[email protected]
Laboratório de Energética e Fisiologia Teórica
Se você está lendo esse texto antes de assistir minha apresentação ficará
surpresx ao descobrir que os conteúdos aqui abordados representam apenas cerca
de 30% do que pretendo falar e que eles não estão, na verdade, nada resumidos,
como fui instruída a colocá-los. Se você está lendo isso após a aula, e veio procurar
alguma informação específica sobre sistema muscular, exercício físico ou energética,
sugiro que olhe as 2 últimas referências - ambos os autores certamente farão um
trabalho melhor do que eu em fornecer uma explicação. Contudo, você está
interessadx em padrões de locomoção ou passadas, acredito que terá muito mais
dificuldade em encontrar o que procura - o assunto é pouco abordado nos principais
livros-texto e pesquisar em artigos pode ser consideravelmente difícil, principalmente
se você não sabe exatamente o que procura e se não está acostumadx com a
literatura da área. Dessa forma, considerei que seria mais útil dedicar meu resumo a
essa parte e fornecer, para aquelxs que se interessam pelo tema, um ponto de partida
a partir do qual será mais fácil de começar as pesquisas (ou assim espero).
Padrões de Locomoção, Custo Energético e Tamanho
Corpóreo
Correr ou andar?
Em dos trabalhos mais clássicos sobre locomoção e gasto energético em
quadrúpedes, Hoyt e Taylor (1981) demostraram que o padrão de locomoção marcha, trote ou galope - adotado espontaneamente por cavalos para quaisquer
velocidades é aquele que minimiza o custo energético associado ao deslocamento
(Fig. 1). Nessa condição, em que o animal é livre para escolher como se locomover,
o gasto energético por unidade de distância independe da velocidade - se forçado a
manter um padrão em velocidades progressivamente acima ou abaixo daquela que
escolheria naturalmente, o gasto por unidade de distância torna-se cada vez maior.
O mesmo padrão pode ser observado em humanos. Diferentemente dos cavalos,
nós apresentamos somente dois padrões de locomoção, caminhada, para velocidades
35
mais baixas, e corrida, utilizada preferencialmente em velocidades mais altas e
caracterizada por uma fase de salto, na qual ambos os pés se encontram fora do chão
(o que nós, informalmente, chamamos de trote está mais relacionado à percepção de
esforço do que a uma forma de locomoção).
Figura 1. Gasto energético por velocidade para um cavalo durante a marcha,
trote e galope. Note que a para a velocidade preferencial (na qual há maior número
de observações) é aquela em que o consumo de oxigênio por unidade de distância é
mínimo.
O fato de o padrão preferencial de locomoção depender da velocidade implica
na existência de velocidades de transição, nas quais ocorre mudança do padrão
adotado. Em humanos, essa velocidade de transição, em que correr passa a ser
menos custoso do que andar é algo em torno de 8km/h. Já os quadrúpedes,
apresentam duas velocidades de transição, de marcha para trote e de trote para
galope.
Intuitivamente, sabemos que quaisquer medidas de velocidade adotadas por
animais estão atreladas ao tamanho corpóreo: um camundongo de 30g é certamente
mais lento e dá passos menores que um dos cavalos de Hoyt e Taylor, de 150kg,
independentemente do padrão de locomoção. Contudo, o fato de ambos
apresentarem velocidades preferenciais e velocidades de transição permitem que
comparações sejam feitas entre animais de tamanhos muito distintos.
36
Como ir mais rápido?
A velocidade é produto da frequência (número de passos por unidade de
tempo) pelo comprimento da passada. Assim, alterações dessas variáveis resultam
em variações da velocidade.
A estratégia adotada por quadrúpedes para aumentar (ou diminuir) a
velocidade depende do padrão de locomoção: dentro da faixa de velocidades de
trote, alterações de velocidade são obtidas por variação da frequência de passada
em detrimento do comprimento; enquanto que, para as velocidades de galope,
dobrar a velocidade esta associado a um aumento de somente 10% da frequência
(Fig. 2). Esse padrão independe do tamanho corpóreo (a figura mostra os dados de
um bode de 20kg), ou seja, animais de diferentes massas corpóreas utilizam as
mesmas estratégias para variar a velocidades de trote e galope.
Figura 2. Relação entre frequência de passada e velocidade para um bode
de 20kg cuja velocidade de transição de trote para galope é ~2.9m/s. Para as
velocidades na faixa de trote, alterações da velocidade são obtidas por aumento da
frequência enquanto que durante o galope, o aumento da velocidade se dá
principalmente por aumento no comprimento da passada.
Por outro lado, quando olhamos para a frequência de passada nas
velocidades equivalentes, vemos que ela é proporcional à massa corpórea elevada
a um expoente de -0.130 para a velocidade preferencial de trote e de -0.156 para a
velocidade preferencial de galope. Dessa forma, nas suas velocidades
equivalentes, um camundongo de 30g da cerca de 3.7-4.8 vezes mais passos que
um cavalo de 680kg.
37
Custo energético associado à locomoção
O gasto energético associado à contração muscular, que, em última instancia,
é responsável pela locomoção, é decorrente de um custo de ativação
(principalmente, transporte de íons Ca++ pelo retículo sarcoplasmático) e custo
associado à geração de força (ciclagem das pontes cruzadas).
A força desenvolvida por unidade de massa muscular é constante para
animais de diferentes tamanhos corpóreos, ou seja, 1g de músculo de um
camundongo gera a mesma força ao se contrair que 1g de músculo de cavalo. Além
disso, a força aplicada no chão pelos membros durante a locomoção, por grama de
animal, também independe da massa corpórea. Dessa forma, espera-se que o
volume relativo de músculo mobilizado para a locomoção seja o mesmo para todos
os animais - de fato, os músculos representam algo entre 40 e 45% da massa
corpórea de todos os animais.
Posto isso, o custo de geração de força por passo por unidade de massa é
constante para animais de tamanhos diferentes (evidentemente, o custo total é
maior em animais grandes do que nos pequenos) e, portanto, uma função do
número de vezes com que o músculo é ativado. Por fim, uma vez que cada passo
implica em um ciclo de ativação e relaxamento de um conjunto de músculos, temos
que o consumo energético por unidade de massa associado à locomoção é
proporcional à frequência de passada.
Como você deve ter percebido, isso, associado ao fato de que animais
pequenos utilizam frequências mais altas do que animais grandes para manter
velocidades equivalentes, tem como consequência o que, na realidade foi a
motivação por trás do trabalho que descrevi até então: para manter velocidades
equivalentes, animais pequenos utilizam até 6 vezes mais energia do que os
animais de maior massa corpórea.
Referências Bibliográficas
Danion, F.; Varraine, E.; Bonnard, M.; Pailhous, J. Stride variability in human gait: the
effect of stride frequency and stride length. Gait and Posture 18 (2003) 69/77.
Heglund, N. C. & Taylor, C. R. Speed, Stride Frequency and Energy Cost per Stride:
38
How Do They Change with Body Size and Gait? Journal od Experimental Biology 138
(1998) 301/18
Heiderscheit, B. C. Movement Variability As a Clinical Measure for Locomotion.
Journal of Applied Biomechanics 16 (2000) 419/27
Hoyt, D. F. & Taylor, R. C. Gait and Energétics of Locomotion in Horses. Nature 292
(1981) 239/40.
McArdle, W.; Katch, F. I.; Katch, V. L. Exercise Physiology: Energy, Nutrition and
Human Performance. 6a edição. Lippincott Willaims & Wilkins (2007).
Schmidt-Nielsen, K. Fisiologia Animal: Adaptação e Meio Ambiente. 5 a Edição. Livraria
Santos Editora (2002).
39
Frequência cardíaca: Aspectos básicos e variabilidade
Vivian ElDash
[email protected]
Laboratório de Energética e Fisiologia Teórica
Apesar do título, não tenho, de modo algum, a pretensão de contemplar o tema,
mas sim, de relembrar um pouco sobre frequência cardíaca e introduzir o conceito de
variabilidade cardíaca. Além disso, obviamente, montei a apresentação sob meu
próprio viés, de modo que foco principalmente em humanos, ainda que várias coisas
do que pretendo trazer se aplique também à outros animais.
Aspectos Básicos da Frequência Cardíaca:
Uma Visão Geral...Componentes do Sistema e Músculo Cardíaco. Uma das
muitas formas possíveis de olharmos o sistema cardiovascular é como um circuito
elétrico. O coração atua como fonte de tensão (pilha/bateria/etc.), introduzindo energia
no sistema sob a forma de pressão). Esta pressão, por sua vez é mantida devido à
resistência periférica, cujo principal componente se dá ao nível das arteríolas (e não
dos capilares). A energia é dissipada ao longo do sistema, de modo que se observa
uma diferença de pressão entre os ramos arterial e venoso, tanto na circulação
sistêmica como pulmonar. Essa diferença de pressão promove, por sua vez, fluxo
sanguíneo.
Geração e Condução do Impulso Elétrico no Miocárdio. Agora, tendo em vista o
papel do coração como responsável por introduzir pressão do sistema circulatório,
vamos abordar como isso é possível. O coração de mamíferos é composto
basicamente pelo sistema de geração e condução do impulso elétrico e por células
contráteis (cardiomiócitos).
Todos os componentes do sistema de geração e condução do impulso elétrico
apresentam capacidade intrínseca de autodespolarização da membrana. Em
humanos saudáveis, o impulso elétrico é iniciado no nó sinoatrial (nó ), e percorre as
vias intermodais, localizadas nos átrios, chegando ao nó atrioventricular (nó AV), onde
sofre um pequeno atraso. A partir do nó AV, o impulso segue para os ventrículos pelo
40
feixe atrioventricular e feixe de His, dividindo-se entre os ramos esquerdo e direito e
finalmente alcançando as fibras de Purkinje.
O que faz com que, dentre todos os elementos com capacidade de
autodespolarização, o SA seja aquele responsável por “ditar” a frequência cardíaca?
A resposta é, simplesmente, “porque ele começa primeiro”. Dentre os elementos que
compõe o sistema de condução, o nó SA é aquele que apresenta frequência de
disparo mais alta (cerca de 60-100 ciclos/minuto). Em algumas condições patológicas,
nas quais a função do nó SA se encontra comprometida, a frequência cardíaca é
“ditada” por outras regiões do sistema de geração e condução do impulso, assumindo
valores mais baixos e intrínsecos do próprio marca-passo ectópico.
Relação Entre Frequência Cardíaca e Taxa Metabólica.
Como vocês
provavelmente sabem, alterações no metabolismo são supridas por alterações no
fluxo sanguíneo (neste contexto, me limito a abordar não ajustes locais do fluxo na
microcirculação, mas sim globais, associados ao débito cardíaco e pressão arterial).
Tomemos como exemplo uma pessoa correndo em relação ao repouso: O débito
cardíaco (DC) aumenta de ~5L/min até, dependendo da potência do exercício,
~25L/min. Uma vez que o DC é dado pelo produto do volume sistólico (VS) pela
frequência cardíaca (fc), é importante entendermos como cada um destes
componentes atua de modo a suprir adequadamente a demanda imposta.
Em curto prazo (i. e. frente a alterações da demanda metabólica impostas, por
exemplo, pela atividade física), estes VS e fc respondem, basicamente, á inervação
autonômica. Nesta condição, há um aumento do tônus simpático e redução do
parassimpático sobre o miocárdio, resultando em elevação da frequência de disparo
do nó SA e velocidade de condução do impulso, bem como incremento na força de
contração ventricular. A elevação da fc se dá principalmente por meio de uma redução
no tempo diastólico, de modo que há redução no enchimento ventricular. Assim,
observamos que, até determinada potência, o DC é elevado tanto pelo aumento da fc
como do VS, entretanto, a partir de um ponto, o VS de torna relativamente constante,
deste modo, em uma ampla faixa de demanda , a frequência cardíaca é proporcional
a taxa metabólica sendo utilizada como um estimador da mesma.
41
Variabilidade Cardíaca
A frequência cardíaca varia não apenas no transcorrer de algumas horas ou
minutos, mas também a cada batimento cardíaco, ainda que o indivíduo se encontre
sob uma mesma condição (Fig. 1). À estas variações instantâneas, batimento a
batimento da fc, dá-se o nome de “variabilidade cardíaca”, ou HRV, do inglês heart
rate variabilty. O comportamento da HRV tem sido amplamente estudado, e é, em
algumas condições, uma forma pouco invasiva de estimar o controle cardíaco. Ao
longo desta segunda parte do texto, pretendo trazer um pouco (e não mais do que
isso) do que se sabe acerca da HRV, alguns exemplos nos quais a interpretação dos
padrões é estabelecida e outros em que ainda existe controvérsia e sendo
necessários mais estudos.
Figura 1. Registro da frequência
cardíaca batimento a batimento ilustrando
a variabilidade da mesma. No traçado de
cima, a condição controle. Em baixo, o
efeito da inibição farmacológica dos ramos
simpático e parassimpático do sistema
nervoso autônomo (Baseado em Lombardi
& Stein, 2011)
Como analisar HRV? Antes de falarmos sobre como interpretar a HRV, é
importante deixar claro alguns dos métodos utilizados para quantificá-la. As
ferramentas de análise podem ser, basicamente, divididas entre aquelas que não
dependem da ordem temporal (ou seja se eu pegar o conjunto de dados e embaralhar
a sequência na qual aparecem o resultado do estimador será o mesmo) e aquelas que
dependem da ordem temporal.
Dentre as ferramentas que não dependem da ordem temporal, temos, por
exemplo, média e desvio padrão da frequência cardíaca. Essas são ferramentas
simples, de fácil aplicação e não por isso menos informativas. Por exemplo, um
42
registro de determinado indivíduo apresenta média da fc 180 BPM e outro registro do
mesmo indivíduo, 110 BPM. Esta informação já é suficiente não apenas para permitir
distinguir as duas condições como também fazer suposições acerca do controle
cardíaco em cada uma (digamos, é razoável supor que naquele registro cuja
frequência cardíaca é, em média, mais elevada, exista um tônus simpático maior em
relação ao de frequência mais baixa).
Apesar de úteis e indispensáveis, análises como apresentadas acima
apresentam alguns problemas, uma vez que registros e padrões muito diferentes
podem apresentar a mesma média e desvio. Por esta razão são empregados também
métodos capazes de “perceber” a ordem na qual os elementos aparecem. Um dos
mais utilizados é a Transformada Rápida de Fourier (FFT). (Agora vem um pouco pouco! - de matemática.) A FFT decompõe o sinal, no caso, o registro da fc ao longo
do tempo, em um somatório de senos, de modo que o sinal agora não mais se
encontra do domínio do tempo, mas sim no espectro de potências. Quando aplicamos
a FFT sobre registros de fc, dada a “complexidade” do sinal, observamos não picos
de frequências de senos, mas sim algumas bandas características (Fig. 2). Por
enquanto isso não é muito informativo, mas abaixo explico um pouco melhor como
interpretamos o espectro de potencias.
Figura 2. Exemplo do espectro de
potências obtido por meio da FFT sobre
um registro de fc ao longo do tempo. Este
espectro pode ser dividido em duas
bandas, altas e baixas frequências.
Influência autonômica sobre HRV. Acredita-se que a HRV seja decorrente de
aferências dos sistemas simpático e parassimpático sobre o nó SA, uma vez que a
inibição farmacológica destes ramos do sistema nervoso autônomo resultam em uma
43
quase supressão da variabilidade da fc observada na condição controle (Fig. 1). A
redução da variabilidade cardíaca tem sido interpretada como resultante de uma
restrição sobre o sistema frente, por exemplo, a uma condição patológica ou aumento
do trabalho cardíaco em decorrência da elevação da demanda metabólica (situações
nas quais geralmente é observado, também, maior tônus simpático sobre o coração).
Por exemplo, valores menores da HRV (medida por meio do desvio padrão da fc)
estão associados a uma menor sobrevida após infarto do miocárdio. Além disso, uma
redução da HRV é observada em pacientes antecedendo uma parada cardíaca e
morte súbita (Fig. 3).
Figura 3. Registro da fc ao longo do tempo em um paciente 13h antes deste
sofrer uma parada cardíaca (esquerda), 8 dias antes de morte súbita (centro) e um
indivíduo saldável (direita) (Goldberg, 1990).
De um modo geral (existem exceções) tem-se que um aumento no tônus
parassimpático acarreta em um incremento da HRV, aferida tanto métodos
dependentes quanto independentes do tempo. Efeito oposto (i. e. redução da HRV) é
observado em condições nas quais há elevação no tônus simpático.
O balanço simpato-vagal é classicamente associado as diferentes bandas que
compõe o espectro de potências quando a HRV é analisada por meio da FFT: a banda
composta pelas frequências altas parece ser influenciada pelo ramo parassimpático,
ao passo que a interpretação associada às baixas frequências é menos estabelecida,
sendo possivelmente influenciada tanto pelo ramo simpático como parassimpático.
Apenas para citar alguns exemplos: Um dos componentes conhecidos da HRV
é um fenômeno fisiológico mediado pelo nervo vago conhecido como arritmia sinusal
ventilatória. Esta é caracterizada por um aumento da fc durante a inspiração e redução
44
durante a expiração, sincronizando assim os sistemas ventilatório e circulatório. Tais
oscilações (aumento-redução da fc) ocorrem na frequência ventilatória, ou seja, cerca
de 12 ciclos por minuto durante o repouso (ou ~0.2Hz), faixa de frequência contida na
banda de altas frequências.
Um segundo exemplo é o Head Up Tilt, manobra esta que eleva o tônus
simpático e reduz o parassimpático sobre o miocárdio. A análise do espectro de
potências da da fc enquanto o indivíduo encontra-se deitado em relação ao Tilt, revela
um aumento proporcional da banda de baixas frequências e redução da de altas
frequência, como seria esperado conforme a interpretação acima proposta.
Entretanto, nem sempre é constatada uma relação tão clara entre HRV e controle
cardíaco. Curiosamente, um exemplo no qual as bandas que compõe o espectro de
potências, não parecem indicar o balanço simpato-vagal sobre o miocárdio é durante
o exercício. Na atividade física, em relação a condição de repouso, geralmente
observa-se uma redução da HRV analisada por meio de ferramentas não
dependentes da ordem temporal, como seria esperado por um aumento do tônus
simpático. Porém, ao analisarmos a variabilidade cardíaca por meio estimadores
dependentes da ordem temporal o padrão observado não condiz com o que se sabe
acerca do controle cardíaco nesta condição, além disso, os resultados não são
consistentes entre diferentes protocolos, indicando que estudos nesta área são
necessários.
REFERÊNCIAS
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bodily functioning Signals health: Periodic behavior can foreshadow disease. Scientific American. v.48,
p. 42-49, 1990.
GYUTON, A. C. & HALL, J. E. (1956). Textbook of Medical Physiology. 9 th edition. Saunders Company,
1996.
LOMBARDI, F. & STEIN, K. P. Origin of Heart Rate Variability and Turbulence: an Appraisal of Autonomic
Modulation
of
Cardiovascular
Function.
Frontiers
in
Physiology.
http://dx.doi.org/10.3389/fphys.2011.00095, 2011
MENDELOWITZ, D. Advances in Parasympathetic Control of Heart Rate and Cardiac Function.
Physiology. V. 14. No. 4 p 155-161, 1999
RANDALL, D.; BURGGREN, W. & FRENCH, K. (1978) Eckert Animal Physiology: Mechanisms and
Adaptations. 5th edition. New York, USA: W. H. Freeman and Company, 2001.
SCHIMIDT-NIELSEN, K. (1975) Fisiologia Animal: adaptação e meio ambiente. 5a edição. Cambridge
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45
TASK FORCE OF THE EUROPEAN SOCIETY OF CARDIOLOGY THE NORTH AMERICAN
SOCIETY OF PACING ELECTROPHYSIOLOGY. Heart Rate Variability: Standards of Measurement,
Physiological Interpretation, and Clinical Use. Circulation v.93, p. 1043-1065, 1996.
46
Osmorregulação: Superando desafios ambientais
Nathalia S. P. Estrella
[email protected]
Lab. Ciência da Cognição
A sobrevivência de um animal em seu ambiente é ditada pela sua relação
evolutiva com este ambiente e pela sua capacidade de se adaptar a novas condições
(plasticidade fenotípica). Dentre os grandes ambientes da Terra, um dos que
apresenta maiores desafios aos seres que nele vivem são os desertos.
Desertos são ambientes em que a disponibilidade de água exerce um efeito
limitante sobre os organismos que neles vivem, já que as precipitações são pouco
frequentes e, quando ocorrem, são mal distribuídas e imprevisíveis. Apesar destas
condições adversas à vida, diversas espécies de diferentes grupos filogenéticos
adotam desertos como seus habitats.
Os animais que vivem nestes ambientes precisam de adaptações específicas
para sobreviver aos extremos de temperatura e dessecação que os desertos impõem.
Estas adaptações incluem vários mecanismos fisiológicos e comportamentais que
podem agir diminuindo a perda de água pelo organismo, maximizando a utilização da
água em processos fisiológicos, aumentando sua ingestão ou produção metabólica,
entre outros.
Nesta aula, trabalharemos com adaptações de algumas espécies de três
grandes grupos, que tem maior sucesso na “colonização” dos desertos: artrópodes,
répteis e mamíferos.
O filo Arthropoda, o maior em número de espécies – supera todos os outros filos
juntos –, inclui vários insetos e aracnídeos especializados para viver em desertos.
Destas, vamos enfatizar os besouros (Tenebriidae), escorpiões e formigas do deserto.
Estes animais possuem diversas estratégias para coletar ou caçar alimentos – desde
uma aumentada tolerância térmica e hídrica, chegando a extremos de ter menos de
metade do seu peso em água, até formação diferencial de trilhas –, obter água –
condensação no próprio corpo, p.e. – e abrigo.
Entre os vertebrados, répteis e mamíferos foram os que obtiveram maior sucesso
ao viver em desertos. Os répteis possuem vários exemplos de espécies muito bemadaptadas à escassez de água e temperaturas extremas que os desertos
47
pressupõem. Dentre estas, daremos especial ênfase às cascavéis e colubrídeas, com
muitos representantes no deserto, e algumas espécies de lagarto como o lagarto da
garganta e lagarto demônio. Dos mamíferos, discutiremos os efeitos do tamanho,
comportamentos e fisiologia para manter o balanço hídrico. Dentre os mamíferos,
daremos especial ênfase a roedores de deserto, camelos, gnus, órixes e gazelas,
discutindo os efeitos de tamanho e eficiência na manutenção hídrica destes animais,
além de diversos aspectos de sua fisiologia e comportamentos necessários para
sobreviver em ambientes tão desafiadores como são os desertos.
REFERÊNCIAS
Hill, Richard W.; Wyse, Gordon A.; Anderson, Margaret (2008) Animal
Physiology.
2a.
ed.,
Sinauer
Associates,
Massachusetts.
Randall, David; Burggren, Warren; French, Kathleen (2001) Eckert Animal Physiology.
Mechanisms and Adaptations. 5th ed., Freeman & Company.
Artigos científicos diversos.
48
Termorregulação
Mariana Tavares
[email protected]
Gustavo Agudelo
[email protected]
Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva
Poucos fatores ambientais têm maior influência sobre a fisiologia animal que a
temperatura. A temperatura ambiental no planeta Terra varia grandemente no espaço,
desde as extensões dos grandes desertos até as fontes termais nas profundidades
dos oceanos, e inclusive ao longo das cascas das árvores. Mas a temperatura
ambiental também varia no tempo, desde umas poucas horas até mudanças
climáticas de longo prazo. Comparados com as temperaturas que podemos encontrar
no nosso planeta, os limites de temperatura para a vida animal ativa são muito mais
restritos, os quais variam desde alguns graus abaixo do ponto de congelamento da
água pura (0°C) até aproximadamente +50°C. Assim, os organismos vivos são
continuamente desafiados a regular e manter suas funções perante as mudanças do
seu ambiente térmico. Nesse modulo iremos abordar os princípios gerais da
termorregulação, um tipo especial de regulação homeostática que envolve a
manutenção da temperatura corporal relativamente constante perante às variações
da temperatura ambiental. Também discutiremos, dentro dos diversos tópicos em
fisiologia térmica, alguns aspectos gerais dos impactos das temperaturas altas
limitantes para a vida e os mecanismos fisiológicos de tolerância, tomando como
exemplo os vertebrados ectotérmicos.
Quando pensamos no termo “termorregulação” já vem a mente palavras como
temperatura e calor...Mas será que é a mesma coisa? Não! Temperatura é a medida
do movimento molecular médio induzido termicamente. Já calor é a energia que uma
substância possui em virtude do movimento aleatório de suas moléculas (a quantidade
de calor em um pedaço de matéria depende do número de moléculas e da velocidade
de cada molécula). A temperatura importa nos sistemas vivos porque seus efeitos são
tão abrangentes que permeiam todos os níveis de organização biológica, desde as
taxas das reações bioquímicas e a estabilidade e funcionalidade das proteínas e das
49
membranas biológicas, até o desempenho das funções fisiológicas e o metabolismo
energético. Em última instância, a temperatura também influencia os processos de
reprodução, dispersão e distribuição das espécies. O desempenho da maioria das
funções fisiológicas é otimizado em temperaturas intermédias típicas para cada
espécie, de forma que em temperaturas extremas esse desempenho é diminuído e
pode ser comprometido até levar à morte do animal. Daí a importância de manter a
temperatura corpórea dentro de uma faixa que favoreça as funções e a atividade dos
animais, seja por vias fisiológicas e/ou comportamentais.
A termorregulação utiliza praticamente todos os sistemas do organismo,
integrando sua atividade em reações apropriadas e coordenadas que levam a uma
temperatura corporal estável, mantida em diferentes condições. Os animais cujas
temperaturas corporais flutuam com a do ambiente estão expostos a alterações
correspondentes na taxa metabólica induzidas pela temperatura, enquanto que
aqueles que podem manter a temperatura corporal constante em temperaturas
ambientais flutuantes têm de gastar energia metabólica para fazê-lo. No entanto a
seleção natural tem favorecido diversos padrões de termorregulação, de modo que a
literatura está repleta de definições com o intuito de classificar cada condição, mas
que na verdade só refletem um contínuo de estratégias.
Muitos organismos adquirem informações sensoriais sobre a temperatura
ambiental
através
de
terminações
nervosas
especializadas
chamadas
de
termorreceptores, os quais encontram-se localizados ao longo da pele. Os neurônios
superiores recebem impulsos dos termorreceptores e contribuem para os mecanismos
de regulação de temperatura corporal. Além disso, alguns dos neurônios do
hipotálamo dos vertebrados são capazes de detectar variações na temperatura do
corpo do animal. Portanto, a termorregulação é realizada por um sistema de controle
fisiológico, que consiste em termorreceptores centrais e periféricos, um sistema de
condução aferente, o controle central de integração dos impulsos térmicos e um
sistema de respostas eferentes levando a respostas compensatórias.
Os animais endotérmicos sujeitos a ambientes frios produzem calor devido a
uma alta taxa metabólica e o conservam pelo aumento da eficácia do isolamento de
sua superfície. Eles realizam isto de diversas formas, como por exemplo, por
diminuição da circulação periférica, aumento da cobertura de penugem ou por adição
50
de tecido adiposo como isolante. Dentro da zona de neutralidade térmica de
temperaturas ambientes, as alterações na condutância da superfície compensam as
mudanças na temperatura ambiente. Já em temperaturas ambientes acima da zona
de neutralidade térmica, esses animais dissipam calor ativamente através do
resfriamento evaporativo, seja por sudorese ou por ofego.
Os animais ectotérmicos, que estão mais limitados para a termorregulação por
vias fisiológicas eferentes, compensam suas necessidades termorregulatórias
integrando as informações recebidas e processadas no sistema nervoso central e
utilizando diversas estratégias comportamentais como mecanismos eferentes. Assim,
dependendo das possibilidades para a transferência de energia térmica nos
microhabitats e os custos associados à termorregulação comportamental (e.g. maior
risco de predação, etc.), os animais ectotérmicos podem estender-se diretamente ao
sol, mudar de postura, ou selecionar ativamente microhabitats.
O que acontece então com os animais ectotérmicos nas temperaturas extremas
(altas ou baixas)? Eles têm basicamente duas opções: 1) evitar, através da
termorregulação comportamental, ou 2) tolerar, através de processos e mecanismos
fisiológicos especializados. Todos os animais ectotérmicos têm um intervalo de
temperaturas corporais em que o desempenho das suas funções é possível, o qual é
chamado de “Intervalo de Tolerância”. A amplitude dessa faixa varia entre espécies,
e define o grau de especialização do nicho térmico. Por exemplo, algumas espécies
de procariotas conseguem tolerar temperaturas acima dos 90°C indefinidamente, e
morrem a temperaturas inferiores. Dentre os metazoos, vermes marinhos típicos de
fontes geotermais toleram exposições curtas a 61°C. No entanto, a tendência geral na
história evolutiva mostra uma diminuição da tolerância térmica com o aumento na
complexidade estrutural e o nível de integração dos organismos. Por quê? Quais os
mecanismos que conferem / limitam a tolerância termal em procariotas e eucariotas?
Quais as causas próximas e últimas da morte por calor? Essas perguntas serão
abordadas na aula.
Existem diversos índices para estimar a tolerância dos animais a temperaturas
elevadas, os quais não só variam dependendo da metodologia, mas de fato estimam
estados fisiológicos distintos. Os principais indicadores da tolerância fisiológica a
temperaturas elevadas são: 1) as temperaturas letais, estimadas através do método
51
estático, foram propostas inicialmente em trabalhos realizados com peixes e, como o
próprio nome indica, envolvem a morte dos animais testados; e 2) as temperaturas
críticas, estimadas através do método dinâmico, foram propostas inicialmente em
trabalhos com lagartos de deserto e depois derivadas a outros grupos de ectotermos,
como anfíbios e insetos. Estas últimas não envolvem a morte dos animais, mas
indicam “o ponto térmico em que a atividade locomotora torna-se desorganizada e o
animal perde sua capacidade para escapar de condições que o levarão rapidamente
à morte”.
Os limites superiores de tolerância térmica não são fixos nos animais
ectotérmicos. Ao invés disso, os limites superiores de tolerância térmica são afetados
por múltiplos fatores intrínsecos aos organismos, mas também por fatores extrínsecos
e pelo contexto experimental com que são determinados.
Já em temperaturas abaixo de 0oC, existem dois principais mecanismos de
sobrevivência:
1º Evitar o congelamento: os fluidos corporais do indivíduo chegam a um estado
de super-resfriamento através de um aumento na concentração de moléculas
de baixo peso molecular em diferentes tecidos, desencadeando uma função
crioprotetora.
2º Tolerar o congelamento: o indivíduo produz proteínas de nucleação e
anticongelantes. As proteínas de nucleação servem como núcleos para a
formação de cristais de gelo, favorecendo o congelamento seletivo de líquido
extracelular em partes específicas do animal.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA PRINCIPAL
Knut Scmidt-Nielsen. Fisiologia Animal: Adaptação e Meio Ambiente. 5ª Ed. São
Paulo: Santo. 2010
Eckert. Fisiologia Animal: Mecanismos e Adaptações. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan. 2014.
52
Controle hormonal dos padrões de comportamento
reprodutivo de vertebrados
Bianca de Sousa Rangel
[email protected]
Laboratório de Reprodução e Metabolismo de Organismos Aquáticos
O comportamento reprodutivo de vertebrados difere entre machos e fêmeas,
refletindo diferenças nas pressões ecológicas e fisiológicas de cada espécie, bem
como distinções anatômicas entre os sexos. O comportamento sexual evoluiu para
reunir gametas de dois indivíduos diferentes (feminino e masculino), aumentando
assim a diversidade e variedade na composição genética da descendência (Kauffman,
2010). Neste sentido, será abortado no presente capítulo como os hormônios regulam
os padrões de comportamento reprodutivo nos vertebrados, focando principalmente
nas características observadas em mamíferos.
1. Eixo hipotálamo-hipófise-gônada (HPG) e controle hormonal
A endocrinologia reprodutiva em vertebrados é muito variável, uma vez que são
encontradas diversas estratégias reprodutivas no grupo, em vários tipos de
oviparidade e viviparidade. Enquanto que mamíferos são bem estudados, muitos
peixes, anfíbios, répteis, e aves são menos conhecidos, no entanto, com aspectos
reprodutivos mais elaborados e menos cíclicos (Willmer e col., 2000). Em peixes e
anfíbios os ovos são geralmente lançados em massa no ambiente onde ocorre a
fertilização. Em répteis e aves a fecundação é interna (óvulo encontrando o esperma
internamente), em que glândulas acessórias produzem proteínas da gema, albumina
e a casca do ovo. Nos mamíferos, os ovos permanecem pequenos e são introduzidos
em um estado desprotegido nas trompas de Falópio, onde encontram os
espermatozoides no útero (Willmer e col., 2000).
O sistema endócrino é, muitas vezes, o mediador entre as mudanças no
ambiente externo, como temperatura e fotoperíodo, e o desencadeamento de
mudanças internas, primeiro na fisiologia e anatomia reprodutiva e então no
comportamento reprodutivo (receptividade, atratividade, construção de ninhos,
cuidados maternos, etc.) (Randall e col., 2000; Willmer e col., 2000). Quase todos os
vertebrados evoluíram a sensibilidade para sinais ambientais, para desencadear a
53
reprodução, maximizando a probabilidade de sucesso reprodutivo e sobrevivência da
prole (Hayward e Busch, 2010).
No geral, o mesmo padrão é mantido nos vertebrados, com a reprodução
regulada pelo eixo Hipotálamo-Hipófise-Gônadas (Randall e col., 2000; Willmer e col.,
2000; Awruch, 2016). As interações neste eixo são reguladas por complexas
interações de sinais neurais e hormonais, que se convergem para alguns neurônios
hipotalâmicos, que por sua vez liberam o hormônio liberador de gonadotrofinas
(GnRH) do hipotálamo (Evans e Clainorne, 2006). Este irá estimular a produção e
liberação dos hormônios gonadotrofinas (GTH): hormônio luteinizante (LH) e hormônio
folículo estimulante (FSH) da hipófise anterior na corrente sanguínea, chegando às
gônadas (ovários e testículos) e promovendo a gametogênese e esteroidogênese
(Randall e col., 2000; Willmer e col., 2000).
Em fêmeas o FSH acelera a maturação dos folículos em desenvolvimento e é
responsável pela produção do estrógeno, que age no fígado estimulando a síntese de
vitelogenina. Já o LH estimula a produção de progesterona, sendo efetivo na
maturação final e ovulação na maioria dos vertebrados. Nos machos, o controle da
reprodução é semelhante ao das fêmeas, em que o FSH e o LH estimulam a produção
dos andrógenos pelas células de Leydig nos testículos. Nas células de Sertoli, no
testículo, o FSH estimula a espermatogênese nas células germinativas após a
maturação sexual, que pode ser continua ou sazonal (Randall e col., 2000).
Altos níveis de hormônios gonadais (estrógenos e andrógenos) agem como
feedback negativo, diminuindo a liberação no hipotálamo (de GnRH) e na hipófise (de
FSH e LH) (Randall e col., 2000; Norris, 2007). Controle extra é adicionado (pelo
menos nos mamíferos) por uma proteína denominada inibina, que é produzido pelas
células de Sertoli (testículo-quando a contagem de esperma é alta) e folículo (ovário),
agindo como um feedback negativo extra no hipotálamo e na hipófise (Willmer e col.,
2000).
2. Hormônios sexuais
Em vertebrados, os hormônios sexuais esteroides são produzidos nas gônadas
(testículo e ovário) e no córtex adrenal. Estes são pequenas moléculas derivadas do
colesterol e são essenciais para o desenvolvimento, manutenção da homeostase e
reprodução,
tendo
efeito
em
características
fisiológicas,
morfológicas
e
54
comportamentais (Randall e col., 2000; Norris, 2007). Assim como outros hormônios
esteroides, estes ligam-se a receptores específicos intracelulares e modificam a
expressão de genes específicos (Randall e col., 2000).
Três principais classes de hormônios esteroides afetam a reprodução, os
andrógenos, estrógenos (17β-estradiol) e progestágenos (progesterona). Os
andrógenos e estrógenos estão relacionados à vários aspectos da diferenciação
morfológica, regulação do comportamento e ciclos sexual e reprodutivo, tanto em
machos como em fêmeas. Entretanto, os andrógenos predominam em machos e
estrógenos nas fêmeas (Randall e col., 2000).
2.1 Machos
Nos peixes o andrógeno mais importante é a 11-cetotestosterona, enquanto
que nos anuros, urodelos e répteis a 5α-dehidrotestosterona, 11β-hidroxitestosterona
e a testosterona, respectivamente, e em mamíferos e elasmobrânquios a testosterona
(Norris, 2007; Awruch, 2016). Os andrógenos são responsáveis pelo desenvolvimento
das características sexuais masculinas primárias (p. ex. órgão copulador, canal
deferente, vesículas seminais, próstata, epidídimo) no embrião e das características
sexuais masculinas secundárias (p. ex. a juba do leão, dentes pontiagudos em raias,
a crista do galo, a plumagem e os pelos faciais nos homens) na época da puberdade
(Randall e col., 2000).
Além disso, os andrógenos regulam diversos comportamentos que aumentam
o esforço reprodutivo do macho, como vocalizações, comportamento agressivo,
componentes da aptidão como função imunológica, cuidado paterno, entre outros
(Hau, 2007). A secreção de andrógenos gonadais ocorre normalmente no início da
época de acasalamento para apoiar processos reprodutivos como cópula,
comportamentos sexuais, defesa territorial, a expressão dos caracteres sexuais
secundários e a produção de espermatozoides (Hau, 2007).
2.2 Fêmeas
Nas fêmeas, os estrógenos são responsáveis pelo desenvolvimento tardio das
características sexuais primárias como útero, ovário e vagina e pelas características
sexuais secundárias como mamas e regulação dos ciclos reprodutivos (Randall e col.,
2000). Fêmeas de mamíferos e aves nascem com uma quantidade total de oócitos
55
(cada um capaz de desenvolver um ovo), no entanto em vertebrados inferiores ocorre
a oogênese durante toda a vida do animal (Willmer e col., 2000). Em mamíferos, o
ciclo menstrual é composto de fase folicular e fase lútea, descritas abaixo:
Fase folicular: esta fase começa com o FSH agindo nas células da teca do
folículo ovariano, estimulando a captação de colesterol e conversão desta em
testosterona, que é então transportado até as células foliculares onde uma enzima
converte este andrógeno em estrógeno. Este estrógeno, por sua vez age na
maturação e crescimento do oócito (junto com o FSH), e age como feedback positivo
na liberação de LH e FSH (Randal e col., 2000). O LH nesta fase age no rompimento
da superfície do ovário, liberando o ovo. O estrógeno durante esta fase também
estimula a proliferação do endométrio (tecido que reveste o útero), preparando-o para
a implantação do embrião (Willmer e col., 2000).
Fase lútea: esta fase começa com o processo de ovulação, onde a secreção de
estrógenos declina. O LH transforma o folículo rompido em um tecido endócrino
temporário, o corpo lúteo, que é responsável pela secreção de estrógeno e
progestágenos, que por sua vez exercem um feedback negativo na liberação do
GnRH, LH e FSH (Randal e col., 2000).
Na ausência de fertilização e implantação do ovo, o corpo lúteo degenera-se
(depois de 14 dias em humanos) e a secreção de estrógenos e progesterona diminui,
neste momento, em humanos e outros primatas precipita a menstruação (perda do
revestimento uterino). Com a diminuição plasmática dos hormônios gonadais, a
secreção de FSH e LH começam novamente, iniciando um novo ciclo (Randal e col.,
2000).
3. Controle da gestação e fisiologia fetal
Em mamíferos, no caso se o ovo for fertilizado e implantado no endométrio, a
placenta começa a produzir o hormônio gonadotropina coriônica (GC), tornando-se
um tecido hormonal chave, responsável pela manutenção da gestação, que irá induzir
o crescimento do corpo lúteo, mantendo a secreção de estrógenos e progestágenos
durante todo o período da gravidez (Willmer e col., 2000). Estes hormônios iniciam o
crescimento dos tecidos mamários e preparação para a lactação (Randal e col., 2000).
A placenta torna-se a fonte de nutrientes e oxigênio e também serve como uma saída
excretória para o feto (Willmer e col., 2000).
56
No momento do parto de mamíferos, a distensão cervical estimula a liberação
de ocitocina da glândula hipófise posterior. Este hormônio induz a contração do
músculo liso da parede uterina, que são essenciais no momento do parto (Randal e
col., 2000; Willmer e col., 2000). A produção do leite é mediada pela prolactina que
aumenta acentuadamente perto do final da gestação, e promove a síntese de
proteínas do leite, crescimento das glândulas mamárias e comportamento materno,
(Randal e col., 2000; Willmer e col., 2000). Já a liberação do leite é induzida pela
ocitocina. Ambos hormônios são liberados durante a sucção, como resultado do
estímulo neural para o hipotálamo, em resposta à estimulação dos mamilos (Randal
e col., 2000).
4. Territorialidade e agressividade
Um componente central da teoria de seleção natural é que os indivíduos estão
constantemente competindo por recursos limitados (Trainor e Marler, 2010). Os
comportamentos agressivos em vertebrados muitas vezes estão relacionados à
hormônios sexuais, já descritos anteriormente. Algumas vez a agressão é por razões
ligadas ao acesso a alimentos ou áreas de repouso, no entanto, o mais comum é em
relação a época de reprodução, quando machos (em particular) estão competindo
pelo acesso às companheiras, ou indiretamente por territórios que as companheiras
podem ser atraídas (Willmer e col., 2000).
Nos vertebrados, a testosterona é o principal controlador da agressão e
territorialidade masculina (Trainor e Marler, 2010), além dos hormônios do estresse,
como corticosteroides (Willmer e col., 2000). Por outro lado, agressão feminina em
aves e mamíferos tende a ser maior quando elas não estão sexualmente receptivas,
ou seja, com baixos níveis de estrógeno e progesterona, o aumento desses hormônios
fazem com que a fêmea se torne menos agressiva e mais receptiva (Willmer e col.,
2000).
5. Comportamento parental
Os padrões de cuidado parental encontrado nos vertebrados são variáveis, com
algumas espécies abandonando seus filhotes, enquanto outras provem cuidado
materno, paterno ou biparental, podendo ser obrigatório ou facultativo, de curta ou
longa duração (Brown, 1985; Gross, 2005). A prolactina tem sido associada a cuidado
57
parental em peixes, aves e mamíferos como na construção de ninhos, proteção de
ovos e larvas contra predadores e fornecimento de nutrientes (Kindler e col., 1991).
6. Referências
Awruch, C. 2016. Reproductive strategies. In: Physiology of elasmobranch fishes:
structure and interaction with environment. Vol. 34A, Chap. 7 (Robert E. Shadwick,
Anthony P. Farrell, Colin J. Brauner, editors). Publisher: Elsevier. pp. 256-295.
Brown, R.E. 1985. Hormones and Paternal Behavior in Vertebrates. American
Zoologist 25: 895-910.
Gross, M.R. 2005. The evolution of parental care. The Quartely Review of Biology 80:
37-46.
Hau, M. 2007. Regulation of male traits by testosterone: implications for the evolution
of vertebrate life histories. BioEssays 29:133–144.
Kindler, P.M., Bahr, J.M., Gross, M.R. e Phillipp, D.P. 1991. Hormonal regulation of
parental care behavior in nesting male bluegills: Do the effects of bromocriptine
suggest a role for prolactin? Physiological Zoology 64: 310-322.
Norris, D.O. 2007. Vertebrate Endocrinology. Academic Press, Inc. San Diego, USA.
4° edição. 573p.
Randall, D., Burggren, W. e French, K. 2000. Eckert - Fisiologia Animal. 4ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan. 729 p.
Trainor, B.C. e Marler, C.A. 2010. Aggression and territoriality. In: Encyclopedia of
Animal Behavior. In: J. Moore and M. Breed (Eds), Elsevier, New York, pp 30-34.
Willmer, P., Stone, G. e Johnston, I. 2009. Environmental physiology of animals. John
Wiley & Sons.
58
Ritmos Corporais e Energética da Reprodução
Prof. MSc. João Paulo Silva Pinheiro
(Doutorando do PPG em Ciências – Fisiologia – IB – USP)
Laboratório Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
Os animais passam por um processo de adaptação de forma constante, uma
vez que necessitam de constância no meio interno corporal. Diversos mecanismos
são realizados a fim de garantir a homeostase, como a regulação da temperatura
corporal e na taxa metabólica, e ocorrem de forma rítmica inata (diária, de maré, lunar
entre outras). Dessa forma, os animais passam por ritmos biológicos, que são
mudanças fisiológicas no meio interno corporal, que podem durar de milissegundos a
anos, com a finalidade de ocorrer essas adaptações ao meio ambiente. A
cronobiologia é responsável pelo estudo desses ritmos biológicos.
Ritmos Circadianos
Grande parte dos ritmos biológicos está relacionada aos ciclos diários, sendo
denominados ritmos circadianos. Um ritmo circadiano verdadeiro pode ser
diferenciado de uma variável fisiológica ou de qualquer outra variável por meio de
quatro critérios: 1. Persistência, o ritmo permanece “por pelo menos vários dias ou
semanas em um animal que foi removido do seu ambiente natural e colocado em um
laboratório ajustado com condições ambientais constantes.” 2. Independentes da
temperatura corporal. 3. Condicionalmente arrítmicos, “um certo conjunto de
temperaturas ambientes, regimes de iluminação, níveis de oxigênio e assim por diante
pode romper o ritmo circadiano normal.” 4. Arrastados, “a duração de seu ritmo
circadiano permanece próxima de 24 horas mas é em geral mais curta ou mais longa,
resultando em um progressivo “arraste” nos ciclos de atividade.”
Importante!
Zeitgeber – Fatores comportamentais que levam consigo ritmos biológicos.
Contextualizando...
59
Ritmos Endógenos Não-circadianos
Além dos ritmos circadianos, os ritmos biológicos endógenos também podem
ocorrer em um período inferior a um dia (ritmos infradianos) ou com duração superior
a um dia (ritmos ultradianos). Geralmente, os ritmos infradianos ocorrem em
aspectos da função celular afetando a energética do animal. Já os ritmos ultradianos
acontecem com mais frequência nos animais. “As influências da lua através de sua
luz e de sua produção das marés oceânicas afetam muito a fisiologia de muitos
animais costeiros.” Quando há influência do ciclo das marés (12,4 h de duração)
denominamos ritmos circatidais, se houver influência do ciclo lunar (29,5 dias), ritmos
circalunares, já se os 365 dias do ano influenciar em determinada mudança
denominam-se ciclos circanuais.
Contextualizando...
Regulação da Temperatura, do Metabolismo e dos Ritmos Biológicos
Vários animais apresentam ritmos biológicos na temperatura corporal. Quanto
aos animais endotermos, boa parte da energia é destinada para a manutenção da
temperatura corporal, que pode ser realizada pela termogênese ou por outros
mecanismos fisiológicos de forma potencializada para que haja a perda de calor ou
ganho ou ambos. Já nos ectotermos, há a influência da temperatura sobre o
metabolismo animal. “Assim, para endotermos e ectotermos, os circadianos e outros
60
ritmos que afetam a temperatura corporal também afetam o metabolismo energético
de um animal.”
Energética da Reprodução
A reprodução é um processo que requer a utilização de uma considerável
energia do animal, essa quantidade energética depende de alguns fatores, como “o
modo de reprodução, o tamanho corporal, se o animal é ectotérmico ou endotérmico
e assim por diante.”
Padrões de Investimento Energético na Reprodução
Em virtude da seleção natural, existe uma variedade de padrões de reprodução,
a fim de garantir um maior número de indivíduos até a maturidade sexual. Alguns
ecologistas e biologistas da evolução classificaram, de acordo com o investimento
energético da reprodução, dois padrões de gasto ou distribuição da energia para a
produção da prole em seleção r e seleção k.
Seleção r – “menores e mais numerosos” – animal produz uma prole de
tamanho pequeno, menor consumo energético inicialmente e número maior de crias.
Exemplo: ouriço-do-mar. Além disso, observa-se que não há o cuidado parental.
Seleção k – “maiores e menos numerosos” – os animais produzem uma prole
de tamanho relativamente grande, maior consumo energético e menor número de
crias. Exemplos: aves e mamíferos. Muitos realizam o cuidado parental.
O “Custo” da Produção de Gametas
O custo para a produção de gametas é muito variável entre as espécies. Para
os invertebrados é uma atividade bem dispendiosa, pois geralmente as fêmeas
produzem ovos que conterão reservas para que haja a nutrição do embrião em
crescimento. Já a produção de esperma requer menor quantidade de energia. No
entanto, o gasto energético para a proteção e nutrição da prole após a produção é
mínimo. Os animais vertebrados ectotérmicos gastam praticamente a mesma
quantidade de energia dos animais invertebrados, como exemplo dos peixes que
produzem uma elevada quantidade de ovos. No que se refere aos animais
vertebrados endotérmicos, o gasto energético na produção de gametas é variável, em
que boa parte investe pequena quantidade de energia para a produção de ovos e de
61
esperma, como pode ser observado em mamíferos. No entanto, esses animais têm
um maior gasto energético para a proteção do desenvolvimento das crias após a
fertilização.
Cuidado Parental como Custo Energético da Reprodução
Algumas espécies exibem o cuidado parental, que exige um custo energético
dispendioso, seja pela transferência de nutrientes e outros materiais para a cria
(exemplo: a lactação, “leite do papo”, “leite uterino”) ou por meio da proteção, como a
construção de ninhos e o ato de chocar.
Contextualizando...
Referências Bibliográficas
RANDALL, D., BURGGREN, W., FRENCH, K. Eckert Fisiologia Animal – Mecanismos
e Adaptações. 4. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. 729p.
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia Animal – Adaptação e Meio Ambiente. 5. Ed.
Reimpressão. São Paulo: Santos, 2002. 611p.
62
Fisiologia do Estresse
Faride Lamadrid
[email protected]
Laboratório de Fisiologia Evolutiva e Fisiologia da Conservação
A palavra "Estresse" vem do inglês "Stress", esse termo foi usado inicialmente
na física para traduzir o grau de deformidade sofrido por um material quando
submetido a um esforço ou tensão. Hans Selye foi o primeiro a utilizar o termo estresse
em 1926, ao notar um conjunto de sintomas comuns em determinados pacientes, tais
como, falta de apetite, hipertensão arterial, desânimo e fadiga. Ele transpôs este termo
para a medicina e biologia, significando esforço de adaptação do organismo para
enfrentar situações que considere ameaçadoras a sua vida e ao seu equilíbrio interno.
O estresse é manifestado quando os indivíduos são desafiados a manter o
equilíbrio interno, ou homeostase (sensu Claude Bernard (Cooper 2008)). A
manutenção da homeostase a pesar das mudanças ambientais é um processo
fisiológico regulado conhecido como alostase. Então, a capacidade dos indivíduos
para manter a alostase é chamado capacidade alostatica (Wikelski & Cooke 2006).
Quando os indivíduos de uma população enfrentam condições ambientais que
superam a sua capacidade alostatica, eles entram na condição de estresse fisiológico
chamada sobrecarga alostatica. De acordo ao anterior, a produção do estresse pelas
mudanças ambientais extremas que superam os limites da capacidade alostatica dos
indivíduos podem reduzir a reprodução, e nos contextos mais extremos, até causar a
morte. Assim, a capacidade alostatica é una das propriedades dos indivíduos mais
associada com o sucesso ecológico sob condições variáveis (McEwen & Wingfeld
2010). Em resumo, a capacidade alostatica refleta o total das condições ambientais
experimentadas pelos indivíduos.
No conceito clássico de estresse o equilíbrio é ameaçado por eventos internos
ou externos que são conhecidos como ‘estressores’(Chrousos 2009). Como resultado,
o comportamento é direcionado para avaliar o potencial desestabilizador do estressor.
Se o evento não coincide com alguma representação cognitiva baseada em
experiências previas, então ocorre um aumento no estado de alerta, vigilância, na
atenção focada, processamento cognitivo, etc. A interfase entre a informação
63
sensorial que chega e o processo de avaliação é formada pelas estruturas do sistema
límbico do cérebro, as quais incluem o hipocampo, amigdala e córtex pré-frontal (de
Kloet et al. 2005).
Mas, desde a introdução do conceito do estresse por Cannon (1932) e Selye
(1950) tem existido intentos por delimitar melhor o conceito e definir de forma mais
precisa (Levine & Ursin 1991) o estresse pode ser dividido em três fases: a Fase de
alerta, que ocorre quando os estímulos estressores iniciam e há resposta rápida do
organismo como preparo para luta ou fuga (Cannon 1932). Esta resposta é
coordenada pelo Sistema Nervoso Autônomo Simpático (SNS) o qual ativa a medula
da glândula adrenal a qual aumenta a secreção das catecolaminas (adrenalina e
noradrenalina), tais hormônios aumentarão a frequência cardíaca, circulação nos
músculos esqueléticos, diminuindo as reservas de glicogênio para aumentar a energia
disponível. Esta fase termina com a restauração da homeostase, porem este estado
de alerta não pode ser mantido por muito tempo; a Fase de resistência, que é onde
aparecem as primeiras consequências mentais, físicas e emocionais, pois o
organismo tenta restabelecer o equilíbrio interno para resistir ao estressor. Nesta fase,
o organismo pode ficar mais desgastado e mais suscetível a doenças, tendo um
desgaste generalizado e dificuldades de memoria. O individuo precisa utilizar
mecanismos para controle do estresse a fim de conseguir sair desta fase, caso isso
não ocorra, o estresse pode chegar a sua fase critica; e a Fase de exaustão, que é
quando começam os sintomas em humanos como irritabilidade, dificuldades para
relaxar, isolamento social, alterações do sono, dificuldades sexuais, queda de cabelo,
baixa autoestima, aumento da glicose circulante e colesterol. Com a permanência
dessa fase, podem aparecer patologias mais graves como ulceras gástricas, doenças
cardiovasculares, depressão, entre outras. No entanto, para animais não humanos a
delimitação das três fases mencionadas nem sempre é tão clara ou os sintomas não
são tão facilmente identificáveis.
A resposta ao estresse é mediada pelo sistema do estresse, o qual está formado
por uma parte do Sistema Nervoso Central (SNC) e por algums órgãos periféricos. O
sistema está interconectado pelos efetores que incluem os hormônios hipotalâmicos
como a arginina, vasopressina, fator liberador de corticotropina (CRH), com o locus
64
caeruleus e o centro autônomo de norepinefrina no cerebelo (Chrousos 2009). Os
alvos dos efetores incluem executor e o cognitivo do sistema de recompensa e medo,
o centro do sono a nível cerebral, os eixos hormonais do crescimento e a reprodução,
além dos sistemas gastrointestinais, cardiorespiratorios, metabólicos e imune. Uma
vez seja detectado um estressor a resposta de luta ou fuga é iniciada assim: (i)
liberação do hormônio liberador de corticotrofina (CRH), sintetizado no hipotálamo,
dando início à resposta ao estresse (Charmandari et al, 2005) e secretado pela parte
medial parvicelular do núcleo paraventricular do hipotálamo (PVN) e, de acordo com
Elias e Castro (2005), recebe aferências noradrenérgicas que são importantes para a
síntese e liberação do mesmo; (ii) CRH liga-se aos receptores na adeno-hipófise
aumenta a liberação de peptídeos como o hormônio adenocorticotrófico (ACTH) e a
β-endorfina (peptídeo opióide), através da circulação sanguínea, o ACTH atinge o
córtex da glândula adrenal, que está localizada acima do rim. (iii) Em seres humanos,
a ação do ACTH no córtex da adrenal promove a liberação de um glicocorticóide, o
cortisol e outros animais como os anfíbios a corticosterona, que ativa mecanismos
catabólicos, para liberar glicose a nível sanguíneo, necessária para a resposta ao
estresse (Elias e Castro, 2005). Alem do anterior, é importante ressaltar que a parte
medular da adrenal libera catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) devido à
ativação simpática do sistema neurovegetativo. Em conjunto, as ações das
catecolaminas e dos glicocorticóides induzem alterações em mecanismos vegetativos,
como a função cardiovascular, que dão o suporte necessário para o organismo
restabelecer o equilíbrio. Também há mobilização da produção e distribuição de
substratos energéticos durante a resposta ao estresse (Kopin, 1995). Essas ações
asseguram a manutenção do organismo durante situações adversas, principalmente
por disponibilizar tais substratos. Assim, a resposta de emergência ocorre devido à
ação integrada do sistema nervoso simpático, do hipotálamo e do sistema límbico que
controla as emoções. Hormônios e neurotransmissores atuam em conjunto para
modificar as funções viscerais e fornecer ao organismo a reação adequada para o
retorno ao equilíbrio perdido (Franci, 2005).
Sabe-se que o estresse pode se tornar patológico como uma conseqüência dos
esforços que o indivíduo realiza para a sobrevivência. Segundo Selye (1956) há dois
tipos de estresse, que provocam conseqüências fisiológicas e patológicas diferentes,
65
o positivo e o negativo. O estresse positivo foi denominado de eutresse, e seria a
resposta adequada aos estímulos estressores. Já o estresse negativo, chamado por
ele de distress, ou estresse excessivo, ocorreria quando o organismo entra em
debilidade física e psicológica e não tem a resposta ideal, conduzindo a uma
deficiência comportamental.
Finalmente, estudar a fisiologia do estresse é em definitiva um tema que abarca
todos os sistemas do indivíduo, além de ser uma resposta conservada evolutivamente
falando para tentar voltar os organismos ao ponto ótimo de desenvolvimento
(homeostase), mas os detalheis assim como os mediadores podem variar entre
linagens, pelo que esperamos atingir essas diferenças ou adaptações na discussão
do tema central da aula.
Bibliografia:
Cannon, W.B., 1932. The Wisdom of the Body, New york.
Charmandari, E.; Tsigos, C.; Chrousos, G. Endocrinology of the stress response.
Annual Review of Physiology , 2005.
Chrousos, G.P., 2009. Stress and disorders of the stress system. Nat. Rev.
Endocrinol., 5, pp.374–381.
Cooper, S.J., 2008. From Claude Bernard to Walter Cannon. Emergence of
the concept of homeostasis. Appetite, 51, pp.419–427.
de Kloet, E.R., Joëls, M. & Holsboer, F., 2005. Stress and the brain: from
adaptation to disease. Nature reviews. Neuroscience, 6(6), pp.463–475.
Elias, l. l.; Castro, M. Controle neuroendócrino do eixo-hipotálamo- hipófiseadrenal. In: Antunes-Rodrigues J.; Moreira A. C.; Elias L. L.
Franci, C R.. Estresse: Processos Adaptativos e Não-Adaptativos. In: AntunesRodrigues J..; Moreira A. C..; Elias L. L. K.; Castro M. Neuroendocrinologia Básica e
Aplicada. Guanabara Koogan, 1 ed., 2005.
Kopin, I. L. Definitions of stress and sympthetic neuronal responses. Annals of
the New York Academy of Sciences 771: 19-30, 1995.
Levine, S. & Ursin, H., 1991. Stress Neurobiology and Neuroendocrinology
M. R. Brown & G. F. Koob, eds., New york: Rivier Marcel Dekker Inc.
66
McEwen, B.S. & Wingfeld, J.C., 2010. What’s in a name? Integrating
homeostasis, allostasis and stress. Hormones and Behavior, 57, pp.1–16.
Selye, H., 1950. The Physiology and Pathology of Exposures to Stress. Acta
Medica Publ.
Wikelski M, Cooke SJ. 2006. Trends in Ecology & Evolution 21: 38-46
67
Estresse e Imunidade
Mestra Stefanny Christie Monteiro Titon
[email protected]
Laboratório de Fisiologia Evolutiva e Fisiologia da Conservação
Sistema Imunológico
O sistema imunológico é um sistema de monitoramento que apresenta funções
de defesa, sendo composto por proteínas, células, tecidos e órgãos linfóides (Abbas
et al., 2014). Os componentes proteicos estão relacionados, principalmente, com a
resposta imune humoral, como as proteínas do sistema complemento e anticorpos
naturais e específicos, assim como por proteínas de sinalização e comunicação
celular (Abbas et al., 2014). A resposta imune celular é composta por diferentes tipos
celulares que possuem características e funções distintas, incluindo granulócitos,
células com atividade fagocitária e produtoras de anticorpos, entre outros (Abbas et
al., 2014). Nos tecidos e órgãos linfóides (ex. medula óssea, timo, baço) as células
imunes são geradas se diferenciam e maturam, além de serem locais efetores da
resposta imune (Abbas et al., 2014). A resposta imunológica é tradicionalmente
dividida em inata e adaptativa, as quais apresentam componentes e funções
diferenciadas.
A resposta imune inata compreende uma parcela significativa do sistema imune
e atua como um mecanismo de defesa inicial contra a colonização por microorganismos logo após a infecção, sendo rapidamente ativada e atuando de forma a
eliminar ou retardar os estágios iniciais da infecção (Janeway et al., 2006; Abbas et
al., 2014). A imunidade inata é constituída pelas barreiras mecânicas (pele, mucosas,
pelos); componentes humorais, tais como proteínas de fase aguda e complementos,
e elementos celulares (neutrófilos, macrófagos, eosinófilos, basófilos, células natural
killers) (Abbas et al., 2014). Outra importante característica da resposta inata é a nãoespecificidade, uma vez que reconhece padrões moleculares associados a patógenos
(PAMPs), que são moléculas comumente encontradas na superfície de microorganismos, como por exemplo o LPS (lipopolissacarídeos) que estão presentes na
parede celular de bactérias gram-negativas, como Escherichia coli, assim como
padrões moleculares associados a danos (DAMPs), que estão relacionadas a
alterações em tecidos que precisam de reparo (Janeway et al., 2006; Abbas et al.,
2014). O sistema imune inato dá início ao processo infamatório e ativa mecanismos
68
da imunidade adquirida ou adaptativa (Merchant et al., 2003; Abbas et al., 2014;
Tieleman et al., 2005). Neste contexto, fagócitos apresentadores de antígenos
(macrófagos e células dendríticas, por exemplo) reconhecem as células invasoras,
apresentam os antígenos externos aos linfócitos T e, em associação a liberação de
citocinas específicas, regulam o direcionamento da resposta imunológica adquirida
(Sapolsky, 1993, Abbas et al., 2014).
A imunidade adquirida é composta, principalmente, pelos linfócitos T e B e
anticorpos específicos (Abbas et al., 2014). Os linfócitos B são responsáveis pela
produção de anticorpos, enquanto que os linfócitos T desencadeiam a resposta imune
modulando, através da liberação de citocinas, a ativação de linfócitos B e de outros
tipos de linfócitos T (T citotóxicos) e células imunocompetentes (macrófagos e células
NK) (Janeway et al., 2006; Abbas et al., 2014). A resposta imune adquirida possui
características fundamentais como especificidade e memória, uma vez que
respondem a antígenos específicos e produzem linfócitos e anticorpos de memória
(Janeway et al., 2006; Abbas et al., 2014). Tais características conferem ao indivíduo
uma requerem uma exposição prévia a antígenos específicos para que o organismo
hospedeiro possa apresentar uma rápida resposta secundária durante exposições
subsequentes ao mesmo patógeno (Abbas et al., 2014; Tieleman et al., 2005).
O sistema imunológico é passível de modulação direta através do sistema
nervoso, uma vez que diversos órgãos do sistema imunológico são inervados pelo
sistema nervoso central (Marketon e Glaser, 2008). De maneira associada, a resposta
imune pode ser modulada por diversos hormônios, incluindo os principais hormônios
associados a resposta de estresse (catecolaminas e glicocorticóides) (Romero, 2004).
Estresse e Imunidade
O sistema imune é modulado pelos principais hormônios reguladores da
resposta de estresse: glicocorticóides, resultado da ativação do eixo hipotálamohipófise-adrenal/interrenal; e catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), liberadas
em resposta ao estímulo do sistema nervoso central (Marketon e Glaser, 2008). Os
efeitos mais compreendidos em relação aos efeitos do estresse e sobre o sistema
imune são imunossupressores. Entretanto, sabe-se na verdade que a resposta de
estresse tem efeitos moduladores sobre a resposta imune, com o estresse crônico,
geralmente, apresentando efeitos mais associados a supressão, enquanto que o
69
estresse agudo apresenta efeitos, na sua maioria, imuno estimuladores (Dhabhar,
2014).
Estresse agudo e Imunidade
De acordo com Dhabhar and McEwen (2001), assim como a resposta de
estresse agudo prepara os diversos sistemas do organismo para a resposta de luta e
fuga, o estresse agudo deve também preparar o sistema imune para desafios que
possam ser impostos pelo estressor (ex. infecção ou cicatrização). De fato, diversos
estudos têm mostrado que o estresse agudo apresenta efeitos estimulatórios sobre o
sistema imune em diversas espécies de vertebrados (Dhabhar, 1999; Barriga et al.,
2001; Graham et al, 2012; Davis et al., 2008).
Durante a resposta de estresse agudo ocorre uma redistribuição dos leucócitos
na corrente sanguínea e tecidos periféricos, o que parece estar associada a melhor
disponibilização de células efetoras nos tecidos periféricos, o que associado ao
aumento da produção de proteínas pro-inflamatórias, promove um aumento da
resposta inflamatória (Marketon e Glaser, 2008; Dhabhar, 2014). Dhabhar e McEwen
(1999) mostraram que os hormônios adrenais do estresse mediam um melhoramento
da imunidade mediada por células na pele (resposta inflamatória) de ratos que é
induzido por estresse agudo. A adrenalectomia elimina este efeito imuno estimulador,
enquanto a administração de baixas doses de corticosterona ou adrenalina,
aumentam significativamente a resposta inflamatória e produzem um aumento
significativo nos números de células T nos nódulos linfáticos que drenam o local da
resposta imune mediada por células (Dhabhar e McEwen, 1999). Adicionalmente,
diversos outros parâmetros da resposta imune podem ser estimulados em resposta
ao estresse agudo, como por exemplo, ocorre aumento da resposta de fagocitose de
células fagocitárias em resposta ao exercício (Barriga et al., 2001) e estresse de
captura (Graham et al., 2012), assim como o aumento da síntese e liberação de
diversas citocinas (ex. TNF-α; IL-6, IL-2) (Dhabhar, 2014).
Estresse crônico e imunidade
Ao contrário do estresse agudo, o estresse crônico apresenta efeitos,
principalmente, imunossupressores sobre diversos aspectos humorais e celulares,
70
além de desregular diversos parâmetros da resposta imune inata e adaptativa
(Dhabhar, 2014).
O estresse crônico causa atrofia dos tecidos linfóides, particularmente do timo,
disparando a apoptose dos precursores imaturos das células T e B, e das células T
maduras (Sapolsky et al., 2000). O estresse crônico pode suprimir a resposta imune
diminuindo a função celular, a produção de citocinas e a proliferação de células
imunes. A exposição crônica a agentes estressores pode diminuir a atividade de
fagocitose de macrófagos (Yin et al., 1995; Dhabhar e McEwen, 1999), diminuir a
proliferação de linfócitos do baço (Hoffman-Goetz et al., 1986), além de retardar a
formação do processo de cicatrização (Neuman-Lee el al, 2015). O tratamento crônico
com glicocorticoides diminui a resposta inflamatória, através da diminuição da
migração do número de células para o centro inflamatório (Dhabhar e McEwen, 1999),
inibe a síntese, liberação e/ou eficiência de várias citocinas (ex. IL-1; IL-6) e outros
mediadores que promovem a resposta imune e as reações inflamatórias (Wiegers &
Reul, 1998; Sapolsky et al., 2000). Os mecanismos moleculares através dos quais os
glicocorticoides inibem as citocinas têm sido identificados em nível de transcrição,
tradução, secreção e estabilidade do RNA mensageiro, sendo as principais
consequências destes eventos moleculares a inibição da ativação das células T
auxiliares tipo 1 e 2 da subpopulação CD4, e a inibição das células do sistema
monócito/macrófago no sítio inflamatório (Weller et al., 1999). De maneira associada,
o estresse crônico pode suprimir a resposta imune desregulando a função imune,
favorecendo o surgimento de doenças autoimunes e o estabelecimento de infecções,
através do redirecionamento do padrão de resposta de diversos componentes
(celulares e humorais) da resposta imune (Dhabhar, 2014). Adicionalmente, pode
ocorrer imunossupressão através do aumento dos mecanismos imunossupressores
ativos (ex. linfócitos T CD4+ e CD25+ regulatórios) em resposta ao estresse crônico
promovendo reações alérgicas exacerbadas, entre outras (Wing e Sakaguchi, 2010;
Dhabhar, 2014, além da supressão da imunidade antitumoral favorecendo o
estabelecimento de tumores (Olson e McNeel, 2013; Dhabhar, 2014).
Efeitos imunomodulatórios dos glicocorticoides
Os glicocorticóides apresentam efeitos tanto supressores quanto estimuladores
sobre a resposta imune. Tem sido proposto que este efeito bimodal dos
71
glicocorticóides está associado às doses (níveis hormonais) e aos diferentes
receptores para estes hormônios (Romero, 2004). Os Glicocorticóides se ligam a dois
tipos de receptores: receptores de mineralocorticoides (MR) e de glicocorticóides
(GR). Os glicocorticóides tem maior afinidade pelos MR e em níveis basais se ligam
preferencialmente a eles. Desta maneira, em doses mais baixas os efeitos dos
glicocorticóides estão mais associados a ação via MR (Romero, 2004; Chantong et
al., 2012). Enquanto que, em concentrações mais elevadas, como as concentrações
durante a resposta de estresse, ocorre um maior aumento da ligação dos
glicocorticóides aos GR, alterando o padrão de resposta para o mediado via GR
(Romero, 2004; Chantong et al., 2012). Consequentemente, a imunomodulação
mediada pelos glicocorticóides é dose dependente e ocorre via dois distintos
receptores.
Considerações finais
A resposta de estresse apresenta efeitos modulatórios sobre o sistema imune.
Tais efeitos bimodais parecem estar associados com diferenças na intensidade e
duração da resposta de estresse (Wiegers e Reul, 1998; Sapolsky et al., 2000,
Dhabhar, 2014). A maioria dos efeitos imunomodulatórios estudados estão
associados, principalmente, a ação dos glicocorticóides. Entretanto, vale ressaltar
que, o sistema imune é passível de modulação por uma série de outros hormônios
que sofrem alterações durante a resposta de estresse, tais como a prolactina,
melatonina, esteróides sexuais, entre outros (Reiter, et al., 2000; Marketon e Glaser,
2008; Ahmed et al., 2010). Desta forma, a imunomodulação associada a resposta de
estresse, é, na verdade, bastante complexa, uma vez que resulta de múltiplas
interações entre os sistemas nervoso, endócrino e imune.
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74
Ecoimunologia – Conceitos e métodos com ênfase em
anfíbios
Dra. Vania Regina de Assis
[email protected]
Laboratório de Fisiologia Evolutiva e Fisiologia da Conservação
Ecoimunologia
A ecoimunologia ou imunologia ecológica, surgiu na última década, devido a um
aumento de interesse por parte de ecólogos e biólogos evolutivos, em entender as
relações entre parasitas e patógenos na evolução de características da história de
vida. Essa nova área busca entender os fatores extrínsecos e intrínsecos que levam
a mudanças na função do sistema imune e como essas mudanças contribuem para
a susceptibilidade a doenças, e para isto estudos vem sido conduzidos tanto em
campo quanto em laboratório, utilizando uma grande diversidade de espécies
animais, incluindo humanos (Demas & Nelson, 2002).
Um dos principais objetivos da ecoimunologia é verificar se a diversidade
encontrada no sistema imune está relacionada a diferenças nos fatores ecológicos e
evolutivos, dentro e entre as espécies (Norris & Evans, 2000; Ricklefs & Wikelski,
2002; Verhulst et al., 2005). Para poder realizar estudos comparativos entre
populações da mesma espécie, vivendo em diferentes ambientes, e entre diferentes
grupos filogenéticos, existe a necessidade de usar ferramentas que não sejam
espécie-específicas. Por isso, a maioria dos estudos neste campo tem se concentrado
em medir a imunidade inata, que é não-específica. Desta forma, podemos definir a
ecoimunologia resumidamente como sendo: um campo de pesquisa novo e
interdisciplinar que examina as interações entre a fisiologia do hospedeiro (por
exemplo, a função imune) e a ecologia das doenças (por exemplo, a prevalência de
patógenos) em uma grande gama de contextos ambientalmente relevantes (Demas &
Nelson, 2002).
Exatamente por esta característica interdisciplinar, a ecoimunologia vem sendo
abordada em diferentes contextos, enfatizando a importância da capacidade da
resposta imune como parte da evolução de diversos aspectos da história de vida dos
animais. Hamilton e Zuk (1982) propuseram, por exemplo, que a preferência sexual
das fêmeas de aves por machos com ornamentos estruturais mais complexos
75
encontra-se associada à correlação entre a capacidade dos machos em resistir à
carga parasitária e a condição da ornamentação (Hamilton & Zuk; 1982). Outros
estudos têm também demonstrado variação interespecífica na competência do
sistema imune inato em aves de acordo com seu ambiente (Piersma, 1997). Como
um exemplo, aves provenientes de ambientes com baixa incidência de parasitas,
como o Ártico e ambientes marinhos, exibem defesas imunitárias menos robustas do
que aves provenientes de ambientes temperados (Piersma, 1997).
A resposta imune também pode representar um fator importante, e geralmente
ignorado, do sucesso de espécies invasoras (Lee et al., 2005). Vem sendo
demonstrado que espécies invasoras tendem a exibir menor diversidade de parasitas
e menor prevalência de infecções do que espécies nativas (Mitchell & Power, 2003;
Torchin et al., 2003) o que traz implicações da perspectiva da conservação e potencial
invasivo de espécies.
Implicações ecológicas e evolutivas da imuno-modulacão por hormônios
glicocorticoides
Os glicocorticoides são hormônios liberados em resposta a uma vasta gama de
estímulos e condições estressantes, em diversos grupos de vertebrados. Nesta
situação, eles funcionam como importantes reguladores do metabolismo de
carboidratos, lipídios e proteínas, além de exercer um papel fundamental na
modulação e direcionamento da resposta imune no período de recuperação pósestresse agudo (Sapolsky et al., 2000). Entretanto, a exposição a picos muito
frequentes, ou a níveis cronicamente elevados destes hormônios encontram-se
associados a efeitos potencialmente deletérios sobre indivíduos, incluindo diminuição
das taxas de crescimento, inibição da reprodução e depressão do sistema imune
(Sapolsky et al., 2000; Assis et al., 2015).
Dado que o estresse crônico pode prejudicar funções fisiológicas altamente
relevantes para a aptidão e até diminuir a viabilidade de uma população, medidas dos
níveis plasmáticos dos glicocorticoides têm sido usadas como um indicador do
estresse ambiental gerado a ponto de comprometer o valor adaptativo (Romero &
Wikelski, 2001). Sabe-se que o tratamento com glicocorticoides inibe a síntese,
liberação e/ou eficiência de várias citocinas e outros mediadores que promovem a
resposta imune e as reações inflamatórias (Wiegers & Reul, 1998; Sapolsky et al.,
76
2000).
Os
glicocorticoides
também
causam
atrofia
dos
tecidos
linfóides,
particularmente do timo, disparando a apoptose dos precursores imaturos das células
T e B, e das células T maduras (Sapolsky et al., 2000).
Em contraste com os efeitos imunossupressores bem conhecidos dos
glicocorticoides, alguns estudos vêm demonstrando que os hormônios glicocorticoides
têm um efeito imuno-modulador (Wilckens & DeRijk, 1997; Dhabhar & McEwen, 2007;
Dhabhar, 2009). De uma forma geral, em concentrações farmacológicas os
glicocorticoides têm efeitos imunossupressores, enquanto que em concentrações
fisiológicas têm efeitos imuno-moduladores (Dhabhar, 2009). Também é importante
lembrar que a inter-relação entre os sistemas endócrino e imune não é unidirecional,
uma vez que citocinas, particularmente interleucina 1 (IL-1) e IL-6, são estimuladores
potentes da produção de glicocorticoides pela influência que exercem no hormônio
liberador de corticotropina (CRH) (Besedovsky et al., 1986; Sapolsky et al., 2000).
Além disso, células hipofisárias e das glândulas adrenais podem sintetizar estas
citocinas (Cooke, 1999).
Anfíbios anuros como modelo para estudos das inter-relações entre hormônios
esteroides e imunocompetência
Um grande declínio de populações de anfíbios vem sendo documentado em
áreas de clima temperado desde o início da década de 1970 e, mais recentemente,
também nos trópicos (Carey et al., 1999), mas nem todas as populações de anfíbios
têm estado em declínio em todos os seis continentes nos quais vivem. Além da
destruição do hábitat, a ocorrência de doenças infecciosas em seus hábitats
relativamente intocados tem se destacado como uma das principais causas de
declínio de anfíbios (Carey et al., 1999). Parte da mortalidade em massa de anfíbios
ocorre em áreas geograficamente espalhadas e pode atingir de 50 a 100% da
população, sendo mais pronunciada a maiores altitudes e regiões frias.
Diversos agentes infecciosos têm sido associados primariamente e/ou
secundariamente ao declínio populacional de anfíbios, incluindo um fungo quitrídio
parasita (Batrachochytrium dendrobatidis [Bd] - Chytridiomycota; Chytridiales) (Berger
et al., 1998), bactérias patogênicas como Aeromonas hydrophila (Taylor et al., 1999)
e iridovírus (Cunningham et al., 1996). Frequentemente, a infecção por iridovírus
ocorre em áreas impactadas pelo homem, e especialmente em populações com alta
77
densidade (Cunningham et al., 1996). Há evidências também de que Aeromonas
hydrophila aumente sua taxa de crescimento muitas vezes após exposição a
glicocorticoides, indicando que a virulência desta bactéria patogênica pode ser
modulada pela resposta ao estresse dos anfíbios (Kinney et al., 1999).
É interessante observar que, na maioria dos casos de surtos de mortes causadas
por doenças infecciosas, houve relato de outras espécies de anfíbios que ocupam o
mesmo hábitat, mas que não foram afetadas pela doença (Bradford et al., 1994;
Carey, 1993). Estas observações nos levam à uma série de questões, tais como:
Existe variação interespecífica na tolerância e/ou resistência aos patógenos? Se sim,
quais são os aspectos da imunidade que diferem entre as espécies? Existe uma
relação causal entre sensibilidade a impactos ambientais, intensidade de ativação do
eixo hipotálamo-hipófise-inter-renais em resposta a estressores e imunocompetência?
Estariam as diferenças interespecíficas na resposta imune associadas a diferenças
nos níveis circulantes de esteroides em condições basais e pós-estresse?
Estas questões permanecem para serem investigadas, e são alguns exemplos
da motivação por traz dos pesquisadores que têm desenvolvido trabalhos nessas
áreas.
Metodologias utilizadas em estudos ecoimunológicos
De forma bastante simplificada, vou apresentar aqui alguns dos parâmetros mais
utilizados nos estudos de ecoimunologia.
Perfil leucocitário: São contados 100 leucócitos em cada lâmina de esfregaço
sanguíneo, os quais são classificados como: neutrófilos, linfócitos, eosinófilos,
basófilos e monócitos, com base na sua morfologia. Após a contagem diferencial dos
leucócitos, é possível calcular a razão entre neutrófilos e linfócitos (N:L). Existem
evidências para diferentes grupos de vertebrados, de que esta razão é diretamente
aumentada em casos de doenças e infecções, ou indiretamente associada ao
aumento dos níveis circulantes de hormônios do estresse (Davis et al., 2008).
Capacidade antimicrobiana: Representa um índice da atividade antibiótica do
sangue ou plasma in vitro. Para este ensaio uma amostra de sangue ou plasma é
diluída. A seguir, é acrescentado a esta diluição um número padrão de microorganismos. Essa mistura é incubada para permitir que o sangue/plasma mate os
micro-organismos. Ao final, quantificam-se os micro-organismos restantes através da
78
cultura em placa de Petri contendo meio nutritivo ou pela leitura em espectrofotômetro
(Matson et al., 2006; Assis et al., 2013).
Desafio imunológico com fitohemaglutinina (PHA): Consiste em medir a
espessura de um determinado local, normalmente um local na pata dos animais, antes
e depois de injetar uma solução contendo PHA. Como controle, o mesmo lugar na
outra pata é injetado com solução salina. O edema em resposta à PHA é calculado a
partir do aumento proporcional da espessura da pata antes e após a injeção, em um
determinado intervalo de tempo (Gervasi & Foufopoulos, 2008).
Desafio imunológico com lipopolissacarideo (LPS): Simula infecções mais
generalizadas e menos intensas, quando comparado com a PHA, que provoca uma
reação inflamatória mais intensa e localizada. Normalmente os animais são injetados
com uma solução contendo LPS via subcutânea ou intra-peritonial, e são avaliadas
medidas fisiológicas (como taxa metabólica) e comportamentais (atividade
locomotora, ingestão de alimentos) (Bicego et al., 2002).
Ensaio de fagocitose de todo o sangue com quimioluminescência: Quando os
fagócitos (em geral, neutrófilos) são ativados, eles produzem compostos reativos de
oxigênio em um processo chamado de "explosão respiratória" ou “burst respiratório”,
e este processo emite fótons (quimioluminescência). Desta forma, quanto maior for a
quimioluminescência, maior a atividade fagocítica. Para estimular a atividade
fagocítica, usa-se o zymosan, que é uma preparação de parede celular da levedura
Saccharomyces cerevisiae (Marnila et al., 1995; Graham et al., 2012).
Dosagem hormonal: A dosagem de hormônios esteroides pode ser realizada
através de radio-imuno-ensaio (RIA) ou enzima-imuno-ensaio (Elisa). A dosagem
pode ser realizada a partir de amostras de fezes e urina – onde serão dosados os
metabólicos destes hormônios presentes nas excretas. Ou através de uma amostra
de sangue, onde serão dosados os níveis plasmáticos circulantes dos hormônios
(Mendonca et al., 1996; Narayan et al., 2011; Janin et al., 2012; Hammond et al.,
2015). A dosagem hormonal, apesar de não ser um método estritamente
ecoimunológico, auxilia na interpretação da modulação destes parâmetros por
estressores em diferentes fases do ciclo de vida.
79
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82
Conceitos e fundamentos da Cronobiologia
Danilo E. F. L. Flôres
[email protected]
Laboratório de Cronobiologia
Ritmos circadianos
Ao se observar um ser vivo, certamente percebermos variações em sua biologia
ao longo do tempo, seja ele um animal, um vegetal, um fungo ou uma bactéria.
Algumas dessas modificações biológicas ocorrem de forma cíclica, em paralelo a
eventos ambientais recorrentes, como as estações do ano ou a alternância entre o dia
e a noite. Imaginamos intuitivamente que cada um desses organismos reage ao
ambiente ou percebe as mudanças no ambiente e assim ajusta sua biologia em
resposta às alternâncias ambientais. Ou seja, os ritmos biológicos dos seres vivos
poderiam meras reações ao ambiente mutável.
O primeiro estudo sobre a natureza dos ritmos biológicos diários é do
astrônomo Jean Jaques de Mairan. Ele estudou plantas do gênero Mimosa, cujas
folhas se abrem durante o dia e se fecham durante a noite. O astrônomo manteve
uma planta próxima à janela e outra em um ambiente fechado, isolada das variações
de iluminação do dia e da noite. Como esperado, a planta próxima à janela manteve
seu ritmo diário de abertura e fechamento das folhas. A planta em condições de
isolamento fótico, também apresentou a mesma variação. Foi concluído então que o
ritmo de abertura e fechamento das folhas era independente do ambiente (apud
MOORE-EDE; SULZMAN; FULLER, 1982). Após muitas décadas e várias evidências
em diferentes espécies, chegou-se à conclusão definitiva de que os ritmos diários são
de fato gerados de forma endógena, por meio de um relógio biológico interno que
funciona de forma autossustentada (MARQUES; GOLOMBEK; MORENO, 2003).
Muito do que sabemos hoje sobre os ritmos diários e suas propriedades veio de
estudos com animais de laboratório, especialmente roedores (ratos, camundongos e
hamsters). Esses animais usam rodas de atividade de forma espontânea e, assim,
pode-se acompanhar facilmente o ritmo de atividade repouso pelo registro do número
de revoluções da roda a cada minuto. A figura 1 abaixo apresenta o registro do ritmo
de atividade em roda de um roedor do gênero Ctenomys, mantido em condições
controladas no laboratório. Note que, inicialmente, o roedor está exposto a um ciclo
83
diário de claro/escuro e sua atividade em roda aumenta quando as luzes estão
apagadas e diminui quando as luzes estão acesas. Quando, no quinto dia, as luzes
são apagadas de forma definitiva e o roedor fica em condições constantes, seu ritmo
de atividade/repouso permanece.
Figura 1. Ritmo de atividade repouso de um roedor do gênero Ctenomys. A linha preta
indica o nível de atividade em roda medido continuamente em um animal mantido sob
condições controladas de laboratório. Barras em branco e cinza sobre o gráfico
indicam os momentos de claro e escuro, respectivamente. Modificado de
(VALENTINUZZI et al., 2009).
Os ritmos biológicos diários que persistem em condições constantes assumem
um período ao redor de 24 horas, mas normalmente diferente desse valor. Por isso,
recebem o nome de ritmos circadianos (do latim circa “cerca de”, dien “dia”). O
funcionamento dos ritmos circadianos é entendido com abse em no modelo conceitual
de um sistema circadiano (Figura 2). Nesse sistema, há um relógio biológico
endógeno, ou oscilador circadiano, que gera ritmicidade própria com período
diferente de 24 horas. Quando algum organismo é mantido em condições cíclicas (dia
e noite), seu oscilador circadiano é ajustado, sincronizado para um período de
exatamente 24 horas, através de vias aferentes. O oscilador, por sua vez, transmite
esse ritmo de 24 horas para o restante do organismo, através de vias eferentes,
levando à expressão de ritmos diários nas diferentes variáveis biológicas (atividade,
temperatura corporal, níveis hormonais, etc). O processo de sincronização do
oscilador circadiano pelo ambiente é também chamado de arrastamento. Quando o
organismo é transmitido para condições constantes, sem referência de dia e noite,
84
seu oscilador circadiano entra em livre-curso e passa a expressar o período próprio,
endógeno, diferente de 24 horas; esse período em livre-curso é então manifestado
nas variáveis biológicas reguladas pelo oscilador.
Figura 2. Sistema circadiano em seu funcionamento. Quando exposto ao ambiente
cíclico com período T de 24 horas, o oscilador é sincronizado através de vias aferentes
e transmite o ritmo diário com o mesmo período através de vias eferentes. Em um
ambiente com condições constantes, o período endógeno T do oscilador, diferente de
24 horas, é transmitido para o organismo.
Introdução às bases anatômicas
Em mamíferos, o ciclo claro/escuro diário do ambiente é uma das principais
pistas para o arrastamento (sincronização do oscilador) (PITTENDRIGH; DAAN,
1976).
Já
o
oscilador
circadiano
central
está
localizado
nos
núcleos
supraquiasmáticos (NSQs) do hipotálamo (MOORE; EICHLER, 1972; STEPHAN;
ZUCKER, 1972). O arrastamento pelo ciclo claro/escuro se dá por meio da percepção
da iluminação pelas retinas, que é transmitida para os NSQs através de uma via
neuronal, o trato retinohipotalâmico (MOORE, 1983). Por sua vez, os NSQs regulam
ritmicamente as diferentes partes do corpo através de vias neuronais (BARTNESS;
SONG; DEMAS, 2001), humorais (SILVER et al., 1996) e através dos ritmos de
85
temperatura (BUHR; YOO; TAKAHASHI, 2010) e alimentação (DAMIOLA et al., 2000;
DAVIDSON et al., 2003).
Ritmos circadianos em roedores subterrâneos
Nosso grupo de pesquisa, no laboratório de Cronobiologia da Profa. Dra. Gisele
Akemi Oda, estuda ritmos circadianos em roedores subterrâneos da espécie
Ctenomys aff. knighti, conhecidos como tuco-tucos. O estudo de organismos que
vivem em diferentes ambientes pode trazer novas descobertas sobre o funcionamento
dos sistemas fisiológicos. O ambiente subterrâneo, por exemplo, é marcado por
atenuação das variações ambientais, escuridão constante e um certo grau de hipóxia
(baixos níveis de oxigênio) e hipercápnia (altos níveis de gás carbônico) (BURDA;
ŠUMBERA; BEGALL, 2007). Os dois primeiros aspectos são de especial interesse
para os ritmos circadianos, visto que organismos adaptados a um ambiente
constantemente escuro e com poucas variações entra dia e noite poderiam
supostamente ter sofrido modificações no seu sistema circadiano ao longo do tempo
evolutivo.
Outras espécies de roedores subterrâneos já foram estudadas do ponto de vista
dos ritmos circadianos. Os ratos-toupeira do velho mundo (África, Ásia e Europa)
apresentam em geral uma redução das vias visuais (NEMEC et al., 2007) e, em
paralelo, expressam diferentes graus de funcionalidade do sistema circadiano. Muitas
dessas espécies mantêm um ritmo diário, o qual persiste em condições constantes.
Porém há grande variabilidade interindividual e intraindividual na manutenção do ritmo
e em sua sincronização pelo ciclo claro/escuro ambiental (BEN-SHLOMO; RITTE;
NEVO, 1995; OOSTHUIZEN; COOPER; BENNETT, 2003; RICCIO; GOLDMAN,
2000). Já nos coruros do Chile, que têm os olhos bem desenvolvidos, os ritmos
circadianos são mais marcados (BEGALL et al., 2002).
Tuco-tucos, assim como os coruros, também apresentam tamanho regular das
estruturas anatômicas do sistema visual (SCHLEICH et al., 2010). O primeiro estudo
de nosso grupo de pesquisa com tuco-tucos demonstrou que esses roedores
subterrâneos expressam ritmos marcados de atividade/repouso em roda, em
laboratório, com atividade concentrada na fase de escuro (Figura 1) (VALENTINUZZI
et al., 2009). Por meio de sensores telemétricos implantados, observamos ainda
86
ritmos diários na temperatura corporal e na atividade geral em laboratório, ambas
variáveis com níveis mais elevados na fase de escuro (TACHINARDI et al., 2014). Os
ritmos observados são sincronizáveis por ciclos claro-escuro diários artificiais,
compostos de 12 horas de claro e 12 horas de escuro em laboratório; esses ritmos
também persistem em condições constantes com período diferente de 24 horas,
confirmando seu caráter endógeno (TACHINARDI et al., 2014; VALENTINUZZI et al.,
2009).
Na natureza, entretanto, os tuco-tucos passam a maior parte do dia dentro dos
túneis subterrâneos e, portanto, não estão completamente expostos ao ciclo diário de
claro/escuro. Para entender como ocorre a sincronização pelo ciclo claro/escuro
natural, verificamos primeiramente o padrão de diário de exposição à luz em animais
mantidos em áreas cercadas em campo. Os primeiros dados, obtidos a partir de
observações visuais do comportamento durante as horas claras do dia, indicam que
os tuco-tucos se expõem à luz várias vezes ao dia, em horários variáveis, quando
saem dos túneis para coletar alimentos ou jogar terra para fora (TOMOTANI et al.,
2012).
Para verificar o potencial dessa informação luminosa como ciclo arrastador dos
ritmos dos tuco-tucos, realizamos simulações computacionais de um modelo
matemático de oscilador circadiano (FLÔRES et al., 2013). O modelo previu que o
oscilador circadiano poderia ser sincronizado por regimes de iluminação bastante
irregulares, mesmo que a exposição dos tuco-tucos ocorresse em horários aleatórios
ao longo das horas claras do dia. Estamos realizando novos estudos para verificar a
previsão desse modelo, agora com animais em laboratório (Flôres et al., submetido).
Outra questão que merece atenção em relação aos ritmos dos tuco-tucos em
campo é sua fase de atividade. Enquanto em laboratório os animais concentram sua
atividade nas horas de escuro, em campo eles realizam atividade intensa durante as
horas de claro (TOMOTANI et al., 2012). Dados preliminares de temperatura corporal
indicam que de fato há uma inversão dos ritmos quando os animais vão do campo
para o laboratório e vice-versa. Atualmente estamos também verificando quais fatores
contribuem para a mudança de diurnalidade para noturnalidade em tuco-tucos.
87
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89
A melatonina e o sistema circadiano: uma visão evolutiva
Jaqueline Costal
[email protected]
Laboratório Biologia Celular de Invertebrados Marinhos
Objetivos: Introduzir alguns conceitos de cronobiologia; explicitar o papel dos
relógios endógenos na evolução dos diversos organismos onde estão presentes;
elucidar o funcionamento da via de transdução do sinal luminoso em vertebrados;
oferecer uma visão evolutiva dos papéis da melatonina nos diversos seres vivos.
Resumo:
A passagem do tempo é evidenciada nas alterações do meio ambiente e dos
seres vivos. Algumas das transformações ambientais ocorrem de maneira recorrente
(cíclica) enquanto outras são episódicas. Ambas, no entanto, exercem diferentes
graus de influência sobre os diversos organismos e estes, por sua vez, podem
responder de maneiras diversas a elas. As alterações cíclicas agem de maneira
repetitiva nos indivíduos e estando presentes desde antes do surgimento da vida na
Terra, devem ter atuado de maneira decisiva ao longo da história evolutiva dos
organismos atuais. Seus graus de influência são diversos e ocorrem em vários níveis
de organização dos indivíduos, desde o nível celular até o de organização social. A
capacidade de se antecipar a estes eventos proporcionou aos seres que a possuíam
a vantagem adaptativa de poderem se preparar e se organizar frente as alterações
que certamente ocorreriam, possibilitando, por exemplo, reduzir a competição ou
organizar-se em um mesmo nicho temporal. Os movimentos da Terra que determinam
a passagem do dia, dos anos e das estações, o movimento lunar que determina as
marés, a disponibilidade de recursos, como alimento e parceiros, e diversas outras
variáveis são responsáveis por diversas alterações cíclicas comportamentais,
fisiológicas e mesmo anatômicas da maioria dos seres vivos. Estas informações
determinam diversos ciclos vitais como a reprodução, a migração, a atividade, a
diapausa etc. e são, principalmente, sinalizadas no organismo da maior parate das
espécies estudadas pela secreção rítmica do hormônio melatonina. Esta molécula foi
identificada em todos os grandes grupos onde foi estudada e, além de sua atuação
sobre o sistema circadiano, desempenha uma imensa gama de outras funções. Tem,
por exemplo, forte propriedade antioxidante, eliminando radicais livres; age no sistema
90
imune de diversas maneiras; regula o metabolismo e o peso corpóreo; dentre diversas
outras ações. (Cipolla et al., 1988)
Esta molécula foi identificada em todos os grandes filos onde foi estudada: de
bactérias, dinoflagelados e outros eucariotos unicelulares, fungos e plantas até,
diversos filos de invertebrados e vertebrados superiores, como os humanos (Bubenik
& Pang, 1997; Vivian e Pévet; Carrillo-Vico et al., 2005). Além disso, é produzida por
diversas células e tecidos, como o trato gastrointestinal, glândula Harderiana, pele,
retina, células do sistema imune e várias outras regiões (Benitez-King & Anton-Tay,
1993; Carrillo-Vico et al., 2005).
O ritmo diário de produção da melatonina, com pico na fase clara do dia, é uma
característica compartilhada por todos os vertebrados (Ganguly et al., 2002;
Harderland et al, 2008). Em muitos destes organismos, como em aves e mamíferos,
a glândula pineal é o principal sítio de produção da molécula, responsável pela
regulação dos ciclos circadianos e a retina responsável pela percepção luminosa. Em
aves e répteis, além da retina, outras regiões são igualmente responsáveis por essa
percepção, dentre elas a própria pineal.
Em todos os amniotas, a retina e/ou regiões responsáveis pela captação da luz,
enviam
aferências
para
uma
área
do
hipotálamo
denominada
núcleo
supraquiasmático, o principal oscilador circadiano nestes organismos. Este núcleo
mantém a estimulação rítmica da produção de melatonina mesmo na ausência de
variação ambiental, i.e., sob escuro constante. Nestas condições, porém, o período
dos ritmos é sempre maior ou menor que 24 horas e diz-se, então, que o animal está
em livre-curso (Underwood, 1989; Ganguly et al., 2002). Em mamíferos, os
fotorreceptores presentes na retina são a única via de entrada para os sinais
luminosos (Cassone, 1990). As informações captadas nesta região são diretamente
enviadas ao núcleo supraquiasmático via trato retino-hipotalâmico (TRH), ajustando o
período e a fase dos ritmos gerados pelos relógios endógenos (Underwood, 1989;
Cassone, 1990; Arendt & Skene, 2005). O NSQ, por sua vez, estimula a liberação de
norepinefrina pelas inervações simpáticas das células glandulares da pineal,
estimulando afinal, a produção da melatonina (Reiter, 1991).
91
Nos invertebrados, a melatonina também está relacionada à transdução do sinal
luminoso. Sua presença e síntese nos diversos organismos estudados foi reforçada
pela detecção, nas estruturas cefálicas, das enzimas que compõem sua via de
produção, a qual segue a mesma rota daquela de vertebrados (Vivien-Roels & Pévet,
1993). Os conhecimentos obtidos até o momento apontam para a possível
universalidade da melatonina também entre estes organismos, uma vez que, como
referido por Harderland & Poeggeler (2003), a molécula tem se mostrado presente em
todos os organismos adequadamente estudados. No entanto, os conhecimentos
acerca de suas funções, locais de produção, regulação, etc., permanecem bastante
fragmentados, considerando que poucas espécies dos filos estudados tenham sido
analisadas e que alguns grupos ainda careçam de investigação, como esponjas,
anelídios e quelicerados (Vivien & Pévet, 1993; Harderland & Poeggeler, 2003).
A melatonina foi também identificada em não-metazoários multicelulares como
plantas, fungos e macroalgas, bem como em unicelulares como protozoários, algas
unicelulares e mesmo bactérias. Em muitos destes organismos, a molécula está
presente em uma concentração muito superior àquela de mamíferos. Foi demonstrado
uma flutuação diária, bem como sazonal da molécula em muitos destes organismos.
Evidenciou-se ainda, que a molécula está, provavelmente, envolvida em outras
funções, já que em alguns organismos demonstrou-se uma variação na concentração
da molécula não dependente do fotoperíodo (Antolín et al., 1997; Sprenger et al.,
1999; Harderland & Poeggeler, 2003).
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93
Controle Circadiano do Metabolismo Energético
Maria Nathália Moraes
[email protected]
Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação
A importância do fator tempo
Nos últimos anos tem crescido enormemente o número de estudos que avaliam a
influência do fator tempo nas respostas fisiológicas dos organismos (Green et al.,
2008). Uma vez que as alterações ambientais ocorrem de forma previsível dentro de
um intervalo de 24 h, a presença de um sistema biológico capaz de interpretar o
avanço do tempo e, a partir desta informação, ser capaz de antecipar e regular os
diversos
aspectos
fisiológicos
e
comportamentais
são
fundamentais
para
sobrevivência dos seres vivos (Hogenesch e Ueda, 2011).
Sabe-se que em humanos antes do despertar, por exemplo, o batimento
cardíaco e pressão sanguínea aumentam em antecipação ao início da atividade
locomotora (Kovac et al., 2009); o mesmo perfil antecipatório é observado nas células
hepáticas, adipócitos e músculo esquelético, os quais maximizam a eficiência do
metabolismo, armazenamento, e utilização da energia oriunda da alimentação (Green
et al., 2008; Hogenesch and Ueda, 2011). Outras funções tais como memória,
aprendizado, estado de alerta, e início do sono oscilam durante o dia (Froy, 2010;
Gerstner and Yin, 2010; Kyriacou and Hastings, 2010).
Um sistema biológico capaz de exercer tal função deve possuir as seguintes
características: 1) uma via aferente sensível às variações temporais cíclicas do
ambiente; 2) um oscilador central capaz de interpretar as variações ambientais,
através de mecanismos celulares e bioquímicos, e assim ser capaz de marcar o
tempo; 3) uma via eferente oriunda do oscilador central que seja capaz de transmitir
esta mensagem temporal, por mecanismos neuronais e/ou hormonais, para todo o
organismo.
Em mamíferos, o relógio central é composto dos núcleos supraquiasmáticos,
NSQ. Os neurônios dos NSQs recebem, através do trato retino-hipotalâmico,
informações de luz ambiental que atua de forma importante na sincronização do
relógio central (Brown and Azzi, 2013). Os NSQs transmitem a informação temporal
oriunda do ciclo claro-escuro para diversas áreas do cérebro, as quais emitem sinais
integradores para todo o organismo, tais como: estímulos nervosos, sinais hormonai;
94
e sinais indiretos como temperatura corpórea e tempo de alimentação. A somatória
desta magnitude de sinais permite que todo o organismo com seus diversos tecidos
periféricos estejam sobre a influência de um único tempo (Brown and Azzi, 2013). Não
surpreendente, a perda da relação interna entre o relógio central e os tecidos
periféricos é observada nos casos de jet lag ou em trabalhadores de turnos, nos quais
há uma ruptura transitória ou crônica, respectivamente, na relação de fase entre os
relógios do organismo (Baron e Reid, 2014; Boivin e Boudreau, 2014). Várias linhas
de pesquisa têm associado, ainda, a ruptura do sistema circadiano com o surgimento
de várias doenças, inclusive distúrbios metabólicos (Brown, 2016; Shimizu et al.,
2016).
Maquinaria do relógio central
Em mamíferos, o ciclo claro-escuro (LD) é a principal pista temporal
responsável pelo arrastamento do relógio central. As células ganglionares
intrinsicamente fotossensíveis (ipRCGs) presentes na retina são responsáveis pela
sincronização do relógio central (Guler et al., 2008). Uma vez que essas células são
foto-ativada, a melanopsina converter o estimulo luminoso do ambiente em um sinal
eletrico, e através do trato retino-hipotalâmico envia a informação ao NSQ. Há muito
tempo é conhecido o efeito da luz sobre a atividade locomotora de camundongos:
sabe-se que exposição à luz no início da noite atrasa a fase do relógio; enquanto que
exposição à luz durante a noite avança o relógio; já exposição à luz durante o dia
subjetivo gera pouco ou quase nenhum efeito na fase do relógio (Pittendrigh and
Daan, 1976).
O sincronismo do relógio biológico é gerado de forma autônoma nos NSQs. Ao
centro deste sincronismo encontram-se os genes de relógios, os quais são as
ferramentas biológicas capazes de marcar o tempo através de um complexo
mecanismo bioquímico. O mecanismo molecular do relógio em mamíferos é
atualmente bem conhecido e compreende alças de retro-alimentação envolvendo pelo
menos 10 genes (Buhr and Takahashi, 2013). Os genes Bmal1 e Clock codificam
proteínas que formam a alça positiva deste circuito; no citoplasma as proteínas
BMAL1 e CLOCK formam um heterodímero (BMAL1/CLOCK) que migra até o núcleo
onde se liga a sequências E-box presentes nos promotores de seus genes alvos
(Ohno et al., 2007). A expressão dos genes Per (1,2,3) e Cry (1 e 2) é ativada por
95
BMAL1/CLOCK, sendo estes genes parte da alça negativa dos genes de relógio.
Subsequentemente, as proteínas PER e CRY formam um heterodímero (PER/CRY)
que migra para o núcleo onde inibe a atividade de BMAL1/CLOCK (Buhr and
Takahashi, 2013).
Além deste circuito há um segundo, o qual é ativado por CLOCK/BMAL1 e está
em coordenação com o primeiro descrito acima. CLOCK/BMAL1 através de
sequências E-box presentes na região promotora dos genes Rev-Erbα/β e Rorα/β
ativa a transcrição dos mesmos. As proteínas REV-ERB e ROR competem pela
sequência RORE presente na região promotora de Bmal1, sendo que REV-ERB inibe
enquanto ROR ativa a transcrição de Bmal1 (Preitner et al., 2002; Buhr and Takahashi,
2013).
Aparentemente, Per1 e Per2 compartilham papeis complementares e não
redundantes na mediação dos efeitos fóticos nos NSQs, sendo atribuído ao PER1 um
papel de interação com outras proteínas do relógio (participação em nível póstranscricional), enquanto ao PER2 é atribuído o papel de regulador positivo da
expressão gênica dos genes de relógio (Bae et al., 2001). O fenômeno de
compensação paráloga é descrito muito bem nos NSQs: uma redução em Per1 ou
Cry1 resulta em níveis elevados de Per2 ou Cry2, respectivamente, porém o mesmo
efeito não ocorre quando a redução for em Per2 ou Cry2 (Baggs et al., 2009). O último
membro da família Per – Per3 – parece não desempenhar um papel importante na
regulação dos demais genes de relógio nos NSQs, sendo sua função até o presente
momento nula no arrastamento fótico do relógio central (Shearman et al., 2000; Bae
et al., 2001).
Interessantemente, camundongos que possuem deleção de ambos Per1 e
Per2 não são arrastados pelo ciclo claro-escuro (Bae et al., 2001). Por sua vez, duplos
nocautes para Per1/Per2 e Cry1/Cry2 não apresentam ritmicidade intrínseca (van der
Horst et al. 1999; Vitaterna et al., 1999; Bae et al., 2001). E a remoção de Clock nos
NSQs não leva à perda de ritmicidade de atividade locomotora (Debruyne et al., 2006),
pois o gene Npas2 é capaz de assumir a função de Clock (DeBruyne et al., 2007);
contudo, a remoção de Bmal1 resulta na perda da ritimicidade da atividade locomotora
(Bunger et al., 2000; Mieda and Sakurai, 2011).
96
Genes de Relógio e Metabolismo
Grande atenção foi dada a relação entre metabolismo e controle circadiano
após os estudos de Rudic (2004) e Turek (2005), onde foi demonstrado que
camundongos nocaute para o gene Clock e Bmal1 apresentavam alterações
metabólicas. Hoje está claro que animais com alterações genéticas em componentes
do relógio apresentam diversas características de síndrome metabólica, incluindo
obesidade, diabetes, esteatose, doenças cardíacas e ateroesclerose (Zarrimpar et al.,
2016).
Quase todas as funções do metabolismo variam ao longo do dia, tanto em nível
molecular quanto sistêmico. Em nível molecular, o eixo mais proeminente é
encontrado na via dos cofatores NAD/NADH. A regulação da síntese de NAD assim
como atividade mitocondrial são eventos controlados pelo relógio. Uma família
especifica de proteínas, sirtuínas, as quais atuam como desacetilizes dependentes de
NAD+ regulam diretamente a expressão de genes controlados pelo relógio através da
desacetilação de proteínas do relógio e histonas (Asher et al., 2008 ; Nakahata et al.,
2008). Em nível sistêmico temos uma complexa rede de parâmetros fisiológicos que
funcionam de maneira inter-relacionada apresentando um perfil oscilatório. São
exemplos disto, hormônios glicocorticoides que governam a conversão de açúcar,
gordura e proteínas em glicose; a síntese de insulina que promove a absorção de
glicose e o armazenamento de gordura; e os hormônios relacionados ao apetite, como
leptina e grelina, que regulam a ingestão de alimentos.
Estudos com remoção do NSQ demonstraram alterações de pese em vários
modelos de roedores, na eliminação de glicose plasmática dependente e
independente de insulina. Já em estudos com animais geneticamente modificados foi
observado que camundongos Clock mutante apresentam um aumento das células
adiposas, enquanto que animais Bmal1 nocaute apresentam maior susceptibilidade à
dieta de alto teor lipídico. Em adição ambos os animais possui diminuição da tolerância
a glicose, indicado por um aumento drástico na concentração de glicose plasmática
(Rudic et al., 2004). Por outro lado, a tolerância lipídica (diminuição de triglicerídeos
na circulação após uma ingesta lipídica aguda) é aumentada nos animais Clock
mutantes. Esses dados indicam que as alterações metabólicas causadas pela
desregulação temporal podem causar prejuízos tanto de curto prazo (tolerância a
97
glicose e lipídeo) quanto em longo prazo (aumento de adiposidade) (McGinnis e
Young 2016).
Outro aspecto relacionado ao controle circadiano diz respeito à secreção de
insulina. Animais Clock mutante exibem uma diminuição da concentração de insulina
durante teste de tolerância a glicose. Ainda, animais nocaute específicos de Bmal1
nas células beta pancreáticas apresentam secreção de insulina comprometida
(Marcheva et al., 2010).
A relação entre controle circadiano e o tecido adiposo é suportada por estudos
que mostram que o BMAL1 desempenha um papel na diferenciação dos adipócitos e
na lipogênese. O tecido adiposo marrom e branco possuem forte influencia sobre o
metabolismo, sendo que cada um deles exerce diferentes funções. O tecido adiposo
branco possui importante papel no estoque de triglicerídeos, e também participa como
um órgão endócrino através da liberação leptina e adiponectina. Já o tecido adiposo
marrom, que possui grande quantidade de mitocôndrias, representa um importante
papel na termogênese e gasto de energia. Camundongos nocaute para Bmal
específico no tecido adiposo marrom apresentam aumento de massa do tecido, e são
mais tolerantes a exposição a baixas temperaturas em comparação aos animais
selvagens (McGinnis e Young 2016).
Durante a diferenciação dos adipócitos o transcrito de BMAL1 aumenta durante
este processo, sendo altamente expresso em adipócitos diferenciados (Shimba et al.,
2005). Por outro lado, a ausência completa do gene BMAL1 nas células do tecido
adiposo resulta em lipogênese elevada (Maury et al., 2010) o que leva ao acúmulo
excessivo de gordura e possivelmente a obesidade.
A manutenção dos ritmos circadianos é essencial para a homeostase
energética, sendo que falhas na manutenção na geração do ritmo podem afetar
severamente a saúde podendo levar, por exemplo, ao surgimento de obesidade.
Assim, entender os mecanismos de controle do relógio biológico torna-se de grande
importância para o estabelecimento de terapias e criação de fármacos a serem usados
no tratamento ou mitigação dessas patologias.
98
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101
Um novo entendimento de como o organismo interpreta o
tempo: A pele como um modelo de estudo
Leonardo Vinícius Monteiro de Assis
[email protected]
Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação
A relação entre o relógio central e os relógios periféricos
Em praticamente todas as células de mamíferos foi demonstrada a presença
dos genes de relógio. Durante muitos anos a relação entre o relógio central e os
relógios periféricos foi debatida. Inicialmente foi proposto um modelo “mestreescravo”, pelo qual a sincronização dos relógios periféricos era toda e exclusivamente
atribuída aos NSQs, sendo os relógios periféricos insensíveis ou não afetados por
estímulos internos e/ou externos (Dibner et al., 2010; Richards and Gumz, 2012). O
segundo modelo foi o de uma “orquestra”: os NSQs são representados por um
“maestro” e os relógios periféricos como “membros da orquestra”. Neste mesmo
modelo, cada relógio periférico tem a capacidade de tocar o seu próprio “instrumento”,
porém é dada ao maestro – os NSQs – a direção que permite a condução eficiente e
harmônica da melodia. Portanto, cada relógio periférico é capaz de se adaptar a
diversos estímulos externos ou internos, mas sendo estes regidos pelo ciclo claroescuro, o qual é percebido pelos NSQs (Kowalska and Brown, 2007; Dibner et al.,
2010; Richards and Gumz, 2012). O modelo de orquestra implica em hierarquia pela
qual os NSQs influenciam os relógios periféricos; porém, novas evidências têm
questionado este modelo, pois sinais temporais como, por exemplo, tempo de
alimentação, podem reiniciar a maquinaria do relógio periférico sem alterar os ritmos
nos NSQs (Buijs et al., 2013). Estes resultados conduziram os cientistas a propor um
novo modelo cunhado de “federado” (do inglês Federated) (Husse et al., 2015),
detalhado a seguir.
A presença de um sistema de organização composto de diferentes zeitgebers
que atuam de forma independente nos tecidos periféricos é bastante interessante.
Recentemente, uma nova estratégia experimental trouxe grande entendimento sobre
o papel dos NSQs no controle dos relógios periféricos. Nestes estudos o gene Bmal1
foi deletado seletivamente nos NSQs (Husse et al., 2011; Husse et al., 2014) ou na
parte posterior do cérebro incluindo o NSQ (Izumo et al., 2014). Quando estes
102
camundongos foram mantidos em escuro constante (DD) não foi observado ritmo de
atividade locomotora, mas quando submetidos a ciclos claro-escuro o ritmo de
atividade locomotora foi observado, o que não acontece em camundongos que
possuem os NSQs lesionados (Ralph et al., 1990). Além disso, os níveis de
glicocorticoides mostraram uma grande oscilação em ciclo claro-escuro, mas quando
submetidos a DD esta oscilação foi perdida (Husse et al., 2011). Estes estudos,
portanto, sugerem que os NSQs são necessários para a sincronização dos relógios
periféricos quando não há pistas ambientais (Husse et al., 2014; Husse et al., 2015).
Interessados em entender o papel da alimentação na regulação dos relógios
periféricos, os autores utilizaram a estratégia de restringir o tempo de dieta em DD.
Curiosamente, as pistas de alimentação sincronizaram os relógios do fígado e rins,
enquanto os relógios do coração, pulmão e baço foram menos sensíveis, o que sugere
que, na ausência de um relógio central funcionante, estes ritmos são perdidos, mas
podem ser resgatados por zeitgeber externos como, por exemplo, ciclos claro-escuro
e tempo de alimentação (Izumo et al., 2014).
Estes estudos mencionados acima sugerem ainda que o zeitgeber externo é
específico para cada tecido; no modelo “federado” cada processo fisiológico é
sincronizado por zeitgebers mais relevantes ao processo em particular, conferindo
assim plasticidade ao sistema. Na ausência de pistas ambientais, os relógios
periféricos dependem dos sinais coordenadores oriundos dos NSQs; todavia, estes
ritmos podem ser restaurados por um zeitgeber externo, o que sugere a existência de
outras vias pelas quais os relógios periféricos são sincronizados independentemente
do relógio central (Husse et al., 2015). Interessantemente, a visão do modelo federado
permite uma melhor adaptação do organismo ao ambiente que está em constante
mudança.
Relógio circadiano na pele
Como a pele forma uma barreira entre o corpo e o ambiente externo não é
surpreendente que a mesma esteja sobre a influência de oscilações ambientais, por
exemplo, exposição à luz e temperatura. Há fortes evidencias de um sistema
circadiano local responsável pelo controle de diversas funções celulares (Sandu et al.,
2012; Luber et al., 2014). De fato, variações ao longo do tempo na recuperação da
barreira de proteção da pele (Yosipovitch et al., 2004), na perda de água
transepidérmica (Yosipovitch et al., 1998), na secreção de sebo, na temperatura e pH
103
(Le Fur et al., 2001), bem como na proliferação celular (Luber et al., 2014) foram
observadas.
Inicialmente no ano de 2000, foi relatada pela primeira vez, a presença de Clock
e Per1 na pele humana (Zanello et al., 2000). No ano seguinte, foi demonstrado que
na mucosa e pele de humanos a expressão de Clock, Tim, Per1, Cry1 e Bmal1 é
cíclica, além de ser constatado que a expressão de Per1 ocorria na mesma fase que
a enzima timidilato sintetase, sugerindo assim uma relação entre o sistema circadiano
periférico e o ciclo celular (Bjarnason et al., 2001). Em adição, a radiação UVB leva a
uma regulação negativa (decréscimo da expressão gênica) da expressão de Per1,
Clock e Bmal1 em queratinócitos, a qual passa posteriormente a ser regulada
positivamente ao longo do tempo (Kawara et al., 2002).
Em queratinócitos humanos, verificou-se a presença de uma maquinaria
circadiana funcional, sincronizada por dexametasona, a qual induz um perfil oscilatório
da expressão dos genes de relógio. Além disso, a intervenção farmacológica em
alguns dos membros da maquinaria dos genes do relógio levou à perda das oscilações
na sua expressão. Para esse tipo celular, o choque de temperatura de 33ºC por duas
horas promoveu a sincronização dos genes de relógio e outros genes, denominados
genes controlados pelo relógio, os quais nesse cenário estão relacionados com a
homeostase do colesterol e diferenciação dos queratinócitos (Sporl et al., 2011).
Fibroblastos, queratinócitos, e melanócitos humanos possuem a maquinaria
circadiana, apresentando relações de fase e período de expressão de genes de
relógio específicos para cada tipo celular, após a sincronização com dexametasona –
fato sugestivo da presença de mecanismos de regulação particulares em cada tipo
celular. Diante disso, sugere-se a presença de um sistema circadiano multioscilatório
periférico que possa ser responsável pelo ajuste fino da fisiologia da pele mediante os
sinais ambientais externos, tais como radiação UV e temperatura, e dos sinais
sincronizadores oriundos do NSQs (Sandu et al., 2012). É interessante observar que
o funcionamento da maquinaria do relógio na pele se desenvolve somente após dois
meses em camundongos. Ademais, nenhuma alteração na fase e período foi
observada entre camundongos jovens e envelhecidos; entretanto foi observado um
efeito tempo-dependente na amplitude do ritmo de expressão de Per1, sendo a
amplitude do ritmo de Per1 maior 6 meses quando comparada aos demais tempos
posteriores (Sandu et al., 2014).
104
O reparo de DNA na pele também está sob o controle da maquinaria do relógio,
pois há oscilação nos níveis de expressão de enzimas chave deste processo. De fato
foi observado que os níveis de RNAm e proteínas da XPA exibem variações
circadianas em tecidos de camundongos (Kang et al., 2009), inclusive na pele
(Gaddameedhi et al., 2011). A importância do controle temporal do sistema de reparo
de DNA é observada em camundongos expostos à radiação UVB pela manhã –
quando níveis de XPA estão reduzidos – e pela tarde. O grupo exposto pela manhã
apresentou elevadas taxas de câncer de pele quando comparado ao grupo exposto
pela tarde (Gaddameedhi et al., 2011). Uma vez que o reparo de DNA é menos
eficiente pela manhã, os danos causados pela radiação UVB neste período leva ao
estresse da maquinaria de replicação gênica, a qual está associada com a parada das
DNA polimerases em locais que apresentam danos de DNA não reparados e maior
indução de p53. Consequentemente, a somatória destes eventos leva a promoção de
apoptose e eritema (Gaddameedhi et al., 2015).
O sistema circadiano multioscilatório da pele também regula a hidratação do
estrato córneo em humanos (Yosipovitch et al., 1998; Matsunaga et al., 2014; Luber
et al., 2014). Interessantemente, na pele foi demonstrada a existência de uma
separação temporal entre a fase com elevados níveis de ROS com a fase S do ciclo
celular (Geyfman et al., 2012). Consequentemente, a sensibilidade a dano de DNA
em reposta à UVB é dependente do tempo em camundongos selvagens, mas é
perdida quando Bmal1 é deletado seletivamente em queratinócitos (Geyfman et al.,
2012). O sistema de produção de melanina presente em melanócitos, o qual é de
grande relevância para a proteção da pele contra os efeitos da radiação UV e luz,
também apresenta um componente de regulação circadiano. Hardman e
colaboradores (2015) demonstraram que o silênciamento de Bmal1 ou Per1 induz
aumento do conteúdo de melanina, da expressão e atividade da tirosinase e da
dentricidade dos melanócitos dos folículos capilares em humanos. Adicionalmente,
essa deleção leva ao aumento da quantidade de melanossomos e do número de
melanócitos. Tais achados demonstram que a modulação dos genes de relógio pode
ser uma nova abordagem terapêutica em um futuro próximo para doenças como o
vitiligo (Hardman et al., 2015). Além de controlar processos chaves na pele, conforme
descrito acima, o sistema de controle temporal da pele está também associado com o
desenvolvimento de doenças que acometem esse órgão como, por exemplo, a
105
psoríase (Ando et al., 2015). Curiosamente, foi demonstrada uma incidência
aumentada de psoríase em trabalhadores noturnos, os quais apresentam ritmos
circadianos constantemente perturbados (Li et al., 2013).
Apesar de sabermos alguns processos controlados pela maquinaria de relógio
local na pele, ainda é pouco conhecido à interação entre os relógios presente na pele
e os NSQs. Entretanto, um estudo trouxe importantes contribuições para a
compreensão do papel da luz na sincronização dos relógios periféricos presentes na
pele e a influência dos NSQs sobre os mesmos. Foi demonstrado que várias partes
da pele de camundongos possuem expressão rítmica dos genes de relógio quando o
animal é submetido a ciclo de claro-escuro e também a DD (Tanioka et al., 2009).
Mediante a lesão dos NSQs dos camundongos foi observada a perda da ritmicidade
da atividade locomotora – conforme esperada – além da perda da ritmicidade da
expressão de Per1, Per2, Dbp e Bmal1 na pele dos animais. Além da ausência de
oscilação nos níveis de RNAm dos genes do relógio, a luz não foi capaz de sincronizar
diretamente a maquinaria dos genes de relógio no tecido periférico na ausência do
relógio central (Tanioka et al., 2009).
Baseados nos dados de Tanioka et al. 2009, foi sugerido que a maquinaria do
relógio presente na pele é “cega” a estímulos externos, sendo esta somente afetada
pelos sinais oriundos do NSQs (Plikus et al., 2015); entretanto, quando os dados de
Tanioka et al., 2009 são analisados e inseridos no contexto do modelo federado, a
responsividade da pele a estímulos externos, como luz e temperatura, ainda não está
estabelecida.
Apesar do complexo envolvimento do sistema de controle temporal local nas
funções da pele ser ainda pouco entendido, menos ainda é compreendido como este
sistema se comporta nos casos de câncer de pele. Nesta linha de raciocínio foi
demonstrado recentemente que a expressão de genes de relógio em melanomas é
significativamente reduzida quando se compara com a expressão dos mesmos no
tecido adjacente não tumoral. De fato, a redução na expressão dos genes de relógio
em melanoma está relacionada com a espessura do tumor (Grau de Breslow) e nível
mitótico (Lengyel et al., 2013).
Recentemente, nosso grupo demonstrou a presença de um sistema
fotorreceptor presente em melanócitos murinos normais e malignos. Fornecemos
evidência que melanomas são mais responsivos à luz branca, fato este que pode
106
contribuir para o desenvolvimento e progressão de melanoma. Este conhecimento
poderá ser explorado no desenvolvimento de novas estratégias farmacologias bem
como aumentará nosso conhecimento sobre o desenvolvimento de melanoma (de
Assis et al., 2016).
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110
Eixo Imune-Pineal: adequação temporal do organismo em
condições fisiológicas e fisiopatológicas
GABRIELA SARTI KINKER
[email protected]
Laboratório de Neuroimunoendocrinologia
SANSERAY DA SILVEIRA CRUZ-MACHADO
[email protected]
LABORATÓRIO CRONOFARMACOLOGIA
Organismos multicelulares apresentam um sistema de temporização interna que
permite o funcionamento integrado de órgãos e sistemas frente às alterações
ambientais cíclicas. A passagem do tempo é marcada internamente por um relógio
biológico endógeno que exibe um padrão oscilatório auto-sustentável, ou seja,
apresenta ritmicidade mesmo na ausência de pistas temporais externas. O relógio
biológico medeia a adaptação temporal das espécies, a qual reflete a harmonização
entre os ritmos dos indivíduos e os ciclos ambientais. Essa harmonização se da por
meio do ajuste da fase e frequência do ritmo endógeno, gerado pelo relógio, por um
ou mais fatores cíclicos externos. O caráter endógeno dos ritmos biológicos
proporciona às espécies a capacidade de antecipar eventos ambientais previsíveis.
Dessa forma, os indivíduos encontram-se fisiologicamente preparados para responder
de maneira adequada a alterações externas recorrentes.
Em mamíferos, o sistema de temporização interna contempla a integração
funcional de vias de sinalização neurais e hormonais. A informação fótica ambiental é
detectada por células ganglionares da retina e transmitida, via trato retinohipotalâmico, aos núcleos supraquiasmáticos (NSQs) hipotalâmicos, o relógio
biológico central de mamíferos. A partir dos NSQs, vias neurais convergem ou
divergem para diferentes áreas do sistema nervoso central. Como exemplo, os NSQs
inervam a glândula pineal por uma via poli-sináptica, exercendo controle central sobre
a produção rítmica de melatonina, o “hormônio do escuro”. A via de biossíntese da
melatonina é bastante conservada entre espécies e envolve a acetilação de
serotonina pela enzima arilalquilamina N-acetiltransferase (AANAT), seguida pela
metilação
de
N-acetilserotonina
(NAS)
pela
enzima
acetilserotonina
O-
metiltransferase (ASMT). Durante a noite, a liberação de noradrenalina pelas fibras
simpáticas que inervam a pineal induz a transcrição e/ou ativação da enzima AANAT,
111
promovendo a síntese de melatonina
A melatonina é uma indolamina com mecanismos de ação pleiotrópicos: ativa
receptores próprios acoplados a proteína G, inibe o complexo cálcio-calmodulina no
citoplasma e apresenta ação antioxidante direta e indireta. A secreção rítmica dessa
indolamina pela glândula pineal apresenta um papel central na sincronização de
diversos ritmos fisiológicos como, por exemplo, os ciclo reprodutivos e de sono/vigília.
Além disso, a melatonina é
sintetiza por diversas células/tecidos extra-pineais,
incluindo o trato gastrointestinal, retina, células imunes ativadas e células do sistema
nervoso central. De maneira geral, a melatonina extra-pineal não é liberada na
circulação em concentrações significantes, mas atua localmente, participando da
modulação de respostas inflamatórias, da ativação de células imunes e da
citoproteção dos tecidos.
A primeira linha de defesa do organismo frente a um dano tecidual é a resposta
inflamatória, um processo biológico complexo que envolve sinais clínicos
característicos: rubor, calor, edema, dor e perda de função. O processo inflamatório
se manifesta de forma estereotipada e apresenta mecanismos moleculares que
coordenam seu início, manutenção e resolução. A inflamação inicia-se pela dilatação
e aumento da permeabilidade de vasos da microcirculação próxima ao tecido
comprometido. Observa-se, assim, um aumento do fluxo sanguíneo local,
extravasamento de plasma para o espaço intersticial e migração trans-endotelial de
células imunes. O influxo de células para o foco da inflamação contribui não só para
a eliminação do agente infeccioso, mas também para a cicatrização e regeneração
tecidual. Interessantemente, em condições de higidez, a melatonina circulante,
secretada pela glândula pineal durante a noite, inibe a transmigração de neutrófilos
pela camada endotelial, impedindo a montagem da resposta inflamatória.
A adequação temporal das reações fisiológicas frente a agentes estressores
físicos, químicos e infecciosos é essencial para a manutenção da homeostase do
organismo. Nesse sentido, é interessante notar que, durante respostas inflamatórias,
observa-se uma redução transiente na síntese de melatonina pela glândula pineal, o
que por sua vez, possibilita a transmigração de células imunes. Uma vez no tecido
inflamado, células imunes passam a produzir melatonina localmente, a qual atua
aumentando a fagocitose de potenciais patógenos e debris celulares, inibindo a
proliferação bacteriana e reduzindo os níveis de radicais livres. Essa alternância das
112
fontes de produção de melatonina representa um elo que integra os sistemas
endócrino e imune e, sendo assim, foi denominado de eixo imune-pineal.
A glândula pineal funciona, portanto, como um sensor do estado patológico do
organismo e encontra-se instrumentada para detectar diferentes mediadores
inflamatórios presentes na circulação. Padrões moleculares associados a patógenos
(PAMPs) e a perigos (DAMPs), como o lipopolissacarídeo de bactérias Gramnegativas (LPS), e a citocina pró-inflamatória fator de necrose tumoral (TNF),
respectivamente, estimulam receptores de membrana específicos presentes em
pinealócitos. Assim como observado em células imunes, a ativação de tais receptores
desencadeia, de forma convergente, a ativação da via de sinalização do fator de
transcrição nuclear kappa B (NFB). Em ambos os casos, NFB modula a transcrição
gênica de AANAT e, dependendo do tipo celular, inibi ou ativa a produção de
melatonina.
NFB está envolvido, classicamente, no controle da resposta imune inata,
participando também da regulação da proliferação celular e apoptose. Em mamíferos,
a família do NFB é constituída por 5 subunidades: RELA (p65), RELB, c-REL, p50 e
p52. Todas ela apresentam o domínio de homologia Rel (RHD), responsável pela
dimerização dessas proteínas e pela sua ligação a elementos B no DNA. Apenas as
isoformas RELA, RELB e c-REL apresentam o domínio de transativação (TAD) em
sua porção carboxiterminal, ao qual se ligam proteínas que participam da síntese de
RNAs mensageiros. Dessa forma, quando uma das subunidades do dímero apresenta
o domínio TAD, a ligação a elementos B de regiões promotoras estimula a
transcrição gênica, a qual, entretanto, é bloqueada na ausência desse domínio
protéico.
Na glândula pineal, a translocação nuclear de dímeros de NFB p50/p50,
induzida por mediadores inflamatórios como LPS e TNF, bloqueia a transcrição do
gene AANAT, sendo responsável pela redução da síntese noturna de melatonina. Em
células imunes ativadas, por outro lado, a translocação nuclear de dímeros de NFB
p50/RELA ativa da transcrição do gene AANAT e induz a síntese de melatonina.
Dessa forma, a via de sinalização de NFB representa uma das bases moleculares
do eixo-imune pineal, sendo essencial para a alternância da produção de melatonina
observado em condições de inflamação aguda.
113
Fig. 1. Eixo Imune-Pineal. Em condições de higidez, a produção rítmica de melatonina pela glândula
pineal limita a migração de células imunes quiescentes. Durante respostas inflamatórias, ocorre uma
redução transiente da produção noturna de melatonina pela glândula pineal, o que permite a migração
de células imunes para o tecido comprometido. As células imunes ativadas passam, então, a produzir
melatonina, a qual atua localmente estimulando a fagocitose.
A alternância de fontes de produção de melatonina pode ocorrer também entre
a glândula pineal e células do sistema nervoso central, durante um processo
neuroinflamatório. Nesse contexto, observa-se um aumento NFB-dependente da
síntese de melatonina por células da glia no cerebelo, ao mesmo tempo em que a
glândula pineal deixa de sintetizar essa indolamina. A melatonina proveniente das
células da glia atua de forma autócrina/parácrina por meio da ativação de seus
receptores de membrana e protege o cerebelo contra citotoxicidade induzida pela
inflamação. Por outro lado, áreas como o córtex e hipocampo não apresentam essa
proteção privilegiada, já que durante a neuroinflamação seus níveis basais de
produção de melatonina se mantém inalterados. Dessa forma, compreender onde,
quando e como a melatonina extra-pineal atua pode fornecer um arcabouço conceitual
para o estabelecimento de estratégias terapêuticas que considerem a utilização de
melatonina e análogos no tratamento de quadros inflamatórios.
114
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115
Leishmanioses como modelo de estudos de fisiologia da
interação patógeno-hospedeiro
Ricardo Zampieri
[email protected]
Sandra Muxel
[email protected]
Laboratório Fisiologia de Tripanossomatídeos
Organismos
do
gênero
Leishmania
são
protozoários
flagelados,
exclusivamente parasitas, posicionados taxonomicamente da seguinte forma: Reino
Protista; Sub-Reino Protozoa; Filo Sarcomastigophora; Sub-Filo Mastigophora;
Classe Zoomastigophorea; Ordem Kinetoplastida; Sub-Ordem Trypanosomatina;
Família Trypanosomatidae (Lainson e Shaw, 1987). Seu ciclo de vida é heteroxênico,
ou seja, o parasita se desenvolve em dois hospedeiros, um inseto vetor hematófago
(flebotomínio) e um hospedeiro vertebrado. No repasto sanguíneo, o flebotomíneo
aspira, junto com o sangue, macrófagos infectados que liberam Leishmania em seu
tubo digestório, onde os parasitas se reproduzem e se diferenciam em formas
infectivas. No repasto sanguíneo seguinte, formas infectivas são inoculadas em novo
hospedeiro vertebrado e são fagocitados por macrófagos residentes no tegumento,
no interior dos quais se diferenciam e reproduzem (Rey, 2001). Leishmaniose é o
termo genericamente empregado para designar as doenças causadas por
Leishmania. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde o número de
pessoas acometidas pela doença é de cerca de 12 milhões, em 98 países. Cerca de
350 milhões de pessoas constitui a população potencialmente sob o risco de contrair
leishmanioses, vivendo em áreas de transmissão e, anualmente, o número estimado
de novos casos é de 2 milhões (Alvar et al. 2012; WHO, 2010). Sob a ótica clínica, as
leishmanioses são divididas em dois principais grupos, denominados leishmanioses
tegumentares e leishmaniose visceral. As formas tegumentares são consideradas
clinicamente menos graves, visto que seus efeitos são delimitados a mucosas e/ou
pele, porém podem resultar em quadros desfigurantes e graves, com a destruição de
palato e septo nasal, por exemplo. A leishmaniose visceral é potencialmente mais
grave e acomete o sistema linfo-monocitário, muitas vezes com evolução fatal quando
não tratada de forma adequada, o que ocorre em cerca de 10% dos casos (Basano e
116
Camargo, 2004; Gontijo e Melo, 2004). O amplo espectro clínico é um fator que
dificulta os processos diagnósticos das leishmanioses. Contudo, um diagnóstico
diferenciado, além de promover maior eficácia no tratamento dessas doenças,
discrimina essas patologias de outras, muitas vezes endêmicas nas mesmas áreas.
Também, a severidade das leishmanioses e suas respostas às intervenções
terapêuticas mostram-se variáveis, dependendo das espécies de Leishmania
envolvidas na infecção (Reithinger e Dujardin, 2007). Além disso, a correta
identificação dos agentes etiológicos das leishmanioses é fundamental em estudos
epidemiológicos, ecológicos, clínicos e farmacológicos, entre outros.
1) Identificação de Leishmania spp. e diagnóstico de leishmanioses
O diagnóstico laboratorial das leishmanioses é baseado na demonstração da
presença do agente, ou seja, na busca direta por microscopia, por cultivo de material
biológico em meio apropriado para o crescimento do parasita ou pela detecção de
biomoléculas do parasita, como ácidos nucleicos e proteínas; ou indiretamente, pela
detecção de antígenos produzidos pelo hospedeiro contra o parasita. As
características genéticas estão codificadas nas moléculas de DNA. Considerando que
todos os organismos têm uma origem comum e, portanto, estão relacionados entre si,
parte da informação genética é comum entre vários grupos de organismos. Contudo,
uma parte do genoma compõe um perfil específico, obtido pela evolução,
característico das diferentes espécies.
De uma maneira geral, as moléculas
empregadas como alvos na detecção e identificação de organismos são altamente
conservadas entre as diferentes espécies, por terem importante função biológica e
assim, estarem sobre uma alta pressão de seleção. Algumas regiões do DNA podem
servir, por isso, como importantes marcadores evolutivos, apresentando baixas
variações em suas estruturas e permitindo, muitas vezes, a sua discriminação
específica por meio da exploração da presença de mutações. Recentemente alguns
trabalhos descreveram a discriminação de espécies causadoras de leishmaniose pela
aplicação de análises de HRM (High Resolution Melting), método capaz de detectar
diferenças na composição nucleotídica de segmentos específicos de DNA entre as
diferentes espécies (Zampieri et al. 2016). Esta técnica de biologia molecular é
baseada nas propriedades termodinâmicas do DNA e é capaz de discriminar
117
diferenças nos perfis de dissociação de pequenos fragmentos de DNA amplificados in
vitro resultantes de mutações espécie-específicas.
2) Transporte de aminoácidos em Leishmania
A L-arginina é um aminoácido catiônico precursor de óxido nítrico, ureia,
ornitina, citrulina, creatinina, agmatina, glutamato, prolina e poliaminas. É utilizado
pela enzima arginase para produzir L- ornitina e ureia e está envolvido em importantes
vias metabólicas e fisiológicas. O sucesso da infeção no mamífero depende da
capacidade do parasita em subverter os mecanismos de defesa do macrófago e do
escape de respostas do sistema imune do hospedeiro (Bogdan e Rollinghoff, 1998;
Cunningham, 2002). Dentre as estratégias do sistema imune estão a participação da
enzima óxido nítrico sintetase induzida (iNOS), uma enzima importante de resposta
do macrófago, que quando ativada produz citrulina e óxido nítrico (NO) a partir da
oxidação da L-arginina, sendo NO uma molécula altamente reativa, efetora no
combate a microrganismos invasores (Qadoumi et al. 2002). Por outro lado, para
sobreviver nos macrófagos, os parasitas do gênero Leishmania são capazes de evadir
desses mecanismos de defesa, utilizando a L- arginina na biossíntese de poliaminas,
para se replicar e estabelecer a infecção (Mukhopadhay e Madhubala, 1995; Camargo
et al. 1978). Assim, o interesse no estudo da arginase tem sido evidente,
principalmente por seu papel imunoregulatório, já que pode reduzir concentrações de
NO produzido por macrófagos ativados e limitar a disponibilidade de L-arginina,
favorecendo a resistência de alguns patógenos aos mecanismos de defesa do
hospedeiro (Liew et al. 1990; Iniesta et al. 2001). A tomada e transporte de L-arginina
nos macrófagos é realizado através do transportador cationic amino acid transporter
2B (CAT2B) (Closs et al. 2004). Já a tomada desse aminoácido no parasita se dá
através do transportador amino acid porter 3 (AAP3) (Darlyuk et al. 2009). Este
sistema é competitivamente regulado, e depende da concentração de L-arginina
disponível e do tipo de resposta imune, que pode direcionar para indução da
expressão de iNOS para produção de NO e morte do parasita. Ou para indução da
expressão de arginase para a via de poliaminas e crescimento do parasita.
3) Transporte de lipídios na membrana celular de Leishmania
118
Nos mamíferos, a principal célula parasitada pela Leishmania é o macrófago,
já o parasita apresenta mecanismos de escape que permitem sua sobrevivência e
multiplicação na célula hospedeira. Dentre os mecanismos de defesa utilizados pela
Leishmania contra o ataque dos macrófagos, destacaremos a morte celular
programada. A fisiologia normal desse processo exige a remoção das células em
processo de morte programada sem que haja inflamação em organismos
multicelulares (Vaux e Korsmeyer, 1999). O fosfolipídeo fosfatidilserina (PS) é um
fosfolipídeo constitutivamente presente na face interna da membrana plasmática da
grande maioria das células, e um dos primeiros sinais de apoptose é a exposição de
PS na face externa da membrana plasmática, sendo normalmente detectado com
ligação em anexina V-FITC. Essa molécula participa da remoção pelos macrófagos
dessas células em apoptose sem inflamação local (Fadok, de Cathelineau et al. 2001).
No entanto, recentemente, em colaboração com o grupo do Prof. Pomorski, não foi
possível detectar a presença de PS. Porém, foram identificados outros fosfolipídeos,
como ácido fosfatídico, fosfatidiletanolamina (PE), fosfatidilglicerol e fosfatidilinositol
que podem ser as moléculas responsáveis pela ligação à anexina-V (Weingärtner et
al. 2012). Assim, levando em consideração que há o reconhecimento de um
fosfolipídeo na superfície externa de células em apoptose, e que este é um dos sinais
que pode levar à desativação do fagócito, procuramos entender como se dá a
translocação dos fosfolipídeos na membrana plasmática do parasita. A estratégia
experimental do projeto consistiu na transfecção de parasitas selvagens com um
conjunto de cosmídeos, que formam uma biblioteca do genoma do organismo, de
modo a obter transfectantes que, por conta de uma superexpressão, apresentem o
ligante à anexina V em maior quantidade. Uma vez identificado(s) o(s) gene(s) do(s)
translocador(es), serão realizadas caracterizações tanto de sua expressão como de
seu papel funcional na exposição de fosfolipídeos, inclusive com a identificação com
a molécula que se liga a anexina V.
4) Regulação da expressão gênica em Leishmania
Durante o início da infecção por Leishmania, monócitos são recrutados ao sítio
de infecção e estão implicados na indução de uma resposta inflamatória, com
produção de óxido nítrico (NO) e espécies reativas de oxigênio (ROS), que são
necessários para a montagem de uma resposta imune inata e eliminação do parasita.
No entanto, a atividade microbicida dos macrófagos é subvertida pelos parasitas
119
permitindo sua sobrevivência e proliferação, promovendo diminuição na eficácia da
montagem de uma resposta imune adaptativa. As diferentes espécies de Leishmania
são capazes de induzir tanto respostas do tipo Th1 como Th2, mas geralmente esse
balanço é induzido para uma resposta Th2, como é o caso da infecção de
camundongos BALB/c, que são mais susceptíveis a infecção e que montam uma
resposta Th2 caracterizada pelo aumento na produção de IL-10, IL-4 e IL-13 e redução
na expressão da enzima óxido nítrico induzida (iNOS). Mas a imunidade protetora,
como vista em cepas de camundongos mais resistentes tais como C57BL/6,
desenvolvem uma forte resposta Th1, com aumento nos níveis de IL-12, IFN-ɣ e iNOS,
promovendo a contenção da infecção (Bacellar et al. 2000; Ghalib et al. 1995). Como
meio de subverter as funções microbicidas dos macrófagos, através da inibição da
produção de óxido nítrico (NO) e citocinas, o parasita medeia a ativação de proteínas
tirosina-fosfatases, que alteram a transdução de sinal e inibem a ativação e
translocação nuclear de NF-κB, AP-1, STAT e CREB, reduzindo a produção de
citocinas pro-inflamatórias (Ghosh et al. 2002; Ghosh et al. 2001; Ben-Othman et al.
2009) expressão de iNOS e da proteína “cation aminoacid transporter” - CAT2 que
transporta L-arginina (Dixit and Mak 2002) e induzem transcrição de IL-10 (GuizaniTabbane et al. 2004; Calegari et al. 2009). As citocinas do tipo Th1 (TNF e IFN-ɣ), e
sinais mediados via TLR, induzem os macrófagos a aumentar a expressão de iNOS,
metabolizar L-arginina para produção de NO e assim eliminar o parasita (Green et al.
1990; Green et al. 1990; Liew et al. 1991). No entanto, citocinas com perfil Th2 (IL-4,
IL-10, IL-13 e TGF-β) induzem a expressão e ativação de arginase 1, que desvia a Larginina para produção de poliaminas nos macrófagos. Os parasitas, que utilizam um
transportador para captar L-arginina (AAP3) (Wanasen et al. 2007), aumentam a
expressão de arginase do parasita permitindo a sobrevivência e replicação da L. (L.)
amazonensis. Em trabalho realizado por nosso grupo, verificamos que L. (L.)
amazonensis nocaute para arginase (arg-) apresentam menor capacidade de infectar
e se replicar nos macrófagos (da Silva et al. 2012).
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123
O papel da fisiologia no estudo de múltiplos estressores e
seus impactos sobre a biota
Eleonora de Domenico
[email protected]
Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva
Apesar das mudanças ambientais serem naturais e ocorrerem em diferentes
escalas espaciais e temporais, atualmente a ação antrópica tem sido o principal
elemento indutor das alterações no sistema terrestre (Steffen, Crutzen et al. 2007). O
crescimento impetuoso da população e das atividades humanas está aumentando a
preocupação de que a pressão sobre a Terra possa desestabilizar sistemas biofísicos
críticos e disparar mudanças ambientais abruptas ou irreversíveis que podem ser
deletérias ou mesmo catastróficas para os ecossistemas (Rockström, Steffen et al.
2009). Tais mudanças incluem a destruição de habitats, a crise da biodiversidade, as
alterações na composição da atmosfera e no clima, com o aumento inegável da
temperatura global, o desequilíbrio no ciclo de nutrientes, em especial do nitrogênio,
a disseminação de espécies exóticas e de patógenos, além da degradação dos
recursos hídricos e a emissão de poluentes químicos (Steffen, Sanderson et al. 2005,
Blaustein, Gervasi et al. 2012). Elucidar os limites de resiliência dos sistemas naturais
e a capacidade de permanência das espécies em ambientes impactados representa
um dos principais desafios atuais para a comunidade científica.
O estudo dos efeitos das mudanças globais está relacionado ao conceito de
estressor, definido como uma variável que, como resultado da atividade humana,
excede seu intervalo normal de variação, podendo afetar táxons individuais (tanto
positiva como negativamente), ou mesmo influenciar a composição de comunidades
e
o
funcionamento
de
ecossistemas
(Piggott,
Townsend
et
al.
2015).
Tradicionalmente, o efeito de estressores tem sido discutido de modo isolado e o
estudo das interações entre tais agentes é ainda incipiente (Vinebrooke, Cottingham
et al. 2004). Contudo, uma vez que virtualmente todos os ambientes têm sofrido
mudanças multifatoriais, o entendimento das interligações e interações entre
diferentes estressores é fundamental para compreender respostas individuais e
populacionais à degradação ambiental (Brook, Sodhi et al. 2008). Neste contexto,
estudos em campo e testes experimentais com abordagens fisiológicas se tornam
cada vez mais necessários, uma vez que os agentes estressores podem afetar as
124
funções dos organismos em múltiplos níveis (Navas and Otani 2007, Huey, Kearney
et al. 2012, Cooke, Sack et al. 2013, Navas, Gomes et al. 2016). Assim sendo, a
fisiologia tem se configurado como uma poderosa ferramenta para investigar se
indivíduos ou populações estão impactados, quais sistemas e funções estão alterados
e quais as consequências dessas modificações funcionais sobre a sobrevivência e o
sucesso reprodutivo das populações (Miles 1994, Blaustein, Gervasi et al. 2012,
Seebacher and Franklin 2012, Navas, Gomes et al. 2016). O diagrama abaixo (Fig. 1)
ilustra as possíveis relações entre mudanças ambientais, processos fisiológicos e
potenciais consequências populacionais.
125
Fig. 1. Diagrama ilustrando as possíveis relações entre mudanças ambientais,
respostas fisiológicas e consequências populacionais. Adaptado de Blaustein, Gervasi
et al. (2012) com informações adicionais extraídas de Seebacher and Franklin (2012)
e Navas, Gomes et al. (2016).
Anfíbios, assim como os demais organismos, estão expostos a um grande
número de estressores ao longo do seu ciclo de vida e diversos estudos fornecem
exemplos de como as mudanças ambientais podem afetá-los nos níveis fisiológico e
populacional. Este é o caso da infecção por Ribeiroia, um trematódeo capaz de induzir
malformações em anfíbios anuros, quando as larvas aquáticas destes últimos são
infectadas pelas cercárias do parasita (Stopper, Hecker et al. 2002, Johnson and
Hartson 2009). Estudos experimentais têm demonstrado que a proporção de
indivíduos malformados pela infecção por Ribeiroia pode atingir valores tão elevados
quanto 20 a 100% da população de metamorfos (Blaustein, Gervasi et al. 2012). Um
estudo realizado em campo e laboratório com Hyliola regilla, por exemplo, revelou
que a infecção por Ribeiroia foi capaz de induzir malformações em cerca de 50% das
larvas que atingiram a metamorfose e que os indivíduos malformados apresentaram
distância de salto reduzida, menor atividade de forregeamento, diminuição da
resistência e da velocidade durante a natação e, consequentemente, redução da
sobrevivência em 22% (Goodman and Johnson 2011). Esse quadro preocupante,
contudo, pode ser potencializado pela degradação ambiental, dado que o caramujo
que atua como hospedeiro intermediário desse parasita (Helisoma spp.) é mais
comum em ambientes lênticos e eutrofizados (Chase 2003) e, além disso, já foi
demonstrado que herbicidas como a atrazina podem reduzir a resistência de anuros
à infecção por Ribeiroa (Chase 2003, Rohr, Schotthoefer et al. 2008, Blaustein,
Gervasi et al. 2012).
Assim como acontece com os patógenos, em muitos casos, a combinação de
estressores promove a intensificação do efeito isolado de fatores individuais. Essa
tendência foi encontrada por (Boone, Semlitsch et al. 2007) que examinaram o efeito
interativo de um inseticida, o carbaril, um fertilizante, o nitrato de amonia, um predador,
o peixe Lepomis macrochirus, e um competidor, a rã Lithobates catesbeianus, sobre
três populações experimentais de anfíbios (o sapo Anaxyrus americanus, a rã
Lithobates sphenocephalus e a salamandra Ambystoma maculatum). Como resultado,
126
os autores observaram que o efeito isolado do carbaril sobre a sobrevivência foi
positivo para L. sphenocephalus, neutro para A. americanus e negativo somente para
A. macutatum. O efeito isolado do nitrato foi neutro em todos os casos. No entanto, a
combinação desses dois fatores impactou negativamente a sobrevivência das três
espécies estudadas. Além disso, os quatro estressores juntos eliminaram as
populações de A. americanus e A. maculatum e promoveram a queda da
sobrevivência de L. sphenocephalus em cerca de 40%, além de terem retardado seu
tempo de metamorfose e induzido a diminuição da massa dos metamorfos.
Diversos mecanismos fisiológicos são disparados para possibilitar o ajuste dos
organismos à mudança ambiental. Dentre eles, estão os hormônios de estresse
(glicocorticoides e catecolaminas), os esteroides sexuais, o sistema de defesa
antioxidante e os mediadores do sistema imune, como prostaglandinas e citocinas
(Romero, Dickens et al. 2009, Blaustein, Gervasi et al. 2012, Seebacher and Franklin
2012). Respostas endócrinas, por exemplo, incluem a ativação do eixo hipotálamopituitária-adrenal (HPA) ou, no caso dos anfíbios, do eixo hipotálamo-pituitária-interrenal (HPI), cujos efeitos abragem a mobilização de substratos energéticos,
modificações comportamentais e a modulação do sistema imunológico (Wingfield,
Maney et al. 1998, Romero 2004, Romero and Butler 2007). Como exemplo desse
tipo de abordagem, Chambers et al. (2013) monitoraram pH, conductividade,
temperatura e níveis de cloro (Cl), fosfato (PO4), and nitrato (NO3) em oito corpos de
água e investigaram sua possíveis relações com os níveis de corticosterona basal em
populações naturais da salamandra Ambystoma jeffersonianum. Os autores
observaram que a concentração plasmática desse hormônio foi negativamente
relacionada ao pH e positivamente relacionada à temperatura e ao nitrato, indicando
que o estresse fisiológico pode ser induzido por esses fatores. Corroborando esses
dados, estudos experimentais demonstraram que a acidez da água induz a redução
da taxa de desenvolvimento (Horne and Dunson 1994) e aumento a mortalidade dessa
espécie (Rowe, Sadinski et al. 1992). Alterações similares mediante impactos
antropogêncos foram observadas por (Reeve, Crespi et al. 2013), que investigaram
se a predação, a alta densidade, a escassez de alimento e a combinação desses dois
últimos fatores alteram os níveis basais de corticosterona e influenciam a
suscetibilidade de Lithobates sylvaticus ao ranavírus. Eles verificaram que houve
aumento na concentração de corticosterona apenas no tratamento de escassez de
127
alimento, no qual também observou-se a diminuição da taxa de desenvolvimento e de
crescimento. Todavia, em nenhum dos tratamentos houve aumento da suscetibilidade
ao ranavírus, isto é, não houve diferença no número de indivíduos infectados, nem na
mortalidade na presença de outros distúrbios antropogênicos.
Investigações experimentais como essa apontam para uma importante
característica do efeito de fatores ambientais: sua combinação não implica
obrigatoriamente em sinergismo, ou seja, não resulta necessariamente na adição ou
na intensificação da ação de fatores isolados. Tal como observado acima para a
interação entre a infecção pelo ranavírus e outros estressores, a combinação de
fatores pode resultar em neutralidade, de modo que um agente pode não influenciar
o efeito do outro. Há ainda uma terceira possibilidade de efeito interativo, que é o
antagonismo, quando um fator reduz ou atenua o efeito de outro estressor. Isso pode
ser exemplificado pelo estudo de (Zhao, Yang et al. 2014) que examinaram como o
aquecimento e a predação afetam o tamanho na metamorfose de uma espécie de
anfíbio do platô tibetano, Rana kukunoris. Uma vez que o aumento da temperatura e
a presença de predadores no ambiente de desenvolvimento larval estão usualmente
associados com a diminuição do tamanho na metamorfose, como será explorado com
maior detalhe adiante (ver seção 1.3 - Plasticidade no desenvolvimento larval de
anuros em resposta às condições ambientais), seria esperado que a combinação do
aquecimento e da predação resultasse em metamorfos com tamanho ainda mais
reduzido do que aqueles resultantes dos tratamentos de cada efeito isolado. Contudo,
na presença de predação, o aquecimento intensificou a taxa de crescimento,
resultando em um tamanho na metamorfose surpreendentemente maior. Além disso,
a mortalidade por predação foi similar no controle e no tratamento de aquecimento.
Por fim, para ilustrar o grau de complexidade e imprevisibilidade das interações, as
mudanças antropogênicas podem ainda ter efeito positivo em relação a outros
desequilíbrios ambientais. É o caso da provável extinção de populações da espécies
invasora Xenopus laevis no Reino Unido potencialmente relacionado a eventos
climáticos extremos (Tinsley, Stott et al. 2015). Há, portanto, razões práticas para
aprofundar a nossa compreensão dos efeitos interativos das mudanças globais sobre
os organismos, de modo a elucidar os mecanismos compensatórios e os limites de
tolerância das espécies em combinações caso a caso, visando, a partir de então,
melhorar o estado de conhecimento geral sobre o tema.
128
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Bioindicadores e Biomarcadores para avaliação da
qualidade do ambiente
Liv Ascer
[email protected]
Vinicius Queiroz
[email protected]
Laboratório Biologia Celular de Invertebrados Marinhos
Com o aumento constante da preocupação com a poluição no ambiente
marinho, tanto em nível nacional como internacional, estudos aprofundados sobre o
efeito de poluentes em organismos marinhos têm se tornado cada vez mais notáveis
na literatura científica. Organismos bioindicadores são usados hoje em dia, como
ferramentas bastante adequadas para estes tipos de estudos. Geralmente, ao se
depararem com uma situação ambiental desfavorável, esses organismos conseguem
se adaptar ao ambiente, revelando certa resistência a diversos tipos de poluentes.
Bioindicadores são organismos vivos que indicam de forma precoce a
presença de alterações ambientais, sendo que esses indicadores podem identificar
diversos tipos de modificações, antes que se agravem, além de determinar qual tipo
de poluição pode afetar determinado ecossistema. Estes podem ser indivíduos ou
mesmo comunidades, cujas funções vitais se relacionam tão estreitamente com
determinados fatores ambientais, que podem ser empregados como indicadores na
avaliação de uma determinada área. Em geral, a alteração da abundância, diversidade
e composição dos grupos de indicadores mede a perturbação do ambiente. Existem
tipos diferentes de bioindicadores: sentinelas, que são introduzidas para indicar
níveis de degradação e prever ameaças ao ecossistema, detectoras, espécies locais
que respondem a mudanças ambientais de forma mensurável, exploradoras, que
reagem positivamente a perturbações, acumuladoras cuja a bioacumulação permite
a verificação da presença de algum poluente no ambiente e as sensíveis, que
modificam acentuadamente o comportamento perante a um estresse ambiental.
(ANDREA, 2008)
O uso de bioindicadores se revelou de grande valia, pois tais organismos
possuem características que facilitam seu uso em laboratório: um bom bioindicador é
133
facilmente encontrado, em boa parte do ano, em quantidades abundantes, fazendo
com que seja de baixo custo e fácil acesso. Possui uma biologia e ecologia conhecida,
com um ciclo de vida relativamente longo para que possa ser observado em
laboratório. Ele precisa fornecer de maneira rápida efeitos de alterações ambientais
antes que este possa ter um impacto muito grande no ambiente a ponto de ser
percebido pelo ser humano, logo, deve ser minimamente sensível aos impactos
observados. As suas alterações observadas devem permitir avaliar as causas e os
efeitos dos agentes estressores e as suas respostas biológicas (Holt & Miller, 2010)
A avaliação da qualidade do ambiente por bioindicadores é feita por meio de
mudanças fisiológicas e/ou metabólicas que podem ser mensuradas através de uma
série de testes bioquímicos, moleculares e celulares nestes organismos. Essas
técnicas tornaram possíveis testes de biomonitoramento, em condições experimentais
(onde a poluição pode ser induzida em laboratório) ou em condições naturais (onde
se avalia a qualidade do ambiente natural, sem intervenção), que visam o
entendimento dos efeitos de diferentes poluentes na fisiologia de organismos. A
escolha para o melhor bioindicador deve ser acompanhada da escolha dos
biomarcadores relevantes para a avaliação do impacto do agente estressor estudado.
Biomarcadores são entidades que podem ser medidas experimentalmente e
que indicam uma alteração de uma função após exposição ao estresse. (AMORIM,
2003) Estes podem ser de exposição, de efeito ou de susceptibilidade. Os
biomarcadores de exposição podem ser utilizados para avaliação do efeito de uma
substancia externa em suas quantidades internas ou de seus metabólitos. Os
biomarcadores de efeito são biomarcadores medidos para efeitos adversos
proveniente de uma exposição ao agente estressor e os de susceptibilidade elucidam
o grau de resposta dos indivíduos.
A avaliação de um impacto ambiental então deve vir acompanhada de uma
escolha acertada de um organismo indicador, presente do ambiente e de fácil acesso
e manipulação, assim como um leque de biomarcadores que possam refletir os efeitos
dos agentes estressores neste ambiente. (HOLT, E. A. & MILLER, S. W., 2010)
Além dos diversos tipos de resposta de cada biomarcador existente, podemos
relacioná-los ao nível biológico de estudo que gostaríamos de atingir. Assim sendo,
134
poderemos observar biomarcadores a um nível molecular, celular, assim como um
marcador para avaliação do efeito de estresses em indivíduos e até de comunidades.
Os biomarcadores mais abundantes são os moleculares, aqueles que podem
ser medidos por moléculas produzidas pelos organismos bioindicadores. Estes podem
ter sua produção inibida, iniciada ou alterada após um estresse. Dentro deste grupo
podemos introduzir proteínas como as proteínas do choque térmico, HSP70 (NADEAU
et al. 2001) ou enzimas ativas durante o estresse oxidativo como a SOD (CHOI et al.
1999). Danos ao DNA constituem outro tipo de biomarcador, neste caso genético
(NIKITAKI et al, 2015). Se quisermos olhar a um nível celular, alterações morfológicas
das células podem ser bons biomarcadores de exposição à algum poluente. Neste
caso, o Tempo de retenção do Vermelho Neutro, corante lisossomal, permite observar
a integridade das membranas desta estrutura e aferir, por extrapolação a viabilidade
celular (MATOZZO et al. 2012). A quantificação da produção de TBARS (DAWNLINSLEY et al. 2005), por exemplo, também permite a avaliação da integridade de
membranas celulares, porém desta vez, de maneira geral. O uso de cada biomarcador
e exemplo de resultados serão abordados em aula.
Para avaliações mais amplas, onde o foco se dá num nível mais abrangente
(acima do do nível de indivíduo), as avaliações de impacto ambiental tem utilizado
uma abordagem focada em outros parâmetros. Neste contexto, surge o recente
campo da ecotoxicologia, que é uma área relativamente nova, onde os primeiros
trabalhos datam do início dos anos 70 (Truhaut, 1977). A ecotoxicologia pode ser
definida como “a ciência que tem por objetivo estudar as modalidades de
contaminação ambiental pelos poluentes naturais ou sintéticos, produzidos por
atividades humanas, seus mecanismos de ação e seus efeitos sobre o conjunto de
seres vivos que habitam a biosfera” (Magalhães & Ferrão filho, 2008).
Estudos ecotoxicológicos têm utilizado os mais diversos grupos como
organismos bioindicadores (e.g. bactérias, microalgas, fungos, vegetais e animais invertebrados e vertebrados) e estudado alterações de cunho fisiológico, morfológico
ou mesmo comportamental. Como consequência, os mais diversos parâmetros são
considerados como resposta destes organismos-teste a um estresse ambiental, como
por exemplo, intensidade da bioluminescência (bactérias), inibição do crescimento de
raízes (vegetais) ou inibição de mobilidade (Tigini et al., 2014). Tais parâmetros são
135
geralmente analisados em dois diferentes contextos: o organismo biomonitor pode ser
submetido a condições estressantes por um curto período de tempo (0-96h), e tem-se
então os testes agudos ou o mesmo pode ser avaliado por períodos mais longos,
variando entre 1/10 até a totalidade do ciclo de vida do organismo, sendo
denominados testes crônicos (Magalhães & Ferrão filho, 2008).
Outro tipo de abordagem que tem sido bastante utilizada para avaliações de
impacto ambiental, é a utilização da relação parasita-hospedeiro. Neste contexto
temos a parasitologia ambiental, que vem atuando na busca de indicadores de
impacto antrópico no ambiente, utilizando como ferramenta os organismos parasitas
e as suas relações com seus hospedeiros (Sures, 2004). Os trabalhos mais antigos
nesta área remontam da década de 80 (Greichus & Greichus, 1980; McCahon et al.,
1988) e vários são os grupos utilizados como sensores de impacto ambiental (Sures,
2004; Mackenzie, 1999), com diversas possibilidades de análises. Assim como os
bioindicadores usuais (e.g. artêmias ou bivalves), a relação parasita-hospedeiro
também pode ser utilizada como ferramenta na determinação de contaminação de
sedimento, eutrofização, metais pesados, etc (Sures, 2004) e os efeitos geralmente
observados são a diminuição na diversidade e riqueza de parasitas, aumento na
prevalência e densidade dos organismos, entre outros (Sures, 2004).
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Mudanças climáticas e branqueamento de cnidários
Isabel Casillas-Barragán
[email protected]
Laboratório Biologia Celular de Invertebrados Marinhos
O clima é o status do sistema de clima que compreende a atmosfera, a
hidrosfera, a criosfera, a litosfera de superfície e a biosfera. Todos estes elementos
determinam o estado e a dinâmica do clima da Terra (INMET). Esse sistema é
alimentado pela radiação solar e encontra se sob balanço energético dinâmico. Nele
ocorrem continuas mudanças devido às interações entre os subsistemas
mencionados e às mudanças na entrada de energia no sistema. Essas mudanças
podem ser de origem natural, como as erupções vulcânicas, ou antropogenicas, como
as mudanças no uso do sol ou a emissão de gases de efeito estufa. Nesse contexto,
as mudanças climáticas são desvios da média dos parâmetros esperados que
descrevem o tempo numa escala temporal que pode ir desde messes até milhões de
anos (INMET). Segundo a escala de tempo, essas mudanças supõem um desafio para
as espécies se adaptarem e aclimatarem ás novas condições ambientais, podendo
resultar em alterações do ecossistema.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas o aumento da
emissão de gases de efeito estufa desde a industrialização aumentaria a temperatura
media da superfície do planeta entre 1,4 y 5,8 ºC e uma acidificação dos oceanos ate
um pH de 7.6 no ano 2100 com respeito 1980 (IPCC, 1988). Hoje, as expectativas
foram ultrapassadas e como consequência direita do aquecimento médio global, tem
se observado um padrão de aquecimento e esfriamento global, diminuição da
cobertura ártica, diminuição da cobertura gelada, e, consequentemente, um aumento
do nível do mar (NASA). Essas mudanças no nível ecossistêmico já produziram
interações direitas na biosfera em termos de perda de hábitat, taxas de crescimento,
distribuição das espécies, diminuição da diversidade, alterações na ontogenia e
alterações nas relações simbióticas.
Relações simbiônticas podem ser estabelecidas entre vários grupos de cnidários
com dinoflagelados do gênero Symbiodinium spp. conhecidos comunmente como
zooxanthelas. Segundo a espécie, as zooxanthelas podem ser adquiridas a partir dos
progenitores, ou a partir do ambiente. Uma vez estabelecida a simbiose, as
139
zooxanthelas residem ao nível intracelular no tecido gastrodérmico inseridas em
células do hospedeiro constituindo o simbiosoma. O hospedeiro facilita nutrientes
necessários para a fotossíntese, como ions fosfatos e nitratos, em quanto e a
microalga produz compostos lipídicos, nitrogenados e micosparinas, participando nos
processos de biomineralização e nutrição do hospedeiro. Assim, constituem o primeiro
recurso alimentício do hospedeiro e fornecem a cor de seus tecidos.
Porém, tem sido observado que essa relação simbiôntica pode ser vulnerável ás
mudanças de parâmetros ambientais, como pH, salinidade, irradiância ou
temperatura. Assim, a persistência de um
ou vários fatores estressantes para
associação alga-cnidário pode resultar na perda da cor devido a uma queda da
população de simbiontes em seu tecido conhecida como branqueamento. Isso faz
com que diminuam as taxas de crescimento, calcificação e reprodução do cnidário,
fazendo que fique mais susceptível
a enfermidades e aumentando a taxa de
mortalidade. Assim, um recife de cnidários branqueados fornecem um substrato para
competidores bentônicos oportunistas, como macroalgas ou esponjas, que uma vez
estabelecidos podem mudar a comunidade associada, diminuindo eventualmente a
diversidade do local.
Porém, existem evidencias de que esse branqueamento pode ser reversível.
Dado que alguns cnidários conseguem estabelecer simbiose com vários tipos de
microalga e captar microalgas presentes no ambiente existem estudos que tentam
demonstrar que os corais branqueiam para resistir ao estresse como um mecanismo
adaptativo (Buddemeier and Fautin, 1993; Baker, 2001; Obura, 2009). Nesse sentido,
tem sido descritos dois mecanismos de reversão de branqueamento que serão
abordados nessa aula: o symbiont shuffling, symbiont switching, e o symbiont farming.
O branqueamento pode ser o resultado de oscilações térmicas anuais, atreladas
a sazonalidade, e interanuais, relacionadas com El Niño. É comummente reversível e
afetam ao nível de comunidade. Porém, a capacidade de reverter o branqueamento
pode ficar comprometida quando interagem a oscilação térmica natural junto com El
Niño e ás mudanças climáticas, resultando em eventos de branqueamento massivo,
que tem efeito ao nível global e podem comprometer a capacidade de reversão. De
fato, atualmente nos encontramos no evento de branqueamento massivo mais
140
prolongado registrado, ligado ao evento de El Niño que começou no ano 2014 e ainda
hoje continua.
Portanto, a reversão de branqueamento pode ser um exemplo de aclimação para
sobreviver ás mudanças ambientais. Essa estratégia pode ser ou não bem sucedida
dependendo da intensidade e persistência do estresse. Porém, a sobrevivência não
garante que as condições fisiológicas permaneçam intatas, sejam vantajosas no novo
cenário, nem que elas sejam passadas exitosamente para a prole. Assim, pode ser
que ainda sobrevivendo se convertam em competidores mais fracos e que o novo
cenário favoreça por sua vez a outros competidores, gerando um novo cenário
escossistêmico global. Nessa palestra, serão descritos os principais fatos observados
até hoje sobre mudanças climáticas e focaremos particularmente no efeito do
aquecimento das águas superficiais no branqueamento de cnidários e suas
estratégias de recuperação.
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141
Percepção
Elisa Jordão
[email protected]
Laboratório de Neurociências e Comportamento
O que é perceber um estímulo? Seria diferente de sentir um estímulo? Abordar
o tema percepção em neurociência é uma tarefa complexa, pois há muito mais na
percepção de um estímulo do que sua simples sensação. Roberto Lent a define como
“a capacidade de associar as informações sensoriais à memória e à cognição de modo
a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos e orientar o nosso
comportamento.”. Assim, o fato de conseguirmos reconhecer, por exemplo, um gato
estando ele de frente, de costas, de lado ou escondido requer um aprendizado sobre
as características visuais, auditivas, olfativas, etc. de modo a formar um conceito geral
do que é um gato.
Nesta aula, a percepção terá uma abordagem neurocognitiva relacionada aos
seres humanos, pois são os modelos mais (ou quase exclusivamente) estudados
nesse assunto. Se percepção for considerada como um processo complexo que
envolve diversos aspectos cognitivos e dependentes, diretamente, das informações
sensoriais teremos que a compreensão dos sistemas sensoriais é fundamental para
a abordagem fisiológica do fenômeno perceptivo. Lembrando que cada sistema
sensorial possui células modificadas (receptores) capazes de receber estímulos de
diferentes formas (luz, moléculas químicas, força mecânica) e transformá-los em
sinais elétricos interpretáveis pelo sistema nervoso. Esses receptores, então, seriam
a porta de entrada dos estímulos externos para o indivíduo. Assim, aspectos
relacionados a eles como seus campos receptivos e a habituação são importantes
para a compreensão de como os processos de percepção ocorrerão em níveis mais
superiores do sistema nervoso. Para uma compreensão mais prática dos conteúdos
abordados, serão realizados alguns experimentos práticos durante a aula.
Campo receptivo:
Experimento 1- Em grupos de 3 pessoas, com um paquímetro será realizada a coleta
da distância mínima de dois pontos para que eles sejam percebidos separadamente.
Para isso, serão coletados dados no dedo indicador, médio, no braço, na perna e nas
costas. Inicia-se como o paquímetro fechado (distância zero) e vai aumentando o
142
tamanho a cada 1 ou 2 mm até a pessoa relatar que percebe dois pontos de pressão
separados. A distância deverá ser anotada na tabela abaixo.
dedo
indicador
dedo
médio
polegar
palma da braço
mão
perna
costas
Abertura do
paquímetro
Neste experimento é necessária a compreensão de que há uma relação indireta
entre a densidade de receptores sensoriais presentes em uma região e o tamanho do
campo receptor. Ou seja, quanto mais receptores de toque na pele, menores são os
seus campos receptivos e melhor será a percepção de dois pontos.
Habituação:
Experimento 2- Um voluntário irá testar a percepção de movimento do corpo em uma
cadeira giratória. Com os olhos fechados e cabeça reta, ele relata se está girando e
para que lado.
Neste experimento podemos entender mais sobre como percebemos nossa
posição na Terra. Junto com a cóclea possuímos os três canais semicirculares
importantes na percepção da posição e velocidade da nossa cabeça. Dentro destes
canais existe um líquido, a endolinfa, e receptores, os otólitos. Os otólitos possuem
cílios que são estimulados pela movimentação da endolinfa. Assim, temos canais nas
três posições dimensionais que nos informam quando há movimentação em alguma
dessas direções.
Experimento 3- Imagem do castelo e da bandeira.
Neste experimento percebemos que nossos receptores passam por um
processo de habituação que pode acarretar na mudança de percepção de cor. Após
a exposição prolongada dos cones por alguns comprimentos de onda, temos que,
quando nos é apresentado algo branco, ou seja, que emita todos os comprimentos de
onda, os cones deixam de responder àquelas ondas apresentadas anteriormente e
passam a responder somente às outras ondas produzindo a percepção de outras
cores.
A partir de um entendimento básico e amplo dos processos sensoriais mais
periféricos, é possível abordar as vias ascendentes sensoriais rumo a estruturas
143
corticais, bem como a organização dessas e sua participação nos processos
sensitivos. Existem regiões definidas no córtex para o processamento de cada
categoria sensorial e, em algumas áreas sensoriais primárias, a preservação das
relações espaciais dos receptores nos espaços sensoriais, os chamados mapas
neurais, são importantes na formação do percepto. Essa topografia é evidente nos
sistemas visual, auditivo e somestésico.
Observando que há uma variedade de receptores e arranjos de processamento
de informação sensorial podemos questionar se a percepção é algo comum a todos
ou único para cada indivíduo. Será a percepção visual de um inseto similar à de uma
ave? Se a percepção seria um meio de formar conceitos sobre o mundo, então, o
conceito de cor para um cachorro é diferente para um sapo? E sua percepção em
relação a de outras pessoas? Você percebe o mundo de forma similar a outras
pessoas?
Interpretação de estímulos:
Experimento 4- Foto do vestido.
Neste experimento percebemos que cor é algo interpretado. O olho possui 3
tipos diferentes de receptores capazes de responder a frequências de ondas:
vermelho, azul e verde. As pessoas possuem variações na quantidade de receptores
de cada cor. “Portanto, as cores que enxergamos estão ligadas a diferenças
fisiológicas (a quantidade de células que captam cores) e a diferenças de
interpretação (a forma como o cérebro entende as frequências).
Assim, a percepção não é algo isolado ou independente de outras funções
cognitivas como memória e atenção. Temos que percepção é algo construída e não
somente inata. Nós precisamos aprender a “perceber”, isso é evidente em recémnascidos em relação à visão. Assim, pode-se questionar sobre a nossa percepção do
mundo. Podemos dizer que percebemos o mundo realmente como ele é?
Ilusões de ótica:
Experimento 5- Diversas imagens que podem nos “enganar”.
Com estas imagens é possível mostrar que a percepção visual é criativa e
dinâmica, capaz de processar mais informações do que a simples imagem
144
bidimensional captada pela retina. Nossa percepção visual é capaz de reconhecer
objetos em diferentes luminosidades e posições, perceber movimentos, profundidade,
preencher informações omitidas. Para isso é necessária a participação da atenção,
focando nas informações que serão processadas, e da memória. Devido a essa
capacidade da percepção, as ilusões, “leituras equivocadas” das informações visuais,
são possíveis.
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Lent, R. Cem Bilhões de Neurônios. 2ª edição. Rio de Janeiro: Atheneu. 2005.
145
Atenção
Mateus Torres Cruz
[email protected]
Laboratório de Neurociências e Comportamento
É impossível ignorar que cada fenômeno do comportamento – humano ou não
– ocorre graças à participação de um ou mais mecanismos biológicos. O fenômeno
atencional, o ato de “prestar atenção”, por conseguinte, é fruto do funcionamento de
várias estruturas orgânicas e pode ser estudado em termos fisiológicos,
especificamente no que diz respeito ao funcionamento do Sistema Nervoso Central.
Considerando que este sistema tem duas funções principais, sendo elas (1) promover
a homeostase, integrando os demais sistemas do organismo e (2) gerar e controlar
comportamento, a atenção é fenômeno essencial para a execução desta segunda
função.
É possível resumir a geração de comportamento em três componentes – ou
etapas –
principais: percepção, decisão e ação; ou seja, o indivíduo utiliza de
informações tanto do ambiente, tanto de seu estado atual, para avaliar quais são suas
necessidades em dado momento, decidir o que fará e então agir para aumentar suas
chances de sobrevivência. Dentro deste processo, vamos nos focar no componente
da percepção. Esta etapa compreende a chegada de estímulos
às superfícies
sensoriais – como retina, pele, língua, etc.– a transdução desses estímulos em
impulsos nervosos e o processamento destas informações pelo córtex cerebral. É
natural assumir que, de todos os esses estímulos, um ou um conjunto deles seja mais
relevante para o atual estado do indivíduo e, por isso, necessite ser processado
preferencialmente para melhor orientar o comportamento. O mecanismo pelo qual
esses estímulos são selecionados para processamento preferencial é o que
denominamos de atenção ou fenômeno atencional. Assim, prestar atenção em algo
envolve direcionar os recursos de processamento de informação para um determinado
conjunto de estímulos, pensamentos ou ações, deixando os demais em segundo
plano.
Um exemplo clássico que ilustra muito bem o fenômeno atencional é o efeito
coquetel; ele descreve a seguinte situação: suponha que você está numa festa, ao
redor estão vários grupos de pessoas conversando e você está dialogando com
alguém. Para conseguir manter a conversa é necessário que você preste atenção no
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que sua companhia está dizendo e deixe em segundo plano as conversas ao redor.
Todos os estímulos estão chegando a seu ouvido, alguns talvez em um volume até
maior que a sua própria conversa, porém o ato de atenção permite que você priorize
o processamento da conversa e a faça ficar em primeiro plano, enquanto o resto fica
em segundo.
Os mecanismos pelos quais este fenômeno funciona ainda não foram
completamente elucidados, porém é possível supor que atua através da facilitação
sináptica de certos neurônios. Para ilustrar isso, vamos voltar ao efeito coquetel:
naquela situação, estão entrando pelo seu sistema auditivo, ao mesmo tempo,
informações das conversas ao seu redor e do seu diálogo. Provavelmente, as vias de
processamento auditivo fazem uma análise
desses estímulos, dissecando
características de volume, tom, ritmo e até mesmo de semântica (significado) de cada
um deles, o que permite sua diferenciação. Supostamente, regiões encefálicas
envolvidas na orientação da atenção seriam capazes de facilitar as sinapses que
estão codificando as características dos estímulos que pertencem à sua conversa,
assim fazendo com que eles cheguem com maior intensidade a áreas de
processamento superior, adquirindo maior prioridade em comparação com os outros
estímulos.
Apesar de que ainda não foi possível lançar luz completamente sobre os
mecanismos atencionais, já foram descritas algumas regiões encefálicas envolvidas
na expressão do fenômeno atencional; um exemplo delas é o córtex parietal posterior.
Observou-se que lesões nesta região do cérebro, quando ocorrem em apenas um dos
hemisférios, dão origem à síndrome de heminegligência espacial, uma doença na qual
os indivíduos afetados passam a negligenciar tudo que se passa do lado oposto
(contralateral) ao hemisfério lesado. Isso ocorre porque o hemisfério direito do cérebro
está envolvido no controle e percepção do lado esquerdo do corpo e vice-versa. Esses
indivíduos frequentemente só penteiam uma parte do cabelo, fazem só uma das
metades da barba, comem só uma das metades do prato; se pedidos para reproduzir
um desenho, somente reproduzem uma metade do desenho. Eles não têm nenhum
problema nos olhos, nem deficiências de nenhum tipo na percepção visual, mas sim
na orientação atencional. Assume-se que a lesão gerou uma dificuldade em engajar a
atenção no espaço está contralateral à lesão, ocasionando também em um viés a fixar
a atenção ao lado não lesado. Ao contrário do que possa parecer, isso não significa
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que essa região encefálica é “a sede da atenção”. Vários estudos têm indicado que
para este fenômeno acontecer – alias, não só ele, mas várias outras funções cerebrais
– é necessária a participação de diversas estruturas cerebrais, como núcleo pulvinar
do tálamo, colículo superior e etc.
Finalmente, a atenção, ao alterar a forma com a qual processamos
informações sensoriais, influencia também a memória. Por exemplo, se no efeito
coquetel você parar de prestar atenção no seu diálogo, não vai se lembrar dele.
Similarmente, a memória também influencia quais fatores são relevantes para a
orientação da atenção, como conhecer perigos ambientais, ou orientar a atenção a
alguém que chama nosso nome. Estes e outros fatores, agregados, demonstram a
importância comportamental da atenção.
Referências
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U.S.A: W. W. Norton & Company.
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Randall D, Burggren W, French K (1997) Eckert Animal Physiology:
mechanisms and adaptations (4th ed.). New York: W. H. Freeman an Company.
148
Memória
Daniel Giura da Silva
[email protected]
Laboratório de Neurociências e Comportamento
Memória pode ser definida como um processo que abrange aquisição,
formação, conservação e evocação de informações, ou ainda como a capacidade de
um indivíduo de modificar seu comportamento com base em experiências anteriores
(XAVIER, 1993). Logo, do ponto de vista evolutivo, o aparecimento dessa capacidade
permitiu que os seres vivos se beneficiassem das experiências passadas para
resolver problemas no presente, tornando-os mais adaptáveis as situações,
contribuindo para a sua sobrevivência.
A lembrança de momentos significativos que passamos com familiares ou
amigos, de lugares que conhecemos, de lições que julgamos importantes, ou até
mesmo habilidades motoras que nos permitem exercer inúmeras atividades, todos são
casos que exemplificam a importância da memória também na formação da nossa
personalidade. Mas não apenas isso, através dela conseguimos gerar previsões sobre
o futuro.
Acredita-se que a formação da memória depende da capacidade do sistema
nervoso em se modificar devido a experiências adquiridas. Assim sendo, o
arquivamento de informações no sistema nervoso dependeria de três processos. O
primeiro deles envolveria alterações transitórias na atividade eletrofisiológica (taxa de
disparos) de populações de neurônios distribuídos no sistema nervoso, processo
responsável pelo arquivamento por um curto período de tempo. O segundo envolveria
alterações na facilidade com que a atividade eletrofisiológica é transmitida entre os
neurônios, um processo que corresponde ao arquivamento de informações por um
período de médio prazo no sistema nervoso, o que poderia durar de minutos a meses.
Por fim, alterações estruturais permanentes na conectividade neural, ou seja, nas
sinapses existentes entre os neurônios, levando a formação de circuitos neurais cuja
atividade corresponde àquela gerada na experiência original, agora armazenada por
prolongado período de tempo, até mesmo a vida inteira (Helene e Xavier, 2003).
Dessa forma, todos esses componentes formam diferentes tipos de memória,
que variam conforme sua natureza da informação e o tempo de duração de cada uma
149
delas. Estudos em humanos que sofreram de doenças ou danos cerebrais auxiliaram
muito para o entendimento desses diferentes tipos de memória. Talvez o mais
proeminente deles seja o do caso do paciente H.M. (Scoville & Milner, 1957). Este
paciente sofria de epilepsia intratável, por isso aos 27 anos de idade, visando aliviar
seu quadro, foi submetido a uma cirurgia para a retirada dos focos epilépticos,
presentes na porção medial do lobo temporal (hipocampo e amígdala). H.M.
apresentou melhora significativa em relação à epilepsia após a cirurgia, porém
começou a apresentar um quadro de amnésia anterógrada (não formava novas
memórias) e de amnésia retrógrada parcial (ou seja, não se lembrava de nada que
ocorrera imediatamente antes da cirurgia, mas conforme fosse regredindo no tempo
lembrava-se cada vez mais de seu passado, até 3 anos antes da cirurgia, quando sua
memória era normal). Por exemplo, se uma mesma pessoa, desconhecida antes da
cirurgia, fosse apresentada ao H.M. todos os dias, por meses, ele sempre a tratava
como uma desconhecida. Ele também lia uma mesma revista repetidas vezes como
se sempre fosse uma novidade. Porém, se perguntassem a ele um caso especial de
sua infância, ele se recordaria perfeitamente. O mais interessante é que embora H.M.
fosse incapaz de formar novas memórias passíveis de relatos verbais, ele ainda era
capaz de adquirir novas habilidades motoras, cognitivas e perceptuais. Também H.M.
possuía sua memória de curta duração intacta, o que significa que ele conseguia
manter uma conversa normal e se lembrar dos assuntos discutidos por diversos
minutos. Esses dados e diversos outros presentes (Shalice e Warrington, 1970;
Cohen, 1984 e Squire e Zola-Morgan, 1991) na literatura científica sugeriram a
existência de uma dupla dissociação no sistema de memória.
Assim, a memória vem sendo classificada entre memória de curta duração
(dura segundos/minutos), de longa duração (duração de horas/meses/anos). Dentre
as memórias de longa duração, temos as seguintes subdivisões:
Temos na “memória explícita”, lembranças que podem ser expressas por
relato verbal, além de serem de fácil aquisição, podendo ser adquiridas após uma
única experiência. Depende principalmente do Lobo Temporal Medial. Ela pode ser
dividida em dois subtipos: episódica, que se refere a eventos pessoais do indivíduo
como, por exemplo, a lembrança da festa de formatura da faculdade. Ou semântica,
referente a fatos e conceitos de conhecimento geral, como por exemplo, o dia da
independência do Brasil.
150
A “memória implícita” por sua vez se caracteriza pelo desempenho habilidoso
de tarefas e, diferentemente da memória explícita, sua aquisição é gradual,
dependendo de várias tentativas por treino. É difícil fazer um relato verbal de como
ela se processa. Está relacionada a estruturas como os núcleos da base (putamen e
substância negra, por exemplo) ou o cerebelo. Divide-se em memória de
procedimentos, que diz respeito justamente aos hábitos, habilidades e regras
adquiridas ao longo da vida. Pré-ativação ou priming, que corresponde à facilitação
no processamento de determinado estímulo apresentado previamente. Nãoassociativa, quando existe uma exacerbação ou atenuação de uma resposta, em
decorrência a repetição de um estímulo. E por fim, associativa, quando existe a
associação de dois estímulos ou quando um estímulo é associado a uma resposta.
Ainda há a memória operacional (antigamente enquadrada nas memórias de
curta duração). Essa memória envolve o arquivamento e gerenciamento temporário
de informações com o objetivo de resolver tarefas cognitivas complexas (Baddeley,
1992). Ou seja, nela informações são mantidas enquanto forem úteis, sendo então
esquecidas ou enviadas para a memória de longa duração se forem relevantes.
Referências
Scoville WB, Milner B. Loss of recent memory after bilateral hipocampal lesions. J
Neurol, Neurosurg and Psychiat 1957; 20:11-21.
Shallice T, Warrington EK. Independent function of verbal Memory Stores: A
neuropsychological study. The Quarterly Journal of Experimental Psychology
1970; 22:261-73.
Cohen NJ. Preserved learning capacity in amnesia: evidencia for multiple memory
systems. In: Squire LR, Buters N (eds.). The Neuropsychology of Memory. New
York: Guilford Press, 1984: 83-103.
Zola-Morgan S, Squire LR & Amaral DG. Human amnesia and the medial temporal
region: enduring memory impairment following a bilateral lesion limited to field CA1
of the hippocampus. J neurosci 1986; Oct 6(10):2950-67.
BADDELEY, A. Working Memory. Science, v. 255, n. ii, 1992.
151
XAVIER, G. F. A Modularidade da Memória e o Sistema Nervoso.pdf. Psicologia USP,
v. 4(1/2), p. 61-115, 1993.
Helene AF, Xavier GF. Building attention from memory. Revista Brasileira de
Psiquiatria, 2003; 25:12-20.
J. Landeira-Fernandez & M. Teresa Araujo Silva. Intersecções entre Psicologia e
Neurociências. 1ª Edição.
152
O Sistema Nervoso como gerador de previsões
Elisa Jordão
[email protected]
Mateus Cruz
[email protected]
Laboratório de Neurociências e Comportamento
A partir das aulas e temas abordados até agora, mostramos classificações e
descrições de funções cognitivas e dos substratos neurais subjacentes a elas.
Observamos que o sistema nervoso (SN) é considerado como algo composto por
diversos módulos, regiões neurais envolvidas com funções cognitivas específicas.
Olhar para o sistema nervoso desta forma é extremamente vantajoso para a pesquisa
pois, ao trabalhar com cada módulo separadamente, facilita-se a descrição de
mecanismos e substratos neurais de cada um. Por isso, investigar locais ou estruturas
neurais em detalhes para entender aspectos específicos do funcionamento do SN,
possibilitando classificá-los e descrevê-los, tornou-se ferramenta importante para
explorar a grande complexidade desse sistema. Porém, como toda ciência que tenta
entender a natureza, também procura-se princípios unificadores que descrevam a
operação destes sistemas complexos. Será que não existiria um princípio básico que
governaria o funcionamento do SN, de forma que estudar a função de cada região ou
módulo de forma isolada não seja o único caminho de investigá-lo?
Note que essas abordagens do estudo do SN não são excludentes podendo
ser trabalhadas em conjunto. Essa é a ideia que tentaremos passar nessa aula. A
partir do estudo de fenômenos específicos do SN tentaremos apresentar, de forma
simples e resumida, uma teoria que busca explicar o funcionamento do sistema
nervoso de forma geral. Um princípio básico que se aplique a diversas funções
cognitivas. Segundo esta teoria, o princípio unificador seria que o sistema nervoso,
incluindo todos seus módulos, a todo momento, realiza previsões baseadas em
experiências prévias de forma a antecipar seu comportamento frente aos estímulos,
sejam eles externos ou internos.
Porém, antes de nos focarmos em funções cognitivas, pense nas outras aulas
que vocês viram. Discutimos sobre células, diversos tipos de regulação fisiológica,
reprodução, estresse, ritmos circadianos, fisiologia de impactos ambientais, entre
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outros. É notável que todos esses assuntos, talvez uns mais do que outros,
consideram indivíduos como sistemas dinâmicos com diversos fatores atuando nessa
dinâmica. Um fato um tanto óbvio é que seres vivos não são sistemas isolados e,
desse modo, processos para mantê-los vivos são decorrentes da influência de um
ambiente. Assim, se fatores como temperatura, umidade, luz se modificam em fases,
os organismos sob a influência deles desenvolvem padrões fisiológicos que os
permitem adaptar-se a essas fases. Praticamente todos organismos são capazes de
gerar esses padrões e o fazem graças à capacidade que têm de gerar previsões,
antecipações ou expectativas sobre os eventos futuros, sejam esses eventos
próximos ou distantes no tempo. Essas previsões são soluções feitas no presente
para os problemas futuros, baseando-se nas regularidades ambientais passadas. O
aumento e diminuição da pelagem que certos animais fazem em preparação à
mudança de estações do ano é um exemplo disso. Dessa forma podemos considerar
os organismos, como um todo, como sistemas antecipatórios.
Com base no pensamento acima, parece natural então supor que os sistemas
que compõem o organismo funcionem, em maior ou menor grau, como sistemas
antecipatórios. Levando, então, nossa discussão para as funções cognitivas, talvez
ocorra para você, quase que imediatamente, um exemplo do processo quando nós
tomamos decisões. Esse processo ocorreria no presente com base em informações
passadas de modo a ajustar o comportamento e se preparar para o futuro, seja este
próximo ou distante, similarmente ao que o organismo como um todo faz. Sim, a ideia
é basicamente esta, porém, queremos discutir que é possível que o sistema nervoso
esteja fazendo isso o tempo todo e que diferentes fenômenos como a atenção ou
percepção sejam originados dessa capacidade. Para que essas antecipações e
expectativas sejam possíveis temos um importante papel da memória, uma vez que
esses processos tomariam como base os registros de experiências passadas.
Como vimos na aula de percepção, aprendemos a perceber o mundo. Em
relação ao sistema visual, observamos que estamos o tempo todo interpretando os
estímulos visuais que chegam no nosso sistema nervoso. Nosso sistema sensorial
não é um receptor passivo das informações do ambiente, mas, sim, cria expectativas
sobre o que estamos enxergando, de forma que, se algo foge do que é esperado,
temos que reavaliar essas expectativas e compreender aquilo que está nos sendo
apresentado. Junto com essa ideia observamos que regiões corticais possuem
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comunicação bi-direcional com outras regiões, de forma que projeções de “feedback”,
ou seja, aquelas que se originam das regiões de processamento sensorial superior e
vão em direção a regiões de processamento sensorial inferior (comunicação “topdown” ou “de cima para baixo”), podem exceder as projeções de “feedforward”, isto é,
aquelas inversas às mencionadas anteriormente (comunicação “bottom-up” ou “de
baixo para cima”). De forma simplificada, isso indicaria que essa reciprocidade de
conexão possibilita o envolvimento contínuo de regiões superiores na representação
interna com a interpretação do mundo à nossa volta.
Similarmente, temos que alguns efeitos atencionais observados em
experimentos realizados em humanos e/ou ratos podem ser explicados por predições
probabilísticas ou expectativas temporais. Como foi apresentado na aula de
“Atenção”, muitas tarefas utilizadas para compreender os mecanismos atencionais
possuem relações temporais de apresentação de estímulos. Por exemplo,
consideremos uma tarefa comportamental em que o indivíduo tem que responder
quando uma luz aparece na esquerda ou na direita e é dado para ele uma pista de
onde essa luz vai aparecer. Se essa pista, na maioria das vezes, indica corretamente
o lado da luz, passaremos a orientar a atenção segundo a pista; do contrário, se a
pista frequentemente indica o lado incorreto passaremos a ignorá-la. No primeiro caso
o SN prevê que é alta a probabilidade que a pista esteja correta e orienta a atenção
para lá; já no segundo, como o SN prevê que a probabilidade da pista estar correta é
baixa, a atenção não é orientada. Ou seja, o que o SN faz é prever e antecipar
estímulos de acordo com suas regularidades e, assim, priorizar seu processamento
sensorial.
Assim, retomando a ideia inicial, gostaríamos de introduzir a ideia da
possibilidade de uma abordagem do SN de forma holística, de um princípio básico que
abarque seu funcionamento. Essa ideia geral se fundamenta, essencialmente, na
característica antecipatória e preditiva do SN, de modo que ele estaria
constantemente antecipando o futuro baseado em informações passadas. Esse tipo
de processamento representaria uma característica fundamental de muitas funções
cognitivas e seria mediado através de uma ampla comunicação entre diversos níveis
corticais e subcorticais. Muitas teorias e sistematizações sobre esse assunto ainda
estão sendo formuladas. Mais evidências precisam ser reunidas para dar suporte a
155
essas ideias. Porém, isso é o que move a ciência, a busca por novas abordagens,
explicações, teorias que possam cada vez mais aguçar e/ou aliviar nossa curiosidade.
Referências
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