Educação Física Escolar como atitude filosófica. Por: Prof. Claudio L

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Educação Física Escolar como atitude filosófica.
Por: Prof. Claudio L. de Alvarenga Barbosa.
Não poderíamos iniciar uma discussão sobre Educação Física Escolar, sem que primeiramente a entendêssemos
relacionada à Escola, ou seja, a existência do espaço físico e/ou institucional chamado escola, é a condição
primeira para a existência de disciplinas escolares, como é o caso da Educação Física. Essa escola, tem por
objetivo preparar os indivíduos para a vida em sociedade, ao mesmo tempo que desenvolve suas aptidões
individuais.
Mas a escola que conhecemos hoje, é na verdade, produto dos séculos XVIII e XIX, quando começa a florescer a
idéia da necessidade de educação pública e obrigatória para todas as pessoas. Nesse período, "pós Revolução
Francesa", a cultura capitalista impõe à ciência um papel de destaque na construção da vida moderna, e com isso,
"a educação deixa de refletir apenas o valores religiosos, como no tempo da sociedade feudal, para ter a ciência
como base" (Meksenas, 1988, p. 28).
Devido ao fato do capitalismo ser contraditório em sua própria essência(2), sempre passou por períodos de
desequilíbrio sócio-econômico. Essa situação, de constantes crises, favoreceu o nascimento da Sociologia, ciência
que inicialmente preocupava-se em restabelecer a frágil ordem capitalista. A partir desse momento, são muitos os
pensadores que passam a refletir sobre a nova ordem social, tentando entendê-la em sua essência.
No entanto, três pensadores merecem destaque, devido ao fato de suas teorias tornarem-se as bases de
interpretação da sociedade capitalista, e por essa razão, são considerados clássicos na sociologia. Estamos falando
de Émile Durkheim (1858-1917) com sua Sociologia funcionalista, Karl Marx (1818-1883) com a Sociologia
crítica, e Max Weber (1864-1920) com sua Sociologia como ciência interpretativa. Mesmo as breves referências
desses "sociólogos clássicos" à educação, acabaram por ser contribuições teóricas muito importantes para os
sociólogos contemporâneos, a ponto de se especializarem no estudo da educação e criarem o que conhecemos
como Sociologia da Educação.
Apesar da importante contribuição da teoria sociológica de Durkheim, que acreditava não ser tarefa da educação
revolucionar a sociedade capitalista, mas antes reproduzir os valores morais dessa sociedade, garantindo a
integração de seus membros através da reforma dos aspectos sociais considerados negativos, cabendo à escola
garantir um "saber comportar-se" socialmente, e da análise de Weber, para quem a função social da educação era
servir de marca de identificação de um grupo de status, bem como de critério de seleção, é em Marx - apesar de
não encontrarmos em sua vasta obra, um livro específico que trate da educação - que encontramos uma concepção
sobre a sociedade capitalista que nos permite pensar criticamente a educação e a escola.
Seguindo as "pistas" deixadas por Marx, muitos autores, combinando a teoria marxista com outras fontes,
construíram suas próprias teorias, reforçando a idéia de que em uma sociedade desigual como a capitalista, devido
à exploração de uma classe social por outra, o processo educativo que se dá dentro da escola também é desigual,
pois a escola, sendo uma instituição controlada pelo Estado - representante da classe dominante - reproduz as
desigualdades sociais deste mesmo Estado.
Nas teorias de cunho marxista, a compreensão de que a educação está estreitamente vinculada às condições
históricas da sociedade, nos mostra que a escola, dentro de uma sociedade cujo modelo econômico baseia-se no
capitalismo, funciona como um aparelho ideológico deste Estado, e como todos os aparelhos ideológicos de
estado (AIE), tem por objetivo, "a reprodução das relações de produção, isto é, das relações de exploração
capitalistas" (Althusser, 1992, p. 80).
Nessa estrutura , a educação não acontece de forma espontânea na realidade social; ela é regulamentada e deve
acontecer dentro de um conjunto de regras definidas e impostas pelo Estado. Assim, a Educação Física dentro do
contexto escolar, é apenas um apêndice desse aparelho ideológico, e portanto, como todas as disciplinas que
compõem a grade curricular, tem todo o seu potencial de reprodução das ideologias capitalistas legitimado pelo
Estado, através da legislação destinada a regulamentar sua prática
A percepção de que o objetivo contido nas legislações específicas da Educação Física é reforçar e legitimar a
ideologia capitalista é tarefa difícil, pois a falta de consciência crítica, impede o conjunto, quase total, do
professorado de Educação Física, de compreender as "insanidades pseudofilosóficas" da intelectualidade, que
enevoam e impossibilitam uma certa intimidade com os "saberes" próprios às mais diversas áreas do
conhecimento humano, e que certamente, o conduziria ao compromisso político com outro modelo de
sociedade.(Carvalho, 1991, p.20)
Ou seja, em outras palavras, poderíamos dizer que os professores de Educação Física, formados em cursos de
graduação que na sua maioria priorizam o aspecto técnico (3), enfatizando o ensino das disciplinas "ditas"
específicas ou profissionalizantes (Anatomia, Fisiologia, Cinesiologia, Basquetebol, Voleibol, etc), têm relegado
a segundo plano em sua formação, o ensino das disciplinas que fazem parte do campo das ciências humanas (4)
(Psicologia, Sociologia, Economia, Antropologia, História, etc). O "descompromisso" com o ensino destas
disciplinas na graduação do professor, dificulta o seu entendimento da relação Educação Física/Escola/Sociedade,
impedindo-o de perceber-se como agente portador da "função hegemônica burguesa". A conseqüência dessa
situação, é a transmissão, através das aulas de Educação Física, de "valores significativos da fração da sociedade
que detém o controle sobre os meios de produção" (Carvalho, 1991, p.26).
Portanto, longe de formar cidadãos críticos, autônomos e conscientes de seus atos - objetivos que acredito
deveríamos buscar atingir - a Educação Física na Educação Básica, também não consegue obter resultados, na
tentativa de aprimorar ou aproveitar as potencialidades físicas de seus alunos, trazendo-lhes algum benefício
fisiológico (6). Com a estrutura funcional que encontramos em nossas escolas, nos dias de hoje, onde nas aulas de
Educação Física trabalha-se prioritariamente o movimento corporal, não se consegue justificar, de forma
convincente, a presença obrigatória desta disciplina na grade curricular.
Urge nos libertarmos das "amarras ideológicas" que permeiam o significado desta disciplina, e nos faz acreditar,
que ela tem como meta principal, trabalhar apenas o movimento corporal, situação que já vimos , representa um
esforço inócuo (do ponto de vista das classe trabalhadora) na estrutura escolar atual. Assim, vejo como a solução
mais acertada, ao invés de ficarmos conjecturando possíveis objetivos específicos para a Educação Física Escolar,
identificá-la, na verdade, com o objetivo geral de uma educação revolucionária: "reeducação dos homens pela
transformação da sua mentalidade, da sua atitude para com o trabalho, a sociedade e a família" (Carvalho, 1991,
p. 95), ou seja, revolucionar a consciência do homem capitalista e o seu comportamento social, para formar o
indivíduo crítico, autônomo e consciente de seus atos.
E como faríamos isto através da Educação Física? Antes de tentar uma possível resposta, recordemos uma
situação pela qual, certamente, muitos de nós passamos. Durante os 4 anos finais do ensino fundamental e os 3
anos do ensino médio, o aluno tem aulas de Educação Física, e ao final destes 7 anos, tem a triste constatação de
que não aprendeu conteúdo algum sobre essa disciplina. Não tem uma noção mínima de como montar um plano
de condicionamento físico, por mais rudimentar que seja; não conhece o seu corpo, e muito menos os exercícios
físicos que poderia fazer para trabalhar cada segmento corporal; não tem uma noção básica de suas necessidades
orgânicas durante o exercício; ou seja, sete anos "estudando" Educação Física, sem que seja trabalhado um
mínimo de autonomia no aluno.
Quanto à questão da formação do indivíduo, crítico e consciente de seus atos, o que temos como produto destes 7
anos de escolaridade em contato com a Educação Física, são pessoas que acreditam que os grandes atletas
conquistaram seu "lugar ao sol" apenas por seus esforços pessoais, como se a sociedade capitalista propiciasse
oportunidades iguais para todos; acreditam na neutralidade política do esporte de alto nível, como se o mesmo
tivesse por objetivo apenas levar diversão, mascarando sua real finalidade de alienar as pessoas para os conflitos
entre as classes; acreditam no patriotismo estereotipado nas competições internacionais, quando por exemplo,
vemos operários e empresários se "unirem" para torcer por uma seleção brasileira, como se tivessem os mesmos
interesses político-sociais; e para piorar a situação, ainda vemos representantes políticos (vereadores,
deputados...) serem eleitos, apenas por terem sido grandes atletas, como se sua capacidade política fosse
proporcional à sua condição física.
Se todos estes tópicos citados anteriormente como exemplo, fazem parte do "universo" da disciplina Educação
Física, e dificilmente poderiam ser bem trabalhados por professores de outras disciplinas - até mesmo pela falta
de domínio deste conteúdo específico - por que a proposta de aulas expositivas de Educação Física é tão
hostilizada pelos professores da área ?
A acusação mais freqüente, feita pelos professores de Educação Física em relação à exposição oral, é o fato de
que ela "provoca o cansaço e o bocejo dos alunos, calados e passivos, ouvindo muito pouco, do muito que o
professor lhes fala, loucos para que o fim da aula os liberte do martírio" (Lima, 1986, p. 6). Mas estes
"acusadores", esquecem-se de que a "principal meta de uma aula não é divertir, mas ensinar, não é distrair, mas
concentrar a reflexão e possibilitar o diálogo, senão durante, pelo menos após ela" (Ibid, p. 9).
Na verdade, o que faz uma aula ser "chata", não é o conteúdo da disciplina em si (Matemática, Geografia ou
Educação Física, por exemplo), nem o espaço físico onde ela é ministrada (quadra de esporte ou sala de aula),
mas a postura do professor durante a aula.
Uma aula sobre um assunto relativamente difícil ou complicado, pode tornar-se muito agradável se o professor
souber conduzi-la com criatividade, com humor.... "O concreto da realidade é mais palpável através do humor e
do sentimento, do que pela estrutura mecânica do programa. O humor ajuda a tornar real o momento do
conhecimento, uma qualidade que pode reverter o roteiro artificial da escola" (Shor, 1986, p. 195). Sendo assim,
uma aula dentro de sala, pode ser tão agradável para o aluno, quanto um jogo de futebol ao ar livre, por exemplo.
Por todo o exposto até o momento, torna-se necessário, tentarmos entender o processo de resistência, por parte do
próprio professor da disciplina, contra a inclusão em sua prática docente, de outras alternativas didáticas,
diferentes das aulas práticas de movimentos corporais. Será que o fato da Educação Física ser mostrada como
forma de adestramento corporal, nos próprios textos legais, não é suficiente para percebermos o quanto esta
prática docente é manipulada pelas classes dominantes, a fim de que seus interesses ideologizadores sejam
atendidos ? Será que o discurso utilizado pelos defensores das aulas práticas, baseadas em movimentos corporais mesmo que esta aula seja apenas uma vez por semana - não está "ancorado" em teorias também já ideologizadas
pela burguesia ?
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