OBRA ANALISADA GÊNERO AUTOR Auto do Frade Dramático João Cabral de Melo Neto Ocupante da Cadeira nº 6, eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 15 de agosto de 1968; posse a 6 de maio de 1969. DADOS BIOGRÁFICOS Nascimento: 9 de janeiro de 1920, Recife Morte: 09 de outubro de 1999, Rio de Janeiro BIBLIOGRAFIA Poesia . Pedra do sono (1942) . Os três mal-amados (1943) . O engenheiro (1945) . Psicologia da composição (1947) . O cão sem plumas (1950) . O rio (1954) . Paisagens com figuras (1956) . Morte e vida severina (1956) . Uma faca só lâmina (1956) . Quaderna (1960) . Dois parlamentos (1961) . Serial (1961) . A educação pela pedra (1966) . Museu de tudo (1975) . A escola das facas (1980) . Auto do frade (1984) . Agrestes (1985) . Crime na Calle Relator (1987) . Sevilha Andando (1990) Os "Cadernos de Literatura Brasileira", notável publicação editada pelo Instituto Moreira Salles dedicou seu Número I - março de 1996, ao poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, com selecionada colaboração de escritores brasileiros, portugueses e espanhóis e abundante material iconográfico. RESENHA Poema em que é relatado o último dia de vida do padre Joaquim do Amor Divino Rabelo, historicamente conhecido como frei Caneca, líder da Revolução de 1817 e um dos chefes da Confederação do Equador, preso e condenado no dia 29 de novembro e fuzilado no Recife, em 13 de janeiro de 1825. Justificativa de sua morte: Frei Caneca foi o líder do movimento republicano pelo qual Pernambuco transformou-se em estado independente. Em conseqüência desse levante, ele foi condenado à morte e executado por ordem de D. Pedro I. Nota importante: Preso, frei Caneca foi condenado à forca. Como os carrascos se recusaram a cumprir a sentença, Frei Amor Divino foi arcabuzado [abatido por tiro de arcabuz] no Forte das Cinco Pontas, no Recife. Morreu como verdadeiro mártir, grande herói da luta do povo brasileiro pela independência do jugo colonial português, eminente figura de nossa intelectualidade revolucionária, nacionalista. Nesta obra, temos frei Caneca como o símbolo do nordestino desrespeitado e injustiçado. Na obra, temos a degradação eclesiástica, após o frei ser comparado a um santo pelo povo. Na obra rica em detalhes, há até explicação da origem de seu nome e alcunha. A Confederação do Equador foi o movimento revolucionário republicano de 1824, iniciado no estado de Pernambuco, que buscou uma independência dos estados do Nordeste brasileiro e a formação de uma confederação a exemplo dos Estados Unidos da América. A Confederação do Equador teve uma duração muito efêmera: 5 meses. ATENTEM a detalhes da Confederação do Equador!!! Durante o Período Regencial houve três principais grupos políticos. Dentre eles, há o grupo dos exaltados, ou melhor, radicais: opostos ao poder moderador, queriam o progresso econômico para o país e melhores condições de vida para o povo. Juntaram-se ao grupo dos moderados com o objetivo de combater o “inimigo comum” (colonialismo português). Os radicais tentavam organizar politicamente as camadas menos favorecidas, porém já em 1823 começaram a ser reprimidos, tanto por José Bonifácio quanto pelo imperador. Os dois nomes mais expressivos foram Cipriano Barata e Frei Caneca. Retomemos. Na Bahia, o Conde dos Arcos, conhecido pela violência com que reprimia quilombos, organizou expedição militar, por terra e mar, com 5000 homens que facilmente esmagaram os revoltosos. Prisão de Frei Caneca: permanece por quatro anos no cárcere até a anistia (1820). Entre 1822 e 1823, época de relativa liberdade, a figura de Frei Caneca agigantou-se. Passava a atuar em duas frentes: combate ao fanatismo na Igreja e crítica ao clero acostumado à sombra do poder; fora da igreja, contribuía no plano institucional elaborando sugestões à Constituição. Frei Caneca: uma espécie de intelectual orgânico, que elaborou um anti-projeto para a Constituição. ESTILO DE ÉPOCA PÓS-MODERNISMO Embora filiado, por reducionismo didático, à chamada "geração de 45", João Cabral é um caso à parte. Sua poesia não reage contra o Modernismo; pelo contrário, retoma-o, reelabora-o, abrindo caminhos, com uma dicção teimosamente única. Contrário a qualquer sentimentalismo e irracionalismo que predominam em uma poesia herdada dos românticos, João Cabral desmistifica a poesia e constrói sua obra como um engenheiro: apenas o essencial permanece. Esta obra que lemos é um poema-dramático cuja denominação “auto” remonta à Idade Média. De forma objetiva, nosso autor faz uso de trechos curtos, mas densamente críticos na abordagem de fatos reais. Seus personagens são alegorias das virtudes, dos pecados, da prepotência e da injustiça humana. INTERTEXTUALIDADE Auto: peça de caráter religioso, uma cerimônia pública Como termo jurídico, refere-se a ato público ou solenidade realizada para cumprir um imperativo legal ou uma ordem de autoridade constituída; termo ou narração circunstanciada de determinada diligência judicial ou administrativa, escrita e autenticada por tabelião ou escrivão, passando a constituir prova, registro ou evidência de uma ocorrência [nesta obra]. É importante lembrar os autores e obras que, no Brasil, receberam influência de Gil Vicente - teatro medieval português - e observar tendências e similitudes: = Padre José de Anchieta (“Auto na Festa de São Lourenço); = João Cabral de Melo Neto (“Auto do Frade” e “Morte e Vida Severina ou Auto de Natal Pernambucano” [há ficha literária]) = Ariano Suassuna (“Auto da Compadecida” [há ficha literária]). Todos intertextualizam. VISÃO CRÍTICA João Cabral é um poeta de importância ímpar dentro da literatura brasileira, formando, ao lado de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Manuel Bandeira (1886-1968), a tríade máxima da poesia brasileira do século XX. Apesar de toda a racionalidade com que sempre enxergou a vida, manteve, para sempre, um terrível medo do inferno com suas labaredas, caldeirões e todo aquele mundo tenebroso de culpa e pecado que os padres costumavam ameaçá-lo. No Recife, a visão dos retirantes fugidos da seca, dos miseráveis habitantes dos manguezais, o contraste entre os casarões e os mocambos construídos dentro da lama também afetariam o poeta. Uma realidade que, mais tarde, se transformaria num outro elemento fundamental em sua poesia participante. O poema dramático deixa de ser um “teatro literário" (uma lírica encenada) para ser uma literatura (poesia) que traz, já em seu texto, as noções de palco e de um público consigo, pela presença do narrador. Em relação a frei Caneca: nossos pseudo-liberais temem falar sobre ele. Em contraste, o proletariado revolucionário exalta a sua memória como um dos mais admiráveis exemplos de combatente da causa da libertação nacional e da soberania popular. São raras as pessoas que, como ele, revelaram tal grau de rebeldia militante contra os opressores do país e do povo, tanta intransigência em face dos inimigos, tamanho destemor perante a morte. As lições de sua vida e de sua luta são fontes perenes de inspiração para todos os patriotas e democratas, conservam bastante atualidade.