1 GEOGRAFIA AGRÁRIA: reflexões produzidas sobre o espaço

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
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II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
GEOGRAFIA AGRÁRIA: reflexões produzidas sobre o espaço agrário brasileiro entre os anos
de 1960 e 1990
Raphael Medina Ribeiro1
Resumo
Este trabalho irá abordar aspectos da produção teórica da Geografia Agrária desenvolvida entre os anos
de 1960 e 1990, com o intuito de reflexão acerca de temáticas pertinentes ao debate teórico desse período
histórico. Trataremos particularmente de questões relativas à inserção do processo de modernização
agrícola, com destaque para as transformações técnicas e produtivas verificadas na agricultura brasileira,
bem como suas implicações sociais, associadas à mobilização popular, os conflitos sociais no campo e a
situação das classes sociais subordinadas, como os milhares de pequenos produtores e camponeses do
país. Além disso, como ponto relevante da questão agrária na década de 90, destacamos o embate
teórico estabelecido entre os paradigmas da agricultura familiar e da agricultura camponesa, que
suscitou diferentes posicionamentos, entre os quais os geógrafos brasileiros têm demarcado
também seus territórios teóricos.
Palavras-chave: Geografia Agrária, modernização agrícola, conflitos sociais no campo, agricultura
camponesa.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho aborda reflexões desenvolvidas através dos anos de 1960 e 1990, por autores da
Geografia Agrária que suscitaram em seus estudos a lógica de inserção da modernização agrícola
no espaço agrário e suas implicações, sobretudo aos segmentos sociais subordinados do meio
rural brasileiro. Além disso, introduzimos algumas questões sobre o embate teórico entre os
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Graduado em Geografia pelo Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, integrante do
Laboratório de Geografia Agrária.
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paradigmas da agricultura familiar e da agricultura camponesa, que se estabeleceu, em especial
na década de 1990, e constitui um ponto relevante da questão agrária nesse momento histórico.
Como procedimentos metodológicos empregados o estudo bibliográfico, a partir da escolha de algumas
obras e autores, com os quais nos identificamos do ponto de vista teórico. Assim, foram selecionados
estudos relevantes que trataram de temas pertinentes entre as décadas de 1960 e 1990, com destaque
para: Manuel Correria de Andrade, José de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Darlene
Aparecida Ferreira, Bernardo Mançano Fernandes, dentre outros.
Apontamos como resultados dessa análise teórica, que a inserção do modelo da modernização da
agricultura a partir de meados da década de sessenta, engendrou grandes conseqüências sociais e
ambientais. A precarização das condições de vida e de trabalho de milhares de trabalhadores
rurais, o aumento da pobreza e da miséria no campo, a migração em massa para centros urbanos e
a grande degradação dos recursos naturais, foram algumas das implicações de tal processo.
O Brasil reconheceu assim, a existência de uma grande massa social não beneficiária dos ganhos
advindos da modernização do campo, sendo que uma das conseqüências desse cenário foi o
desencadeamento de ampla mobilização política de movimentos sociais e organizações sindicais
do campo brasileiro. Aqui se incluem, dentre outras, as lutas e reivindicações promovidas pelas
ligas camponesas e a fundação da Confederação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura
(CONTAG ), em 1963.
Nesse contexto, também se afirmou a contrapartida popular frente aos interesses dos governos
autoritários na ditadura militar e à classe latifundiária do país, na luta pela realização da reforma
agrária e pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais.
2. DESENVOLVIMENTO
A partir da década de 1960, o espaço agrário brasileiro passou a ser incorporado ao processo de
modernização da agricultura, marcando a expansão do capitalismo monopolista rumo à
incorporação de territórios e regiões para o desenvolvimento e a reprodução do capital. A
introdução de padrões tecnológicos e produtivos e a aproximação crescente entre os setores da
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indústria e a agricultura refletiam a chegada do modo industrial de produzir no campo
(OLIVEIRA , 1999, p. 77).
Tal concepção da atividade agrícola se voltou, de forma central, ao alcance de altos índices de
produtividade das terras, bem como ao atendimento à demanda por bens primários (gêneros
alimentícios e matérias-primas) das regiões ricas e desenvolvidas do país, bem como do mercado
externo.
No entanto, dada a lógica do desenvolvimento capitalista — contraditório e desigual —, a
modernização da agricultura não foi uniforme no campo brasileiro (OLIVEIRA , 1999, p. 78). Podese reconhecer a existência de diferentes graus e momentos de incorporação tecnológica e
modernização das regiões rurais sob tempos e espaços distintos.
A diferenciação pode ser constatada pela “preferência” atual de setores da agricultura capitalista
por culturas como algodão, café, cana-de-açúcar, laranja e soja, que incorporam bastante
tecnologia, destinam-se, em grande medida, ao mercado de exportação e a poucos setores do
mercado interno, além de gerarem altos índices de produtividade e lucro aos grandes produtores
rurais e empresários da agroindústria.
Também se constatam graus diferentes de modernização agrícola na produção de gêneros
destinados ao abastecimento do mercado interno, tais como amendoim, alho, arroz, feijão,
hortaliças etc., que incorporam menos tecnologia e aos quais se atribuem taxas menores de lucro
na comercialização da produção e, historicamente, têm ficado em segundo plano nas políticas de
crédito e subsídios para agricultura. Sustentam esse setor primordialmente os milhares de
produtores familiares do país.
Disso pode se depreender que o apoio financeiro e institucional, por meio de políticas agrícolas, e
concessão de subsídios e grandes financiamentos, dentre outras medidas, acabam por revelar o
processo de concentração do progresso técnico no campo (OLIVEIRA , 1999, p. 79), direcionado
a alguns setores e regiões produtivos. Também se pode dizer que o processo de reprodução
ampliada do capital em seu movimento contraditório e desigual gera a produção e reprodução de
territórios modernizados marcados pelo desenvolvimento da agricultura moderna capitalista e,
por contraste, territórios com níveis menores de modernização. Como resultado, abre-se espaço à
presença e recriação de relações não capitalistas de produção, como a agricultura camponesa.
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Embora o modelo de modernização da agricultura orientado pela lógica capitalista tenha se
desenvolvido e consolidado no Brasil entre as décadas de 1960 e 70, subjacente ao discurso dos
ganhos de produtividade e da chegada do progresso naquele momento histórico silenciavam-se as
implicações sociais e ambientais de tal modernização.
Dentre estas, podemos citar a precarização das condições de vida e de trabalho de milhares de
trabalhadores rurais, o aumento da pobreza e da miséria no campo, a migração em massa para
centros urbanos e a grande degradação dos recursos naturais. O Brasil reconheceu a existência de
uma grande massa social não beneficiária dos ganhos advindos da modernização do campo —
restritos à minoria (da cidade e do campo) formada por grandes produtores voltados à exportação
e aos setores da indústria e do agronegócio, que obtiveram imensos lucros com a comercialização
de implementos e insumos agrícolas.
Uma das conseqüências dessa diferenciação foi o desencadeamento ampla mobilização política
de movimentos sociais e organizações sindicais do campo brasileiro. Aqui se incluem, dentre
outras, as lutas e reivindicações promovidas pelas ligas camponesas e a fundação da
Confederação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura (CONTAG ), em 1963. Nesse contexto,
também se firmavam a contrapartida popular frente aos interesses dos governos autoritários na
ditadura militar e à classe latifundiária do país, na luta pela realização da reforma agrária e pela
melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais.
A modernização da agricultura também abriu uma nova perspectiva ao mundo acadêmico, que
passou a refletir e avaliar atentamente as implicações e mudanças produzidas por esse modelo,
conforme assinala Ferreira:
Proclamada como impulsionadora do desenvolvimento e da passagem de um país
tradicional para um moderno, a modernização da agricultura brasileira foi o grande marco
das transformações no Brasil. O antes e o depois da modernização podem ser observados
e definidos em razão de uma produção acadêmica e institucional bastante vasta, a qual
discutiu e registrou as principais conseqüências do processo. Em tempo algum se viu
tamanha obstinação por uma temática de estudos. (1998, p. 232).
Noutros termos, a preocupação com os segmentos sociais colocados à margem das políticas
agrícolas, em especial os camponeses, começa a surgir entre setores governamentais e na
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comunidade acadêmica. Logo a realidade de pequenos produtores, agricultores, lavradores e
trabalhadores rurais do Brasil passou a ser mais considerada pelo meio científico.
A expansão do capitalismo no campo, ao lado de privilegiar a grande exploração de
caráter comercial, acabou por chamar a atenção dos pesquisadores para as explorações
de caráter familiar, quer pela sua discrepância com relação às primeiras, quer pelas
situações de desvantagem e risco enfrentadas e os problemas sociais delas decorrentes.
(FERREIRA , 1998, p. 227).
Nesse contexto, ao longo dos anos de 1970 começam a aparecer, no âmbito da geografia, estudos
sobre a pequena produção e as pequenas propriedades e seu papel na agricultura brasileira
(FERREIRA , 2002, p. 227). No Brasil, destacam-se os trabalhos de Manoel C. de Andrade
(1978),2 que passaram a apontar as conseqüências socioambientais da adoção de um novo modelo
agrícola ao país.
Ao privilegiarem a “questão agrária” em vez da “questão agrícola”, alguns autores passaram a
suscitar outra tendência nos estudos rurais, atenta aos problemas sociais e ambientais decorrentes
dos efeitos e das mudanças produzidas pela modernização da agricultura, bem como a situação
das classes sociais subordinadas do meio rural.
Tal tendência se delineou nos estudos agrários da década de 1980, envolvendo as ciências sociais
em geral. Dentre os trabalhos notórios, estão os do sociólogo José de Souza Martins, em sua obra
Os camponeses e a política no Brasil (1981), e os do geógrafo Ariovaldo U. de Oliveira, de quem
ressaltamos Agricultura e indústria no Brasil (1980) e A Geografia das lutas no campo (1988).
Centrais no debate teórico da década de 1980 foram as temáticas com enfoque nos conflitos
sociais no campo brasileiro, na luta pela terra, nas contradições do desenvolvimento do
capitalismo no campo, na subordinação do trabalho camponês e na persistência das relações de
produção não capitalistas.
Nessa perspectiva, a década de 1990 veio a ser o momento em que tais estudos despontaram no
âmbito da geografia e das ciências sociais em geral; a pequena produção foi considerada, então,
ora como produção familiar, ora como produção camponesa, e mais atualmente como agricultura
2
O processo de modernização agrícola e a proletarização do trabalhador rural no Brasil. Geografia, v. 3, n. 5, p. 31–41,
1978.
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familiar. Ao longo dos anos de 1990 e no início do século
XXI ,
um marco significativo nas
discussões sobre o desenvolvimento do campo brasileiro foi o embate político-teórico revelado
por dois paradigmas de interpretação da realidade da produção familiar no Brasil: a agricultura
familiar e a agricultura camponesa.
O paradigma da agricultura familiar surgiu na década de 1990 na sociedade brasileira e com
reconhecida influência teórico-política, passando a ser referência nos estudos sobre a questão
agrária e na elaboração de políticas públicas ao campo brasileiro (FERNANDES , 2001, p. 30).
Essa nova concepção foi reconhecida e validada por um conjunto amplo de cientistas —
agrônomos, economistas, geógrafos, sociólogos etc.; por grupos organizados da sociedade civil
— sindicatos,
ONG s,
movimentos sociais; e por setores governamentais, sobretudo nas duas
gestões do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994–2002), como se vê nas diretrizes do
programa Novo Mundo Rural.
O novo modelo valoriza, de forma central, a atuação do Estado como agente que determina os
rumos da produção familiar no país pela implementação de políticas públicas para esse segmento,
em especial com fomento à sua integração ao mercado, visível na valorização do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF ), criado em 1997, como uma
política de capitalização desses produtores familiares.
No campo teórico, a compreensão da agricultura familiar se assenta na lógica da inserção dos
produtores familiares no mercado, considerando-se que o produtor que emprega recursos técnicos
e está altamente integrado ao mercado não é um camponês, mas um agricultor familiar
(FERNANDES , 2001).
Assim, em vez de tomar os segmentos sociais do mundo rural brasileiro pelas designações
tradicionais — camponês e pequeno produtor —, esse novo modelo interpretativo passou a
designá-los como agricultores familiares. Nesses termos, o conceito de agricultura familiar se
opõe ao de agricultura camponesa, que passou a ser concebida por muitos autores como produção
de subsistência; e os produtores que alcançam a inserção em mercados, adotam tecnologias e são
assistidos pelas políticas públicas de desenvolvimento rural do Estado podem, então, ser
designados por agricultores familiares; caso contrário, ainda são agricultores camponeses.
Para nós, essa visão tem forte conteúdo político-ideológico ao lançar uma compreensão
evolucionista dessa categoria de sujeitos sociais e assinalar estágios superiores e inferiores de
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desenvolvimento e organização socioprodutiva, concebidos segundo o grau de integração à
economia de mercado. Noutros termos, os camponeses adquirem a posição de “atrasados” ou
“arcaicos”, e os agricultores familiares refletem um modelo moderno, que revela a face “atual”
dessa realidade.
Bombardi destaca duas implicações dos desdobramentos que o paradigma da agricultura familiar
suscita nos meios políticos e acadêmicos da sociedade brasileira:
A primeira [...] é que esta visão negligencia toda uma ordem de valores que se inserem
no plano moral e, que, a despeito da integração destes camponeses no mercado, orientalhes a prática, a vida cotidiana e as relações que estabelecem com a sociedade global
[...]. A segunda implicação está no fato de que esta abordagem não comporta uma
explicação para os movimentos sociais no campo que lutam pela reforma agrária. Em
momento algum intelectuais, como por exemplo, Ricardo Abramovay [importante
teórico da agricultura familiar], que acredita na possibilidade de um desenvolvimento
rural pleno, colocam-se a questão da reforma agrária e do anseio por terra de milhares
de famílias. (2003, p. 115).
Para Almeida, ao se optar pelo uso do conceito de agricultor familiar em substituição ao de
camponês,
o argumento básico é torná-lo límpido, todavia a forma como vem sendo utilizado
produz em contrapartida um reducionismo, em função do esforço para trazer estes
homens e mulheres para a moderna economia. Logo, neste processo, perde-se a
dimensão da terra como conteúdo moral, terra de trabalho, e passa-se a trabalhar a partir
de uma concepção mercantil da terra. (2003, p. 77).
A preocupação dessa autora assinala, então, a concepção dos teóricos que defendem o modelo da
agricultura familiar ao privilegiar, sobretudo, a esfera econômica da realidade desses sujeitos e
focarem sua análise no modo como os agricultores se inserem na sociedade de mercado, em
detrimento de dimensões, também, relevantes como o plano moral, político e sociocultural de
existência e reprodução social desse segmento.
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Conforme diz Fernandes (2001), algumas concepções defendidas pela agricultura familiar
representam certo retrocesso porque contêm a idéia de que a mediação entre desenvolvimento do
trabalho familiar e das relações capitalistas no campo se estabelece só no plano das políticas
públicas do Estado; logo, não reconhecem a essencialidade da luta contra o capital. Esse autor
afirma que a dimensão política do paradigma da agricultura familiar se direciona “para dentro”
— à valorização das relações capitalistas; em contrapartida a essa visão, expressa-se o território
teórico formulado pela agricultura camponesa, direcionada “para fora” — à perspectiva de
superação das relações capitalistas com base em seus próprios referenciais de luta, que
pressupõem o enfrentamento das políticas do Estado e a construção de projetos e experiências de
organização sociopolítica (FERNANDES , 2001).
Eis, então, um esboço da compreensão dos teóricos da agricultura camponesa, sobretudo da
geografia agrária, como Oliveira (1986; 1988; 1996; 1999), Fernandes (1996; 2001) e Almeida
(2003), que concebem os agricultores camponeses segundo a presença e persistência deles como
relação não capitalista de produção, criada e recriada pelo desenvolvimento contraditório e
desigual do capitalismo no campo brasileiro. Na reflexão desses estudiosos evidencia-se o
entendimento do campesinato como classe social, que se reproduz no interior do modo de
produção capitalista e a ele se subordina.
Almeida faz algumas considerações sobre a condição dos camponeses como classe sui generes no
capitalismo e expressa objetivamente o posicionamento dos teóricos que empregam o conceito de
agricultura camponesa ou de campesinato:
A situação conflitiva vivenciada pelos camponeses na busca do retorno a terra é uma luta
pela (re)criação de sua condição de classe sui generis, uma classe cuja natureza
econômica e social encontra-se alicerçada na contradição: é formada por sujeitos que
são, ao mesmo tempo, proprietários de terra (e dos meios de produção) e trabalhadores;
porém um trabalhador diferente do operário porque não se defronta cotidianamente com
a exploração de seu trabalho (a origem de sua exploração não é direta) e com os
mecanismos de ocultamento/alienação próprios desta condição. O camponês sabe que o
trabalho pertence ao próprio trabalhador, e é neste saber que se funda a sua autonomia e,
condraditoriamente, sua oposição à propriedade capitalista como explica Martins. (2003,
p. 21–22).
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Procuramos nos situar no embate teórico estabelecido entre as concepções de agricultura familiar
e de agricultura camponesa porque consideramos que a visão proposta pelos teóricos da
agricultura camponesa permite adentrar os processos sociais explicativos da existência social e da
reprodução dos sujeitos produtores familiares do campo brasileiro com base em sua permanência
e recriação no tempo presente. Com isso, distanciamo-nos de conceber a persistência e resistência
do campesinato atual como resquício cultural em vias de desaparecimento.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
As análises e reflexões empreendidas através deste estudo teórico apontaram que o fenômeno da
modernização da agricultura não se estabeleceu de forma uniforme no espaço agrário brasileiro,
de modo que se verificou a existência de diferentes graus e momentos de incorporação tecnológica
e modernização das regiões rurais brasileiras, sob tempos e espaços distintos.
Dada a lógica contraditória e desigual do desenvolvimento capitalista, pode-se dizer que o processo
de reprodução ampliada do capital, tem gerado a produção e reprodução de territórios
modernizados - marcados pelo desenvolvimento da agricultura moderna capitalista e, por outro
lado, territórios com níveis menores de modernização e incorporação tecnológica. Como
resultado, abre-se espaço à presença e recriação de relações não capitalistas de produção, como a
agricultura camponesa.
Embora o modelo de modernização da agricultura orientado pela lógica capitalista tenha se
desenvolvido e consolidado no Brasil entre as décadas de 1960 e 70, subjacente ao discurso dos
ganhos de produtividade e da chegada do progresso naquele momento histórico silenciavam-se as
implicações sociais e ambientais de tal modernização. Dentre estas, podemos citar a precarização
das condições de vida e de trabalho de milhares de trabalhadores rurais, o aumento da pobreza e
da miséria no campo, a migração em massa para centros urbanos e a grande degradação dos
recursos naturais. O Brasil reconheceu a existência de uma grande massa social não beneficiária
dos ganhos advindos da modernização do campo — restritos à minoria (da cidade e do campo)
formada por grandes produtores voltados à exportação e aos setores da indústria e do
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agronegócio, que obtiveram imensos lucros com a comercialização de implementos e insumos
agrícolas.
Diante desse cenário, a preocupação com os segmentos sociais colocados à margem das políticas
agrícolas, em especial os camponeses, começa a surgir entre setores governamentais e na
comunidade acadêmica. Assim, passa a ser mais significativo em meados da década de 70 e
principalmente na década de 80 os estudos que destacam o papel da pequena produção, ou da
produção familiar no campo brasileiro. Ao longo dos anos de 1990 e no início do século XXI , um
marco significativo nas discussões sobre o desenvolvimento do campo brasileiro foi o embate
político-teórico revelado por dois paradigmas de interpretação da realidade da produção familiar
no Brasil: a agricultura familiar e a agricultura camponesa; demarcando desta maneira diferentes
posicionamentos e interpretações acerca do lugar social e da realidade da categoria social em
questão.
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