1 A Questão do Livre Comércio André Morato Dias Cardeal* (...) as Américas são uma comunidade de sociedades democráticas. Embora enfrentem diferentes desafios de desenvolvimento, as Américas estão unidas na busca da prosperidade por meio de mercados abertos, da integração hemisférica e do desenvolvimento sustentável. (...) Nosso progresso econômico contínuo depende de políticas econômicas adequadas, de um desenvolvimento sustentável e de setores privados dinâmicos. Elemento essencial para a prosperidade e o comércio sem barreiras, sem subsídios, sem práticas desleais e com fluxo crescente de investimentos produtivos. A eliminação de obstáculos ao acesso ao mercado de bens e serviços entre os nossos países promoverá nosso crescimento econômico. Uma economia mundial em expansão também aumentará a nossa prosperidade interna. O livre comércio e a integração econômica progressiva são fatores essenciais para elevar os padrões de vida, melhorar as condições de trabalho dos povos das Américas e proteger melhor o meio ambiente.1 La fraternidad que el librecambio fundaría entre las distintas naciones de la tierra difícilmente sería una relación fraternal; el poner a explotación, bajo su estructura cosmopolita, la etiqueta de la fraternidad general es una idea que sólo puede brotar en el seno de la burguesía. Todas las manifestaciones destructivas que la libre competencia pone de manifiesto en el interior de un país se repiten en proporciones todavía más gigantescas dentro del mercado mundial. No necesitamos seguirnos deteniendo en los sofismas que los librecambistas hacen circular en torno a este tema.2 (...) el proteccionismo puede ser ventajoso a los capitales industriales, y mientras demuestra que el librecambio no representa, ni mucho menos, la ensalza panacea universal para todos los males de la clase obrera, sino que, por el contrario, incluso puede agrandarlos.3 As questões relativas ao livre-comércio vêm reaparecendo de maneira cíclica na história do capitalismo. Ganham importância em David Ricardo, passam pelos discursos de Marx, pelas discussões acerca do imperialismo feitas por Lênin, pela época de ouro do capitalismo, retornam nas décadas de 1980, 1990 e agora no século XXI. Atualmente, o livre-comércio novamente é apresentado como se fosse a salvação das crises do modo de produção capitalista, o elemento que garantiria o seu funcionamento equilibrado. Ou seja, retorna a defesa de que a abertura das economias seria responsável pela melhora quase que imediata das condições de vida e uma resposta para os problemas de desenvolvimento das economias periféricas4. É com o fim da era de ouro do capitalismo, a partir da verificação de altas taxas de * Mestrando em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. 1 I Cúpula das Américas, “Declaração de princípios”. Miami, dezembro de 1994. Disponível em: http://www.ftaa.com.br 2 Karl Marx, “Discurso Sobre El Problema Del Librecambio”. In: Obras Fundamentales de Marx e Engels: Escritos Económicos Menores. México, Fondo de Cultura Económica, 1987, p. 553. 3 F. Engels, “Proteccionismo y Librecambio”. In: Obras Fundamentales de Marx e Engels: Escritos Económicos Menores, México, Fondo de Cultura Económica 1987, p. 557. 4 Para este tipo de interpretação ver como são encaradas estas questões no relatório de uma reunião de ministros de comércio do continente americano: “Estamos convencidos de que o compromisso dos nossos países com as economias abertas, com os princípios de mercado e com sistemas comerciais baseados em regras, contribuirá para uma rápida recuperação e retomada do crescimento nas economias mais afetadas. (...) Com uma visão voltada para o futuro, estamos confiantes de que a ALCA irá não apenas reforçar a nossa comunidade das Américas, mas também aprimorar substancialmente o bem-estar dos cidadãos de todos os nossos países, através da redução e eliminação de impedimentos ao livre fluxo de bens, de serviços e de capital por nossas fronteiras” (Quinta Reunião Ministerial de Comércio, “Declaração Ministerial”. Toronto, novembro de 1999. Disponível em: http://www.ftaa.com.br). 2 desemprego na Europa e nos Estados Unidos, e principalmente devido à queda da taxa geral de lucro da economia, confirmando a constatação de uma prolongada trajetória de estagnação e instabilidade à qual se agregam elementos recessivos de longa duração5, que ganha força um tipo de pensamento, que fica conhecido como “neoliberal”. A resposta do sistema capitalista para a crise global é uma ofensiva sobre os trabalhadores e sobre as economias ditas subdesenvolvidas6. Para entender em que contexto e de que forma se coloca esta discussão somos levados a buscar as contribuições clássicas de Marx e Engels. O objetivo então é a partir da discussão fundamentalmente destes textos fazermos um análise da atual conjuntura com o intenção de refletirmos sobre a positividade ou negatividade da abertura das economias, para os países periféricos e para os trabalhadores. Marx (op. cit.) afirma que uma conseqüência necessária do livre-câmbio é uma baixa geral no preço das mercadorias, e que, portanto, por este ponto de vista ele seria positivo para os trabalhadores. Entretanto diz ele, o importante não é provar que com a mesma quantidade de dinheiro se consegue mais mercadorias se os preços baixam, pois se esquece que antes de trocar seu salário por bens de consumo, os trabalhadores o obtém numa troca direta de sua força de trabalho por capital. Isso decorre do fato de que trabalhadores não tomam como referência nem negociam salário real, como fazem entender as teorias tradicionais, para eles o que interessa são os salários nominais. Marx ressalta inclusive que uma baixa geral dos preços representaria uma baixa ainda maior sobre os salários: Si hacen falta menos gastos para poner en movimiento la maquina que produce las mercancías, las cosas necesarias para sustentar la máquina que se llama obrero representarán también menos costo. Se abaratan todos las mercancías, el trabajo, que es también una mercancía, bajará igualmente de precio y, (…), esta mercancía trabajo descenderá proporcionalmente mucho más que todas la otras.7 Ao fazer uma análise sobre o “discurso” dos livre-cambistas, Marx8, defende a idéia de que se pode identificar em seus argumentos algo que se assemelharia ao que conhecemos como a justificativa do consumo de massas: “(...) el bajo precio de las mercancías incrementará el consumo; el mayor consumo fomentará una demanda mayor de fuerzas de trabajo, y a esta demanda mayor de fuerzas de trabajo, seguirá el alza de los salarios”. O livre-câmbio favorece a ampliação das forças produtivas, efetuando um raciocínio simples de aumento da produção e da rentabilidade, o que seria automaticamente transferido para os salários. Isto ocorreria da seguinte forma: 5 Para uma explicitação deste debate ver: Paulo Balanço, Eduardo Costa Pinto e Ana Maria Milani, “Crise e globalização no capitalismo contemporâneo: alguns aspectos do debate em torno dos conceitos de Estado-nação, Império e Imperialismo”. IX Encontro Nacional de Economia Política, Uberlândia, Anais, 8 a 11 de junho de 2004, p. 7. 6 Para esta discussão de modo mais detalhado ver: André Morato Dias Cardeal, “O século XXI e o capitalismo”. X Encontro Nacional de Economia Política, Campinas, Anais, 24 a 27 de maio de 2005, p. 174-198. 7 Marx, op. cit., p. 548. 8 Idem, ibidem, p. 548. 3 (...) el capital productivo incrementa la demanda de trabajo, aumentará también el precio, y, en consecuencia, el salario. La condición más favorable para el obrero es el incremento de capital. Hay que reconocer esto. Si el capital permanece estacionario, la industria no se estacionará, sino que retrocederá, y la primera víctima de ello, será el trabajador. Este sucumbirá antes que el capitalista.9 Esta análise pressupõe uma redução nos salários, seguida de uma redução nos custos e, portanto, nos preços das mercadorias, o que resultaria na ampliação da produção e das vendas e, em conseqüência, dos salários. Entretanto, não é tão simples, pois esta transferência de uma parcela da ampliação dos lucros para os salários não ocorre. Nas últimas décadas temos verificado no Brasil grandes aumentos de produtividade e mesmo crescimento em alguns setores, o que contrasta com uma compressão dos salários. Ao se considerar o caso dito mais favorável ao trabalhador, para Marx, mesmo esta situação não garante melhores condições, pois na medida que temos um incremento no capital produtivo, ele traz consigo, uma ampliação da acumulação e da concentração do capital. Ocorreria, portanto, uma maior centralização dos capitais, como resultado de uma maior divisão do trabalho e de um maior emprego de maquinaria. Também pode-se verificar que, com o acirramento da divisão do trabalho, acaba-se substituindo a capacidade e os conhecimentos individuais do trabalhador por processos semi-automáticos, possíveis de serem executados com maior facilidade, resultando numa ampliação da concorrência entre os trabalhadores, intensificada na medida que um trabalhador passa a poder sozinho executar o trabalho de vários. El incremento de capital productivo obliga al capitalista industrial a trabajar con medios sin cesar crecientes, arruinando con ello a los pequeños industriales y lanzándolos a las filas del proletariado. Además, como el tipo de interés desciende en la medida en que se acumulan los capitales, los pequeños rentistas que no pueden seguir viviendo de sus rentas se ven también obligados a recurrir a la industria, engrosando con ello el número de los proletarios. Por último, cuanto más crece el capital productivo más obligado se ve a producir para un mercado cuyas necesidades desconoce. Tanto más precede la producción a la necesidad, tanto más trata la oferta de imponer la demanda y se hacen más intensas y más repentinas las crisis. Y cada crisis acelera a su vez la centralización de los capitales y aumenta el proletariado.10 Esta ampliação no capital produtivo necessário provoca uma ampliação em maior escala da concorrência, inclusive fazendo com que pequenos capitalistas sejam obrigados a integrar as fileiras do proletariado, devido aos altos montantes de capital exigidos restringirem cada vez mais a própria classe capitalista. O movimento verificado e apontado por Marx é que os pequenos capitalistas são muitas vezes obrigados a integrar a classe trabalhadora, fazendo com que a remuneração do trabalho diminua para todos e a carga de trabalho aumente para alguns, juntamente com a ampliação do exército industrial de reserva. Ao analisar qual influência exerceria sobre a classe trabalhadora a implantação do livrecâmbio, Marx11, aponta para uma reflexão importante, que é o fato de que “todas las leyes 9 Idem, ibidem, p. 548-549. Esta citação se refere a forma como Marx analisa o discurso de um defensor do livrecomércio, e não a forma como interpreta esta relação de coisas. 10 Idem, ibidem, p. 549. 11 Idem, ibidem, p. 551. 4 formuladas por los economistas desde Quesnay hasta Ricardo” utilizam o livre-comércio enquanto premissa em seus modelos. A partir daí pode-se concluir que estas leis se fortaleceriam com a implantação do livre-comércio, sendo que para ele, a primeira delas é que a concorrência reduz o preço de todas as mercadorias ao seu custo mínimo de produção12. De acordo com esta lei, o salário mínimo seria o preço natural do trabalho, ou seja, o salário natural seria aquele estritamente necessário para o sustento do trabalhador e para manter suas condições de vida. É importante também sempre observar que, em diversos momentos, o capitalismo se apresenta de tal maneira que mesmo os meios mínimos para garantir as condições de vida são reduzidos cada vez mais13. Vale ressaltar que estas condições reafirmam o que Marx14 chamou de lei geral da acumulação capitalista. Através dela Marx nos mostra que a dinâmica fundamental da economia capitalista atua de maneira contraditória: ao passo que cresce a riqueza social, o capital em funcionamento, a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, cresce também o exército industrial de reserva. Ou seja, a “evolução” de uma sociedade capitalista significa, de um lado, a prosperidade de poucos, estes sendo cada vez mais reduzidos, e de outro, a superexploração da crescente maioria. Marx afirma que a implantação do livre-câmbio daria apenas mais liberdade ao capital, fazendo com que este tivesse ainda mais condições para explorar a classe trabalhadora livremente, além de se apropriar de riquezas de outros países menos desenvolvidos. Desta forma, ter-se-ia uma maior transparência na forma real dos conflitos de classe. Mientras mantengáis en pie la relación entre el trabajo asalariado y el capital, aunque el cambio de mercancías se lleve a cabo bajo las condiciones más favorables, habrá siempre una clase explotadora y otra explotada. Le resulta a uno realmente difícil llegar a comprender la arrogancia de los librecambistas, quienes se imaginan que el empleo más ventajoso del capital hará desaparecer el antagonismo entre el capitalista industrial y el trabajador asalariado. Muy por el contrario. La única consecuencia de ello será que el antagonismo entre estas dos clases se pondrá de manifiesto todavía más claramente.15 A discussão do livre-comércio nos leva também para uma outra discussão importante, a questão da divisão internacional do trabalho e da especialização produtiva, pois os livre-cambistas e os adeptos das teorias de vantagens comparativas apregoam que o melhor para um país é se especializar naquilo que teoricamente teria vantagens naturais. Isso implicaria, por exemplo, o Brasil concentrar sua produção em produtos agrícolas e produtos intensivos em mão-de-obra, fatores que possui em abundância. Entretanto não podemos esquecer que estas “vantagens” são em 12 “Si, en vez de cosechar el trigo en nuestro país (…), descubriésemos un nuevo mercado en que pudiéramos adquirirlo a precio más barato, ello haría bajar los salarios y aumentaría las ganancias (…). La baja de precio de los productos agrícolas no reduce solamente los trabajadores ocupados en la agricultura, sino también los de cuantos trabajan en la industria o en el comercio” (David Ricardo, Des principes de l’économie politique et de l’impôt. Paris, 1835, p. 178, In: Marx, op. cit., p. 547). 13 “Pero no es esto todo; los progresos de la industria suministran medios de sustento menos costosos. Así, vemos, que el aguardiente sustituye a la cerveza, el algodón a la lana y el lino y las patatas al pan” (Marx, op. cit., p. 552). 14 Karl Marx, O Capital: crítica da economia política. São Paulo, Nova Cultural, 1988, v. II, p. 187-258. 15 Marx, Discurso Sobre El Problema Del Librecambio, cit, p. 552. 5 parte construídas historicamente, ou seja, o que determina se um país é detentor de altas tecnologias ou se é apenas intensivo em mão-de-obra não é uma pré-destinação natural, mas sim um processo construído historicamente. Além disso, a especialização não permite aos países competirem de maneira igualitária no mercado mundial16, pois ramos industriais diferentes não têm a mesma capacidade competitiva, existindo, conforme aponta Marx, a supremacia de alguns sobre os demais. É importante dar atenção também ao fato de que a concorrência internacional se dá substancialmente entre indústrias e não entre países. Se nos dice, por ejemplo, que el librecambio hará nacer una división del trabajo internacional y mostrará con ello a todos los países el camino de una producción que se armonice con sus ventajas naturales. (…) Hay una circunstancia que, a este propósito, no debemos perder nunca de vista: la de que, al convertirse todo en monopolio, existen también hoy algunas ramas industriales que dominan a todas las demás y que, preferentemente, aseguran a los pueblos activos la dominación sobre el mercado mundial. (…) Es verdaderamente ridículo que los librecambistas señalen dos o tres especialidades en cada rama industrial para lanzarlas a la balanza contra los productos de uso cotidiano cuya producción resulta más barata en los países donde la industria se halla más desarrollada.17 Há ainda uma outra questão que não deve ser ignorada ao se analisar as relações econômicas internacionais, principalmente quando se refere à divisão internacional do trabalho e a especialização produtiva: não se pode perder de vista que a economia mundial não é formada por agentes iguais, com a mesma capacidade de interação, de negociação. O que acaba ocorrendo então, é a mistificação do real objetivo que está por trás dos Estados Nacionais, o de representar os interesses das classes dominantes, de servir enquanto seus porta-vozes. Romo destaca que o Estado Nacional representa portanto um papel importante inclusive nas relações entre firmas no mercado mundial: (…) la internacionalización del capital entra en contradicción con la existencia de Estados nacionales, que las burguesías necesitan para luchar contra las clases obreras. El capital monopolista se vale del Estado para evitar las consecuencias del carácter contradictorio de su acumulación. Cada Estado apoya necesariamente unos capitales contra los demás, y pone sus poderosos medios al servicio de la lucha por la ganancia. ‘Las instituciones o los aparatos – señala Poulantzas – no poseen poder propio, y no hacen sino expresar y cristalizar poderes de clase’. En estas circunstancias, es imposible hablar de capital como de algo cualitativamente homogéneo: su fuerza y su rentabilidad no sólo son función de su tamaño sino de otras características específicas, entre las cuales está la nacionalidad, que desempeña un papel muy importante. Incluso si la reproducción social de las relaciones sociales de producción es aún el Estado nacional, cuadro ideológico y político indispensable para la organización de las relaciones sociales.18 É extremamente irreal pressupor que as economias periféricas podem discutir em condições mínimas de igualdade com as grandes potências internacionais, sobretudo quanto tratamos de grandes acordos comerciais, como, por exemplo, é o caso do México no NAFTA ou mesmo do Brasil na ALCA. Deve-se dar grande importância e atenção aos recentes movimentos do 16 “Si los librecambistas son incapaces de comprender cómo puede un país enriquecerse a costa de otro, no necesitamos asombrarnos de que los mismos señores comprendan todavía menos que, dentro de un país, una clase se enriquezca a costa de otra” (Idem, ibidem, p. 554). 17 Idem, ibidem, p. 553-554. 18 Héctor Guillén Romo, Lecciones de Economía Marxista. México, Fondo de Cultura Económica, 1988, p. 384-385. 6 imperialismo, que cada vez mais exacerbadamente, busca conquistar esferas mais lucrativas para a inversão de seus capitais, o que se manifesta na incansável defesa da livre mobilidade de capitais e do livre-comércio19. Esta movimentação internacional de capitais deve ser analisada à luz da lei geral do sistema capitalista, a lei da queda tendencial da taxa de lucro, que faz com que esta busca de vantagens, de esferas para garantir a rentabilidade, se torne fundamental para a manutenção do próprio capitalismo20. Por conseqüência da necessidade da busca de rentabilidade, verifica-se que a atuação dos países centrais do sistema do capital é incisiva quando se trata de defender os interesses de liberalização do capital (dar-lhe melhores condições para a exploração). É importante observar-se também que estes movimentos de defesa da liberalização das economias não vem sendo reservados exclusivamente à potência hegemônica internacional, mas a todo o centro do sistema do capital. Segundo Chesnais21, é nos Estados Unidos que se vê uma adequação, mais perfeita do que em qualquer outro grande governo “civilizado”, do sistema político e da filosofia social em relação às necessidades de uma valorização do capital livre de qualquer freio. Foram eles que tomaram a iniciativa, mais do que outros países, de publicar em editais, antes de tudo, as políticas de ajuste estrutural e mais tarde de liberalização e desregulamentação financeira e comercial, pois estas políticas são aquelas que melhor correspondem tanto a seus interesses de grande potência, quanto àqueles de seus lobbies. Os governos de todos os países onde o capital financeiro é desenvolvido estão comprometidos com a ordem mundial liberalizada. Todas as iniciativas que os Estados Unidos tomaram no FMI, no Banco Mundial, na OCDE22, no GATT23 e, mais tarde, na Organização 19 “Así, pues, la conquista del mercado mundial por la industria capitalista no se realiza por medios puramente económicos. La presión y la fuerza política y militar han jugado aquí un papel importante, cuando no decisivo. Las condiciones de desigualdad política, los desiguales tratados impuestos a China, a India, permitieron a Gran Bretaña conquistar el mercado mundial y lograr un monopolio de productividad. Una vez concluida esta conquista, la proclamación del dogma universal del libre cambio, que se volvió a imponer por la fuerza a las antiguas víctimas, se convirtió en el arma esencial de Gran Bretaña (y, en cierta medida, de Francia, Bélgica, los Países Bajos, etc.), para destruir la industria que existía en los países asiáticos, y para frenar su industrialización durante medio siglo” (Ernest Mandel, Tratado de economia marxista. México, Editora Era, 1969, p. 258). 20 “Com sua importância e suas proporções atuais, a exportação de capitais é, pois, provocada, como se vê, pelas particularidades da evolução econômica dos últimos anos. Se a examinarmos do ponto de vista da expansão das formas de organização do capitalismo moderno, ela é apenas a conquista e a monopolização de novas esferas de investimento de capital pelos monopólios de uma grande potência, ou, então – se se toma o processo em seu conjunto – por uma indústria nacional organizada ou ainda por um capital financeiro nacional. A exportação de capital constitui o método mais cômodo de aplicação da política econômica dos grupos financeiros que, com a maior facilidade, colocam sob sua dependência novas regiões. Eis por que o agravamento da concorrência entre os diversos Estados aparece, nesse quadro, com relevo particular” (Nikolai Ivanivitch Bukharin, A Economia Mundial e o Imperialismo. São Paulo, Abril Cultural, 1984, p. 93). 21 François Chesnais, “Mundialização: o capital financeiro no comando”. Revista Outubro, n° 05, 2001, p. 15-16. 22 A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sucedeu à Organização Européia de Cooperação Econômica, que foi criada para administrar a ajuda dos Estados Unidos e do Canadá, no quadro do Plano Marshall, ao processo de reconstrução européia que se seguiu à 2ª Guerra Mundial. Desde que iniciou a sua atividade, em 1961, a OCDE, que conta hoje com 30 países membros, tem por missão reforçar a economia dos países membros, melhorar a sua eficácia, promover a economia de mercado, desenvolver um sistema de trocas livres e contribuir para o desenvolvimento e industrialização dos países. 23 Acordo Geral sobre Tarifas de Comércio (GATT), mais tarde foi substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC). 7 Mundial do Comércio (OMC), foram apoiadas e aplicadas na Europa pelo Reino Unido e setores importantes da União Européia. Ultimamente, não é dos Estados Unidos que veio o projeto da ‘Rodada do Milênio’ na OMC, mas da União Européia. Deve-se destacar também que foram, antes de tudo, setores antagônicos da sociedade americana que atacaram frontalmente a OMC em Seattle. É por isso que se deve considerar que: “A mundialização contemporânea não é ‘americana’. Ela é capitalista e é como tal que ela deve ser combatida”24. Mas, em conflito com estas tendências, as regulamentações defendidas e efetuadas pelos organismos multilaterais e os tratados de comércio em nível mundial, observa-se que discurso e prática estão distanciados nas grandes potências internacionais. Ao mesmo tempo em que se negocia abertura comercial na ALCA, os EUA apresentam dificuldades internamente, inclusive dentro do próprio Congresso, para aprovar medidas de liberalização. O mesmo ocorre, por exemplo, com respeito ao corte de subsídios para os produtos agrícolas na União Européia. A partir daí fica ainda mais claro qual é o real objetivo dos acordos de livre-comércio, o intuito de garantir áreas de exploração privilegiada para as grandes potências, ou seja, tentativa de garantir esferas para exportação de mercadorias e capitais que garantam a lucratividade dos grandes trustes, fundos e grupos financeiros destes países. O fato marcante é a tentativa de embasar a defesa deste tipo de prática na total mistificação da suas reais conseqüências, como se pode verificar nos relatórios oficiais das rodadas de negociação para a implementação da ALCA25. Estas conseqüências podem ser graves, como se percebe ao analisar a economia mexicana depois da implementação do NAFTA, onde as promessas foram revertidas em uma piora considerável nas condições econômicas do país26. Esta defesa da liberalização comercial, feita e não cumprida pelos países imperialistas, ocorre porque até certo ponto as barreiras protecionistas acabam atuando na defesa dos interesses dos capitais nacionais, pois se contrapõe, em parte, à transferência de valor para o país que tem maior produtividade27. Essa contraposição se dá pelo fato de que o país fica menos exposto à 24 Chesnais, op. cit., p. 16. “O livre comércio e uma maior integração econômica são fatores essenciais para o desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, novos avanços serão obtidos à medida que nos empenharmos em fazer a liberalização do comércio e as políticas ambientais se apoiarem mutuamente, levando em consideração os esforços do GATT/OMC e de outras organizações internacionais. À medida que prosseguir a integração econômica no Hemisfério, estaremos assegurando, de forma crescente, a observância e promoção dos direitos do trabalhador, conforme definidos pelas convenções internacionais pertinentes” (I Cúpula das Américas, “Plano de Ação”. Miami, dezembro de 1994. Disponível em: http://www.ftaa.com.br). 26 Para maiores detalhes ver Borges (Altamiro Borges, “A trágica experiência do Nafta”. 2003, Disponível em: http://resistir.info/brasil/alca_nafta.html): “Nos anos 70, antes da implantação do acordo (NAFTA), a economia mexicana crescia, em média, 6,6% ao ano. Já nos anos 90, o crescimento despencou para 3,3%. Agora, com a travagem da economia americana, a situação degringolou de vez. ‘O México entrou em recessão no ano passado. Seu déficit na balança comercial saltou quase 22% e suas exportações encolheram 5%. De resto, perdeu receita com a queda do preço do petróleo, produto que gera um terço do seu rendimento’. A previsão do governo é que a economia cresça apenas 1,7% em 2002”. 27 “Por lo demás, el sistema proteccionista no es más que un medio para fomentar en un país la gran industria, es decir, para hacerlo depender del mercado mundial; y, a partir del momento en que se depende del mercado mundial, se depende en mayor o menor medida del librecambio. Además, el sistema proteccionista desarrolla la libre competencia 25 8 economia mundial, podendo direcionar esforços para o desenvolvimento de seu mercado interno, na medida em que as barreiras são voltadas para a proteção de determinado conjunto de indústrias nacionais. O que ocorre, portanto, é que este livre-comércio significa a derrubada destas barreiras protetoras nos países mais fracos e sua manutenção, mesmo que em partes ou de forma modificada, nos países centrais. Sabe-se que os cartéis tiveram como conseqüência a criação de tarifas protecionistas de um tipo novo, e original: como já notava Engels, no Livro III, de O Capital,28 protegendo-se precisamente os produtos suscetíveis de serem exportados. Também sabemos que os cartéis e o capital financeiro dispõem de um sistema que lhes é próprio – o ‘da exportação a preço vil’, o do ‘dumping’ (...) Se a Alemanha aumenta o seu comércio com as colônias inglesas mais rapidamente do que a própria Inglaterra isso apenas prova uma coisa: que o imperialismo alemão é mais forte, melhor organizado do que o imperialismo inglês, que lhe é superior; mas isso, não prova, de forma alguma, a ‘supremacia’ do comércio livre. E isto porque esta luta não opõe o comércio livre ao protecionismo, à dependência colonial, mas opõe entre si dois imperialismos rivais, dois monopólios, dois grupos de capital financeiro. A supremacia do imperialismo alemão sobre o imperialismo inglês é mais forte do que a muralha das fronteiras coloniais ou a das tarifas aduaneiras protetoras; tirar daí argumentos a favor da liberdade do comércio e da ‘democracia pacífica’ é divulgar asneiras, é esquecer os traços e os caracteres essenciais do imperialismo, é substituir o marxismo pelo reformismo pequeno-burguês.29 Percebe-se também que as práticas intervencionistas mantêm um outro tipo de tarifa, o subsídio, que atua com o objetivo de garantir vantagens aos produtores de determinado país para que possam competir no mercado mundial, ou seja, mesmo que um país não tenha “vantagens naturais” ele poderia ganhar mercado de outros que as tenham. Assim os avanços liberalizantes imperialistas atuam também no sentido de garantir aos países centrais a manutenção destas práticas e obrigar os periféricos a abrir mão da proteção de suas economias. Isso demonstra que muitas vezes os mercados são tomados por empresas, não por terem maiores níveis de produtividade ou menores custos, mas porque seus países-sede lhes garantem vantagens “naturais”. É necessário que seja destinada uma especial atenção à análise dos impactos de uma abertura comercial acentuada, como é a proposta da ALCA, para os países periféricos e para o conjunto da classe trabalhadora. Como adiantam Marx30 e Engels31, a discussão acerca de protecionismo e dentro de país. Por eso vemos que en aquellos países en que la burguesía comienza a abrirse camino como clase, por ejemplo en Alemania, hace grandes esfuerzos por obtener aranceles protectores. Estas son para ella las armas contra el feudalismo y el Estado absoluto, representan para ella el medio de concentrar sus fuerzas y realizar el librecambio dentro del país” (Marx, Discurso Sobre El Problema Del Librecambio, cit, p. 554). 28 Para esta mesma discussão ver também: Bukharin, op. cit., capítulo IV. 29 Lênin, op. cit., p. 113. Da mesma forma o inverso é considerado verdade, na afirmação de Hilferding, pois nem livrecomércio, nem protecionismo resolveriam os problemas da classe trabalhadora: “se o capital não pode desenvolver outra política que a imperialista, então o proletariado não pode contrapor à imperialista uma política que foi a do tempo da hegemonia do capital industrial; não é próprio do proletariado opor a política capitalista mais avançada a política ultrapassada da era do livre-comércio e da hostilidade estatal. A resposta do proletariado à política econômica do capital financeiro – o imperialismo - não pode ser o livre-comércio; só pode ser o socialismo” (Rudolf Hilferding, O Capital Financeiro. São Paulo, Nova Cultural, 1985, p. 343). 30 Marx nos elucida que o fim das tarifas de proteção e das barreiras comerciais, o desaparecimento das circunstancias secundarias que hoje mascaram as verdadeiras causas para a situação miserável em que se encontram os trabalhadores, o trabalhador verá então que o capital liberto de suas “travas” não o fará menos escravo que aquele que está sujeito a medidas protecionistas. “Pero, en general, el sistema proteccionista es hoy un sistema conservador, mientras que el sistema librecambista actúa destructivamente. Desintegra las nacionalidades anteriores y hace culminar el antagonismo entre el proletariado y la burguesía. En una palabra, el sistema de la libertad de comercio, acelera la 9 abertura comercial é uma questão que não responde aos problemas da classe trabalhadora, embora atue, ao dar maior liberdade ao capital, no sentido de explicitar as contradições inerentes ao próprio modo de funcionamento do sistema capitalista. Age então clarificando que o responsável pelas mazelas sociais não é um modo específico de gestão do capital historicamente determinado (como o neoliberalismo ou o Estado do Bem Estar Social), mas sim o próprio sistema do capital, em consonância com o fato de que o modo específico de gestão do sistema relaciona-se com as condições históricas de cada período, e com a maior ou menor necessidade de ofensiva do capital sobre as forças produtivas, os trabalhadores. Ao se compreender que o neoliberalismo não é diferente do próprio capitalismo, mas simplesmente a forma como este se apresenta na atual conjuntura, e que o imperialismo ao se encontrar caracterizado enquanto “Imperialismo Senil”32 já responde por tamanha exploração da classe trabalhadora, manifesta em ofensivas aos direitos trabalhistas, previdenciários, compressão salarial e altíssimos níveis de desemprego, que caberiam algumas ponderações a este argumento, pois dar ainda mais liberdade ao capital significaria uma aceleração na destruição da própria classe trabalhadora, principalmente nos países subdesenvolvidos. É sob esta perspectiva que se justifica a atuação dos movimentos políticos e sociais representativos da classe trabalhadora, que em todo continente americano, e não só nele, mantém sua organização de forma a combater a implementação da ALCA e também de modo a combater as normas impostas principalmente pela OMC e pelo FMI. revolución social. Solamente en este sentido revolucionario emito yo, señores, mi voto a favor del librecambio” (Marx, Discurso Sobre El Problema Del Librecambio, cit, p. 554). 31 “El problema del librecambio y la protección arancelaria se mueve todo él dentro de los límites del actual sistema de producción capitalista, razón por la cual no tiene interés directo para los socialistas, que reclaman la abolición de este sistema. Pero sí les interesa indirectamente, en el sentido de que desean asegurar al sistema de producción actual la mayor libertad de desarrollo posible y la más rápida expansión, ya que con ello se desplegarán también sus necesarias consecuencias económicas: la miseria de la gran masa del pueblo como consecuencia de la superproducción, que provoca crisis periódicas o estancamientos crónicos del intercambio; la escisión de la sociedad en una pequeña clase de grandes capitalistas y un gran clase de esclavos asalariados que realmente van transmitiéndose por herencia, de proletarios cuyo número aumenta sin cesar, en tanto que va dejándolos sin trabajo, constantemente, la nueva maquinaria que desplaza al trabajador; en una palabra, la entrada de la sociedad en un callejón sin salida, del que no hay escape fuera de la total transformación de la estructura económica que sirve de base a la sociedad” (Engels, op. cit., p. 567-568). 32 Com relação a esta discussão sobre o imperialismo e atual fase do capitalismo, destacamos o conceito de Gluckstein, que chama a atual fase de “Imperialismo Senil”. Para ele esta nova face assumida pelo imperialismo seria caracterizada pela tendência mundial de financeirização da riqueza e dos fluxos de capital, o que força os capitalistas na tentativa de defender a sua taxa de lucro, a única alternativa de “destruir as forças produtivas, destruir as fábricas, destruir a força de trabalho viva, que está dentro das fábricas, é por isso que está sendo organizada a desertificação industrial da França, é por isso também que destroem a força de trabalho humana, por exemplo, organizando a ofensiva contra o ‘custo do trabalho’. (...) É isto que faz com que o que era parcialmente progressista, no capitalismo ascendente, ceda lugar hoje a um sistema que de nenhuma maneira apresenta qualquer traço progressista e que, sob todas as formas, procure preservar o lugar da classe capitalista sob a forma de destruição da classe operária, de suas conquistas [como, por exemplo, aqui no Brasil mais recentemente os ataques ao sistema previdenciário] e de suas organizações [poderíamos citar a necessidade de destruir/cooptar os partidos dos trabalhadores, o que vem se concretizando de forma acelerada no Brasil, com o PT]” (Daniel Gluckstein, O Imperialismo Senil. São Paulo, Comissão de Formação de O Trabalho, 1995, p. 135).