7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 1 ISBN 9075828152 / EAN 9789075828153, EURACT Educational Agenda. Authorized Portuguese translation, guaranteed by Luís Filipe Gomes as Portugal Council Representative, free for academic purposes. Edição portuguesa da ADSO (Associação dos Docentes e Orientadores de Medicina Geral e Familiar) Julho 2006 Tradução de Telma Costa e Luís Filipe Gomes Revisão de Armando Brito de Sá 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 2 Introducão Agenda Educativa Do Euract A A medicina geral e familiar vem sendo reconhecida como um elemento cada vez mais importante nos sistemas de saúde modernos: popular entre os pacientes capazes de manter uma relação pessoal com o seu médico no mundo cada vez mais impessoal da prestação de cuidados de saúde, popular entre os políticos pela eficiência dos custos que lhe é inerente (1). São pontos destacados pela OMS no seu trabalho sobre saúde na Europa (2). Em 2002 a WONCA Europa publicou a nova Definição Europeia de Medicina Familiar. Este trabalho resultou de uma revisão das definições anteriores que estavam datadas e careciam de uma actualização para o século XXI. Estas definições eram predominantemente descrições das tarefas do médico de família, das quais a mais conhecida era a criada pelo grupo de Leeuwenhorst em 1974 (3). De início reconheceu-se a necessidade de uma abordagem diferente e de começar por definir os elementos essenciais da disciplina de clínica geral/medicina familiar; só depois de feita esta definição se poderia passar à do papel do médico de família. Justin Allen & Jan Heyrman A medicina geral e familiar é o trabalho mais fácil de se fazer mal feito e o mais difícil de se fazer bem feito Professor Sir Denis Pereira Gray A definição contém as onze características fundamentais da disciplina que são, ou deviam ser, generalizáveis a todos os sistemas de saúde, independentemente das diferenças de contexto. Estas foram depois combinadas na descrição do papel do médico de família. É importante compreender que os plenos benefícios da clínica geral/medicina familiar para os pacientes e para os sistemas de saúde só serão alcançados se estas onze características fundamentais estiverem presentes. O documento não fica por aqui, prosseguindo com a exploração das competências indispensáveis a um expoente qualificado da disciplina. Na terminologia de Miller (4), a competência está relacionada com o que o formando é capaz de demonstrar quando interrogado ou avaliado, e o desempenho tem a ver com o exercício do formando no cenário da prática quotidiana. Este documento mostra como estas características podem ser agrupadas em seis competências nucleares e como a sua aquisição se pode converter em aptidões de desempenho e, porventura, vir a aplicar na realidade dos cuidados aos pacientes. Fez-se uma opção deliberada por não definir os elementos concretos do desempenho, pois este depende muito das condições de trabalho na consulta, as quais dependem por sua vez e em muito do lugar efectivamente ocupado pela CG/MF no sistema nacional de saúde. 2 *Adaptado do original “WONCA tree” do College of Primary Care Medicine / U.Grueninger / www.kollegium.ch © 2004 Referido nesta agenda do EURACT como a “árvore da sabedoria” Depois de passar dois anos a elaborar a definição e a reunir o consenso necessário, o conselho da EURACT continuou a trabalhar: Foram gastos mais três anos a definir as consequências educativas a tirar. As seis competências nucleares conduziram à definição dos 25 objectivos educacionais de primeiro nível e dos 80 de segundo nível. As implicações deste trabalho para a formação e investigação em medicina familiar são profundas. A EURACT continuou a trabalhar nas questões educativas que surgiram e, como primeiro passo, elaborou esta «agenda educativa». Para o encontro da WONCA em 2004, em Amesterdão, a EURACT produziu um primeiro esboço da sua «Agenda Educativa», então classificado como 3 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 4 um trabalho em desenvolvimento. Recebidos os comentários de diferentes pessoas e segundo abordagens variáveis, cabe agora produzir, para a reunião da WONCA em 2005, em Cós, uma versão mais definitiva que dure pelo menos alguns anos. A designação de «agenda» foi deliberada. O termo significa que ela constitui simultaneamente uma revisão dinâmica do ensino e aprendizagem da medicina familiar na Europa e uma identificação do trabalho que tem ainda de ser feito - o outro elemento da “agenda”. Espera-se que suscite discussões, reflexões e emendas e que estimule grupos de especialistas a debater alguns dos temas, bem como a produção de novos trabalhos sobre as questões levantadas. Ao cabo de alguns anos poderemos chegar assim a versões revistas. Porquê uma agenda educativa? Enquadramento para as recomendações para elaboradores de curricula Enquadramento para as recomendações para investigadores A agenda destina-se a fornecer uma estrutura pedagógica das competências nucleares para todos os que se dedicam à formação em clínica geral e ao desenvolvimento de programas de ensino de clínica geral. Aos que estão a aprender a disciplina pretende oferecer uma estrutura pedagógica que estabeleça os objectivos de aprendizagem e acompanhe a sua execução. Para os que se encontram envolvidos na elaboração de currículos serve para determinar as prioridades de ensino e aprendizagem da clínica geral. Para os promotores dos cuidados de saúde constitui um contributo para o desenvolvimento das políticas nacionais. Para o conjunto da profissão médica foi concebida para definir que competências específicas devem ser esperadas da disciplina específica denominada Clínica Geral/Medicina Familiar como contribuição crucial para os cuidados de saúde. Nos últimos 30 anos a medicina familiar tem estado na linha da frente do desenvolvimento de metodologias educativas, processos pedagógicos e de avaliação. E isso verificou-se mesmo quando precisou de operar em sistemas pedagógicos destinados à formação noutras disciplinas e em instituições em que a medicina de família não se pratica. Com o aumento da pressão sobre os curricula médicos é importante abordar estas questões. Os programas de formação de diversos países têm vindo a alargar-se e a sede da formação está a mudar, transferindo-se dos estágios hospitalares para os locais onde se exerce clínica geral, embora a situação seja muito variável. A UEMO (5) emitiu uma declaração sobre formação específica em que sugere que um mínimo de 50% da formação aconteça no contexto da clínica geral, que todos os médicos recebam formação em clínica geral, tanto na formação pré-graduada como na pós-graduação antes de entrarem em formação específica e, muito particularmente, que o objectivo da formação específica seja produzir um clínico geral que tenha obtido um grau de competência clínica suficiente para a prática autónoma. É contudo preciso convencer os políticos da necessidade de aumentar o investimento no ensino da clínica geral. A Agenda Educativa da EURACT é também necessária para definir a agenda da investigação relativa a estas competências. Precisamos de provas que demonstrem a opinião largamente aceite entre os médicos de família de que a medicina familiar se aprende melhor na prática. Precisamos de rever o estado da arte da educação em clínica geral que levará ao desenho da agenda para o seu desenvolvimento futuro. Precisamos de saber que perguntas ainda não estão respondidas, que evidência deve ser procurada e em que áreas se deve centrar a investigação pedagógica. É importante determinar de que modo a clínica geral é aprendida como especialidade e também qual o lugar que a educação em clínica geral ocupa no curriculum médico geral. Especificamente, a disciplina precisa de definir: 4 • Como se aprende melhor a medicina geral e familiar? • Onde deve ser ensinada? • Quando deve ser ensinada? • O que deve ser ensinado? • O que deve a medicina geral e familiar ensinar aos formandos de outras disciplinas? A clínica geral tem um contributo a dar no ensino de todos os médicos em todas as fases da sua formação. Geralmente ocorrem mudanças de atitude nos alunos de medicina depois de terem tido oportunidade de resolver por si problemas de cuidados primários e observar como os seus professores resolvem os problemas que se lhes apresentam. O contacto precoce dos alunos de medicina com a clínica por períodos breves de alguns dias a várias semanas, no início do curso de medicina, pode lançar as bases que permitem ao estudante de medicina apreender o sentido de toda a formação médica, aprendendo sobre as pessoas no contexto dos seus problemas de saúde. Aulas ou pequenos seminários no período pré-clínico podem ser eficazes para dar ao aluno determinados conhecimentos necessários antes de começar a trabalhar com pacientes. Todos os estudantes deviam poder aprender a prestar cuidados primários aos pacientes através de um estágio em clínica geral com algumas semanas de duração nos últimos anos da escola médica. Um guia para o ensino médico básico A nova definição da disciplina, de 2002, estabelece as competências nucleares que deve adquirir quem quiser considerar-se médico de família plenamente formado. Por isso a Agenda Educativa da EURACT deve apoiar e defender o conteúdo da formação na especialidade de medicina geral e familiar na Europa. As seis competências nucleares da disciplina são ponto de partida. Num sétimo capítulo exploram-se os três aspectos essenciais da qualificação do médico formado e por último o crucial valor acrescentado da síntese que torna única esta profissão. São estes elementos que servem de estrutura aos oito capítulos da agenda. Podem considerar-se a chancela de um programa pedagógico em medicina geral e familiar e devem ocupar o seu centro. Em cada um dos capítulos identificamos os objectivos pedagógicos específicos e destes tiramos os métodos de aprendizagem e avaliação adequados e as opções específicas de conteúdo e estrutura horária do curriculum. O foco central na formação especializada em Medicina Geral e Familiar Neste documento decidimos manter-nos no nível conceptual global e não referimos com grande pormenor coisas como tempo e lugar. Enquanto disciplina devemos promover a passagem do ensino de base horária e curricular para o ensino com base na competência e nos resultados. Normalmente o curriculum de clínica geral consiste em períodos fixos de serviço em especialidades restritas - três meses de pediatria; quatro meses de ginecologia, etc. sem levar em conta as questões pedagógicas surgidas inicialmente. Precisamos de sair deste quadro curricular com base no horário e na instituição e elaborar um programa pedagógico relevante orientado sobretudo para as competências. Aprende-se melhor clínica geral num ambiente de clínica geral, embora seja possível aprender as competências e qualificações específicas no cenário de outras disciplinas. Há também que não esquecer que aprender é coisa para a vida inteira, que não cessa no fim do curso nem com o diploma da especialidade. Do ensino de base horária e curricular para o ensino com base na competência e resultados; do objectivismo para o construtivismo como paradigma d aprendizagem 5 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 6 Neste documento decidimos aceitar a complexidade da prática real como questão central e a aprendizagem da complexidade como paradigma educativo. A medicina familiar tem um perfil holístico, tratando a doença e os quadros patológicos no contexto do paciente e da sua família. O construtivismo (6) é o modelo educativo que coloca no centro «o processo de aprendizagem do aluno». Aprender é visto como um processo que depende em muito dos conhecimentos pré-adquiridos e do contexto da aprendizagem (7). Os professores são sobretudo arquitectos de um ambiente estimulante da aprendizagem. A variedade individual das estratégias a aplicar é estimulada. O objectivo final não é a aquisição de uma lista de determinados conhecimentos e aptidões, mas o princípio «agir com sabedoria» (8). Isto implica o uso de conhecimento especializado, sendo central a avaliação de situações específicas em que haja conflito dos valores com que se decide quais os problemas a resolver e como resolvê-los. Requer conhecimento em acção, reflexão em acção e reflexão sobre a acção, usando listas de exemplos, imagens e modos de compreender aprendidos através da experiência. Implica usar protótipos memorizados de situações frequentes para construir interpretações de situações interrelacionadas. Foi por isso que a «árvore da sabedoria» se tornou o logotipo definitivo desta Agenda Educativa da EURACT. Harmonização europeia ao nível dos objectivos de competência e dos resultados pedagógicos A harmonização dos diferentes programas de ensino da Europa ao nível dos objectivos europeus comuns de competência e dos resultados pedagógicos é provavelmente o melhor que podemos alcançar. A União Europeia está em expansão, passou recentemente a ter 25 membros e quase 500 milhões de pessoas. A União Europeia pretende promover a harmonização do conteúdo e do nível da formação em toda a região. Já em 1993 a Directiva Europeia de reconhecimento mútuo das qualificações médicas (9) tentava harmonizar a qualidade, harmonizando a extensão da formação profissional, o cenário em que devia ter lugar e as autoridades supervisoras nacionais. A Directiva não se refere a questões de conteúdos ou competências e, neste sentido, não é satisfatória: mais promove o livre movimento de médicos do que garante a qualidade dos cuidados prestados. Há uma alternativa académica, definida na declaração de Bolonha de 1999 (10): desenvolver, até 2010, uma «Zona Europeia de Educação Superior», dotada de mobilidade, com base no Sistema Europeu de Transferência de Créditos(1) , em vigor desde 1988. No campo médico, a formação de especialistas é uma questão profissional e académica. Em ambas as lógicas verifica-se uma necessidade de harmonia, de equivalência dos padrões de qualidade e de mobilidade. Numa declaração recentemente divulgada no âmbito de um projecto Sócrates (projecto TUNING, 11) sugere-se que: «a harmonização pode limitar-se a encontrar pontos de convergência e de entendimento comum, por forma a promover a transparência no desenvolvimento dos perfis profissionais e dos resultados pedagógicos desejáveis. A harmonia em matéria de competências de chegada e de resultados de aprendizagem é provavelmente o nível mais alto que se pode atingir.» A Agenda Educativa EURACT pretende contribuir para a harmonização dos resultados de aprendizagem dos diferentes programas educativos de toda a Europa a este nível. Bastará talvez conseguir uma «sintonia» óptima dos programas de treino de especialidade, avançando no sentido de mais convergência e maior concordância. A EURACT deseja que esta agenda educativa, que deriva das competências nucleares aceites por todas as escolas de CG/MF da Europa no decurso da reunião da WONCA Europa em Londres, em 2002, e completada com as opções de aprendizagem definidas nesta agenda educativa e apresentadas na reunião de Cós, Grécia, em 2005, permita criar um instrumento de harmonização Panorama Das Competências Nucleares do Documento “A Definição Europeia de MGF” Versão reduzida, EURACT 2005” 1. Gestão em Cuidados Primários Inclui a capacidade para: - gerir o contacto primário com os pacientes, lidando com problemas não seleccionados; - cobrir todo o leque de problemas de saúde; - coordenar os cuidados com outros profissionais dos cuidados primários e com outros especialistas; - dominar a prestação eficaz e adequada de cuidados de saúde e a utilização dos serviços de saúde; - disponibilizar ao paciente os serviços adequados dentro do sistema de saúde; - actuar como advogado do paciente. A definição da disciplina de clínica 2. Cuidados Centrados na Pessoa plina, independentemente do sistema Inclui a capacidade para: - adoptar uma abordagem centrada na pessoa ao lidar com os pacientes e os seus problemas no contexto das circunstâncias do paciente; - desenvolver e aplicar a consulta de clínica geral para promover uma eficaz relação médico-paciente, com respeito pela autonomia do paciente; - comunicar, estabelecer prioridades e actuar em parceria; - proporcionar continuidade longitudinal de cuidados tal como a determinarem as necessidades do paciente no que se refere à gestão continuada e coordenada de cuidados. aplicadas. família especialista deve conduzir directamente às competências nucleares do clínico geral/médico de família. “Nucleares” significa essenciais à discide saúde em que as competências são As onze características da disciplina referem-se às onze aptidões que todos os especialistas de medicina geral e familiar devem dominar. Dadas as suas inter-relações, agrupam-se em seis 3. Aptidões para a Resolução de Problemas Específicos Inclui a capacidade para: - relacionar os processos específicos de decisão com a prevalência e incidência das doenças na comunidade; - reunir e interpretar selectivamente a informação recolhida na anamnese, exame objectivo e exames complementares e aplicá-la a um plano de acção adequado em colaboração com o paciente; - adoptar princípios de trabalho adequados, por exemplo, pedindo exames complementares de modo sequencial, e usando o tempo como um instrumento e como modo de tolerar a incerteza; - intervir com urgência quando necessário; - gerir as situações que se apresentem precocemente e de forma indiferenciada; - utilizar as intervenções diagnósticas e terapêuticas de modo efectivo e eficiente. aceitável para os conteúdos da formação pós-graduada em toda a Europa. (1)”European Credit Transfer System”, geralmente conhecido como ECTS (N.do R.) 6 geral/medicina familiar e do médico de 7 categorias independentes de competências nucleares. Cada grupo é descrito nos seus aspectos principais. 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 8 4. Abordagem abrangente 3. Aspectos Científicos A inter-relação das competências nuclear- Inclui a capacidade para: - gerir simultaneamente múltiplas queixas e patologias, e tanto problemas de saúde agudos como crónicos do indivíduo; - promover a saúde e o bem-estar aplicando adequadamente as estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença; - gerir e coordenar a promoção da saúde, prevenção, cura, tratamento, paliação e reabilitação. (Adoptar uma abordagem da prática crítica e baseada na investigação e mantêla mediante aprendizagem e melhoria da qualidade contínuas) Estar familiarizado com os princípios gerais, métodos, conceitos da investigação científica e com princípios elementares de estatística (incidência, prevalência, valores preditivos, etc.); Ter pleno conhecimento das bases científicas da patologia, sintomas e diagnóstico, terapêutica e prognóstico, epidemiologia, teoria da decisão, teorias da formação de hipóteses e da resolução de problemas, cuidados preventivos; Ser capaz de aceder à literatura médica, lê-la e avaliá-la criticamente; Desenvolver e manter formação contínua e melhoria da qualidade. A inter-relação das competências nucleares e as características essenciais da sua aplicação caracterizam a disciplina e sublinham a complexidade da especialidade. É esta inter-relação complexa que deve guiar e reflectir-se no desenvolvimento das agendas relacionadas de ensino, investigação e melhoria da qualidade. es e as características essenciais da sua 5. Orientação Comunitária Inclui a capacidade para: - conciliar as necessidades de cada paciente e as necessidades de saúde da comunidade em que ele vive, de acordo com os recursos disponíveis. 6. Abordagem Holística - - - Inclui a capacidade para: - usar um modelo biopsicossocial levando em conta as dimensões cultural e existencial. Aspectos essenciais de aplicação Na aplicação das competências ao ensino, aprendizagem e prática da medicina familiar é necessário considerar outros três aspectos essenciais: contextual, de atitude e científico. Têm a ver com características dos médicos e determinam a sua capacidade de aplicar as competências nucleares na vida real no contexto do seu trabalho. Em clínica geral podem ter maior impacto por causa da estreita relação entre o médico de família e as pessoas com quem ele trabalha, mas dizem respeito a todos os médicos e não são específicos da clínica geral. 1. Aspectos Contextuais - (Compreender o contexto dos próprios médicos e o ambiente em que trabalham, incluindo condições de trabalho, comunidade, cultura e estruturas financeira e reguladora) Compreender o impacto da comunidade local, incluindo factores sócio-económicos, geografia e cultura, no local de trabalho e na prestação de cuidados. Estar consciente do impacto da carga laboral sobre os cuidados prestados aos pacientes e os meios (pessoal, equipamento) disponíveis para os prestar. Compreender os contextos financeiros e jurídicos em que são prestados os cuidados de saúde ao nível da prática clínica. Compreender o impacto das instalações e ambiente laboral do próprio médico sobre os cuidados que presta. 2. Aspectos da Atitude (Com base nas capacidades, valores e ética profissionais do médico) - Estar consciente das capacidades e valores pessoais próprios - identificar os aspectos éticos da prática clínica (prevenção / diagnóstico / terapêutica / factores que influenciam o estilo de vida); - Ter consciência de si mesmo: compreender que as atitudes e sentimentos do próprio são importantes para o modo como exerce; - Justificar e clarificar a ética pessoal; - Estar consciente da mútua interacção entre trabalho e vida privada e procurar um bom equilíbrio entre ambos. 8 9 aplicação caracterizam a disciplina e sublinham a complexidade da especialidade. É esta inter-relação complexa que deve guiar e reflectir-se no desenvolvimento das agendas relacionadas de ensino, investigação e melhoria da qualidade. 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 10 A relação entre a Agenda Educativa EURACT e outros enquadramentos de competência usados internacionalmente Professores, responsáveis pelos currículos, profissionais e académicos, procuram constantemente estruturas adequadas de apoio à elaboração e formatação dos programas educativos, incluindo todo o conteúdo que lhe é próprio. A presente Agenda Educativa EURACT propõe um enquadramento internacional para a concepção, harmonização ou, pelo menos, convergência de programas de formação específicos em Clínica Geral/Medicina Familiar na Europa. Será útil estabelecer a relação entre esta agenda e outros exercícios semelhantes que despertaram grande interesse entre a comunidade docente na Europa e não só. Abordaremos dois exemplos, o Dutch Blueprint(2), publicado em 1994, e o projecto canadiano CanMEDS, desenvolvido a partir de 1993, que teve a sua primeira grande avaliação por alturas de 2000. Este exercício servirá para compreender melhor o que a Agenda Educativa EURACT é e o que deliberadamente não é e, logo, como pode ser usada. O «Dutch Blueprint», publicado por Metz e colaboradores em 1994, consiste em 180 resultados pedagógicos que garantiriam os conhecimentos e aptidões necessárias no contexto da prática médica. Estão divididos em quatro subgrupos: - conhecimentos e aptidões relativos a todos os processos médicos desde as queixas até ao diagnóstico, tratamento e referenciação - conhecimentos das bases científicas da medicina e aptidões para manter actualizados o conhecimento científico e as aptidões profissionais - requisitos pessoais no contacto com os pacientes e na atitude profissional - conhecimento dos aspectos estruturais e financeiros da orgânica, ética e condições jurídicas dos cuidados de saúde. O projecto CanMED arrancou em 1993 «para garantir que os programas de treino de especialização pós-graduada respondem cabalmente às necessidades da sociedade - John Wade, 1993». Com a sua aplicação sistemática em todas as faculdades do Canadá a partir de 2002 e com o interesse que suscitou na Austrália, Países Baixos, Dinamarca e Reino Unido, tornou-se um definidor internacional de tendências. O seu objectivo genérico foi «representar as competências genéricas comuns a todos os especialistas». Um aspecto simpático é que parte de sete papéis que todos os clínicos devem conhecer bem, porque correspondem às necessidades da sociedade: o perito médico como papel central, mas rodeado por seis outros papéis - comunicador, colaborador, advogado da saúde, gestor, académico e profissional. As competências nucleares derivam destes sete papéis. No final do internato os clínicos deveriam possuir as bases para cada papel e as noções que permitam desenvolver qualificações específicas sempre que necessário, em qualquer momento da sua futura carreira. De cada um destes sete papéis derivam competências chave e são definidos objectivos de aprendizagem, métodos pedagógicos, métodos de avaliação específicos e questões relevantes para o desenvolvimento das faculdades. Conceptualmente o projecto CanMED anda muito próximo das opções feitas independentemente nesta Agenda Educativa EURACT, embora o núcleo básico seja diferente: o CanMEDS é um conjunto estrutural de competências, comuns a todos os especialistas. Não distingue as competências específicas da disciplina; estas têm de ser definidas por cada disciplina a partir do documento. A Agenda Educativa EURACT, pelo contrário, é sobre a formação na especialidade de Medicina Geral e Familiar e é específica da especialidade/disciplina. Na agenda, as competências individuais podem não ser sempre exclusivas da clínica geral, mas a combinação destas e a respectiva síntese são o que define a disciplina. A Agenda Educativa EURACT deriva de um novo documento definidor, adoptado em 2002 pela sociedade académica de CG/MF da Europa e que distingue as onze características da disciplina e delas extrai seis competências nucleares e três aspectos essenciais de aplicação. Como o CanMEDS, a Agenda define objectivos pedagógicos, métodos de aprendizagem e de avaliação para cada uma das competências e tece algumas considerações sobre os momentos e contextos curriculares. É natural que a Medicina Geral e Familiar, como disciplina com tarefas específicas na prestação de cuidados de saúde à sociedade, dê diferente relevo a papéis e competências diferentes. Mas, como salienta o CanMEDS na sua declaração de princípios, todas as especialidades devem cobrir sempre os sete papéis básicos, embora por ordem, prioridade e destaque diferentes. O documento é muito voltado para as tarefas: qual é o trabalho do profissional médico e que conhecimentos e aptidões servem de suporte ao conteúdo e à qualidade das suas tarefas. O documento pretendia servir de orientação ao currículo médico de base, mas diferentes disciplinas médicas usaram a sua estrutura para dela derivar os seus objectivos de ensino específicos. Na Holanda e na Bélgica, por exemplo, a Clínica Geral definiu a sua «descrição básica das tarefas» a partir destas listas e adaptou em conformidade os objectivos pedagógicos específicos. A descrição básica das tarefas usou ainda quatro categorias: tarefas derivadas das categorias dos problemas dos pacientes, tarefas derivadas do próprio processo de prestação de cuidados, tarefas de apoio como a colaboração, a formação permanente ou a gestão da consulta e funcionamento pessoal. (2) Projecto Holandês (N.do R.) 10 11 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 12 No quadro que se segue fez-se um exercício simples de comparação entre os sete papéis do CanMEDS e as competências nucleares deles derivadas com os oito capítulos de competências do EURACT e as suas especificações no primeiro nível. No plano global, ajustamse bem. Mas mesmo a esse nível, entrando na pormenorização verifica-se que os agrupamentos são diferentes. Nenhum dos oito capítulos das competências se ajusta por completo a um dos papéis do CanMEDS. É certo que o capítulo da gestão de cuidados primários tem muitos elementos do papel de gestão, mas apresenta igualmente elementos dos papéis de colaborador e de advogado da saúde. O capítulo sobre a centragem na pessoa requer muito do papel do comunicador, e o capítulo sobre a resolução de problemas específicos está muito relacionado com o papel central do perito em medicina. Mas os capítulos sobre abordagem abrangente, orientação comunitária e abordagem holística não têm praticamente qualquer relação com os papéis definidos no CanMEDS. Será isto normal? Provavelmente sim, pois estas competências são praticamente específicas da profissão e da especialidade que é a Medicina Geral e Familiar. A Agenda Educativa EURACT constitui claramente um quadro de referência para a especialidade de MGF, o seu programa de internato de especialidade com ligações ao Desenvolvimento Profissional Contínuo e à aprendizagem ao longo da vida. Pode considerar-se que se enquadra no CanMEDS e ser comparada com ele, mas é independente e adequada a esta disciplina. Agenda Educativa do EURACT comparada com os CanMEDS Capítulos EURACT Competências EURACT Competências Can MEDS Papéis CanMeds 1. Gestão de Cuidados Primários 2. Cuidados Centrados na Pessoa Gestor 1.a 1º contacto problemas não seleccionados 1.b todas as situações tecnologia de informação 1.c coordenação de cuidados eficiência na organização 1.d utilização efectiva dos cuidados gestão de recursos finitos 1.e disponibilidade de cuidados ao paciente contribuição para a equipa Colaborador 1.d advogado do paciente advocacia para os pacientes Advogado da saúde 2.a abordagem centrada na pessoa Identificar e sintetizar informação relevante Comunicador 2.b consulta centrada na pessoa discutir informação apropriada 2.c relação de parceria Relação terapêutica 2.d cuidados longitudinais 3. Aptidões específicas para a resolução de problemas Bibliográficas 1. Starfield B. Primary care: balancing health needs, services and technology. Oxford University Press, 1998 2. Framework for Professional and Administrative Development of General Practice / Family Medicine in Europe, WHO Europe, Copenhagen, 1998 Perito médico 3.a tomada de decisão específica 3.b reunir e interpretar informação médica aceder a informação médica e aplicá-la 3.c adoptar estratégias típicas de diagnóstico diagnosticas e terapêuticas aptidões diagnósticas e terapêuticas 3.d intervir em situações de urgência perito médico exterior aos cuidados d i re c t o s 3.e gerir situações precoces e indiferenciadas aptidões efectivas para a consulta 3.f uso eficiente de intervenções reconhecer os limites pessoais 3. The General Practitioner In Europe: A statement by the working party appointed by the European Conference on the Teaching of General Practice. Leeuwenhorst, Netherlands 1974 4. Abordagem abrangente 4. Miller G. “The assessment of clinical skills/competence/performance”. Acad .Med. 1990, 65, S63-S65 Advogado da saúde 4.a multipatologia simultânea 5. UEMO Policy Paper on Specific Training in general practice /family medicine in Europe, Stockholm, 2003 4.b promoção da saúde e bem-estar 6. Spencer JA, Jordan RK. “Learner centred approaches in medical education”, BMJ 1999,318; 1280-1283 4.c gestão de espectro completo identificação de determinantes da saúde 7. Innes RB. Reconstructing undergraduate education. Using Learning Science to Design Effective Courses. Larence Erlbaum, New Jersey London 2004. 8. Harris IB. “Educating Professionals, Responding to New Expectations for Competence and Accountability”, in 5. Orientação Comunitária 5.a conciliar necessidades de saúde e da comunidade „New Expectations for Professional Competence“ in Curry L, Wergin JF and ass., Jossey-Bass, 1993 9. “Council Directive 93/16/EEC to facilitate the free movement of doctors and the mutual recognition of their 6. Abordagem Holística 6.a modelo biopsicossocial, cultural e existencial diplomas, certificates and other evidence of formal qualifications”. Official Journal of the European Community, 1993,165: 7/7/93 10. Bologna Declaration 19 June 1999 7. Aspectos centrais de aplicação 11. Tuning project: Tuning educational structures in Europe, a European Socrates project, under the lead of Julia Gonzales, Duesto Spain and Robert Wagenaar, Groningen Netherlands 2003 responsabilidade ética 7.a contextuais comportamentopessoal apropriado 7.b de atitude: limites pessoais, ética integridade, honestidade e compaixão 7.c científicos educação contínua pessoal avaliação crítica dos recursos facilitar a aprendizagem dos pacientes contribuir para o desenvolvimento de novos conhecimentos 12 8. Integração e implementação 8.a aceitar a complexidade 8.b aptidões para concretizar na prática Académico Profissional 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Responsável pelo capítulo: Yonah Yaphe (Israel) Contribuições de Francesco Carelli (Itália), Jan Heyrman (Bélgica), Roar Maagaard (Dinamarca), Gertraud Rothe (Áustria), Job Matsemakers (Holanda) Introdução Page 14 Capítulo 1. Gestão em Cuidados Primários Inclui a capacidade para: - gerir o contacto primário com os pacientes, lidando com problemas não seleccionados; - cobrir todo o leque das situações de saúde; - coordenar os cuidados com outros profissionais dos cuidados primários e com outros especialistas; - dominar a prestação efectiva e adequada de cuidados de saúde e a utilização dos serviços de saúde; - disponibilizar ao paciente os serviços adequados no âmbito do sistema de saúde; - actuar como advogado do paciente. Ensinar os conhecimentos, aptidões e atitudes necessários a um atendimento eficaz dos pacientes dos cuidados primários é a base da agenda educativa para a Medicina Geral e Familiar. O conteúdo e a base teórica da disciplina académica de Medicina Geral e Familiar estão bem definidos numa série de livros de texto e o leitor é encorajado a consultar esses textos (1,2,3) onde encontrará uma descrição pormenorizada do conteúdo da especialidade. Este capítulo de abertura da Agenda Educativa EURACT irá descrever as tarefas determinadas pela nova definição europeia da profissão, com destaque para os conceitos de primeiro contacto do clínico com pacientes, globalidade, cuidados coordenados, custo-efectividade e advocacia do paciente. O trabalho do médico de cuidados primários assenta prioritariamente no «livre acesso a todos os problemas individuais», em direcção a uma população utilizadora com um elevado nível de queixas complexas e baixa prevalência de doença grave. O médico deve portanto desenvolver conceitos de saúde, função e qualidade de vida nas populações que serve, bem como modelos de doença. Este quadro encontra a sua expressão nas actividades clínicas preventivas e de promoção da saúde e na gestão de factores de risco. Exprime-se também nas decisões relativas a cuidados paliativos e terminais. Os médicos de cuidados primários enfrentam também o desafio cada vez maior de precisarem de ter em consideração os custos dos cuidados de saúde. É pois necessário que os médicos aprendam durante o seu treino a compreender a custo-efectividade. Muitos médicos de cuidados primários trabalham com profissionais de outras disciplinas médicas. Por isso o contexto da formação em cuidados primários pode promover a aprendizagem da integração de diferentes disciplinas em equipa para uma prestação optimizada de cuidados primários. Objectivo 1.1: No final do programa de formação o formando estará em condições de gerir o contacto primário com os pacientes. Para tal precisa de: 1.1.1 - conhecimentos sobre a epidemiologia dos problemas e queixas que surgem nos cuidados primários 1.1.2 - conhecimentos sobre os sintomas e queixas típicos, tal como se apresentam nos cuidados primários, sobretudo em fases precoces, seus sinais e sintomas, seu diagnóstico e possibilidades terapêuticas 1.1.3 - domínio de uma abordagem que permita acesso fácil aos pacientes com problemas indiferenciados 1.1.4 - abordagem organizativa da gestão das situações crónicas Objectivo 1.2: No final do programa de formação o formando estará em condições de cobrir todo o leque de problemas de saúde. Para tal precisa de: 1.2.1 - conhecimento das actividades preventivas necessárias à prestação de cuidados primários 1.2.2 - aptidões médicas nas situações agudas, crónicas, preventivas, paliativas e urgentes 1.2.3 - aptidão clínica para a anamnese, exame objectivo e uso de exames complementares para o diagnóstico das situações apresentadas pelos pacientes nos cuidados primários 1.2.4 - aptidões terapêuticas que incluem a abordagem medicamentosa e não medicamentosa do tratamento destas situações 1.2.5 - capacidade de estabelecer prioridades entre problemas Objectivo 1.3: No final do programa de formação o formando estará em condições de coordenar a prestação de cuidados com outros profissionais dos cuidados primários e com outros especialistas. Para tal precisa de: 1.3.1 - conhecimento da organização da sua unidade de cuidados primários 1.3.2 - domínio da comunicação eficiente com outros membros do pessoal 1.3.3 - aptidões de trabalho efectivo em equipa 1.3.4 - domínio da colaboração eficiente com outros especialistas Objectivo 1.4: No final do programa de formação o formando estará em condições de dominar a prestação de cuidados adequados e de uma utilização eficaz dos serviços de saúde. Para tal precisa de: 1.4.1 - conhecimento da estrutura do sistema de saúde e da função das suas componentes em relação aos cuidados primários Objectivo 1.5: No final do programa de formação o formando estará em condições de proporcionar ao paciente o serviço mais adequado dentro do sistema de saúde. Para tal precisa de: 1.5.1 - aptidões de comunicação para aconselhar, ensinar e tratar os pacientes e as suas famílias 1.5.2 - aptidões organizacionais para manter registos, gerir informação, trabalhar em equipa, dirigir uma unidade de saúde e efectuar auditoria da qualidade da prestação de cuidados. 14 15 Gestão em Cuidados Primários: Objectivos 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 16 Objectivo 1.6: No final do programa de formação o formando estará em condições de agir como advogado do paciente. Para tal precisa de: 1.6.1 - desenvolver e manter uma relação e um estilo de comunicação que se caracterizam pelo estabelecimento de uma parceria com o paciente 1.6.2 - aptidões de chefia, negociação e compromisso efectivos. Consequências para os métodos pedagógicos Ensinar os conhecimentos, aptidões e atitudes necessários a um médico para gerir problemas em cuidados primários exige antes de mais que os professores sejam excelentes clínicos gerais/médicos de família. Muitas vezes, a mais eficaz ferramenta pedagógica é o exemplo. Alunos, internos e médicos graduados observam e copiam os modelos personificados nos seus professores/tutores/facilitadores na prática. A observação é simultaneamente um método de aprendizagem e de avaliação. A observação directa inclui a consulta real ou simulada com o paciente. Pode ser presencial (paciente real), entrevista de consultório simulada ou video/audio-registada (com paciente real ou simulado). O s métodos específic os para o conseguir incl u e m : - observação directa pelo formando do formador a actuar em clínica geral; - realização de tarefas de clínica geral pelo formando em funções; - simulação de tarefas de clínica geral com análise do desempenho; - aprendizagem baseada em portfólios para estimular os alunos a documentarem o seu desempenho com um vasto leque de actividades pedagógicas na prática como apresentação de casos, auditorias e leituras orientadas. Gestão em Cuidados Primários: Consequências para a avaliação Avaliar a aquisição de conhecimentos, atitudes e aptidões para a gestão de cuidados primários cobre toda a extensão da aprendizagem necessária ao clínico geral, exigindo por isso uma vasta série de métodos de avaliação. Testes de conhecimentos como os testes de escolha múltipla e de perguntas de desenvolvimento podem avaliar a adequada aquisição de dados necessários à prestação de cuidados primários. As aptidões de gestão podem ser examinadas mediante testes de competência como os OSCE(2) e outras simulações, como exames com pacientes simulados. A avaliação do desempenho do trabalho diário do estudante ou interno mediante listas de verificação e classificações globais frequentes pode também ser útil e fiável na avaliação das capacidades de prestação de cuidados primários. A aquisição de atitudes apropriadas à gestão eficaz de cuidados primários pode avaliar-se pela observação (a saber, observação directa, consulta ombro a ombro, videogravada), discussão ou entrevista na avaliação somativa e formativa que caracteriza muito da relação professor-aluno no ensino de um para um em MGF. R esult ados da ap r e n d i z a gem O formando deverá mostrar: - capacidade de desempenhar as tarefas necessárias em simulação; - capacidade de desempenhar tarefas na prática real através da observação directa ou da análise de consultas gravadas em vídeo. (2) Objective Strutured Clinical Evolution - Avaliação Clínica Objectiva Estruturada (N. do T.) 16 O ensino da gestão de cuidados primários deve ser feito no contexto da clínica geral. O uso do papel de modelo, da prática em primeira mão de aptidões pelos formandos e a avaliação do desempenho, tudo isso exige a inserção no ambiente da consulta de medicina geral e familiar. O conhecimento que é adquirido no ensino clássico da faculdade de medicina é depois aperfeiçoado no cenário exclusivo da medicina geral e familiar. Consequências para o contexto e enquadramento temporal O Ensino Médico Básico (EMB) deve incluir pelo menos os cuidados primários e a gestão de problemas e de pacientes como um importante contributo para os cuidados de saúde. Deve também encarar o desafio de incluir actividades preventivas na consulta e de tratar os pacientes com problemas em fases precoces e com afecções crónicas. Durante a Formação Especializada o interno deve aprender a dominar as aptidões necessárias para a prestação de cuidados primários. Objectivos Métodos de aprendizagem Meios de avaliação Conhecer a epidemiologia dos problemas e queixas apresentados pelos pacientes em cuidados primários Palestra TEM, TPC Discussão em pequenos grupos Ensaio Leitura Conhecer e compreender o papel e as funções da equipa de cuidados primários Prática clínica Leitura Observação Discussão (de um para um, pequenos grupos, equipa, outras) Conhecer o sistema de saúde e compreender a sua relação com a MGF Palestra Leitura Ensaio Discussão (um para um, peque- TEM, TPC nos grupos, equipa, outras) Saber como diagnosticar os problemas do Paciente através da obtenção apropriada da história clínica, do exame físico e dos testes auxiliares Pacientes simulados Treino de aptidões Demonstração Prática de consulta (1) Quadro resumo educação em gestão de cuidados primários Observação directa Observação OSCE(2) Saber como providenciar a Leitura gestão inicial efectiva destes Discussão problemas com ou sem presObservação crição medicamentosa TEM, TPC Ensaio Discussão OSCE Observação Demonstrar capacidade de comunicação efectiva Pacientes simulados Prática de consulta OSCE Observação Valorizar a abordagem dos cuidados primários incluindo uma visão generalista, tolerância quanto à incerteza, curiosidade, diligência e preocupação. Ensino ombro a ombro Observação Aprender pelo exemplo Discussão Discussão em pequenos grupos Ensaio Reflexão 17 (1)TEM, TPC - Teste de Escolha Múltipla, Teste de Perguntas Curtas (2) OSCE - Avaliação Clínica Objectiva Estruturada (ACOE) Bibliográficas 1. Jones, R. ed. Oxford Textbook of Primary Medical Care. Oxford University Press, 2004 . 2. Rakel, R.E. Textbook of Family Practice, W B Saunders. 6ª edição, 2001 3. McWhinney, I. R, A Textbook of Family Medicine. Oxford University Press; 2ª edição, 1997 4. Mash, R., Handbook of family medicine, 2000. Oxford University Press, África do Sul, 1ª edição, 2001 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Responsável pelo capítulo: Jan Heyrman (Bélgica) Contribuições de Anders Baehreim (Noruega), Filipe Gomes (Portugal), Monica Lindh (Suécia), Fergus O'Kelly (Irlanda). Wolfgang Spiegel (Áustria), Bernardina Wanrooij (Holanda), Egle Zebiene (Lituânia), Bernhard Rindslisbacher (Suíça), Mario Sammut (Malta) Introdução Page 18 Capítulo 2. Cuidados Centrados na Pessoa Inclui a capacidade para: - adoptar uma abordagem centrada a pessoa no lidar com os pacientes e seus problemas no contexto das circunstâncias do paciente; - desenvolver e aplicar a consulta de clínica geral para promover uma eficaz relação médico-paciente, com respeito pela autonomia do paciente; - comunicar, estabelecer prioridades e actuar em equipa; - proporcionar continuidade longitudinal de cuidados tal como a determinarem as necessidades do paciente, assegurando a gestão continuada e coordenada de cuidados. Se a Clínica Geral/Medicina Familiar se posiciona como “medicina centrada na pessoa” e adopta a “abordagem centrada na pessoa” como princípio que a distingue das outras profissões médicas, o ensino e a formação da centragem na pessoa é uma competência nuclear. Nos seus nove princípios da medicina familiar, McWhinney (1) cita três deles como elementos de base: dedicação à pessoa em vez de a um determinado corpo de conhecimentos, busca da compreensão da doença no seu contexto pessoal, familiar e social, e atribuição de importâcia também aos aspectos subjectivos da medicina. A abordagem centrada na pessoa é mais uma maneira de pensar do que apenas uma maneira de agir. Significa ver sempre o paciente como uma pessoa particular num contexto particular. Inclui a perspectiva total da saúde do paciente, não apenas os elementos da doença que é possível reconhecer nos problemas e nas queixas, mas também os recursos e as forças do paciente que possam facilitar o lidar com as situações. Neste tipo de contacto médico, não só o paciente traz consigo o seu contexto e a sua história como também o médico fica implicado enquanto pessoa, portadora das suas próprias normas de vida e história, valores e conceitos (1,2,13). Levar em conta as preferências e expectativas do paciente em todos os passos do método de consulta centrada no paciente (3) é crucial neste ponto. Esta postura beneficia de uma transferência da orientação para doença para uma orientação para objectivos, como defende Mold (4). À relação médico-paciente chama-se por vezes “parceria sustentada”. A sustentabilidade da relação assenta num compromisso mútuo e total durante longos períodos, ainda que não necessariamente para uma vida inteira, do nascimento até à morte. Parceria significa uma relação médico-paciente baseada na participação e na receptividade do paciente, em que se evita o paternalismo e a dominação. Está relacionada com o “modo deliberativo” da relação, definido por Emanuel (6) como mais produtivo do que os modos paternalista, informativo e interpretativo. - compreender a pessoa como um todo, em que os diferentes elementos poderiam ser encarados em separado mas representam de facto uma dimensão acrescentada na pessoa humana, total e integrada; - no diagnóstico, explorar sempre a afecção e a doença em relação com a pessoa e o contexto. Em todas as afecções há uma parte do comportamento que é aprendido e culturalmente definido. Por outro lado, uma doença constitui um perfil médio deliberado em que se tenta não levar em conta as variantes individuais, usando um prognóstico médio como principal orientação para decisões terapêuticas geralmente efectivas. “Se quisermos curar, precisamos de conhecer os nossos pacientes enquanto indivíduos: podem ter as mesmas doenças, mas são únicos nas suas reacções a essas doenças.» (7) - nos cuidados de saúde centrados na pessoa, tentar sempre encontrar plataformas de entendimento e fazer planos em parceria por forma a que o paciente esteja sempre no centro da acção e conserve a sua autonomia. - na relação médico-paciente, os dois intervenientes formam uma parceria com papéis e responsabilidades assimétricos mas definidos. - no contacto com o paciente, incorporar a prevenção e a promoção da saúde em equilíbrio com todos os elementos de gestão da doença. - como atitude de base, ser realista, concreto e intervir sem perder de vista a solução. Os cuidados centrados na pessoa dão grande importância à continuidade do processo relacional. A continuidade é uma questão multidimensional vasta que inclui muitos aspectos diferentes. Neste documento define-se continuidade como “o grau em que uma série de eventos clínicos isolados se revela coerente, relacionado e compatível com as necessidades médicas e contexto pessoal do paciente” (8). Cobre cinco domínios: o domínio cronológico da continuidade no tempo, a continuidade geográfica da equipa clínica num local, a continuidade interdisciplinar sem barreiras da equipa de cuidados primários, a continuidade interpessoal e a continuidade de informação, como garantia da disponibilidade da informação médica em todos os locais onde o paciente é observado. Podemos considerar três tipos distintos de continuidade (9): a “continuidade pessoal” de consultar sempre o mesmo médico; a “continuidade de informação” de se ter informação sempre disponível ao tomar conta de uma situação ou ao efectuar a sua referenciação; e a “continuidade de cuidados”, que garante atendimento organizado 24 horas sobre 24. McWhinney (1) salienta que a palavrachave é responsabilidade e não disponibilidade pessoal a todas as horas. Há um paralelismo entre a relação médico-paciente e a relação professor-aluno. Há similitudes entre a abordagem centrada na pessoa nas opções para o exercício profissional e a abordagem centrada no aluno para o modelo pedagógico. Estas semelhanças podem ser usadas para sensibilizar e clarificar ambos os conceitos. Compreender o ponto de vista do formando permite gerar exemplos para tornar aceitável o ponto de vista do paciente. Na capacidade de o aluno reflectir sobre o seu processo pedagógico, é possível salientar e avaliar o manuseamento e reflexão do processo do paciente. O estilo particular do médico pode fazer a diferença (14). Há dados que comprovam a influência desse estilo sobre a qualidade dos cuidados primários na opinião do paciente e a satisfação que ele reconhece e apoiam fortemente a exequibilidade e o valor do modelo centrado na pessoa. A abordagem centrada no paciente pode considerar-se condição prévia do método clínico centrado no paciente em que se baseia a Medicina Geral e Familiar enquanto disciplina. As mensagens fundamentais são: 18 19 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Cuidados Centrados na Pessoa: Objectivos Page 20 Objectivo 2.1: No final do programa de formação o formando terá desenvolvido uma abordagem centrada na pessoa ao lidar com os pacientes e os problemas no contexto das circunstâncias do paciente. Para tal precisa de: 2.1.1 - conhecimento científico básico para compreender a pessoa, a sua evolução, objectivos e aspirações; 2.1.2 - desenvolver um quadro de referência para compreender e lidar com a dimensão familiar, com a comunidade, com as dimensões social e cultural que informam as atitudes, valores e crenças da pessoa; 2.1.3 - dominar os conceitos de afecção e de doença. Objectivo 2.2: No final do programa de formação o formando estará em condições de aplicar o modelo de consulta centrado no paciente, de comunicar e de agir em parceria. Para tal precisa de: 2.2.1 - ser capaz de monitorizar o modelo de consulta centrado no paciente que começa pela exploração da agenda do paciente (p.ex.: ideias, preocupações e aspirações), que integra a agenda do formando, encontra plataformas de entendimento e negoceia um plano comum para o futuro; 2.2.2 - ser capaz de comunicar a informação de um modo adequado e compreensível, incluindo informar os pacientes sobre concepções pessoais e encontrar plataformas de entendimento para posterior tomada de decisão; 2.2.3 - ser capaz de tomar decisões respeitando a autonomia do paciente; 2.2.4 - ter consciência da subjectividade da relação clínica, quer do lado do paciente (sentimentos, valores e preferências) quer na perspectiva do formando (consciência dos seus próprios valores, atitudes e sentimentos). Objectivo 2.3: No final do programa de formação o formando estará em condições de comunicar, estabelecer prioridades e actuar em parceria. Para tal precisa de: 2.3.1 - aptidões e atitude propícias ao estabelecimento de uma relação de parceria com o paciente; 2.3.2 - aptidões e atitude adequadas para equilibrar distância e proximidade em relação ao paciente. Objectivo 2. 4: No final do programa de formação o formando estará em condições de providenciar continuidade longitudinal de cuidados. Para tal precisa de: 2.4.1 - compreender e dominar os três aspectos da continuidade: continuidade pessoal como suporte para toda a vida (atitude adequada a um relacionamento duradouro com uma pessoa), continuidade na informação permitindo disponibilizar informação médica adequada em qualquer momento e para todos os contactos necessários com o paciente (presenciais ou electrónicos) e continuidade no atendimento no tempo, noite e dia (pessoalmente ou com recurso a sistemas de substituição). 20 O processo pedagógico deve pautar-se pela aprendizagem auto-dirigida e prática ponderada. “Reflectir agindo” imediatamente e “reflectir sobre a acção” a posteriori, em particular quando acontece algo de inesperado, são atitudes muito instrutivas. Reflectir em geral sobre o impacto do próprio e sobre a influência do estilo pessoal é crucial (14). Esta reflexão relaciona-se intimamente com o pensamento crítico e deve estimulá-lo. O tutor deve assumir o papel de facilitador, estimulando a aprendizagem auto-dirigida, o pensamento crítico e a reflexão, promovendo o crescimento pessoal e profissional. Consequências para os métodos pedagógicos O conhecimento do paciente como um todo consegue-se não apenas nas aulas mas também lendo romances, discutindo histórias de pacientes e reflectindo em pequenos grupos sobre interacções médico-paciente concretas. As sessões de treino de aptidões profissionais devem focar o estilo de comunicação específica adequado ao papel de parceiro médico num contacto centrado na intervenção, incluindo o papel de advogado. Um modelo de consulta deve ser concebido e ensinado nos seus diferentes elementos, o estilo variável de comunicação dentro da consulta e o papel de modelo adequado ao médico. O treino para a intervenção deve basear-se na resposta do paciente, deve incluir treino em comportamento cognitivo e voltar-se mais para a solução do que para o problema, com elementos de uma abordagem sistémica que inclua pelo menos as dimensões da pessoa, da família e da comunidade. O ensino deve destacar explicitamente o médico como pessoa, desenvolvendo os pontos fortes individuais e tentando equilibrar valores pessoais e saúde. O chamado “método Balint” (9), a par de métodos afins desenvolvidos mais tarde, são bons exemplos de reflexão participativa em que se aprende a aceitar, compreender e usar a pessoa como elemento de uma abordagem eficaz do paciente centrada na pessoa. O s mét odos específic os para o conseguir incl u e m : - ensino que parte da apresentação dos problemas pelo paciente, atribuindo um lugar central às narrativas e histórias que o paciente conta nos diferentes eventos pedagógicos; - instrumentos como os genogramas, enredos familiares e eco-mapas, que incluem aspectos relacionados com o trabalho e o lazer; - formação num modelo de comunicação dirigido à receptividade do paciente como pressuposto do método de prática clínica centrado no paciente; - sessões temáticas sobre tópicos específicos, como tomada de decisões em comum, respeito pela autonomia, fornecimento de informação de retorno, perguntas não agressivas, etc.; - aulas sobre conceitos e modelos definidos em relação com o tópico que forneçam um quadro para a compreensão e interpretação meta-cognitiva do que acontece durante o encontro médico-paciente; - prática tutelada e modelos de aprendizagem reflexiva durante a formação. A avaliação de uma abordagem centrada na pessoa deve basear-se na apresentação de casos. Podem ser usados diferentes formatos: observação directa mediante consultas simuladas, índices baseados em informação dada pelo paciente, progressão cronológica de casos, videogravação de casos, e também métodos indirectos, como a discussão de casos de pacientes ou a reflexão oral sobre casos simulados. As aptidões parciais, relacionadas com aspectos pessoais do médico e com a apreciação e compreensão de aspectos pessoais de pacientes, podem ser avaliadas por processos tipo revisão interpares, como discussões de grupo, apresentação de problemas ou reuniões da equipa. Podem também usar-se novas abordagens, como o portfólio pedagógico de reflexão, em que o formando mostra as suas aptidões como pessoa sob a forma de reflexão pessoal e dá garantias da capacidade de reflectir sobre o papel do paciente no encontro médicopaciente. 21 Cuidados Centrados na Pessoa: consequências para a avaliação 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 22 Resultados da aprendizagem O formando mostrará: - capacidade de lidar com os problemas do paciente segundo os conceitos da abordagem centrada no paciente; - capacidade de conduzir uma consulta segundo o método centrado no paciente; - capacidade de estabelecer uma parceria em que haja receptividade por parte do paciente; - domínio dos conhecimentos sobre prestação longitudinal de cuidados. Consequências para o contexto e enquadramento temporal O Ensino Médico Básico deve assegurar os conhecimentos e aptidões básicos necessários a todos os elementos de uma abordagem centrada na pessoa pela introdução dos conhecimentos sobre o enquadramento trazidos das ciências correlatas sobre desenvolvimento e evolução pessoal, família, sociedade, cultura e influências religiosas sobre as crenças, valores e comportamentos individuais. A EMB deverá promover desde cedo a concentração no paciente, por forma a que os elementos científicos e relacionados com as patologias no espírito do estudante tenham consequências úteis nos cuidados prestados aos pacientes. Objectivos Métodos de aprendizagem Ver o Paciente como uma pessoa - ideias, preocupações, expectativas Desenvolvimento conceptual - Observação directa - Palestras temáticas ou de videogravação - Leitura de histórias de de consultas reais Pacientes, novelas e narrativas ou simuladas - Informação de retorno dos Pacientes - Progressão cronológica dos casos Aplicar modelo de Consulta e Comunicação Centradas no Paciente - Estilo de resposta comunicacional do Paciente - Começar e acabar com o Paciente Prática clínica Observação pelo Orientador (“sit-in”) com informação de retorno Consultas videogravadas Discussão (um para um, pequenos grupos) A EMB deve assentar na complementaridade das abordagens centrada no paciente e centrada na doença e familiarizar todos os estudantes com a MGF - mesmo os futuros especialistas de campos diferentes da MGF. A Formação Especializada em MGF deve ter lugar predominantemente num cenário de Medicina Geral e Familiar. Deve assentar no método clínico centrado no paciente que parte do modelo de consulta centrada no paciente e aplica a capacidade de comunicar buscando a receptividade do paciente. Demonstrar capacidade de resposta às preferências, sentimentos e expectativas dos Pacientes Estabelecer parcerias sustentadas Usar o Médico como uma pessoa: usar e cuidar do equilíbrio pessoal e dos valores próprios - Auto-reflexão - Auto-avaliação 22 Meios de avaliação - Observação indirecta - Registos - Relatórios de progresso - Discussão de casos de Pacientes - Reflexão sobre casos Simulados - Observação directa (consultas videograva das, “sit-in”) Quadro resumo educação em cuidados centrados na pessoa Bibliografia 1. McWhinney, I. R, A Textbook of Family Medicine. Oxford University Press; 2ª edição, 1997 2. Fehrsen, G. S., Henbest, R. J., «In search of excellence. Expanding the Patient-centred Clinical Method: a Three-stage assessment». Family Practice, 1993 vol. 10, nº 1, pág 49-54 3.Stewart, M., ea. Patient-centred Medicine: transforming the Clinical Method, Sage Ensino de Modelos Orientados - Avaliação temática de publ., 1995 para Finalidades diversos subelementos 4. Mold, J. W., «Goal-Oriented Medical Exercícios de exploração Care», Family Medicine, 1991, 23, 1, Observação pelo Orientador 46-51 com informação de retorno 5. Leopold, N., «Sustained partnership in Primary Care», J. Fam. Pract., 1996, Videogravação de consulta com 42, 129-7 informação de retorno pelo 6. Emanuel, E. J., «Four models of the Orientador e reflexão pelo physician-patient relationship», JAMA Formando 1992, 267, 2221-6 7. McWhinney, I.R., «Being a general practitioner: what it means». Eur. J. Reflexão na consulta Avaliação indirecta de Gen. Pract., 2000, 6, 1359 - Vídeo e tempo potencialidades relacionais 8. Freeman & Olesen: comunicação programática à conferência WONCA de para auto-reflexão Viena 2000 9. Haggerty, J. L., «Continuity of Care», BMJ, 2003, 1219-1221 Grupos participativos Portfolio de reflexão 10. Balint, M., The doctor, his patient and de reflexão com a opinião do the illness, Pitman Medical Publishing, Portfolio de reflexão Orientador Londres, 1964 11. Henbest, R. J., Stewart, M., «PatientCentredness in the consultation. 2: Does it really make a difference?», Family Practice, 1.990, vol 7, nº 1, p. 28-33 12. Levenstein, J. H., ea, «The patientcentred clinical method. I. A model for the doctor-patient interaction in family medicine», Family Practice 1986, 3:24 13. Mead, N., Bower P. «Patient-centredness: a conceptual framework and review of the empirical literature», Social Science & Medicine 2000, 51:1087-1110. 14. Flocke, S. A., Miller, W. L., Crabtree, B. F., «Relationships between physician practice style, patient satisfaction, and attributes of primary care», Journal of Family Practice, 2002, 51, 10 15. Schön, DA. Educating the Reflective Practitioner, Jossey-Bass, 1987. p. 26. 23 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Responsável pelo capítulo: Yonah Yaphe (Israel) Colaborações de Francesco Carelli (Itália), Bernard Gay (França), Jan Heyrman (Bélgica), Mladenka VrcicKeglevic (Croácia), Job Matsemakers (Holanda), Andreas Rothenbühler e Bernard Rindslisbacher (Suíça) Introdução Page 24 Capítulo 3. Aptidões Específicas para a Resolução de Problemas Inclui a capacidade para: - relacionar os processos de decisão específicos com a prevalência e incidência das doenças na comunidade; - reunir e interpretar selectivamente a informação recolhida na história clínica, exame físico e exames complementares e aplicá-la a um plano de acção adequado em colaboração com o paciente; - adoptar princípios de trabalho adequados (por exemplo, exames complementares sequenciais), usar o tempo como uma ferramenta, tolerar a incerteza; - intervir com urgência quando necessário; - gerir as situações que possam apresentar-se precocemente e/ou de forma indiferenciada; - usar com efectividade e eficiência as intervenções de diagnóstico e terapêutica. A capacidade de resolução de problemas específicos está relacionada com o contexto em que os problemas surgem, a natureza e a história natural dos próprios problemas, as características pessoais dos pacientes que apresentam esses problemas, as características pessoais dos médicos que os gerem e os recursos disponíveis para a sua resolução. A resolução de problemas em medicina geral e familiar é em grande medida dependente do contexto. Tanto a gestão partilhada dos problemas com o paciente como o conflito sobre o uso justo de recursos limitados suscitam questões éticas ligadas à resolução de problemas. O professor de medicina geral e familiar pode chamar a atenção para as questões éticas sempre que apropriado em casos específicos ou tomar a iniciativa e apresentar casos simulados para proporcionar a discussão destes problemas e das estratégias para lidar com eles. Pode ser difícil para alguns formandos entender ou aceitar as diferenças de estratégia para a resolução de problemas entre a clínica geral e o hospital. Há que identificar e analisar os conflitos (4). Há muitos “momentos ensináveis” que podem ser usados com grande vantagem para o treino de resolução de problemas. Objectivo 3.1: No final do programa de formação o formando estará em condições de relacionar o processo específico de tomada de decisão com a prevalência e incidência da doença na comunidade. Para tal precisa de: 3.1.1 - Conhecer as afecções e doenças dos cuidados primários, incluindo a sua incidência e prevalência específicas; 3.1.2 - Conhecer a população da consulta (distribuição por idades e por género, prevalência de doenças crónicas); 3.1.3 - Aptidões para tomada de decisão específica (com recurso a instrumentos como o raciocínio clínico e as regras de decisão). Objectivo 3.2: No final do programa de formação o formando estará em condições de colher e interpretar selectivamente a informação recolhida na anamnese, exame objectivo e exames complementares e aplicá-la a um plano de acção adequado em colaboração com o paciente. O material teórico que pode ajudar professores e alunos é a literatura sobre o modelo hipotético-dedutivo de Esltein (1). Um segundo modelo útil ao ensino é o conceito de reconhecimento de padrões ou de argumentos de aprendizagem (2). Ambos podem ser usados no ensino dos casos específicos encontrados para tornar evidente a estratégia de resolução de problemas do médico. Um terceiro ponto fundamental é o uso de literatura relevante para demonstrar as decisões de gestão (3,4). Neste ponto é relevante a discussão com o aluno dos vieses de selecção. São muitos os exemplos: a literatura proveniente da MGF sobre séries de casos de pacientes com linfadenopatia ou dor torácica comparada com os achados em pacientes dos cuidados terciários pode ser instrutiva (4). Para tal precisa de: 3.2.1 - Conhecer os pontos relevantes da anamnese e as indicações importantes do exame físico e relacionar uns e outros com o problema apresentado, com destaque especial para a inclusão ou exclusão de possíveis problemas urgentes; 3.2.2 - Saber coligir o contexto relevante do paciente, incluindo factores familiares e sociais; 3.2.3 - Conhecer os exames complementares e os recursos de tratamento disponíveis para os problemas apresentados; 3.2.4 - Possuir aptidões para a recolha da história e para efectuar o exame objectivo e aptidão para interpretar os dados; 3.2.5 - Dispor-se a envolver o paciente no plano de acção. A importância da resolução de problemas quando se depara a fase precoce, indiferenciada, da doença ajuda o formando a concentrar-se na abordagem baseada no problema em vez da abordagem baseada na doença. Há vários bons manuais de cuidados primários organizados segundo esta linha de raciocínio. É especialmente importante a detecção de possíveis problemas que requeiram acção urgente (5). Objectivo 3.3: No final do programa de formação o formando estará em condições de adoptar princípios de trabalho adequados usando exames complementares sequenciais, o tempo e tolerando a incerteza. Usar o tempo, exames complementares sequenciais, lidar com a incerteza, tudo isso interessa para uma mudança de atitude que pode tornar-se necessária a estudantes de MGF. Existe um corpo crescente de literatura sobre estes tópicos, em apoio dos professores que encorajam os alunos a reflectir sobre estes aspectos únicos da resolução de problemas (6). 24 Para tal precisa de: 3.3.1 - Adoptar atitudes características de uma orientação generalista incluindo a curiosidade, diligência e atenção; 3.3.2 - Adoptar o procedimento por passos na tomada de decisão médica, usando o tempo como ferramenta de diagnóstico e tratamento; 3.3.3 - Compreender a inevitabilidade da incerteza na resolução de problemas em cuidados primários e no desenvolvimento de estratégias para tolerar a incerteza. 25 Aptidões Específicas para a Resolução de Problemas: Objectivos 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 26 Objectivo 3.4: No final do programa de formação o formando estará em condições de intervir com urgência quando necessário. Para tal precisa de: 3.4.1 - Aptidões específicas para a tomada de decisão em situações de emergência; 3.4.2 - Aptidões específicas em procedimentos de emergência em situações de cuidados primários. Objectivo 3.5: No final do programa de formação o formando estará em condições de gerir problemas de saúde que possam ap r e s e n t a r-se precocemente e com carácter indiferenciado. Para tal precisa de: 3.5.1 - Saber quando esperar e tranquilizar e quando iniciar actos de diagnóstico adicionais. Objectivo 3.6: No final do programa de formação o formando estará em condições de usar eficazmente as intervenções diagnósticas e terapêuticas. Para tal precisa de: 3.6.1 - Conhecer o valor preditivo positivo e negativo dos sintomas e sinais e dos resultados de exames complementares obtidos na recolha de dados, e o modo como dependem da prevalência da doença em causa; 3.6.2 - Compreender as noções de custo-eficiência e custo-benefício de exames complementares e tratamentos e conhecer o número necessário para tratar ou prejudicar de tratamentos específicos. Consequências para os métodos pedagógicos Muito do ensino no cenário dos cuidados primários utiliza a técnica do papel de modelo. A prática independente com supervisão, análise e reflexão sobre os casos que se deparam é outra técnica pedagógica fundamental. O problema particular do ensino de aptidões médicas de emergência é difícil de resolver no cenário da medicina geral e familiar, em especial em estágios mais curtos dos alunos mas também em estágios de Formação Especializada mais prolongados. A colaboração com os serviços de urgência dos hospitais ou, em alguns cenários, com serviços de emergência de rua, permite ultrapassar este problema. Há que prestar atenção aos diferentes protocolos de resolução de problemas usados no centro de saúde, na rua ou na visita domiciliária, em comparação com os que são usados na urgência dos hospitais. A avaliação das aptidões para a resolução de problemas nos cuidados primários utiliza uma série de métodos. A Avaliação Clínica Estruturada por Objectivos(4) pode simular problemas raros ou difíceis que poderão não ter surgido durante a breve passagem do formando pelo consultório. A observação directa da consulta com recurso a listas de objectivos e pontuações globais pode ser também usada para avaliar as aptidões para a resolução de problemas. O exame oral, com todas suas limitações, tem o seu lugar na avaliação de atitudes e de aptidões para a resolução de problemas mediante situações hipotéticas e de evolução dos casos. O conhecimento da prevalência e incidência pode ser avaliado por testes de escolha múltipla, perguntas abertas e exames orais, a competência na tomada de decisões por OSCE e o desempenho na tomada de decisão pela revisão do desempenho. A capacidade para a resolução de problemas específicos pode ser avaliada por OSCE, observação do formando e revisão do desempenho específico. As entrevistas ou os questionários dirigidos ao paciente podem ser usados para avaliar a satisfação deste relativamente às tentativas do formando para o envolver no processo de cuidados. R esult ados da ap r e n d i z a g e m O aluno deverá mostrar: - capacidade de relacionar os processos de decisão específicos com a prevalência e incidência das doenças na comunidade; - capacidade de colher e interpretar selectivamente a informação recolhida na anamnese, exame objectivo e avaliação laboratorial e aplicá-la a um plano de acção adequado em colaboração com o paciente. A gestão médica de problemas comuns e indiferenciados, bem como dos recursos disponíveis, deve ser incluída no Ensino Médico Básico. Estas questões podem ser apresentadas em aulas ou em discussão em pequenos grupos, ainda nos anos pré-clínicos. Os laboratórios de aptidões podem ser usados em alunos pré-clínicos para apresentar métodos de resolução de problemas. A resolução de problemas ensina-se melhor em ambiente clínico com pacientes reais seguidos ao longo do tempo de forma a permitir a avaliação de resultados. Uma grande parcela da Formação Especializada é dedicada à aprendizagem de aptidões para a resolução de problemas e ao desenvolvimento de um estilo clínico único e pessoal, sob a orientação de um tutor por um período de vários meses ou anos. Entre os métodos específicos para o conseguir contam-se: - Estudo autónomo sobre incidência e prevalência (leituras, aulas); - Criação de um perfil da consulta (ou estudo de um perfil existente); - Realização de consultas de medicina geral e familiar com reflexão e supervisão das tomadas de decisão; - Ao nível dos conhecimentos, leitura de textos de diagnóstico físico e de estudo de casos; - Ao nível das aptidões, simulação da recolha da anamnese e exame objectivo (por ex., num laboratório de aptidões); - Observação do desempenho do aluno e consequente apreciação desse desempenho; - Ao nível da atitude, discutir com o aluno o valor da parceria com o paciente. (4) Tradução de Objective Strutured Clinical Examination - Técnica conhecida pelo acrónimo “OSCE”. Dada a sua disseminação generalizada, este acrónimo será utilizado neste texto (N.do R.) 26 Aptidões Específicas para a Resolução de Problemas: consequências para a avaliação 27 Consequências para o contexto e enquadramento temporal 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Quadro resumo - educação em aptidões específicas para a resolução de problemas (1) OSCE (2) Serviço de Urgência Bibliografia 1. Dowie, J., Elstein, A.S. (eds), Professional judgement: a reader in cli nical decision making. Cambridge University Press, 1991. 2. Schmidt, H. G., Norman, Gr., Boshuizen H. P.A., «A cognitive perspective of medical expertise: Theory and implications», Acad. Med. 1990, 65, 611-621. 3. Knotnerus, J.A., «Medical decisionmaking by general practitioners and specialists», Fam. Pract. 1991, 8, 305307. 4. Rosser, W. W., «Approach to diagnosis by primary care clinicians and specialists: Is there a difference?», The journal of Family Practice 1996, 42, 139-44. 5. Pewsner, D., Battaglia, M. ea., «Ruling a diagnosis in or out with "SpPIn" and "SnNOut": a note of caution», BMJ 2004, 329, 209-13 6. Sheldon M., Brooke, J., Rector, A. (eds), «Decision-making in general practice» MacMillan Press, Londres, 1985. 7. Page, G. B., Bordage, G., Allen, T., «Developing key-feature problems and examinations to assess clinical decision-making skills», Acad. Med. 1995, Mar. 70(3}:194-201. 8. Regehr, G., Norman, G. R., «Issues in cognitive psychology: implications for professional education», Acad Med. 1996, Set., 71(9):988-10Q1. Recensão. 9. Bordage, G., «Elaborated knowledge: A key to successful diagnostic thinking», Acad. Med. 1994, 69, 883-885. 10. Case, M. S., Swanson, D.B., Wooliscroft, J. O., «Assessment of diagnostic pattern recognition skills in medical clerkship using written tests». in Trabalhos da Conferência Internacional sobre Abordagens da avaliação em competência clínica, , Parte II, Escola Médica do Ninewells Hospital, Dundee 1992, 452-458. 11. Kassirer, J. P., Kopelman, R. I., Learning clinical reasoning, Williams and Wilkins, Baltimore 1991. 12. Norcini, J. J., Shell, J. A., «The effect of level of expertise on answer key development», Acad. Med., 1995, 65, 515-516. 13. Thistlethwaite, J., E., «Making and sharing decisions about management with patients: the views and experiences of pre-registration house officers in general practice and hospital», Med. Educ., 2002, 36, 49-55. Page 28 Objectivos Métodos de aprendizagem Meios de avaliação Palestra Conhecer a incidência e preSeminário valência de problemas Leitura comuns Discussão TEM, TPC Orais Saber como conduzir uma pesquisa eficiente para definir o problema Casos simulados Observação Discussão de casos ACOE (1) Observação Auditoria de registos médicos Saber como definir e gerir o problema em colaboração com o Paciente Casos simulados Prática clínica Observação / “sit-in” Observação ACOE Trabalho em Su(2) Saber lidar com situações de Simulação emergência Leitura Prática Clínica Saber lidar com problemas indiferenciados Casos simulados Discussão Leitura Valorizar uma abordagem Discussão progressiva, usando o tempo Reflexão e aceitando a incerteza Discussão Valorizar uma abordagem Observação ética que permita o uso adeLeitura quado de recursos limitados Reflexão Capítulo 4. Abordagem Abrangente Inclui a capacidade para: - gerir simultaneamente queixas e patologias múltiplas e problemas de saúde tanto agudos como crónicos do indivíduo; - promover a saúde e o bem-estar aplicando adequadamente as estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença; - gerir e coordenar a promoção da saúde, a prevenção, cura, tratamento, paliação e reabilitação. TEM ACOE Observação Exame oral ACOE Observação / “Sit-in” / Vídeo Entrevista Discussão Exame oral Entrevista Discussão Exame oral Um requisito importante para os médicos de família é a capacidade de enfrentar as muitas queixas e problemas dos pacientes que cuidam e, ao mesmo tempo, apoiar as forças e os recursos individuais que permitem lidar com esses problemas. Quando sentem que necessitam de assistência médica, os pacientes tornam-se pessoas doentes e muitas vezes não são capazes de distinguir entre as diferentes doenças de que podem sofrer. Ter em conta os múltiplos problemas de saúde de um indivíduo é um importante desafio. Exige a importante capacidade de interpretar os dados e de os ordenar em termos de prioridades durante a consulta com o paciente (1). O médico de família deve apontar para uma abordagem do paciente cujo principal foco seja promover a sua saúde e bem-estar geral, o que muitas vezes entra em contraste marcado com a abordagem do especialista hospitalar, pois trata de tantos problemas médicos quantos possível. Lidar adequadamente com os factores de risco através da promoção dos auto-cuidados e do reforço do poder do paciente é uma tarefa importante do médico de família. O objectivo do médico é minimizar o impacto dos sintomas do paciente sobre o seu bem-estar mediante levar em conta a sua personalidade, família, quotidiano e ambiente físico e social (2). Adoptar uma abordagem baseada na evidência permite proporcionar ao paciente o tratamento mais bem documentado e actualizado e ao médico a melhor informação documental sobre diagnóstico e tratamento. Coordenar os cuidados a prestar significa também que o médico de família está adequadamente preparado não só para gerir a doença e a prevenção como para cuidar do paciente, fornecer cuidados paliativos nas fases terminais da vida dos pacientes e providenciar reabilitação. O médico deverá ser capaz de coordenar os cuidados prestados ao paciente por outros profissionais de saúde. 28 29 Responsável pelo capítulo: Igor Svab (Eslovénia) Colaboração de Ivanka Bogrova (República Checa), Margus Lember (Estónia), Janos Szabo (Hungria), Anders Baerheim (Noruega), Llukan Rrumbullaku (Albânia), Justin Allen (Reino Unido), Dolores Fores (Espanha), Muharem Zildzic e Samira Herenda (BósniaHerzegovina), Bernhard Rindlisbacher (Suíça) Introdução 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Abordagem Abrangente: objectivos Page 30 Objectivo 4.1: No final do programa de formação o formando estará em condições de gerir simultaneamente queixas e patologias múltiplas, e problemas de saúde tanto agudos como crónicos do indivíduo. Os conhecimentos podem ser avaliados por exames, por avaliação das apresentações de pacientes e por exames orais. As competências podem ser avaliadas por OSCE, por vídeogravações, ou através da utilização de pacientes simulados. Para tal precisa de: 4.1.1 - compreender o conceito e as complementaridades da plurimorbilidade num só paciente; 4.1.2 - aptidão para gerir problemas de saúde simultâneos através da identificação, exploração, negociação, aceitação e estabelecimento de prioridades; 4.1.3 - aptidão para usar devidamente registos médicos e outras informações; 4.1.4 - capacidade para procurar e dar uso prático à melhor evidência disponível. O desempenho pode ser avaliado pelo orientador observando o médico no consultório, na execução das tarefas relevantes para este capítulo (elaborar uma lista de problemas, avaliar o registo de um paciente, trabalhar no consultório com pacientes reais, etc.) (3). Podem usarse vários métodos de avaliação formativa e somativa. De um modo geral, o paciente deve ser o ponto de partida da avaliação. Objectivo 4.2: No final do programa de formação o formando estará em condições de promover a saúde e o bem-estar aplicando adequadamente as estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença. Para tal precisa de: 4.2.1 - compreender o conceito de saúde em todas as suas facetas; 4.2.2 - integrar a promoção individual da saúde no âmbito dos contactos diários; 4.2.3 - promover a saúde através de programas específicos de promoção da saúde e de prevenção da doença no contexto dos cuidados primários; 4.2.4 - compreender o papel do médico de família nas actividades de promoção da saúde na comunidade; 4.2.5 - reconhecer a importância das tensões éticas entre as necessidades do indivíduo e as da comunidade e agir de forma adequada. Objectivo 4.3: No final do programa de formação o formando estará em condições de coordenar os elementos de cura, cuidado, paliação e de reabilitação para cada paciente individual. Para tal precisa de: 4.3.1 - compreender as diferentes possibilidades e contributos dos membros da equipa; 4.3.2 - capacidade de usar diferentes abordagens no mesmo paciente; 4.3.3 - aptidão para coordenar uma equipa de saúde. Consequências para os métodos pedagógicos Podem usar-se vários métodos pedagógicos. Convém fazer uma reflexão teórica sobre a abordagem abrangente, mas essa reflexão só terá sucesso se for associada à experiência prática. Entre os métodos específicos para o conseguir contam-se: - Exposição precoce obrigatória à prática clínica no cenário dos cuidados primários; - aulas curtas para explicar os conceitos de plurimorbilidade e o funcionamento do sistema de saúde; - exercícios com modelos no ensino das aptidões comunicacionais; - atribuição de tarefas (p. ex., apresentações aos pacientes num cenário de cuidados de saúde comunitários); - estudo de casos e discussão em pequenos grupos para avaliar a complexidade do paciente; - crítica à consulta individual; - auto-avaliação clínica; - trabalho e reflexão contínuos no cenário dos cuidados primários. 30 Abordagem Abrangente: Consequências para a avaliação Resultados da aprendizagem O formando deverá mostrar: - conhecer o quadro teórico da plurimorbilidade; - conhecer os conceitos de saúde e de salutogénese (4); - compreender o quadro teórico da promoção efectiva da saúde; - capacidade de identificar, explorar, negociar, aceitar e atribuir prioridades a problemas simultâneos e aos recursos de cada paciente; - capacidade de fazer a promoção da saúde individualmente no âmbito da consulta de medicina geral e familiar; - saber usar apropriadamente os registos médicos e a melhor evidência para gerir problemas de plurimorbilidade; - capacidade de prestar e coordenar os cuidados nestas áreas. A abordagem abrangente pode ser ensinada a diferentes níveis de conhecimento e complexidade. Ao nível do Ensino Médico Básico o estudante deve conhecer a estrutura teórica da abordagem abrangente e aplicar esta abordagem em casos simples. Ao nível da Formação Especializada o médico deve ser competente em abordagem abrangente. Ao nível do Desenvolvimento Profissional Contínuo o médico deve demonstrar um desempenho adequado nesta área. Bibliografia 1. Kaufman, D. M., «ABC of learning and teaching in medicine: Applying educational theory in practice», Br. Med. J., 2003, 326, 213-6. 2. Stewart, M., Patient centred medicine: transforming the clinical method, Sage publ., 1995 3, Van der Vleuten, C. P. M., «The assessment of professional competence: developments, research and practical implications» Advances in Health Sciences Education, 1996, 1:41-67. 4. Aritonowsky, A., Unraveling the mystery of health, Jossey-Bass Inc., California. 31 Consequências para o contexto e enquadramento temporal 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Quadro resumo educação em abordagem abrangente Page 32 Objectivos Métodos de aprendizagem Meios de avaliação Compreender o conceito de multimorbilidade Palestra Descrição e apresentação de casos Prática clínica TEM, TPC Avaliação da apresentação pelo Orientador Avaliação pelo Orientador Gestão de problemas de saúde simultâneos Construção de lista de problemas balanceada com lista de capacidades de resistência/adaptação Apresentação de casos Prática clínica ACOE Avaliação de registos de Pacientes Avaliação pelo Orientador Avaliação prelo Orientador Uso de registos médicos Construção de listas de problemas Prática clínica ACOE Avaliação pelo Orientador Procura e uso da melhor evidência Prática clínica Avaliação pelo Orientador Compreender o conceito de Saúde Desempenho de papéis ou doentes simulados Apresentação de casos Prática clínica Análise de videogravações Avaliação em grupo Auto-avaliação, avaliação pelo Orientador Promover a saúde a nível individual como parte da consulta normal Palestra sobre mudanças de estilo de vida Vídeogravação Desempenho de papéis Pacientes simulados Prática clínica TEM, TPC Análise de vídeogravações Avaliação/informação de retorno pelo Orientador ou pelo paciente simulado Avaliação pelo Orientador Promover a Saúde através de programas de Promoção de Saúde e/ou de Prevenção Reunião de grupo no âmbito dos cuidados primários Avaliação por pares Compreender o papel do Médico de Família em actividades de promoção de saúde na comunidade Avaliação do material Avaliação por pares Avaliação da sessão Avaliação pelo Orientador Preparar material Reunião de grupo Preparar e dirigir uma sessão Preparar um projecto Reconhecer a importância das tensões éticas entre as P.e. observação de conSeminário, discussão em grupo, necessidades dos indivíduos sulta simulada, exame leitura e aquelas da comunidade, e oral, discussão actuar apropriadamente Leitura / Seminário Ter atenção os recursos disDiscussão poníveis quer na comunidade Visita de estudo / Visita de local quer no sistema de Unidades de Saúde saúde Trabalho de campo 32 Capítulo 5. Orientação Comunitária Inclui a capacidade de: - conciliar as necessidades de saúde dos pacientes e as necessidades de saúde da comunidade em que eles vivem com os recursos disponíveis. Responsável pelo capítulo: Igor Svab (Eslovénia) Colaboração de Ivanka Bogrova (República Checa), Margus Lember (Estónia), Janos Szabo (Hungria), Anders Baerheim (Noruega), Llukan Rrumbullaku (Albânia), Justin Allen (Reino Unido), Dolores Fores (Espanha), Muharem Zildzic e Samira Herenda (BósniaHerzegovina) Os médicos de família têm para com a comunidade em que trabalham responsabilidades que estão para além da consulta com determinado paciente. O trabalho do médico de família é determinado pela composição da comunidade e por isso o médico tem que compreender os potenciais e limitações dessa comunidade. O médico de família encontra-se numa posição que lhe permite apreender essas questões. Em todas as sociedades, os sistemas de saúde estão a ser racionados e os médicos participam nas decisões de recionamento, tendo uma responsabilidade ética e moral de influenciar a política de saúde na comunidade. Introdução Objectivo 5.1: No final do programa de formação o formando estará em condições de conciliar as necessidades de saúde dos pacientes com as necessidades de saúde da comunidade em que eles vivem, em equilíbrio com os recursos disponíveis. Orientação Comunitária: objectivos Para tal precisa de: 5.1.1 - compreender as necessidades de saúde das comunidades a partir das características epidemiológicas da população; 5.1.2 - compreender as inter-relações entre cuidados de saúde e assistência social; 5.1.3 - compreender o impacto da pobreza, da origem étnica e da epidemiologia local sobre a saúde; 5.1.4 - aperceber-se das desigualdades nos cuidados de saúde; 5.1.5 - compreender a estrutura do sistema de saúde e suas limitações económicas; 5.1.6 - trabalhar com os outros profissionais envolvidos na política comunitária da saúde e compreender o seu papel; 5.1.7 - compreender a importância da informação oriunda da prática clínica e da comunidade como instrumento de garantia da qualidade da consulta; 5.1.8 - compreender como o médico e o paciente podem utilizar o sistema de saúde (referenciação, comparticipações, baixas, problemas jurídicos, etc.) no seu contexto específico; 5.1.9 - conciliar as necessidades dos indivíduos com as necessidades da comunidade em que eles vivem. TEM, TPC Orais Relatório 33 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Consequências para os métodos pedagógicos Page 34 Podem usar-se vários métodos. Às considerações teóricas deve associar-se o trabalho prático, pois é absolutamente vital uma compreensão clara do contexto em que são prestados os cuidados primários na prática e da dinâmica social da comunidade em questão. Para tal é necessária a experiência directa no ambiente circundante. Entre os métodos específicos para o conseguir contam-se: - reflexão estruturada sobre a experiência de trabalho (discussão de casos, análise de registos clínicos); - métodos escolares convencionais (aulas, seminários, sessões em pequenos grupos, resolução de problemas); - visita a instituições de saúde e assistência social; - trabalho de campo; - projectos; - auditoria clínica; - estudo individual assistido; Orientação Comunitária: Consequências para a avaliação Os conhecimentos podem ser avaliados por meio de testes (p.ex., testes de escolha múltipla ou perguntas abertas), exames escritos e orais, avaliação das apresentações do paciente e avaliação das tarefas atribuídas e dos projectos. As competências podem ser avaliadas por OSCE, avaliação de registos em vídeo com desempenho de papéis ou pacientes simulados. O desempenho pode ser avaliado pelo orientador observando o médico no consultório, durante a execução das tarefas relevantes para este capítulo. Métodos de aprendizagem Meios de avaliação Compreender as necessidades de saúde das comunidades através das características epidemiológicas da população Aula convencional Seminário Discussão em pequenos grupos Visita a instituições sociais e de saúde Auditoria Projecto Trabalho de campo TEM, TPC Exame oral e escrito Apresentação sobre paciente ou projecto Avaliação pelo Orientador Relatório Relatório Avaliação pelo Orientador do estágio Compreender as inter-relações entre saúde e cuidados sociais Compreender o impacto da pobreza, etnicidade e epidemiologia local na saúde Estar atento às desigualdades dentro dos cuidados de saúde Visita a instituições sociais e de saúde Discussão em pequenos grupos Trabalho de campo Aula convencional Avaliação pelo Orientador Discussão com o Orientador do estágio Bibliografia Teste de conhecimentos 1. Feachem, R. G. A., «Poverty and ine- Compreender a estrutura do sistema de saúde e as suas limitações económicas Reflexão estruturada sobre experiência baseada na prática (discussão de casos, revisão de processos) Visita a instituições sociais e de saúde Trabalho de campo Aula convencional Seminário / discussão Discussão com o Orientador do estágio Avaliação pelo Orientador Discussão com o Orientador do estágio Teste de conhecimentos Trabalhar com outros profissionais envolvidos na política comunitária relacionada com a saúde e compreender os seus papéis Trabalho de campo (trabalho com Avaliação pelo Orientador outros profissionais) Discussão com o Orientador Reflexão estruturada sobre experiêndo estágio cia baseada na prática (discussão de casos, revisão de processos) Compreender a importância da informação baseada na prática e na comunidade para a garantia de qualidade da unidade de saúde Auditoria à unidade de saúde Projecto Trabalho de campo Estudo pessoal facilitado Avaliação pelo Orientador Compreender como o sistema de saúde pode ser usado pelo Paciente e pelo Médico (referências, regimes de pagamentos, baixas, problemas legais etc.) nos seus próprios contextos Estudo pessoal facilitado Uso de recursos da Internet Trabalho de campo Avaliação pelo Orientador Resultados da aprendizagem O aluno deverá mostrar: - conhecer as necessidades de saúde da comunidade; - compreender as relações entre saúde e assistência social; - compreender o impacto de pobreza, origem étnica e epidemiologia local sobre a saúde; - compreender a estrutura do sistema de saúde e suas limitações económicas; - compreender a importância da informação oriunda da prática clínica e da comunidade como garantia da qualidade da sua consulta; - compreender como médico e paciente podem utilizar o sistema de saúde; - aperceber-se das desigualdades nos cuidados de saúde; - capacidade de trabalhar com outros profissionais envolvidos na política comunitária da saúde; - capacidade de conciliar as necessidades dos indivíduos com as necessidades da comunidade em que eles vivem. Consequências para o contexto e enquadramento temporal A orientação para a comunidade e o impacto da dimensão comunitária sobre o atendimento individual podem ser ensinados a diferentes níveis de conhecimento e complexidade, mas o ensino tem que ser feito no cenário da prática clínica. Ao nível do Ensino Médico Básico o estudante deve conhecer a base teórica do impacto da comunidade sobre os cuidados e ser capaz de a aplicar em casos simples. Ao nível da Formação Especializada o médico deve ser competente quanto ao impacto da dimensão comunitária sobre o atendimento individual em certas prestações e mostrar o seu envolvimento com a comunidade em projectos específicos. Ao nível da Educação Médica Contínua/Desenvolvimento Profissional Contínuo, o médico deve demonstrar um desempenho adequado nesta área. 34 Quadro resumo educação em orientação comunitária Objectivos Reflexão estruturada sobre experiênReconciliar as necessidades cia baseada na prática (discussão dos indivíduos com aquelas da de casos, revisão de processos) comunidade em que se inseEstudo pessoal facilitado rem Trabalho de campo Discussão com o Orientador do estágio Discussão com o Orientador do estágio 35 quity: a proper focus for the new century», Bulletin of the World Health Organization, 2000, 78 (1) 2. Gulbrandsen, P., Fugelli, P., Hjortdahl, P., «General practitioners' knowledge of their patients' psychosocial problems: multipractice questionnaire survey», BMJ 1997, 314:1014-1018. 3. Gulbrandsen, P., Fugelli, P., Sandvik, L., Hjortdahl, P., «Influence of social problems on management in general practice: multipractice questionnaire survey». BMJ 1998, 317:28-32 4. Longlett, S. K., Kruse, J. E., Wesley, R. M., «Community-oriented primary care: critical assessment and implications for resident education», J. Am. Board. Fam. Pract. 2001, 14:.141-7. 5. Marmot, M., «Improvement of social environment to improve health», Lancet 1998, 352: 57-60. 6. Oandasan, I. F., Ghosh, I., Byrne, P. N., Shafir, M.S., Measuring communityoriented attitudes towards medical practice, Fam. Pract. 2000, 17:243-7. 7. Pearce, N., Foliaki, S., Sporle, A., Cunningham, C., «Genetics, race, ethnicity, and health», BMJ, 2004; 328: 1070-1072 8. Pollock, A. M., Majeed, F. A., «Community oriented primary care», BMJ 1995, 310:481-2. 9. Smeeth, L., Heath, I., «Tackling health inequalities in primary care», BMJ, 1999, 318 (7190): 1020-1. 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Responsável pelo capítulo: Egle Zebiene (Lituânia) Contribuições de Filipe Gomes (Portugal), Jan Heyrman (Bélgica), Fergus O'Kelly (Irlanda), Monica Lindh (Suécia), Iuliana Popa (Roménia), Athanasios Simenoidis (Grécia), Wolfgang Spiegel (Áustria), Paula Wainiomäki (Finlândia), Bernardina Wanrooij (Holanda), Stefan Wilm (Alemanha), Adam Windak (Polónia), Bernhard Rindslisbacher (Suíça), Introdução Page 36 Capítulo 6. Abordagem holística Inclui a capacidade de: - usar um modelo biopsicossocial levando em conta as dimensões culturais e existenciais. A medicina é parte integrante de uma cultura mais vasta. Baseia-se num conjunto de crenças e valores partilhados, como qualquer prática cultural. A abordagem holística tem sido aplicada a vários níveis da assistência médica e o desafio não é saber se se aplica a abordagem holística, mas que tipo de abordagem holística aplicar (1). O termo holismo tem muitas interpretações na prática médica, incluindo práticas alternativas ou complementares. Os autores podem pretender determinado significado e os leitores entenderem-no diferentemente (2). A definição de abordagem holística geralmente aceite em cuidados médicos e que será usada neste documento implica «cuidar da pessoa no seu todo no contexto dos seus valores, crenças familiares, sistema de família e situação cultural e sócio-ecológica na comunidade alargada e levar em conta toda uma série de tratamentos baseados na demonstração dos seus benefícios e custos » (3). O holismo, como afirma Pietroni, implica uma «propensão para usar um vasto leque de intervenções... o destaque dado a uma relação mais participativa entre médico e paciente; e a consciência do impacto da "saúde" do clínico sobre o paciente» (4). Como a abordagem holística é muito centrada no indivíduo, os mesmos tratamentos ou intervenções propostos ao paciente terão diferentes significados conforme as pessoas. Este foco no indivíduo torna a abordagem holística muito próxima da medicina familiar. Implica uma base de medicina biológica que define a natureza holística dos órgãos; de um ponto de vista médico comporta uma abordagem sistémica; como disciplina centrada na pessoa confere o papel central à pessoa no seu todo (1). A visão holística reconhece as explicações científicas objectivas da fisiologia, mas também admite que as pessoas têm experiências interiores que são subjectivas, místicas e (para alguns) religiosas e que podem afectar a sua saúde e as suas crenças sobre a saúde (5). O reconhecimento de que toda a doença tem componentes mentais e físicos e que há uma relação dinâmica entre componentes de sistemas (teoria geral dos sistemas) levou ao desenvolvimento do modelo biopsicossocial da medicina moderna (6). A posição do modelo biopsicossocial foi enunciada com grande clareza por George L. Engel (7, 8) que defendeu que, para que a psiquiatria conceba explicações plenamente científicas e inclusivas da doença mental, há que superar as explicações bio-reducionistas e adoptar outras que se pautem pelos princípios da teoria geral dos sistemas desenvolvida por Ludwig von Bertalanffy e Paul Weiss. Proclamou-se o modelo biopsicossocial como uma mudança de paradigma porque parece dissolver a dualidade mente-corpo (9). Compreender a afecção 36 (não a doença) como processo, com igual importância conferida às determinantes biológicas, psicológicas e sociais na patogénese, diagnóstico e terapêutica, constitui a abordagem holística, com a consequente adopção de medidas práticas. O uso do modelo biopsicossocial como base para a cura e para os cuidados de saúde implica aceitar que muitos factores influenciam a nossa compreensão do que é ser humano. Os médicos de família aceitam que há influências de uma grande diversidade de factores. No entanto, há sempre um limite à extensão da influência que uma pessoa pode exercer num ambiente terapêutico. Entre esses factores podemos citar: - a disposição natural, que inclui elementos como género, constituição genética e tipologia; - ambiente micro-social, como a família, e ambiente macro-social, como a comunidade local e a comunidade alargada, com todos os seus elementos culturais e sócio-ecológicos; - as crenças sobre saúde e as experiências da vida que fazem de uma pessoa a entidade que é; - os recursos de conservação da saúde da pessoa, tais como a compreensão dos acontecimentos, a aceitação do significado, a autonomia que conduzem à convicção de que a vida pode ser vivida; - experiências pessoais, como doenças passadas, contactos médicos e sociais. À medida que a lista de factores aumenta, é também importante salientar que são cruciais uma consciência e entendimento básicos das próprias limitações do médico. Tendo em conta a autonomia fundamental do paciente, são limitadas as oportunidades de o médico de família intervir ocasionalmente e um tanto «tangencialmente» com um conhecimento interessado mas muito escasso da história, sentimentos e prioridades da pessoa. Por outro lado, a integração dos factores influentes é crucial e constitui o valor acrescentado. Referimo-nos à abordagem sistémica, em que o todo é mais que a soma das partes. Objectivo 6.1: No final do programa de formação o formando estará em condições de usar um modelo biopsicossocial levando em conta as dimensões culturais e existenciais. Para tal precisa de: 6.1.1 - conhecer o conceito holístico e as suas implicações nos cuidados ao paciente; 6.1.2 - capacidade de compreender o paciente como um todo biopsicossocial; 6.1.3 - aptidão para transformar a compreensão holística em medidas práticas; 6.1.4 - conhecer os antecedentes culturais e existenciais do paciente relevantes para os cuidados de saúde; 6.1.5 - tolerância e compreensão das experiências, crenças, valores e aspirações do paciente que possam afectar a prestação dos cuidados de saúde. São vários os métodos que podem ser usados no ensino e aprendizagem da abordagem holística, a começar pelas considerações e discussões teóricas em torno da ideia holística e dos diferentes níveis de holismo. A clarificação do modelo biopsicossocial baseada na leitura, aulas e seminários deve estar na base do uso destes métodos. Para se poder tratar uma vasta série de campos integradamente, o ensino e aprendizagem posteriores devem basear-se em grande medida em estudo de casos, narrativas, histórias de pacientes e no contexto global que pode ser ensinado e aprendido no cenário do consultório. 37 Abordagem Holística: objectivos Consequências para os métodos pedagógicos 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 38 Entre os métodos específicos para o conseguir contam-se: - estudo de casos, descrição e apresentação de casos isolados; - entrevistas videogravadas, vídeo-análise de encontros clínicos, pacientes simulados; - discussão em grupo, discussão de um para um; - visitas ao terreno, observação no consultório, supervisão no consultório do orientador; - trabalho com as artes, a literatura e o cinema (11-12). Abordagem Holística: Consequências para a avaliação No centro da avaliação das competências deste capítulo está a apresentação de casos, a observação directa de consultas, a análise de videogravações e classificação através da avaliação contínua pelo orientador, observação em unidades de saúde com prática de ensino/aprendizagem e avaliação interpares. As questões conceptuais podem ser avaliadas por simulação de casos num exame oral ou escrito. Relatórios escritos, trabalhos sobre temas e aspectos específicos podem também considerar-se muito úteis para avaliar a capacidade do aluno de levar em conta os vários factores e os integrar no processo de cuidados. Objectivos Conhecer o conceito holístico e as suas implicações nos cuidados aos pacientes Métodos de aprendizagem Meios de avaliação Leitura Discussão em pequenos grupos Observação Palestra Discussão de um para um Demonstrar capacidade para entender o Paciente como um todo biopsicossocial Estudo de caso Entrevistas videogravadas Discussão em pequenos grupos Seminário Análise de videogravações Avaliação contínua pelo Orientador Avaliação por pares Demonstrar aptidões para transformar compreensão holística em medidas práticas Doentes simulados Papel-modelo Ensino Baseado em Problemas Supervisão na prática Reflexão Observação da consulta Avaliação contínua pelo Orientador Casos simulados Conhecer os fundamentos culturais e existenciais do Paciente relevantes para os cuidados de saúde Leitura Narrativa Visita de campo Exame oral Relatório escrito Ensaio Apresentação de casos Tolerar e compreender as diversas experiências, crenças, valores e expectativas dos pacientes que possam afectar a oferta de cuidados de saúde Desempenho de papéis ou doentes simulados Estudo de casos Reflexão Visita de campo Análise de histórias de pacientes Resultados da aprendizagem O formando deverá mostrar: - conhecimento do conceito holístico e suas implicações na prestação de cuidados ao paciente; - capacidade para compreender o paciente como um todo biopsicossocial; - aptidões para transformar a compreensão holística em medidas práticas; - conhecimento dos antecedentes culturais e existenciais do paciente relevantes para os cuidados de saúde; - tolerância para com as experiências dos pacientes, as suas crenças, valores e aspirações que possam afectar a prestação de cuidados de saúde. Consequências para o contexto e enquadramento temporal O Ensino Médico Básico deve incluir conhecimentos científicos básicos e as aptidões básicas para uma completa abordagem biopsicossocial e não apenas biomédica. A abordagem analítica dos problemas deve equilibrar-se e completar-se com a abordagem sistémica como contribuição para a resolução de problemas. Os formandos devem dispor de ocasiões para entrar em contacto com a abordagem ao paciente em que a integração holística constitui o modelo de base para o diagnóstico, tratamento e atendimento. Na apresentação de casos, aulas, fora de discussão e reflexão sobre o atendimento individual no âmbito da Formação Especializada, há que salientar a dimensão biopsicossocial, integrar o melhor possível os aspectos culturais e existenciais. Especial destaque será dado à necessidade de prosseguir a reflexão permanente nesta área. Se necessário, fornecer-se-á informação específica sobre as diferenças culturais e étnicas nas atitudes relativas à saúde e à doença. TEM Exame oral Relatório escrito Ensaio Observação da consulta Apresentação de casos Avaliação contínua pelo Orientador Observação da consulta No Desenvolvimento Profissional Contínuo, é importante não perder de vista este ponto de vista e garantir que este aspecto da prática médica é mantido e reforçado mediante a discussão de casos, a orientação e informação de retorno. 38 39 Quadro resumo - educação em abordagem holística Bibliografia 1. Kolcaba, R., «The primary holisms in nursing», Journal of advanced nursing, 1997, 25: 290 -296. 2. Patterson, E., «The philosophy and physics of holistic health care: spiritual healing as a workable interpretation» Journal of Advanced nursing, 1998, 27(2): 287-293. 3. Kemper, K. J., «Holistic pediatrics, Good Medicine», Paediatrics, 2000. Par:t 3 of 3,Vol 105, issue 1. 4. Pietroni, P., «Holistic medicine: new lessons to be learned», The Practitioner, 1987, 231 (1437):1386-1390. 5. Edlin, G., & Golanty, E., Health & well ness: A Holistic Approach, 4ª ed., Jones &Boston, 1992. 6. Butler, C. C., Evans, M., Greaves, D., Sompson, S., «Medically unexplained symptoms: the biopsychosocial model found wanting», Journal of the Royal Society of Medicine, 2004, 97: 219-222. 7. Engel, G. L., «The need for a new medicalmodel: a challenge for biomedicine», Science, 1977, 196 (4286), pp.129-36 8. Engel, G. L., «The clinical application of the biopsychosocia[ model», Am. J. Psychiatry, 1980, 137 (5): 535-44 9. McWhinney, I. R., «Beyond diagnosis: an approach to an integration of behavioral science and clinical medicine» N. Engl. J. Med., 1972; 287:384-387. 10. Wharton, M., «Clinical training in the community - a holistic approach», BMJ, 1995, 310 (6976): 407. 11. Frich, J. C., Fugelli, P., «Medicine and the arts in the undergraduate medical curriculum at the University of Oslo Faculty of Medicine», Oslo, Noruega, Acad. Med., 2003 Out., 78(10):1036-8. 12. Smith, B. H., «Literature in our medical schools» Br. J. Gen. Pract., 1998, Jun., 48(431):1337-40. 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Responsável pelo capítulo: Jan Heyrman (Bélgica) Colaborações de Justin Allen (Reino Unido), Francesco Carelli (Itália), Monica Lindh (Suécia), Samira Herenda (Bósnia-Herzegovina), Bernhard Rindlisbacher (Suíça), Smiljka Radic (Sérvia-Montenegro), Jaroslava Lankova (República Checa) Page 40 Capítulo 7. Factores essenciais de aplicação Ao aplicar as competências ao ensino, aprendizagem e prática da medicina geral e familiar é necessário considerar outros três aspectos de fundo essenciais: o contextual, de atitude e científico. Têm a ver com características dos médicos e determinam a sua capacidade para aplicar as competências nucleares na vida real e no ambiente do trabalho. Em medicina geral e familiar terão ainda maior impacto por causa da relação entre o médico de família e as pessoas com quem trabalha, mas dizem respeito a todos os médicos e não especificamente aos especialistas de medicina geral e familiar. 1. Aspectos contextuais Compreensão do contexto dos próprios médicos e do ambiente em que trabalham, incluindo condições de trabalho, comunidade, cultura e enquadramentos financeiro e regulador. 2. Aspectos da atitude Assente nas capacidades profissionais, valores e ética do médico. 3. Aspectos científicos Adopção de uma abordagem da prática crítica e baseada na investigação e mantê-la mediante a aprendizagem contínua e a melhoria da qualidade. Introdução Neste capítulo, a ênfase é colocada nos aspectos essenciais de aplicação que influenciam todas as aptidões, as atitudes e a aquisição de conhecimentos no ensino da medicina geral e familiar. Estes aspectos não são ensinados nem aprendidos como competências à parte, antes condicionando e formatando todos os elementos de competência. A capacidade de um médico aplicar as competências nucleares na vida real e no cenário do trabalho está relacionada com três factores essenciais: aspectos contextuais do local de trabalho, aspectos da atitude do médico e aspectos científicos, que incluem a formação médica e a experiência clínica do médico. O contexto dos próprios médicos e o ambiente em que trabalham têm influência sobre o que se pode fazer e o que deveria ser feito. Entre os aspectos contextuais estão as condições de trabalho em si mesmas, o trabalho em equipa com colegas e as redes com as disciplinas afins. Entre os factores que influenciam o contexto profissional contam-se também as normas profissionais, os incentivos e metas do exercício, as políticas governamentais, os quadros financeiro e regulamentar, as limitações/recursos financeiros, etc. Além disso, as normas culturais, as aspirações sociais e os factores sócio-económicos moldam o contexto (1). Esta realidade está sempre presente e interfere com a prática quotidiana. Os valores, atitudes e sentimentos dos médicos são determinantes da maneira de praticar medicina (2), especialmente na medicina geral e familiar e nos cuidados clínicos centrados no paciente, em que o médico se envolve como pessoa numa relação diádica com o paciente e não apenas como médico assistente. O ensino deve permitir compreender e aprender a usar as atitudes, forças e fraquezas, valores e crenças pessoais numa relação de parceria com cada paciente. Isto implica uma abordagem reflexiva e o desenvolvimento de intros- 40 pecção e de consciência do próprio. Alimentar ilusões e esforçar-se até à exaustão só servem para dificultar o funcionamento do especialista de medicina geral e familiar, sendo situações a prevenir (3). Pelo contrário, desenvolver a consciência de si e ser realista quanto às suas próprias capacidades (forças e fraquezas) e prioridades são atitudes que ajudam. Sendo embora uma disciplina voltada para a pessoa e para a família e que dá importância a aspectos subjectivos da medicina, a medicina geral e familiar deve basear-se tanto quanto possível nos dados científicos relevantes para e da medicina geral e familiar. A experiência baseada na prática, que é muito importante nesta disciplina, deve sempre que possível apoiar-se e conferir-se por informação sólida baseada na evidência, publicada e coligida nas bases de dados da literatura médica. Combinar e equilibrar as abordagens baseada na experiência e baseada na informação para o desenvolvimento de linhas de orientação resulta na abordagem cientificamente fundamentada que complementa o apoio da comunidade científica. A formação deve fornecer a competência para procurar, seleccionar, compreender e interpretar criticamente a investigação científica. Usar o mais possível a evidência existente, analisar criticamente a experiência e pôr em prática linhas de orientação baseadas na literatura de referência devem tornar-se as atitudes científicas a manter durante toda a carreira profissional. Conhecer e utilizar os conhecimentos da aprendizagem ao longo da vida e da melhoria de qualidade deve ser considerado uma competência essencial. Factor 1. Aspectos Contextuais Objectivo 7.1: No final do programa de formação o formando estará em condições de compreender o contexto dos próprios médicos e o ambiente em que trabalham, incluindo condições de trabalho, comunidade, cultura, estruturas financeira e reguladora Para tal precisa de: 7.1.1 - compreender o impacto da comunidade local, incluindo factores sócio-económicos, geografia e cultura, sobre o local de trabalho e a prestação de cuidados. 7.1.2 - tomar consciência do impacto da carga laboral total sobre os cuidados prestados aos pacientes e os meios (por exemplo, pessoal, equipamento) disponíveis para os prestar. 7.1.3 - compreender as estruturas financeiras e jurídicas em que são prestados os cuidados de saúde ao nível do consultório. 7.1.4 - compreender o impacto do ambiente pessoal do médico, quer em casa quer no local de trabalho, sobre os cuidados que presta. Factor 2 . Aspectos da Atitude Objectivo 7. 2: No final do programa de formação o formando estará em condições de lidar com as suas capacidades, valores e ética pessoais Para tal precisa de: 7.2.1 - estar consciente das suas capacidades e valores pessoais, identificando os aspectos éticos da prática clínica (prevenção/diagnóstico/terapia/factores que influenciam o estilo de vida); 7.2.2 - tomar consciência de si: compreender que as atitudes e sentimentos de cada um são importantes para o modo como exerce; 7.2.3 - justificar e clarificar a ética pessoal; 7.2.4 - estar consciente da mútua interacção entre trabalho e vida privada e procurar um bom equilíbrio entre ambas. 41 Objectivos do ensino - factores adicionais 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 42 Factor 3. Aspectos Científicos Objectivo 7. 3: No final do programa de formação o formando estará em condições de adoptar uma abordagem da sua prática que seja crítica e baseada na investigação, e de mantê-la com recurso à formação contínua e à melhoria da qualidade Para tal precisa de: 7.3.1 - familiarizar-se com os princípios gerais, métodos, conceitos da investigação científica e com o essencial da estatística (incidência, prevalência, valores preditivos, etc.); 7.3.2 - ter pleno conhecimento das bases científicas da patologia, sintomas e diagnóstico, terapêutica e prognóstico, epidemiologia, teoria da decisão, teorias da formação de hipóteses e da resolução de problemas, cuidados de saúde preventivos; 7.3.3 - ser capaz de encontrar, ler e avaliar criticamente literatura médica; - Desenvolver e manter formação contínua e melhoria da qualidade. Consequências para a aprendizagem, ensino e avaliação Num curriculum construtivista, com uma exposição suficiente do formando a um ambiente de ensino rico, muitos destes factores adicionais serão ensinados implicitamente: reportar-se ao exercício real, usar atitudes pessoais e combinar a autoridade baseada no exercício com a evidência científica, tudo isso acontece - deve acontecer - implicitamente. Há uma necessidade de aprendizagem tácita, por oposição a aprendizagem “propositiva”, a aprendizagem por livros e documentos escritos. O caso real “não vem nos livros”. Segundo DA Schön (2), “saber-em-acção” é “saber mais do que sabemos dizer”. A melhor maneira de aprender a lidar com a situação típica na prática não é - como no sistema tradicional - adquirir uma porção de conhecimentos teóricos ou “propositivos” primeiro e depois aplicar esses conhecimentos aos “baixios pantanosos dos intrincados e confusos problemas do consultório”. A melhor maneira de nos prepararmos para isso é a prática, com a ajuda dos colegas mais velhos. Isto pode ser descrito como aprendizado, um modelo que tem as suas raízes no desenvolvimento de aptidões artesanais noutros campos. Antigamente, o aprendiz estava ligado ao mestre e desempenhava tarefas servis e banais em troca da oportunidade de ver o mestre trabalhar e desempenhar as tarefas próprias do ofício, com complexidade crescente à medida que o tempo passava e ia adquirindo aptidões; e esse aprendizado incluía formação tanto moral como técnica e uma introdução à ética do ofício. As aptidões iam-se desenvolvendo lentamente até se chegar à mestria. Para ser efectivo, o ensino baseado no aprendizado deve incluir a referência às suas dimensões culturais e à socialização na profissão (3), como funciona e qual o lugar do profissional na sociedade. Portanto, o modelo deve ser considerado no seu sentido mais lato e abarcar tanto a cultura e a ética da profissão como as atitudes e comportamentos do mestre. Dá-se assim ao aluno a oportunidade não só de adquirir aptidões como de praticar a sua aplicação no cenário profissional. Não se pode ensinar ao formando o que ele precisa de saber, mas pode-se treinar o aluno. Este conhecimento tácito está implícito nos modelos espontâneos de acção demonstrados na vida quotidiana por profissionais habilitados. Compreende agir, reconhecer e fazer juízos espontaneamente (5). Este “saber-na-prática” tende a tornar-se cada vez mais tácito, espontâneo e automático. Quando um profissional apreende o sentido de uma situação que entende como única, vê nela algo que estava já presente no seu repertório e que é simultaneamente semelhante e diferente do que já conhece sem que, a princípio, seja capaz de dizer em quê. 42 O desempenho profissional precisa não só de fazer bem como de saber porque está bem feito e de ter um conceito profissional que enquadre o fazer bem. É aí que entram a teoria, os modelos e os conceitos. A dada altura têm que ser introduzidos para enquadrar a experiência e orientar a prática. A Medicina Baseada na Evidência deve estar na base de uma prática baseada na evidência dentro de um sistema de saúde baseado na evidência. Os estudantes devem aprender princípios da tradução dos problemas clínicos em perguntas investigáveis e ter uma estratégia de busca exequível, com recurso a processos como o sistema PICO (Problema, Paciente, População / Intervenção / Comparação / Resultado)(5) e a estratégia da queda de água (primeiro as linhas de orientação, depois as bases de dados terciárias com crítica sistemática e meta-análise, depois, se necessário, processos secundários de pesquisa como a Pubmed e a Embase, e só no fim, se as respostas ainda não tiverem sido encontradas, as publicações primárias) (6). Aprender o contexto do trabalho no exercício real requer uma rede de práticas de ensino associadas representativas das várias condições de trabalho, equipas ligadas às situações no terreno e redes de prestação de cuidados. A qualidade do ensino depende muito da rede pedagógica. O trabalho em Medicina Geral e Familiar é complexo e requer um elevado nível de envolvimento pessoal. Os jovens hesitam por vezes em se envolver numa profissão com um nível elevado de definição das tarefas. Aprender a equilibrar a vida profissional com outros objectivos - pessoais, familiares e sociais - é um tópico crucial no ensino e aprendizagem. Aprender a gerir o distanciamento e o envolvimento ajuda a sobreviver. A prevenção da exaustão começa pela definição de uma tarefa profissional realizável e uma plétora de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida que sejam gratificantes. No Ensino Médico Básico, a prática médica deve relacionar-se com o contexto em que se trabalha, com a comunidade e com os regulamentos do sistema de saúde. A custo-eficiência deve ser ensinada como constituindo uma preocupação básica. Construir a personalidade do formando, pô-lo em contacto com os valores e a ética pessoais deve ser um objectivo pedagógico. Os elementos básicos de uma disciplina científica em constante evolução, criticamente e com tenacidade, com relatividade e variabilidade de conceitos, devem constituir um importante pano de fundo de todo o processo pedagógico. Na Formação Especializada estes aspectos essenciais de aplicação devem centrar-se no seu impacto sobre o mundo real do trabalho com pacientes como médico de família. É importante que a formação a este nível decorra num cenário de cuidados primários. O desenvolvimento da excelência técnica na consulta requer tempo para que seja possível compreender plenamente as atitudes próprias de cada um e o seu impacto sobre os cuidados que cada um for capaz de prestar. Na Educação Médica Contínua há que dar relevo suficiente a estes aspectos essenciais de aplicação. Em especial, a necessidade de o clínico se manter actualizado e de compreender os progressos científicos nos cuidados primários e na sua prestação. (5) PICO: Mnemónica criada a partir de Problem, Patient Population/Intervention/comparison/outcome.Só parcialmente reproduzível na tradução portuguesa (N. do R.) 43 Consequências para o contexto e enquadramento tempora Bibliografia 1. Mead, N., Bower, P., «Pacient-centredness: a conceptual framework and review of the empirical literarature», Social Science & Medicine, 2000, 51:1087-1110 2. McWhinney, I. R, A Textbook of Family Medicine. Oxford University Press; 2ª edição, 1997 3. Smith, R, editor, «Why are doctors so unhappy?» BMJ, 2001, 322:1073-4 4. Bleakley, A., «Pre-registration house officers and ward-based learning: a "new apprenticeship" model», Medical Education, 2002, 36: 9-15 5. Schön, DA. Educating the Reflective Practitioner, Jossey-Bass, 1987. p. 26 6. Degryse, J., «Over evidence based medicine of een op ondersteunende gegevens gebaseerde geneeskunde» In Buntinx, F., Boffin, N., Degryse, J., Vanderstichele, R., &Van Royen, P. (eds.), Omgaan met medische documentatie en informatie, Lovaina, Acco, 1998 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Responsável pelo capítulo: Jan Heyrman Colaborações de Monica Lindh (Suécia), Samira Herenda (BósniaHerzegovina), Bernhard Rindlisbacher (Suíça), Smiljka Radic (SérviaMontenegro), Jaroslava Lankova (República Checa), Francesco Carelli (Itália), Mario Sammut (Malta) Introdução Page 44 Capítulo 8. Síntese e integração, uma combinação única A especialidade de Medicina Geral e Familiar Os médicos de família são médicos especialistas formados nos princípios desta disciplina. São médicos pessoais, primariamente responsáveis pela prestação de cuidados globais e continuados a todos os indivíduos que procurem assistência médica, independentemente da sua idade, sexo e doença. Tratam indivíduos no contexto da sua família, da sua comunidade e da sua cultura, respeitando sempre a autonomia dos seus pacientes. Reconhecem ter também uma responsabilidade para com a comunidade em que se inserem. Quando negoceiam os planos de acção com os seus pacientes integram factores físicos, psicológicos, sociais, culturais e existenciais, utilizando os conhecimentos e a confiança criados em repetidos contactos. Os médicos de família exercem o seu papel profissional promovendo a saúde, prevenindo a doença e providenciando cura, tratamento ou paliação. Fazem-no directamente ou através dos serviços de terceiros, conforme as necessidades de saúde e os recursos disponíveis no seio da comunidade que servem, assistindo os pacientes sempre que se torne necessário aceder a esses serviços. Devem assumir a responsabilidade de desenvolver e conservar as suas aptidões, equilíbrio pessoal e valores como base de um exercício eficaz e seguro dos cuidados aos pacientes. A primeira definição europeia da profissão (definição de Leeuwenhorst) (1) referia já que “é a síntese ... que é única”. Vale a pena sublinhar também neste documento, em que as competências são agrupadas e tratadas em diferentes capítulos, que a síntese e integração de todas as competências é proposta como objectivo pedagógico em si mesma. As competências enunciadas nos capítulos 1 a 7 são aspectos específicos de uma realidade efectivamente complexa e os diferentes aspectos são destacados sobretudo por motivos didácticos. O valor acrescentado está na síntese. O todo é mais que as partes. A Medicina Geral e Familiar é mais que a soma de todas as subespecialidades. A Medicina Geral e Familiar, enquanto disciplina centrada no paciente, é uma “disciplina de elevado contexto” (2) que usa na sua definição dos problemas, a recolha da história, o diagnóstico, bem como diferentes aspectos da intervenção, todos os elementos subjectivos do paciente, a sua história individual, a sua experiência anterior, as suas ideias sobre saúde, aspirações e objectivos na vida, incluindo tanto as influências familiares e culturais como as sócio-económicas. A maior parte das restantes especialidades da medicina evoluem como “disciplinas de baixo contexto” e limitam, se possível, a tomada de decisões aos factos objectivos, informação quantitativa mensurável e técnicas visuais de diagnóstico. As variações individuais são apenas “desvios da média”. Neste contexto, a Medicina Geral e Familiar aproxima-se mais da teoria da complexidade do que dos processos dos sistemas lineares. Os sistemas adaptativos complexos, como são os pacientes, podem definir-se por uma organização interna complexa, acções baseadas em regras internas que são não-lineares e imprevisíveis, mas que têm um padrão intrínseco e uma organização própria intrínseca assentes em regras simples aplicadas localmente. A desvantagem é que esta situação impõe à MGF um “paradoxo insolúvel entre a necessidade de padrões de atendimento coerentes e baseados na evidência e problema único do 44 paciente e do seu contexto, prioridades e escolhas. O trabalho clínico em MGF decorre sobretudo em situações complexas em que há muita ambiguidade e incerteza e pouca certeza e concordância. A vantagem é que o resultado observável das intervenções neste campo é superior à soma das partes (3). A integração é um processo que leva tempo. É costume dizer-se que se demora pelo menos cinco anos de prática num cenário de Medicina Geral e Familiar até se conseguir uma capacidade profissional satisfatória. A integração pega em diferentes partes que podem ser ensinadas separadamente mas prioriza-as, simplifica o seu uso e transporta os seus elementos até um nível mais genérico e abstracto. A integração permite ver as regras básicas, os padrões fundamentais da doença, bem como da prestação de cuidados e dos diferentes tratamentos. É necessária para não se passar por cima da quantidade esmagadora de factos e números sempre a mudar ao longo do tempo. É crucial para que a disciplina consiga dominar todo o campo dos problemas médicos humanos. A integração está relacionada com o nível meta-cognitivo. A meta-cognição pode ser descrita como o saber sobre o saber, pensar sobre o pensamento, conhecimento sobre os processos cognitivos ou saber e conhecimento sobre os fenómenos cognitivos (4,5). A integração estabelece limites à capacidade humana. Como um médico de família trabalha dentro dos limites da capacidade de integração do ser humano, a diversidade de conceitos, modelos, conteúdos, atitudes e técnicas deve ser limitada. O conteúdo nuclear da abordagem profissional, em particular, deve ser cuidadosamente seleccionado dentro de um nível atingível. A finalidade última da integração é um profissional que combina, usa e aplica os diferentes elementos das aptidões profissionais de um modo fluido, normal e interiorizado, sabendo a cada momento que existem opções de fundo e conhecendo os factores chave que lhes estão ligados. Um comportamento profissional não é simplesmente fazer bem as coisas, mas saber quando e porque é correcto o comportamento apresentado. Síntese e integração, em conjunto com a continuidade pessoal, constitui o fulcro e o valor acrescentado da Medicina Geral e Familiar dentro do sistema de saúde. Síntese e integração não são factores adicionais quando todos os outros subelementos e funções estão cobertos. São uma maneira de tratar toda uma série de subelementos de modo a preservar o valor acrescentado do todo. O ensino e aprendizagem de factores exclusivos, como a síntese e a integração, tem que se basear na prática. O processo de aprendizagem assemelha-se à aprendizagem das artes: liberdade de aprender fazendo, num cenário de risco relativamente baixo, com acesso a formadores que iniciam os alunos nas “tradições da vocação” e os ajudam, “dizendo-lhes o que é preciso”, a descobrir por si mesmos e à sua maneira o que mais precisam de ver. Devemos portanto estudar a experiência do aprender fazendo e a arte do bom formador (6). Esta é a abordagem construtivista (7). «O objectivo da prática é o saber em acção. O saber pode implicar o uso de conhecimento especializado, mas o fundamental é formular juízos sobre situações específicas com valores em conflito, em que há problemas a resolver, e saber resolvê-los» (6). Implica usar protótipos memorizados de situações que surgem com frequência para construir interpretações de situações semelhantes (8). Precisa da realidade quotidiana do consultório e da reflexão sobre a prática em que o conhecimento adquirido em acção é delineado, criticado, reestruturado e incorporado na acção futura. 45 Consequências para a aprendizagem, ensino e avaliação 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Consequências para o contexto e enquadramento temporal Page 46 A Ensino Médico Básico consiste sobretudo em tratar das “diferentes partes e elementos da medicina”. Há que incluir oportunidades de compreender e aprender o valor acrescentado do “todo”, a integração de todos os aspectos que rodeiam cada paciente. O contacto com a prestação de cuidados de saúde reais e com pacientes vistos como os principais interessados no sistema de saúde deve fazer parte do curriculum desde o princípio. A Formação Especializada deve usar como ferramentas principais a modelação e o treino do crescimento pessoal enquanto pessoa, profissional e cientista. O objectivo final deve ser criar um médico de família capaz de combinar e usar os diferentes elementos da competência profissional de um modo fluido, interiorizado e genérico. Bibliografia 1. The General Practitioner In Europe: A statement by the working party appoin ted by the European Conference on the Teaching of General Practice. Leeuwenhorst, Holanda, 1974 (revisto em 1981) 2. Helman, C. G., «The role of context in primary care», J. Royal Coll. Gen. Pract. 1984, 34; 547-50 3. Plsek, P., Greenhalgh, T., «The challenge of complexity in healthcare», BMJ, 2003, 323: 625-8 4. Flavell, J. H., «Metacognition and cognitive monitoring: a new area of cognitive-developmental inquiry», American Psychologist 1979, 34: 906-911 5. Fraser, S. W., Greenhalgh, T., «Coping with complexity: education for capability», BMJ, 2001, 323: 799-803 6. Harris, I. B., «New Expectations for Professional Competence», in Curry, L., Wergin, J. F., e ass., Educating Professionals, Responding to New Expectations for Competence and Accountability, Jossey-Bass, 1993 7. Grabinger, S., «Rich environments for active learning» in D. Jonassen (ed), Handbook of research for educational com munications and technology, Londres, Prentice Hall 1996, p 665-693. 8. Bordage, G., Zacks, R., «The structure of. medical knowledge in the memories of medical students and general practitioners: categories and prototypes», Med. Educ. 1984, 18: 406-416 A Educação Médica Contínua deve prosseguir o processo de reflexão metacognitiva, mantendo a “árvore da sabedoria” a crescer ao longo de toda uma carreira de Medicina Geral e Familiar. Adenda: Glossário de alguns termos pedagógicos Na presente Agenda Educativa EURACT são usados muitos termos pedagógicos. Em apêndice, reunimos um breve glossário com alguns destes termos. Certas definições são adaptadas do projecto TUNING (SINTONIA), «sintonia das estruturas do ensino na Europa», um projecto europeu Sócrates que decorreu em 100 universidades sob a direcção de Julia Gonzales, Duesto Spain e Robert Wagenaar, Groningen, Holanda, 2003. A descrição dos tipos de avaliação baseia-se em A Handbook for Medical Teachers, de David Newble e Robert Cannon, Kluwer Academic Publishers, 3ª edição, 1996. Terminologia geral 46 Segundo a Declaração de Bolonha de 1999 para que em 2010 esteja criada uma «Área Europeia de Estudos Superiores», a primeira parte básica de cada currículo deve ter, de preferência, três anos e 180 pontos de estudo. Bacharelato Adopção voluntária de medidas adequadas para alcançar um objectivo comum. Convergência A «moeda» usada para medir o volume de trabalho dos estudantes de modo a que se tenha uma ideia do tempo de aprendizagem necessário para alcançar determinados resultados pedagógicos. Crédito Processo de aprendizagem planeado e talhado individualmente na prática quotidiana, com destaque para a qualidade dos cuidados prestados. O DPC inclui identificação das necessidades de aprendizagem, elaboração de uma agenda pedagógica, traçado de um plano de aprendizagem concreto e controlo segundo um formato pedagógico de portfólio.Como está ligado à aprendizagem ao longo da vida, pode tornar-se um Plano de Desenvolvimento Pessoal para a vida inteira. Desenvolvimento Profissional Contínuo Qualificação de alto nível internacionalmente reconhecida como qualificação para a investigação ou o trabalho académico. Há-de incluir uma parte substancial de trabalho de pesquisa original a ser apresentado como tese. É geralmente designado como grau conferido depois de completado o terceiro ciclo de estudos. Doutoramento Sistema destinado a aumentar a transparência dos sistemas educativos e a facilitar a mobilidade dos estudantes de toda a Europa mediante a transferência de créditos. Baseia-se no pressuposto geral de que o volume de trabalho global de um ano académico é igual a 60 créditos. Os 60 créditos são depois atribuídos às unidades do curso para designar a proporção do volume de trabalho dos alunos exigida para os respectivos resultados pedagógicos. A transferência de créditos é garantida por acordos explícitos entre a instituição de origem, a instituição de acolhimento e o aluno em trânsito. ECTS (European Credit Transfer System) 47 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 48 Ensino Médico Básico Parte do currículo médico relativa a todos os estudantes de medicina para lhes dar uma base sólida para futura formação profissional ou especializada. A União Europeia exige um mínimo de seis anos de EMB. Educação Médica Contínua Todo e qualquer meio que permita a um médico formado continuar a aprender e a evoluir na prática ao longo da vida. Formação Especializada Parte do currículo médico que chega a seguir ao programa de ensino médico básico para todos os alunos de medicina, centrado na aquisição de competências exigíveis para a disciplina de especialidade e tarefas relacionadas nos cuidados de saúde. Mestrado (Inicial) Segundo a Declaração de Bolonha de 1999 para que em 2010 esteja criada uma «Área Europeia de Estudos Superiores», após a obtenção de um primeiro grau de bacharel, a segunda parte do currículo leva a um grau de mestre. Deve ter um mínimo de dois anos e 120 ECTS - pontos de estudo. Para os estudos de mestrado em medicina, a maior parte dos países europeus aceita um período clínico de três a quatro anos. A obtenção do grau de mestre obedece normalmente a uma qualquer forma de tese de mestrado. Mestrado pós-mestrado ou grau de Mestrado pós-inicial Nível dos créditos Segundo a Declaração de Bolonha de 1999 para que em 2010 esteja criada uma «Área Europeia de Estudos Superiores», após a obtenção do mestrado inicial, os programas podem dar acesso a um programa de mestrado pós-inicial. Dentro desta lógica, a formação especializada deve considerar-se um programa de mestrado pós-inicial. Indicador da exigência relativa do ensino e da autonomia do aluno. Pode basear-se no ano de estudo e/ou no conteúdo do curso (p.ex., Básico, Intermédio, Avançado, Especializado). Quadro de créditos Sistema que facilita a medição e comparação dos resultados pedagógicos conseguidos no contexto de diferentes qualificações, programas de estudo e ambientes de aprendizagem. Qualificação do primeiro grau Primeira qualificação do ensino superior obtida pelo aluno. É-lhe concedida após ter completado com sucesso o primeiro ciclo de estudos que, segundo a Declaração de Bolonha, deve normalmente durar um mínimo de três anos ou 180 créditos ECTS. Tipo de créditos Indicador do estatuto das unidades do curso no programa de estudo. Pode classificar-se como Nuclear (principal unidade do curso), Paralelo (instrumentos/apoios da unidade) e Menor (unidade de curso opcional). Sintonia (Tuning) Evolução para a concordância e harmonia pela combinação do som singular numa «melodia» ou padrão de sons. O termo é usado em «Projecto de sintonia» para se alcançar uma forma de harmonização encontrando pontos de convergência e entendimento comuns. Terminologia do conteúdo pedagógico Aprendizagem baseada em problemas Modelo pedagógico que toma o problema do paciente e o médico como pontos de partida do currículo de ensino. É altamente centrado no aluno, optimiza o uso de conhecimentos pré-existentes e estimula a aprendizagem e as estratégias de pesquisa. Aprendizagem construtivista social Modelo pedagógico que coloca no centro o processo de aprendizagem do estudante. Aprender é considerado um processo, muito dependente dos conhecimentos anteriores e do contexto de aprendizagem. Os professores são sobretudo arquitectos de um ambiente de aprendizagem estimulante. É apoiada a variedade individual nas estratégias de ensino. 48 Modelo educativo tradicional baseado na transferência de conhecimentos do professor para o aluno. É muito centrado no professor, o conteúdo estrutura-se nos manuais, o ensino consiste fundamentalmente em aulas dadas por professores experientes e o comportamento copiado dos modelos já experimentados. Aprendizagem objectivista Conjunto das actividades de aprendizagem que permitem conseguir os resultados pedagógicos (isto é, aulas, trabalhos práticos, recolha de informação, estudo em privado, etc).. Carga de trabalho Capacidade de desempenhar tarefas de observação isoladas num ambiente de avaliação definido, separadamente do trabalho efectivo. Na terminologia de Miller, inclui os níveis do “saber” (factos básicos), “saber como” (saber aplicar o conhecimento) e “mostrar como” (saber demonstrar mostrar aptidões), mas exclui o nível “fazer”, a actividade na prática. Competência Curso a escolher de uma lista predeterminada. Curso opcional Período de permanência mais longa num cenário de prática diária Estágio Refere-se tanto a estudantes como a médicos em formação especializada e a todos os que participam nos programas de formação. Formandos Lista de competências que devem estar adquiridas no fim de um período de formação, formatada como uma lista claramente definida, verificável pelo aluno, pelo professor ou por ambos, que proporciona um panorama constante do que já foi adquirido e do que falta aprender. Lista de aferição Escala numérica ou qualitativa que serve para descrever os resultados da avaliação de uma unidade ou módulo de curso. Nota Nível de prestação real em cuidados clínicos e comunicação com os pacientes na prática diária. Corresponde ao nível “fazer” da terminologia de Miller. Está altamente dependente das condições e requisitos, oportunidades financeiras e estruturais, oportunidades de prática e apoios existentes do serviço de saúde. Desempenho Designa todos os profissionais envolvidos num momento educativo como especialistas. Professores Sinónimo de tutor, mentor, facilitador: profissional envolvido no processo pedagógico como líder do processo, para orientar e reflectir em benefício dos formandos. Orientador Declarações sobre o que o aluno deve saber, compreender e/ou ser capaz de demonstrar depois de completado o processo de aprendizagem. Distinguem-se os resultados pedagógicos dos objectivos pedagógicos porquanto se relacionam mais com as aquisições do aluno do que com as intenções gerais do professor. Os resultados pedagógicos devem ser acompanhados de critérios de avaliação que permitam verificar se foram atingidos os resultados esperados. Os resultados pedagógicos mais os critérios de avaliação definem os requisitos mínimos para a concessão de créditos, ao passo que as notas se baseiam em resultados acima ou abaixo dos requisitos mínimos para a obtenção de créditos. Resultados da aprendizagem 49 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Terminologia dos métodos pedagógicos Aprendizagem interactiva Page 50 Combinação de pacotes modulares de reflexão, estudo de casos relacionados, reflexão temática, grupos de discussão, pesquisa bibliográfica e/ou reflexão sobre o processo pedagógico. Aula Provisão de conteúdo pedagógico que consiste numa apresentação e explicação (se possível incluindo uma demonstração) por um professor. Curso Programa estruturado de conteúdo pedagógico, muitas vezes apresentado em formato oral, apoiado por material próprio. Desempenho de papéis Uso da representação de um papel como paciente, acompanhante, médico, enfermeiro, etc, para descobrir perspectivas pedagógicas sobre sentimentos, intenções e acções Discussão Sessão de debate de um tópico específico ou apresentação de caso que pode ser organizada como sessão a dois com o orientador ou supervisor, sessão de grupos de colegas, sessão com um pequeno grupo como um grupo de foco ou grupo Balint; também pode ser uma sessão com um grupo grande/temporário em seminários, aulas ou oficinas. Treino de aptidões Aprendizagem de aptidões em cenários específicos adaptados como: - treinar gestos num laboratório de aptidões - aprender as técnicas da consulta, por exemplo, desempenhando papéis - aprender a fazer a pesquisa de bases de dados médicos - aprender técnicas de liderança através da orientação de reuniões pedagógicas ou temáticas. Leitura/estudo Leitura de livros, protocolos, informação da medicina baseada na evidência, romances, narrativas, internet, etc. Observação Aprendizagem mediante observação ponderada por um orientador/supervisor em diferentes cenários pedagógicos: assistência a consultas com pacientes reais ou simulados. Aprendizagem através de consultas videogravadas de pacientes reais ou simulados (observação pessoal, com orientador/supervisor, colegas, etc.) Oficina (Workshop) Sessão supervisionada em que os formandos trabalham em tarefas individuais e recebem auxílio e orientação sempre que preciso. Pesquisa bibliográfica Aprender a realizar uma pesquisa em bases de dados médicos, incluindo a definição de uma pergunta clínica, a busca de evidência médica, a reflexão crítica sobre a evidência e a passagem à prática. Redacção de estudos de pacientes, estudos de caso.. Actividade pedagógica, com atribuição da tarefa de redigir um documento de descrição e/ou reflexão, para receber o comentário de um orientador/supervisor. Reflexão Seminário Pessoal, por exemplo, mediante um diário, vídeos ou num grupo de reflexão participativa. Período de instrução baseado em contribuições orais ou escritas dos formandos. Supervisão A supervisão implica encontros/sessões regulares, estruturados, com o orientador/supervisor e análise e comentário por este nas várias áreas abordadas. Trabalho clínico/prática clínica sob supervisão Ensino no decurso do trabalho no ambiente clínico, no consultório / unidade de saúde / contexto de cuidados primários. Pode ser organizado com ou sem supervisão. 50 Redacção de um projecto individual ou integrado num grupo dentro de um formato definido: - auditoria - projecto de investigação - projecto de trabalho de campo. Trabalho de projecto Visita pedagógica a um consultório, instalações de uma clínica, instituições de assistência social, autoridades de saúde, etc. Visita de estudo Terminologia dos instrumentos e métodos de avaliação Conjunto total de testes escritos, orais e práticos, bem como dos projectos e portfólios que serve para apreciar o progresso do aluno numa unidade de curso ou num módulo. Estas classificações podem ser usadas pelo formando para avaliar o seu próprio progresso (avaliação formativa) ou pelo professor responsável para verificar se a unidade de curso ou módulo foi satisfatoriamente completada em função dos resultados pedagógicos da unidade ou módulo (avaliação somativa). Avaliação A avaliação é feita pelos colegas e não pelo monitor/supervisor. Há diferentes formatos. Um deles é o formato de avaliação a 360 graus em que pelo menos 10 colegas, profissionais da saúde e pessoal auxiliar contribuem para a avaliação. Avaliação interpares Descrição do que se espera que o aluno faça, de modo a ser demonstrado que foi conseguido um resultado pedagógico. Critérios de avaliação A investigação demonstrou que a aprendizagem em medicina é muito casuística. Dominar um conjunto limitado de casos e/ou problemas não garante o domínio de outros casos, áreas e problemas, especialmente num campo vasto como é a MGF. Por isso a avaliação baseada na abordagem de um ou de uns quantos casos fornece muito pouca informação sobre a competência de um candidato. A avaliação com 10 pequenas tarefas de cinco minutos escolhidas a partir de uma boa listagem dá normalmente informações mais valiosas do que um longo caso de 50 minutos. Especificidade casuística Refere-se à reprodutibilidade das notas da avaliação: alta fiabilidade indica que, se o teste for repetido noutra altura, o examinando receberá as mesmas notas que recebeu da primeira vez. Se as notas de avaliação não forem fiáveis e reprodutíveis (como numa experiência) é quase impossível interpretar o significado dessas notas, pois falta a validade da prova. Fiabilidade Esquema representativo da importância relativa das diferentes áreas clínicas que dá cobertura a um processo de avaliação de acordo com uma grande variedade de casos e problemas e sua prevalência na realidade do consultório. No vasto leque de problemas de CG, o mapeamento é importante por causa do problema da especificidade dos casos Mapa(6) Método de avaliação que ajuda o estudante a compreender a sua própria qualificação e desempenho. Os critérios e padrões definem-se numa série de encontros de pessoal e alunos em pequenos grupos. Os estudantes usam depois os critérios para avaliar o seu próprio desempenho. Método de auto-avaliação (6) Tradução possível de “blueprint”. O termo “Lista” pode ser por vezes, ser mais adequado em português (N. do R.). 51 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM Page 52 Método de observação directa Observação directa do exercício de aptidões técnicas ou interpessoais em cenário real, simulado ou de exame. - consulta a dois com pacientes reais ou simulados no consultório. consulta videogravada com pacientes reais ou simulados no consultório. Método válido, mas de baixa fiabilidade. Pode tornar-se mais objectivo com recurso a listas de verificação, formulários de classificação e treino dos examinadores. Método de observação indirecta Simula a observação directa. - usando os registos dos pacientes (auditoria da ficha clínica), certificados médicos, relatórios da evolução. - usando a discussão de casos de pacientes. Método oral Método tradicionalmente mais usado, com elevado valor facial, mas moroso e pouco fiável. Pode melhorar-se pela estandardização do conteúdo (definição clara, selecção de um conjunto padrão, pacientes-padrão, etc.) ou reduzindo as incoerências dos examinadores (folhas de classificação, desdobramento dos examinadores que atribuem classificações independentes). Método OSCE Avaliação Clínica Objectiva Estruturada (ACOE): formato de avaliação objectiva que incide sobre a aferição das aptidões (complexas) mediante listas de factores desejáveis e indesejáveis em relação a uma dada aptidão Método de resposta curta Apreciação mediante perguntas para respostas curtas específicas sobre histórias clínicas: o que é o diagnóstico, enuncie dois sintomas típicos... Método de resposta escrita estruturada Refere-se aos dados demonstrativos de apoio ou refutação do significado ou da interpretação dos resultados da avaliação. Todas as avaliações requerem documentação avalizadora e quase todos os tópicos da avaliação implicam uma qualquer forma de validação. A validade é a condição sine qua non da avaliação, pois sem documentação da validade, as avaliações na formação médica têm pouco ou nenhum significado intrínseco Perante uma certa quantidade de dados do paciente o formando tem que seleccionar a resposta correcta numa série de opções. Dois tipos: a gestão de problemas do paciente e o teste de respostas curtas num campo mais vasto de opções possíveis. Método de testes objectivos Inclui uma série de formatos de testes em que a marcação ou a resposta são objectivas. - perguntas verdadeiro/falso - perguntas de escolha múltipla - perguntas dependentes do contexto, que exigem algum grau de análise para encontrar as respostas - perguntas para comparações: combinação mais complexa de temas, cenários, vasto leque de opções possíveis, por vezes em relação com condições específicas Perguntas de resposta aberta Reflexão escrita sobre questões específicas do tipo resposta extensa (descreva o que se deve fazer quando... ) ou concisa (descreva a questão específica correspondente a esta afirmação). O problema é o gasto de tempo e a baixa fiabilidade. Portfólio, pedagógico ou de reflexão Um portfólio é um resumo das principais actividades e realizações docentes em relação com um Curriculum Vitae, incluindo produtos e publicações. Torna-se portfólio pedagógico ou de reflexão quando se acrescenta uma parte de reflexão em que o aluno reflecte sobre o seu processo de aprendizagem pessoal. Teste de escolha múltipla - Teste de perguntas curtas Teste de escolha múltipla: formato de medição objectiva dos conhecimentos do aluno. Mais tarde adaptado a outros formatos: teste de perguntas curtas, etc. O O teste de perguntas curtas inclui raciocínio clínico, não apenas teste dos conhecimentos. (7) ver nota 3 (8) Traduções possíveis de MCQ - Multiple choise Questionnaire e de MEQ - Modified Essay Questionnaire (N.do R.). 52 53 Validade 7743.Medicina Geral portugues 11/7/06 4:42 PM índice Page 54 Introdução à Agenda Educativa do EURACT 3 Panorama das Competências Nucleares do Documento de definição Europeia de MGF, Versão reduzida, EURACT 2005 7 A relação entre a Agenda Educativa EURACT e outros esquemas de competência usados internacionalmente 10 Comparação entre AE-EURACT e CanMEDS 13 Capítulo 1. Gestão em Cuidados Primários 14 Capítulo 2. Cuidados centrados na pessoa 18 Capítulo 3. Aptidões Específicas para a Resolução de Problemas 24 Capítulo 4. Abordagem Abrangente 29 Capítulo 5. Orientação Comunitária 33 Capítulo 6. Abordagem holística 36 Capítulo 7. Factores essenciais de aplicação 40 Capítulo 8. Síntese e integração, uma combinação única 44 Adenda: 47 Glossário de alguns termos pedagógicos 54 55