UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 1 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA REFLEXÕES SOBRE PAISAGENS VITÍCOLAS NO BRASIL1 Ivanira Falcade 2 Resumo A paisagem tem sido objeto de representação e de estudos de diversas áreas do conhecimento há muito tempo. Na Geografia, por vezes, foi tomada como o próprio objeto da ciência. Teve grande importância por algumas décadas no século XX para, depois de um certo ostracismo, retornar ao foco de estudos geográficos nos últimos anos. Este trabalho é parte das primeiras reflexões sobre a paisagem, na sua especificidade vitícola, a ser desenvolvido no doutoramento em Geografia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na revisão teórica apresenta-se inclusive uma proposta de classificação da tipologia da paisagem vitícola elaborada por Fabienne Joliet. A seguir, baseada na caracterização das regiões brasileiras de produção de uvas para vinhos finos denominadas de Serra Gaúcha, Campanha, Serra do Sudeste e Submédio Vale do Rio São Francsico, propõe-se uma classificação dessas regiões segundo a tipologia de Joliet. Palavras-Chaves - Paisagem, regiões vitivinícolas brasileiras, tipologia. 1. Introdução Há muito tempo a paisagem tem sido objeto de representação e de estudos de diversas áreas do conhecimento. Nas pinturas renascentistas começa a aparecer como ponto de fuga, depois ela própria é o tema central da representação. Na Geografia, por vezes, foi tomada como o próprio objeto da ciência. Embora no senso comum espaço e paisagem sejam tomados como sinônimos, são conceitos diferentes. Considera-se o espaço, como propõe Milton Santos, que o concebe como [...] uma realidade relacional [...] a natureza e a sociedade, mediatizadas pelo trabalho [...] O espaço, por conseguinte é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento [...] O conteúdo corporificado, o ser já 1 Trabalho elaborado no contexto do doutoramento em Geografia, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob orientação da Profa. Dra.Rosa Maria Vieira Medeiros. 2 Universidade de Caxias do Sul – Rua Francisco G. Vargas, 1130 – CEP 95.560-090 – Caxias do Sul – UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 2 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA transformado em existência, é a sociedade já embutida nas formas geográficas, a sociedade transformada em espaço (1988, p.26-27). Para entender o espaço e sua organização é necessário entender a evolução das relações entre formas, estruturas e funções (SANTOS, 1997). Entre esses aspectos a forma ganha relevância quando a sociedade lhe confere um valor. Este valor se relaciona à estrutura socioeconômica, sendo a forma determinada pelas suas necessidades e, portanto, um resultado e um fator social. Quando muda a estrutura, muda o valor da forma. Mas essas transformações não se dão na mesma velocidade e intensidade em todos os lugares. As formas espaciais de um tempo anterior que permanecem num tempo posterior são rugosidades “restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizados” (SANTOS, 1986, p.138). As mudanças do/no espaço dependem da sociedade que o constrói e das relações entre o que permanece e o que é novo - o que é intrínseco e interno e o que é extrínseco e externo a esses espaços geograficamente diferenciados. Esta relação dialética é mediatizada pelo mercado e pelo Estado, em todas as escalas e níveis (SANTOS, 1988). Já Corrêa (2000) entende o espaço como espaço de vida, portanto, marcado por sinais não só da produção, mas também da cultura, da afetividade da sociedade. Segundo Corrêa a sociedade age seletivamente ao decidir o que faz em determinado espaço e estas ações estão relacionadas às possibilidades que o espaço apresenta. Na dimensão política, age de modo a exercer o controle sobre o espaço, dividindo-o “em unidades territoriais controladas por [...organizações/estado...] que se identificam por dada especificidade e numa dada porção do espaço” (p.37). A forma material que determinado espaço assume em determinado momento denomina-se paisagem, diferente, portanto, do espaço propriamente dito, que, além desta materialidade, contém o movimento, a dinâmica da sociedade. Estes conceitos se relacionam dialeticamente, isto é, se complementam e, ao mesmo tempo, são opostos – a paisagem é a fixação do espaço em determinado tempo e o espaço é a concretude da ação social materializada na paisagem em mutação constante (SANTOS, 1988). Para Augustin Berque [...] a paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas é também uma matriz porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e de ação – ou [email protected] UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 3 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA seja que canalizam, em um certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza e, portanto, a paisagem do seu ecúmeno (1998, p.84-85). Considerando a etimologia italiana da palavra paisagem – pitore – isto é, o que é digno de ser pintado, a paisagem como objeto das artes, pintura e da literatura, apresenta um entendimento estético, qualitativo, para quem a paisagem está no olhar, portanto subjetiva, sujeita a interpretações sócio-culturais. Mas é possível um entendimento cartesiano, isto é, entender a paisagem segundo diferentes esferas da cognição, neste sentido um conhecimento complexo. Pode ser um objeto apreendido individualmente, pela intimidade, cujas condições estão sujeitas à consciência do próprio olhar, ocorrendo uma produção mental, relacionada a suas referências. Pode ser um objeto sócio-cultural, apreendido por grupos de acordo com uma ordem social, cultural ou profissional. Neste sentido, para A. Berque a evolução do entendimento passou por cinco condições/etapas: primeiro que a palavra paisagem existe; segundo a paisagem é um tema de discursos literários; terceiro a paisagem é representada em pinturas; quarto a paisagem é reconstituída sob a forma de jardins; quinto são produzidos tratados sobre paisagens. R. Pitte acrescentou uma sexta etapa, o desenvolvimento de modalidades de visita a paisagens. A paisagem enquanto objeto científico deve passar pelo crivo da racionalidade. O estudo das paisagens deve compreender os processos de formação das paisagens (gênese), os princípios de funcionamento das paisagens (organização, regulação, equilíbrio), os potenciais evolutivos e finais dos sistemas paisagísticos (trajetórias e finalidades). Isso exige uma visão interdisciplinar de compreensão racional do real. A paisagem pode ser vista como o visível de um recorte do espaço, tudo aquilo que o olhar abarca desde um certo ponto até o horizonte. Essa apreensão, essa percepção está impregnada da experiência cultural do indivíduo e da coletividade a que pertence. Essa observação está impregnada de subjetividade, mas pode ser objetivada, considerando critérios determinados. Os elementos que compõem uma paisagem podem ser identificados e explicados sócio-historicamente. Se considerados desta forma, estão continuamente em transformação. A maneira como cada sociedade, em cada tempo e no cotidiano, se relaciona com a natureza reflete o imaginário social e seus padrões culturais e estéticos. Essas condições influenciarão as transformações de formas antigas e a construção de novas formas. Jaques Maby (2003) entende a paisagem vitícola como imagem portadora de sentido. Segundo o autor a paisagem vitícola permite uma interpretação, onde o sentido é produzido UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 4 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA pelo espectador. Ele distingue três níveis de estudos das paisagens vitícolas: 1. o organizacional e funcional, objetivando a gestão. 2. o genético e dinâmico que ajuda na criação, ordenamento ou proteção. 3. o dos significados e associações simbólicas, que apóiam a valorização do território e os produtos vitícolas através dos meios de comunicação social. Segundo Maby (2003) o sentido a interpretar na paisagem remete a quatro princípios: 1. princípio da indeterminação afetiva da paisagem - paisagem é polissêmica; 2. princípio da diversidade humana da paisagem - aquele que olha os espaços rurais reconecta, na paisagem, o outro, os outros, ele mesmo, particularmente na paisagem vitícola; 3. princípio ético da paisagem - para além da apreciação estética, existe uma possibilidade de interpretação moral das formas. Em tais condições, a ética permite graduar a estética e valida a expressão emprestada à Sócrates "nada é bonita em si, mas relativamente à sua utilidade"; 4. princípio simbólico da paisagem - parafraseando André Malraux se poderia dizer que a paisagem é o mais curto caminho entre os homens, assim como para Régis Debray não é a imagem que cria a relação, mas a relação humana que cria a imagem a fim de simbolizar esta união. Assim a paisagem não deve ser considerada uma coisa, mas antes uma função, função simbólica que permite transmitir valores comuns. Tratando da questão da identidade da paisagem vitícola, René RENOU, presidente do Institut National d’Appellation d’Origine Contrôlée (AOC, França) no colóquio sobre Paisagens de Vinhedos e Vinhos, realizado em Angers, em 2003, afirmou que “a paisagem é a alma dos AOC”. Para Jaques Maby, a noção de alma remete à “anima” latina, ou seja, “a respiração da vida, a existência do ser e a sua identidade” (2003, p.276)3. E Jaques Maby se pergunta o que é um vinho e onde reside sua identidade? Ele responde [...} a verdadeira permanência de um vinho, a que permite reconectá-lo a sua unicidade, é o seu território, ou seja, o que constitui a sua inscrição espacial ... que por sua vez autentica-o, singulariza-o. [...] O espaço constitui indubitavelmente a essência da identidade de qualquer produto de a terra. Se o espaço identifica o vinho e a paisagem identifica o espaço, por conseguinte, esta pode servir de referência identitária (2003, p.277). Como os caracteres da paisagem interferem com aqueles do produto, ao ponto construir-lhe uma identidade? A resposta de Maby é que a sociedade contemporânea está 3 Tradução livre da autora. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 5 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA fortemente baseada nas imagens: “Deixamos gradualmente uma cultura dominante baseada no discurso para uma cultura dominante baseada na imagem”. E a paisagem, segundo o autor, responde magnificamente à dupla preocupação de identidade e de visibilidade. Embora os estudos de paisagem sejam tradicionais na Geografia, no Brasil, aqueles relacionados a sua espeficidade vitícola são poucos. Estas são reflexões iniciais a cerca do tema que serão aprofundadas na tese de doutoramento. 2. Tipologia de Paisagens Vitícolas Fabienne Joliet (ITV, 2002), criou uma tipologia para classificação das paisagens vitícolas francesas em que considera como critérios principais a densidade dos vinhedos e o relevo, entre outras características secundárias, que influenciam na visibilidade desses vinhedos. Considerando os critérios densidade e relevo, a viticultura pode ser classificada em: monocultura em encosta e em planos e policultura em encostas e em planos, resultando em 5 tipos diferentes. Essa tipologia de paisagens vitícolas é apresentada a seguir, juntamente com os desenhos ilustrativos. A. Monocultura em encosta 1. Terraços de vinhedos: com ou sem murros, obras de engenharia humana que marcam acentuadamente a paisagem, caracteriza-se por vinhedos em linhas horizontais ou curvas, acompanhando as curvas de nível. 2. Marchetaria de vinhedos: caracteriza-se por apresentar os vinhedos em diversos planos seguindo as linhas de orientação da declividade, resultando em uma paisagem variada na UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 6 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA forma, porém homogênea na cultura. 3. Ondas de vinhedos: os vinhedos seguem linhas verticais no sentido da declividade, criando uma perspectiva para o olhar. B. Monocultura em planos 4. Mar de vinhedos: independente da altitude, o relevo plano leva o olhar à linha do horizonte, pois se caracteriza por vinhedos a perder de vista, criando sentimentos variados, do êxtase à monotonia. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 7 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA C. Policultura em encosta ou planos 5. Mosaico de vinhedos: a viticultura encontra-se misturada a outros usos, o que cria texturas e cores diferentes, provocando a ilusão de um jogo de abertura ou fechamento da paisagem, especialmente pela presença de bosques residuais. 3. Paisagens Vitícolas Brasileiras A vitivinicultura brasileira inicia com a colonização portuguesa no século XVI, mas é com a imigração italiana, a partir da segunda metade do século XIX, que se configuram muitas das tradicionais regiões vitivinícolas atuais como na Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul, a denominada Região Vitivinícola da Serra Gaúcha; no Alto Vale do Rio do Peixe, em Caldas/Andradas, entre outras. Nas últimas três décadas, a vitivinicultura para vinhos finos expande-se para outras áreas, em novas condições, formando paisagens diferentes, como na Campanha e na Serra do Sudeste, do Rio Grande do Sul, e no Vale do UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 8 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Submédio Rio São Francisco, em Pernambuco/Bahia. Há diversas outras áreas onde ocorre o cultivo da videira, nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, antigas ou recentes, com maior ou menor extensão, destinadas a produção de vinhos finos ou de mesa, e/ou para o cunsumo in natura, comercializados ou para consumo próprio, mas que não serão consideradas neste trabalho. A viticultura na tradicional Região da Serra Gaúcha encontra-se, em geral, em pequenas propriedades de trabalho familiar e é desenvolvida em terrenos de topografia acidentada, sendo a videira conduzida sobretudo na forma de latada e cultivada nas encostas sendo usado, em muitos vinhedos, o plátano como seu sustentáculo periférico, configurando paisagens de inspiração etrusca ou como as bocages francesas. Os vinhedos, tanto de variedades destinadas a elaboração de vinhos finos (Vitis vinifera) como a vinhos de mesa (Vitis labrusca, Vitis burquina ou híbridos), são de pequena extensão aparecendo na paisagem em conjunto com a mata, nas áreas de maior declividade, e outros usos, como a horta, o potreiro ou uma pequena roça de milho para consumo próprio. Nesta região ocorrem também áreas onde a viticultura é desenvolvida com outras frutas destinadas à comercialização, como em Pinto Bandeira (Bento Gonçalves), cuja produção de pêssego é de, aproximadamente, 7% da área cultivada e 12 % da produção do Rio Grande do Sul, além de maçãs e de ameixas, que geram significativa renda agrícola. Relacionado ao processo de colonização as estradas são como fitas em movimento pelas encostas. Construídas nas cabeceiras dos lotes servem, ao mesmo tempo, para as duas linhas. Ao longo dessas vias mais ou menos a cada 200 m encontra-se a residência, que passou por diferentes formas arquitetônicas e materiais em pouco mais de um século. Nas últimas décadas, a viticultura tradicional tem sido modificada, incorporando tecnologia para a qualificação da produção, como na forma de condução para latada aberta ou de espaldeira, e a construção de terraços nas áreas de maior declividade, transformando a paisagem vitiícola. Além disso, na Região Vitivinícola da Serra Gaúcha, as transformações na paisagem vitícola também estão relacionadas diretamente a instalação de cantinas comerciais no meio rural, à pavimentação das principais estradas vicinais, ao surgimento de novas atividades econômicas, como o desenvolvimento do enoturismo, inclusive com a instalação de meios de hospedagem, como hotéis e pousadas. Entre as outras regiões tradicionais, a Região do Alto Vale do Rio do Peixe, no centrooeste catarinense, resultado da migração de descendentes de italianos e alemães, tem uma UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 9 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA paisagem fisica e culturalmente semelhante a da Serra Gaúcha, embora sua produção esteja concentrada em vinhos de mesa, oriundos de uvas americanas e híbridas. A partir da década de 1970 ocorre a implantação e, nos últimos anos, um crescimento importante da viticultura na Região da Campanha, principalmente nos municípios de Santana do Livramento, Bagé, Candiota e Hulha Negra, e na Região da Serra do Sudeste, principalmente nos municípios de Pinheiro Machado e Encruzilhada do Sul. Esses vinhedos situam-se, geralmente, em áreas definidas por critérios técnicos, como solos, clima e condições de mecanização. A expansão atual da viticultura na Campanha e na Serra do Sudeste está relacionada, entre outros fatores, a ações de políticas públicas para estímulo ao desenvolvimento da metade sul do estado do Rio Grande do Sul e ao crescimento acentuado do custo da terra na região da Serra Gaúcha, de modo geral, desenvolvida por empresários nacionais, mas também estrangeiros, não necessariamente ligados ao setor vitivinícola tradicional. Esta viticultura instala-se em propriedades de maior extensão, desenvolvida com mão-de-obra assalariada, administrada pelo proprietário/empresário à distância. O relevo plano e suave ondulado da região da Campanha e da Serra do Sudeste imprime à paisagem vitícola formas diferentes das regiões tradicionais. Os vinhedos são mais extensos e a videira conduzida na forma de espaldeira em áreas de pouca declividade, onde é possível a mecanização. Na paisagem plana de campos limpos de produção pecuária tradicional da Campanha, onde morros de um relevo residual destacam-se no horizonte homogêneo, os grandes vinhedos formam uma ruptura escultural. Já na paisagem de colinas suave-arredondadas, com mares de matacões que cobrem a superfície cristalina da Serra do Sudeste, os vinhedos estão sendo instalados nas áreas mais planas. Embora os relatos de vitivinicultura no litoral e no sertão nordestino remontem ao século XVI, a implantação e expansão da viticultura irrigada na Região do Submédio Vale do Rio São Francisco está relacionada aos projetos governamentais para a região do semi-árido, a partir da década de 1960. A viticultura para vinhos implementada teve um período de crescimento em meados dos anos 80, mas sua expansão significativa tem ocorrido nos últimos anos. A maior parte da viticultura dessa região é para consumo in natura, desnvolvida em propriedades de tamanhos variados desde as pequenas, exploradas pelo trabalho familiar, até as grandes empresas rurais, onde o trabalho é assalariado. Já a viticultura para vinhos UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 10 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA comerciais ocorre em poucas grandes propriedades, a maior parte nos municípios de Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, Lagoa Grande e Casa Nova. Nesta vitivinicultura há empresários que são de outras regiões, inclusive da Serra Gaúcha, e a mão-de-obra assalariada. Na paisagem da planície sedimentar, formada pela depressão do vale do Rio São Francisco, o solo cinza-esbranquiçado e o verde da vegetação xerofítica do semi-árido se transformam drasticamente com a implantação de extensos vinhedos irrigados com a água do Rio São Francisco, onde sempre há parcelas em produção, resultando em 2,5 safras anuais, devido às condições climáticas. Na paisagem, o vinhedo forma um paralelo com a planura do solo, vez ou outra rompido por um inselberg que o olhar abarca no horizonte, assim como por alguma vila de trabalhadores das grandes fazendas. Outras culturas como manga, mamão, abacaxi, entre outras, também fazem parte da paisagem. Entre as regiões tradicionais e as novas há fluxos de pessoas e de mercadorias como, por exemplo, vitivinicultores das regiões tradicionais cultivam nas regiões novas e empresários das regiões novas buscam a experiência das regiões tradicionais, e a maior parte da produção das regiões da Campanha e da Serra do Sudeste que são vinificadas na reigão da Serra Gaúcha. Nos dois casos, a vitivinicultura é expressão da identidade da sociedade que a produz: a tradicional, ligada aos valores culturais da imigração italiana, enquanto a viticultura nova é bem expressão da sociedade técnico-científica-informacional dos dias atuais. 4. Considerações Finais A caracterização dessas regiões, embora breve, permite classificar as paisagens vitícolas brasileiras, segundo a tipologia de Fabianne Joliet, da seguinte forma: I. Terraços de vinhedos No plantio dos vinhedos recentes, nas encostas mais abruptas, estão sendo construidos terraços, que modifica a condução dos vinhedos da forma denominada latada para terraços com uma fileira de vinhas, como em Pinto Bandeira, Bento Gonçalves (Foto 1). UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 11 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Foto 1 II. Marchetaria de vinhedos É possível identificar paisagens de marchetaria de vinhedos nas regiões da Serra Gaúcha e Alto Vale do Rio do Peixe, especialmente visíveis nas áreas de maior concentração/extensão, como nas encostas do Vale Aurora, em Bento Gonçalves (Foto 2). É o tipo mais comum, seguindo a orientação e a declividade do terreno. Foto 2 III. Onda de vinhedos Mesmo sendo de pouca extensão, em muitos vinhedos da região de Caldas/Andradas, a forma de condução predominante é no sentido da declividade, formando uma onda de vinhedos. Os espaços entre as fileiras podem ser utilizados também para o plantio de milho. Em pequenas áreas na Serra Gaúcha tem sido registrada essa forma de condução dos vinhedos UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 12 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA como, por exemplo, em Farroupilha (Foto 3). Foto 3 IV. Mar de vinhedos Embora as regiões da Campanha, da Serra do Sudeste e do Vale do Rio São Francisco apresentem um contexto diferente, guardadas as proporções, identificam-se nessas 3 regiões paisagens de mar de vinhedos, como em Encruzilhada do Sul (Foto 4) e em Petrolina (Foto 5). Nos nos topos dos patamares da Serra Gaúcha, como na região da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (Foto 6), podem ser identificadas paisagens dessa tipologia. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Foto 4 Foto 5 13 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 14 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Foto 6 V. Mosaico de vinhedos A cultua mais marcante e de maior tradição no espaço rural da região da Serra Gaúcha é a viticultura, mas a paisagem mostra um uso e cobertura do solo com pequenas áreas com outras frutíferas, assim como com milho, hortaliças, potreiro ou mesmo remanescentes de floresta, que formam um mosaico com os vinhedos, como na região da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (Foto 7). Foto 7 As paisagens vitícolas brasileiras têm o espaço como condição de existência e mas são resultado do trabalho, são testemunho da cultura, são expressão da identidade daqueles que as construiram. Embora não sejam imutáveis, estão fixas no espaço. A vitivinicultura brasileira é UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 15 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA recente, mas contém as rugosidades do seu tempo. Há elementos nessas paisagens vitícolas que as tornam lugares com identidade e que imprimem aos produtos singularidade. O vinho contém, assim, o espaço e a paisagem do lugar onde foi produzido e, apreciá-lo, como observar uma paisagem vitícola, pode ser a expressão conjugada do prazer dos sentidos! 4. Bibliografia AZEVEDO, T. Italianos e gaúchos: os anos pioneiros da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: A Nação/IEL, 1975. BERQUE, A. Paisagem marca, paisagem matriz: elementos para uma problemática para uma geografia cultural. In : CORRÊA, R.L. e ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998, p-84-91 CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da geografia. In: CASTRO, I. E. et al. 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