Norbert Elias: algumas considerações sobre a relação indivíduo

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Norbert Elias: algumas considerações sobre a relação indivíduosociedade
Gessyca Correia dos Santos1
História da Educação
Comunicação Oral
RESUMO
O presente estudo propõe-se a analisar a relação indivíduo-sociedade e traz
em sua contextualização os estudos efetuados pelo teórico Norbert Elias, que
caracterizam uma nova orientação para a pesquisa em Ciências Humanas e
Sociais ao estabelecerem um caminho para analisar a configuração da
sociedade. O processo central do estudo é o comportamento humano, o
desenvolvimento social dos indivíduos e a relação indivíduo-sociedade a partir
de uma nova leitura e de um repensar sobre o conceito estático de sociedade,
cujo coneito discutido neste trabalho refere-se a um processo em evolução,
mutável, dentre o qual, os indivíduos são formados, formadores e constituintes.
O conceito de interdependência se refere à relação de interdependência
existente entre indivíduos e sob a forma como estes constroem teias de
interdependência que originam diferentes configurações. A análise da
concepção de indivíduo proposta pelo autor remete ao princípio de que as
estruturas da psique, da sociedade e da história humana são
indissociavelmente complementares. Por meio desse estudo, conclui-se que
assim como as ações individuais humanas surgem de processos sociais em
andamento, não existe um “eu” dissociado de “nós”, pois todo indivíduo é um
ser social; todos os indivíduos são interdependentes e “ligados” uns aos outros.
Palavras-chave: Indivíduo; Sociedade; Norbert Elias.
ABSTRACT
This study aims to analyze the individual-society relationship, and brings in its
contextualization theoretical studies performed by Norbert Elias, featuring a new
direction for research in the Humanities & Social Sciences to establish a new
way to analyze the configuration society. The central process is the study of
human behavior, social development of individuals and the individual-society
relationship; from a new reading and a rethinking of the static concept of
society. The concept of society, discussed in this paper refers to a process
evolving, changing, among which individuals are trained, trainers and
constituents. The concept of interdependence refers to the relationship of
1
Psicóloga Organizacional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do
Sul (IFMS), aluna regular do Mestrado em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS).
2
interdependence between individuals; and in the way they build webs of
interdependence that give rise to different configurations. The analysis of the
conception of the individual proposed by the author refers to the principle that
the structures of the human psyche, society and human history are inextricably
complementary. Thus, there is no "I" decoupled "we" because every individual
is a social being; all individuals are interdependent, and "linked" to each other.
And the individual human actions arise from social processes underway.
Keywords: Individual; Society; Norbert Elias.
Introdução
O presente estudo tem por objetivo tecer análises e considerações
acerca da relação indivíduo-sociedade na concepção do teórico Nobert Elias,
que, segundo Oliveira (2012) Norbert Elias nasceu em Breslau em 1897 e
morreu em Amsterdam em 1990. Foi um sociólogo alemão, formado em
medicina, filosofia e psicologia nas Universidades de Breslau e Heidelberg. Foi
o autor uma abordagem que chamou de sociologia figuracional, que examina o
surgimento das configurações sociais como consequências inesperadas da
interação social. Seu trabalho mais conhecido é O Processo Civilizador (1939),
no qual discorre sobre os efeitos da formação do Estado Moderno sobre os
costumes e a moral dos indivíduos.
Hunger et al. (2011) afirma que seu reconhecimento deu-se tardiamente,
apenas em meados dos anos 1970,
transformando-o em um dos mais
influentes sociólogos da contemporaneidade.
Leão (2007) reporta em sua obra que trabalho de Norbert Elias abre
espaços para o entendimento da formação do indivíduo e suas implicações nas
relações com os objetos da cultura, como os modos de ler e as relações com
os livros. “Também favorece a análise dos efeitos produzidos pelos bens
simbólicos no espaço social e dos processos de interiorização dos
constrangimentos que permitem o aprendizado da vida em grupo” (p. 10).
A Teoria Elisiana
A Teoria Elisiana – nome adotado para referendar o arcabouço teóricometodológico do autor – possibilita a compreensão de um conceito de
3
sociedade volátil e não-estático, em que a relação indivíduo-sociedade, é
concebida
como
um
todo
relacional,
que
se
estabelece
de
forma
interdependente, contribui então com questionamentos a respeito da
conceituação de sociedade, sobre a qual buscar-se-á nesse artigo encontrar
novos apontamentos, novas considerações ou simplesmente novos olhares e
um repensar sobre o tema, pois para Elias (1994, p. 63):
Todos sabem o que se pretende dizer quando se usa a palavra
"sociedade", ou pelo menos todos pensam saber. A palavra é
passada de uma geração a outra como uma moeda cujo valor fosse
conhecido e cujo conteúdo já não precisasse ser testado. Quando
uma pessoa diz "sociedade" e outra a escuta, elas se entendem sem
dificuldades. Mas será que realmente entendemos?
Elias (1994, p.13) continua a questionar:
Que tipo de formação é esse, desta sociedade que compomos em
conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós,
nem tampouco por todos nós juntos?
Para Hunger et al. (2011) existe por parte de Elias uma crítica a forma
tradicional de compreender a sociedade, chamando-o de “padrão básico de
uma visão egocêntrica da sociedade” (p.700). Desta forma, os conceitos do
sociólogo foram constituídos a partir da identificação das limitações destas
perspectivas teóricas, inclusive, sobre a teoria funcionalista do sociólogo
Talcott Parsons e a certas versões do estruturalismo. Haja vista que, os
teóricos funcionalistas e estruturalistas identificavam usualmente estruturas
sociais associando-as a atributos coercitivos que exercem influência total sobre
o comportamento dos indivíduos, e para Elias, não são aceitáveis concepções
sociais totalizadoras ou mesmo individualistas dos processos sociais.
Chartier (1988) afirma que os estudos de Norbert Elias sobre sociedade
se distanciaram das colocações efetuadas na história por sociológos e
historiadores, pois se encontram em três fraquezas fundamentais. Sendo a
primeira, a atribuição de um carácter único aos acontecimentos que estuda, a
segunda que postula que a liberdade do indivíduo é fundadora de todas as
suas ações e decisões, e a terceira, relaciona as evoluções maiores de uma
4
época com as livres intenções e atos voluntários daqueles que possuem poder
e domínio. De acordo com Ferreira (2011, p.1):
Historicamente as ciências sociais passam a se configurar como um
campo de conhecimento específico a partir da afirmação da
possibilidade da autonomia do social frente ao individual. O
desenvolvimento socioeconômico e político, bem como do campo das
teorias científicas que ocorrem nos séculos XVII, XVIII e XIX, fazem
emergir a idéia da existência de uma ordem social laica e coletiva,
não determinada pela vontade divina, irredutível à ação individual e
submetida a leis.
Leão (2007) discorre em seu livro Norbert Elias e a Educação, que o
referido autor em 1968, estabelece em sua obra as diferenças de seu projeto
em relação a outras teorias dos sistemas, como por exemplo, a do teórico,
Talcott Parsons. A autora afirma que embora a Sociologia trabalhe com
modelos para demarcar e melhor apreender a dinâmica social, não significa
que há nesta circunstância, a redução de processos sociais à condição de
estados de inatividade. Conforme argumenta Leão (2007, p.30):
As sociedades em equilíbrio, como as imaginadas pela teoria dos
sistemas sociais, pressupõem uma integração entre indivíduos
isolados, nas quais as mudanças, quando possíveis, são apenas
manifestações de disfunção. Esses conceitos abstraem as
sociedades concretas de suas dinâmicas. No processo de civilização,
são as cadeias de interdependência que mantêm os indivíduos
ligados e formam os nexos mutáveis chamados figurações ou
configurações.
Conforme Elias (1980) para reordenar a compreensão da sociedade, é
preciso trocar a concepção tradicional desse modelo pelo entendimento de que
os indivíduos constituem teias de interdependência ou configurações de muitos
e variados tipos, tais como famílias, escolas, cidades, camadas sociais ou
Estados. E que estes, são apresentados num diagrama denominado
representação de indivíduos interdependentes.
Portanto, após breve discussão sobre algumas características da Teoria
Elisiana, faz-se necessária a explicitação do conceito de Configuração, para a
compreensão das relações estabelecidas entre o homem e o seu mundo.
Norbert Elias e o Conceito de Configuração
5
Para Elias (1980) afirmar que seres humanos existem em configurações
significa dizer que o ponto inicial de toda investigação sociológica é uma
pluralidade de indivíduos, que, de um modo ou de outro, são interdependentes.
Oliveira (2012) elucida que a análise sobre interdependência dos
indivíduos na teia social é largamente tratada por Elias, como uma cadeia
ininterrupta de ações que ligam os indivíduos em uma trama complexa de
relações, ligadas a diversos grupos, que podem ser interdependentes ou não.
Ao descrever sobre a relação indivíduo-sociedade, mais precisamente, sobre o
tecido das relações humanas, que o conceito de figuração quer exprimir, Elias
refere-se a uma rede de jogadores interdependentes.
Para Oliveira (2012) o conceito de configuração é um norteador da
análise
da
relação/co-relação
indivíduo-sociedade,
por
permitir
a
desconstrução da dicotomia indivíduo/sociedade, estando ainda, intimamente
ligada com o conceito de interdependência. O conceito de configuração
discutido por Norbert Elias sinaliza as ligações entre mudanças na estrutura da
sociedade, mudanças na estrutura de comportamento e na constituição
psíquica. Permitindo então, o distanciamento da visão sociológica que
dicotomiza indivíduo (como ser enclausurado) e sociedade (como algo externo
ao indivíduo). Como contraponto à ideia de estado, Elias o considera como um
processo, em evolução, para lembrar que a sociedade está sempre em
mudança estrutural, o que significa um equilíbrio sempre tenso entre suas
partes.
No primeiro volume de O processo civilizador, Elias (1994, p. 240) faz
uma analogia com as danças de salão para explicitar o conceito de
configuração:
Pensemos na mazurca, no minueto, na polonaise, no tango, ou no
rock‟n‟roll. A imagem de configurações móveis de pessoas
interdependentes na pista de dança talvez torne mais fácil imaginar
Estados, cidades, famílias, e também sistemas capitalistas,
comunistas e feudais como configurações. Usando este conceito,
podemos eliminar as antíteses, chegando finalmente a valores e
ideais diferentes, implicados hoje no uso das palavras „indivíduo‟ e
„sociedade‟. Certamente podemos falar na dança em termos gerais,
mas ninguém a imaginará como uma estrutura fora do indivíduo ou
como uma mera abstração. As mesmas configurações podem
certamente ser dançadas por diferentes pessoas, mas, sem uma
6
pluralidade de indivíduos reciprocamente orientados e dependentes,
não há dança.
Elias (1994) afirma que, como todas as outras configurações sociais, a
dança, é relativamente independente dos indivíduos específicos que a formam
aqui e agora, mas não dos indivíduos como tais. E que não há como se dizer
que as danças são construções mentais abstraídas de observações de
indivíduos considerados separadamente. O autor faz uma alusão às mudanças
ocorridas nas configurações que chamamos de sociedades, ao afirmar que da
mesma forma que as pequenas configurações da dança mudam (tornando-se
ora mais lentas, ora mais rápidas) também assim, gradualmente ou com mais
subtaneidade, acontece com as configurações maiores que chamamos de
sociedades. E consequentemente, em sua relação/co-relação com os
indivíduos.
È possível compreender que, através dos conceitos de Configuração e
Interdependência estudados até aqui, a concepção da relação indivíduosociedade parece assumir outras nuances. Portanto, faz-se necessária uma
maior compreensão e discussão sobre o tema.
Norbert Elias e a Relação Indivíduo-Sociedade
Conforme estudou Elias (1980) as pessoas modelam suas ideias a partir
de suas experiências e, essencialmente, das experiências que tiveram no
interior do próprio grupo. Assim, é necessário entender as interconexões e
configurações elaboradas por elas. Tais configurações são formadas por
grupos interdependentes de pessoas, organizados coletivamente e não por
indivíduos singulares. Nenhum indivíduo é inteiramente autônomo, pois as
possíveis singularidades individuais estão sempre enraizadas nas figurações
sociais e vice-versa (LEÃO, 2007).
O autor supracitado discute em seus trabalhos que os processos
humanos e sociais são representados por pessoas que estão sujeitas às forças
que as compelem, ou seja, forças de fato exercidas pelas pessoas sobre outras
pessoas e sobre elas próprias. Nesse sentido, a investigação das ciências
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humanas sobre a relação indivíduo-sociedade, deverá voltar-se para a
aquisição de uma compreensão dessas forças, possibilitando domínio de
conhecimentos seguros das mesmas, partindo de uma compreensão do jogo
de forças e poderes políticos, religiosos, educacionais, familiares, enfim,
presentes em suas relações.
Para Hunger et al. (2011) a sociedade que é muitas vezes colocada em
oposição ao indivíduo, é inteiramente formada por indivíduos, sendo nós
próprios um ser entre os outros. Nesse sentido, considera-se necessária uma
desconstrução da relação indivíduo-sociedade, como uma relação mundo
interno x mundo externo, dentro-fora, enfim, pois as estruturas de
personalidade dos indivíduos mudam, afetam e se afetam e se atualizam em
conjunto com as transformações sociais.
De acordo com Hunger et al. (2011) isso seria afirmar que o indivíduo é
um ser histórico e eminentemente social. Ele não vive isolado e é inseparável
do meio em que se encontra inserido, é um ser embriagado de cultura, e sua
forma de pensar e agir são direcionadas esteja ele consciente ou não, por suas
percepções e manifestações diante do contexto sociocultural e histórico de seu
tempo, que é fruto de todo um passado.
Oliveira (2012) ao discutir sobre a relação indivíduo-sociedade considera
que o social para Elias, é um conjunto de relações e que o grupo é um todo
relacional. Na teoria Elisiana, a constituição dos indivíduos é o conjunto das
relações que ele estabelece, em todo o momento, entre o conjunto de
elementos que o compõe. Essas relações estão sempre em processo, ou seja,
elas se fazem e desfazem, se constroem, se destroem, podendo ou não ser
reconstruídas ou rearticuladas.
Segundo o autor, a cada instante as relações se atualizam ou se
esgarçam ou se fortificam. Indivíduos em si e sociedade em si são mitos. Existe
somente indivíduo na sociedade e sociedade no indivíduo. E estão num fazerse constante, de forma interdependente, o que realiza a sociedade são as
relações que se estabelecem entre os infindáveis, singulares e em eterno
processo.
8
Nessa perspectiva, a relação indivíduo e sociedade e essas dimensões,
são produções cognitivas constituídas ao longo da evolução das ciências
sociais, mas que não conseguem apreender a realidade social concreta. Desta
forma, na tentativa de superar as oposições entre indivíduo e sociedade,
busca-se compreender a sociedade e o indivíduo como correlação, entendendo
que um sem o outro, torna-se esvaziado de sentido. Conforme discorre Elias
(1994, p. 19):
E os que, no sentido exato da expressão, não conseguem enxergar a
floresta por causa das árvores talvez encontrem algum auxílio para
seu raciocínio na alusão à relação entre as pedras e a casa, a parte e
o todo. A afirmação de que os indivíduos são mais "reais" do que a
sociedade nada mais faz além de expressar o fato de que as pessoas
que defendem essa visão acreditam que os indivíduos são mais
importantes, e que a associação que eles formam, a sociedade, é
menos importante.
O autor considera que as sociedades, não possuem uma forma
perceptível, tal qual, ocorre com uma casa. Ou seja, afirma que elas não
possuem estruturas passíveis de serem ouvidas, vistas ou tocadas diretamente
no espaço. E de onde quer que sejam vistas, continuam em aberto na esfera
temporal em direção ao passado e ao futuro.
Elias (1994) em sua obra Sociedade dos Indivíduos discorre sobre a
dificuldade em limitar o abismo existente no pensamento, sobre a correlação
indivíduo e sociedade. Citando concepções de alguns autores sobre tal
relação, concluindo que, em teorias sociológicas e psicológicas, inclusive,
existe um intransponível abismo mental entre os fenômenos sociais e
individuais.
Para o autor supracitado, cada pessoa que passa por outra na rua, como
estranha, aparentemente desvinculada, está ligada a outras por laços
invisíveis. Estes laços podem ser de instintos e afetos, de trabalho e
propriedade. Este indivíduo vive, e viveu desde pequeno, em uma rede de
dependências que não lhe é possível romper ou modificar por um clique, e sim
somente até onde a estrutura dessas dependências o permita. Este indivíduo
vive num tecido de relações móveis que este já assumiu como seu caráter
pessoal.
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Elias (1994) transcorre sobre esta ligação dos indivíduos e afirma que
cada pessoa singular está presa por viver em permanente dependência
funcional de outras. Para ele, ela é um elo nas cadeias que ligam outras
pessoas, da mesma forma como as demais, que direta ou indiretamente, são
elos nas cadeias que a prendem também. Essas cadeias não são visíveis e
nem tampouco imutáveis, são elásticas. E é a essa rede de funções que as
pessoas desempenham umas em relação a outras, que chamamos de
sociedade.
A Teoria Elisiana propõe que ao nascimento, o indivíduo está inserido
numa complexa estrutura definida, devendo conformar-se a ela, moldar-se de
acordo e desenvolver-se mais, com base nele. E que até a liberdade de
escolha entre algumas funções preexistentes é bastante limitada, que depende
amplamente do ponto em que ela nasceu e cresceu nesta teia humana, da
situação de seus pais, das funções e ainda, da escolarização que recebe.
A relação entre os indivíduos e a sociedade para Elias (1994) é uma
coisa singular, não é possível para o autor, encontrar analogia em nenhuma
outra esfera da existência. Muito embora, seja possível ampliar e afrouxar os
hábitos mentais a que fizemos referência. E não se entende uma melodia
analisando suas notas separadamente, sem que haja relação com as demais.
Para ele, sua estrutura não é outra coisa senão a das relações entre as
diferentes notas. Desta forma, é necessário pensar no todo para se
compreender a forma das partes individuais. Para a compreensão da relação
indivíduo-sociedade é necessário desistir de pensar em termos de substâncias
únicas, isoladas e começar a pensar em termos de relações e funções, de
acordo com o pensamento de Elias (1994, p. 26):
Mas não há salto vindo do nada e nenhum mito de origem é
necessário para tornar compreensível a relacionabilidade social
primeva do indivíduo, sua dependência natural do convívio com
outras pessoas. Bastam os fatos com que diretamente nos
defrontamos. Ao nascer, cada indivíduo pode ser muito diferente,
conforme sua constituição natural. Mas é apenas na sociedade que a
criança pequena, com suas funções mentais maleáveis e
relativamente indiferenciadas, se transforma num ser mais complexo.
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Elias continua sua construção teórica afirmando que toda pessoa nasce
num grupo de indivíduos que já existiam antes dele. E que toda pessoa
constitui-se de tal maneira, que precisa de outras que existam antes dela para
poder crescer e que a presença simultânea de diversas pessoas interrelacionadas, é uma das condições fundamentais da existência humana.
Embora a teoria Elisiana trate da co-relação entre os indivíduos, como
um meio extremamente articulado. O autor analisa que embora dentro de um
mesmo grupo, as relações e histórias individuais de duas pessoas não são
exatamente idênticas. Pois cada pessoa atravessa uma história singular até
chegar à morte e parte de uma posição particular em sua rede de relações.
Para o autor, existe uma diferenciação entre as constituições naturais
dos indivíduos. E a constituição que cada ser traz consigo ao mundo e a
constituição de suas funções psíquicas, é maleável. A individualidade de um
recém-nascido, não advém necessariamente de um caminho único, daquilo
que percebemos como suas características distintivas. A característica
constitutiva de um recém-nascido dá margem a uma grande gama de
individualidades possíveis, pois para Elias (1994, p. 28):
O modo como essa forma realmente se desenvolve, como as
características maleáveis da criança recém-nascida se cristalizam,
gradativamente, nos contornos mais nítidos do adulto, nunca
depende exclusivamente de sua constituição, mas sempre da
natureza das relações entre ela e as outras pessoas.
O autor exprime que não existe um grau zero da “vinculabilidade social
do indivíduo” (p.31), um início ou um término nítido em que ele possa inserir-se
na sociedade como que vindo de fora, como um ser que não pode ser afetado
pela rede, e só então, comece a se vincular a outros seres humanos.
Contraditoriamente, assim como os pais são necessários para inserir um filho
ao mundo, da mesma forma como a mãe nutre o filho, inicialmente com seu
sangue e posteriormente com o alimento extraído de seu corpo, o indivíduo
sempre existe na relação com os outros, e essa relação possui uma estrutura
particular que é específica de sua sociedade.
Conforme o autor, o ser humano adquire sua marca individual a partir da
história dessas dependências, dessas relações, e num contexto mais amplo, da
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história de toda a rede humana em que vive e cresce. Essa rede humana e
essa história estão presentes no indivíduo e são representadas por ele, quer
ele esteja de fato sozinho ou em relação com outras pessoas, quer trabalhe
num local isolado ou numa grande cidade.
O autor exprime em sua obra Sociedade dos Indivíduos (1994) uma
concepção usualmente aceita da relação entre sociedade e indivíduo, que
retrata de maneira contundente esse estágio de desenvolvimento. Nessa
circunstância, parece ao indivíduo que seu eu verdadeiro e sua alma, estão
enclausurados em algo externo e alheio, chamado sociedade, como se
estivesse em um cárcere. Ele tem a impressão de que das paredes dessa cela,
do lado externo, outros indivíduos e estranhos poderes exercem influência
sobre seu eu verdadeiro, como espíritos ora positivos, ora negativos,
parecendo atirar sobre ele, bolas pesadas ou leves que deixam em seu íntimo
impressões mais ou menos profundas. Há ainda, além desta concepção, a
teoria ambiental, amplamente discutida por Elias (1994, p.34):
A discussão entre as diferentes escolas de pensamento, na verdade,
refere-se apenas à questão de saber quão profundas e essenciais
para a formação do indivíduo são as pressões e influências exercidas
por essa sociedade "externa". Alguns dizem que elas têm apenas
uma importância ligeira e que o que determina primordialmente a
forma do indivíduo são as leis internas dele mesmo, que independem
de suas relações com os outros: sua natureza "interna" congênita.
Outros dizem que a importância desse processo "interno" é
relativamente pequena e que a influência formadora crucial vem de
"fora". Outros, ainda, defendem uma espécie de solução conciliadora:
imaginam uma interação entre o "dentro" e o "fora", entre fatores
"psíquicos" e "sociais", embora tendam a conferir maior ênfase a este
ou aquele.
A teoria Elisiana discorre criticamente sobre algumas correntes da
Psicologia. Correntes teóricas, que em sua concepção de homem, concernem
ao indivíduo a existência de um “eu puro”, e as relações estabelecidas por ele
como objetos vindo de fora, somando ao último a concepção e definição de
sociedade, ou seja, relações externas/separadas do indivíduo.
Vale lembrar que ao referenciar tais correntes, o autor tem como análise,
teorias e conceitos válidos em sua época. Não cabe a este trabalho conceituar
todas as correntes da Psicologia e a visão de homem, específica de cada
12
abordagem. Mas sim, pontuar de forma geral, a análise do autor sobre a
Psicologia, que, nas palavras de Elias (1994, p. 34):
Então se constata ao se adotar um ponto de vista dinâmico mais
amplo, em vez de uma concepção estática - que a visão de um muro
intransponível entre um ser humano e todos os demais, entre os
mundos interno e externo, evapora-se e é substituída pela visão de
um entrelaçamento incessante e irredutível de seres individuais, na
qual tudo o que confere a sua substância animal a qualidade de seres
humanos, principalmente seu autocontrole psíquico e seu caráter
individual, assume a forma que lhe é específica dentro e através de
relações com os outros.
Segundo a Teoria Elisiana, o indivíduo cresce partindo de uma rede de
pessoas que existiam antes dele em direção a uma rede que ele ajuda a
formar. O indivíduo não é um início e suas relações com as outras não
possuem origens primitivas. Da mesma forma que, em uma conversa contínua,
as perguntas de um indivíduo evocam as respostas do ouvinte e vice-versa, e
assim como um diálogo necessita da relação entre os dois, a partir da qual
deve ser entendida, também cada gesto e cada ato de um ser humano ao
nascer não são produtos de seu mundo interno e nem de seu ambiente externo
e nem tampouco de uma interação entre um mundo interno x externo distintos.
A fala, as ideias, afetos, convicções, necessidades são produzidas no
indivíduo por meio da interação com os outros. E portanto esse eu, forma-se
num entrelaçamento de necessidades contínuas, num desejo e realização
constantes, numa oscilação de dar e receber.
Desta forma, compreende-se que Elias (1994) discorre sobre o conceito
de habitus, necessário neste contexto, para análise da relação indivíduosociedade. Para o autor, os indivíduos, na relação com os outros, ao mesmo
tempo em que modelam, alteram e modificam a sociedade, modelam-se,
alteram-se, e modificam a si próprios. Ou seja, o indivíduo possui em si, o
habitus de um grupo e este habitus representa o que este ser individualiza em
maior ou menor grau, sua forma de existência individual não pode estar
dissociada de sua existência social.
Metodologia
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A pesquisa bibliográfica, fora a técnica de pesquisa utilizada no
presente estudo. Cervo e Bervian (1983, p.55) a definem como a que:
Explica um problema a partir de referenciais teóricos publicados em
documentos. Pode ser realizada independentemente ou como parte da
pesquisa descritiva e experimental. Ambos os casos buscam conhecer e
analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes
sobre um determinado assunto, tema ou problema.
Os autores supracitados explicitam que esta modalidade de pesquisa
constitui parte da pesquisa descritiva ou experimental, quando tem por
finalidade recolher informações e conhecimentos prévios acerca de um
problema para o qual se procura resposta ou acerca de uma hipótese que se
quer experimentar. Por ser de natureza teórica, tal pesquisa torna-se parte
obrigatória, haja vista que é por meio dela que tomamos conhecimento sobre a
produção científica existente.
Gil (1999) cita que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida mediante
material já elaborado, principalmente, livros e artigos científicos. Portanto, além
de ser parte fundamental de qualquer pesquisa, existem pesquisas tais como
esta, desenvolvidas exclusivamente por meio de fontes bibliográficas.
Tal metodologia de pesquisa consiste em uma busca teórica, com
significado especial no campo das investigações sociais. Constituindo-se,
portanto,
em
uma
abordagem
metodológica
com
características
e
possibilidades próprias.
Com base nisso é que se pôde elaborar o presente e estudo e buscar
uma perspectiva histórica, antevendo a possibilidade de integrar diversas
publicações isoladas e atribuir-lhes uma nova leitura. A importância de estudos
desta natureza é atribuída à possibilidade de integrar novas teorias e/ou
elucidar teorias já existentes.
Desta forma, a pesquisa utilizará de tais métodos para aprofundar o estudo
sobre conceitos da Teoria de Norbert Elias, corroborando no entendimento das
convenções, práticas, leituras e peculiaridades construídas historicamente
circundando o a relação indivíduo-sociedade sob a perspectiva da Teoria
Elisiana.
Resultados e Discussão
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Ao analisar a relação indivíduo-sociedade, dentro da teoria Elisiana
(1994), conclui-se que, os indivíduos existem em configurações e que o ponto
inicial de toda investigação dentro das ciências humanas, é composto por uma
pluralidade de indivíduos, que de um modo ou de outro, são interdependentes.
Desta forma, não é possível apreender a mudança, seu objetivos e sua direção
sem um pensamento em longo prazo.
Para o autor, não é possível explicar um fenômeno atual, analisando-o
isoladamente sem conjecturar sua realidade, seu contexto histórico-cultural,
político e todas as configurações sob as quais está imerso. O conceito de
configuração, amplamente abordado no presente estudo, tem o intuito de
sobrepor o conceito estático usual da palavra “sociedade”, levando a um
repensar sobre a mobilidade da sociedade, seu processo constante de
mudança, concebendo-a como um devir.
A análise da concepção de indivíduo proposta pelo autor remete ao
princípio de que as estruturas da psique humana, da sociedade e da história
humana são indissociavelmente complementares. Destarte, não existe um “eu”
dissociado de “nós”, pois todo indivíduo é um ser social, todos os indivíduos
são interdependentes e “ligados” uns aos outros. E todas as ações individuais
humanas surgem de processos sociais em andamento.
Portando, a importância da análise do arcabouço teórico-metodológico
de Norbert Elias para a pesquisa em Ciências Humanas e Sociais, mais
precisamente, na Educação, está no fato de analisar o espaço escolar, suas
relações e suas vertentes como processos.
Processos em constante transformação e imersos em diferentes
configurações, ou seja, para o autor não há como estudar a “Educação”, o
“espaço escolar”, a “relação professor-aluno”, a “gestão escolar”, enfim,
considerando apenas um mito fundador de origem, ou uma situação-problema,
sem considerar o contexto, o espaço e as configurações dentre as quais, estes
fenômenos se localizam, no tempo e espaço. A escola, os indivíduos e suas
relações estão na sociedade, para a sociedade e este deve ser o ponto de
partida de qualquer investigação em Ciências Humanas e Sociais.
15
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