Linguagem Visual e Intervenções Culturais na Composição de Interiores Residenciais1 Visual Language and Cultural Interventions in Residencial Interiors Composition Ligia Cristina Battezzati Tecnóloga em Design de Móveis Universidade Tecnológica Federal do Paraná Mestranda - Programa de Pós-Graduação em Tecnologia [email protected] Resumo: O presente artigo propõe uma abordagem sobre a interferência das mídias de comunicação, especialmente as imagens de revistas, na formação de interiores domésticos e interação destes com seus ocupantes. Primeiramente entenderemos como são representadas as formas de linguagens identificadas nestas mídias: os textos e as imagens. Na sequência, consideramos a importância da interferência cultural que está inserida no processo de compreensão e transmissão de uma mensagem, carregada de experiências pessoais. Inserimos, então, estas questões na esfera da decoração, compreendida como uma forma de estetização do lar. Algo esteticamente bom é algo satisfatório ao prazer visual. Além disso, um interior residencial deve proporcionar outros tipos de conforto e, ao interagir com o seu frequentador, fazer com que este se identifique com o entorno, de modo que se sinta à vontade dentro do ambiente. A revista atua como um meio que pode promover o conforto visual aos seus leitores e influenciá-los no sentido de apropriação da mensagem para suas vidas particulares. Palavras Chave: Linguagem visual. Intervenções culturais. Decoração. Interiores residenciais. Abstract: This article proposes an approach to interference from the communications media, especially the images of magazines, in the formation of domestic interiors and their interaction with their occupants. First understand how they are represented forms of media identified in these languages: texts and images. Following, we consider the importance of cultural interference that is within the process of understanding and transmission of a message, full of personal experiences. Inserted, then these issues in the field of decoration, understood as a form of aesthetics of the home. Something good is something aesthetically satisfactory to the visual pleasure. In addition, a residential interior should provide other types of comfort, and to interact with their patron, cause he clearly identifies himself with the surroundings, so you feel comfortable within the environment. The magazine acts as a medium that can promote visual comfort to its readers and influence them in the sense of ownership of the message to their private lives. Keywords: Visual language. Cultural interventions. Decoration. Residential interiors. 1 INTRODUÇÃO Muitos dos objetos que desejamos, dos produtos que usamos e consumimos, são almejados por nós graças à intervenção da publicidade, das propagandas e das mídias empregadas. Claro que, em muitos dos nossos objetos de desejo, encontramos uma forma estética atraente graças ao design, que nos proporciona agradáveis sensações visuais pelas quais somos atraídos. 1 Artigo desenvolvido para a disciplina de Teorias de Interação do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da UTFPR, ministrada pelos professores Dra. Luciana Martha Silveira, Dra. Marilda Pinheiro Lopes Queluz, Dra. Marines Ribeiro dos Santos e Dr. Ronaldo Correa. 1 Dondis (2003, p. 07) relata que “a experiência visual humana é fundamental no aprendizado para que possamos compreender o meio ambiente e reagir a ele; a informação visual é o mais antigo registro da história humana.” A visão nos permite reconhecer signos ou objetos, suas características específicas e, a partir delas, interpretar e gerar significados. Estas significações podem variar conforme o indivíduo que interpreta tal mensagem, pois a intervenção deste possivelmente seja carregada de experiências pessoais anteriores que o levam a tal exercício. Como objeto de estudo, pretendo abordar sobre as revistas – como mídias de comunicação –, as mensagens que estas comunicam aos seus receptores, a influência que exercem no sentido de induzir ao desejo e, por vezes, ao consumo de mobiliários, objetos e artefatos de decoração e, ainda, sobre a importância destes elementos na constituição de estilos de vida, definição dos gostos e formação de opiniões, considerando também as intervenções culturais. Neste contexto, a cultura representa um meio de intervenção na formação dos significados. Posições sociais e experiências vividas influenciam na maneira como os indivíduos recebem uma mensagem e depois a transmite. A cultura de um indivíduo compõe o modo de interlocução que este poderá fazer de algo que lhe é comunicado. É importante estimular a percepção da influência que as mídias impressas de comunicação exercem ao receptor destes signos no sentido de instigá-lo a admirar, desejar e até consumir aquilo que vê. As revistas de decoração podem atuar como poderosos veículos de comunicação, pois suas imagens oferecem aos leitores uma enorme riqueza de detalhes que despertam o prazer visual e comunicam, por exemplo, o que está na moda, os lançamentos, as tendências e as maneiras de compor diversos ambientes. Tomando a decoração, representada nas revistas, como objeto central deste ensaio, é importante considerar qual a sua relevância na constituição de um lar e na formação da identidade de quem vive nestes ambientes. Portanto, além da temática da comunicação visual, serão abordadas as intervenções culturais como agentes na formação de significados e, associada a estas questões, a composição e decoração de ambientes domésticos, considerando as características de seus habitantes. A intenção é que, ao término da leitura, este artigo possa contribuir para o entendimento e reflexão sobre a relevância que a mídia impressa de comunicação tem no sentido de direcionar decisões na maneira de organizar uma casa, decorá-la, adequá-la àquilo que se vê nas revistas, formar gostos e opiniões, promover concordâncias ou discordâncias diante do que é proposto ou ainda adotar para a vida particular ou de uma família algo do que está contido nela. Estes 2 processos, somados à nossa cultura e aos nossos valores, nos tornam indivíduos, sujeitos com particularidades. 2 LINGUAGEM E CULTURA Mídias são os meios de comunicação ou veículos responsáveis pela difusão da informação a um público amplo, heterogêneo e anônimo. Elas transmitem mensagens aos seus receptores através da linguagem. Existem as mídias eletrônicas, como o rádio e a televisão, as mídias impressas, como os jornais e as revistas, e ainda outros meios em constante surgimento e aprimoramento, como a internet. De acordo com Chinem (2003, p. 75), podemos considerar que: O poder de influência perante a opinião pública e, em decorrência, a capacidade de interferência na realidade conferem atualmente à mídia um papel de relevância no contexto social em que atua. [...] São evidências desse poder a capacidade de pautar temas de discussão pública, destruir e promover reputações, criar hábitos de consumo e tendências culturais. A linguistica é a ciência que estuda a língua em si, entendida como um código autônomo e auto-regulado. A linguagem está relacionada à figura do falante. O falante é o mediador da comunicação, que antes de prestar a mensagem ao receptor, também a recebe e a interpreta. Para Faraco e Negri (1998, p. 163-164), falar não é simplesmente a ação de transmitir palavras através de um sistema gramatical, como para os linguistas. Refere-se às práticas discursivas, às atividades sócio-verbais que geram significados. A escrita deixa de ser apenas um ato de expressão individual e torna-se uma espécie de jogo interativo de signos, enquanto ler passa a ser um processo ativo e complexo de geração de significações. A linguagem se apresenta como um mundo de vozes e suas relações de aceitação e recusa. As línguas sociais, ainda para Faraco e Negri (1998, p. 165), “são uma espécie de tecido em que se entrelaçam palavras e valores. São conjuntos difusos de visões de mundo (sistemas sociais de crenças) e elementos verbais.” Os meios de linguagens empregados nas revistas são textuais e imagéticos. Analisamos, então, a importância dos elementos transmissores da comunicação: as palavras e as imagens. Dondis (2003, p. 13) considera que em textos impressos, a palavra frequentemente é o elemento fundamental, enquanto as ilustrações servem como elementos de apoio. Já em meios modernos de comunicação, ocorre o inverso. As imagens têm maior destaque e as palavras as complementam. Em todos os estímulos visuais e em todos os níveis da inteligência visual, o significado pode encontrar-se não apenas nos dados representacionais, na informação ambiental e 3 nos símbolos, inclusive a linguagem, mas também nas forças compositivas que existem ou coexistem com a expressão factual e visual. Qualquer acontecimento visual é uma forma com conteúdo, mas o conteúdo é extremamente influenciado pela importância das partes constitutivas, como a cor, o tom, a textura, a dimensão, a proporção e suas relações compositivas com o significado (DONDIS, 2003, p. 22). A linguagem visual compõe mensagens em diferentes níveis de utilidade, desde as puramente funcionais até os domínios de expressão artística. A autora argumenta que as imagens representacionais, como a fotografia, exercem grande influência no sentido de nos levar a acreditar, saber, aprender, comprar, reconhecer e desejar as coisas. Transformam o que vemos em uma experiência mais direta, dispensando qualquer sistema de tradução entre o objeto e o símbolo. A realidade é mediada por linguagens, signos e significações. Desta forma, “não se faz necessária a intervenção de nenhum sistema de códigos para facilitar a compreensão. [...] a observação atua como nossa mais estreita ligação com a realidade do nosso meio ambiente” (DONDIS, 2003, p. 21). A autora constata, ainda, que a visão é parte integrante do processo de comunicação. Nos permite descobrir e perceber coisas novas, viver uma série de experiências, perceber o desenvolvimento de transformações através da observação. Ver significa compreender. Faraco e Negri (1998, p. 166) afirmam que “os signos verbais refletem e refratam o mundo, significando que não há um modo neutro, objetivo, sobre-humano de se falar do mundo.” A materialização do signo e a apropriação dos artefatos também atuam como refletores e refratores. As relações entre as diferentes vozes sociais constituem a linguagem. A interpretação da linguagem é uma ação social significativa tanto para quem a pratica, quanto para quem a observa. São diversas as maneiras que utilizamos para atribuir significados às coisas e para codificar, organizar e regular condutas entre elas. Diante disto, a cultura assume um importante papel no que diz respeito à estrutura e à organização da sociedade moderna. Os meios de produção, circulação e troca cultural se expandem através do desenvolvimento das tecnologias e da revolução da informação, disseminando padrões de consumo e comportamento. A mídia pode ser, ao mesmo tempo, “uma parte crítica na infra-estrutura material das sociedades modernas e, também, um dos principais meios de circulação das ideias e imagens vigentes nestas sociedades” (HALL, 1997, p. 02). A cultura passou a ser uma condição constitutiva da vida social e a linguagem é uma prática de representação, detentora de uma posição privilegiada na construção e circulação do 4 significado. Hall (1997, p. 09) descreve que “a linguagem constitui os fatos, não apenas os relata”. Sendo assim, o significado das coisas não se dá a partir delas próprias, como são colocadas, em sua constituição material ou em sua essência natural, e sim através da linguagem junto às intervenções culturais e simbólicas, que constroem significações, e dos sistemas de classificação nos quais as coisas são inseridas. Ainda para Hall (1997, p. 10), “a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas.” Toda prática social relevante depende e tem relação com o significado e uma dimensão cultural associada a um caráter discursivo. Sendo assim, transpomos esta lógica às diversas formas de composição e arranjo dos artefatos no lar. Hall (1997, p. 05) compreende que “a cultura é o elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais.” 3 DECORAÇÃO E FORMAÇÃO DO LAR O lar pode ser descrito como um provedor de abrigo. Sua aparência revela e delineia o comportamento das pessoas. O termo decoração refere-se a um fenômeno de estetização da casa e que pode proporcionar o prazer pessoal a quem a habita. Carvalho (2008, p. 275) argumenta que a estética doméstica é um trabalho associado à dona de casa, que planeja o embelezamento dos cômodos, o tratamento das paredes, janelas, assoalho, seleciona mobiliário, acessórios e peças artesanais. A configuração material da casa participa da produção de valores. Ela condiciona as comunicações individuais, sexuais e sociais, hierarquizando o espaço segundo a grade de valores de seus agentes. [...] Como qualquer forma de apropriação humana, o ato de decorar implica selecionar elementos de um universo complexo, contínuo e caótico, transformando-o em algo compreensível e praticável. [...] O embelezamento da casa pode ser considerado como uma força específica de conforto, que nós chamaremos aqui conforto visual. Tal fato não implica desconsiderarmos os seus demais níveis de penetração, que, somados, constituiriam uma espécie de conforto ambiental. No entanto, [...], parece correto supor que a visão é o sentido norteador da decoração, cujos efeitos articulam o prazer visual às mais profundas dimensões simbólicas. (CARVALHO, 2008, P. 275) A ideia do que é apropriado e belo no lar deram forma ao design de artigos para uso doméstico. Porém, o inverso também acontece, como um processo de interação entre o artefato e seu usuário: “ao mesmo tempo que se conforma ao consenso do gosto, o design diz às pessoas o que elas devem pensar sobre a casa e como devem comportar-se dentro dela” (FORTY, 2007, p. 5 132). O autor cita um exemplo do tipo de influência que as ideias de adequação doméstica podem ter sobre a aparência dos objetos: a máquina de costura. No início de sua história, ao final do século XIX, a máquina de costura não era aceita em ambientes domésticos por sua estética semelhante à das máquinas de produção industrial, e não se admitia que a estética do lar trouxesse memórias de um ambiente de trabalho. Os fabricantes das máquinas, então, viram a necessidade de distingui-las conforme o ambiente e a função a que seriam destinadas. Para tornar as máquinas desejáveis ao lar, faltava superar sua aparência industrial indesejável: como convencer as pessoas de que era apropriada para o lar quando elas achavam que tais máquinas pertenciam às oficinas e deveriam ser operadas apenas por moças da classe trabalhadora? Uma das respostas foi a propaganda intensiva. Os fabricantes aproveitaram todas as oportunidades para convencer o público da adequação da máquina ao lar, anunciando em folhetos da época. Além da publicidade, os fabricantes se conscientizaram de que era preciso tornar os modelos mais apropriados ao lar, diminuindo seu tamanho e dando-lhe formas mais leves e elegantes. A máquina passa a ser um elemento decorativo na sala de estar, exclusivamente doméstica, unindo beleza e arte (FORTY, 2007, p. 136-137). Tendo o lar aspectos completamente distintos dos de um ambiente de trabalho, o próximo requisito era expressar em seu interior a personalidade de quem o ocupava, assim como a expressão de gestos, comportamentos e características individuais. (FORTY, 2007, p. 145) A atividade de consumo pode estar relacionada à construção e expressão da identidade, e oferece alternativas para que estas construções se estabeleçam também a partir de posições sociais. Duarte (2009, p. 138-142) descreve, em uma das suas obras, a situação de um personagem. Diogo é um médico que acaba de passar por um divórcio e está em um processo de reconstituição da vida pessoal e do seu papel de pai. Isto inclui a montagem e decoração do novo espaço em que reside sem os três filhos, que permaneceram com a mãe, mas que os acolha como um lar quando estes cumprirem suas estadias regulares aos finais de semana. Diogo, então, pretende transformar o apartamento em um lar de família, dedicando-se com afinco e de forma pessoal, sem recorrer à ajuda de nenhum profissional ou especialista, pois isto lhe traria a sensação de autonomia. Para isso, Diogo recorreu à compra de revistas de decoração e passou a imaginar como constituiria seu novo lar. Em uma das revistas destacou-se uma cama que Diogo mandou fazer na fábrica de uns antigos pacientes, adaptando ao espaço disponível em seu quarto. “Eles disseram que faziam pela amostra. É madeira castanha, muito escura, portanto, fica tipo oriental, muito baixinha e assimétrica; o estrado onde pousa o colchão é assimétrico e isso é que eu achei muito bonito; e as mesas-de-cabeceira, não são mesasde-cabeceira mas são prolongamentos da cama, assimétricos também. Com uma assimetria oposta à que está no estrado. [...] Eles, quando foi para fazerem, perguntavam-me se era mesmo aquilo que eu queria. Eles duvidavam, mas depois 6 vieram cá tirar as medidas ao quarto e viram que era possível. [...] Portanto, o conceito não foi meu, mas a adaptação foi! Desenhei-a e, portanto, essa aí é minha! O conceito foi tirado de uma revista espanhola de que eu gostei muito. Aliás, depois comprei dois ou três números seguidos da mesma revista.” [Diogo] (DUARTE, 2009, p. 141). Diogo continuou a decorar, à sua maneira, todos os outros cômodos da casa, desde a cozinha até a escolha de pequenos objetos. Em seu novo relato, ele descreve como foi esta experiência: “Tudo que tenho aqui tem a ver comigo! É para me sentir bem. Para me sentir confortável. Este espaço físico serviu – digamos – de reserva psicológica para suportar a situação. É um sítio que me dá aconchego, não é uma coisa impessoal. Nada é impessoal aqui dentro, nem a cozinha! (...) O gosto disto é uma coisa muito específica, muito moderna, de linhas minimalistas. Comprei especificamente as coisas para aqui; e pensei muito nisso e na minha nova situação. Foi sobretudo peça a peça, quer dizer, para ali queria comprar uma mesinha: procurava! Fica bem um tapete? Não fica bem?! Depois escolhia-o. (...) Estava também a preparar a casa para receber aqui os meus filhos. Chegam aqui e isto não é tudo do pai.” [Diogo] (DUARTE, 2009, p. 142). O caso de Diogo revela que, para se sentir bem em uma casa, esta deve complementar a identidade de quem nela vive. Diogo conseguiu isto com seu próprio trabalho, com o auxilio das revistas de decoração que comprou, provando para si mesmo que ‘não era um fracasso em todos os aspectos’. Além da reformulação indentitária, ele também revalidou seu papel de pai, que se confirmava a cada vez que seus filhos demonstravam enorme prazer em estar naquela casa. Em muitas situações, o arranjo de mobiliários e objetos em um interior residencial se dá à maneira de quem a ocupa, visando satisfazer não apenas o conforto visual, mas, possivelmente, uma infinidade de outros confortos. Estes arranjos também podem acontecer aleatoriamente. À medida que se adquire os artefatos, estes podem ser distribuídos e alocados em um ambiente de uma forma não planejada. Há, ainda, os que optam por praticar a decoração de forma referenciada, com base em tendências, orientações profissionais de arquitetos, designers e decoradores, ou ainda mediante o uso de revistas de decoração, como inspiração para novas ideias, buscando o conforto visual. “Os muitos manuais do final do século XIX davam grande quantidade de conselhos sobre decoração doméstica, dos quais se podem deduzir alguns princípios.” (FORTY, 2007, p. 145). Isto nos põe a refletir que, desde a época referenciada, já havia influência das mídias impressas no sentido de definir gostos e estilos de vida. Carvalho (2008, p. 275) aponta que “são inúmeras as referências documentais ao ‘aspecto’ da decoração de uma casa. ‘Aspecto’ de beleza, de conforto, ‘aspecto agradável’, ‘efeitos’ artísticos ou ainda à associação que se pretende entre ‘razão estética’ e ‘razão de conforto’”. A sensação de conforto 7 visual pode desencadear outras sensações de prazer que os interiores residenciais pretendem oferecer a quem os habita. A disposição dos objetos e artefatos de ordem decorativa torna o ambiente agradável e de bom gosto, seduzindo esteticamente seus frequentadores. Ainda dentro de um ambiente doméstico, focamos a discussão para os objetos antigos que podem ser identificados. É a manifestação do vintage, um estilo de forte apelo emocional, carregado de histórias e lembranças. Ferraz (2010) afirma que as peças vintage, no atual contexto, são originais e de qualidade reconhecida. Em rigorosa tradução, a palavra de origem inglesa significa ‘safra de vinho’. “O termo, entretanto, foi adotado pelo mundo da moda e da decoração para designar peças que viraram referências de uma época” (CASA CLÁUDIA, 2010). O vintage adora homenagear o que já passou. Enamorado pelo passado - da realeza até as estrelas do rock, de peças de herança de família até filmes clássicos - eles o trazem para o presente com charme, peculiaridade e, frequentemente, elegância (INOVE DESIGN, 2010). Os artefatos que atualmente se enquadram neste estilo são heranças de um período da história da arte, o modernismo. Este foi um movimento artístico transformador dos aspectos culturais que eram considerados ultrapassados para sua época, que compreende o final do século XIX e algumas décadas do século XX. Entre suas tendências, estavam a determinação de se criar uma arte condizente com a sua época, renunciando modelos clássicos precedentes tanto na temática quanto no estilo, e a busca de uma funcionalidade decorativa, inspirada no estilo europeu e no industrialismo. Há, neste movimento, motivos materialistas e espiritualistas, técnico-científicos, humanos e sociais (ARGAN, 1988, p. 185). Estas peças têm um grande valor agregado por serem duráveis, de qualidade e, por alguns profissionais, consideradas raras. O ‘grande valor’ de um objeto o relaciona à raridade e à antiguidade, atribuindo-lhe alto valor artístico e monetário. O valor artístico o caracteriza como uma peça decorativa, logo, deve ser compreendida com relação ao lugar que ocupa no espaço. Sendo assim, antes de descrever algum objeto, o situamos fisicamente no espaço, percebemos o contraste que produz com o ambiente e a forma de composição deste em meio a outros objetos, se proporcionam simetria ou como se delimitam em um conjunto. A partir de então, passamos a descrevê-lo de forma minuciosa, na qual se identificam os demais elementos responsáveis pelo prazer visual: a textura, a experiência de estar em contato com algo que é raro e antigo (e, por isso, bom), a harmonia das cores, a forma. A descrição de um objeto no contexto em que está inserido incita a imaginação, estabelecendo um contato direto com a subjetividade do observador. 8 “A capacidade de obter prazer visual não depende somente dos objetos em si, mas da relação espacial que eles mantêm; em outras palavras, o prazer visual depende da decoração” (CARVALHO, 2008, p. 278). CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência pessoal de viver em um ambiente agradável é algo que depende da maneira como este se constrói. A sensação de conforto visual pode proporcionar uma diversidade de outras sensações que um bom interior residencial deve oferecer. Isto posto, consideramos também a interação que há entre o ambiente e seu ocupante, de modo que este sinta-se à vontade e se identifique com o espaço que o envolve. Entendemos, assim, que um interior doméstico constitui-se como um lar ideal quando este oferece conforto e é adequado às necessidades e características de seus moradores ou frequentadores. As revistas podem contribuir no sentido de, da mesma forma que um ambiente, transmitir a sensação de conforto visual e despertar em seu receptor o desejo de se apropriar das composições e arranjos identificados nas imagens. Antes, é claro, devemos lembrar que é o design de cada um dos artefatos inseridos em um ambiente que se apropria ou não de uma estética que agrada aos olhos. Voltando às revistas, percebemos o poder que estas imagens podem ter, já que dispensam o trabalho de tentar descrever o que está contido nelas, por muitas vezes sem total êxito. É evidente que uma imagem fotográfica, por exemplo, tem uma capacidade muito maior de comunicar detalhes do que as palavras são capazes de descrever. Mas as mensagens transmitidas por estas mídias, antes de serem apropriadas por seus receptores e praticadas em seus ambientes domésticos, passam por uma intervenção cultural. Quem é o receptor da mensagem? Quais as experiências já vividas por ele? A que classe social ele pertence? De que maneira ele forma suas opiniões, gostos, preferências? Quais as suas necessidades? Entre outras questões, uma mensagem comunicada em uma revista é refratada em seu receptor, que atua como um interventor, e depois a reflete em um contexto social. Percebemos o quanto a revista de decoração, como uma mídia comunicadora de mensagens, pode ser um forte meio de intervenção cultural na vida social das pessoas. 9 REFERÊNCIAS ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e Artefato: O sistema doméstico na perspectiva da cultura material – São Paulo, 1870 – 1920. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2008. CASA CLÁUDIA. Diálogo com o vintage. Disponível em: <http://casa.abril.com.br/casaclaudia/edicoes/0563/apartamentos/mt_288942.shtml>. Acesso em: 05 out. 2010. CHINEM, Rivaldo. Assessoria de Imprensa: Como fazer. São Paulo: Summus Editorial - 2ª edição, 2003. DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martin Fontes, 2003. DUARTE, Alice. Experiências de consumo: Estudos de classe no interior da classe média. São Paulo: U. Porto editorial, 2009. FARACO, Carlos Alberto; NEGRI, Ligia. O falante: que bicho é esse, afinal? Curitiba: Editora UFPR, 1998. FERRAZ, Ignez. 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