KIT ATELIÊ DO CONHECIMENTO: UMA ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NO ÂMBITO HOSPITALAR MAESTRO, Adriana Maximo Bettoi – CUFSA [email protected] ESLAVA, Bianca Ferreira - CUFSA [email protected] GOUVÊA, Maria Elena de - CUFSA [email protected] ROSA, Ivete Pellegrino Rosa - CUFSA [email protected] Eixo Temático: Pedagogia Hospitalar Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Considerando a relevância da atividade lúdica no desenvolvimento humano, acreditamos que o papel do pedagogo no âmbito hospitalar é o de estimular a consciência crítica, para que as crianças tenham a percepção de que todos os recursos existentes no mundo possam ser por elas utilizados, podendo contribuir na construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária e que respeite e valorize a dignidade humana. Além disso, estas atividades proporcionam importantes momentos sócio-interativos, é por meio do fazer artístico que a criança entra em contato com um conjunto de material, que pode ser explorado de modo a aperfeiçoar aprendizagem de diversas áreas do conhecimento. O principal intuito do material aqui apresentado, e denominado por kit Ateliê do Conhecimento, é o de elevar a auto – estima das crianças em tratamento oncológico, através do desenvolvimento de suas diferentes habilidades cognitivas. Adicionalmente o kit visa proporcionar por meio do lúdico, situações de aprendizagens do cotidiano bem como estimular áreas da zona de desenvolvimento proximal de cada criança que se envolve com este material. O kit Ateliê do Conhecimento é um instrumento de caráter pedagógico de suma importância, que contribui significativamente para a aprendizagem do paciente/aluno, pois ao ser utilizado no Apoio Pedagógico realizado em hospitais, durante o período de tratamento, ou em outros ambientes especiais, favorece a construção do conhecimento, uma vez que, por meio das Artes, o aluno consegue migrar para as diversas áreas do conhecimento de maneira prazerosa, lúdica, respeitando seus limites e estimulando o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e motor. Palavras-chave: Lúdico. Pedagogia Hospitalar. Auto-estima. Formação de Conceitos. Zona de desenvolvimento proximal. 2300 Introdução A educação e a saúde são essenciais para promover qualidade de vida aos cidadãos, em especial quando se tratam daquelas pessoas que se encontram doentes e fragilizados durante o tratamento clínico e internações em hospitais. Por isso, estas áreas devem trabalhar juntas, dedicadas na promoção do desenvolvimento e recuperação dos mesmos. Os profissionais de saúde envolvidos no processo de cuidado e tratamento do paciente/aluno relatam que a criança que recebe algum tipo de tratamento de atenção educacional durante o internamento tende a ser mais receptiva, calma e realiza as tarefas terapêuticas com disposição, o que auxilia em sua recuperação. (MATOS, 2009, p.43). É difícil para o paciente/aluno conseguir se integrar a sua nova realidade, pois seus hábitos corriqueiros são desativados, em especial o contato com a escola. Por esse motivo, o pedagogo que atua no âmbito hospitalar, precisa constantemente renovar suas práticas pedagógicas, pois além de suprir as necessidades biopsicossociais do paciente/aluno, também é imprescindível elevar sua auto-estima, proporcionando momentos agradáveis, capazes de descentralizar a doença como foco de sua vida. Diante deste contexto, uma das estratégias encontradas para estimular o desenvolvimento global do paciente/aluno consiste na prática pedagógica humanizada norteada por atividades lúdicas. As atividades lúdicas são essenciais para o paciente/aluno, pois estimula o desenvolvimento das potencialidades humanas, ampliando suas habilidades cognitivas, afetivas e sociais. Além disso, estas atividades proporcionam momentos sócio-interativos, fazendo do brincar, um mecanismo indispensável às experiências que elevam a compreensão de mundo e ampliam os saberes por meio da prática autônoma e contínua de construir e reconstruir idéias. As primeiras atividades lúdicas do ser humano são exploratórias. O bebê começa por explorar a si mesmo, suas possibilidades de movimento, de produção de sons, de comunicação e uso do espaço.Estas atividades exploratórias são fundamentais para subsidiar o processo de construção de conhecimento da criança. Quando ela manipula objetos, experimenta o mundo ao seu redor pelo prazer de descobrir e satisfazer sua curiosidade de conhecer (...) (CUNHA, 2007, p.21). 2301 É neste sentido que aprimoramos nossa prática educacional e, consequentemente, elaboramos um kit pedagógico baseado no lúdico, porém tendo como foco central a Arte, como área curricular, especificamente a Artes Visuais. Por meio do fazer artístico, a criança entra em contato com o lúdico e aperfeiçoa sua aprendizagem sobre as diversas áreas do conhecimento, além de estar constantemente vivenciando valores significativos para sua formação quanto ser humano. Kit Ateliê do Conhecimento: uma estratégia pedagógica no âmbito hospitalar Por ocasião do desenvolvimento do programa Apoio Pedagógico destinado às crianças em tratamento oncológico, atendidas no Ambulatório de Pediatria Oncológica da Faculdade de Medicina do ABC e na Casa Ronald Mc Donalds do ABC, visamos oferecer estimulação escolar, para que quando receber alta do tratamento elas possam se reintegrar na escola regular e, consequentemente na sociedade, como um todo. Nosso programa de Apoio Pedagógico ocorre enquanto elas esperam ser chamadas para as consultas, ou enquanto passam por algum procedimento clínico, constituindo-se em um trabalho realizado no conjunto da rotina hospitalar. Trata-se de um processo flexível, norteado por atividades que são adaptadas de acordo com os procedimentos médicos ao qual o aluno será submetido ao longo do dia. Para minimizar a angústia e o sofrimento das crianças durante este período, elaboramos o kit Ateliê do Conhecimento, pois por meio da Arte a criança libera seus sentimentos, sendo este um meio propulsor para o seu desenvolvimento global, além de conter elementos de aprendizagem do cotidiano. Este kit consiste em um compartimento plástico, com alguns recipientes menores em seu interior organizados com os elementos básicos das artes visuais, que são encontrados em ateliês. Introduzimos no kit, materiais utilizados em técnicas de artes plásticas (giz de cera, guache e lápis de cor), há também diferentes tipos de papéis (papel cartão, cartolina, sulfite,), além de um grande acervo de objetos que podem ser úteis durante o desenvolvimento de trabalhos artísticos, como pincéis, retalhos de tecidos, botões, lixas, miçangas, pedrarias, palitos diversificados, rolhas, massa de modelar e alguns materiais reaproveitados. Acreditamos no potencial do paciente/aluno e por isso permitimos que ele se liberte e elabore o que deseja através da Arte, fazendo uso de informações adquiridas em aprendizagens anteriores (zona de desenvolvimento real). Estas informações, absorvidas 2302 previamente ao tratamento, serão automaticamente ampliadas com a intervenção da professora que mediará um possível novo conhecimento (zona de desenvolvimento potencial), seja, na área de língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história e/ou geografia. A distância entre o conhecimento adquirido pela criança por meio de ações independentes e o conhecimento em que ela ainda não é capaz de realizar sozinha, sendo necessário um mediador é chamado de zona de desenvolvimento proximal. A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VIGOTSKI, 2000ª, p.112). Ao utilizar o kit, o paciente/aluno estará constantemente na zona de desenvolvimento proximal, pois poderá, por exemplo, construir histórias, na qual a professora estimulará a alfabetização, criar maquetes – que poderão contribuir para aquisição de conceitos relacionados às ciências naturais – e confeccionar objetos, fazendo uso de medidas, que permitirão um contato com alguns conceitos matemáticos. Desta forma, o desenvolvimento artístico por meio do lúdico subsidiará a construção do conhecimento do paciente/aluno, além de possibilitar expressar seus sentimentos e, ainda, durante as atividades em grupo, interiorizar valores como o respeito, a solidariedade, a empatia, dentre outros tão necessários na atual sociedade. As atividades lúdicas são instrumentos pedagógicos altamente importantes, mais do que entretenimento, são um auxílio indispensável para o processo de ensinoaprendizagem, que propicia a obtenção de informações em perspectivas e dimensões que perpassam o desenvolvimento do educando. A ludicidade é uma tática insubstituível para ser empregada como estímulo no aprimoramento do conhecimento e no progresso das diferentes habilidades (MALUF, 2008, p.42). O Ateliê do Conhecimento além de ser um instrumento para o desenvolvimento das representações dos alunos acerca do conhecimento absorvido, é também um meio oportuno de estimular as crianças a terem vontade de interagir e explorar cada vez mais os objetos a sua volta, como um incentivo de ampliar suas experiências e aperfeiçoar suas habilidades, por meio da arte que será trabalhada de forma lúdica. 2303 É a partir da interação que a criança vai desenvolvendo suas relações bases de formulação de conceitos espontâneos, depois a generalização, oriundas dos significados que apreende do universo cultural ao qual se insere. Assim, a criança transforma sua linguagem e desenvolve conceitos. “Como as tarefas de compreender e comunicar-se são essencialmente as mesmas para o adulto e para a criança, esta desenvolve equivalentes funcionais de conceitos numa idade extremamente precoce, mas as formas de pensamento que ela utiliza ao lidar com essas tarefas diferem profundamente das do adulto, em sua composição, estrutura e modo de operação” (VIGOTSKY 1989, p.48). Portanto, oferecer o Ateliê do Conhecimento é também proporcionar oportunidades à criança para formar conceitos, iniciando um percurso para o desenvolvimento do pensamento conceitual, estimulado pelos conceitos espontâneos e cotidianos, criando estruturas para os conceitos científicos. Objetivo A intervenção pedagógica realizada por meio deste kit tem como um dos objetivos centrais permitir que o aluno escolha e manuseie os materiais desejados, oferecendo a possibilidade do desenvolvimento autônomo de atividades relacionadas às Artes Visuais, sendo o pedagogo mediador dos conhecimentos que poderão ser apreendidos a partir do que seu aluno desenvolveu inicialmente, é também uma pessoa que mostre ao aluno sua capacidade de sujeito agente, estimulando sua identidade, autonomia e consciência crítica, por meio de uma educação de livre descoberta. Metodologia Não há apenas uma metodologia para aplicação do kit Ateliê do Conhecimento, fato que permite ao pedagogo variar e aprimorar suas estratégias durante a utilização do mesmo, o que consistirá em adotar a prática mais adequada às necessidades de cada indivíduo. Buscamos assim, atuar em prol do desenvolvimento do aluno, visando que ele se sinta livre, capaz de explorar e enriquecer suas experiências. No programa de Apoio Pedagógico uma das estratégias metodológicas utilizadas, ocorre da seguinte maneira: 2304 O primeiro momento consiste no acolhimento do paciente/aluno, que por meio de conversas descontraídas, nos aproximamos, tendo abertura para inicialmente apenas mostrarmos o kit Ateliê do Conhecimento. O próximo passo é dado pela própria criança, pois ao ver o kit, ela se encanta com a decoração do mesmo e solicita abri-lo para verificar o conteúdo que há em seu interior. Então, deixamos a criança explorar todos os materiais contidos nos diferentes recipientes que compõem o kit, até o momento em que ela decide com quais materiais trabalhará artisticamente. Em seguida, ela inicia suas criações por meio de sua própria criatividade e imaginação. E quando necessita, solicita o auxílio da professora para suprir alguma dúvida. É neste momento que, ao intervir, a professora pode explorar o trabalho da criança, fazendo do mesmo, um meio migratório para outras áreas do conhecimento. A educação em Arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas. (PCN Arte, 1997, p. 19). As atividades realizadas pelas crianças, com o auxílio do kit são relacionadas aos itens dos Parâmetros Curriculares Nacionais, além de constantemente realizarmos pesquisas em diferentes acervos acadêmicos, para atualizar nossa prática pedagógica, afim de, suprir as necessidades das crianças, sejam elas cognitivas, afetivas, motoras, emocionais, sociais, dentre outras. É importante ressaltar que, antes de atuar pedagogicamente é necessário que o pedagogo tenha conhecimento da patologia do paciente/aluno para ter esclarecimento sobre suas restrições físicas e intelectuais que podem ser afetadas durante o tratamento, como a memória, habilidade motora, dentre outros aspectos. Por isso, junto ao kit também há alguns materiais sensoriais para essa demanda de pacientes, visando contribuir com a continuidade de seu desenvolvimento. Vale salientar também que, a cada atividade desenvolvida, fazemos registros fotográficos que são arquivados ao inventário de dados de cada uma das crianças. 2305 Este kit visa despertar o interesse da criança por ser um instrumento atípico de sua vida acadêmica, ou seja, a criança passa a perceber que ela pode se desenvolver em diferentes âmbitos de maneira natural, gradativa e de forma prazerosa, por meio do lúdico. Resultados O trabalho realizado por meio do kit Ateliê do Conhecimento com as crianças em tratamento oncológico mostrou que a prática pedagógica desenvolvida por atividades lúdicas pode trazer inúmeros benefícios as mesmas. No decorrer do apoio pedagógico elas apresentaram gradativamente um aumento quanto ao interesse, participação, reflexão, criticidade, autonomia, motivação, cooperação, curiosidade, criatividade, sendo possível observar estes resultados inclusive nos trabalhos e registros realizados pelas crianças, o que, caracteriza grandes avanços em diferentes aspectos ao seu desenvolvimento. Notamos também, melhora de humor, o que suavizou a característica de apatia, uma reação inicial muito freqüente durante o tratamento, como já relatado por Bowlby (1995), quando ele descreve o comportamento da criança hospitalizada. Percebemos que a apatia, já não era mais presente nessas crianças, como no início, pois elas formaram vínculos afetivos com as pedagogas e solicitavam constantemente o Ateliê do Conhecimento para realizarem atividades. As crianças perceberam que elas podem aprender brincando e que Arte quando aplicada de forma lúdica, pode ser um caminho facilitador e prazeroso para descobrir e explorar as diversas áreas do conhecimento. É interessante ressaltar também que, com a doença, as crianças passam a sentir que estão em um momento de declínio, porém ao longo das atividades guiadas pelo kit, constatamos que elas reverteram esta situação, pois passaram a perceber que, mesmo diante da doença, podem e têm o direito de vivenciar momentos significativos e especiais. As crianças passaram a demonstrar entusiasmo e alegria ao participarem de uma educação que, mesmo realizada no âmbito hospitalar é capaz de ser diferenciada, exploratória, proporcionando interação, desenvolvendo habilidades e acima de tudo fortalecendo a relação professor/aluno, uma vez que, esta aproximação é de suma importância, pois a afetividade é essencial para seu desenvolvimento cognitivo e social, além de resgatar ações que eram desenvolvidas antes do tratamento. 2306 Conclusão Percebemos que por meio do kit Ateliê do Conhecimento o aluno se expressa sem medo de errar, pois cria e desenvolve aquilo que deseja com prazer, percebendo que a professora é sua parceira, a qual pode compartilhar suas dores, alegrias e, inclusive mediar suas interações com o ambiente hospitalar, proporcionando informações sobre sua doença, procedimentos e tratamento, de modo que os esclarecimentos destes fatos o conscientizem de que sua colaboração será fundamental para sua recuperação. Constatamos também que muitas crianças apresentaram um nível de aprendizagem não compatível com a série a qual estavam matriculadas. Por esse motivo, frequentemente este material é também utilizado como um instrumento estimulador para a alfabetização, além de poder contribuir com a aquisição de conteúdos matemáticos básicos, dentre outros conhecimentos necessários para darmos continuidade à aprendizagem de forma lúdica e prazerosa. Para Winnicott (1982), a criança busca, ao participar de uma atividade lúdica, prazer, para mostrar agressividade, para controlar a ansiedade, para estabelecer contatos sociais, para realizar a integração da personalidade, e, por fim, para comunicar-se com as pessoas. Por isso, pretendemos por meio deste kit fazer com que a criança, mesmo durante o tratamento oncológico, não pare de vivenciar a ação exploratória e reflexiva tão essencial ao seu desenvolvimento. Assim, durante a aplicação do kit Ateliê do Conhecimento não só as crianças como nós pedagogas, também nos enriquecemos, tanto profissionalmente, constatando a importância de aprimorar práticas pedagógicas, quanto também como seres humanos, pois percebemos que nosso trabalho está muito além do processo ensino-aprendizagem, é um trabalho humanizado que visa o desenvolvimento e recuperação do paciente/aluno quanto sujeito integrante de uma sociedade, capaz de lutar pela dignidade humana. 2307 Fig. 1 Vista lateral do kit Ateliê do Conhecimento Fig. 2 Aspectos do interior do kit Ateliê do Conhecimento REFERÊNCIAS BOWLBY, Jonh. Cuidados maternos e Saúde Mental. Trad. Vera Lúcia de Souza e Irene Rizzini. São Paulo: Martins Fontes, 1995 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997. CUNHA, N.H.S. Brinquedoteca, um mergulho no brincar. São Paulo: Aquariana, 2007. MALUF, Ângela Cristina Munhoz. Atividades lúdicas para Educação Infantil: conceitos, orientações e práticas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. MATOS, Elizete Lúcia Moreira. Escolarização Hospitalar. Educação e saúde de mãos dadas para humanizar. São Paulo: Vozes; 2009. 2308 WINNICOTT, D.W.A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982. VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000ª. VIGOSTTSKI, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989