A sociologia Jurídica como campo de formação da cidadania Legal sociology as a field of citizenship education Helena Mendes da Silva1 Resumo A Sociologia é a ciência que atua no campo social e estuda as relações sociais e as consequências sociais do relacionamento dos indivíduos na sociedade. Neste sentido, o presente artigo ajuda a pensar o viver das pessoas entendendo que viver é decidir sobre as várias opções que se apresentam e em que medida a escolha implica em liberdade de escolha. Considerando que esta liberdade muitas vezes sofre a interferência das situações sobre as quais a própria sociedade delega a ela o controle. O que será demonstrado no artigo é a ação do estado, das leis e dos costumes como exercício do controle, da limitação e da efetividade jurídica sobre as relações sociais na sociedade. Ao tempo que os cidadãos passam pelo processo de formação da sua própria cidadania. Palavras-Chave: Sociologia Jurídica, Cidadania, Direito Abstrat Sociology is the science which is active in social studies and social relations and social consequences of the relationship of individuals in society. In this sense, this article helps you think people understand that living life is deciding on the various options presented and to what extent the choice implies freedom of choice. Whereas this freedom often interfered with by the cases to which society it self delegates to her Helena Mendes da Silva, Mestre em Sociologia pela Pontifícia Universidade de São Paulo - PUCSP, Profa. de Sociologia nos cursos de Administração e Direito-Faculdade Católica D. Orione - FACDO e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão -NUPEX/FACDO. e-mail: [email protected] 1 117 Helena Mendes da Silva control. What will be shown in the article is the action of the state, the laws and customs as an exercise of control, the limited effectiveness of legal and social relations in society. At the time that people go through the process of forming their own citizenship. Key-word: Sociology of Law, Citizenship, Law Introdução O mundo atual requer mais que em qualquer outro tempo da história, um olhar aguçado quanto às realidades que compõe o quadro das relações sociais. Compreender as múltiplas facetas pode tornar os seres humanos mais preparados para enfrentar as dificuldades que entremeiam as intrincadas teias sociais. É a partir desta consideração inicial que neste artigo instiga-se a pensar sobre a relevância das ciências sociais: Sociologia, Política e Antropologia; tratando aqui de um modo muito particular da Sociologia Jurídica pela experiência da autora com esta disciplina em sala de aula há um período de 5 anos consecutivos. Não se trata de cumprir a disciplina porque a mesma se encontra ou não, na matriz curricular dos cursos de direito, nem tão pouco porque a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, anunciou que tais conteúdos serão cobrados em seu exame, mas sim indagar de sua importância intelectual para a prática, já que a disciplina se propõe a observar as ciências sociais a partir de fatos concretos, inseridos no cotidiano e que fazem parte da vida da sociedade. 1. A Formação das consciências Objetivamente se quer despertar nos futuros juristas habilidades como consciência crítica e a sensibilidade para perceber os links que se fazem entre o direito e a realidade social. E a propósito, qual a importância do desenvolvimento da consciência crítica? Castro (2003, p.258) ao abordar esta temática afirma: O Processo socializador, como meio de integração, leva os indivídu- 118 Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania os, em primeiro tempo, a aceitação do complexo axiológico estruturado porque imposto. Em segundo tempo, à própria educação encarrega-se de despertar a consciência das diferenças de estratos sem condições de justificá-las, procura, outrossim, explicá-las e, em termos de controle embasa-se no fetichismo da representação. A sociologia jurídica não deve se preocupar somente com a efetividade da norma da reflexão, mas também com os próprios contextos de produção da norma estatal e de produção de normas não estatais. Assim, tomando como paradigma Max Weber, a validade e os costumes também são objetos da sociologia jurídica, tendo em vista que as pessoas obedecem à norma em função de uma legitimidade do ponto de vista Weberiano: carismática, racional-legal ou tradicional. Como pode-se ver na afirmação do próprio Weber (2004, p.133) Dentro da regularidade da conduta social podemos descobrir usos e costumes. Gozando muitos usos de prestígios pela sua eficácia, tornaram-se costumes e o homem passou a considerá-los como sagrados, tendo força de lei sobre os comportamentos sociais. O pensamento crítico, por sua vez, importante dentro da análise subjetiva, traz o posicionamento do autor frente ao fato analisado, podendo este trazer novas interpretações e questionamentos, permitindo-se uma melhor compreensão do mundo em que se vive. A importância da visão crítica está acima da religião, da política ou mesmo dos pré-conceitos que somos portadores. Observar a realidade social a partir do posicionamento isento e científico é importante para que se possa tomar consciência e assumir posicionamentos. Atualmente, há um bombardeio de informações provenientes de todos os meios. A Internet, a televisão, o rádio, os meios impressos, o cinema, enfim; imagens e palavras que cruzam fronteiras terrestres e disseminam o meio social. Como saber selecionar o que se vê e o que se lê? Como interpretar essas informações? E, como interagir de forma construtiva ou mesmo tomar posição frente à análise verificada? Essas interrogações são comuns no meio universitário, no qual jovens sedentos de informações e instigados a criarem uma interpretação do mundo buscam desesperadamente respostas para os problemas apre- Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 119 Helena Mendes da Silva sentados. Primeiramente temos que lançar um problema: o filtro da informação. Saber selecionar o que se quer conhecer. A seleção das informações deve ser criteriosa: fontes confiáveis e assinadas (saber quem é o autor da informação) - pode ser um primeiro passo para a coleta da informação. Seguindo-se da análise isenta a aplicação de conceitos ou métodos conhecidos da ciência afim. Talvez nesta parte o que mais cause estranheza ao estudante seja justamente o compartilhamento das etapas até que se chegue à interpretação. Porém, é de suma importância esse trajeto metodológico, pois é este que diverge de análises feitas a priori ou mesmo baseadas no senso comum. O que diferencia a interpretação sociológica do posicionamento do senso comum é justamente o método aplicado. E, cabe aqui observar a importância da análise científica, pois é ela que leva a quebrar preconceitos ou realizar conclusões apressadas. E, sabe-se também que na atualidade a rapidez dos meios midiáticos cria a necessidade do julgamento rápido, o que pode nos conduzir ao erro. Num segundo plano, cabe mencionar o juízo de valor ao analisar qualquer fato social. Somos portadores de posicionamentos os mais variados possíveis, desde as diferentes matizes de formação intelectual, social, educacional, religiosa e política – podendo chegar a interferir no julgamento isento do fato analisado. Esse item é de grande relevância, pois muitos trabalhos analíticos pecaram justamente por conduzir análise a julgamentos preconceituosos. E cabe a autocrítica como forma de exercitar-se intelectualmente, inibindo assim essas influências negativas. A imparcialidade é sem dúvida o ponto alto de qualquer interpretação social, qualquer que seja ela. E, num terceiro plano, para a elaboração de análise científica cabe lembrar a utilização das teorias, métodos e conceitos; importantes em todas as áreas do conhecimento e imprescindíveis em ciências sociais. Várias são as teorias em cada área específica que o cientista pode aplicar, cabendo somente a ele a melhor escolha. Cada uma das ciências sociais possui contribuições diferentes para a compreensão do mundo. A Sociologia propõe analisar fatos sociais, buscando seu desenvolvimento e influência destes na vida das pessoas; a Antropologia 120 Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania objetiva compreender a cultura humana, em toda sua diversidade, ressaltando o modo de vida, forma de pensamento e comportamentos; a História investiga a gênese dos acontecimentos, possibilitando-nos compreender melhor quem somos hoje em virtude de nossos antecedentes; e a Política, que investiga as manifestações coletivas e as formas de organização do homem visando à administração pública. Todas essas ciências têm por base a reflexão crítica: tomada de consciência. A consciência crítica é importante frente à complexidade em que se vive. A escolha, as opções, o comprometimento profissional – tudo que fazemos inter-relaciona com o outro – e afirma que não estamos sozinhos e que a interação é primordial em qualquer ambiente coletivo. No que tange a esta questão afirma Guareschi (1991, p.25) A consciência crítica é como se fosse um hábito, um costume, algo que sempre se deve fazer, em qualquer circunstância e em qualquer momento [...] a sociologia que nos interessa é uma sociologia que vá a essência das coisas, e que não fique apenas nas aparências. É preciso continuar sempre com a visão crítica: nunca se deixar absolutizar, procurar sempre o vazio, o escondido de tudo o que existe, pois tudo é relativo. Assim, quanto mais “visão crítica”, mais aptidão tem o Homem frente ao mundo que o rodeio, e assim pode facilmente tomar decisões acertadas. As ciências sociais tornam-se assim primordiais para o estudante universitário, trazendo formas de pensamento que podem ser utilizadas em quaisquer áreas profissionais ou mesmo pessoais: o engenheiro ao planejar uma grande obra, o administrador ao analisar as mudanças no mercado de trabalho, o advogado ao emitir seus julgamentos, todos utilizam a reflexão social, queiram ou não, para traçar as estratégias de sua profissão – o primeiro terá que observar o impacto populacional, viário ou mesmo contratar mão-de-obra; o segundo analisar as mudanças sociais e a migração de trabalhadores em área profissionais diversas; e o terceiro terá que ter sensibilidade e a criticidade para perceber em que medida se aplicam as leis. Essa interdisciplinaridade é essencial em qualquer área profissional necessária para Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 121 Helena Mendes da Silva a boa formação de cidadão. E ainda, ao estudante de Direito, qual a importância e quais aspectos dessa interdisciplinaridade pode fornecer a ele instrumental reflexivo importante para sua formação pessoal e profissional? Os temas atuais de discussão podem dar um rumo reflexivo para se pensar o papel do bacharel jurídico em meio à sociedade que o cerca: pluralismo jurídico, pena de morte, acesso à justiça, as liberdades individuais, o arcabouço e a legitimação das leis, a violência institucionalizada – são os temas mais em voga na discussão catedrática. 2. Acesso à Justiça e Cidadania O tema acesso a justiça interessa à sociologia especialmente por que o considera como direito fundamental, garantido em Constituição – mais do que isso: no âmbito social é um dos requisitos fundamentais para que se estabeleça uma ordem jurídica viável e uma condição de humanidade ao cidadão – é a garantia plena da aplicação dos direitos humanos à coletividade. Este tema está arraigado à concepção de igualdade entre os Homens e é um dos pedestais que garantem o Estado democrático de direito. Sem acesso à justiça não existe segurança jurídica e não se garante a produção de uma “justiça” satisfatória. Santos (2005, p.167) tecendo suas considerações sobre a questão afirma: O tema do acesso a justiça é aquele que mais directamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdade socioeconômica [...] assim a contribuição da sociologia consiste em investigar os principais obstáculos por parte das classes populares com vista a propor soluções que melhor superem as dificuldades para acessar a justiça. O legado de uma cultura autoritária e de uma estrutura administrativa provenientes dos portugueses colonizadores moldou a construção de uma justiça equidistante dos extratos populacionais mais baixos, direcionando o acesso às camadas privilegiadas. Esse legado 122 Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania representa ainda nos dias atuais o mais importante – pois foi a partir dele que uma mentalidade tomou forma e se solidificou ao longo do tempo. Vindo ao encontro do tema acima, nossa sociedade constantemente envolta por problemas sociais e econômicos gravíssimos, ressente-se de traços de solidariedade e do referencial de cidadania. A cidadania é entendida apenas como direito ao voto e à participação política. Entretanto, deveria ser o próprio reconhecimento individual das pessoas frente às instituições. Em muitos casos, foram (e são) consideradas cidadãs apenas as pessoas de status financeiro elevado, que geralmente usufruem dos benefícios do governo. Repensar a participação política e a cidadania como componente da raiz da discussão do direito brasileiro é de suma importância. Cabe aqui ao futuro bacharel um olhar aguçado acerca da gênese social brasileira – e acima de tudo – repensar o seu papel frente às “injustiças” sociais que são postas no dia-dia. Muitas passagens históricas denotam o referencial social que estamos expondo neste texto: em primeiro lugar nossa história é recheada de atos extremos de crueldade e violência. Durante o período colonial a mão-de-obra utilizada em larga escala nas fazendas e nos trabalhos domésticos foi a dos escravos negros que foram retirados brutalmente de seus lugares de origem no continente africano e embarcados nos porões imundos dos navios negreiros em direção à América. Aqueles que heroicamente sobreviviam à viagem, que demorava em torno de dois meses, quando chegavam ao Brasil, eram tratados como animais. Marcados a ferro, os negros eram postos à engorda, para que, com boa alimentação, se fortalecessem e alcançassem bom preço nos mercados através de leilões. Depois que o fazendeiro os comprava, os escravos não tinham nenhum direito legal. Um exemplo era a proibição, mesmo aos de receberem qualquer educação escolar (PEDROSO, 1999, p.5-6). É sob a égide da exclusão social que muitos segmentos sociais e raciais demoraram séculos para serem reconhecidos como cidadãos. Essa lógica trágica da formação de nossa cultura ainda reflete traços presentes de estigmas, desprezos, preconceitos e inferioridade de grupos que vivem à margem do acesso à justiça e à cidadania. Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 123 Helena Mendes da Silva Se durante nossa formação como povo os perseguidos foram os negros, os indígenas, os hereges, os cristãos novos, os pobres de forma geral; hoje o preconceito recai ainda sobre o pobre – porém fragmentando-se em subgrupos seja de ordem racial, social ou por opção (até sexual no caso) – basta ver a homofobia - como resultado de falta de compreensão e aceitação da diferença. A educação reflexiva e humanística é importante para a formação do futuro operador do direito – que a este não recaia o erro de construir uma visão distorcida e estigmatizada da sociedade que o cerca. Aceitar o outro como igual é a principal meta das ciências humanas especificamente da sociologia jurídica no seu papel de criticidade. Certamente, essa posição interdisciplinar e crítica mudaria os rumos dos comportamentos sociais e especificamente mudaria para melhor o que hoje se entende de distanciamento populacional dos serviços disponibilizados pelo estado para que visibilize o acesso a justiça. 3. Um trabalho de campo na disciplina: “A Verificação in loco” Semestralmente tem-se feito um trabalho de campo na nossa disciplina. Inicialmente o que se lê nos olhos dos acadêmicos de direito parece ser um espanto, possivelmente por serem indicados bairros que não pertencem aos seus universos de convívios. Porém, após a realização da pesquisa, os depoimentos são, gratificantes, pois eles verificam empiricamente o que significa a justiça para uma população desfiliada2 socialmente, qual a sua representação social e quais os entraves para acessar a justiça. Passa-se a verificar os dados de um desses trabalhos que foi brilhantemente apresentado por uma equipe3 de acadêmicos do 1º período de direito no ano de 2009. A pesquisa realizou-se no município de Aragominas, em 5 Desfiliados sociais é um termo utilizado por Elimar Pinheiros Nascimento em seu trabalho, Juventude: Novo alvo da exclusão social in no meio da Rua. para se referir a uma população que está desfiliada do estado, ou seja, não tem a proteção que lhe é direitos garantidos constitucionalmente. 3 Acadêmicos do curso de Direito-FACDO que realizaram a pesquisa de campo: Hiasmym de Carvalho, Illana Martins, Janaína Leite, João Batista, Raimundo Nonato, Thayz Araújo. 2 124 Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania de outubro de 2009, por um grupo de 7 acadêmicos de Direito da Faculdade Católica Dom Orione - FACDO, entrevistou um total de 58 (cinquenta e oito) pessoas, sendo 25 homens e 33 mulheres, com idade superiores a 16 anos. Constatou se que 54% dos entrevistados eram casados, 37% solteiros, 4% separados e 5 % viúvos. E que quanto à renda familiar mensal: 17% entre 3 a 5 salários; 67% possui renda de 1 a 2 salários, e 16% com renda inferior a 1 salário. A partir destes dados podemos concluir que os entrevistados pertencem a grupos sociais, cultura, faixa etária e classes sociais distintas. O Brasil é um país marcado pela miscigenação de povos e raças distintas, enfrentando graves problemas de desigualdades sociais, que hoje se transformou em um vasto campo de análise sociológica. 3.1 Os dados da pesquisa Para Platão e Aristóteles, justiça representa a “constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu”, Aqui mais baseada na moral. Juridicamente, a justiça é o que rege a Ética nas relações sociais, buscando o bem comum social e baseando-se no direito positivo que rege a sociedade através das leis. O presente trabalho de campo indagou o que os entrevistados entendem por justiça. Sendo que 42% responderam que justiça representa o bem comum: a busca dos direitos da comunidade para que haja harmonia, a punição de infratores. 14% acreditam que justiça é obter seus direitos atendidos individuais. 3% acreditam que o acesso e atendimento dos órgãos públicos representam justiça. No entanto, 24% não acreditam na justiça, pois esta caiu em descrédito principalmente pelo cenário político de corrupção no País. Outros 17% não entendem ou não preferiram responder. Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 125 Helena Mendes da Silva Não entendem 3% 14% 17% Não acreditam Bem comum 24% 42% Acesso aos orgaos publicos Direitos atendidos Um idoso argumentou que justiça é: “não roubar, não matar, ser justo em todos os negócios, é a máxima virtude da pessoa”. Uma senhora viúva disse: “A justiça só ajuda os que têm dinheiro”. Também enfatizou um jovem sobre o descrédito da justiça na sociedade atual: “Não existe justiça no Brasil, ela só beneficia os ricos”. Percebe-se que a grande maioria dos cidadãos entrevistados afirma que as leis brasileiras são desiguais aos cidadãos, sendo favorável à classe média e alta da sociedade. Em acordo com esta linha de pensamento afirma Santos (2005, p.178). No nosso País, nos últimos vinte anos, foi promulgada legislação que de modo mais ou menos afoito pretende ir ao encontro dos interesses emergentes nos domínios da segurança social e da qualidade de vida (...). Sucede porém, que muita dessa legislação tem permanecido letra morta. (...) quanto mais uma lei protege os interesses populares e emergentes maior é a probabilidade de que ela não seja aplicada. Sendo, assim a luta democrática pelo direito deve ser, no país, uma luta pela aplicação do direito vigente, tanto quanto uma luta pela mudança do direito E ainda, indagados sobre a igualdade de acesso a justiça 86% acreditam que não existe igualdade entre os cidadãos quanto ao acesso a justiça, e no contraponto 14% que responderam que existe. Portanto, a maioria dos cidadãos entrevistados não acreditam que haja igualdade quanto ao acesso à justiça, pois há maior facilidade de acesso às pessoas de classes alta. 126 Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania Assim, também fica evidente nas afirmações de Santos, (2005, p.168). Estudos revelam que a justiça civil é cara para os cidadãos em geral (...). A lentidão dos processos pode ser facilmente convertida num custo econômico adicional e este é proporcionalmente mais gravoso para os cidadãos de menos recursos. De modo que a lentidão nos processos e os custos fazem com que o acesso, sejam fatores que agravam e distanciam ainda mais esta população de baixa renda. Quando indagados sobre os maiores problemas enfrentados pela comunidade para implementação de órgãos vinculados à justiça? Com 42% o fator econômico foi apontado, na pesquisa como o principal problema enfrentado pela comunidade para que não sejam implantados órgãos vinculados à justiça. Segue-se o fator social, com 33%, o religioso com 7%, cultural com 4%. 4% 14% 42% 7% ECONOMICO SOCIAL RELIGIOSO CULTURAL 33% NENHUM É o que afirma Santos, (2005, p.168) “Quanto aos obstáculos econômicos, (...) os custos da legitimação eram muito elevados (...). Estudos revelam que a justiça civil é cara para os cidadãos em geral”. Quanto ao fator social, o descaso das autoridades competentes na cidade é o propulsor de problemas para que órgãos jurídicos não se instalem na comunidade. No que tange às necessidades e usos da Justiça, obteve-se o seguinte resultado: 60% dos entrevistados responderam que já precisou da justiça. E 40%, responderam que não. Observa-se com esse resultado, que a justiça civil esta estritamente na vida social das pessoas, seja por questões familiares de divórcio, questões trabalhistas ou outras. A questão a se observar é Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 127 Helena Mendes da Silva a discrepância entre a procura e a oferta. Ora, o Estado, ainda busca tentativas para minimizar o potencial e a real procura pela justiça civil. Dos que responderam que já precisaram da justiça um dia, 57% afirmaram que conseguiram acesso, as demais não conseguiram acesso a justiça. 43% SIM NÃO 57% Esse resultado representa que para as pessoas desfiliadas socialmente o acesso à justiça se torna limitado e restrita. Pois a renda familiar destes entrevistados variava de menos de um salário mínimo até no máximo dois salários. Santos (2005, p.170) afirma: Quanto mais baixo é o estrato sócio-econômico dos cidadãos menos provável é que conheça advogado ou (...) menos provável é que saiba onde, como e quando pode contactar o advogado a maior distância geográfica entre o lugar onde vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais Os meios como as informações chegam à comunidade são os mais diversos, assim, constatou que 28% dos entrevistados responderam que as informações chegam por meio de televisão, 35% acreditam serem por meios de jornais, 13% acreditam serem via internet, 18% pelas rádios e 6% responderam que estas informações chegam por meio de debates nas escolas e nos trabalhos. 18% 6% 28% 13% 35% 128 TELEVISAO JORNAIS INTERNET RADIO ESCOLA / TRABALHO SERVIÇOS PUBLICOS NÃO HÁ ACESSO Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania Nenhum entrevistado respondeu que na comunidade há um sistema de serviço público com orientação profissional. O que no pensar de Santos (2005, p.177) é de extrema importância e aponta: É necessário criar um Serviço Nacional de justiça, um sistema jurídico-social, gerido pelo estado e pelas autarquias locais com a colaboração das organizações profissionais e sociais, que garanta a igualdade do acesso à justiça das partes das diferentes classes e estratos sociais. Quando interrogados se já houve algum tipo de luta ou manifestações sociais em busca de novos direitos sociais a pesquisa registrou que 23 pessoas afirmaram não ter ocorrido qualquer tipo de reivindicação na comunidade respondendo a 40% dos entrevistados. Entretanto 29%, 17 pessoas, contestaram que já houve reivindicações. E 31%, 18 pessoas, responderam que não sabem. Ao tempo que indagados sobre a existência dos movimentos sociais e suas atuações no que tange a formação da consciência e atendimentos aos direitos a pesquisa constatou que 38% dos entrevistados afirmaram que os sindicatos realizam o trabalho de atendimento à população. 27% responderam que o Centro de Direitos humanos (CDH) realiza esse atendimento. 11% declararam serem as associações de bairro. E 15% afirmaram não existe ou não sabem da existência destes órgãos. CDH 15% 27% 9% SINDICATOS ASSOCIAÇOES DE BAIRRO 11% OUTROS 38% NÃO EXISTE Afirmou Boaventura que a informatização da justiça pode ser um genuíno fator de democratização. Portanto, é necessário que o atendimento à comunidade ocorra e que seja eficaz. Ouviu-se muito dos entrevistados que, apesar de tais instituições existirem no seio da Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 129 Helena Mendes da Silva comunidade, não estão eficazmente executando sua função social. E, para melhorar a vida da comunidade, a pesquisa aponta que dos entrevistados 42% afirmaram que seria necessário haver melhorias na saúde, na educação, lazer, moradia, segurança pública, ou seja, nos direitos fundamentais de todos os cidadãos. 29% dos entrevistados disseram que deveria haver uma diminuição no índice de desempregos, buscando atingir principalmente os jovens. 21% acreditam que deve haver mais fiscalização, incentivo, trabalho e investimentos no campo social por parte das autoridades locais. 29% NÃO SEI 8% DIREITOS FUNDAMENTAIS 42% 21% ADMINISTRAÇAO E FISCALIZAÇAO ESTATAL EMPREGOS Um idoso respondeu: “políticos trabalharem; outro afirmou que deveria haver “mais moradia digna, mais empregos e mais saúde.” Uma mulher argumentou que deveria haver “capacitação profissional dos jovens e adolescentes”. Já um jovem acredita que “os governantes devem buscar mais recursos para diminuir o desemprego.” As principais demandas a serem consideradas pela justiça e foram citadas são: O uso abusivo de drogas, o vandalismo e furto realizados pelos jovens foram apontados por 26% dos entrevistados, como sendo o maior problema que enfrentam. Seguido, pela corrupção política no município com 25%. Já 17% dos entrevistados questionaram a atuação dos órgãos de proteção à comunidade em geral, como ênfase mencionaram o Conselho Tutelar; estes afirmam que tais órgãos não realizam suas funções efetivamente, sendo, portanto, um agravante social. Outros 7% dos entrevistados afirmaram que a pedofilia e a prostituição infantil constituem-se os maiores problemas de justiça na sociedade. 5% já acreditam que os maiores problemas jurídicos são caracterizados pelo alto índice de divórcio e outros entraves da vara de família. E 3% acarretam ao alto índice de desemprego e ausência de cursos profissionalizantes, essas questões de justiça, tendo em vista que 17% dos entrevistados responderam que não sabem ou que não 130 Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania existem problemas de justiça na comunidade. NÃO SABEM DESEMPREGOS E EDUCAÇAO 17% 25% 3% 7% 17% 5% 26% PEDOFILIA / PROSTITUIÇAO INFANTIL DROGAS/ FURTOS/ CRIMINALIDADES JUVENIS DIVORCIO / PROBLEMAS FAMILIARES SERVIÇOS DE PROTEÇAO A COMUNIDADE CORRUPÇAO POLITICA Na sequência algumas respostas dadas por entrevistados que podem ser apresentadas como demandas bem como algumas propostas e que compõe os cenários da cidade de Aragominas: Jovens e adolescentes nos vídeo games, rebeldia. O conselho tutelar, rebeldia dos jovens, agressão a professores, roubos, corrupção política (prefeito enfrenta problemas judiciais), falta uma escola de tempo integral para os jovens adquirirem melhor aprendizado, pouca fiscalização, falta mais policiamento, pedofilia principalmente por parte de homens casados, furtos, brigas, prostituição infantil e administração política corrupta. Para Santos (2005, p.166) este cenário de crise social implica em crises nos sistemas de justiça A crise na administração da justiça “implicou que os conflitos emergentes dos novos direitos sociais fossem constitutivamente conflitos jurídicos cuja dirimição caberia em princípio aos tribunais, sobre a segurança social sobre a habitação, sobre os bens de consumo duradouros. A partir dos dados acima acredita-se que há necessidades de uma reforma judiciária, assim um total de 77% dos entrevistados afirmam a urgência de uma reforma judiciária. E 9% responderam que não. Enquanto 14%, responderam que não sabem ou não entendem do que se trata. Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 131 Helena Mendes da Silva 14% SIM 9% NÃO 77% NÃO SEI DO QUE SE TRATA Nas palavras de Santos (2005, p.180) é o que seria: Conclusão As novas gerações de juízes e magistrados deverão ser equiparados com conhecimentos vastos e diversificados sobre a sociedade em geral e sobre a administração da justiça em particular. Esses conhecimentos tem de ser tornados disponíveis e, sobretudo, no que diz respeito aos conhecimentos sobre administração da justiça no nosso país, esses conhecimentos tem ainda que ser criados. Assim ficou claro pelo trabalho de pesquisa a importância de se estabelecer pontes entre as questões a serem abordados nas ciências sociais voltadas para o ensino do direito - problemas que são inerentes à estrutura social que foi se formando ao longo do tempo na sociedade - porém, problemas estes advindos também da montagem do aparato legal e da aplicação e execução da justiça em nosso país. E é com este intuito que tivemos a pretensão de lançar aqui uma proposta metodológica para o ensino de sociologia jurídica: pensar o direito a partir do trajeto do pensamento jurídico: composição das leis, legitimidade das leis, aplicação e execução das leis; inter-relacionando cada período histórico ou cada fato histórico relevante com a produção legal e sua respectiva aplicação. E, posteriormente observarmos “na prática” os resultados da intervenção jurídica no meio social. Ao estudante de direito será dada a prerrogativa de construir o objeto jurídico e refletir criticamente. Referências bibliográficas CASTRO, Celso A. Pinheiro de. Sociologia do Direito. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2009. GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia Crítica. 26. ed. Porto Alegre: 132 Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 A Sociologia Jurídica como Campo de Formação da Cidadania Mundo Jovem, 1991. NETO, Pedro Scuro. Sociologia Geral e Jurídica. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. NETO, A.L. Machado. Sociologia Jurídica. 6. Ed. São Paulo, 2006. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. Ed. São Paulo: Cortez, 2005. WEBER, Max. Economia e Sociedade. Trad. Regis Barbosa, UNB, São Paulo, v. 2, 2004. Revista São Luis Orione - v.1 - n. 4 - p. 117-133 - jan./dez. 2010 133