O conceito de força no cotidiano Romero Tavares Desde as épocas mais remotas o conceito de força está associado com a necessidade de esforço físico. Quando empurramos um caixote relacionamos a força utilizada para deslocá-lo com o esforço necessário para cumprir esse objetivo. Partindo dessa relação, vamos fazendo inferências e construindo o conceito de força que se utiliza no cotidiano. Se considerarmos dois caixotes de madeira iguais e vazios, colocados sobre o mesmo assoalho horizontal, podemos experimentar e concluir que será necessária a mesma força horizontal para fazer com que esses caixotes se movam. No entanto, se colocarmos um tijolo pesado dentro de um dos caixotes, teremos agora duas situações diferentes, e o caixote mais pesado oferecerá maior resistência para se movimentar. Poderemos concluir que quando o caixote exigir maior esforço físico para se movimentar, ele estará exigindo a atuação de uma força maior, e como foi mencionado anteriormente, associamos desse modo força com esforço físico. No cotidiano praticamente só existe a necessidade de considerarmos a existência de forças de contato. Quando uma bola é jogada em direção a uma parede, não existe interação entre bola e parede antes da colisão. Bola e parede se ignoram até que entrem em contato durante a colisão. Se soltarmos essa mesma bola do alto de um edifício, ela será atraída pela Terra, em direção a sua superfície, mesmo sem existir contato entre bola e Terra: essa é a chamada força de longo alcance. Apesar de jogar uma bola de um edifício (força de longo alcance) possa ser um evento do cotidiano, ele não é tão relevante quanto empurrar uma cadeira, esbarrar num colega ou presenciar uma batida de automóveis (forças de contato). Em outras palavras: forças de contato estão mais evidentes no cotidiano que forças de longo alcance. Quando existe uma interação entre dois objetos, existe uma força de interação entre eles, e cada um exerce uma força de mesma intensidade (e sentido contrário) no outro. Quando um boxeador esmurra um saco de pancadas, ele exerce uma força nesse objeto que se movimenta ao receber o soco. No entanto, esse saco exerce no boxeador uma força de mesma intensidade, mas de sentido contrário, e uma conseqüência dessa força é a dor que ele sente no punho usado para socar. Poderíamos citar um outro exemplo de força de interação, ao lembrarmos que numa colisão entre dois automóveis assemelhados, ambos exercem uma força no outro de modo que os danos são equivalentes. Forças atuando em corpos em repouso Consideremos uma geladeira em repouso num assoalho horizontal. Existe alguma força atuando nessa geladeira? Desde a antiguidade até a Idade Média a resposta poderia ser: “como esse corpo está em repouso, não existem forças atuando sobre ele”. No entanto, consideramos hoje que existem pelo menos duas forças atuando nessa geladeira: a força gravitacional (peso) e a força que o assoalho exerce na geladeira (normal). Diante dessa situação, Isaac Newton postulou que “quando for nula a resultante das forças que atuam sobre um corpo, ele permanecerá em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme”. Num primeiro momento, vamos explorar apenas a parte dessa lei de Newton relacionada ao repouso. Quando a geladeira é deixada isolada em repouso atuam duas forças verticais: o seu peso e a força normal! E se alguém exercer uma pequena força horizontal, e ainda assim ela ficar parada. O que estará acontecendo? Essa pequena força horizontal tenderá a colocar a geladeira em movimento, mas não conseguirá que isso aconteça, pois surgirá uma força de atrito contrária a essa tendência de movimento. Se a parte inferior da geladeira e o assoalho fossem duas superfícies perfeitamente polidas, a força de atrito entre essas duas superfícies seria muito pequena. Numa situação como essa descrita, em que existe uma força externa atuando em um corpo, que continua em repouso, dizemos que a força de atrito é estático. Se aumentarmos ligeiramente essa pequena força, a força de atrito estático aumentará mesma intensidade e a geladeira ainda permanecerá em repouso. Eventualmente, a pessoa que está empurrando a geladeira não tem força física suficiente para tal, e a geladeira permanecerá parada, por mais que ela se esforce. Se várias pessoas se reunirem, e gradativamente forem aumentando a força horizontal que o grupo está exercendo na geladeira, como uma conseqüência a força de atrito estático aumentará de modo a neutralizar essa tendência ao movimento da geladeira. A força de atrito irá crescendo à medida que a força exercida pelas pessoas for aumentando, e desse modo se contrapondo à tendência ao movimento da geladeira. Mas num dado momento, a força de atrito estático atingirá o seu valor máximo e a geladeira estará prestes a se movimentar. Mas num dado momento, a força de atrito estático atingirá o seu valor máximo e a geladeira estará prestes a se movimentar. Na figura ao lado apresentamos apresentamos uma ampliação das superfícies planas de contato entre dois corpos. Num nível macroscópico, da maneira como vemos a olho nu, essas superfícies parecem planos lisos. No entanto, quando observados através de uma ampliação, essas superfícies apresentam imperfeições relevantes, que dificultam um deslizar suave que se imaginaria numa primeira observação. Quando se aumenta o peso suportado por uma dessas superfícies, existirá uma tendência para que essas reentrâncias se interpenetrem, e desse modo aumentará a dificuldade do deslizamento de uma superfície sobre a outra. Podemos então concluir que quando aumenta o peso suportado, a força de atrito estático máximo será aumentada. Exigirá um esforço maior para colocar as superfícies em movimento relativo. Quando se coloca um lubrificante entre as superfícies em contato, elas se mostrarão como na segunda figura. O lubrificante preencherá as reentrâncias das superfícies de contato e desse modo facilitará o deslizamento. Forças atuando em corpos e movimento Quando existir um desbalanceamento entre as forças que estão atuando em um corpo em repouso, a soma dessas forças será não nula. Nessa situação, um corpo iniciará o seu movimento. Ao iniciar o movimento a força de atrito sofre uma mudança abrupta, ele passa de atrito estático para atrito dinâmico (ou cinético). A força de atrito dinâmico acontece entre superfície que estão com movimento relativo, e observa-se experimentalmente que essa força é menor que a força de atrito estático. Se a força aplicada permanecer com o mesmo valor, ela será portanto maior que a força de atrito dinâmico, e consequentemente existirá uma força resultante não nula. Considerando a existência de uma força resultante constante não nula atuando sobre o corpo, ele será acelerado, como indicam os gráficos ao lado. Nessa situação a sua velocidade cresce linearmente (como uma reta inclinada). O gráfico da força mostra que mesmo que a força aplicada aumente, a força de atrito dinâmico ainda permanecerá a mesma. Quando colocamos um corpo em movimento ficamos com a impressão que a “velocidade adquirida por esse corpo é proporcional à força que utilizamos para fazê-lo se movimentar”. E a crença nessa afirmação anterior teve grande ímpeto com Aristóteles e perdurou até a Idade Média. Essa visão da realidade é aparentemente reforçada pelos exemplos que vão sendo observados ao longo de nossa vida. Por exemplo, quando empurramos levemente com uma força constante F1 uma caixa de sapatos que se encontra em repouso (velocidade inicial v1i ) num assoalho horizontal. Vamos empurrar durante certo intervalo de tempo ∆t, e ao perder o contato com nossa mão a caixa se movimenta com certa velocidade v1f . Consideremos uma outra experiência equivalente, usando uma outra intensidade de força F2, de tal modo que essa força seja o dobro da força utilizada na situação anterior F2 = 2F1, mas ainda considerando a mesma caixa e o mesmo intervalo tempo ∆t de aplicação da força. Com essa situação poderemos imaginar uma primeira análise sobre a premissa que a velocidade de um corpo é proporcional à força que nele atua. E essa análise nos leva a esperar que quando a força F2 for aplicada na caixa em repouso, depois de um mesmo intervalo tempo ∆t de aplicação da força, ela terá uma velocidade v2f = 2 v1f que será o dobro da velocidade da situação original. Por outro lado, Isaac Newton postulou que “a aceleração adquirida por um corpo é proporcional à força resultante que atua nesse corpo”. Em outras palavras “a força resultante que atua num corpo é proporcional à variação da velocidade desse corpo”. E esse postulado de Newton foi confirmado experimentalmente ao longo dos tempos, e inclusive para essa situação da caixa de sapatos. Como conciliar essas duas visões teóricas, aparentemente conflitantes, para a explicação de um mesmo fenômeno físico. A visão aristotélica dessa realidade que estamos discutindo é verdadeira dentro dos limites de uma vivência do cotidiano de pessoas comuns. Mas essa realidade é um universo muito restrito, se considerarmos todas as possibilidades de situações físicas no universo. Em outras palavras, a teoria aristotélica sobre a relação entre força e velocidade é verdadeira APENAS quando consideramos que a força resultante é constante e uniforme. Mas no cotidiano das pessoas, surgem apenas experiências simples, onde as forças são constantes e uniformes, ou podem ser aproximadas desse modo. E por isso é muito forte a crença das pessoas na pertinência da visão aristotélica. Quando consideramos movimentos curvilíneos, a teoria aristotélica falha claramente. Uma situação muito simples nesse caso seria considerar o movimento circular e uniforme, como pode ser aproximado o movimento da Lua em torno da Terra. A velocidade de movimento da Lua é constante em módulo, mas a direção do movimento está sempre mudando (em círculos), a direção do vetor velocidade está mudando continuamente. Apenas com a lei de Newton nós podemos relacionar a variação da velocidade da Lua (através de sua direção) com a força resultante que está atuando sobre ela. Se considerarmos o lançamento oblíquo de projéteis também poderemos perceber uma falha na teoria aristotélica. Nesse tipo de movimento curvilíneo o objeto se desloca inicialmente numa curva ascendente, até atingir uma altura máxima e depois passa a se mover numa trajetória descendente. E durante todo o seu movimento o peso é a única força que está atuando sobre ele, e o peso é uma força que sempre está dirigida verticalmente para baixo na direção da superfície da Terra, apesar da velocidade estar variando de módulo e direção tanto no movimento ascendente quanto na trajetória descendente. Em outras palavras: a velocidade está variando em módulo e direção enquanto a única força atuante é constante, violando a teoria aristotélica que diz ser a velocidade proporcional à força resultante. E novamente podemos dizer que apenas com a lei de Newton nós conseguiremos relacionar a variação da velocidade do projétil (através de seu módulo e direção) com a força gravitacional resultante que está atuando sobre ele.