Wilson Francisco de Almeida

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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
A QUESTÃO DO FORO PRIVILEGIADO DOS
PARLAMENTARES FEDERAIS E ESTADUAIS NO BRASIL
Autor: Wilson Francisco de Almeida
Orientador: Dr. Márcio José de Magalhães Almeida
Brasília - DF
2010
WILSON FRANCISCO DE ALMEIDA
A QUESTÃO DO FORO PRIVILEGIADO DOS PARLAMENTARES FEDERAIS
E ESTADUAIS NO BRASIL
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do Título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Dr. Márcio José de Magalhães
Almeida.
Brasília
2010
Monografia de autoria de Wilson Francisco de Almeida, intitulada ―A Questão
do Foro Privilegiado dos Parlamentares Federais e Estaduais no Brasil‖,
apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da
Universidade Católica de Brasília, em 11 de Junho de 2010, defendida e aprovada
pela banca examinadora abaixo assinada:
________________________________________________
Prof. Dr. Márcio José de Magalhães Almeida
Orientador
Curso de Direito – UCB
________________________________________________
Profº. Esp. Paulo Henrique Perna Cordeiro
Membro da Banca
Curso de Direito – UCB
________________________________________________
Profª. Msc. Cristina Klose Parise
Membro da Banca
Curso de Direito – UCB
Brasília
2010
Dedico este trabalho a DEUS, à minha
esposa, Marli Rosa e às minhas filhas
Larissa e Letícia.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS, pelo dom da vida e por Ele em sua infinita misericórdia, ter
me dado muito mais do que penso merecer.
A minha esposa, Marli Rosa Coelho de Almeida, pois no sentido pleno da
palavra amor, sempre me incentivou com paciência, para que pudesse concluir
meus estudos.
Às minhas filhas, Larissa Rosa e Letícia Rosa, que apesar da idade,
suportaram meus períodos de ausência em detrimento dos estudos, me dando força
ao demonstrarem seu amor pelo pai.
A minha mãe, Maria Idonê, por sempre acreditar e investir no meu potencial
acadêmico.
A todos os professores que me acolheram nesta Instituição de Ensino,
compartilhando comigo seus conhecimentos.
Por fim, agradeço a todos os companheiros de estudo, que no decorrer
desses anos, se uniram a mim nesse projeto de busca e aprendizado.
―Tratar com desigualdade os iguais; ou
desiguais
com
igualdade,
seria
desigualdade flagrante, e não igualdade
real‖.
Rui Barbosa
RESUMO
Almeida, Wilson Francisco de. A QUESTÃO DO FORO PRIVILEGIADO DOS
PARLAMENTARES FEDERAIS E ESTADUAIS DO BRASIL. 84 folhas. Monografia
apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília
como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito, Brasília,
2010.
O presente trabalho monográfico tem por objeto identificar a ―Questão do Foro
Privilegiado dos Parlamentares Federais e Estaduais no Brasil‖, uma vez que tal
privilégio ou garantia, da maneira como vem sendo utilizado materializa um
instrumento de proteção excessiva aos parlamentares. Acrescenta-se ainda, os
recentes acontecimentos na política nacional, abordando crimes de toda ordem
envolvendo os parlamentares, onde tal mecanismo jurídico apresenta-se como um
meio de esquivar-se da justiça de maneira legal, e ainda, muitas vezes contribui
sobremaneira para protelar decisões judiciais. Os parlamentares em questão
deveriam, como representantes do povo e das Unidades da Federação, ser os
primeiros a dar exemplos de respeito e de tratamento igualitário para os seus
eleitores. Para tanto, buscou-se com a pesquisa, abordar a legislação constitucional
vigente em confronto com a opinião pública em relação ao Princípio da Igualdade,
de maneira que diante dos fatos apresentados, entende-se que é necessária a
extinção do Foro Privilegiado em respeito ao povo num Estado Democrático.
Palavras-chave: Foro Privilegiado. Direito Constitucional. Princípio da Igualdade.
Extinção do Privilégio ou Garantia.
RESUMEN
Almeida, Francisco Wilson. LA CUESTIÓN DE LA JURISDICCIÓN DE ESTADO
ELEGIDOS PRIVILEGIADA Y FEDERAL DE BRASIL. Hojas 84. Monografía
presentada en la Facultad de Derecho en la Universidad Católica de Brasilia como
requisito parciales para obtener el título de Licenciado en Derecho, Brasilia, 2010.
El propósito de esta monografía es identificar la "Cuestión de Privilegio Foro de
Parlamentarios y del Estado Federal en Brasil", ya que ese privilegio o de seguridad,
el camino ha sido utilizado como un instrumento incorpora una protección excesiva
para los parlamentarios. Es más, los acontecimientos recientes en la política
nacional, que abarca toda clase de crímenes que involucran a miembros del
Congreso, donde se presenta como un mecanismo legal como un medio de esquivar
el justição tan fresco, y sin embargo, a menudo contribuye a retrasar sobremaneira
las resoluciones judiciales. Los legisladores en cuestión deben, como representantes
del pueblo y las unidades de la federación, se el primero en dar ejemplos de respeto
y de igualdad de trato entre sus electores. Para ello, buscamos a la investigación,
para hacer frente a la ley constitucional actual, en contra de la opinión pública en
contra del principio de igualdad, de modo que antes de los hechos expuestos, se
entiende que es necesario a la extinción del Foro con respecto a privilegios personas
en un estado democrático.
Palabras clave : Competencia Especial. Derecho Constitucional. Principio de la
Igualdad. Extinción de Privilegios o de Garantía.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 09
1. O FORO PRIVILEGIADO ...................................................................................... 11
1.1 Aspectos Históricos do Foro Privilegiado ............................................................ 11
1.2 conceito............................................................................................................... 20
1.3 Espécies ............................................................................................................. 22
1.3.1 Imunidade Material ......................................................................................... 22
1.3.2 Imunidade Formal ........................................................................................... 24
1.4 Natureza Jurídica ................................................................................................ 25
1.5 Operacionalização em Outros Países ................................................................. 27
1.6 Dos Crimes e o Foro Privilegiado ....................................................................... 31
2. O FORO PRIVILEGIADO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ................................. 33
2.1 Constituição Federal de 1988 ............................................................................. 33
2.2 Regimentos Internos ........................................................................................... 38
2.2.1 Regimento Interno da Câmara dos Deputados ............................................... 39
2.2.2 Regimento Interno do Senado Federal ........................................................... 41
2.3 Jurisprudência ..................................................................................................... 42
2.4 Doutrina .............................................................................................................. 48
2.5 Competências ..................................................................................................... 50
2.5.1 Competência do Senado Federal ................................................................... 50
2.5.2 Competência do Supremo Tribunal Federal ................................................... 51
2.5.3 Competência do Superior Tribunal de Justiça ................................................ 52
2.5.4 Competência dos Tribunais Regionais Federais ............................................ 52
2.5.5 Competência do Tribunal Regional Eleitoral ................................................... 53
2.5.6 Competência dos Tribunais de Justiça ........................................................... 54
3. O FORO PRIVILEGIADO VERSUS DEMOCRACIA ............................................. 55
3.1 Foro: Privilégio ou Garantia ................................................................................ 55
3.2 O Princípio da Igualdade..................................................................................... 60
3.3 Posicionamentos................................................................................................. 62
3.3.1 Posicionamentos a Favor do Foro Privilegiado ............................................... 63
3.3.2 Posicionamentos Contra o Foro Privilegiado .................................................. 66
3.4 Ações Parlamentares .......................................................................................... 71
3.4.1 PEC nº 130 ..................................................................................................... 72
3.5 Surge um Fio de Esperança ............................................................................... 74
CONCLUSÃO............................................................................................................. 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS........................................................................... 78
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico irá tratar da Questão do Foro Privilegiado
dos Parlamentares Federais e Estaduais, e se o mesmo, previsto na Constituição
Federal de 1988, da forma como vem sendo utilizado, fere a Democracia e o
Princípio da Igualdade, conforme o art. 5º, Caput, também constante em nossa Carta
Magna.
O tema proposto – O Foro Privilegiado – é amplo em função da quantidade
de pessoas que se beneficiam com o mesmo, assim, faz-se necessário a delimitação
do assunto com relação aos problemas que surjam, para que se possa fazer um
trabalho monográfico abrangente dentro da delimitação, porém, que se apresente de
forma clara, concisa e coesa
Os parlamentares federais e estaduais têm se utilizado dessa prerrogativa de
maneira a obter vantagens, dentre outras tantas, as jurídicas, estando assim, em
desacordo com o princípio básico de que todos são iguais perante a lei, aumentando
as diferenças sociais e a discriminação existentes no país.
Pretende-se evidenciar neste estudo, que a discussão acerca da questão do
foro privilegiado, muitas vezes resulta em impunidade, sendo confundido como
verdadeiros privilégios ou garantias, assim, motiva o total descrédito da população,
não apenas no Poder Legislativo, mas também no Judiciário, que por estar sujeito às
leis, acaba por não trazer à sociedade a resposta esperada em diversos casos em
função de tais privilégios.
Assim, permite-se tratar o problema relacionado ao tema, fazendo um
questionamento que será abordade de maneira crítica: Será que o Foro Privilegiado,
previsto na Constituição Federal, da forma como vem sendo utilizado fere a
Democracia?
Os recursos utilizados para viabilizar a execução desta monografia, em
termos metodológicos, foram o método dedutivo e a técnica da pesquisa
bibliográfica, na qual foram pesquisados alguns dos principais doutrinadores
nacionais que escrevem sobre o tema, a legislação vigente, jurisprudências, como
também, trabalhos da imprensa relacionados ao fato abordado. Dentro do tema
delimitado, buscou-se a origem do problema da ineficaz aplicabilidade do Foro
Privilegiado aos Parlamentares Federais e Estaduais no Brasil, bem como, explicou-
10
se como o quadro atual pode ser alterado em prol da sociedade brasileira.
O trabalho em questão foi desenvolvido em três capítulos.
No primeiro capítulo foram abordados os aspectos históricos, conceito,
espécies e natureza do foro privilegiado, bem como, a operacionalização em outros
países, e por fim, tratou-se dos crimes em relação ao foro.
O segundo capítulo abordou o foro privilegiado no que tange à questão legal
(Constituição Federal vigente, Regimentos, jurisprudências, doutrinas) e ainda,
foram tratadas as competências em relação aos parlamentares objeto do estudo.
Finalizando, o terceiro capítulo realizou uma análise crítica do foro privilegiado
em relação à democracia, discorrendo se o mesmo seria um privilégio ou uma
garantia, confrontando as idéias do princípio constitucional da igualdade. Procurouse, também, explorar os posicionamentos contra e a favor do foro privilegiado, bem
como, ações parlamentares que possam abarcar a relação deste foro com a
democracia. E, no último tópico, apresentou-se a situação atual em relação ao que
se espera da aplicação da legislação quanto ao foro privilegiado.
11
1.
O FORO PRIVILEGIADO
1.1
ASPECTOS HISTÓRICOS DO FORO PRIVILEGIADO
Desde o início da existência humana, temos relatos de que a ―força‖ é que
dava sentido à existência da raça em nosso planeta.
Com o passar dos anos e com a criação do Estado, a maneira que o homem
encontrou para demonstrar sua ―força‖, foi através do poder, independentemente de
onde era originado o mesmo, se da igreja, de títulos de nobreza ou até mesmo da
política.
Dentro das considerações históricas do Foro Privilegiado, é importante
tratarmos das imunidades parlamentares, pois foi através desta que se originaram as
prerrogativas em razão da função ocupada pelo parlamentar.
As imunidades parlamentares tiveram início em 1689, no Parlamento Inglês,
por meio de dois fundamentos que são o ―freedom of speach”, relativo à liberdade
de opinião ou de palavra e o ―freedom from arrest”, que seria relacionado ao direito
de não ser preso ou imunidade à prisão arbitrária.
Na Inglaterra, foi elaborada a Declaração de Direito (em inglês Bill of Rights of
1689), que viria a ser um documento feito pelo Parlamento que determinou, entre
outras coisas, a liberdade, a vida e a propriedade privada, assegurando o poder da
burguesia naquele país.1
Segundo Alexandre de Moraes, no Bill of Rigths, ―proclamaram que a
liberdade de expressão e de debate ou a troca de opiniões no Parlamento não pode
ser impedida ou posta em questão em qualquer corte ou lugar fora do Parlamento.
No Brasil, existiu toda uma evolução histórica para que o instituto das
imunidades viesse a ser consagrados pelo parlamentares.2
Os historiadores Luiz Pereira Koshibo e Denise Manzi Frayze, trazem
explicações que facilitam o entendimento e a evolução histórica do instituto das
imunidades no Brasil, e para tanto, é necessário retroceder à época do
1
Declaração de Direitos de 1689. Disponível em: <http://www.wikipedia.org/Declaração_de_Direitos
de_1689> Acesso em: 22 fev.2010.
2
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 402.
12
descobrimento, ao início do período da colonização, onde se inclui a evolução
política do reino colonizador3.
No ano de 1580, em Portugal, abriu-se uma crise dinástica, após a morte do
rei D. Sebastião (1557-1578) na batalha de Alcácer-Quibir, sem que houvesse
deixado herdeiros, tendo, então, assumido, na qualidade de regente, por breve
período, o seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique. Com a morte deste, extinguiu-se, no
mesmo ano, a dinastia de Avis12.
Apresentaram-se vários candidatos à sucessão, dentre eles Filipe II, rei da
Espanha, que, sendo neto de D. Manuel, o Venturoso, era, por esta razão, o mais
cotado para ocupar o trono vago. Após seguidas vitórias militares e políticas do rei
de Espanha sobre seus oponentes, teve início a União Ibérica.
A incorporação de Portugal à monarquia Espanhola era apenas formal, uma
vez que Portugal continuava sendo independente e regido por suas próprias leis,
além de se auto-administrar. No que se referia às colônias, entre elas, o Brasil, as
Cortes portuguesas reunidas elaboraram um documento, chamado ―Juramento de
Tomar‖, preservando o controle português sobre as mesmas.
Nesse cenário, o continente europeu agitava-se em constantes modificações
políticas, sendo que, historicamente, é em torno deste período que a corrente
majoritária dos doutrinadores entende ser o marco da instituição das imunidades,
tendo sido conferida aos membros do Parlamento inglês após repercussão da prisão
de um certo Conselheiro que expusera suas idéias em conflito com as do monarca.
Nos séculos XVI e XVII, os membros da Câmara dos Comuns enfrentaram
inúmeras dificuldades, levantadas pelo trono. Este, arrogando-se numa série de
prerrogativas, considerava quaisquer deliberações que, acaso, a Câmara tomasse e
que lhe não agradassem, como atentatórias à Coroa.
Cabe ressaltar, que essas imunidades vêm seguindo presente nas
constituições brasileiras, porém sem a ocorrência de muitas alterações.
O Foro Privilegiado, tema em questão, traz na doutrina de João Mendes de
Almeida Junior, que a Igreja Católica influenciou as regras do processo criminal,
incentivando o foro privilegiado para determinadas pessoas, no século V, no fim do
Império Romano. Defendeu e fez prevalecer a idéia de que os ilícitos criminais
praticados por senadores fossem julgados pelos seus iguais. Os da autoria dos
3
KOSHIBO, Luiz, P.; Denise M. F. História do Brasil. São Paulo: Atual, 1993. p. 59
13
eclesiásticos processados e julgados, igualmente, por sacerdotes que se
encontrassem em maior grau hierárquico.4
Relata o autor, que os reis, a partir do século XII, começaram a lutar para que
a influência da Igreja Católica fosse afastada nos julgamentos de pessoas que
exerciam altas funções públicas, e ainda que a legislação processual daquela era
passou a adotar foros privilegiados, não sobre natureza dos fatos, mas sobre a
qualidade das pessoas acusadas, estabelecidos em favor dos nobres, dos juízes,
dos oficiais judiciais, abades e priores, fidalgos e pessoas poderosas. Acentua, que
os dirigentes do Estado, séculos depois ―....foram restringindo os casos reais e se
ampliando os casos privilegiados, ficando estes como correlativos opostos aos casos
comuns, sujeitos às justiças ordinárias, a tal ponto que a classificação dos crimes,
em relação às jurisdições foi esta: crimes privilegiados, crimes eclesiásticos e crimes
comuns, distinguindo-se estes dos outros, principalmente por constituírem, em regra,
os casos de devassa a cargo dos juízes locais, ao passo que os privilegiados
estavam a cargo dos corregedores e dos ouvidores e os eclesiásticos a cargo das
oficialidades eclesiásticas‖. 5
Fazendo um comparativo com os dias de hoje, seria a ―burguesia política‖.
Na obra ―O Foro por Prerrogativa de Função‖6, José Augusto Delgado
identifica a evolução histórica a respeito do foro privilegiado, e sugere que durante o
século XII ao XV, em Portugal, enquanto vigorou as Ordenações Filipinas, ―os
fidalgos, os desembargadores, cavaleiros, doutores, escrivães da Real Câmara, e
suas mulheres, ainda que viúvas, desde que conservando-se em honesta viuvez,
deputados da Real Junta do Comércio e da Companhia Geral da Agricultura das
vinhas do Alto Doiro‖, tinham o privilégio do relaxamento da prisão quando
pronunciados, embora a lei determinasse que deveria se proceder à captura dos
réus em tal situação, tudo em razão da qualidade pessoal que possuíam, ficando,
apenas, à disposição do Juízo, sob promessa de cumprir as suas ordens.
A evolução histórica do Foro Privilegiado no Brasil, pode ser traçada desde o
Brasil-Colônia até o contemporâneo Estado Democrático brasileiro.
4
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 3. ed. v. 1. Rio de Janeiro:
Typographia Baptista de Souza, 1920, p. 47.
5
ALMEIDA JUNIOR, op. cit., p. 118.
6
DELGADO, José Augusto. O Foro por Prerrogativa de Função: conceito e outros aspectos - a
lei nº 10.628/2002 - parte II., v. 7, n. 70, p. 29-44, Rio de Janeiro: L&C: Revista de Direito e
Administração Pública, Abri de 2004.
14
Como o próprio nome demonstra, na época do Brasil-Colônia, as normas que
vigoravam em nosso país eram as Ordenações Filipinas, onde retratavam naquele
tempo, o poder reacionário conforme se verifica no § 1º, Título 75 do Livro III, desta
norma: ―Porque o Rey he Lei animada sobre a terra, e pode fazer Lei a revogá-la,
quando vir que convém fazer-se assi‖.7
No Brasil-Império, a Constituição de 1824, trouxe a figura da inviolabilidade à
pessoa do imperador, além de torná-la sagrada, como segue: ―Art. 99. A Pessoa do
Imperador é inviolável, e Sagrada: Ele não está sujeito a responsabilidade alguma‖.
Não bastando a couraça ao Imperador, ainda trouxe a Constituição de 1824,
em seu artigo 24, a concessão do foro privilegiado aos membros da Família Real, a
Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, Senadores e Deputados (durante o
mandato), bem como, aos Secretários e Conselheiros de Estado (nos crimes de
responsabilidade), sendo ainda, que o julgamento ocorreria, conforme o caput do
artigo, de competência exclusiva do Senado, verbis (grifo nosso):
(...)
Art. 47. E' da atribuição exclusiva do Senado
I. Conhecer dos delitos individuais, cometidos pelos Membros da Família
Imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, e Senadores; e dos
delitos dos Deputados, durante o período da Legislatura.
II. Conhecer da responsabilidade dos Secretários, e Conselheiros de
8
Estado.
(...)
Finalizando, previa no art. 164 da Constituição de 1824, a existência do
privilégio de caráter processual especial para os Ministros do Supremo Tribunal, das
Relações, para os Empregados no Corpo Diplomático e para os Presidentes das
Províncias, determinando em seu caput, a competência do Supremo Tribunal para
julgar as pessoas indicadas.
(...)
Art. 164. A este Tribunal Compete:
(...)
II. Conhecer dos delitos, e erros do Oficio, que cometerem os seus
Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomático, e os
Presidentes das Províncias.
(...)
7
ALMEIDA DE, Cândido Mendes. Ordenações Filipinas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1985 [edição fac-similar da edição feita por Cândido Mendes de Almeida. Rio de Janeiro, 1870]. Livro
III, Título 75, § 1. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/Geraldo_Pieroni.pdf?...>
Acesso em: 22 fev. 2010.
8
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/constituicao/constituicao24.htm> Acesso em: 23 fev. 2010.
15
Ao longo da República, a inviolabilidade e a imunidade formal também foram
reafirmadas.
A
Constituição
de
1891,
conhecida
como
republicana,
outorgou
a
competência ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originária e
privativamente, o ―Presidente da República nos crimes comuns, cabendo, nos dois
casos, à Câmara dos Deputados a acusação, conforme os artigo 53 em combinação
com os artigos 29 e 59, I, ―a‖. Vejamos o texto:
(...)
Art 29 - Compete à Câmara a iniciativa do adiamento da sessão legislativa e
de todas as leis de impostos, das leis de fixação das forças de terra e mar,
da discussão dos projetos oferecidos pelo Poder Executivo e a declaração
da procedência, ou improcedência da acusação contra o Presidente da
República, nos termos do art. 53, e contra os Ministros de Estado nos
crimes conexos com os do Presidente da República.
(...)
Art 53 - O Presidente dos Estados Unidos do Brasil será submetido a
processo e a julgamento, depois que a Câmara declarar procedente a
acusação, perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, e nos
de responsabilidade perante o Senado.
(...)
Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
I - processar e julgar originária e privativamente:
a) o Presidente da República nos crimes comuns, e os Ministros de Estado
9
nos casos do art. 52;
(...)
No texto da Constituição de 1934, foi retirada do Senado, a competência para
julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade, sendo que o
julgamento seria feito por um Tribunal Especial (art. 58). Ela determinou, ainda, que
a Corte Suprema, em conformidade com o artigo 76, I, ―a‖ e ―b‖, julgaria a prática de
crimes comuns cometidos pelo Presidente da República, Ministros da Corte
Suprema, Ministros de Estado, Procurador-Geral da República, Juizes dos Tribunais
Federais e das Cortes de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios, Ministros do Tribunal de Contas, Embaixadores e Ministros diplomáticos.
Temos nos artigos:
(...)
Art 58 - O Presidente da República será processado e julgado nos crimes
comuns, pela Corte Suprema, e nos de responsabilidade, por um Tribunal
9
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de
1891). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/.../Constituicao/Constituiçao91.htm> Acesso em: 23
fev. 2010.
16
Especial, que terá como presidente o da referida Corte e se comporá de
nove Juízes, sendo três Ministros da Corte Suprema, três membros do
Senado Federal e três membros da Câmara dos Deputados. O Presidente
terá apenas voto de qualidade.
(...)
Art 76 - A Corte Suprema compete:
1) processar e julgar originariamente:
a) o Presidente da República e os Ministros da Corte Suprema, nos crimes
comuns;
b) os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os Juízes dos
Tribunais federais e bem assim os das Cortes de Apelação dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os
Embaixadores e Ministros diplomáticos nos crimes comuns e nos de
responsabilidade, salvo, quanto aos Ministros de Estado, o disposto no final
10
do 1º do art. 61;
(...)
Pode ser observado, na constituição de 1934, um aumento do número de
autoridades que passaram a ter o foro privilegiado em razão da função por elas
exercida.
A Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, apelidada de ―Polaca‖,
era extremamente autoritária, concentrando todo poder político nas mãos do
Presidente da República. Instituidora do denominado ―Estado Novo‖, em seu artigo
86, criou o Conselho Federal (órgão composto por representantes dos Estados e por
dez membros nomeados pelo Presidente da República) que seria competente para
processar e julgar o Presidente da República, bem como os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em conformidade com o artigo 100, assim demonstrado a seguir:
(...)
Art 86 - O Presidente da República será submetido a processo e julgamento
perante o Conselho Federal, depois de declarada por dois terços de votos
da Câmara dos Deputados a procedência da acusação.
§ 1º - O Conselho Federal só poderá aplicar a pena de perda de cargo, com
inabilitação até o máximo de cinco anos para o exercício de qualquer função
pública, sem prejuízo das ações cíveis e criminais cabíveis na espécie.
(...)
Art 100 - Nos crimes de responsabilidade, os Ministros do Supremo Tribunal
11
Federal serão processados e julgados pelo Conselho Federal.
(...)
Com a Constituição de 1946, ocorreu um processo de redemocratização do
país, e, junto a isso, configuraram-se várias situações de foro privilegiado.
10
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934).
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/.../Constituicao/Constituiçao34.htm> Acesso em: 23 fev.
2010.
11
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de
1937). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Constituicao/Constituiçao37.htm> Acesso
em: 23 fev. 2010.
17
Estabeleceu em seu artigo 101, inciso I, ―a‖, a prerrogativa ao Supremo
Tribunal Federal para processar e julgar o Presidente da República nos crimes
comuns e no mesmo artigo, alínea ―b‖, o processar e julgar seus próprios ministros e
o Procurador-Geral da República pelos mesmos crimes. Ainda no artigo 100, I, ―c‖,
apresentou um rol de privilegiados pelo foro no tocante aos crimes comuns, como
também, no de responsabilidade. Assim temos:
(...)
Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
I - processar e julgar originariamente:
a) o Presidente da República nos crimes comuns;
b) os seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nos
crimes comuns;
c) os Ministros de Estado, os Juízes dos Tribunais Superiores Federais, os
Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Chefes
de Missão Diplomática em caráter permanente, assim nos crimes comuns
como nos de responsabilidade, ressalvado, quanto aos Ministros de
12
Estado, o disposto no final do art. 92;
(...)
Importante ressaltar, que as situações de foro privilegiado constantes da
Constituição de 1946 em face ao processo de democratização, permanecem
expressas na Constituição Federal de 1988.
A interpretação desses artigos, dentre outros da mesma Carta, originou a
Súmula 394 do Supremo Tribunal, a qual apresentava o seguinte enunciado:
Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência
especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal
13
sejam iniciados após a cessação daquele exercício.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a competência constitucional dos
tribunais superiores merece interpretação restrita e não pode ser ampliada por via de
Lei Ordinária e nesse sentido, foi cancelada a Súmula nº. 394 do STF no ano de
1999.14
12
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de
1946). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/.../constituicao/Constituiçao46.htm> Acesso em: 23
fev. 2010.
13
SÚMULAS
DO
STF.
DJi.
Súmula
nº
394-STF.
Disponível
em:
<http://www.dji.com.br/...e_sumula_stf/stf_0394.htm> Acessado em: 24 fev. 2010.
14
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF, Inq. 687, DJU de 9.11.2001. Nesse sentido: MAZZILLI,
Hugo Nigro. O foro por prerrogativa de função e a Lei n. 10.628/02. São Paulo: Complexo Jurídico
Damásio
de
Jesus,
jan.
2003.
Disponível
em:
<http://www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>. Acessado em: 24 fev. 2010.
18
Na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional nº 1/69, ocorreram
alterações consideradas irrelevantes, pois o foro privilegiado praticamente não
sofreu variações e pode ser comparado com o que se adota na atual Carta Magna.
Para a Constituição de 1988 ―não haverá tribunal de exceção‖, conforme o
inciso XXXVII, do artigo 5º15. Tourinho Filho assevera que ―paradoxalmente, entre
todas as constituições brasileiras já existentes, foi a mais generosa de todas,
concedendo foro por prerrogativa de função a um grande número de autoridades‖.16
A Constituição atual sofreu alterações em sua redação, dadas pela Emenda
Constitucional nº 35 do ano de 2001, onde traz em seu artigo 53, caput, a Imunidade
Material, que outorga aos Deputados e Senadores o foro privilegiado passando os
mesmos a serem ―invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos‖.
O artigo 53, do parágrafo 1º ao 5º, tratará da Imunidade Processual. Em seu
parágrafo 1º, indica que ―desde a expedição do diploma‖, a competência para julgar
Deputados e Senadores será do Supremo Tribunal Federal. O parágrafo 2º configura
o privilégio relativo às prisões e suas exceções. No 3º é tratado o andamento da
ação contra os parlamentares do Congresso Nacional. O parágrafo 4º trata de prazo
e por fim, o parágrafo 5º aborda a questão da suspensão da prescrição, após
sustado o processo, isso, enquanto durar o mandato do parlamentar.
Ainda, o artigo 53 traz aos Deputados e Senadores, no 6º parágrafo, o direito
ao sigilo de fonte; no 7º parágrafo, a condição de dependência da respectiva Casa
do parlamentar em liberar o mesmo para incorporação às Forças Armadas; e, por
fim, em seu 8º parágrafo, as condições em que subsistirão e continuarão as
imunidades durante o estado de sítio.
No tocante ao grande número de autoridades abarcadas pelo foro privilegiado
na Constituição de 1988, temos no artigo 102, o Presidente da República, o VicePresidente- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros
e o Procurador-Geral da República, que serão julgados pelo STF nas infrações
penais comuns; os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais
Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de
15
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/.../constituicao/constituiçao.htm> Acesso em: 24 fev. 2010.
16
FILHO, Tourinho. Revista Brasileira de Direito Público. v. 1. n. 1. ed. abr-jun. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2003, p. 113.
19
caráter permanente, também julgados pelo STF nas infrações penais comuns e nos
crimes de responsabilidade.
A prerrogativa de foro ainda alcança os prefeitos, que segundo o artigo 29,
inciso X, serão julgados e processados perante os tribunais, e ainda, da mesma
forma, os juízes estaduais, distritais, os membros do Ministério Público, que
conforme o artigo 96, inciso III, serão julgados perante os Tribunais Estaduais.
O artigo 105, descreve a competência do STJ, para processar e julgar as
autoridades elencadas em seus incisos, quais sejam:
a) No inciso I, alínea ―a‖, nos casos de crimes comuns, os ―Governadores dos
Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os
desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito
Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de
Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem
perante tribunais‖;
b) No inciso I, alínea ―b‖, ―os mandados de segurança e os habeas data
contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;‖
c) Inciso I, alínea ―c‖ os habeas corpus, quando o coator ou paciente for
qualquer das pessoas mencionadas na alínea ―a‖, ou quando o coator for
tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da
Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral;‖
d) Inciso I, alínea ―d‖,o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas
referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data
contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do
Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; E
ainda, no inciso o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou
quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos
estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou
se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;
Inciso ―e‖, a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
20
e) Por fim, inciso ―h‖, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso
Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de
uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um
dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
Historicamente, é importante ressaltar, que é visível a preocupação em todas
as normas apresentadas, com a questão da imunização da atividade parlamentar,
função que, mesmo não exercida nos restritos limites da Câmara, tem direta e
imediata relação com o cumprimento do mandato que a pessoa do mesmo
representa.
1.2
CONCEITO
O Foro Privilegiado, também conhecido como Foro por Prerrogativa de
Função ou Foro Especial, foi conceituado por diversos autores e juristas, porém
observa-se que todos levam em conta, que o mesmo seja determinado em razão da
pessoa (ratione personae), tendo em vista a atividade desempenhada.
Segundo Mirabete, ―há pessoas que exercem cargos e funções de especial
relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processados
por órgãos superiores, de instância mais elevada‖.17
Plácido e Silva, tem o foro privilegiado como sendo ―aquele que se atribui
competente para certas espécies de questões ou ações ou em que são processadas
e julgadas certas pessoas‖.18
Pontes de Miranda afirma que o foro privilegiado é ―aquele que cabe a
alguém, como direito seu (elemento subjetivo, pessoal, assaz, expressivo); portanto,
o foro do juízo que não é comum‖.19
Para Tourinho Filho, a competência por prerrogativa de função (ratione
personae) é:
17
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 181.
SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 328
19
MIRANDA, Pontes de. Comentários as Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p. 237
18
21
Poder que se concede a certos órgãos superiores do Poder Judiciário de
processarem e julgarem determinadas pessoas, em decorrência das
funções que exercem. As pessoas que ocupam cargos de especial
relevância no Estado, e em atenção a tais cargos ou funções exercidos no
seu cenário jurídico-político, concedeu-lhe o direito de não serem
processadas e julgadas pelos órgãos inferiores do poder jurisdicional, e sim
pelos seus órgãos mais elevados, em atenção à majestade do cargo ou
20
função.
Segundo Christovão Malta e Júlia Lefèvre, foro privilegiado é:
Único foro em que podem ser ajuizadas certas demandas contra
determinadas pessoas, em virtude do alto cargo que ocupam na
organização do Estado. O Presidente da República e os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, entre outras autoridades, por exemplo, gozam de
21
foro privilegiado em matéria criminal.
Maria Helena Diniz trata a matéria como:
(...) regalia concedida legalmente aos que exercem altas funções públicas
para serem julgados em foro especial ou serem inquiridos, na qualidade de
testemunhas, em sua residência ou onde exercem sua função. Dentre eles
podemos citar: presidente e vice-presidente da República; presidente do
Senado e o da Câmara dos Deputados; ministros de Estado; ministros do
STF, STJ, do STM, TSE, TST e do TCU; procurador-geral da República;
senadores; deputados federais; governadores; deputados estaduais;
desembargadores; juízes dos Tribunais de Alçada, dos Tribunais Regionais
do Trabalho e dos Tribunais de Contas dos Estados e Distrito Federal;
embaixador do país e, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa ao
22
agente diplomático do Brasil.
Para o ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado, ―é
foro determinado em razão da pessoa (ratione personae), tendo em vista a nobreza
da atividade desempenhada. Por esta razão, é chamado, também, de foro por
prerrogativa de função‖. 23
Vale ressaltar, que, somente a Constituição versa de forma taxativa e
indeclinável sobre matéria de foro privilegiado, aplicando-se somente para o
processamento e julgamento de ações por crimes comuns ou de responsabilidade,
por órgãos judiciários extraordinários, sendo definidos conforme a natureza do cargo
público que determinada pessoa ocupa ou exerce.
20
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 1990. V. 1. p
188.
21
MALTA, Christovão Piragibe Tostes; LEFÈVRE, Júlia Brotero. Dicionário Jurídico. 5. ed. Rio de
Janeiro: Edições Trabalhistas S/A, 1987, p. 409.
22
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2005. p. 807.
23
DELGADO, José Augusto. Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/web/verCurriculoMinistro?cod...> Acesso em: 24 fev. 2010.
22
1.3
ESPÉCIES
De acordo com o art. 53 da Constituição Federal de 1988, que teve sua
redação alterada pela Emenda Constitucional nº 35/01, foram fixadas regras com
relação às imunidades dos parlamentares federais.
Celso Ribeiro Bastos traz o seguinte comentário em sua obra:
As imunidades parlamentares representam elemento preponderante para a
independência do Poder Legislativo. São privilégios outorgados, em face do
direito comum, pela Constituição aos membros do Congresso para que
estes possam ter um bom desempenho na s suas funções. Neste sentido,
faz-se necessário que os parlamentares gozem de ampla liberdade de
expressão (pensamento, palavras, discussão e voto) e sejam resguardados
de certos procedimentos legais. São as chamadas o,imunidades material e
24
processual, respectivamente.
Rosah Russomano entende o seguinte:
IMUNIDADE constitui o termo genérico que rotula duas espécies de
privilégios,
denominados
pelos
franceses,
respectivamente,
de
IRRESPONSABILIDADE e INVIOLABILIDADE, nomenclatura, porém,
inadaptável ao nosso sistema, que melhor comporta a designação
IMUNIDADE MATERIAL E IMUNIDADE PROCESSUAL, para indicar as
25
variantes da Imunidade, abstratamente considerada.
Assim, temos em conformidade com a legislação constitucional atual, a
imunidade material e a imunidade formal e a partir da imunidade a qual o
parlamentar fará jus em determinado momento ou situação, é que alcançará foro.
1.3.1 Imunidade Material
A imunidade material está expressa no caput do art. 53 da CF/88 e trata da
garantia ao parlamentares federais da inviolabilidade, ―civil e penal, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos, porém cabe ressaltar, que qualquer das situações
citadas, serão consideradas quando proferidas em razão de suas funções
24
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 206.
25
LIMA, Rosah Russomano de Mendonça. O poder legislativo na República. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1960. p. 135.
23
parlamentares, durante o exercício do mandato e diretamente relacionado ao
mesmo.
Segundo José Afonso da Silva, temos o seguinte sobre imunidade material:
A inviolabilidade sempre foi a exclusão de cometimento de crime de opinião
por parte de Deputados e Senadores; mas, agora, com a redação da EC35/2001 ao caput do art. 53, se estabelece que eles são invioláveis civil e
criminalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Exclui-se
assim os congressistas também da responsabilidade civil. A inviolabilidade,
que, às vezes, também é chamada de imunidade material, exclui o crime
nos casos admitidos; o fato típico deixa de constituir crime, porque a norma
26
constitucional afasta, para a hipótese, a incidência da norma penal.
Pedro Lenza relata que:
não importa, pois, qual a denominação que se dê, o importante é saber que
27
a imunidade material (inviolabilidade) impede que o parlamentar seja
condenado, na medida em que há ampla descaracterização do tipo penal,
irresponsabilizando-o penal, civil, política e administrativamente
(disciplinarmente). E Ainda, segue o autor, ao qual pedimos permissão
para continuar, trazendo que a imunidade material ―trata-se de
irresponsabilidade geral, desde que, é claro, tenha ocorrido o fato em
28
razão do exercício do mandato e da função parlamentar‖.
Nelson Hungria explica:
que, nas sua opiniões, palavras ou votos, jamais se poderá identificar, por
parte do parlamentar, qualquer dos chamados crimes de opinião ou crimes
da palavra, como os crimes contra a honra, incitamento a crime, apologia de
29
criminoso, vilipêndio oral a culto religioso, etc.
26
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 535.
27
―A imunidade material prevista no art. 53, caput, da CF (‗Os Deputados e Senadores são
invioláveis por suas opiniões, palavras e votos‘) alcança a responsabilidade civil decorrente dos
atos praticados por parlamentares no exercício de suas funções. É necessário, entretanto,
analisar-se caso a caso as circunstâncias dos atos questionados para verificar a relação de
pertinência com a atividade parlamentar. Com esse entendimento, o Tribunal deu provimento a
recurso extraordinário para estabelecer a sentença de 1º grau que, no autos de ação de indenização
por danos morais movida contra deputada federal, determinara a extinção do processo sem
julgamento de mérito devido à vinculação existente entre o ato praticado e a função parlamentar de
fiscalizar o poder público (tratava-se, na espécie, de divulgação jornalística da notitia criminis
apresentada pela deputada ao Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro contra juiz
estadual por suposto envolvimento em fraude no INSS)‖ (RE 210.917-RJ, rel. Min. Sepúlvida
Pertence, 12.08.1998, Informativo n. 118/STF, 10 a 14 de agosto de 1988). Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/.../informativo/.../informativo.htm> Acesso em: 26 fev. 2010.
28
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. ver. atual e ampl. São Paulo:
Método, março, 2007. p. 356.
29
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. . v. 1, t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978 p. 188
24
Existe entendimento do STF, no sentido de que a imunidade material não
esteja restrita apenas ao âmbito do Congresso Nacional, entendendo-se assim, que
o parlamentar está abarcado pela norma, mesmo estando fora do Congresso
Nacional. 30
1.3.2 Imunidade Formal
Alexandre de Moraes apresenta o seguinte conceito com relação à
inviolabilidade ou imunidade formal:
Imunidade formal é o instituto que garante ao parlamentar a impossibilidade
de ser ou permanecer preso ou ser processado sem autorização de sua
31
Casa Legislativa respectiva.
A imunidade formal encontra-se contemplada no art. 53, parágrafos 2º, 3º, 4º
e 5º da Constituição de 1988, sendo que a mesma compreende a imunidade
processual e prisional.
O 2º parágrafo do art. 53 da CF/88, trata a imunidade formal relacionada a
prisão, garantindo ao parlamentar, foro privilegiado, desde o momento da expedição
do diploma, não podendo o mesmo ser preso, salvo, em flagrante de crime
inafiançável e, somente após o voto da maioria dos membros da respectiva casa do
parlamentar, tendo sido os autos remetidos à mesma, num prazo de vinte e quatro
horas.
Ainda no mesmo artigo, o 3º parágrafo, trata do recebimento da denúncia
contra Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, momento em
que o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, Câmara ou
Senado, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da
maioria de seus membros, poderá, até a decisão final (Sentença do STF), sustar
(temporariamente) o andamento da ação.
30
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inq. 1.710/DF, Rel. Ministro Sydney Sanhes, Inf. STF n. 258,
de 25.02.2002 a 1º. 03.2002. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/.../informativo/.../informativo.htm>
Acesso em: 26 fev. 2010.
31
MORAES, Alexandre de. Imunidades parlamentares. v. 86, n. 742. São Paulo: Revista dos
Tribunais, ago. 1997. p. 90.
25
O 4º parágrafo relata que o pedido de sustação será apreciado pela Casa
respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela
Mesa Diretora.
Por fim, o 5º parágrafo, afirma que a sustação do processo suspende a
prescrição, enquanto durar o mandato.
José Afonso da Silva, faz a seguinte abordagem sobre imunidade formal,
diferenciando-a inclusive, com relação à material:
A imunidade (propriamente dita), ao contrário da inviolabilidade, não exclui o
crime, antes o pressupõe, mas impede o processo. Trata-se de prerrogativa
processual. É esta a verdadeira imunidade, dita formal, para diferenciar da
material. Ela envolve a disciplina da prisão e do processo de
32
congressistas.
1.4
NATUREZA JURÍDICA
Alguns doutrinadores apresentam a natureza jurídica como sendo ―causa de
antijuridicidade ou de excludente de crime‖, outros porém, afirmam que tal natureza
se apresenta pelo seu ―caráter imperativo‖, importante em um estudo, é que
apresentemos as correntes doutrinárias existentes.
Apresentamos então, a importante opinião de Celso de Mello:
Em relação a natureza jurídica da imunidade material, salienta o Ministro
Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, tratar-se a imunidade material
ou real, de causa justificativa (excludente da antijuridicidade da conduta
típica), ou de causa excludente da própria criminalidade, ou, ainda, de mera
causa de isenção de pena, o fato é que, nos delitos contra a honra objetiva
(calúnia e difamação) ou contra a honra subjetiva (injúria), praticados em
33
razão do mandato parlamentar, tais condutas não mais são puníveis".
Pedimos vênia para copiar o texto do renomado constitucionalista Alexandre
de Moraes:
Desta forma, Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967),
Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal), e José Afonso da
Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo) entendem-na como uma
32
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 535.
33
MELLO FILHO, José Celso de. A Imunidade dos Deputados Estaduais, Justitiad. a. 43, v. 114.
São Paulo: Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público, jul-set/1981. p. 165.
26
causa excludente de crime, Basileu Garcia(Instituições de Direito Penal),
como causa que se opõe à formação do crime; Damásio de Jesus(Questões
Criminais), causa funcional de exclusão ou isenção de pena; Aníbal
Bruno(Direito Penal), causa pessoal e funcional de isenção de pena; Heleno
Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal) considera-a causa pessoal de
exclusão de pena; Magalhães Noronha(Direito Penal) causa de
irresponsabilidade; José Frederico Marques (Tratado de Direito Penal),
34
causa de incapacidade penal por razões políticas.
Outra corrente doutrinária tem o entendimento de que a natureza jurídica do
foro privilegiado está diretamente relacionada à questão do parlamentar não poder
renunciar a tal privilégio que lhe é outorgado em função do mandato que o mesmo
exerce.
Essa condição, de não renúncia por parte da autoridade, confere ao foro
privilegiado, em se tratando de natureza jurídica, o caráter imperativo.
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado, tem em
sua obra que o foro privilegiado é ―acima de tudo uma garantia‖ e ainda completou o
tema com o seguinte entendimento:
Um outro elemento que compõe a natureza jurídica do foro privilegiado é o
seu caráter imperativo, isto é, não pode ser renunciado pela autoridade que
dele goza, nem pode ser afastado pela vontade do Ministério Público ou do
próprio Tribunal. Sendo uma garantia de natureza constitucional, os seus
efeitos são produzidos com a intensidade da carga que a própria
35
Constituição lhe outorga, dando-lhe plena eficácia e efetividade.
Pedimos vênia para reproduzir interessante parágrafo da obra do Ministro
Delgado36, em relação à natureza jurídica do foro privilegiado. Diz o autor: ―O foro
em questão tem origem na Constituição Federal. Válida, a respeito, a observação de
Athos Gusmão Carneiro, no sentido de que ―A competência fixada na Constituição
apresenta-se exaustiva e taxativa: dispositivo algum de lei, ordinária ou
complementar (salvante, evidentemente, emenda à própria Constituição), poderá
reduzir ou ampliar tal competência‖. 37
Ressalta-se por questão de entendimento, que será beneficiado com o foro, o
parlamentar e nunca a pessoa.
34
MORAES, Alexandre. Imunidades Parlamentares. Revista Brasileira de Ciências Criminais. a. 6,
nº 21. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 51.
35
DELGADO, José Augusto. O Foro por prerrogativa de função : conceito e outros aspectos - a
lei nº 10.628/2002 - parte II. L&C: Revista de Direito e Administração Pública. v. 7, n. 70. Rio de
Janeiro: Renovar: abr. 2004 p. 10.
36
DELGADO, op. cit., p. 11.
37
Cf. DELGADO, 2004. Trecho da página 46 da obra de Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e
Competência em sua 5ª edição. São Paulo, Editora Saraiva, 1999.
27
Na doutrina de Júlio Fabbrini Mirabete, o autor afirma que:
Há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o
Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processadas por
órgãos superiores, de instância mais elevada. O foro por prerrogativa de
função está fundado na utilidade pública, no princípio da ordem e da
38
subordinação e na maior independência dos tribunais superiores.
Assim, mesmo que o parlamentar não queira aceitar o foro privilegiado ou
deixar de usufruir de qualquer uma de suas imunidades, não poderá fazê-lo, pela
questão de que as mesmas são irrenunciáveis e, desta maneira, iria em desacordo
com a Constituição.
1.5
OPERACIONALIZAÇÃO EM OUTROS PAÍSES
Atualmente, vários países trazem em sua Constituição ou Norma Legal,
algum tipo de imunidade parlamentar no tocante à função que o mesmo exerce.
Porém, é importante observar, que cada país adotará prerrogativas que lhes
sejam mais convenientes e em conformidade com suas normas constitucionais.
Na Inglaterra, a imunidade parlamentar também tem as espécies de
imunidade material e formal, sendo que a primeira não apresenta limitações,
enquanto que segunda apresenta e adota que o parlamentar que cometer crime,
responderá pelo mesmo sem necessidade de comunicação ou de autorização da
Câmara. Importante relatar que a Inglaterra protege exclusivamente a atividade
relacionada com o Parlamento.
A advogada Marianna Carreira, em artigo científico apresentado à Escola de
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, escreveu que:
Na Inglaterra, a imunidade material não enfrenta limitações, sendo aplicada
integralmente de acordo com sua concepção original. Já a imunidade formal
não tem a mesma tolerância. Os ingleses consideram que o fato de ser
parlamentar não é obstáculo ao exercício da Justiça Penal. Se um membro
do Parlamento é preso sob acusação de pratica de crime tipificado na Lei
Penal, o juiz deve simplesmente avisar a Câmara, que não tem poder de
38
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1997, p. 181.
28
impedir a ação ou influir contra as prisões preventivas ou decretadas por
39
desobediência aos tribunais.
Em Portugal, a previsão legal para as imunidades, encontra-se no art. 196 da
Constituição da República Portuguesa, que trata em seus incisos 1 e 2, da
―Efetivação da responsabilidade criminal dos membros do Governo‖, conforme
descrito a seguir:
(...)
1. Nenhum membro do Governo pode ser detido ou preso sem autorização
da Assembléia da República, salvo por crime doloso a que corresponda
pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante
delito.
2. Movido procedimento criminal contra algum membro do Governo, e
acusado este definitivamente, a Assembléia da República decidirá se o
membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento
do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de
40
crime do tipo referido no número anterior.
(...)
A França possui uma constituição parecida com a brasileira, mas, exclui a
necessidade de prévia licença para o processo e admite, inclusive, a prisão em
decorrência de condenação criminal definitiva, previsto no Artigo 26 da Constituição
Francesa. E ainda, a Constituição em referência, trata no Título X (da
Responsabilização Penal dos Membros do Governo), no art. 68, inciso 1, a previsão
do local do julgamento dos Membros do Governo, qual seja, o Tribunal de Justiça da
República. Vejamos então:
(...)
Art.° 26
Nenhum membro do Parlamento pode ser processado, perseguido, detido,
preso ou julgado por opiniões ou votos emitidos por ele no exercício das
suas funções.
Nenhum membro do Parlamento pode ser objeto, em matéria criminal ou
correcional, de uma detenção ou qualquer outra medida privativa ou
restritiva da liberdade senão com autorização da Mesa da assembléia da
qual faz parte. Esta autorização não é requerida em caso de crime ou delito
flagrante, ou de condenação definitiva.
A detenção, as medidas privativas ou restritivas de liberdade, ou a
perseguição a um membro do Parlamento são suspensas durante todo o
período da sessão, se a assembléia da qual ele faz parte assim requer.
39
FERNANDES, Marianna Carreira Teixeira. Prisão civil por dívida de alimentos e imunidade
formal dos parlamentares. Artigo científico apresentado à Escola de Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro, como exigência para obtenção do título de Pós-Graduação. Rio de Janeiro, 2009. p. 5.
Disponível em <http://www.emerj.tjrj.jus.br/.../1semestre2009/...12009/mariannafernandes>. Acesso
em 26 fev. 2010.
40
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA. Constituição da República Portuguesa. A
Constituição da República Portuguesa entra em vigor no dia 25 de Abril de 1976. Disponível em:
<http://www.parlamento.pt › Página Inicial › Legislação>. Acesso em 28 fev. 2010.
29
A assembléia interessada é reunida de pleno direito para sessões
suplementares para permitir, se for o caso, a aplicação do parágrafo acima.
(...)
Art.°68
1. Os membros do governo são plenamente responsáveis pelos actos
realizados no exercício de suas funções e classificados como crimes e
delitos no momento em que foram cometidos.
2. Eles são julgados pelo Tribunal de Justiça da República.
O Tribunal de Justiça da República observa a definição dos crimes e delitos,
41
bem como a determinação das penalidades decorrentes da legislação.
(...)
Na Alemanha, a Lei Fundamental (Constituição Federal), conhecida como
―Grundgesetz‖42 é a base legal e política da República Federal e segundo a mesma,
a Câmara exige uma prévia licença para instauração de um processo e tem ainda o
poder de determinar a soltura do congressista. É permitida uma ampla liberdade no
exercício de seu mandato, porém, essa liberdade tem limitação nos casos de
flagrante delito ou ofensas caluniosas. O artigo 46 da ―Ggrundgesetz‖ estabelece as
imunidades parlamentares, tanto no sentido material, como também formal.
Cabe ressaltar, na Constituição alemã, o poder da Câmara de determinar a
soltura do congressista, exigindo-se, ainda, a sua prévia licença para a instauração
do processo.
O Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, traçou sobre a constituição da Alemanha no
que diz respeito à imunidade parlamentar, quais sejam:
Há inviolabilidade e imunidade previstas para os parlamentares e, de tal
modo, o Deputado não poderá, em nenhum momento, ser submetido a
processo judicial ou ação disciplinar ou ser chamado a responder, fora do
Parlamento Federal, por voto ou discurso que tenha manifestado no
Parlamento Federal ou em uma de suas comissões. No entanto, ressalvou43
se, essa disposição não se aplicará a injúrias difamatórias.
A Itália possuía uma Constituição semelhante á brasileira, no que diz respeito
ás imunidades, mas após a chamada "Operação Mãos Limpas" 44, suspendeu-se a
41
CONSTITUIÇÃO FRANCESA. Constituição Francesa em Português. Disponível em:
<http://www.artnet.com.br/~lgm/constfran.doc>. Acesso em: 28 fev. 2010.
42
ALEMANHA. Embaixada da Alemanha Brasília – GRUNDGESETZ. Disponível em:
<http://www.brasilia.diplo.de/.../grundgesetz__seite.html.>. Acesso em: 28 fev. 2010.
43
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Notas sobre a constituição da Alemanha.
Disponível em: <http://www.arnaldogodoy.adv.br/.../notas_sobre_a_constituicao_da_Alemanha.html>.
Acesso em: 28 fev. 2010.
44
Em meados dos anos 1980, a Máfia atuava até mesmo na esfera pública italiana. Empresários,
políticos de diversos cargos e achacadores compunham um sistema sólido, ao qual resistir implicava
sérios riscos. Mas a sociedade italiana não se deixaria dominar pelo crime organizado por tanto
30
necessidade de licença para o processo criminal, mas continua necessária a
autorização do parlamento para a prisão do parlamentar. Hoje, apesar do texto
original ainda apresentar, a prerrogativa de foro de ministros foi abolida, ficando
restrita ao Presidente da República.
A Constituição Italiana ou ―Costituzione della Repubblica‖, dispõe:
(...)
Art. 96 - O Presidente de Conselho de Ministros e os Ministros são postos
em estado de acusação pelo Parlamento em sessão comum, pelos crimes
cometidos no exercício de suas funções.
(...)
Art. 134 - A Corte Constitucional julga: as controvérsias relativas à
legitimidade constitucional das leis e dos atos com força de lei, do Estado e
das Regiões; os conflitos de atribuição entre os poderes do Estado e
aqueles entre o Estado e as Regiões, e entre uma e outra região; as
acusações movidas contra o Presidente da República e os Ministros,
45
segundo a Constituição.
(...)
Na Espanha, a Constituição de 1978, estabelece a prerrogativa de foro para
os Deputados e Senadores, da mesma maneira que está prevista na Constituição
brasileira e ao Presidente e demais membros do governo, no artigo 102, inciso 2.
Assim, tais autoridades espanholas, gozam de liberdade de expressão para
opiniões expressas no exercício das suas funções, só poderão ser detidos se
em
flagrante
delito,
podem
não
ser
indiciado
ou
julgado
sem
autorização da respectiva Câmara, durante o mandato, e ainda, nos processos
contra
os
deputados
e
senadores,
apresenta
a
competência
da Divisão de Justiça Criminal para julgá-los.
Em decorrência dessa singularidade do tema entre as Constituições do Brasil
e da Espanha, cabe apresentar o artigo 71 daquela, em seu texto original:
(...)
Artículo 71.
1. Los Diputados y Senadores gozarán de inviolabilidad por lãs opiniones
manifestadas en el ejercicio de sus funciones.
tempo. Os sistemas Penal e Judiciário foram modificados e dotados de instrumentos mais duros de
combate ao crime organizado. Durante a Operação "Mãos Limpas", centenas de mafiosos foram
presos, levados a julgamento e condenados. Até mesmo o primeiro-ministro Giulio Andreotti foi
acusado de envolvimento com mafiosos (e absolvido em 1995). A reação destes não tardou: 24 juízes
e promotores foram assassinados enquanto a Máfia era investigada. Embora ela não desaparecesse
por completo, Seu declínio é uma prova categórica da teoria defendida por muitos – a de que o crime
organizado só é neutralizado mediante enérgicas ações do Estado e da sociedade. Disponível em:
<http//.www.wikipedia.org/wiki/Operação_Mãos_Limpas> Acesso em: 1 mar. 2010.
45
ITÁLIA.
Contituição
Italiana.
Disponível
em:
<http://www.tudook.com/abi/constituicao_italiana.html>. Acesso em 1 mar. 2010.
31
2. Durante el período de su mandato los Diputados y Senadores gozarán
asimismo de inmunidad y sólo podrán ser detenidos en caso de flagrante
delito. No podrán ser inculpados ni procesados sin La previa autorización de
la Cámara respectiva.
3. En las causas contra Diputados y Senadores será competente la Sala de
46
lo Penal del Tribunal Supremo.
(...)
A Constituição Argentina de 199447, em seu artigo 53, trata da imunidade
processual, salvo nos crimes punidos com pena de morte, e ainda, no artigo 59, que
será o Senado competente para julgar atos dos parlamentares. A Constituição
argentina trata da matéria do foro, porém de uma forma restrita, pois em seu artigo
100, limita a prerrogativa aos embaixadores e membros de embaixadas
estrangeiras.
Na Colômbia, a Constituição Política de 199148, no artigo 235, incisos 2 a 4,
adotou o regime de foro privilegiado para o julgamento do Presidente da República,
Membros do Congresso, procurador-geral da Nação, ministros de Estado, defensor
do Povo, agentes do Ministério Público junto à Corte e ao Conselho de Estado,
diretores de departamentos administrativos, controlador-geral da República,
embaixadores e chefes de missão diplomática, governadores, magistrados de
tribunais, generais e almirantes da Força Pública.
Os Estados Unidos, um dos países mais influentes nas questões de relações
internacionais, senão o maior, não tem em seu direito, amparo para o foro
privilegiado.
Importante ressaltar, que a matéria é tratada de maneira diversa entre países,
porém, é possível notar que em nenhum país o foro privilegiado ou a prerrogativa de
função é tão abrangente, em termo de autoridades, como no Brasil.
1.6
DOS CRIMES E O FORO PRIVILEGIADO
Ao tratar de crime relacionado ao assunto foro privilegiado, verificamos que a
prerrogativa constitucional foi editada para preservar o parlamentar acusado em
46
ESPANHA.
Constituição
Espanhola
de
1978.
Disponível
<http://www.wikipedia.org/Constituição_espanhola_de_1978>. Acesso em 1 mar. 2010.
47
ARGENTINA. Constituição
Nacional
da
Argentina de 1994. Disponível
<http://www.pt.argentina.ar/_pt/.../C265-constituicao-nacional.php.>.Acesso em: 2 mar. 2010.
48
COLOMBIA.
Constituição
de
Colômbia
de
1991.
Disponível
<http://pt.wikilingue.com/es/Constituição_de_Colômbia_de_1991>. Acesso em: 2 mar. 2010.
em:
em:
em:
32
caso de cometimento de crimes relativos à função por ele ocupada e no decorrer de
seu mandato.
Quando da elaboração da Carta Magna, o Constituinte não quis dar uma
distinção formal aos crimes, porém, definiu certos aspectos do tratamento jurídico a
ser dado a determinadas categorias de agentes políticos, o que pode ser observado
com relação às imunidades previstas no artigo 53 e parágrafos da Constituição
vigente.
Tais aspectos podem ser observados em razão da importância da função
estatal desempenhada, mediante os sistemas de prerrogativa de foro também em
razão da função e através do sistema de responsabilização dos chamados ―crimes
de responsabilidade‖.
Quanto aos crimes temos que o crime comum é aquele ―em que o sujeito
ativo pode ser qualquer pessoa penalmente responsável‖49, enquanto que crime de
crime de responsabilidade é o ―cometido por funcionário público, com abuso de
poder ou violação de dever inerente a seu cargo, emprego ou função‖.50
Cabe enfatizar que tais conceitos serão importantes na abordagem, mais
adiante, ao tratarmos das competências na apuração e julgamento de crimes
cometidos pelos parlamentares alcançados pelas prerrogativas de foro previstas em
nossa constituição.
49
COSTA, Wagner Veneziani; AQUAROLI, Marcelo. Dicionário Jurídico. São Paulo: Madras, 2004.
p. 137.
50
COSTA, op. cit. p. 137.
33
2.
O FORO PRIVILEGIADO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
É interessante buscarmos o significado das palavras foro e privilégio, não no
intuito de conceituá-las, mas para que possamos demonstrar sua adequação no
âmbito jurídico.
Foro é a ―extensão territorial ou limites em que o magistrado pode
desempenhar suas funções ou conhecer das questões‖.51 Assim, nesse conceito
temos demonstrado o local, a jurisdição e quem detém o poder para conhecer da
matéria.
No dicionário Aurélio, o vocábulo foro é ―.... 2. Uso ou privilégio garantido pelo
tempo ou pela lei...‖, e ainda define o mesmo no plural, então temos foros como
sendo ―Imunidades, privilégios‖.52 Cabe ressaltar que o autor desta obra já
demonstrou a garantia em razão da lei e o privilégio.
Vejamos então o que viria a ser privilégio para Aurélio Buarque, privilégio é ―1.
Vantagem que se concede a alguém com exclusão de outros. 2. Permissão especial.
3. V. prerrogativa.53 Na mesma obra ainda temos que prerrogativa é ―Vantagem com
que se distingue pessoa ou corporação; privilégio, regalia‖. 54
Assim diante de importantes conceitos, nosso entendimento acerca do foro
privilegiado é que atribui competência para processar e julgar certas pessoas em
razão do cargo ou atividade por ela desempenhada, porém, dentro do que está
instituído em texto legal, no caso, a Constituição Federal de 1988.
2.1
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 trata a matéria do foro privilegiado, afirmando
legalmente e de maneira taxativa, as autoridades e as competências relacionadas
ao mesmo.
51
COSTA, op. cit. p. 177.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 7. ed.
Curitiba: Editora Positivo, 2008. p. 415.
53
FERREIRA, op. cit. p. 655.
54
FERREIRA, op. cit. p. 651.
52
34
As autoridades que fazem jus ao foro privilegiado estão elencadas nos art. 29,
inciso X (Prefeitos), art. 52 incisos I e II (Presidente, Vice-Presidente da República,
Ministros de Estado, Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica,
Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de
Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da
República e o Advogado-Geral da União), art. 96, inciso III (Juízes estaduais e do
Distrito Federal e Territórios, membros do Ministério Público), art. 102, inciso I,
alíneas ―b‖ e ―c‖ (Presidente da República, Vice-Presidente, os membros do
Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os
membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes
de missão diplomática de caráter permanente), e por fim, o art. 108, inciso I, alínea
―a‖ (Os juízes federais, da Justiça Militar, Justiça do Trabalho, os membros do
Ministério Público da União).
As competências ou foros competentes estão expressas nos artigos 29 e 96
(ambos dos Tribunais de Justiça dos Estados), art. 52 (Senado Federal), art. 102
(Supremo Tribunal Federal), art. 105 (Superior Tribunal de Justiça) e, art. 108
(Tribunais Regionais Federais).
É importante ressaltar, que tanto nos artigos que elencam as autoridades que
fazem jus ao foro, como também, nos artigos que tratam das competências, deverão
sempre ser observados e considerados, os tipos de crimes praticados, se comum ou
de responsabilidade, para que se possa encaminhar o devido processo legal e
relação à autoridade que o praticou.
A abordagem desse estudo é a ―Questão do Foro Privilegiado dos
Parlamentares Federais e Estaduais no Brasil‖, assim temos que a Constituição
outorgou privilégios aos Membros do Congresso para que estes possam
desempenhar melhor suas funções, fazendo necessário que os mesmos gozem da
imunidade material, sendo a ampla liberdade de expressão (pensamento, palavras,
discussão e voto) e imunidade processual, que os resguardam de certos
procedimentos legais.
Na Constituição atual o instituto das imunidades estão disciplinadas no caput
do artigo 53, conforme texto dado pela Emenda Constitucional nº 35 de 2001, onde
―Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos.
35
Assim, o artigo 53, descreve a imunidade material, que impede a configuração
do caráter delituoso, e ainda, diferencia a questão do crime cometido pelo
parlamentar e o cometido por um cidadão comum.
Celso Ribeiro de Bastos, traz o seguinte entendimento sobre as imunidade:
Para a incidência do princípio da imunidade material é necessário a
satisfação de dois requisitos: em primeiro lugar, o crime por ele praticado há
de ser no exercício do mandato; em segundo lugar, haverá de ser um
daqueles crimes passíveis de materialização por via de opiniões, palavras e
55
votos.
O foro privilegiado, especial ou também conhecido como foro por prerrogativa
de função, está disposto no parágrafo 1º do art. 53 onde ―Os Deputados e
Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante
o Supremo Tribunal Federal.
Assim, devidamente diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o parlamentar
como parte em um crime, terá o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal
Federal. Podemos então observar nesse artigo constitucional, que não pode se
considerar o foro como sendo um privilégio, mas sim, trata-se o foro em questão de
uma prerrogativa, visto que está relacionada diretamente ao cargo, função ou
principalmente ao mandato do parlamentar (Deputado ou Senador). Não se está
privilegiando uma ou outra pessoa, mas sim está ofertando proteção à prerrogativa
da função que essa ou outra pessoa exerce.
Assevera ainda Celso Ribeiro Bastos, que:
Com o advento da Emenda Constitucional nº 35/01, estabeleceu-se no
parágrafo sob comento uma condicionante à sua à sua redação, qual seja, a
expressão ―desde a expedição do diploma‖. Vale lembrar que o diploma
para o congressista equivale ao título de nomeação para o agente público.
É o instrumento pelo qual o vinculum iuris é estabelecido entre mandantes e
mandatários. Assim, os Deputados e Senadores, desde a expedição deste
56
instrumento, serão submetidos a julgamento perante o STF.
No ordenamento jurídico brasileiro, qualquer pessoa é passível de prisão em
flagrante, porém o parágrafo 2º do art. 53, expressa que o deputado e o senador têm
tratamento especial em matéria de flagrante. Apresenta o artigo que ―os membros do
55
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 207.
56
BASTOS, op. cit. p. 209.
36
Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável‖.
Então, no caso do cometimento de crime inafiançável57 por parlamentar, o
parágrafo 2º ainda prevê um prazo de vinte e quatro horas para que os autos sejam
remetidos à respectiva casa, Câmara dos Deputados ou Senado, para que seja
resolvida pela prisão, desde que votada pela maioria dos membros.
No caso do prazo em questão, Celso de Bastos diz que:
Cumpre ainda lembrar que se a remessa dos autos não for efetuada dentro
de vinte e quatro horas, a prisão será considerada ilegal, podendo ser
relaxada, pela impetração de habeas corpus pelo acusado.
Como se vê, somente o ato de prisão e na hipótese de flagrante de crime
inafiançável é que dispensa a licença prévia da Casa a que pertence o
parlamentar. No mais prevalecem as regras de imunidade. Mas isso não
significa que ele ficará impune. Não é esta a finalidade objetivada pelo
preceito. A imunidade nele albergada visa, apenas, tornar plenamente
exercitável a missão que lhe foi confiada, qual seja, a de representar
58
politicamente os interesses do povo.
O parágrafo 3º do art. 53 trata da questão referente ao recebimento da
denúncia por parte do Supremo Tribunal Federal, contra Deputado ou Senador que
comete crime, sendo que o Egrégio Tribunal deverá dar ciência do fato à respectiva
Casa, e ainda, a mesma deliberará quanto à sustação do andamento da ação até a
decisão final.
No parágrafo 4º, estabelece o prazo de quarenta e cinco dias, improrrogável,
a partir do recebimento do pedido, pela Mesa Diretora, para que a respectiva casa
do parlamentar delibere acerca do pedido de sustação do andamento da ação no
Supremo Tribunal Federal. Observa-se que a não apreciação do pedido de sustação
pela respectiva casa do parlamentar dentro do prazo previsto em lei, acarretará de
que a ação não mais poderá ser obstada.
Por fim, ainda no artigo referente às imunidades e do foro privilegiado, temos
o parágrafo 5º, que no caso de ocorrência da sustação do processo, incorrerá na
57
Dos crimes tidos como inafiançáveis trata a Constituição Federal em seu art. 5º:
―XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão,
nos termos da lei;
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se emitirem;
XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático‖
58
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 212.
37
suspensão da prescrição enquanto durar o mandato do parlamentar, passando a
contar novamente logo que termine o mesmo, afirmando assim, que o parlamentar
não ficará impune.
Nos parágrafos 6º, 7º e 8º do artigo 53, são apresentadas outras garantias.
No parágrafo 6º é tratada a questão o sigilo de fonte, onde os parlamentares não
serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão
do exercício do mandato; no 7º, versa sobre a incorporação de parlamentares às
Forças Armadas, que dependerá de prévia licença da Casa respectiva.
O 8º parágrafo é importante para o parlamentar, no sentido de que garante as
imunidades mesmo durante a vigência de estado de sítio e de defesa, porém,
determina a condição de que, mediante o voto de 2/3 dos membros da Casa
respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso, que sejam
incompatíveis com a execução da medida, as imunidades poderão ser suspensas
durante o estado de sítio.
Observação importante, é que as situações de foro persistirão somente
durante o mandato do parlamentar, assim, cessará imediatamente ao término do
mesmo. Somente não perderá o foro ao término do mandato, quando o parlamentar
se reeleger, pois assim, receberá novo diploma, renovando e continuando o direito
às prerrogativas legais.
Assim como no Legislativo Federal, os Deputados Estaduais recebem
também a garantia das imunidades para fomento da democracia, para o equilíbrio
entre os Poderes e em razão do Princípio Federativo. São aplicadas as mesmas
prerrogativas dos Deputados Federais e Senadores, aos Estaduais, contudo,
havendo particularidades em alguns ordenamentos jurídicos estaduais.
Apresentaremos legislação que ampara e modera a questão dos Deputados
Estaduais e dos Distritais com relação ao foro privilegiado e às imunidades:
(...)
Art. 27 - O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá
ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido
o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os
Deputados Federais acima de doze.
§ 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicandose-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade,
imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas.
(...)
Art. 32 - O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á
por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e
38
aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará,
atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
(...)
§ 3º - Aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto
59
no Art. 27.
STF Súmula nº 3 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante
do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição:
Imprensa Nacional, 1964, p. 33.
Imunidade de Deputados Estaduais – Restrição
A imunidade concedida a deputados estaduais é restrita a justiça do estado.
60
(Superada pelo RE 456679 - 15/12/2005)
Parlamentar distrital: imunidade formal: CF, art. 53, § 2º c/c os arts. 27, § 1º,
e 32, § 3º: incidência. Com o advento da Constituição de 1988 (art. 27, §
1º), que tornou aplicáveis, sem restrições, aos membros das Assembléias
Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, as normas sobre imunidades
parlamentares dos integrantes do Congresso Nacional, ficou superada a
tese da Súmula 3/STF ("A imunidade concedida a Deputados Estaduais é
restrita à Justiça do Estado"), que tem por suporte necessário que o
reconhecimento aos deputados estaduais das imunidades dos
congressistas não derivava necessariamente da Constituição Federal, mas
decorreria de decisão autônoma do constituinte local. Plenário. Supremo
61
Tribunal Federal. RE 456679/DF. 15/12/2005.
Vale ressaltar que toda a redação do artigo 53 e seus artigos foram alterados
pela Emenda Constitucional nº 35 de 20 de dezembro de 2001.
2.2
REGIMENTOS INTERNOS
O Regimento Interno serve para nortear os limites de atuação de cada Casa
do Congresso Nacional, facilitar o andamento do processo do parlamentar na
confecção das leis, estabelecendo critérios para intervenção e estabelecimento das
normas gerais do processo legislativo e das normas específicas para tratar de
matérias de caráter legislativo.
59
BRASIL.
Constituição
Federativa
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/.../constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em 10 mar. 2010
60
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.. Súmulas do STF. DJi - Súmula nº 3 – STF. Disponível em:
<http://www.dji.com.br/..e_sumula_stf/stf_0003.htm>. Acesso em: 10 mar. 2010.
61
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL.
RE
456679/DF.
Disponível
em:
<http://www.lexml.gov.br/.../urn:lex:br:supremo.tribunal.federal <acessado em 08/04/2010> Acesso
em: 10 mar. 2010.
39
Deocleciano Torrieri Guimarães conceitua regimento como sendo "Normas
agrupadas que disciplinam, o serviço interno ou o funcionamento de tribunais,
assembléias legislativas, corporações, fundações, instituições civis".62
Segundo José Náufel, o regimento interno ―é conjunto de normas que regulam
o funcionamento e o serviço interno de câmaras legislativas tribunais ou órgãos da
administração pública‖.63 Como exemplo, temos o Regimento Interna da Câmara dos
Deputados e o Regimento do Supremo Tribunal Federal.
De tal modo, cada uma das Casas que compõem o nosso Poder Legislativo
tem a incumbência de elaborar o seu regimento interno.
2.2.1 Regimento Interno da Câmara dos Deputados
A Resolução nº 17 de 1989, que aprovou o Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, considerou a necessidade de adaptar o seu funcionamento e processo
legislativo próprio à Constituição Federal, apresenta alguns artigos e incisos que
tratam das imunidades e prerrogativas dos parlamentares desta Casa.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu artigo 15, inciso IX,
trata da competência da Mesa, dentre outras atribuições, de ―adotar as providências
cabíveis, por solicitação do interessado, para a defesa judicial e extrajudicial de
Deputado contra a ameaça ou a prática de ato atentatório do livre exercício e das
prerrogativas constitucionais do mandato parlamentar‖.64 (grifo nosso).
O artigo 17, inciso VI, alínea ―g‖ do referido Regimento, traz uma das
atribuições do Presidente da Casa, na qual o mesmo deverá ―zelar pelo prestígio e
decoro da Câmara, bem como pela dignidade e respeito às prerrogativas
constitucionais de seus membros, em todo o território nacional‖. 65 (grifo nosso).
No Capítulo VI, Do Regime de Tramitação, artigo 151, inciso I, dita que
quanto à natureza de determinadas questões, as mesmas deverão ter caráter de
62
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo: Editora Rideel,
p. 460.
63
NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.
717.
64
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/.../regimento_interno/.../RegInterno.pdf.> p. 8.
Acesso em: 18 mar. 2010.
65
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, op. cit. p. 12.
40
urgência, e especificamente em sua alínea ―b‖, o artigo descreve sobre a
―suspensão das imunidades de Deputados, na vigência do estado de sitio ou de
sua prorrogação.66 (grifo nosso).
O artigo 18867, trata do modo pelo qual deverá ocorrer a votação nos casos
do inciso I e IV, que tratam das imunidades, devendo ocorrer por escrutínio secreto e
pelo sistema eletrônico. Assim, o inciso I trata da ―deliberação, durante o estado de
sítio, sobre a suspensão de imunidades de Deputado, nas condições previstas
no parágrafo 8º do art. 53 da Constituição Federal, enquanto que o inciso IV,
prevê tal sistema de votação ―no caso de pronunciamento sobre a perda de mandato
de Deputado ou suspensão das imunidades constitucionais dos membros da
Casa durante o estado de sítio.
O artigo 231 e incisos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, faz
referência direta ao artigo 53 e incisos, com redação adaptada pela Emenda
Constitucional nº 35 de 2001, no que diz respeito às imunidades materiais e formais
dos parlamentares, conforme podemos observar:
(...)
Art. 231. No exercício do mandato, o Deputado atenderá às prescrições
constitucionais e regimentais e às contidas no Código de Ética e Decoro
Parlamentar, sujeitando-se às medidas disciplinares nelas previstas.
§ 1o Os Deputados são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.
§ 2o Desde a expedição do diploma, os Deputados não poderão ser presos,
salvo em flagrante de crime inafiançável.
(...)
§ 4o Os Deputados serão submetidos a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal.
§ 5o Os Deputados não serão obrigados a testemunhar sobre informações
recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as
pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.
§ 6o A incorporação de Deputados às Forças Armadas, embora militares e
ainda que em tempo de guerra, dependerá de licença da Câmara.
§ 7o As imunidades parlamentares subsistirão quando os Deputados forem
investidos nos cargos previstos no inciso I do art. 56 da Constituição
68
Federal.
(...)
Por fim, o artigo 23369 deste Regimento Interno, trata da questão das
imunidades constitucionais dos Deputados serem suspensas durante o estado de
66
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, op. cit. p. 68.
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/.../regimento_interno/.../RegInterno.pdf.> p. 80.
Acesso em: 18 mar. 2010.
68
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, op. cit. p. 95-96.
69
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, op. cit. p. 96.
67
41
sítio, isso, porém, mediante voto de dois terços dos membros da Casa, e ainda,
delibera sobre o tipo de escrutínio (secreto).
2.2.2 Regimento Interno do Senado Federal
A Resolução nº 93 de 1970, com texto editado conforme Resolução nº 18 de
1989 e consolidado com alterações decorrentes da emenda à Constituição, leis e
resoluções posteriores até 2006, aprovou o Regimento Interno do Senado Federal,
regendo assim o funcionamento e processo legislativo próprio desta Casa em
conformidade com a Constituição Federal.
Em consonância com a Carta Magna, apresenta alguns artigos e incisos que
tratam das imunidades e prerrogativas dos Senadores.
Em seu artigo 9º, inciso II, afirma que é facultado ao Senador, desde que
empossado, ―requisitar da autoridade competente, por intermédio da Mesa ou
diretamente, providências para garantia das suas imunidades e informações para
sua defesa‖. 70 (grifo nosso).
Adiante, é tratada, no artigo 3271, inciso VI e parágrafo 1º deste Regimento, a
questão da perda do mandato do Senador, conforme consta do artigo 55 da
Constituição Federal. Tal perda ocorrerá, conforme inciso VI do Regimento, no caso
do Senador ―sofrer condenação criminal em sentença definitiva e irrecorrível‖, ou
ainda, como traz taxativamente o parágrafo 1º, fazer uso das prerrogativas a ele
seguradas, de forma abusiva visando vantagens indevidas.
A suspensão das imunidades foi expressa no Capítulo IX, artigo 36 72, onde o
texto afirma que ―As imunidades dos Senadores subsistirão durante o estado de
sítio, só podendo ser suspensas mediante voto de dois terços dos membros da
Casa, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que
sejam incompatíveis com a execução da medida‖. Percebemos a paridade com o
parágrafo 8º do artigo 53 da Constituição Federal. Ainda no mesmo capítulo, o artigo
70
BRASIL. CONGRESSO. SENADO FEDERAL. Regimento Interno: Resolução no 93, de 1970.
Brasília:
Senado
Federal,
2007.
p.
27.
Disponível
em:
<http:www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf>. Acesso em: 18 ma. 2010.
71
BRASIL. CONGRESSO. SENADO FEDERAL, op. cit. p. 34.
72
BRASIL. CONGRESSO. SENADO FEDERAL, op. cit. p. 37
42
37, preceitua que deverão ser ―observadas, na decretação da suspensão das
imunidades, as disposições do capítulo VIII‖ (das tramitações das proposições), ―no
que forem aplicáveis‖.
No Capítulo II, que trata das atribuições, o artigo 48, apresenta o que compete
ao Presidente da Casa e no inciso II, traz a competência do mesmo no sentido de
―velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às imunidades dos
Senadores‖.73 (Grifo nosso).
O artigo 291 do Regimento Interno do Senado Federal, dispõe sobre a
votação, secreta, no caso do Senador ter que deliberar sobre diversas matérias,
porém, na alínea ―d‖, trata da ―suspensão das imunidades de Senador durante o
estado de sítio‖, mais um artigo consoante com o parágrafo 8º do artigo 53 da
Constituição Federal que trata das imunidades parlamentares. 74
2.3
JURISPRUDÊNCIA
A questão do foro privilegiado dos parlamentares federais e estaduais no
Brasil, é matéria polêmica, tanto no âmbito político, como também relacionada à
opinião pública brasileira. Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º
35/2001, acabando com a necessidade de prévia licença da Casa do Parlamentar
para a instauração de processo penal contra o mesmo, o Supremo Tribunal Federal
teve que enfrentar a questão da aplicação do novo texto constitucional aos
processos e inquéritos nos quais a licença havia sido negada ou não deliberada
A jurisprudência é pacífica a respeito de tal discussão, onde a visão
predominante é que não se fere qualquer princípio constitucional, tal como o da
igualdade (art. 5º caput), ou o que proíbe os juízos e os tribunais de exceção (art. 5º,
XXXVII).
Diante da controvérsia em relação às imunidades parlamentares, o Tribunal
Pleno em 18/02/2002, ao apreciar a Questão de Ordem argüida no Inquérito n.º
1.566 – Acre, firmou o seguinte entendimento:
73
BRASIL. CONGRESSO. SENADO FEDERAL. Regimento Interno: Resolução no 93, de 1970.
Brasília:
Senado
Federal,
2007.
p.
45.
Disponível
em:
<http:www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2010.
74
BRASIL. CONGRESSO. SENADO FEDERAL, op. cit. p. 148.
43
Imunidade parlamentar: abolição da licença prévia pela EC 35/01:
aplicabilidade imediata e conseqüente retomada do curso da prescrição.
1. A licença prévia da sua Casa para a instauração ou a seqüência de
processo penal contra os membros do Congresso Nacional, como exigida
pelo texto originário do art. 53, § 1º, da Constituição configurava condição
de procedibilidade, instituto de natureza processual, a qual, enquanto não
implementada, representava empecilho ao exercício da jurisdição sobre o
fato e acarretava, por conseguinte, a suspensão do curso da prescrição,
conforme o primitivo art. 53, § 2º, da Lei Fundamental.
2. Da natureza meramente processual do instituto, resulta que a abolição
pela EC 35/01 de tal condicionamento da instauração ou do curso do
processo é de aplicabilidade imediata, independentemente da indagação
sobre a eficácia temporal das emendas à Constituição: em conseqüência,
desde a publicação da EC 35/01, tornou-se prejudicado o pedido de licença
pendente de apreciação pela Câmara competente ou sem efeito a sua
denegação, se já deliberada, devendo prosseguir o feito do ponto em que
paralisado.
3. Da remoção do empecilho à instauração ou à seqüência do processo
contra o membro do Congresso nacional, decorre retomar o seu curso,
desde a publicação da EC 35/01, a prescrição anteriormente suspensa. (DJ
22/03/2002)
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a imunidade parlamentar tratase de prerrogativa de caráter institucional, inerente ao Poder Legislativo e que
somente lhe é conferida em função do cargo e do mandato que exerce.
Quanto à abrangência da imunidade parlamentar, apresentamos a seguinte
interpretação jurisprudencial:
DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL.
DENÚNCIA APRESENTADA, PELA PROCURADORIA GERAL DA
REPÚBLICA, CONTRA SENADOR, PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. IMPUTAÇÃO DE CRIME DE DIFAMAÇÃO PRATICADO
CONTRA SECRETÁRIO DE ESTADO, MEDIANTE REPRESENTAÇÃO
DESTE. IMUNIDADE PARLAMENTAR (MATERIAL) (ART. 53, § 1º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL). QUESTÃO DE ORDEM. 1. Foi como Senador
da República, na representação do Estado do Paraná, que o denunciado
formulou as críticas à Secretaria de Segurança daquela unidade da
Federação. Mesmo consideradas ofensivas à honra do Secretário, que
representou ao Ministério Público Federal, para o oferecimento de denúncia,
estaria o parlamentar coberto pela imunidade material de que já tratava o
art. 53, § 1º da C.F. Sobretudo, após o advento da E.C. nº 35, de
20.12.2001, que a estendeu a quaisquer opiniões, palavras e votos,
proferidos pelo parlamentar, obviamente nessa condição. 2. De qualquer
maneira, a punibilidade estaria extinta, desde 17 de março de 2002, como
demonstrou o parecer da Procuradoria Geral da República. 3. Em tais
circunstâncias, o Plenário resolve a Questão de Ordem, determinando o
arquivamento dos autos. 4. Decisão unânime. Inq 1594 QO / DF DISTRITO FEDERAL. Min. SYDNEY SANCHES, julgado em 01/08/2002
pelo Pleno e publicado 21-02-2003
44
No entendimento do Ministro Celso de Mello, a ―garantia da imunidade
material estende-se ao desempenho das funções de representante do Poder
Legislativo, qualquer que seja o âmbito, parlamentar ou extraparlamentar, dessa
atuação, desde que exercida ratione muneris”. (Inq 510, Relator: Ministro Celso de
Mello, publicado no DJ de 19/04/91).
É o mesmo entendimento segundo o Ministro Sydney Sanches no Inquérito nº
1.710, onde pode-se ler: "Com o advento da Emenda Constitucional nº 35, de
20/12/2001, que deu nova redação ao art. 53 da Constituição Federal de 5/10/1988,
os Deputados e Senadores já não gozam de imunidade processual, mas, apenas, de
imunidade material, por suas opiniões, palavras e votos, proferidos, obviamente, no
exercício do mandato ou em razão dele. Por crimes de outra natureza, respondem
os parlamentares, perante esta Corte, agora sem necessidade de prévia licença da
respectiva Casa Legislativa, como exigia o parágrafo 1º do art. 53 da Constitucional
Federal, em sua redação originária." (Inq. 1710, Relator Ministro. Sydney Sanches,
publicado no DJ de 28/06/02).
Quanto à Imunidade parlamentar material, o voto do Ministro Sepúlveda
Pertence, proferido no Inquérito nº 503-QO, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ
26/03/93, esclarece sobre a sua não incidência fora do exercício da função do
congressista:
Ainda quando se admita, em casos excepcionais, que o Congressista,
embora licenciado, continue protegido pela imunidade material contra a
incriminação de declarações relativas ao exercício do mandato, a garantia
não exclui a criminalidade de ofensas a terceiro, em atos de propaganda
eleitoral, fora do exercício da função e sem conexão com ela.
A palavra 'inviolabilidade' significa intocabilidade, intangibilidade do
parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal
inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar,
porque está em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição
Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto
aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº
1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas
ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas
últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada
'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (Inq
390 e 1.710).
A constituição é taxativa quanto ao foro privilegiado ter aplicabilidade somente
durante o mandato do parlamentar, assim, encerrado o exercício do mandato, cessa
o foro do parlamentar e a competência do STF para processá-lo e julgá-lo pelos
crimes cometidos. Conforme entendimento do próprio STF, ocorreu o cancelamento
45
da Súmula nº 39475, consequentemente, conforme entendimento atual, findo o
mandato, os autos deverão ser remetidos à Justiça de 1º grau.
Assim, no entendimento, conforme a Súmula nº 451 do STF, acerca do crime
cometido por parlamentar e o término de seu mandato traz que ―A competência
especial por prerrogativa da função não se estende ao crime cometido após a
cessação definitiva do exercício funcional‖. E ainda temos:
A competência especial pela prerrogativa da função, não prevalece
quando o fato reputado delituoso é cometido após cessão definitiva do
exercício funcional. (Obs. Caso de Juiz aposentado) (Habeas Corpus n°
689/ SP, Rel. Min. Cid Flaquer Scarterzzini, DJU de 01.07.91, STJ). (grifo
nosso)
Assim também entende as jurisprudências a seguir:
Cometido o delito antes do exercício do cargo que atrai a competência
especial, durante o exercício do múnus a persecução deve subordinar-se à
jurisdição originária do foro privilegiado. Cessado o exercício funcional,
retorna o processado à 1ª instância(STF, RTJ 121/423 – STF, RT 619/365 –
STF, JSTF 188/354).
PRERROGATIVA DE FORO. INAPLICABILIDADE A EX-OCUPANTES DE
CARGOS PÚBLICOS E A EX-TITULARES DE MANDATOS ELETIVOS.
CANCELAMENTO DA SÚMULA 394/STF. PRECEDENTES.
1. A prerrogativa de foro é outorgada àqueles que se encontram no
exercício do cargo ou do mandato. Cessada a investidura cessa a
prerrogativa de foro.
2. Deputado Federal aposentado, que não se reelegeu para a atual
legislatura, perde a prerrogativa de foro. Precedentes.
3. Agravo Regimental a que se nega provimento.
AG.REG.NO INQUÉRITO Inq-AgR 2335 PR - STF - 08 de Agosto de 2007
A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido
material (CF, art. 53, caput) — destinada a viabilizar a prática
independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato
legislativo de que é titular — não se estende ao congressista, quando,
na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender,
moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos,
em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que
não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais."
(Inq 1400-QO, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de
10/10/02). (grifo nosso).
Imunidade material não caracterizada, por falta de relação entre o fato
apontado como crime contra a honra do ofendido e o exercício do mandato
parlamentar pelo ofensor. (Inq 803, Relator Ministro Octavio Gallotti,
publicado no DJ de 13/10/95).
75
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.. Súmulas do STF. Súmula nº 394 – cancelada – ―Cometimento
de crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função,
ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessão daquele exercício‖. Disponível
em: <http://www.dji.com.br/..e_sumula_stf/stf_0003.htm>. Acesso em: 12 mar. 2010.
46
Malgrado a inviolabilidade alcance hoje ―quaisquer opiniões, palavras
e votos‖ do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício
formal do mandato, não cobre as ofensas que, ademais, pelo conteúdo
e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de
Deputado ou Senador do agente. Não cobre, pois, a inviolabilidade
parlamentar a divulgação de imprensa por um dirigente de clube de
futebol de suspeita difamatória contra a empresa patrocinadora de
outro e relativa a suborno da arbitragem de jogo programado entre as
respectivas equipes, nada importando seja o agente, também, um
Deputado Federal. (Inq 1344, Relator. Ministro. Sepúlveda Pertence,
publicado no DJ de 01/08/03) (grifo nosso).
O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa
constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o
congressista em todas as suas manifestações que guardem relação
com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da
própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039 – RTJ 135/509 – RT 648/318), ou,
com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional
(RTJ 133/90). (grifo nosso)
A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF,
art. 53, caput) — que representa um instrumento vital destinado a viabilizar
o exercício independente do mandato representativo — somente protege o
membro do Congresso Nacional, qualquer que seja o âmbito espacial
(locus) em que este exerça a liberdade de opinião (ainda que fora do recinto
da própria Casa legislativa), nas hipóteses específicas em que as suas
manifestações guardem conexão com o desempenho da função
legislativa (prática in officio) ou tenham sido proferidas em razão dela
(prática propter officium), eis que a superveniente promulgação da EC
35/2001 não ampliou, em sede penal, a abrangência tutelar da cláusula da
inviolabilidade. A prerrogativa indisponível da imunidade material — que
constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não
traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) — não
se estende a palavras, nem a manifestações do congressista, que se
revelem estranhas ao exercício, por ele, do mandato legislativo. A cláusula
constitucional da inviolabilidade (CF, art. 53, caput), para legitimamente
proteger o parlamentar, supõe a existência do necessário nexo de
implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um
lado, e a prática inerente ao ofício congressional, de outro. Doutrina.
Precedentes. A situação registrada nos presentes autos indica que a data
da suposta prática delituosa ocorreu em momento no qual o ora denunciado
ainda não se encontrava investido na titularidade de mandato legislativo.
Conseqüente inaplicabilidade, a ele, da garantia da imunidade parlamentar
material". (Inq 1.024-QO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/03/05) (grifo
nosso).
Ao contrário da inviolabilidade ou imunidade material que elide a
criminalidade do fato ou, pelo menos, a responsabilidade do agente — e,
substantiva, por isso, instituto de Direito Penal —, a 'licença prévia' antes
exigida caracterizava mera condição de procedibilidade, a qual — até que
deferida ou enquanto durasse a investidura parlamentar do acusado —
configurava empecilho temporário ao exercício da jurisdição, impedindo a
instauração ou o curso do processo. Do que resulta induvidoso —
independentemente de qualquer indagação sobre a eficácia temporal de
emenda à Constituição — a aplicabilidade imediata aos casos pendentes da
norma constitucional que fez desnecessária a licença prévia da Câmara.
Cuidando a hipótese de instituto de alcance puramente processual, não é
de aplicar-se à abolição da licença prévia o entendimento — já endossado
pelo Tribunal — da incidência da garantia constitucional de ultra-atividade
da lei penal mais favorável à alteração superveniente de normas que,
47
embora de caráter processual, tenham reflexos mediatos ou imediatos sobre
o fato delituoso anterior à sua vigência. (Inq 1.344, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ 01/08/03)
Constitucional. Imunidade processual. CF, art. 53, § 3º, na redação da EC
35/2001. Deputado estadual. Mandatos sucessivos. Efeito suspensivo a
recurso extraordinário. Liminar indeferida. Agravo regimental. O Supremo
Tribunal Federal, em várias oportunidades, firmou o entendimento de que a
Emenda Constitucional nº 35, publicada em 21/12/2001, tem aplicabilidade
imediata, por referir-se a imunidade processual, apta a alcançar as
situações em curso. Referida emenda 'suprimiu, para efeito de
prosseguimento da persecutio criminis, a necessidade de licença
parlamentar, distinguindo, ainda, entre delitos ocorridos antes e após a
diplomação, para admitir, somente quanto a estes últimos, a possibilidade
de suspensão do curso da ação penal' (Inq. 1.637, Ministro Celso de Mello).
Em conseqüência, desde a publicação da EC 35/01, tornou-se prejudicado
o pedido de licença pendente de apreciação pela Câmara competente ou
sem efeito a sua denegação, se já deliberada, devendo prosseguir o feito do
ponto em que paralisado. Da remoção do empecilho à instauração ou à
seqüência do processo contra o membro do Congresso nacional, decorre
retomar o seu curso, desde a publicação da EC 35/01, a prescrição
anteriormente suspensa." (Inq 1.566-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
22/03/02)
Diante da fartura jurisprudencial sobre o foro privilegiado,
demonstramos mais algumas questões e a maneira como os Tribunais têm
enfrentado o tema:
Consoante orientação firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal,
no julgamento da questão de ordem suscitada no Inquérito n° 687/SP,
ensejo em que, cancelando a Súmula n° 394/STF, decidiu que o foro por
prerrogativa de função cessa quando o acusado deixa o exercício do
cargo. (HC n° 12480/SP, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 01.10.02, p. 250).
(grifo nosso)
É nula a decisão de relator que, sumária e monocraticamente, recebe
queixa-crime contra Procurador da República, determinando a apresentação
de defesa prévia, porquanto, há na espécie, caso de foro privilegiado por
prerrogativa de função, cuja competência originária para processar e
julgar a causa é do colegiado respectivo (Tribunal Regional Federal), sendo
sua a prerrogativa de emitir juízo positivo sobre a instauração e deflagração
da persecutio criminis, após um preambular contraditório. Aplicação dos
arts. 4º e 6º, ambos da Lei n° 8.038/90 e do art. 1 °, da Lei n° 8.658/93 (HC
n° 16507/ RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalvez, DJU de 20.08.02, p. 541).
(grifo nosso).
A competência pela prerrogativa de função é observada nos processos
por crimes comuns praticados por, e não contra, magistrado (HC n°
14755/MG, rel. Min. Félix Fischer, STJ, DJU de 13.08.02, p. 183). (grifo
nosso).
São válidos e eficazes os atos praticados no processo criminal pelo Tribunal
de 2° grau, no período de vigência da Súmula n° 394/STF, pois o
cancelamento da r. Súmula produziu efeitos ―ex nunc‖ (HC n° 12983-SP,
rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 04.06.01, p. 194). (grifo nosso)
Aplica-se ao foro privilegiado ó entendimento de que ―Na determinação da
competência por conexão e continência, havendo concurso de jurisdições
de diversas categorias, predominará a de maior graduação, estendendo-se
48
tal competência aos demais co-réus, que não gozem de prerrogativa de
foro‖. (HC n° 8211/RJ, rel. Min. Félix Fischer, DJU de 16.08.99, p. 323).
(grifo nosso)
Enunciado n° 13 – ―Em caso de co-autoria em crime doloso contra a vida, o
foro privilegiado por prerrogativa de função, a quem tem direito um dos
acusados, não atrai competência para o julgamento dos outros envolvidos‖
(HC n° 1990/MG, Rel. Min. Edson Vidigal, STJ, DJU de 20.09.93, p. 19184).
(grifo nosso)
Importante ressaltar, que as divergências entre leis e opiniões, fazem parte do
contexto político e do mundo jurídico, assim, há de se esperar que na ocorrência de
tal situação de conflito, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição
Federal, estará sempre pronto a defender a legislação e as diretrizes da democracia
do nosso país, buscando entendimentos jurisprudenciais que pacifiquem as
situações que estejam fora do equilíbrio legal.
2.4
DOUTRINA
A doutrina apresenta diversas opiniões a respeito do foro, porém todas
apontam para a questão do mesmo ser determinado em razão da pessoa tendo em
vista o cargo ou função que desempenha, no caso dos parlamentares, no
desempenho das atividades que o povo lhes conferiu pelo voto.
Não serão aqui abordados posicionamentos doutrinários a favor ou contra o
foro privilegiado, mas sim, os que abordem o que venha ser o mesmo dentro do
ordenamento jurídico.
Vale ressaltar, que, somente a Constituição versa de forma taxativa e
indeclinável sobre matéria de foro privilegiado, aplicando-se somente para o
processamento e julgamento de ações por crimes comuns ou de responsabilidade,
por órgãos judiciários extraordinários, sendo definidos conforme a natureza do cargo
público que determinada pessoa ocupa ou exerce.
De início, pedimos vênia para transcrever o parágrafo do artigo ―Crimes do
Colarinho Branco‖, onde traz uma colocação importante do foro privilegiado,
principalmente em se tratando de Montesquieu, ―célebre pela teorização da
tripartição dos poderes, integrante que era da nobreza, pregou o foro privilegiado,
explicitando seu caráter classista‖, ‗verbis’:
49
Os grandes estão sempre expostos à inveja e, se fossem julgados pelo
povo, poderiam encontrar-se em perigo e não gozariam da garantia que, em
um estado livre, é devida até ao mais humilde dos cidadãos, de ser julgado
por seus pares. É necessário, portanto, que os nobres sejam denunciados
não diante dos tribunais ordinários da nação, mas diante daquela parte do
legislativo que é composta por nobres. (―apud‖, Luigi Ferrajoli, Diritto e
76
Ragione, p. 673).
Entende Mirabete, que ―há pessoas que exercem cargos e funções de
especial relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam
processados por órgãos superiores, de instância mais elevada‖.77
Plácido e Silva, tem o foro privilegiado como sendo ―aquele que se atribui
competente para certas espécies de questões ou ações ou em que são processadas
e julgadas certas pessoas‖.78
Pontes de Miranda afirma que o foro privilegiado é ―aquele que cabe a
alguém, como direito seu (elemento subjetivo, pessoal, assaz, expressivo); portanto,
o foro do juízo que não é comum‖.79
Para Tourinho Filho, a competência por prerrogativa de função (ratione
personae) é:
Poder que se concede a certos órgãos superiores do Poder Judiciário de
processarem e julgarem determinadas pessoas, em decorrência das
funções que exercem. As pessoas que ocupam cargos de especial
relevância no Estado, e em atenção a tais cargos ou funções exercidos no
seu cenário jurídico-político, concedeu-lhe o direito de não serem
processadas e julgadas pelos órgãos inferiores do poder jurisdicional, e sim
pelos seus órgãos mais elevados, em atenção à majestade do cargo ou
80
função.
Segundo Christovão Malta e Júlia Lefèvre, foro privilegiado é:
Único foro em que podem ser ajuizadas certas demandas contra
determinadas pessoas, em virtude do alto cargo que ocupam na
organização do Estado. O Presidente da República e os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, entre outras autoridades, por exemplo, gozam de
81
foro privilegiado em matéria criminal.
76
ADV BR. Crimes do Colarinho Branco. I. PARTE GERAL. Do Delito pelo Colarinho
Branco. Disponível em: <http://www.crimesdocolarinhobranco.adv.br/.../i-viii-do-foro-privilegiado>.
Acesso em 11 mar 2010.
77
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 181.
78
SILVA, Plácido E.. Vocabulário Jurídico. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 328
79
MIRANDA, Pontes de. Comentários as Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p. 237
80
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 1990. V. 1. p
188.
81
MALTA, Christovão Piragibe Tostes; LEFÈVRE, Júlia Brotero. Dicionário Jurídico. 6. ed. Rio de
Janeiro: Edições Trabalhistas, 1987. p. 409.
50
Maria Helena Diniz trata a matéria como:
(...) regalia concedida legalmente aos que exercem altas funções públicas
para serem julgados em foro especial ou serem inquiridos, na qualidade de
testemunhas, em sua residência ou onde exercem sua função. Dentre eles
podemos citar: presidente e vice-presidente da República; presidente do
Senado e o da Câmara dos Deputados; ministros de Estado; ministros do
STF, STJ, do STM, TSE, TST e do TCU; procurador-geral da República;
senadores; deputados federais; governadores; deputados estaduais;
desembargadores; juízes dos Tribunais de Alçada, dos Tribunais Regionais
do Trabalho e dos Tribunais de Contas dos Estados e Distrito Federal;
embaixador do país e, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa ao
82
agente diplomático do Brasil.
2.5
COMPETÊNCIAS
Para tratarmos da questão da competência relacionada ao foro privilegiado,
necessário se faz que nos reportemos mais uma vez à Constituição Federal, pois
nesta estarão, de maneira expressa, indicadas e delimitadas as competências de
diferentes Casas e Órgãos Judiciais de nosso país.
Deste modo, o foro privilegiado em razão da função que a pessoa exerce,
definirá a própria competência jurisdicional também será assim definida, ou seja,
competência ratione personae. Em razão disso, tem-se como irrelevante o local do
crime e busca-se o Tribunal competente para conhecer do crime, de acordo com a
pessoa beneficiada com a prerrogativa que lhe couber, conforme preceituado na
Constituição Federal.
2.5.1 Competência do Senado Federal
As competências relativas ao Senado Federal estão previstas no artigo 52 da
Constituição, ―in verbis‖:
Compete privativamente ao Senado Federal:
82
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2005. p. 807
51
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos
crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma
natureza conexos com aqueles;
II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o
Procurador-Geral da República e o Advogado Geral da União nos crimes de
responsabilidade.
Vemos então, que o Senado Federal é competente para fazer julgamento nos
crimes de responsabilidade, porém, delimita as autoridades que por ele poderão ser
julgadas, conforme o inciso I e II do artigo 52.
Com relação ao foro privilegiado ou por prerrogativa de função, é competente
para sustar a ação penal oferecida pelo Ministério Público Federal ao Supremo
Tribunal Federal, conforme parágrafo 3º, artigo 53 da Constituição. E ainda, no
parágrafo 4º do mesmo artigo, estabelece que o prazo para apreciação do pedido de
sustação é de quarenta e cinco dias a contar do seu recebimento pela Mesa
Diretora.
2.5.2 Competência do Supremo Tribunal Federal
Com relação aos crimes cometidos por parlamentares e o foro privilegiado, e,
principalmente quando observamos que o Supremo Tribunal Federal tem a função
de guardar, de cuidar, de fazer valer a Constituição, é que temos o mesmo, como
aquele Órgão que terá um maior encargo em termo de competências.
Vejamos o inciso I, alínea ―b‖ do artigo 102 da Constituição (grifo nosso):
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o VicePresidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros
e o Procurador-Geral da República;
(...)
Claro que a competência do STF é mais ampla do que o apontado
anteriormente, porém no atentaremos ao que preceitua esse trabalho.
À guisa de conhecimento, compete julgar o Presidente da República, o
Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros, bem
52
como o Procurador-Geral da República nos crimes comuns e, nas infrações penais
comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, os membros dos
Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM), do Tribunal de Contas da União e
chefes de missão diplomática de caráter permanente, conforme art. 102, I, ―b‖ e ―c‖
da CF/88.
No artigo 53 da Constituição Federal, que trata do foro privilegiado dos
membros do Congresso Nacional, já apresenta em seu parágrafo 1º, a questão da
competência quando trata que ―eles serão julgados pelo Supremo Tribunal
Federal‖.
2.5.3 Competência do Superior Tribunal de Justiça
Tendo o STF como o guardião da Constituição Federal, teremos então, o
Superior Tribunal de Justiça como sendo o guardião do Direito Federal.
Porém no que concerne ao tema deste trabalho será apresentado, apenas a
título de conhecimento, o artigo constitucional que trata das competências do STJ,
tendo em vista que não se aplicam aos parlamentares federais e nem aos estaduais.
Assim, ao Superior Tribunal de Justiça cabe julgar, nos crimes comuns, os
Governadores de Estados e do Distrito Federal e, nestes e nos de responsabilidade,
os Desembargadores dos Tribunais de Justiça, os membros de Tribunais de Contas
dos Estados, TRFs, TRTs, TREs, Conselhos e Tribunais de Contas dos Municípios e
agentes do Ministério Público que atuem nos Tribunais, conforme o art. 105, I, ―a‖ da
CF/88.
2.5.4 Competência dos Tribunais Regionais Federais
Aos Tribunais Regionais Federais atribui-se o julgamento, nos crimes
comuns e de responsabilidade, dos Juízes Federais, Juízes do Trabalho, Juízes
Militares e Procuradores da República, da área de sua jurisdição, conforme consta
no art. 108, I, ―a‖, da CF/88.
53
Competência que também não se aplica aos parlamentares federais e
estaduais, porém devemos ter o conhecimento da matéria.
2.5.5 Competência do Tribunal Regional Eleitoral
A Constituição Federal, no artigo 121, recepcionou e fundamentou o Código
Eleitoral – Lei nº. 4.737/65. Tal lei, estabelece a competência da Justiça Eleitoral
para o julgamento dos crimes eleitorais e daqueles a eles conexos,conforme o artigo
35, II , que define a competência do juiz eleitoral para ―processar e julgar os crimes
eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária
do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais.
É bem verdade que em face da Constituição Federal, algumas de suas
disposições caíram no vazio ou tornaram-se inaplicáveis. Assim, o Tribunal Superior
Eleitoral não tem mais competência criminal originária (―ratione personae‖), em
que pese a redação do art. 22, I ―d‖, pois os seus Ministros e os Juízes dos Tribunais
Regionais Eleitorais são julgados, respectivamente, pelo Supremo Tribunal Federal e
pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme descrito nos artigos 102, I, ―c‖ e 105, I,
―a‖ da CF/88.
Os Juízes Eleitorais, nos crimes eleitorais e conexos, continuam a ser
julgados pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral, como estabelece o art. 29, I, ―d‖
do referido código. Da mesma forma, ainda que não esteja assim estabelecido
expressamente, os membros do Ministério Público, Estadual ou da União, quando
cometerem delitos desta natureza, também serão julgados pelo respectivo Tribunal
Regional Eleitoral.
Percebe-se então, uma espécie de prerrogativa de foro no âmbito eleitoral,
que não está prevista na Constituição Federal, mas sim na Lei 4.737/65 – Código
Eleitoral, mas que também não se aplica ao parlamentares federais e estaduais.
54
2.5.6 Competência dos Tribunais de Justiça
As competências dos Tribunais de Justiça, estão elencadas no artigo 125 e
seguintes da Constituição Federal de 1988, porém não se observa relação com os
parlamentares federais e estaduais.
Referência à competência destes Tribunais se apresenta no texto
constitucional, inciso X, artigo 29, quanto ao foro privilegiado dos prefeitos dos
Municípios, onde dita que os mesmos serão julgados perante o Tribunal de Justiça.
55
3.
O FORO PRIVILEGIADO VERSUS DEMOCRACIA
3.1
FORO: PRIVILÉGIO OU GARANTIA
Para abordarmos a questão do foro privilegiado (por prerrogativa de função
ou também tratado como foro especial), dos parlamentares federais e estaduais, no
tocante ao mesmo ser privilégio ou garantia, devemos observá-lo no sentido legal e
no sentido moral.
Mesmo que legalmente instituído, o foro privilegiado, aos moldes sociais
brasileiros, se apresenta de maneira subjetiva, pois existem argumentos plausíveis
tanto do lado dos que o apóiam, como também, do lado daqueles que o
desaprovam, pois como o próprio vocábulo intui, é um privilégio concedido a
autoridades políticas de ser julgado por um tribunal diferente de onde são julgados a
maior parte da população brasileira, quando do cometimento de crimes, qual seja, o
tribunal de primeira instância.
Legalmente, é certo que não se trata o foro privilegiado como sendo
prerrogativa inconstitucional, pois a Constituição Federal apresenta o mesmo de
maneira expressa, bem como as imunidades e prerrogativas dos parlamentares,
conforme o artigo 53 e seus artigos e os locais competentes para processá-los e
julgá-los, conforme expresso nos artigos 29, 52, 96, 102, 105 e 108, da mesma
norma legal. Porém, dentro do contexto social, temos enfoques contra a existência
do foro privilegiado, das mais diversas categorias, como jornalistas, comentaristas,
sociólogos, e que dentre tantos outras, incluem juristas renomados.
Desse modo, os enfoques e opiniões diversos, apontam para a indagação de
o foro ser um privilégio ou uma garantia, principalmente, devido ao fato de contribuir
de maneira indiscutível, para o crescimento do maior mal da política brasileira, a
corrupção. Nesse sentido, é que surgem a discussões de que o foro privilegiado
deve acabar, ou se na hipótese de continuar, que seja urgentemente revisto, em prol
de um eficiente combate aos corruptores e, consequentemente, do combate à
impunidade.
Segundo o José Augusto Delgado, ex-Ministro do STJ, a doutrina tem
consagrado o foro por prerrogativa de função, acima de qualquer outra reflexão,
como uma garantia e não como um privilégio. Uma segurança para os agentes
56
políticos, já que passam a ser julgados por um órgão colegiado, composto por
magistrados mais experientes, que atuam de modo coletivo. 83 (grifo nosso).
O entendimento de Fernando Capez, demonstra que:
Na verdade, o foro por prerrogativa visa a preservar a independência do
agente político, no exercício de sua função, e garantir o princípio da
hierarquia, não podendo ser tratado como se fosse um simples privilégio
84
estabelecido em razão da pessoa. (grifo nosso).
No comentário de Júlio Fabbrini Mirabete, trata da necessidade do foro a
determinadas pessoas, em função do cargo ou função exercida para o Estado, e
acrescenta que ―o foro por prerrogativa de função está fundado na utilidade pública,
no princípio da ordem e da subordinação e na maior independência dos tribunais
superiores." 85 (grifo nosso).
O Ministro Cezar Peluzo, ao participar em um debate no Senado Federal no
dia 12 de maio de 2010, disse aos senadores as seguintes palavras:
(...) que prevê o fim da prerrogativa de foro para matérias criminais, é bem
intencionada, porém, absolutamente inviável, porque parte de uma premissa
equivocada.
Para o ministro, o foro especial por prerrogativa de função não é um
privilégio ou um benefício de caráter pessoal para proteger estritamente
as pessoas, mas sim, um instituto que está ligado à garantia do exercício
de determinadas funções, em particular ao exercício de funções de
autoridades do país. (grifo nosso).
Em sua avaliação, o foro é uma garantia máxima de imparcialidade no
julgamento de autoridades para evitar pressões pela condenação ou
86
absolvição. (grifo nosso).
Seguindo esse pensamento, o foro por prerrogativa de função fundamenta-se,
para alguns, pela necessidade de evitar a vulnerabilidade de certas autoridades a
possíveis decisões arbitrárias e interessadas de juízes de primeiro grau e desta
maneira ocorrendo, favoreceria o crescimento da impunidade.
Decorre dessa questão, que na vigência da Constituição Federal de 1988,
conhecida como ―Cidadã‖, nunca houve, até a presente data, uma condenação por
parte do STF, a nenhuma das autoridades que são abarcadas pelo instituto do foro
privilegiado.
83
DELGADO, José Augusto. Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 335.
84
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 173.
85
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 187.
86
BRASIL.
Supremo
Tribunal
Federal.
Notícias
do
STF.
Disponível
em:
<http//www.stf.jus.br/portal/.../verNoticiaDetalhe.asp?...> Acesso em: 13 mai. 2010.
57
Isso pode ser atestado no levantamento realizado pelo ―Movimento Juízes
Contra a Corrupção‖, da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, onde
afirma que com o benefício do foro privilegiado, os tribunais superiores recebem
mais processos contra autoridades do que são capazes de julgar, e apresenta dados
estatísticos demonstrando a caótica situação, como podemos verificar:
Em 2002 existiam no Supremo Tribunal Federal apenas 13 ações penais
contra autoridades detentoras do foro privilegiado; em 2003 este número
subiu para 30; até julho de 2007 eram 50; e em 2009 existem 103 ações
penais. Não existir nenhuma condenação, demonstra, de duas uma: ou
existe impunidade acobertada pelo foro privilegiado ou, ao menos,
morosidade. Quanto a esta, uma pesquisa feita pela Associação dos
Magistrados Brasileiros demonstra que, entre 1998 e 2006, o STF recebeu
130 processos de foro privilegiado, concluiu seis (todos com a absolvição
dos réus) e 13 prescreveram. Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), das
483 ações, 16 foram julgadas (sendo cinco condenações e 11 absolvições)
87
e 71 prescreveram.
Para o presidente da AMB à época do levantamento, Rodrigo Collaço, a
existência do foro privilegiado é que impede a punição. ―O foro privilegiado é acima
de tudo o foro da impunidade. Não há julgamento. O foro é quase uma linha de
defesa‖, diz Collaço. Das 130 ações criminais protocoladas no Supremo, estão em
tramitação 52 (40% do total). As demais foram arquivadas, resultaram em
absolvição, ou acabaram transferidas para instâncias inferiores. Os réus dessas
ações respondiam a acusações variadas, como crimes contra a administração
pública, a honra, o patrimônio e a fé pública e delitos eleitoral e fiscal.88
Cabe ressaltar que os processos listados no levantamento são investigações
contra parlamentares, ministros e governadores, que têm direito ao foro privilegiado,
previsto na Constituição, e diante de tamanha morosidade e ineficiência
apresentadas, continuará este instituto, sendo motivo de críticas daqueles que não o
aceitam.
No muito bem elaborado texto ―Corporativismo Político, Foro Privilegiado,
Sistema Eleitoral: As Maiores Mazelas da Política Brasileira‖, Ivo Reis, descreve num
dos tópicos a questão da imunidade ou impunidade política e apresenta alguns
casos conhecidos, dentre os muitos que deixam a sociedade perplexa, vejamos:
87
AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros. Movimento Juízes contra a Corrupção.
Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/index2.asp?secao=mostranoticia&mat_id>. Acesso
em: 12 de maio de 2010.
88
PORTAL DA DEMOCRACIA. Palanque de Idéias. Por Mariângela Galluci, do Jornal Estado de
São Paulo. Disponível em: <htttp://www.portaldademocracia.org.br/>. Acesso em: 14 mai. 2010.
58
Vamos a alguns exemplos, todos favorecidos pelo corporativismo político e
o foro privilegiado que,por sua vez, garantem a imunidade e impunidade
políticas: 1 - Paulo Maluf (PP/SP): Será que existem dúvidas quanto à sua
culpabilidade em desviar dinheiro público para os paraísos fiscais? Acaso já
não ficou comprovado? E por que Maluf não está preso e continua na
política?; 2 - Senador Jader Barbalho (PMDB/PA): Processado por
estelionato, formação de quadrilha e fraudes contra o sistema financeiro,
sem falar na renúncia do mandato na legislatura anterior, em processo por
"quebra de decoro parlamentar", no episódio em que junto com o Senador
Antonio Carlos Magalhães, tinham acesso e interfiriram no quadro de
votação do senado. 3 - Senador Renan Calheiros, ex-presidente do
Senado, forçado a renunciar por corrupção e "quebra de decoro
parlamentar": está ativo e mandando mais do que o atual presidente; 4 Fernando Collor de Mello: O ex-Presidente da República, depois de ser
forçado a deixar o Governo, volta com força total, como senador, apoiado
internamente por seu comparsa Renan Calheiros. Atualmente, esta sendo
processado por falsidade ideológica e tráfico de influência; 5 - Michel
Temer (Presidente do PMDB): sofre processos por crimes ambientais e
grilagem de terras, mas está aí também, mais forte do que nunca; 6 Deputado Valdemar Costa Neto: processado por crimes contra a
administração pública, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (caso
do mensalão); 7- Pedro Henry (PP-MT), Paulo Rocha (PT/PA), José
Genoino (PT/SP), João Paulo Cunha (PT/SP): Estes são todos ainda
remanescentes do caso "mensalão"; 8 - Neuto de Conto (PMDB/SC): crime
contra o sistema financeiro; 9 - Sando Mabel (PR/GO): crime contra a
89
ordem tributária.
No texto ―Abaixo o foro privilegiado‖, o jurista Zeno Veloso, expressa sua
indignação a respeito do foro privilegiado:
Nossas autoridades, quando praticam algum crime, têm direito ao que se
chama ―foro privilegiado‖. Em alguns casos, são pessoas que assaltam
cofres públicos, que roubam a merenda de crianças, que ficam com verbas
para construção de escolas, que recebem ―mensalões‖, entram na folha de
empreiteiras, que compram votos, que praticam corrupção eleitoral e outras
trapaças, que se associam com o crime. E os ―bonitinhos‖, quando são
apanhados, escapam do juiz de primeira instância e são processados e
90
julgados pelos tribunais recursais ou superiores.
Diante dos fatos, podemos ter que legalmente é licito o foro privilegiado ou
por prerrogativa de função aos parlamentares federais e estaduais, que estão no
exercício de uma função pública, de responsabilidade inquestionável, no que
concerne à tomada de decisões de interesse público.
Por Iniciativa do próprio governo, em data recente, esteve em debate no
Congresso Nacional proposta destinada a ampliar esse foro especial, estendendo
sua competência ao julgamento das infrações cometidas antes, durante e depois do
89
REIS, Ivo S. G. Corporativismo Político, Foro Privilegiado, Sistema Eleitoral: As Maiores
Mazelas da Política Brasileira. Debata, Desvende e Divulgue! Disponível em:
<http://www.debatadesvendeedivulgue.com>. Acesso em: 7 mai. 2010.
90
VELOSO, Zeno. Abaixo o foro privilegiado. Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.
Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/?secao=mostranoticia>. Acesso em: 14 mai. 2010.
59
mandato. Tal intento mereceu severas críticas, que relacionaram essa tentativa com
a impunidade das autoridades acusadas de crimes contra a administração pública.
Enquanto o Congresso Nacional tentava afrontar ainda mais princípio
constitucional da igualdade, o Supremo Tribunal Federal, trabalhando de forma
contrária ao pensamento do Legislativo, revogava o entendimento de sua Súmula
394, de 03 de abril de 1964, segundo a qual trazia em seu texto que "Cometido o
crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por
prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a
cessação daquele exercício".
O Relator, Ministro Sidney Sanches, disse com muita propriedade ao se
pronunciar em seu voto, na decisão que levou à revogação da Súmula 394, que "a
prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a
proteger quem o exerce, e menos ainda quem deixa de exercê-lo, porque as
prerrogativas de foro, pelo privilégio que, de certa forma, conferem, não devem ser
interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os
cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou
mandatos".
Do ponto de vista ético, a manutenção de tal instituto, em relação ao grande
número de vexames envolvendo políticos e a corrupção, torna acirrada a discussão
e os debates acerca de que seria uma postura legal, porém, em detrimento da
questão moral. Ainda dentro do ponto de vista ético, existem inúmeras indagações
sobre a validade da situação de os Ministros do STF serem indicados pelo
Presidente da República, aprovados pelo Senado, e quem sabe num futuro bem
próximo, não estarão estes aprovados, julgando aquelas pessoas que os indicaram
à condição de Ministro.
Entendemos então que legalmente, o foro é um privilégio, outorgado a
poucos, porém, eticamente, é uma garantia de impunidade em detrimento de tantos
que são tratados de maneira diferente dentro de uma ―democracia‖.
60
3.2
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A igualdade é fundamental para a democracia, dando a todos a equiparação
no que diz respeito ao gozo e validade de direitos. No sentido substancial da
palavra, a igualdade prevê o tratamento uniforme de todos os homens, embora
nunca realizada em qualquer sociedade humana, sendo que as constituições, como
no caso a brasileira, têm reconhecido a igualdade em seu sentido jurídico-formal,
sendo assim, igualdade perante a lei.
Numa sociedade democrática, se espera que a igualdade seja ampla, e, que
abarque questões de tratamento às pessoas, igualdade de oportunidades, igualdade
de participação, especialmente na geração, produção e distribuição de riquezas.
O Princípio da Igualdade encontra-se consagrado no artigo 5º da Constituição
Federal de 1988, sendo um dos princípios fundamentais de nosso ordenamento
jurídico.
O caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 tem o seguinte texto:
(...)
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
91
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
No entendimento de Plácido e Silva sobre os princípios jurídicos temos o
seguinte:
(...) os princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que
servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.
Indicam o alicerce do Direito. E, nesta acepção, não se compreendem
somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma
jurídico derivado da cultura, jurídica universal. Compreendem, pois, os
fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias
ou as leis científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o
próprio Direito. Assim nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas,
porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais
92
para a prática do Direito e proteção aos direitos.
91
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 23 ed. Brasília: Câmara dos
Deputados. Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Publicações, 2004. p. 6.
92
SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 447
61
A obra de Rodrigo César Rebello aponta que o fundamento do direito de
igualdade constitucional está no princípio de que ―todos devem ser tratados de forma
igual perante a lei, e acrescenta:
Todos nascem e vivem com os mesmos direitos e obrigações perante o
Estado. A igualdade foi um dos ideais da Revolução Francesa atingidos com
a abolição dos antigos privilégios da nobreza e do clero. Todos passaram a
93
ter o mesmo tratamento a lei.
Quando o caput do artigo 5º da Constituição afirma que ―todos são iguais
perante a lei sem distinção de qualquer natureza‖, apresenta-se então, o sentido
formal do princípio da igualdade. É como se estivesse sendo aplicado um ideal
jurídico e formal de buscar estabelecer que a lei seja genérica e abstrata, e ainda,
confere tratamento igual para todos, sem fazer qualquer distinção ou privilégio.
Neste sentido, da igualdade formal na Constituição, José Afonso da Silva
discorre que:
Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade
como igualdade perante a lei, enunciando que, na sua literalidade, se
confunde com mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação
94
tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos.
Constitucionalmente, o sentido formal da igualdade, visar firmar que diante da
lei não existe privilégio nem regalias, sendo, pois, esta igualdade aceita
juridicamente, visto que, garante a qualquer indivíduo que acione o poder judiciário,
uma segurança, por saber que o tratamento dispensado pela lei será igual para
qualquer das partes envolvidas em litígio.
Segundo entendimento de Pinto Ferreira, alguns casos apresentam-se como
exceções, vejamos:
Ressalte-se que, "há determinadas exceções ao princípio da igualdade
formuladas na Constituição Federal, quais sejam: a) imunidades
parlamentares; b) prerrogativas de foro ratione munerisem benefício de
determinados agentes políticos; c) exclusividade do exercício de
determinados cargos públicos somente a brasileiros natos; d) acessibilidade
93
PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais (Coleção
Sinopses Jurídicas). 4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 96.
94
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 214.
62
de cargos públicos somente a brasileiros, excluídos os estrangeiros; e)
95
vedação da alistabilidade eleitoral a determinadas pessoas".
Tais exceções a esse princípio, advindas das normas que estabelecem foro
especial para o julgamento de determinadas autoridades, são sempre justificadas
pela necessidade de proteger o exercício da função, ou do mandato, não
constituindo, absolutamente, privilégios pessoais dos detentores desses mandatos,
como já apresentamos neste estudo.
Essa é, evidentemente, a interpretação correta das normas constitucionais. A
Justiça deve ser igual para todos, e todos devem ser julgados pelos mesmos juízes,
salvo nas hipóteses expressamente previstas na Constituição, e exclusivamente
decorrentes das funções exercidas. Mas não é possível permitir que o foro especial
e a prerrogativa de função se transformem no foro do privilégio, que as nossas
Constituições sempre expressamente proibiram, mas, no entanto, é o que
observamos num cenário político carregado de corrupção.
Do ponto de vista humano, é uma indignidade pessoas terem privilégios em
detrimento de outras tantas, vindo assim a ferir os princípios de igualdade dos
Direitos Constitucionais e humanos.
3.3
POSICIONAMENTOS
Um país verdadeiramente democrático deve primar pela efetividade das
regras de convivência social, da distribuição de riquezas e da prestação dos
serviços, sem que haja, independente de cargo, função ou classe social,
privilegiados diante do sistema para que os preceitos legais e as oportunidades
conferidas a toda a população sejam partilhados de maneira igualitária,
principalmente, nos quesitos essenciais de um Estado: vida digna, saúde,
segurança, educação, trabalho, assistência e previdência social.
Diante do quadro que se apresenta a situação política brasileira, e não é de
agora, insurgem discussões e críticas constantes na questão de que existem poucos
95
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 63.
63
privilegiados e muitos esquecidos quando da aplicação das normas constitucionais
vigentes.
Normal então, que aqueles que tenham conhecimento intelectual, jurídico,
político, especializado, enfim, um mínimo conhecimento, aplique o mesmo em
críticas construtivas visando solucionar ou minorar as desigualdades.
Essa motivação crítica é a formadora de posicionamentos, contra ou favor, de
determinada matéria. Em questão aqui, abordamos os posicionamentos em relação
ao foro privilegiado.
3.3.1 Posicionamentos a Favor do Foro Privilegiado
Mesmo com o apresentado diariamente em termos de corrupção envolvendo
a política, existem pessoas favoráveis a manutenção do foro privilegiado. Alguns
entendem que o mesmo pode coexistir politicamente, sem necessariamente estar
ligado à escândalos envolvendo autoridades e parlamentares, porém, existem outros
que entendem que o foro privilegiado deva continuar em função da proteção à
pessoa, ao voto do eleitor que o conduziu ao cargo, ou até mesmo, pelo fato de
proteção à representatividade que o mesmo apresenta ao Estado.
O presidente de Comissão Ética e Disciplinar da OAB (Ordem dos Advogados
do Brasil) do município de São Caetano do Sul, no ABC paulista, João Paulo dos
Reis, acredita que o fim do foro privilegiado não possibilitará o término de corrupção.
Para ele, faz-se necessário um posicionamento ético por parte dos políticos e de
toda a sociedade. ―A ética faz parte da conduta humana. É particular e própria. Você
pode estar em casa ou em Brasília, poderá agir de forma correta ou não‖,96 explicou.
Assim como o especialista em Direito Civil, Rodrigo Hasegawa não acredita
que o foro privilegiado gere impunidade, pois, mesmo não tendo um julgamento
similar ao do cidadão comum, a autoridade pública será julgada pelo Tribunal que
lhe é superior, o que garante uma igualdade perante a lei, assegurada como
96
RIEIS, João Paulo. Foro privilegiado deve acabar? Universidade Metodista de São Paulo.
Disponível em:<http://www.metodista.br/.../foro-privilegiado-deve-acabar/>. Acesso em: 1 mai. 2010.
64
princípio constitucional. ―O que gera impunidade e corrupção é a ausência de
fiscalização nas atividades públicas, quer das autoridades, quer da população‖.97
O Presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ministro Cezar Peluso,
defendeu no dia 12 de abril de 2010, em audiência na Comissão de Constituição e
Justiça do Senado, a manutenção da prerrogativa de foro para autoridades que
respondem a processos criminais. Segundo ele, o fim do chamado foro privilegiado é
"insustentável" e, em determinados casos, "desconsidera as relações hierárquicas".
Afirmou ainda, que se o foro privilegiado for extinto, o presidente da República, por
exemplo, poderia ficar sujeito a ser afastado do cargo durante 180 dias por decisão
de um juiz de primeiro grau. "O próprio ministro do Supremo Tribunal Federal
poderia ser julgado por um juiz de primeira instância, desconsiderando totalmente as
relações hierárquicas." Segundo ele, a prerrogativa de foro "tende a assegurar o
máximo de imparcialidade" nos julgamentos.98
O hoje professor, Ives Gandra Silva Martins, é favorável ao foro privilegiado
para parlamentares e altos dignatários do Poder Público, com alguns mecanismos
processuais que permitam mais eficiência aos julgamentos das Cortes Supremas, e
assevera:
A razão da minha inteligência é de que aqueles que estão no exercício de
uma função pública, de inequívoca responsabilidade, devem tomar decisões
de interesse público, cuja definição jurídica, não poucas vezes, fica em zona
cinzenta de leis cada vez mais complexas e pormenorizadas, que amarram
a administração pública e a sociedade em geral.
Num ou outro caso, entendo que o foro privilegiado se justifica por variados
motivos.
O primeiro deles é que pessoas que representam a sociedade
(parlamentares ou funcionários do alto escalão) e que estão no exercício de
funções de responsabilidade devem ser julgadas por magistrados cuja
vivência e maior
experiência lhes permitam apreciar as questões
levantadas, em sua exata extensão, em face da ordem jurídica vigente.
Sou, todavia, favorável que se multipliquem os juízos de derivação. Ou seja,
que magistrados de primeira instância, sob a orientação dos Ministros dos
Tribunais Superiores ou de desembargadores, auxiliem, presidindo a
instrução dos processos contra tais autoridades, dando, portanto, a
celeridade necessária para julgamento posterior pelas Cortes Maiores.
97
HASEGAWA, Rodrigo. Foro privilegiado deve acabar? Universidade Metodista de São Paulo.
Disponível em:<http://www.metodista.br/.../foro-privilegiado-deve-acabar/>. Acesso em:1 mai. 2010.
98
FOLHA ONLINE. Presidente do STF defende foro privilegiado e férias coletivas para
magistrados.
Disponível
em:
<http:noticias.bol.uol.com.br/.../presidente-do-stf-defende-foroprivilegiado-e-ferias-coletivas-para-magistrados.jhtm>. Acesso em: 12 mai. 2010.
65
A eliminação do foro privilegiado não me parecer providência acertada,
ainda por um terceiro motivo, qual seja, o de que a multiplicação de ações
em 1ª. instância pode levar a uma paralisação da máquina administrativa ou
parlamentar, quer por ordens judiciais concedidas açodadamente, quer pelo
receito dos próprios agentes públicos de que suas ações venham a ser
questionadas, sempre que a conduta a ser tomada - num país que padece
de "inflação legislativa"- possa comportar mais de uma interpretação
razoável e pertinente, do direito posto.
Advogo, portanto, a manutenção do foro privilegiado, multiplicando-se,
99
todavia, mediante regulação legislativa ou do CNJ, os juízos de derivação.
Na doutrina de Tourinho Filho, temos a seguinte posição favorável:
(...) o privilégio decorre de benefício à pessoa, a prerrogativa envolve a
função. Quando a Constituição proíbe o ―foro privilegiado‖, ela está vedando
o privilégio em razão das qualidades pessoais, atributos de nascimento...
Não é pelo fato de alguém ser filho ou neto de Barão que deva ser julgado
por juízo especial, como acontece na Espanha, em que se leva em conta,
100
muitas vezes, a posição social do agente.
A ex-Juíza e ex-Auditora da Justiça Militar, Maria Lúcia Karam, apresenta em
suas palavras:
(...) propriamente uma prerrogativa, operando o exercício da função
decorrente do cargo ocupado pela parte como o fator determinante da
atribuição da competência aos órgãos jurisdicionais superiores, não em
101
consideração à pessoa, mas ao cargo ocupado.
O criminalista David Rechulski, especialista em Direito Penal Público, defende
a manutenção do foro privilegiado, e apresenta os seguintes argumentos:
Essa prerrogativa não é, de forma alguma, garantia de impunidade ou de
tratamento especial, mas apenas a garantia de um julgamento imune à
pressões, apolítico e extremamente técnico.
E segue: ―Discordo dos argumentos lançados por aqueles que defendem a
extinção do foro privilegiado, como se a proposta fosse um troféu de
moralidade, um anseio do povo. Contudo, não podemos nos esquecer que a
moralidade reside justamente em um julgamento justo, com as garantias do
devido processo legal e, o mais importante, com a manutenção da
presunção de inocência, avalia.
99
MARTINS, Ives Granda Silva. Opinião: Sou favorável ao ―foro privilegiado‖. Fonte: Carta
Forense: O peso da experiência na hora da decisão. Postado por Karina Merlo, em 26 de maio de
2009. Disponível em: <http://karinamerlo.blogspot.com/.../opiniao-sou-favoravel-ao-foro.html>. Acesso
em 30 abr. 2010.
100
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. v. II. 24. ed. São Paulo : Saraiva, 2002. p
126.
101
. KARAM, Maria Lúcia. Competência no Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002, pp. 30/31.
66
Segundo o especialista, ―no meio político, essa presunção, que é um
princípio constitucional basilar de todo e qualquer Estado Democrático de
Direito, muitas vezes é relegada a um último plano e que os agentes sob
suspeição, principalmente quando parlamentares ou governantes, acabam
sendo prévia e publicamente execrados, numa guerra muitas vezes insana
entre oposição e situação e vice-versa, criando-se um estigma de
culpabilidade capaz de afetar e convencer juízes ainda não tão experientes.
Rechulski ressalta que, ―mesmo que o foro privilegiado seja extinto, os
recursos interpostos contra as decisões de juízes monocráticos serão
apreciados pelas instâncias superiores, o que, na prática, só aumentará o
102
tempo de tramitação do caso.
Diante de tais posicionamentos, é cabível termos a idéia de que alguns
apontam para a permanência do foro privilegiado, porém, com as devidas
modificações para que torne mais efetiva a aplicação da lei em detrimento daqueles
que tentarem utilizá-la de maneira indevida, principalmente em benefício próprio,
momento em que se verifica a aplicação da desigualdade social.
3.3.2 Posicionamentos Contra o Foro Privilegiado
Decorre que dos inúmeros casos de corrupção no País, há uma predisposição
de se questionar o foro privilegiado. Para alguns, artigos de leis como o foro
privilegiado dificultam a redução da impunidade no Brasil e possibilita um tratamento
especial para ocupantes de cargos ou funções públicas. A autoridade pública,
quando acusada de delitos em diferentes cidades ou estados, pode responder esses
processos em um único local e diretamente no Tribunal Superior Eleitoral. Já o
cidadão passa por várias instâncias e responde pela Justiça Comum. Essa postura,
dentre outras relacionadas ao foro privilegiado, desagrada a muitos, conforme
veremos adiante.
O Ministro do STF, em declaração à revista Isto É, afirmou que ―Foro especial
é concebido deliberadamente para assegurar impunidade a certas classes de
pessoas‖.103
102
DIAP. Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Foro Privilegiado – PEC130/07:
fim da prerrogativa acende debate. Disponível em: <http:// www.diap.org.br/.../2180-foroprivilegiado-pec-13007-deputado-dagoberto-e-eleito-presidente-da-nova-comissao>. Acesso em: 12
mai. 2010.
103
Revista Isto É. Entrevista com o Ministro do TSE, Joaquim Barbosa. Disponível em:
<http://www.istoe.com.br/revista/edicoes-anteriores>. Acesso em: 4 mai. 2010.
67
Nas palavras proferidas pelo Ministro Joaquim Barbosa, fica demonstrado de
pronto sua indignação com relação à matéria, e ainda, que se trata o foro de
privilégio diretamente ligado à impunidade.
Guilherme de Souza Nucci critica a existência do foro privilegiado em uma
coerente análise:
Se à justiça cível todos prestam conta igualmente, sem qualquer distinção,
natural seria que a regra valesse também para a justiça criminal. O fato de
se dizer que não teria cabimento um juiz de primeiro grau julgar um Ministro
de Estado que cometa um delito, pois seria uma ‗subversão de hierarquia‘
não é convincente, visto que os magistrados são todos independentes em
no exercício de suas funções jurisdicionais, não se submetem a ninguém,
nem há hierarquia para controlar o mérito de suas decisões. Logo, julgar um
Ministro de Estado ou um médico exige do juiz a mesma imparcialidade e
dedicação, devendo-se clamar pelo mesmo foro, levando em conta o lugar
do crime e não a função do réu. [...] Quanto à pretensão proteção que se
busca, não vemos base para tanto. O juiz de 2º grau está tão exposto
quanto o de 1º grau em julgamentos dominados pela política ou pela mídia.
[...] Por que não haveria sentido, como muitos afirmam, que um juiz julgasse
um Ministro do Supremo Tribunal Federal? Não está julgando o cargo, mas
sim a pessoa que cometeu um delito. Garantir que haja o foro especial é
conduzir justamente o julgamento para o contexto do cargo e não ao autor
da infração penal. [...] Entretanto, por ora, a competência por prerrogativa de
função está constitucionalmente prevista, razão pela qual deve ser
respeitada. No futuro, havendo amadurecimento suficiente, tal situação
104
merecerá ser alterada.
O Relator da PEC 130/07, do Foro Privilegiado, Deputado Regis de Oliveira105
(PSC-SP), adiantou que seu parecer vai garantir às autoridades que elas poderão
ser processadas sem que haja invasão de sua privacidade. O relator assegurou
ainda, que não haverá privilégio algum e que o texto também vai garantir celeridade
dos processos.
Para o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Brito106,
as cortes especiais não estão estruturadas para julgar com rapidez os processos de
foro privilegiado, situação que dá margem à impunidade. Cezar Brito defende
soluções alternativas para acelerar esses processos, como criar um juiz específico
de instrução no Tribunal Superior. Acrescenta ainda que ―O erro não está em ter
foros especiais, mas no fato de que esses foros especiais não julgam. Os dados são
104
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 256.
105
BRASIL. Câmara dos Deputados. Jornal da Câmara. Ano 9, 4 de junho de 2008. Disponível em:
<http//www.camara.gov.br/internet/jornal/jc20080604.pdf>. Acesso em: 4 mai. 2010.
106
BRASIL. Câmara dos Deputados, op. cit. p. 4.
68
alarmantes, pois o Supremo Tribunal Federal não julgou ninguém nesses últimos
anos.
O Senador Paulo Paim (PT/RS), afirma que ―o foro foi criado com o objetivo
de proteger o ente público, mas acabou virando um privilégio pessoal. Muitos
detentores de cargos públicos o utilizam para evitar condenações‖. E ainda
acrescenta que ―Defendemos a extinção do foro privilegiado no Brasil, afinal, está
claro que ele suscita a impunidade‖. 107
Outro Senador contra os privilégios, Pedro Simon (PMDB-RS), foi enfático
quando declarou que ―É preciso tentar fazer alguma coisa para mudar isso. O Brasil
é o país da impunidade, onde o acusado, sendo deputado, empresário, banqueiro,
não é condenado nunca. O combate à impunidade tem que começar por cima‖. No
mesmo texto afirma que "O grande problema do Brasil é a impunidade".108
Para Alexandre de Moraes, membro do Conselho Nacional de Justiça, o
chamado ―foro privilegiado‖ torna os tribunais mais lentos. 109
Entendimento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, é que
o foro privilegiado é sinônimo de impunidade. Não temos nos tribunais estaduais,
regionais, federais ou superiores, a estrutura para proceder com inquéritos mais
complexos. Eu confio muito mais na qualidade, na celeridade dos inquéritos penais
com juízes de primeiro grau do que com colegiados. 110
O ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso aponta o foro
privilegiado como uma das principais dificuldades para punir os políticos, e
acrescenta que ―Os tribunais superiores não têm vocação criminal. São tribunais
para julgar recursos. Não se tem tempo para julgar ações penais. É só ver que
nunca houve um parlamentar punido em toda a sua história‖.111
O ex-Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, condena o foro
privilegiado para autoridades, em especial, no caso do STF, conforme podemos
observar:
107
BRASIL. CONGRESSO. SENADO FEDERAL. Paulo Paim. Impressa. Foro Privilegiado.
Brasília: Senado Federal. Disponível em: <http:www.senadorpaim.com.br/.../foro-privilegiadoprivilegio-de-muitos>. Acesso em: 03 mai. 2010.
108
BRASIL. CONGRESSO. SENADO FEDERAL. Pedro Simon. Foro Privilegiado. Brasília: Senado
Federal. Disponível em: <http:www.senadorpedrosimon.blogspot.com/>. Acesso em: 13 mai. 2010.
109
JORNAL VALOR ECONÔMICO. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/>. Acesso em: 5
mai. 2010.
110
FOLHA DE SÃO PAULO. Por Frederico Vasconcelos. Publicada em Abril 2007. Disponível em:
<http://edivanrodrigues.blogspot.com/.../entrevista-min-gilson-dipp.html>. Acesso em: 3 abr. 2010.
111
CORREIO BRAZILIENSE. Artigo editado em 7 de janeiro de 2007. p. 4. Disponível em: <http://
www.correiobraziliense.com.br/.../ FORO+PRIVILEGIADO.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2010.
69
que, com a extensão do foro privilegiado para autoridades em ações de
improbidade administrativa, o tribunal ficou ainda mais assoberbado‖;
―Fonteles atua no STF há mais de duas décadas e diz também não se
lembrar de nenhuma condenação imposta pelo tribunal.
Em um sistema autenticamente republicano e democrático, não há espaço
112
para o foro privilegiado.
A Ministra do Supremo, Ellen Gracie, em entrevista coletiva concedida à
imprensa no ano de 2006, falou sobre sua nova gestão quando no comando da
Corte, a relação entre os poderes da República e a necessidade de se criar um
sistema judiciário mais eficiente e rápido. Dentre os temas abordos, foi questionada
quanto a ser a favor do foro privilegiado, e teceu o seguinte comentário:
O foro chamado privilegiado significa, na verdade, que os acusados têm
uma única chance de defesa e uma única chance de
absolvição/condenação. Se nós, por exemplo, iniciamos um processo no
primeiro grau, há possibilidade de recurso ao segundo grau, ao Superior
Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. De modo que, quando
se fala em privilegiado, é uma chance única que os acusados têm. E
historicamente no nosso país, algumas funções, exatamente pela
sensibilidade política de que se revestem elas têm recebido esse
tratamento. Eu acredito que seja um tratamento adequado. É diferente sim,
em outros países, mas também os outros países são diferentes do Brasil, de
modo que não temos que copiar ipsis litteris tudo que se faz em outras
113
partes.
O juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Fausto Martin De Sanctis,
pela firmeza de suas sentenças, onde afirma que ―Traficantes e banqueiros são
tratados na forma da lei, mas com o rigor necessário‖, expôs sua opinião contrária
ao foro privilegiado. Abaixo, trecho de uma entrevista concedida a Revista VEJA,
edição 2037 de 5 de dezembro de 2007:
―O SENHOR É A FAVOR DO FORO PRIVILEGIADO?‖
Não. Na Idade Média, o foro privilegiado protegia as pessoas mais
abastadas. Quando elas enfrentavam um processo, eram condenadas
somente a penas pecuniárias. No Brasil de hoje, ele também virou
instrumento de proteção. O foro privilegiado, combinado com o excesso de
recursos, é usado para impedir que o processo nunca chegue ao fim e
termine com a absolvição, por prescrição. Desse modo, para que Justiça?
114
Por isso defendo que seja possível apenas uma apelação do julgamento.
112
JORNAL O GLOBO.Edição de 18/03/2007. p. 3. Disponível em: <http://oglobo.globo.com>. Acesso
em: 3 abr. 2010.
113
GRACIE, Ellen. STF. Entrevista coletiva da Ministra Ellen Gracie. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n...>. Acesso em: 4 abr. 2010.
114
Movimento Muda Brasil. ―O SENHOR É A FAVOR DO FORO PRIVILEGIADO‖? Disponível em:
<http://www.mudabrasil.com.br/brasileiros.asp>. Acesso em: 1 mai. 2010.
70
Segundo o sociólogo Hélio Sales Rios, professor de Teoria Política e de Ética
e Cidadania da Universidade Metodista de São Paulo, o foro privilegiado coloca um
suposto corrupto, dos diversos poderes, em uma posição elevada aos demais
cidadãos. Ele acrescenta que o foro nega os princípios do que é publico e fere a
igualdade entre as pessoas. ―Sou a favor de processos mais transparentes de
investigação e de julgamento‖, afirmou.115
Há também quem acredite que o atual sistema político e eleitoral contribui
para que parlamentares utilizem o foro especial para benefício próprio. É adepto
dessa idéia o sociólogo Daniel Monteiro Lima, integrante do ―Movimento PróReforma Política com Participação Popular‖, que tem por objetivo definir estratégias
que estimulem a participação popular em decisões sobre a reforma política no País.
―Em nosso atual sistema este foro está a serviço de diversos interesses, menos do
povo, que sofre diretamente com as conseqüências de alguns políticos antiéticos‖,
relatou.116
No entendimento do jurista Zeno Veloso, tem que ―O foro privilegiado é
perverso, caviloso, aristocrático, tem de ser banido, em nome da igualdade, em
nome da democracia. O foro privilegiado é o foro da impunidade, é o foro que alforria
alguns dos piores bandidos do país. O foro privilegiado - como o nome indica - é um
atraso, é uma vergonha‖.117
Para o presidente do grupo ―Transparência Brasil‖, Cláudio Abramo, caso seja
mantido o foro para ex-autoridades, haverá um reflexo no combate à corrupção do
país. Abramo não é contra o foro, mas entende que a situação levaria a um
congestionamento maior de determinados tribunais. A Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) lançou no ano de 2007, uma campanha para combater a
impunidade no país. O carro-chefe do movimento, batizado de ―Juízes contra a
corrupção‖,118 é a defesa do fim do foro privilegiado para autoridades.
115
RIOS, Hélio Sales. Foro privilegiado deve acabar? Universidade Metodista de São Paulo.
Disponível em:<http://www.metodista.br/.../foro-privilegiado-deve-acabar/>. Acesso em:1 mai. 2010.
116
LIMA, Daniel Monteiro. Foro privilegiado deve acabar? Universidade Metodista de São Paulo.
Disponível em:<http://www.metodista.br/.../foro-privilegiado-deve-acabar/>. Acesso em:1 mai. 2010.
117
VELOSO, Zeno. Abaixo o foro privilegiado. Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.
Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/?secao=mostranoticia>. Acesso em: 14 mai. 2010.
118
MACHADO,
Alexandre.
Revista
Consultor
Jurídico.
Disponível
em:
<http://investigpreciso.incubadora.fapesp.br/.../foroprivilegio/>. Acesso em: 3 abr. 2010.
71
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros à época do
levantamento, Rodrigo Collaço, a existência do foro privilegiado é que impede a
punição. ―O foro privilegiado é acima de tudo o foro da impunidade. Não há
julgamento. O foro é quase uma linha de defesa‖, diz Collaço 119. Das 130 ações
criminais protocoladas no Supremo, estão em tramitação 52 (40% do total). As
demais foram arquivadas, resultaram em absolvição, ou acabaram transferidas para
instâncias inferiores. Os réus dessas ações respondiam a acusações variadas, como
crimes contra a administração pública, a honra, o patrimônio e a fé pública e delitos
eleitoral e fiscal.
O mais importante desses posicionamentos apresentados contra o foro
privilegiado, é que fica caracterizado que existem pessoas, principalmente no meio
político e jurídico, interessadas em extinguir de vez esse privilégio que fere a
democracia do país.
3.4
AÇÕES PARLAMENTARES
Diante do quadro atual da política brasileira, em grande parte composto de
inúmeras denúncias de parlamentares por abuso da função em detrimento próprio,
ainda temos o agravante da figura do corporativismo que impera dentro das Casas
do Congresso Nacional.
Como se poderia pensar em extinguir um instituto (foro privilegiado), quando
aqueles que votariam nesse sentido, são os principais interessados ou beneficiados
na questão? Poderíamos responder, acreditando naqueles políticos, mesmo que em
sua minoria, honestos, incorruptíveis, cumpridores das normas e da Constituição
Federal, que demonstram isso com o trabalho desempenhado de forma
transparente, tornando suas ações visíveis aos ―olhos da sociedade‖.
Muitos destes, já demonstraram sua indignação quanto à manutenção do foro
privilegiado, porém, são minoria no quesito voto. Mas, a cada novo escândalo que
surge com envolvimento de políticos, a população cresce em sua consciência crítica
e se alia aos bons políticos nessa batalha.
119
JORNAL O GLOBO. Por Carolina Brígido. Edição de 06/07/2007.
<www.amb.com.br/>. Acesso em: 3 abr. 2010.
Disponível em:
72
Bom exemplo é dado pelo Deputado Federal Marcelo Itagiba, que buscando
como foco principal, o princípio constitucional da igualdade em confronto com a
prerrogativa de políticos e outras categorias, elaborou uma proposta de Emenda à
Constituição (PEC nº 130), que acaba com o foro especial para julgamento de
crimes dos quais sejam acusadas autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário. Baseia-se na necessidade de se acabar com o foro privilegiado no
sentido de sua manutenção é Injustificável e inaceitável, e ainda, ferindo o princípio
da igualdade, tende a promover o desequilíbrio da cidadania.
É notório o desagrado da população, quando o motivo é a diferença no
tratamento dispensado aos políticos, principalmente, se essa desigualdade estiver
protegida e amparada por lei, daí se falar que esses se escondem no manto da
impunidade – o Foro Privilegiado.
3.4.1 PEC nº 130
No mundo globalizado, não se esconde mais nada de quem quer que seja, e
assim, a solução mais próxima ou exata para os problemas e situações de
desagrado e desigualdades causados pelo foro privilegiado, somente deixarão de
existir com a APROVAÇÃO da PEC nº 130120, demonstrando assim, um pouco de
respeito pelo cidadão brasileiro e aos direitos fundamentais e princípios constantes
na Carta Magna.
A Proposta de Emenda Constitucional nº 130/07 é revogar, por completo,
todos dispositivos constitucionais que concedem o privilégio de foro.
Em sua justificativa para propor a EC nº 130, o deputado Marcelo Itagiba
alega que:
(...) fazendo nossas as palavras do Supremo tribunal Federal de que nada
pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República, o
reconhecimento da prerrogativa de foro, perante o Supremo Tribunal
Federal ou quaisquer outras cortes, nos ilícitos penais comuns, em favor de
quem quer que seja, não só daqueles que usufruem deste privilégio, mas de
120
JORNAL A GAZETA POPULAR. Caderno Vida Pública. Matéria: Foro Privilegiado em Xeque.
Correspondente: Correspondente André Gonçalves, Publicado em 17/05/2009. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id... > . Acesso em: 10 nov. 2009.
73
qualquer pessoa, transgride valor fundamental à própria configuração da
121
idéia republicana, que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade.
E finaliza o deputado, dizendo que ―Desse modo, acreditando estar
contribuindo para o aprimoramento do Estado Democrático de Direito brasileiro,
esperando o engajamento dos nobres colegas para a sua aprovação‖.
Ao que tudo indica, infelizmente os ―nobres colegas‖ não atenderam seu
apelo, conforme podemos observar no artigo do jornalista Luiz Nassif:
Câmara rejeita substitutivo à PEC do Foro Privilegiado
O Plenário rejeitou o substitutivo da comissão especial à Proposta de
Emenda à Constituição 130/07, do deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ),
que acaba com o foro privilegiado de autoridades nos casos de infrações
penais e determina a criação de varas especializadas para análise dos
crimes de responsabilidade.
Somente 260 deputados votaram a favor da matéria, número bem abaixo do
quórum mínimo de 308 votos necessários para aprovar o texto.
É particularmente interessante a orientação das bancadas: PSDB, DEM e
PV, enquanto partidos, foram os únicos que orientaram o voto contra o fim
122
do foro privilegiado para autoridades em matéria penal.
Em junho de 2008, apenas cinco deputados participam de uma reunião para
fechar os detalhes do relatório da PEC para acabar com o foro privilegiado. O
deputado Régis de Oliveira (PSC-SP) estava ciente de que o foro privilegiado
favorece a impunidade, mas que somente um bom acordo na Câmara garantiria a
aprovação do texto da PEC nº 130. A questão crucial era que na época da votação,
nada menos de 143 parlamentares respondiam a processo no STF.
Pelo que podemos perceber, há consenso entre a sociedade sobre a
necessidade de extinção do foro privilegiado, porém, o mesmo não prevalece entre a
classe política.
121
BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 130, de 2007.
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/545532.htm>. Acesso em: 4 nov. 2009.
122
COLUNISTAS.
A
Câmara
e
o
foro
privilegiado.
Disponível
em:
<http://www.colunistas.ig.com.br/.../11/.../a-camara-e-o-foro-privilegiado/>. Acesso em: 8 abr. 2010.
74
3.5
SURGE UM FIO DE ESPERANÇA
Nem tudo está perdido no que concerne ao fim do foro privilegiado,
principalmente se as leis forem aplicadas.
A impressa divulgou reportagens sobre a condenação do Deputado Federal
Neudo Campos, ocorrida em 6 de abril do corrente ano, pelo desvio de verbas
públicas.
Reportagem do Jornal Roraima Hoje, noticiou que:
TCU- Neudo Campos é condenado por desvio de verba pública
Campeão no Congresso no quesito inquéritos e processos, com mais de
vinte no Supremo, o deputado Neudo Campos foi condenado. Só que agora
pelo TCU. Os ministros consideraram que Neudo, juntamente com dois
gestores, desviou verba pública, omitiu-se em prestar contas e atestou
ilegalmente a regularidade de uma obra quando era governador de
Roraima. O caso se refere à construção do Anel Viário do estado em 1997,
mas ainda inacabada.
Os ministros decidiram que o ex-governador, os gestores e a construtora
responsável pela obra terão de devolver aos cofres públicos cerca de 1,7
milhão de reais. Individualmente o deputado foi multado em 100 000 reais e,
por ter tido uma penalidade considerada ―grave‖ pelo tribunal, inabilitado de
ocupar cargo em comissão ou de confiança na administração federal nos
123
próximos seis meses.
Imaginemos como seria a reação um trabalhador, que vive do fruto de seu
esforço para arcar com as suas despesas diárias, e ainda de sua família, ao ler uma
reportagem apontando um parlamentar com mais de 20 processos e inquéritos
somente no Supremo, e ainda manuseando o erário público.
É cabível recurso da decisão, porém essa foi apenas a sentença de um dos
processos, e o que ainda pode indignar a população, é a questão de que o deputado
Neudo Campos, afirma com veemência, que será pré-candidato ao Governo do
Estado de Roraima no ano de 2010.
Observemos criticamente a reportagem de Wirismar Ramos, onde o deputado
Neudo afirma que recorrerá da sentença, e mais, será candidato ao Governo.
CONDENAÇÃO NO TCU – Neudo afirma que recorrerá de sentença
123
JORNAL RORAIMA HOJE. TCU-Neudo Campos é condenado por desvio de verba pública.
Disponível em: <http://www.roraimahoje.com.br/.../1296-tcu-neudo-campos-e-condenado-por-desviode-verba-publica.html>. Acesso em: 10 abr. 2010.
75
O deputado federal Neudo Campos (PP-RR) foi condenado na terça-feira
(6) pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por desvio de verba pública. A
informação foi divulgada na coluna Radar, da versão online da revista Veja.
Os ministros consideraram que Neudo, juntamente com dois gestores, teria
desviado verba pública, omitiu-se em prestar contas e atestou ilegalmente a
regularidade de uma obra quando era governador de Roraima. O caso se
refere à construção do Anel Viário do estado em 1997, mas ainda
inacabada.
Os ministros decidiram que o ex-governador, os gestores e a construtora
responsável pela obra terão de devolver aos cofres públicos cerca de R$ 1,7
milhão. Individualmente o deputado foi multado em R$ 100 mil e, por ter tido
uma penalidade considerada ―grave‖ pelo Tribunal, inabilitado de ocupar
cargo em comissão ou de confiança na administração federal nos próximos
seis meses.
No final da tarde desta quarta-feira (7), o deputado Neudo Campos – précandidato ao Governo do Estado nas eleições deste ano –, afirmou hoje que
vai recorrer da decisão do TCU. Campos afirmou também que não foi ainda
citado pelo Tribunal e que ao contrário do que a oposição está afirmando, o
processo não inviabiliza sua vontade de ser candidato.
Os advogados do ex-governador vão recorrer da decisão, classificada por
ele como injusta. ―Vamos recorrer. Tenho consciência de que essas
condenações fazem parte de quem está na luta, mas minha determinação
em concorrer ao governo nas eleições do próximo ano segue firme. Cabe
recurso e nada vai me tirar do caminho que tracei para concorrer ao
124
Governo no pleito de 2010. Isso só me fortalece‖, reforçou.
Surge a esperança de que essa condenação, mesmo que de apenas um
dentre tantos processos que estão em apreciação no Supremo Tribunal Federal,
direcione as sentenças seguintes, desejamos, seja num futuro próximo.
E importante abordarmos, que não seja entendido a aplicação desta sentença
ao deputado Neudo Campos, como sendo por questões políticas em decorrência do
momento eleitoral que o país irá passar em outubro do corrente ano.
124
RAMOS, Wirismar. Fato Real Notícias. CONDENAÇÃO NO TCU – Neudo afirma que recorrerá
de sentença. Disponível em: <http://www.fatoreal.blog.br/tag/neudo-campos/>. Acesso em: 10 abr.
2010.
76
CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se concluir, destacando que o foro privilegiado se
apresenta na Constituição Federal de forma subjetiva, pois os argumentos
apresentados para a manutenção do privilégio não são absolutamente concretos, o
que pode ser observado na polêmica causada entre os que apoiam e os não apoiam
tal dispositivo.
O foro por prerrogativa de função não pode continuar coexistindo no
ordenamento jurídico brasileiro, fundamentando-se pela necessidade de evitar a
vulnerabilidade dos parlamentares em razão do cargo que estão ocupando, pois a
população brasileira não suporta o crescente índice de corrupção e impunidade
apresentados na política e assim, reclama seus direitos demonstrados na chamada
Constituição ―Cidadã‖, principalmente, no tocante ao Princípio da Igualdade.
Ficou comprovado tal desagrado em relação ao Foro Privilegiado não
somente pela população, mas também, por movimentos organizados de juízes, com
o apoio de alguns poucos parlamentares que não são favoráveis aos privilégios, pois
os mesmos apenas acobertam ilícitos e abarrotam de processos os tribunais
superiores.
Do ponto de vista ético, a manutenção de tal instituto, em relação ao grande
número de vexames envolvendo políticos e a corrupção, torna acirrada a discussão
e os debates acerca de que seria uma postura legal, porém, em detrimento da
questão moral. Ainda dentro do ponto de vista ético, existem inúmeras indagações
sobre a validade da situação de os Ministros do STF serem indicados pelo
Presidente da República, aprovados pelo Senado, e quem sabe num futuro bem
próximo, não estarão estes aprovados, julgando aquelas pessoas que os indicaram
à condição de Ministro.
Dever-se-ia exaltar a importância constitucional do Princípio da Igualdade,
entendendo que não é mais aceitável, o Foro Privilegiado, visto ser um privilégio
outorgado a poucos e ainda garantindo a impunidade de criminosos em detrimento
de tantos brasileiros honestos e não abastados de diplomas ou títulos políticos,
comprovando a diferenciação e exclusão dentro de uma ―democracia‖.
Cabe ressaltar que, mesmo diante do quadro caótico que a política brasileira
nos apresenta, aonde parlamentares fogem das votações para acabar ou modificar a
norma relativa aos privilégios, ainda existem alguns poucos políticos que se aliam ao
77
desagrado da população na batalha por mudanças positivas e ainda observa-se que
o povo cresce e se conscientiza criticamente.
Desta forma, ficou demonstrado que o Foro Privilegiado da forma como
funciona e vem sendo utilizado no Brasil, não é condizente com a ética e a moral, e
assim, conclui-se demonstrando que diante de toda essa problemática exposta, a
melhor opção para que a Carta Magna seja respeitada em sua integralidade, seria a
extinção do Foro Privilegiado, e, em isso ocorrendo, engajaria os parlamentares a
um maior compromisso ético em suas Casas e na representatividade daqueles que
os elegeram, e assim, apresentando
seu trabalho de maneira transparente,
poderiam ter na população, maiores aliados, mais satisfeitos por serem tratados de
maneira digna e igualitária.
78
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