Caminhos para a análise didática de um filme. LINO, Vitor F.

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Caminhos para a análise didática de um filme 
O cinema produz e reproduz costumes, traz em si conceitos, e ideologias, expostos
através dos elementos simbólicos que constituem sua estética, assim como através de
seu conteúdo verbal, influenciando as formas como vemos a sociedade e a nós mesmos
e em função de sua capacidade de exposição de idéias, podemos considerar que ele
funciona como um recurso educativo. Através dos conceitos e proposições, expressos
por todos os elementos que compõem os filmes (imagens, diálogos, trilha sonora musical,
etc.), seria possível compreendermos conceitos filosóficos, e ao relacionar esses
conceitos e proposições presentes tanto nas elaborações de pensadores da filosofia,
quanto nas concepções que orientam a construção de um determinado filme, com
situações reais e próximas a nós, poderíamos refletir sobre o todo e o particular,
elaborando uma forma sistemática de pensar. Dessa forma, o trabalho educativo com os
filmes relacionados a conceitos da filosofia buscaria, assim como as revistas tipo,
abordadas anteriormente neste texto, cumprir a função de fornecer a um determinado
grupo bases para a elaboração de uma forma de pensar sistemática, a “técnica de
pensar”. Dada a natureza complexa da sociedade brasileira do início do século XXI,
pensar sistematicamente sobre a realidade acessando para isso as dimensões da arte e
da cultura, tomando contato com diversas concepções de mundo por meio do cinema,
possivelmente ampliará as habilidades de um estudante para pensar sobre as várias
dimensões que compõem a vida, o que pode levá-lo a aperfeiçoar suas capacidades para
as relações humanas e da mesma forma prepará-lo para outras demandas do mundo do
trabalho que não apenas as técnicas.
Considero que para realizar um trabalho educativo, seja ele qual for, é necessário partir
de algum ponto e desenvolvê-lo de acordo com as especificidades do grupo
contemplado. Com o uso de filmes não é diferente, e em função disso apresento aqui, a
partir das experiências realizadas na disciplina de Filosofia da Educação e outras
análises sobre cinema e educação, uma possibilidade para o desenvolvimento de um

Texto extraído de LINO, Vitor F. .Universidade Federal de Minas Gerais. Leituras de mundo na tela: o
cinema e a formação docente em Pedagogia. Trabalho apresentado como conclusão do curso de
graduação em Pedagogia sob orientação da Profa. Rosemary Dore Heijmans. Belo Horizonte, Junho de
2010. Capítulo III _ Conclusão: caminhos para a análise de didática de um filme.
trabalho associando cinema e filosofia, sempre com o horizonte de ascensão intelectual
daqueles que tem contato com o uso sistematizado de filmes. A utilização dessa
metodologia com outros grupos dependerá da observação do professor sobre as
particularidades da turma que terá contato com ela, não sendo possível, nem desejável,
fixar um método que se repita de maneira “positivista” em todas as situações.
O começo do trabalho de uso do filme na escola, de forma geral, depende de um
momento inicial no qual o (a) professor (a) identifique temas, situações e conceitos
importantes para a discussão e reflexão em sala de aula, tendo em mente a noção
relacional e interdisciplinar que rege os Parâmetros Curriculares Nacionais, inclusive os
de Filosofia, e também as demandas da classe escolar. Assim, para identificar tais
conteúdos, o docente pode propor uma conversa com a turma a partir de um ponto inicial,
como reportagens, músicas, textos e outros meios de expressão. A partir das falas dos
alunos sobre esse material, é importante que se anotem os principais temas que surgiram
e seja realizada uma seleção de um ou mais deles, uma vez que os conceitos são
interconectados, a partir de uma votação da turma ou sorteio, por exemplo. Após a
escolha do tema, dada a importância de se relacionar temas da “experiência concreta”
com análises da filosofia, fazer uma relação entre aqueles e um ou mais filósofos que
abordem tal tema. Para promover essa relação pode-se lançar mão de exposições orais
associadas a textos resumidos pelo professor nos quais este exponha para os estudantes
os principais pontos do pensamento do (s) filósofo (s) por ele escolhido(s).
Após esse momento inicial de definição, exposição oral e leitura sobre os temas ou
conceitos, passa-se ao momento de escolha do filme relacionado às temáticas. A escolha
do filme é algo de grande importância, pois, precisa levar em conta a qualidade artística e
filosófica do filme, assim como sua adequação à turma na qual será utilizado, e isso
implica em se considerar a faixa etária, o grau de escolarização, o capital cultural ou
experiências culturais e de socialização.
A escolha do filme pode dar-se por diferentes formas ou motivos. Assim, pode ser feita
uma busca por filmes que abordem os temas e conceitos selecionados. Para isso podese ler sinopses, comentários e críticas, assim como a classificação do filme (drama,
humor, suspense, épico, etc.) que atualmente estão disponíveis em grande variedade na
internet, podendo ser encontrados através dos sites de busca e também em publicações
sobre cinema e cinema e educação. As conversas sobre filmes e também obras literárias,
filosóficas e históricas, podem trazer à tona um grande número de títulos que podem se
relacionar ao que será discutido pela turma. Por isso, e também pela fruição artística,
torna-se importante a troca de experiências sobre o tema. Outra possibilidade, ainda mais
“interativa” para escolha do filme é que o professor construa uma lista de filmes
relacionados ao tema e proponha que os alunos escolham o filme a partir da leitura de
sua sinopse. Contudo, cabe ressaltar, mais do que encontrar ou relacionar um conceito
específico de um autor a um determinado filme, pode ser mais enriquecedor para
discussões e elaborações reflexivas, identificar uma temática no filme e em função dela
buscar tratamentos diferentes vindos de mais de um autor.
A leitura docente
Por serem olhares, ou interpretações, sobre aspectos da realidade, filosofia e cinema
podem ser consideradas “leituras” de mundo. Assim, num trabalho educativo*, considero
que “ler” o filme consista em extrair dele os (possíveis) significados, seus elementos
estéticos, poéticos, filosóficos e sua relação com a realidade. Logo, poderíamos
considerar que ler o mundo a partir dos filmes significa olhar de maneira crítica e reflexiva
sobre uma realidade próxima e imediata a partir das contribuições filosóficas, estéticas,
simbólicas e realistas do filme, que também são formas de interpretação da realidade.
Um importante elemento para a elaboração da técnica de pensar é a análise do filme,
que possibilitará que mais conexões entre filosofia, filme e realidade sejam feitas. Essa
análise se dá tanto em material escrito, quanto de forma verbal, na Oficina de Análise de
*
No trabalho análise de filmes como recurso para a elaboração do pensar, pode se tomar tal trabalho
como o ponto de partida para discussões políticas, assim como ponto de partida para a alfabetização de
jovens e adultos. Podem se extrair conceitos e situações do filme e realizar o trabalho de alfabetização a
partir dessas palavras. Nesse caso o professor deveria escolher um texto da filosofia, um filme e elaborar
um pequeno texto com as principais idéias do filósofo, fazendo uma transposição didática, considerando a
adequação do texto para a turma. Em seguida elaborar uma análise escrita, relacionando os conceitos da
filosofia, o filme e problemas “reais” daquele grupo.
Filme. Para realizá-la em suas duas formas, o professor precisa fazer uma “leitura” prévia
do filme, assistindo-o duas, ou mais vezes, com o objetivo de identificar pontos
importantes que deverão ser sistematizados por ele nas aulas. Para isso eis uma
sugestão de alguns tópicos sobre os quais o professor pode se atentar ao ver o filme:
• Copiar trechos de falas “expressivas”, dos personagens ou narrador (a), quando esse
último existir;
• Contemplar e analisar a estética do filme: fotografia, luz, cores, ambientes internos e
externos, figurinos; movimentos e efeitos de câmera; trilha sonora (sons emitidos nas
ações realizadas no filme, como, passos, portas fechando, etc.); trilha sonora musical
(melodias, canções, etc.) e montagem (organização das cenas em sequência temporal);
• Buscar delinear o perfil psicológico dos personagens do filme, através de suas ações,
falas, gestos, figurinos;
• Questionar e identificar quais conceitos o filme aborda, a partir dos seus elementos
constitutivos, observando as proposições ou afirmações que o filme faz a partir de tais
elementos;
Posteriormente a esse momento, é necessário que se realize uma preparação com os
alunos para que eles assistam ao filme. Esse momento é importante, pois organiza tanto
a metodologia, tornando-a mais eficiente, como prepara a recepção do filme por parte
dos alunos, evitando choques culturais que possam fazer com que eles se retraiam,
fechando-se para o contato com o filme e sua discussão. Assim, um possível caminho de
preparação para o contato com o filme inclui:
• Baixar o filme na internet ou alugar/ comprar um exemplar original .
• Fazer cópias do filme em DVD e disponibilizar para a turma (para isso, será necessário
um programa de computador para conversão do filme original em um formato menos

Este é um aspecto problemático, visto que baixar filmes da internet na maioria dos casos
configura infração dos direitos autorais. Contudo, sem nos alienarmos em um “princípio
maquiavélico” é preciso pensar nos fins aos quais essa prática visará: a possibilidade de
ascensão intelectual de várias “classes” de estudantes. Em uma situação “ótima”, caso a
escola tenha recursos, o professor pode solicitar a compra dos filmes que serão utilizados, ou
mesmo buscar estabelecer um acordo de cooperação entre as distribuidoras de filmes, no qual
estas repassem a menor custo as cópias dos filmes. Neste caso, poderá ser constituída uma
videoteca na escola, que atenderá a outras turmas, professores e funcionários.
carregado).
• Falar aos estudantes sobre características do filme que assistirão e o objetivo disso.
• Propor como atividade que os estudantes formem grupos de trabalho e assistam ao
filme em casa, para tornar o tempo de discussão em sala de aula mais aproveitável.
• Solicitar resumo do filme aos grupos, enfatizando que a atividade não se trata de
copiar uma sinopse da internet e levar para a sala: este momento tem caráter avaliativo
das capacidades de compreensão, síntese e exposição sistematizada do que foi assistido
pelos estudantes.
• O Resumo deve conter introdução, desenvolvimento e conclusão da história assistida.
• Após este trabalho, distribuir entre os estudantes a análise escrita do filme.
A análise escrita do filme é uma sistematização textual das reflexões do professor sobre
o filme, seus componentes estéticos e conceituais, associados a conceitos ou
proposições da filosofia. Esta análise deve ser lida pelos estudantes após assistirem ao
filme e lerem os conceitos dos pensadores indicados. Na produção desse trabalho tornase importante relacionar as questões abordadas pelo filme e pelos conceitos da filosofia
às situações vivenciadas pelos estudantes e seus grupos de convivência, na busca por
aproximar a realidade destes das interpretações sobre a realidade delineadas pelo filme e
pela filosofia. A partir desse trabalho, podem ser desenvolvidas a “educação do olhar”,
“competência para ver”, ou experiência estética e a técnica de pensar, estimulada pela
comparação, distinção, indução e dedução que serão operadas em função da
aproximação entre o filme, conceitos e a realidade dos estudantes. Mais uma vez, é
necessário levar em conta o grau de aprendizado dos estudantes, o que será o indicador
para uma maior ou menor complexidade verbal e reflexiva na análise. Contudo, é preciso
se considerar e respeitar o status de obra de arte que o filme possui, buscando não fazer
recortes ou interpretações excessivas que “dilacerem” a unidade, as particularidades ou
mesmo o “não aparente”, o “não óbvio” que se encontra no interior do filme.
Assim, a análise pode ser desenvolvida no seguinte formato:
1-
Título da análise, assim como para os outros tópicos do texto;
2-
Índice com subtítulos e páginas;
3-
Informações técnicas sobre o filme, contendo título original, ano de lançamento,
diretor, produção, distribuidora, atores e respectivos personagens, prêmios e demais
informações técnicas;
4-
Sinopse do filme, contendo uma descrição geral do filme, uma espécie de resumo;
5-
Contexto da história do filme e da produção deste, mostrando fatos históricos ou
fictícios que seriam pano de fundo à história do filme;
6-
Análise do filme, relacionando-o aos conceitos filosóficos, tendo em perspectiva a
faixa etária ou maturidade intelectual dos leitores aos quais ela será dirigida. Neste tópico
é interessante recontar a história do filme, destacando elementos ou situações nele
presentes que se associem a uma proposição identificada. (ex: ética, liberdade, morte,
amor, desigualdades sociais, etc.). Para se reconstituir a história do filme podem ser
utilizadas falas nele presentes, em forma de citação. Isso pode retomar pontos
importantes do filme e acrescentar credibilidade ao texto; para tanto, é preciso que, como
referência, o autor descreva que se trata de trechos extraídos do filme. Em seguida,
apresentar no texto as proposições de um ou mais filósofos e relacioná-las ao filme,
mostrando como e em que momentos elas podem ser identificadas/associadas ao filme;
conectar esses dois planos (o filme e o conceito) à realidade, ao presente dos leitores,
promovendo um convite ao pensar, ou seja, fazendo questionamentos, comparações,
considerações, e dando exemplos de situações vivenciadas pelos estudantes que podem
ser associadas àquelas presentes no filme e nos conceitos.
7-
Análise da estética do filme. Analisar aspectos estéticos do filme, buscando
relacioná-los à idéia/proposição do filme (cenários, figurino, trilhas sonoras). Deve-se ter
em mente que o objetivo desta parte é criar bases para que o leitor “eduque” o seu olhar,
assim é necessário ter uma exposição clara e didática. Para isso, buscar referências
bibliográficas sobre linguagem, técnica e estética cinematográfica. Contudo, a análise da
estética do filme não deve ocorrer apenas nesta parte, mas também nas outras, visto que
ela é conceitual e, portanto, para explicar os conceitos ou proposições do filme, será
preciso considerá-la em outros tópicos em que se faça relação entre o filme e conceitos.
8-
Conclusão. Retomar de forma sintética as idéias abordadas ao longo do texto e
apresentar uma conclusão na qual não se feche totalmente em “respostas”, mas que
convide os leitores a pensarem sobre outras implicações e conexões a partir das
levantadas pela análise.
9-
Informações adicionais como críticas, produtos comerciais, etc., sobre o filme. Ou
seja, apresentar informações que acrescentem mais conhecimento sobre o contexto do
filme.
10- Bibliografia na qual se apresente referências bibliográficas de livros e outras fontes
de pesquisa, seguindo as normas da ABNT.
O mundo tem sido organizado dominantemente por meios de expressão que se utilizam
de mensagens visuais, ou audiovisuais e nesse contexto o cinema aparece, há mais de
um século, como um meio expressivo de grande impacto. Contudo, para ser
compreendida toda a profundidade desta arte é preciso desenvolver habilidades para “ler”
seus elementos constitutivos. A habilidade de leitura de filmes pode ser desenvolvida por
meio da compreensão estética, no sentido artístico do termo, por meio da compreensão
dos elementos técnicos que compõem sua narrativa, além de suas escolhas estilísticas e
conceituais, ou filosóficas. Assim, desenvolver habilidades para ler o filme é também
desenvolver habilidades estéticas, conceituais e reflexivas para ler os processos que se
operam na sociedade no presente, como devir de um longo caminho histórico do qual
somos herdeiros, uma vez que os filmes e o mundo usam elementos de significação e
fatos advindos da realidade. Num contexto em que conceitos, idéias ou concepções se
misturam junto a imagens, textos e oralidade em vários tipos de meios de comunicação
que refletem uma multiplicidade, por vezes caótica, da realidade presente, é preciso
buscar uma maneira para organizar tudo isso. Desta maneira, ler o mundo é organizar a
multiplicidade de fatos que compõem a realidade. É tomar consciência de processos
dialéticos que se desdobram ao longo de milhares de anos, observando que os fatos não
se processam por mero acaso, mas em função de escolhas, lutas de hegemonia,
processos mentais inconscientes, da inconsciência, ou alienação, e desdobramentos do
acaso, nome ao qual atribuímos os fatos cujas origens são ainda desconhecidas por nós.
Ao tomar consciência dessas perspectivas que orientam a realidade, é possível pensar e
agir elaborando estratégias para lidar com problemas e situações, de maneira que isso é
de grande importância para educadores e diversos públicos que têm a demanda de
elaborar uma maneira aprofundada de se pensar, superando mitos contemporâneos,
equívocos e preconceitos, que compõem o “senso comum”. O pensamento é da ordem
das coisas mais concretas.
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