FACULDADES EST PROGRAMA DE PÓS

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FACULDADES EST
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
TIAGO DIAS DE SOUZA
A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15
São Leopoldo
2014
TIAGO DIAS DE SOUZA
A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15
Trabalho Final de
Mestrado Profissional
Para obtenção do grau de
Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Programa de Pós-Graduação
Linha de Pesquisa: Leitura e
Ensino da Bíblia
Orientador: Verner Hoefelmann
São Leopoldo
2014
AGRADECIMENTOS
A Deus por ter me dado saúde e ânimo para superar as dificuldades que
enfrentei durante o curso, pois sem Ele eu não seria nada.
À Faculdades EST, seu corpo docente e administradores que me trataram
com muita cortesia.
Ao
meu
orientador,
Verner
Hoefelmann,
pelo
suporte,
correções,
direcionamentos e incentivos, pois sem seu apoio talvez este trabalho não fosse
escrito.
À minha família.
Aos Pastores Levino Santos e Gilberto Teixeira pelo apoio que me deram.
A todos que, direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação, o
meu muito obrigado!
Dedico a todos aqueles que em algum momento da vida viram seus sonhos se
desmoronarem por terem perdido seus queridos a quem tanto amavam.
Se a nossa esperança em Cristo Jesus se limita
apenas a esta vida, somos os mais infelizes de
todos os homens (1 Cor 15.19).
RESUMO
Após a partida de Paulo da cidade de Corinto, onde ele havia permanecido por
volta de um ano e meio e fundado uma comunidade cristã, alguns problemas
começaram a surgir no tocante à ressurreição. A questão chegou aos ouvidos
do apóstolo por informações de membros da própria comunidade de Corinto.
Ao saber dos problemas existentes, Paulo se posiciona sobre o assunto
através de uma carta à igreja local. No caso do problema em foco, a questão
em jogo era o fato de que alguns irmãos afirmavam que não haveria
ressurreição dos mortos. E pelo que se pode entender, o assunto não era
apenas este, pois eles também questionavam como seria esta ressurreição, se
é que ela de fato ocorreria. O que se percebe é que, aparentemente, eles
acreditavam que Cristo havia ressuscitado, mas não criam que os mortos
também ressuscitariam, e ainda mais com o corpo. No que se refere à apologia
paulina da ressurreição em 1 Coríntios 15, o que se entende é que por mais
que alguns escritores defendam que a ressurreição não seja corporal, teólogos
de renome como Rudolf Bultmann e George E. Ladd, e tantos outros eruditos,
não corroboram com tal pensamento. A ideia predominante e querente do texto
bíblico paulino em 1 Coríntios 15 é a de que a ressurreição de Cristo, como a
de todos os seres humanos, se dá no corpo, pois não há ressurreição fora dele.
Palavras-chave: Ressurreição. Corinto. Paulo.
ABSTRACT
After Paul’s departure from the city of Corinth, where he had remained for
around a year and a half and founded a Christian congregation, some problems
began to arise concerning resurrection. The issue came to the ears of the
apostle through information of members of the Corinthian congregation itself.
Upon finding out about the existing problems Paul presents his position about
the subject through a letter to the local church. In the case of the problem in
focus, the issue at stake was the fact that there were some brothers who
affirmed that there was no resurrection of the dead. And from what can be
understood, the issue was not just this one, because they also questioned how
this resurrection would be if it in fact happened. What one perceives is that,
apparently, they believed that Christ had resurrected but they did not believe
that the dead would also resurrect much less with a body. With regard to the
Pauline apologetics of resurrection in 1 Corinthians 15, what one understands is
that, in spite of the fact that some writers defend that the resurrection will not be
corporeal, renowned theologians such as Rudolf Bultmann and George E. Ladd
and so many other scholars do not corroborate such thinking. The predominant
and desired idea of the Pauline biblical text in 1 Corinthians 15 is that the
resurrection of Christ, as well as of all human beings, will take place in the body,
for there is no resurrection apart from it.
Keywords: Resurrection. Corinth. Paul.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
1 A COMUNIDADE DE CORINTO E AS CIRCUNSTÂNCIAS DA CARTA..... 13
1.1 Introdução à Primeira Carta aos Coríntios ......................................... 13
1.1.1 A Corinto esplendorosa ........................................................................... 14
1.1.2 História...................................................................................................... 16
1.1.3 O Povo ...................................................................................................... 18
1.1.4 Religião e Cultura .................................................................................... 19
1.2 A situação da comunidade de Corinto ................................................ 21
1.2.1 Problemas de Liderança ......................................................................... 22
1.2.2 Problemas morais e sociais.................................................................... 23
1.2.3 Problemas religiosos e culturais ............................................................ 24
2 O PROBLEMA DA RESSURREIÇÃO ......................................................... 27
2.1 A Ressurreição ...................................................................................... 27
2.1.1 Conceito grego de vida após a morte.................................................... 28
2.1.2 Conceito de ressurreição no Antigo Testamento ................................. 29
2.1.3 Conceito judaico de ressurreição ........................................................... 30
2.2 A igreja primitiva e a ressurreição....................................................... 31
2.2.1 A igreja de Corinto e a ressurreição ...................................................... 32
2.2.2 O apóstolo Paulo e a ressurreição em Corinto ..................................... 33
3 A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15......................... 37
3.1 Unidade I: versos 1- 11 ......................................................................... 37
3.2 Unidade II: versos 12-19 ....................................................................... 43
3.3 Unidade III: versículos 20-28 ................................................................ 47
3.4 Unidade IV: versículos 29-34................................................................ 50
3.5 Unidade V: versículos 35-49................................................................. 53
3.6 Unidade VI: versículos 50-58................................................................ 58
CONCLUSÃO .................................................................................................. 63
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 69
INTRODUÇÃO
O capítulo 15 da Primeira Carta de Paulo aos coríntios se caracteriza como
uma apologia do apóstolo à ressurreição de Cristo e dos crentes. Depois de ter
discorrido nos capítulos anteriores sobre diversos temas relacionados à conduta
cristã e à unidade da igreja, Paulo abruptamente aborda esse tema que estava
causando confusão entre os membros dessa igreja.
O que se sabe é que após a sua partida de Corinto, onde ele havia
permanecido por volta de um ano e meio, e fundado1 uma comunidade cristã, alguns
problemas começaram a surgir no tocante à ressurreição. A questão chegou aos
ouvidos do apóstolo por informações de membros da própria comunidade de
Corinto. Ao saber dos problemas existentes, Paulo se posiciona sobre o assunto
através de uma carta à igreja local.
No caso do problema em foco, a questão em jogo era o fato de que alguns
irmãos afirmavam que não haveria ressurreição dos mortos. E pelo que se pode
entender, o assunto não era apenas este, pois eles também questionavam como
seria esta ressurreição, se é que ela de fato ocorreria. Aparentemente eles
acreditavam que Cristo havia ressuscitado, mas não criam que os mortos também
ressuscitariam, e ainda mais com o corpo.
O presente trabalho procura desenvolver a linha de pensamento de Paulo
sobre a ressurreição no capítulo 15, tanto no que concerne à ressurreição corporal
de Cristo quanto à dos crentes, considerando o pano de fundo existente na
comunidade de espiritualizar a ressurreição.
A esperança na ressurreição, como descrita por Paulo, foi o centro da
pregação dos primeiros cristãos, pois quando Cristo morreu, de certa maneira,
morreram os sonhos dos crentes da igreja primitiva. Porém, quando eles tiveram a
experiência da ressurreição de Cristo, tudo teve um novo começo. Agora eles
poderiam proclamar que o Deus a quem seguiam era um Deus que vencera o maior
inimigo da humanidade, a morte.
1
ADAM, Julio Cesar. Auxílio homilético: 1 coríntios 15.12-20. Proclamar Libertação, São Leopoldo,
Sinodal, v. XXXII, 2007. Disponível em: <http://martimlutero.com.br/conteudo/1-corintios-15-1220>. Acesso em: 13 nov. 2014.
10
De acordo com Richard Wangen, “a Bíblia não encara a morte como algo
natural ou biológico. Ela vê a morte como resultado da queda humana ou da
alienação, ou da falta de relacionamento com Deus, com o próximo e da pessoa
consigo mesma”.2 Esta talvez seja a maior motivação para escrever sobre o assunto.
Dizer a todos que vivem neste mundo - onde a única coisa certa na vida é a morte –
que há uma esperança além desta vida.
A ressurreição é a resposta cristã ao enigma e ao problema da morte, que
provavelmente é a origem da maior parte das angústias do ser humano.
E realmente, sem a superação da morte não há esperança verdadeira. Sem
a libertação da morte, todas as demais libertações permanecem parciais,
ambíguas, fadadas a reverterem novamente em escravidão. [...] Ora, a
morte é o problema dos problemas, a causa última das agressões e
frustrações humanas. [...] A morte sempre causa pavor. Ninguém sabe o
que vem depois, ninguém consegue imaginar o que é estar morto. Temos
medo, inclusive do morrer, isto é, do processo que precede a morte e nela
desemboca. [...] O que a morte faz conosco é brutal. É revoltante. Não há
nada pior. E ninguém pode fugir. A morte fere o orgulho humano. [...] Além
disto, o morrer, nos lança à mercê de outras pessoas. Faz-nos
vergonhosamente dependentes. Toda nossa glória se dissolve em nada. A
morte nos ofende. [...] A morte questiona o sentido da vida. [...] A morte
corta impiedosamente as relações humanas. [...] A morte exige de nós a
3
entrega de nós mesmos.
Em se falando de uma sociedade materialista, imediatista, e, acima de tudo,
influenciada pela doutrina espírita da reencarnação, na qual o ser humano se coloca
como o centro de tudo, um trabalho como este é de suprema importância para
aqueles que professam ter, de fato, morrido para o “mundo” no intuito de viver para
Cristo.
A nossa cultura ocidental, como vimos, tende a não encarar de frente a
realidade da morte. Isso tem consequências sobre a maneira como as
pessoas individualmente se relacionam com sua própria morte. Cresce o
número de pessoas que fogem do confronto com a sua própria
transitoriedade e com o seu próprio fim. Quando o pensamento na sua
própria morte as assalta, esforçam-se para jogá-lo para bem longe e a
distrair-se com outro pensamento ou com alguma atividade qualquer. [...]
Muitas pessoas temem a morte pelo fato de ela impedir que se realizem
determinados planos e sonhos que acalentaram ao longo de toda vida. É
como se tivesse que morrer sem terem vivido; outros, ao morrer, sentem
profundamente por terem que deixar para trás certas pessoas a quem se
sentem especialmente ligados ou mesmo realizações pelas quais muito
2
3
WANGEN, Richard. A assistência pastoral no rito do sepultamento. Proclamar Libertação
Suplemento 2, Ofícios, São Leopoldo, Sinodal, p. 83-90, 1988.
BRAKEMEIER, Gottfried. A morte e o morrer na Bíblia: subsídios para o rito do sepultamento. In:
MOLZ, Cláudio; WEHRMANN, Guenter (Orgs.). Ofícios: estudos temáticos e auxílios homiléticos.
São Leopoldo: Sinodal/IEPG, 1988. p.46-57.
11
batalharam ao longo da sua vida; ainda outros, devido a um determinado
conceito de Deus ou a um forte sentimento de culpa, temem o juízo final e o
momento de terem de prestar contas diante de um Senhor severo e
4
castigador.
Quando olhamos para dentro do cristianismo contemporâneo (digo isto em
relação às igrejas evangélicas e todas as que se fundamentam na Bíblia e dizem
acreditar em Cristo), o que se percebe quanto ao assunto da vida após a morte é
que existem muitas ideias propagadas que não condizem com o pensamento bíblico.
Pode-se dizer que o problema que havia em Corinto é mais atual do que
imaginamos. Os questionamentos a respeito da vida após a morte são praticamente
os mesmos. Mudaram apenas de endereço e data – a igreja de Corinto “ainda
existe”.
Quando se trata das igrejas denominadas evangélicas, nota-se muita
controvérsia e até mesmo muita ignorância e ingenuidade por parte de seus adeptos
a respeito do tema da ressurreição. O pensamento bíblico foi substituído pelo
pensamento grego de vida além da morte. Não é de se admirar que já não se fale
mais na volta de Cristo ou a respeito do fim dos tempos, quando ele virá para buscar
os salvos que estiverem vivos e ressuscitar os mortos.
Tudo isso acontece, quem sabe, porque nossas comunidades estão sendo
formadas nessa temática pelos meios de comunicação de massa, que abertamente
reproduzem em seus programas a compreensão espírita sobre o tema. É urgente a
necessidade de retornar às Sagradas Escrituras como fontes da fé cristã para
indagar o que elas dizem, especificamente, sobre um assunto tão central para a fé
cristã.
Nossa pesquisa sobre o tema será de ordem bibliográfica, tendo como
fontes: livros, revistas, artigos, impressos e digitais, além de sítios na rede virtual que
tratem do assunto. Buscaremos investigar eruditos que escrevem sobre este tema,
tais como Bultmann, Ladd, Brakemeier, Bacchiocchi, e outros mais.
O trabalho está dividido em três capítulos.
O primeiro é composto de duas partes. De início, faremos uma breve
introdução histórica, social, religiosa e cultural da cidade de Corinto e de sua
4
HOCH, Lothar. Acompanhamento pastoral a moribundos e enlutados. Proclamar Libertação
Suplemento 2, Ofícios, São Leopoldo, Sinodal, p. 58-82, 1988.
12
população. Na segunda parte, enfatizaremos mais a vida da igreja que existia em
Corinto, em especial os problemas que ela enfrentava em meio ao seu contexto
social.
O segundo capítulo, assim como o primeiro, é organizado em duas partes.
Na parte inicial, abordaremos o conceito grego veterotestamentário e judaico da
ressurreição. Na segunda parte, analisaremos o conceito de ressurreição que
poderia estar na origem de 1 Coríntios 15; e, por fim, o que Paulo pensava sobre o
assunto.
Finalmente, o capítulo três está formado por seis unidades, cada qual
composta por uma perícope de 1 Coríntios 15. Faremos um estudo do texto
considerando
versículo
por
versículo.
Após
analisarmos
todo
o
capítulo,
procederemos então às considerações finais sobre os resultados alcançados por
meio da pesquisa.
1 A COMUNIDADE DE CORINTO E AS CIRCUNSTÂNCIAS DA CARTA
1.1 Introdução à Primeira Carta aos Coríntios
O presente capítulo aborda alguns aspectos introdutórios da Primeira Carta
de Paulo aos coríntios, como preparação para o tema do trabalho. O capítulo
tematiza também o contexto social, geográfico e cultural, assim como alguns usos e
costumes do primeiro século, os quais podem ser observados na comunidade de
Corinto. Isso é necessário para termos uma melhor compreensão do estilo de vida e
da forma de pensamento, tanto eclesial quanto secular, das pessoas que ali viviam.
Para conhecermos uma comunidade, precisamos entender o contexto social
das pessoas que ali residem. Segundo Giuseppe Barbaglio, este deve ser o primeiro
passo para abordarmos qualquer tema em uma pesquisa. Seria incoerente começar
a discorrer sobre a Primeira Carta de Paulo à Igreja de Corinto, especificamente
sobre o capítulo 15, sem antes entendermos como viviam e pensavam os cidadãos
coríntios e qual era a religião deles. É desses cidadãos que provêm os membros da
comunidade.
Determinar com precisão a fisionomia da Igreja destinatária do intercâmbio
epistolar do apóstolo, reconstruir, o mais fielmente possível, o quadro dos
interlocutores, indicar, ao menos de modo aproximado, as modalidades
segundo as quais a fé era vivida no vivo ambiente religioso e social de
Corinto, tudo isso torna-se, portanto, condição indispensável para uma
leitura inteligente e uma interpretação sólida, capazes, de ser significativas
5
e também relevantes para o homem de hoje.
Estes, e tantos outros, assuntos supracitados relativos aos destinatários
desta epístola vão contribuir para compreender melhor o capítulo 15, que será
analisado no decorrer da pesquisa. Evidentemente, não abordaremos questões
sociais como um fim em si mesmo, sem chegarmos a um denominador comum. Pelo
contrário, o que se pretende é esboçar um pano de fundo que tenha nexo com a
pesquisa proposta.
Partindo do pressuposto de que “Paulo escreveu esta carta no primeiro
século para uma comunidade cristã que fazia parte de uma sociedade que possuía
5
BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo. São Paulo: Loyola, 1989-1991. v. 2, p. 135.
14
suas próprias características peculiares à sua época”,6 faremos uma análise do
contexto social e religioso, abordando algumas das particularidades do povo de
Corinto, e, assim, também da comunidade cristã residente neste local.
1.1.1 A Corinto esplendorosa
A Corinto que Paulo conheceu, assim como a cidade moderna que hoje
conhecemos, localizava-se na península do Peloponeso, na Grécia, a 60
quilômetros de Atenas. Além de ser uma cidade portuária, o que fazia com que fosse
uma cidade muito rica, tinha um comércio muito forte, o que a tornava muito
conhecida como também desejada por outras nações vizinhas. Ferreira destaca que:
“Em Corinto estavam presentes as ideologias romanas e gregas. Os diversos grupos
filosóficos gregos desenvolviam suas reflexões intelectualizadas e abstratas”.7
Hoefelmann afirma o seguinte:
Por sua localização estratégica entende-se, por que em Corinto floria a
atividade comercial e por que era considerada um dos centros comerciais
mais importantes do mundo antigo. [...] Além do seu vasto comércio, a
atividade industrial estava fortemente presente em Corinto, a exemplo da
produção da cerâmica e do bronze, além do artesanato em geral. Por isso
não é de se estranhar que um dos três centros bancários da Grécia estava
situado em Corinto. [...] A praça central da cidade, a agorá, estava ladeada
por mercados (1Cor 10,25) e templos (1Cor 6,9), pelo tribunal (At 18,12),
pela sede do governo, pelas basílicas (edifícios públicos em que se reuniam
mercadores, banqueiros etc. para tratar de negócios), pela cadeia, pelos
depósitos de distribuição de água, pelo museu e, um pouco mais afastado,
8
pelo odeão e pelo teatro (1Cor 4,9).
Viver em Corinto era um sonho de consumo para muitas pessoas. Corinto
era um dos mais importantes centros comerciais e de diversões daquele tempo. Ali
eram realizadas muitas festas e espetáculos, desde os jogos esportivos até
concursos de poesia e música. Era o que tinha de mais desenvolvido culturalmente
em seu tempo. O teólogo Gottfried Brakemeier afirma que:
6
7
8
BULL, Klaus-Michael. Panorama do Novo Testamento: história, contexto e teologia. São Leopoldo:
Sinodal, 2009. p. 72.
FERREIRA, Joel Antônio. Primeira epístola aos Coríntios: a sabedoria cristã e a busca de uma
sociedade alternativa. São Paulo: Fonte Editorial, 2013. p. 216. Disponível em:
<http://seer.ucg.br/index.php/caminhos/article/viewFile/3040/1844>. Acesso em: 11 set. 2014.
HOEFELMANN, Verner. Corinto: contradições e conflitos de uma comunidade urbana. Estudos
Bíblicos, Sociologia das comunidades paulinas, n. 25, Petrópolis/São Bernardo do Campo/São
Leopoldo: Vozes/Imprensa Metodista/Sinodal, 1990.
15
Corinto pertencia às metrópoles importantes na antiga Grécia. Destruída em
146 a.C., ela havia sido reerguida por Júlio César em 44 a.C., na condição
de colônia romana. Em 27 a.C. torna-se capital da província da Acaia e,
com isso, sede de um procônsul. Sua privilegiada situação geográfica no
afamado istmo de Corinto, com acesso tanto ao mar Adriático quanto ao
mar Egeu, era responsável pelo rápido progresso da cidade. Na qualidade
de cidade portuária, destacava-se como centro mercantil e ponto de
9
encontro entre as nações do Oriente e do Ocidente.
Bull afirma que “Corinto era uma cidade onde viviam pessoas de diversos
grupos étnicos, cada qual com suas características”.10 Isto fazia com que fosse uma
cidade multicultural, que atraía pessoas de diferentes partes do mundo,
especificamente de origem asiática.
Além do mais, a cidade de Corinto estava localizada em um lugar
estratégico, o que fazia com que sua população crescesse rapidamente. Era uma
cidade portuária, o que facilitava tanto a importação de mão de obra como também a
exportação de seus produtos para outros povos.
Havia muitas fontes de rendas procedentes do seu comércio que a tornavam
uma cidade próspera e sem igual no Império Romano. As atividades comerciais que
ali eram desenvolvidas traziam riqueza e ostentação a este lugar.
Falando a respeito da prosperidade de Corinto, Lawrence O. Richards
declara:
Uma outra fonte de prosperidade era a indústria bancária que se
desenvolveu ali. Um terceiro fator era a grande colônia de artesãos que se
fixaram em Corinto. Por exemplo, o bronze de Corinto era apreciado por
todo o Império, e as lâmpadas de Corinto eram exportadas para todas as
terras. Finalmente, nos dias de Paulo, Corinto também era a capital da
Acaia, e a atividade do governo trouxe tanto a população como a riqueza
para sua cidade. O retrato que obtemos é o de uma comunidade atarefada
e apressada, ativa e próspera, habitada por homens e mulheres ambiciosos,
11
ansiosos por prosperar e serem bem-sucedidos.
Segundo Leon Morris, quem viajava de Roma para o Oriente tinha que
passar por Corinto, proporcionando ainda mais oportunidades para que a cidade
paulatinamente chegasse a ser muito rica. “Era um ponto de parada natural na rota
9
10
11
BRAKEMEIER, Gottfried. A Primeira Carta do Apóstolo Paulo à comunidade de Corinto: um
comentário exegético-teológico. São Leopoldo: Sinodal, Faculdades EST, 2008. p.13.
BULL, 2009, p. 73.
RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural Do Novo Testamento. 7. ed. Rio de
Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2012. p. 325.
16
de Roma para o Oriente, e o lugar onde se encontravam várias rotas de comércio”.12
Para evitar a distância e as tempestades em alto mar, os marinheiros preferiam
ancorar suas embarcações nos portos de Corinto.
A fim de evitar uma viagem de trezentos e vinte quilômetros ao redor do
tempestuoso cabo Maleia, os navios ancoravam num destes portos,
transportavam suas cargas pelo istmo e carregavam em navios que
esperavam do outro lado. Barcos pequenos também eram rebocados. O
13
domínio deste comércio tornou rica a cidade de Corinto.
Corinto se tornou a capital da Acaia, passando com isto a ter o privilégio de
possuir um procônsul que residia ali. Havia um alto número de funcionários públicos.
Era uma cidade invejável e relativamente segura, quase que invencível aos olhos
humanos.
A situação e prosperidade de Corinto atraíram muitas pessoas para morar
ali. Um fator interessante é que Corinto havia sido destruída completamente em 146
a. C. Mas, independentemente desta tragédia, ela se reergueu no século seguinte,
voltando então a ter sua nobreza como dantes. Os coríntios tinham orgulho de sua
cidade e de sua cultura. Eles sentiam um grande contentamento por serem cidadãos
coríntios. É o que vemos no tema seguinte, a respeito da rica história que esta
cidade possuía.
1.1.2 História
Corinto era uma cidade muito antiga e de muitas glórias. Tudo indica que
teve início no segundo milênio a. C., exercendo grande influência na região central
da Grécia por um longo período de tempo. O nome desta cidade é citado por
Homero em uma de suas obras mais conhecidas.
A cidade de Corinto aparece na Ilíada de Homero e, portanto, data do
segundo milênio antes de Cristo. Exerceu influência sobre toda a península,
o istmo e parte da Grécia central. No século 7 a. C., Corinto alcançou o seu
apogeu devido à sua atração para o comércio. [...] Mas durante os dois
14
séculos seguintes, Corinto teve de enfrentar o poder da rival Atenas.
12
13
14
MORRIS, Leon. 1 Coríntios: introdução e comentário. 12. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 11.
HORTON, Stanley M. 1 e 2 Coríntios: os problemas da Igreja e suas soluções. 7. ed. Rio de
Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2012. p. 11.
KISTERMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã,
2004. p. 16.
17
Esta sua influência um dia chegaria ao fim, por volta da metade do século IV
antes de Cristo.
Atenas e Esparta estavam vivendo um conflito armado, estavam em guerra.
A primeira era tida como o padrão de excelência, o centro da civilização e da política
do século V antes de Cristo, e a última era conhecida tradicionalmente por seu
poderio militar. Neste período de conflito entre estas duas potências, Corinto se aliou
com Atenas. De acordo com Simon Kistemaker, Corinto veio a sofrer algumas
consequências por esta aliança com os atenienses.
Durante a Guerra do Peloponeso (431 – 404 a. C), entre Atenas e Esparta,
Corinto aliou-se a Atenas. Essa guerra enfraqueceu Atenas e Corinto de tal
forma que Felipe II da Macedônia subjugou Corinto no ano 338 a. C. Seu
filho, Alexandre o Grande, usou Corinto como um centro comercial e
atração turística. Depois da morte de Alexandre (323 a. C.), Corinto assumiu
a liderança das cidades-estados gregas no Peloponeso e no sul da
15
Grécia.
Quando os romanos conquistaram a Grécia, por volta do século II a. C., eles
deram a Corinto o direito de liderar as cidades que pertenciam à região da Acaia.
Mas este privilégio não perdurou por muito tempo, pois meio século mais tarde
Corinto viria a se rebelar, fazendo com que, sob a fúria de Lúcio Mummius, a cidade
fosse praticamente varrida do mapa.
Conforme Hernandes Dias Lopes, a cidade de Corinto permaneceu em
escombros por cem anos até ser reconstruída novamente.
A cidade de Corinto fora destruída e totalmente arrasada pelos romanos no
ano 146 a. C. Ficou coberta pelas cinzas do opróbrio e de abandono por
cem anos. Somente por volta do ano 46 a. C. é que César Augusto a
16
reconstruiu.
A partir daí a cidade de “Corinto emergiu para uma nova prosperidade,
adquirindo um caráter cada vez mais cosmopolita”.17
Quando “Júlio César a reconstruiu, ele restaurou os dois portos mais
importantes que existiam em Corinto: Lacaeum e Cencreia. A cidade se reergueu
como centro comercial e atraiu pessoas de várias partes do mundo”.18
15
16
17
KISTEMAKER, 2004, p. 16.
PETER, 1983 apud LOPES, Hernandes Dias.1 Coríntios: como resolver conflitos na Igreja. 4. ed.
São Paulo: Hagnos, 2013. p. 11.
PRIOR, 1993 apud LOPES, 2013, p. 11.
18
1.1.3 O Povo
Tudo indica que de início os habitantes da nova Corinto eram romanos, pois
Corinto era uma colônia romana. Mas ao longo dos anos muitos imigrantes vindos
de várias partes do mundo se estabeleceram na cidade.
Dessa forma, é possível concluir que os habitantes da Corinto romana
provinham de diversas regiões, o que caracteriza essa cidade como um
conglomerado de indivíduos que, apartados das suas comunidades de
origem, trouxeram consigo tradições culturais particulares: gregas, romanas
e judaicas. Foi nesse ambiente social multifacetado que se desenvolveu a
19
missão paleocristã empreendida por Paulo.
Era uma cidade grega que não tinha muitos gregos em comparação com
outras cidades da Grécia; por outro lado, como colônia romana, não parecia romana.
A população era formada na sua maioria por pessoas de outras regiões, distantes ou
próximas de Corinto. Leon Morris, comentando esse aspecto, diz: “Ali, gregos,
latinos, sírios, asiáticos, egípcios e judeus, compravam e vendiam, trabalhavam e
folgavam, brigavam e se divertiam juntos, na cidade e nos portos, como em
nenhuma outra parte da Grécia”.20
Havia uma miscigenação de pessoas vivendo em um mesmo ambiente.
Muitos ex-soldados, como também escravos libertos, vindos de Roma, encontraram
em Corinto um ótimo lugar para reconstruir sua vida. Era “uma cidade mais latina do
que grega”.21
Homens e mulheres, que moravam ao redor do Mediterrâneo, viam em
Corinto um lugar de refúgio e esperança para uma vida melhor. “Todas estas
pessoas trabalhavam em Corinto ou em algumas das suas cidades portuárias,
tornando Corinto um centro de comercio internacional”.22
18
19
20
21
22
KISTEMAKER, 2004, p. 17.
MENDES, Simone Rezende da Penha. Paulo e a Ekklesia de Corinto: conflitos sociais e disputas
de autoridade no período paleocristão. Dissertação. 182 f. (Mestrado) - Programa de PósGraduação em História Social das Relações Políticas, Centro de Ciências Humanas e naturais,
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012. p. 116. Disponível em:
<http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_4768_.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2014.
PARRY, apud MORRIS, 2008, p.12.
PARÓQUIA SANTA CRUZ. Estudo Bíblico da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. A
comunidade:
o
retrato
de
Deus
nos
rostos
humanos.
Disponível
em:
<http://www.parsantacruz.org.br/estudo-biblico-primeira-carta-de-paulo-aos-corintios-acomunidade-o-retrato-de-deus-nos-rostos-humanos/>. Acesso em: 12 set. 2014.
KISTEMAKER, 2004, p. 17.
19
Lawrence O. Richards comenta que em “46 a. C quando foi restabelecida
por Júlio César, Corinto foi habitada por veteranos do exército e homens livres”.23
Tudo isto contribuiu para o crescimento da economia e diversidade cultural de
Corinto.
Apesar de ser uma cidade hospitaleira, o que em partes cooperou para que
povos de diferentes lugares fixassem ali sua moradia, este crescimento populacional
desenfreado também trouxe consigo a desigualdade e a promiscuidade. Havia uma
disparidade social muito grande em Corinto.
Havia muitas pessoas ricas e cultas, comerciantes, bancários, artesãos,
filósofos, músicos e funcionários públicos do alto escalão, mas a população em sua
maioria não gozava desta ostentação. O poder estava nas mãos de uns poucos.
Existiam muitas pessoas pobres que trabalhavam na agricultura, nas cidades
provincianas, sem contar o trabalho escravo, que movimentava boa parte da mão de
obra da cidade de Corinto.
Em Corinto morava a maioria dos latifundiários da Grécia. Isso colaborou
para que a cidade ostentasse um abismo gigantesco entre ricos e pobres e
a consequente exploração dos poderosos sobre os fracos. [...] Isso nos leva
a constatar que o poder econômico e político estavam concentrados nas
mãos de poucos privilegiados, que viviam explorando os pobres e escravos
e se deliciando com festas, música, teatro e com Jogos ístmicos, famosos
24
em toda região.
Para se ter uma ideia, Stanley descreve que talvez “em Corinto existisse
uma população de aproximadamente quatrocentos mil escravos dentre os quais se
encontravam muitos judeus”.25
Em certo sentido, todos estes diversos grupos de pessoas que residiam ou
que passavam por Corinto, enriqueciam tanto cultural como religiosamente seus
moradores e aqueles que entraram em contato com eles. Por outro lado, esta
diversidade levou seus habitantes a uma depravação moral e espiritual.
1.1.4 Religião e Cultura
23
24
25
RICHARDS, 2012, p. 325.
BORTOLINI, José. Como Ler A Primeira Carta aos Coríntios: Superar os conflitos em
comunidade. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2008. p. 13.
HORTON, 2012, p. 11.
20
Em Corinto não havia uma religião especifica ou que predominasse. Havia
diversos tipos e formas de religiões. Eles permitiam que vários grupos religiosos
praticassem ali a sua fé como bem entendessem. O culto aos deuses era muito
comum entre os coríntios.
Em Corinto havia todo tipo de religião e cultos. Por ser cidade com dois
portos, aí cultuava-se Poseidon, o deus do mar. O culto à deusa Roma era
muito forte, e isso “fazia a cabeça” do povo, pois a deusa lembrava de perto
o Império Romano que, em nome da religião, mantinha o mundo inteiro
26
dominado e explorado. Até o próprio imperador era visto como deus.
Conforme José Bortolini, “na fortaleza da cidade havia o templo a Afrodite,
deusa do amor e da fecundidade. Cerca de mil mulheres acolhiam e iniciavam os
devotos dessa deusa na arte do amor”.27
Os moradores de Corinto não faziam distinção entre sagrado e profano.
Parece que religião e sexualidade estavam inteiramente ligadas uma à outra. Tinha
fama de cidade depravada e licenciosa, onde a busca pelo prazer era o que mais
importava.
Comentando a Primeira Carta aos Coríntios, Hernandes D. Lopes diz: “Em
Corinto se confundia religião com prática sexual. Naquela cidade, a deusa Afrodite
era adorada e tinha o seu templo sede na Acrópole, uma montanha com mais de
560 metros de altura, na parte mais alta da cidade”.28 Acredita-se que mais de mil
mulheres trabalhavam no templo da deusa Afrodite como sacerdotisas. Elas eram
tidas como prostitutas cultuais que serviam à deusa Afrodite. Era uma verdadeira
mistura de “espiritualidade” com luxúria que se vivia no templo desta deusa.
Quando os coríntios visitavam estas sacerdotisas, eles de certa forma
também estavam adorando seus deuses. Lopes chega a dizer que:
Se não bastasse isso, essas prostitutas cultuais, à noite, desciam para a
cidade de Corinto e se entregavam aos marinheiros e turistas que ali
chegavam de todos os cantos do mundo. E, então, o clima da cidade era
29
profundamente marcado pela promiscuidade sexual.
26
27
28
29
BORTOLINI, 2008, p. 14.
BORTOLINI, 2008, p. 14.
LOPES, Hernandes Dias. 1 Coríntios: Como resolver conflitos na Igreja. 4. ed. São Paulo: Hagnos,
2013, p. 14.
LOPES, 2013, p. 14.
21
O culto ao corpo, ao prazer, era o que predominava ali. Não havia limites ou
leis de consciência. Eram os desejos desenfreados que predominavam nesta
comunidade. "A cidade tinha má fama. Naquele tempo, 'viver como coríntio' era a
mesma coisa que entender e viver desordenadamente a sexualidade".30
Muitos se referiam a Corinto como a cidade da fornicação e da prostituição.
Viver uma vida “coríntia” era sinônimo de viver uma vida profana e depravada.
Com relação à comunidade cristã que ali vivia, é notável que estivesse
passando por alguns conflitos que a afetavam, tanto interna quanto externamente.
1.2 A situação da comunidade de Corinto
Após ter pregado o evangelho em Filipos, Tessalônica, Bereia e em Atenas,
“Depois do discurso de Paulo no aerópago, em Atenas, onde se deu o encontro do
Evangelho com a cultura grega”,31 Paulo se retira e vai para Corinto. Ele se dirige
para Corinto e permanece ali, por um ano e meio, pregando aos coríntios.
Informações sobre os inícios da comunidade se encontram em At 18.1-17. Durante
este período, muitas pessoas foram convertidas e batizadas, aceitando a fé cristã.
Nasceu uma numerosa e florescente comunidade cristã, composta,
sobretudo de pagãos. Pode-se dizer, na verdade, que em Corinto verificouse um encontro entre a fé cristã e a cultura helênica que, sem exagero,
pode-se definir como histórico. Pessoas de matriz étnica e cultural de um
novo mundo, congregadas em torno do anúncio de Cristo morto e
ressuscitado, empenharam-se em inserir em suas vidas o mesmo
evangelho pregado na Palestina por Jesus e pelos apóstolos. Era inevitável
que se verificasse um processo de profunda e radical encarnação da fé
32
cristã.
Os cristãos de Corinto não eram muitos, talvez não fossem mais que uma
centena de pessoas. Provavelmente não tinham a mesma origem, provinham de
raças distintas. Pelo que tudo indica, a maioria era formada por pessoas pobres,
marginalizadas e ignorantes à vista da sociedade (1 Co1.26-29).
Assim, inicia-se ali uma comunidade cristã fundada pelo apóstolo Paulo, e
que, após sua partida, foi liderada por Apolo (At 19.1).
30
31
32
BORTOLINI, 2008, p. 14.
PAULINAS.
A
missão
de
Paulo
em
Corinto.
2002.
Disponível
em:
<http://www.paulinas.org.br/sab/pt-br/?system=paginas&action=read&id=1753>. Acesso em: 27
ago. 2014.
BARBAGLIO, 1989-1981, p. 136.
22
Passaram-se alguns anos. “Paulo agora estava em Éfeso, onde recebeu
informações dos da casa de Cloe não muito agradáveis sobre a igreja de Corinto”.33
A igreja agora estava cercada por tensões e conflitos que cresciam a todo o
momento.
1.2.1 Problemas de Liderança
Talvez pela diversidade étnica e social dos crentes que formavam a
comunidade de Corinto, alguns conflitos começaram a surgir na igreja após a partida
de Paulo. O fato de a congregação reunir pessoas com tal diversidade pode ter
causado uma desestabilidade emocional e espiritual na igreja de Corinto.
Na igreja havia cidadãos ricos e pobres, como também judeus e gentios
convertidos ao cristianismo. “Depois da partida de Paulo, a comunidade se desuniu,
formando grupos simpatizantes com este ou aquele agente pastoral que passava
pela cidade”.34 Surge então uma divisão interna na igreja, que fez com que as
pessoas se afastassem uma das outras.
Paulo estava no seu último ano de ministério na cidade de Éfeso, quando
recebe informações de que a igreja de Corinto não estava indo muito bem.
As informações eram muitas e poucas delas eram boas. Paulo soube que
havia divisões na igreja, que estava dividida em 4 grupos. Grupos que se
formaram em torno de personalidades, de pessoas que tinham tido uma
participação no passado recente da igreja, como o próprio Paulo e Apolo
(cap. 3:4). Havia até um grupo que talvez fosse o mais perigoso deles que
era o “grupo de Cristo” (‘...e eu, de Cristo” [Cap 1:12]). Eles diziam que não
eram seguidores de homem algum e sim de Cristo. Era como se dissessem:
não queremos estar debaixo da orientação ou da instrução e autoridade de
qualquer homem porque recebemos tudo diretamente de Cristo. Alguns
estudiosos têm identificado este grupo como o “grupinho dos espirituais”
que falavam em línguas e se gloriavam por terem experiências
extraordinárias; que não aceitavam a autoridade de Paulo na igreja e outras
35
coisas mais.
A questão em jogo aqui era quem tinha maior controle, qual grupo tinha mais
prestígio e quem tinha mais influência na igreja. “A igreja estava dividida em grupos
e cada um seguia um líder: Paulo, Apolo, Cefas ou Cristo”,36 cada qual procurando
33
34
35
36
BARBAGLIO, 1989-1981, p. 137.
BORTOLINI, 2008, p. 15.
LOPES, Augustus Nicodemus. Corinto: uma igreja com problemas de disciplina:
uma
análise
de
1
Coríntios
5.
Disponível
em:
<http://thirdmill.org/files/portuguese/84988~9_18_01_3-36-43_PM~Corinto.html>. Acesso em: 26
ago. 2014.
KISTEMAKER, 2004, p. 25.
23
obter a supremacia sobre o outro, independente de qualquer coisa, ainda que isto
afetasse a comunidade tanto moral quanto socialmente.
1.2.2 Problemas morais e sociais
O apóstolo Paulo inicia o capitulo 5 falando da imoralidade que reinava na
igreja de Corinto. Ele chega a dizer que “nem mesmo entre os gentios havia tal
depravação, a ponto de o filho possuir sua própria madrasta”.37 Além do mais, a
igreja, estando a par de toda esta situação, não tomava nenhuma providência para
solucionar o problema, ou seja, era conivente com esta ocorrência.
Os membros da comunidade tinham se perdido em sua conduta, se é que
alguma vez tiveram a noção de certo ou errado no que diz respeito ao estilo de vida
cristão. Eles viviam como as outras pessoas da sociedade. A diferença era que
agora faziam parte de um grupo de crentes que aceitaram o evangelho pregado por
Paulo, mas, pelo que parece, não faziam jus a esta suposta conversão.
As contendas entre os irmãos eram comuns, sem contar que eles não
procuravam resolver os problemas pacificamente, mas levavam as demandas
pessoais às instâncias jurídicas públicas, aumentando ainda mais o descrédito sobre
o nome e a fé que eles professavam (1Co 6.1-11).
Alguns problemas referentes à viuvez, castidade, e tantas outras coisas
rondavam a igreja e ameaçava sua unidade (1Co 7).
Outros problemas sociais existentes na comunidade de Corinto estavam
relacionados a casais, pessoas separadas ou divorciadas, solteiras e
viúvas. A igreja enviou uma carta a Paulo em que os membros buscavam
38
sua orientação em questões relativas ao casamento.
Paulo então responde a todas estas questões, fundamentando-se na
Escritura, na tradição cristã e em seu próprio discernimento.
Em base às informações recebidas sobre a comunidade, Paulo escreve a
Primeira Carta aos coríntios. Corinto era uma comunidade muito rica em
dons; mas, ao mesmo tempo, tinha muitos problemas de todo o tipo:
familiar, social, gênero, moral. A primeira carta responde a essa situação.
Aborda, pois, vários temas. Alguns ligados à divisão interna na comunidade
(formação de grupos e partidos: 1Cor 1,10-11); em outros esclarece dúvidas
37
38
BARBAGLIO, 1989-1981, p. 138.
KISTEMAKER, 2004, p. 27.
24
quanto ao matrimônio, aos carismas, à celebração eucarística, à
39
ressurreição dos mortos.
Ele não permite que maiores especulações gerem outras tensões na
comunidade de crentes. Ao recorrer ao livro de Gênesis, ele reafirma aquilo que era
o propósito de Deus para o homem e a mulher, não dando margem para supostas
interpretações de um ou de outro grupo existente ali.
1.2.3 Problemas religiosos e culturais
Os problemas religiosos e culturais também estavam presentes na
comunidade. Percebe-se que alguns grupos queriam impor determinados costumes
relativos à sua cultura ou, quem sabe, ao contexto social no qual viviam como se
fossem ponto de salvação. “A cruz de Cristo perdeu sua importância. Outros temas
eram mais interessantes”.40 Sendo assim, esquecia-se de praticar a fé cristã de
forma pura e verdadeira.
Além do mais, o desejo por status fazia com que os vários grupos em
Corinto reivindicassem de maneiras distintas seus “supostos” direitos eclesiásticos
naquela comunidade.
Um grupo reivindicava superioridade, porque sua lealdade estava dedicada
a um líder humano mais impressionante (capítulos 1-4). Outro reivindicava
ser mais espiritual, porque seus membros abstinham-se do sexo no
casamento (capítulo 7). E ainda outro, porque seus membros não comiam a
carne que era proveniente dos mercados de carne pagãos (capítulo 8). [...]
Por diversas vezes, sentimos a luta dos cristãos em Corinto para
estabelecer uma hierarquia dentro da comunidade da fé; uma hierarquia
que, na escala de valores deste ou daquele grupo, os tornaria superiores
41
aos demais!
Para piorar ainda mais a situação, havia muitos problemas doutrinários que
estavam assolando a igreja de Corinto. Ela não tinham se solidificado na palavra de
Deus. As dúvidas eram muitas. Alguns chegavam até a negar o apostolado de
Paulo, não aceitando sua legitimidade de apóstolo de Jesus Cristo.
Um conflito levava a outro e cada vez mais os coríntios submergiam nestas
discussões, chegando a não só aceitar como também a pregar alguns ensinamentos
contrários àquilo que Paulo lhes tinha pregado, conforme Augustus Nicodemus:
39
40
41
PAULINAS, 2014.
BOOR, Werner de. Carta aos Coríntios. Curitiba: Esperança, 2004. p. 22.
RICHARDS, 2012, p. 324.
25
A igreja tinha todas estas divisões e além disso tinha problemas de ordem
doutrinária. Um grupo não aceitava a ressurreição dos mortos (cap. 15).
Havia um espírito faccioso naquela igreja; existiam problemas com respeito
à doutrina da liberdade cristã (10:28). “Será que posso comer carne
sacrificada aos ídolos”? Os “fortes” diziam que sim e subestimavam os
“fracos”. Havia problemas com respeito às questões do casamento (cap. 7):
O que é mais espiritual? Casar ou ficar solteiro? A igreja estava dividida por
uma série de problemas que se refletiam no culto. Os “espirituais” falavam
línguas sem interpretação para a igreja e desta forma não edificavam (14:5);
os profetas falavam, mas não havia ordem de quem deveria falar primeiro
(14:29, 32); as mulheres entusiasmadas estavam querendo tirar qualquer
sinal de que há uma diferença entre homem e mulher dentro da ordem da
criação de Deus (11:8-9); na hora da Santa Ceia havia pessoas que até se
embriagavam (11:21) e participavam do sacramento sem ter o espírito
apropriado. Corinto era uma igreja com graves complicações. Mas, mesmo
considerando isso, era uma igreja que se gloriava de ser “espiritual”. Afinal,
muitos, na concepção deles, não tinham os dons que indicavam a presença
do Espírito Santo? Muitos não estavam falando em línguas durante o culto
(Cap. 14)? Outros não estavam profetizando e trazendo palavra de
revelação? A igreja pensava que era espiritual e considerava-se assim
42
apesar de estar toda minada de problemas.
Sem sombra de dúvidas, a igreja em Corinto estava vivenciando não apenas
problemas de ordem moral ou social, mas também problemas doutrinários. O
principal deles dizia respeito à ressurreição.
42
LOPES, 2014.
2 O PROBLEMA DA RESSURREIÇÃO
2.1 A Ressurreição
Como já vimos, a carta aos Coríntios retrata uma das comunidades mais
problemáticas do Novo Testamento. Nela o apóstolo Paulo responde a questões
conflituosas na igreja local, como também sobre confusões doutrinárias que havia
entre eles.
Após responder a questões de aspectos morais, sociais, culturais e
eclesiásticos no decorrer da carta, Paulo passa a falar a respeito de um tema que
estava ocasionando algumas divergências na comunidade cristã de Corinto: “a
resistência de alguns membros da comunidade de Corinto a aceitar a ressurreição
dos mortos dá a Paulo a oportunidade de nos oferecer uma esplêndida e definitiva
reflexão teológica sobre a ressurreição de Jesus Cristo e dos cristãos”. 43
Segundo Kistermaker, possivelmente nenhum irmão chegou a pedir alguma
informação sobre a ressurreição. Mas, pelo que parece, Paulo aproveitou o ensejo
para tocar neste assunto que para ele era fundamental na vida do crente, pois está
relacionada à salvação.
Nada indica que os leitores tenham pedido alguma orientação de Paulo
sobre a doutrina da ressurreição. Mas havia chegado ao seu conhecimento
que alguns membros da igreja de Corinto negavam a existência da
ressurreição (15.12). Nas observações iniciais de sua epístola, Paulo
escreveu sobre a expectativa do retorno de Jesus (1.8). Isso é revelador por
causa do longo discurso de Paulo sobre a ressurreição física do corpo
(15.12-58) e sua discussão sobre a escatologia. Paulo escreve que os
coríntios corriam o risco de serem desviados do caminho por doutrinas
errôneas sobre a ressurreição de Cristo (15.12, 33,34). No começo e no fim
de sua epístola, Paulo encoraja seus leitores a aguardarem o retorno de
44
Cristo.
Esta doutrina era uma questão debatida na igreja de Corinto. Richards
afirma que “alguns dentre eles ensinavam que nenhuma ressurreição aguarda os
crentes”.45 O mais importante era viver o momento, o agora.
43
44
45
OPORTO, Santiago Guijarro; GARCIA, Miguel Salvador (Orgs.). Comentário ao Novo
Testamento. São Paulo: Ave-Maria, 2006. p. 446.
KISTEMAKER, 2004, p. 28.
RICHARDS, 2012, p. 360.
28
A respeito da ressurreição, circulavam em Corinto as mais diferentes
opiniões. Alguns não admitiam qualquer possibilidade de vida além da
morte. Para eles, o melhor que se pode fazer é aproveitar a vida enquanto
dura: “comamos e bebamos, pois amanhã morreremos” (cf.15,32). Outros
acreditavam que a alma era imortal. Mas visto que desprezavam a matéria
como algo ruim, não admitiam a ressurreição dos corpos. Outros pensavam
que, quando Cristo viesse no final dos tempos, os mortos não iriam
participar da vida com Deus. Junto com os que não acreditavam na
ressurreição dos corpos, perguntavam: “como é que os mortos
ressuscitam?” (15,35). Outros, enfim, pensavam que a ressurreição é
46
pertencer, desde agora, a Jesus Cristo, e nada mais.
Em se tratando de um assunto de suma importância para a fé cristã, Paulo
não poderia permitir que tais distorções continuassem afetando o desenvolvimento
harmônico e espiritual da igreja.
O motivo das controvérsias a respeito deste tema talvez sejam alguns
conceitos não-bíblicos, e até mesmo por não ser um assunto tão bem elaborado
como tantas outras doutrinas bíblicas.
2.1.1 Conceito grego de vida após a morte
Os gregos não criam na ressurreição como na tradição judaico-cristã. A
esperança em relação à vida eterna, como proclamada pelo cristianismo, não fazia
parte da mentalidade helênica. De acordo com Brakemeier, a ressurreição era algo
desconhecido no mundo pagão.
No mundo pagão, é claro, ressurreição dos mortos era convicção
desconhecida. Epitáfios em cemitérios da época demonstram trágica
desesperança frente à fatalidade da morte. Entre os intelectuais gregos e
47
romanos, ganha espaço a afirmação da imortalidade da alma.
Nos escritos de filósofos como Platão, Sócrates, Aristóteles e outros mais,
está permeada a ideia de uma vida além da morte. Charles R. Erdeman destaca que
“para a mente do filósofo grego a própria idéia de uma ressurreição corporal era
grotesco e absurdo”.48 É claro que eles não se referem à ressurreição, mas sim, à
imortalidade da alma.
46
47
48
BORTOLINI, 2008, p. 62-63.
BRAKEMEIER, Gottfried. Por que ser cristão. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 35.
"To the mind of Greek philosopher the very idea of a bodily resurrection was grotesque and
absurd". ERDMAN, Charles R. The First Epistle of Paul to the Corinthians: an
exposition. Philadelphia: The Westminster Press, 1929. p. 158.
29
O antigo Oriente Próximo não conhecia a doutrina da vida após a morte
correspondente ao ensino bíblico sobre a ressurreição. [...] Os gregos criam
na imortalidade da alma e na vida consciente após a morte, mas nada
49
sabiam sobre uma ressurreição, conforme ensinada na Bíblia.
Para os gregos, a morte não era encarada como algo ruim, pelo contrário,
eles viam na morte do ser humano um meio de se livrar do corpo – a matéria – que
era considerada de natureza inferior. A crença na dicotomia entre alma e corpo fazia
crer que a alma é boa enquanto que o corpo não. Sendo assim, a alma está presa a
algo que é mau por natureza – o corpo. Portanto, após a morte a alma se liberta do
corpo e continua seu caminho em busca da perfeição.
Esse pensamento difere dos escritos do Antigo Testamento, no qual este
tema foi se definindo e se consolidando aos poucos.
2.1.2 Conceito de ressurreição no Antigo Testamento
A doutrina da ressurreição não está tão desenvolvida no Antigo Testamento
quanto nos escritos neotestamentários. Apenas em alguns livros o assunto é
comentado.
Pelo que parece, não existia uma ideia formada a respeito de tal assunto.
Tudo parecia muito vago. Mas isto não que dizer que não existiam referências ao
tema da ressurreição.
A doutrina da ressurreição pessoal não foi desenvolvida no AT. [...] Sem
dúvida, a afirmação mais clara do AT pode ser encontrada em Daniel 12.2:
“E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida
eterna e outros para vergonha e desprezo eterno”. [...] Isaías aguardava o
dia em que o Senhor “aniquilará a morte para sempre” (Is 25.8) e
proclamou: “Os teus mortos viverão, os teus mortos ressuscitarão; despertai
e exultai, vós que habitais no pó, porque o teu orvalho, ó Deus será como
50
orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos” (Is 26.19).
Nos textos supracitados dos profetas Daniel e Isaías é possível entender
que a ressurreição de que falam é a mesma abordada no Novo Testamento. Eles
falam da ressurreição do corpo e não da alma. Mas ainda assim, a esperança além
da morte não é assunto unânime. Ainda que não existisse uma uniformidade, alguns
escritos judaicos mais recentes falam claramente de uma ressurreição dos mortos, e
49
50
BRUNT, John C. Tratado de teologia adventista do sétimo dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira,
2011. p. 360.
RICHARDS, 2012, p. 361-362.
30
que os seres humanos deverão comparecer perante Deus em algum momento.51
Mas ainda que tais livros falem de uma ressurreição, não se pode afirmar que a
doutrina da ressurreição já estivesse formulada nos escritos do Antigo Testamento.
Stanley M. Horton afirma que “a ideia da ressurreição não foi plenamente
desenvolvida no Antigo Testamento”.52 Pois o que se percebe é que ainda assim,
alguns grupos religiosos do judaísmo não criam que haveria ressurreição.
2.1.3 Conceito judaico de ressurreição
Ao que tudo indica determinados grupos religiosos do judaísmo do tempo de
Jesus não acreditavam na ressurreição. Um exemplo bem claro são os saduceus.
Eles não tinham alguma esperança com relação à vida futura; acreditavam que aqui
nesta terra era o fim de tudo (Mc 12.18-27; At 23.6-8).
Possivelmente os samaritanos também não acreditavam na ressurreição,
pois seus escritos sagrados se limitavam apenas ao Pentateuco, no qual o tema não
aparece com clareza, mesmo que Jesus tenha tentado enxergar a ressurreição no
Pentateuco em sua conversa sobre o tema com os saduceus (Mc 12.26-27).
Outro grupo do judaísmo que possivelmente não acreditava na ressurreição
era o dos essênios. Brakemeier declara:
Surpreendente é que os textos de Qumran, redigidos pouco antes do inicio
da era cristã, guardam silêncio sobre o assunto. A seita cuja biblioteca foi
sensacionalmente reencontrada em 1947 nas grutas do Mar Morto,
53
aparentemente não acreditava em ressurreição.
Como a crença da ressurreição não era unânime nas Escrituras tidas como
sagradas, é possível que tais grupos religiosos não tenham assumido a ressurreição
como parte de seu credo. Apenas nos escritos mais recentes, sob a influência do
movimento apocalíptico, é que o tema entrou com maior força no judaísmo. Em certo
sentido, a "imortalidade da alma também foi assimilada pelo judaísmo",54 como se
pode perceber no historiador judeu Flávio Josefo, que nos seus escritos intenta ser
compreendido pela cultura greco-romana. Isso corrobora a ideia de que tudo era
51
52
53
54
Livros como Apocalipse de Enoque, Baruque, IV Esdras e outros afirmam que ocorrerá uma
ressurreição de mortos. BRAKEMEIER, 2004, p. 34-35.
HORTON, 2012, p.146.
BRAKEMEIR, 2004, p. 35.
BRAKEMEIR, 2004, p. 35.
31
algo ainda não muito bem assimilado pelo judaísmo. Havia muita coisa vaga que
precisava ser solidificada para se definir a doutrina da ressurreição.
Durante o período intertestamentário, a ressurreição desempenhou papel
destacado no pensamento judaico, embora as ideias sobre ela diferissem e
nem todas fossem aceitas. J. Charlesworth observa (68) que a crença na
ressurreição “não era posse exclusiva dos fariseus. Ela se encontra em
muitos tipos de literatura, com destaque para 2Macabeus, os Salmos de
Salomão [...] não havia nenhuma ortodoxia judaica quanto ao tempo, modo
55
e lugar da ressurreição, da imortalidade e da vida eterna” (180).
Não é de admirar que nem todos aceitassem a pregação da doutrina da
ressurreição proclamada pelos discípulos. O fato de eles realçarem tanto este tema
em seus discursos nos mostra que a ressurreição ainda não era aceita por todos, e
que precisava estar sempre enfatizando esta nova doutrina que era parte essencial
da fé cristã.
2.2 A igreja primitiva e a ressurreição
Por mais que o Antigo Testamento e os escritos judaicos não façam muitas
referências a respeito da ressurreição, como é descrita no Novo Testamento, isso
não quer dizer que a igreja primitiva que derivou do judaísmo não acreditasse nesta
doutrina.
A ressurreição de Jesus, por exemplo, foi proclamada já no inicio do primeiro
século por Pedro como também pelos apóstolos, tornando-se base fundamental
para o cristianismo.
A ressurreição de Jesus Cristo não se tornou uma doutrina articulada na
época (cerca de 55d.C) em que Paulo escreveu sua primeira epístola aos
coríntios. Longe disso. Quando Pedro se dirigiu à multidão de judeus
devotos no dia de Pentecostes, presumivelmente em 30 d.C., ele já
proclamou a ressurreição de Jesus (At 2.24-36). Através de todo o livro de
Atos nós lemos que os apóstolos pregavam a doutrina da ressurreição tanto
a judeus como a gentios em Jerusalém, Antioquia da Pisídia, Atenas e
Roma. Esta doutrina era fundamental na pregação apostólica e revelou-se a
56
base da fé cristã (compare, por ex., At 17. 18).
No livro de Atos, Lucas descreve que muitos sacerdotes se convertiam ao
cristianismo. Estes sacerdotes não faziam parte da seita dos saduceus que não
criam na ressurreição. Sendo assim, seguramente eles também professavam a
55
56
BRUNT, 2011, p. 410.
KISTEMAKER, 2004, p. 727.
32
crença na ressurreição. De acordo com Stanley M. Horton "a igreja primitiva
proclamou a ressurreição de Jesus e dos crentes, apesar de que em Atenas alguns
tenham zombado da ideia da ressurreição".57
Brakemeier afirma que "as primeiras comunidades cristãs confessavam a
ressurreição dos mortos não por simpatia ou por fidelidade a alguma tradição. Mas
sim, por um motivo maior – a ressurreição de Jesus de Nazaré".58
2.2.1 A igreja de Corinto e a ressurreição
Toda comunidade, seja ela religiosa ou não, se torna fruto do meio em que
vive. Não foi diferente com a igreja de Corinto. A cultura grega fazia parte do
cotidiano dos crentes que ali residiam. Por mais que alguns não fossem originários
da região, eles agiam e pensavam como gregos.
Com o passar dos tempos iam assimilando o pensamento corrente do
momento, tornando-se cada vez mais multicultural sua maneira de interpretar a fé
cristã. O que se percebe é que em Corinto havia um relativismo com relação à
doutrina da ressurreição. Mauro Schwalm fala que “Toda a idéia da crença cristã na
ressurreição dos mortos era negada por uma parcela da comunidade”.59 Dentro da
comunidade havia pessoas que acreditavam e que não acreditavam na ressurreição,
sem contar aqueles que tinham pensamentos distorcidos a respeito do assunto.
A influência da filosofia grega mexeu com a fé dos crentes em Corinto.
Paulatinamente eles foram mesclando a fé cristã com os ensinos filosóficos.
A igreja de Corinto começou a abandonar a sua fé e a substituir a teologia
pela filosofia grega. A filosofia grega acreditava na imortalidade da alma,
mas não na ressurreição do corpo. Ela acreditava na vida futura, mas não
60
na ressurreição. Os gregos acreditavam no dualismo filosófico.
Este “casamento” entre a filosofia grega e a teologia não concederam
resultados satisfatórios para a igreja de Corinto. Os malefícios foram maiores que os
57
58
59
60
HORTON, 2012, p.147.
BRAKEMEIER, 2004, p. 36.
KÜMMEL, Werner Georg, 1982 apud SCHWALM, Mauro. Auxílio homilético: 1 coríntios 15. 20-28.
Proclamar Libertação, São Leopoldo: Sinodal, v. XXX, 2005. Disponível em:
<http://martimlutero.com.br/conteudo/1-corintios-15-20-28-1>. Acesso em: 13 nov. 2014.
LOPES, 2013, p. 274.
33
benefícios, se é que havia algum. A comunidade estava dividida. Uma única igreja
pregando o mesmo assunto de maneira dessemelhante.
Se a ressurreição foi pregada ou não pelo apóstolo Paulo, quando
evangelizou Corinto, é outro assunto. Mas, independente de qualquer coisa, ele não
permite que o assunto passe em branco. Antes, faz sua defesa baseado nas
escrituras de que a ressurreição é uma doutrina de grande importância para o
cristianismo e que não deveria ser tratada levianamente.
2.2.2 O apóstolo Paulo e a ressurreição em Corinto
À medida que o apóstolo Paulo se aproxima da conclusão da Primeira Carta
aos coríntios, ele se volta para a derradeira questão: alguns dentre eles estavam
ensinando que não existe ressurreição alguma aguardando os crédulos.
Não se sabe ao certo de quem, ou como, Paulo obteve estes
conhecimentos. Brakemeier afirma que “são desconhecidos os canais através dos
quais o apóstolo obteve a informação”.61 Mas, seguramente, foram pessoas que
faziam parte da própria comunidade que lhe informaram.
Independente do procedimento de tais informações, o que se sabe é que
havia um problema da natureza escatológica reinante ali. A igreja de Corinto vivia
uma esperança escatológica presente: eles esperavam que Jesus voltasse em seus
dias e que os acontecimentos concernentes a este evento ocorressem o mais breve
possível.
Portanto, por mais que Paulo, quando esteve em Corinto, tivesse
proclamado a ressurreição de Cristo aos crentes, o que se via eram interpretações
equivocadas a respeito da ressurreição.
É certo que nem todos simpatizavam com os pensamentos que tinham como
fonte a filosofia grega. Por exemplo, os judeus não acreditavam que havia uma
separação entre corpo e alma. Para eles, o ser humano era uma unidade indivisível.
Mas o problema estava aí e precisava ser solucionado, ou então colocaria em jogo
todo o evangelho. Paulo precisava abordar o tema com muita sabedoria e
fundamento sólido nas Escrituras para reverter o quadro caótico em que viviam os
crentes em Corinto. Foi o que ele fez:
61
BRAKEMEIER, 2008, p. 191.
34
Ele começa a mostrar que aquela negação não pode ser apoiada por um
momento sequer, pois a ressurreição do crente é parte integrante da fé.
Sem essa esperança, os cristãos seriam “os mais infelizes de todos os
homens”(v. 19). Paulo parte dos primeiros princípios. Mostra que a
ressurreição de Cristo é fundamental para o Evangelho, e daí, que a
62
ressurreição de Cristo implica na ressurreição do cristão.
Os perigos em não aceitar a ressurreição eram vários. Pois se não havia
ressurreição, consequentemente não haveria o juízo e cada qual poderia viver como
melhor entendesse; afinal de contas, os gregos não acreditavam que os mortos
ressuscitariam.
Paulo, como em nenhum outro lugar na Bíblia, trata deste tema com firmeza,
dizendo exatamente o contrário do que ensinavam os filósofos: os mortos
ressuscitam. A base de sua argumentação é a de que Cristo ressuscitou dentre os
mortos. Ele está vivo, e pode vivificar a todos quantos morreram.
Crer na ressurreição é crer na vida eterna, é esperar na certeza daquele que
vive pelos séculos dos séculos. A partir de então o apóstolo inicia sua defesa,
ensinando que a ressurreição tem como base as Escrituras Sagradas e a tradição
cristã, e que não é algo inventado por uma mera mente humana, ou quem sabe um
pensamento alucinado de um individuo ou de um grupo de pessoas fanáticas.
Paulo ensina a doutrina da ressurreição de Cristo a partir das Escrituras e
de numerosos relatos de testemunhas oculares (vs.1-11). Entre as
testemunhas oculares menciona os doze apóstolos, junto com Tiago e ele
próprio. Ele também observa que um grupo de quinhentos crentes vira
Jesus ressurreto. O testemunho dessas pessoas fortalece a fé dos leitores
63
em Cristo.
O apóstolo mostra para igreja de Corinto que o que eles estavam pregando
sobre a ressurreição era algo infundado, e que não tinha cabimento crer em Cristo e
ao mesmo tempo não crer na ressurreição. Era uma contradição com o evangelho
que uma vez aceitaram.
As controvérsias a respeito deste tema têm levado muitos a debater tal
assunto. Os questionamentos sobre o texto de 1 Coríntios 15 são muitos. Será que
Paulo não havia pregado sobre a ressurreição quando esteve em Corinto? De que
ressurreição estava falando? Da de Cristo, do ser humano, ou das duas?
62
63
MORRIS, 2008, p. 163.
KISTEMAKER, 2004, p. 729.
35
A questão não era apenas se os crentes ressuscitariam ou não, mas como
ocorreria esta ressurreição: seria no corpo, na alma? As dúvidas permeavam a
mente dos coríntios. O que Paulo pensava a respeito deste tópico? O que ele
realmente estava querendo dizer sobre a ressurreição?
Para responder a estas e outras indagações, faz-se necessário analisar
minuciosamente seu conteúdo, a partir do diferentes blocos de conteúdo. É o que
faremos no próximo capítulo.
3 A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15
Antes de começar a investigar o capítulo 15 de 1 Coríntios iremos dividir o
capítulo em blocos que chamaremos de unidade. Isto será feito para facilitar o
assunto em estudo, como também para não divagarmos do contexto do tema
descrito pelo apóstolo.
Portanto, o capítulo será dividido em seis unidades de versículos, nos quais
os versículos estarão agrupados. Além dos seis blocos, haverá um único versículo,
que será analisado, que não faz parte de nenhum dos blocos – é o versículo 12 que
estará acoplado na segunda unidade. Este versículo corresponde ao problema
levantando para estudo e faz ligação com a proposta de pesquisa do trabalho.
Sendo assim, a primeira unidade vai do versículo 1 ao versículo 11,
o
versículo 12 é o problema. Do versículo 12 até ao 19, temos a segunda unidade,
logo após, do versículo 20 ao 28, a terceira unidade. Em seguida, a quarta unidade
corresponde os versículos 29 ao 34, os versículos 35 ao 49 fazem parte da quinta
unidade, e, por último, dos versículos 50 ao 58 teremos a sexta e derradeira
unidade.
Depois desta subdivisão, iniciaremos a pesquisa analisando unidade por
unidade até concluirmos todos os 58 versículos que compõem o capitulo 15 de 1
Coríntios.
3.1 Unidade I: versos 1- 11
Após escrever a respeito dos carismas do Espírito, do amor como sendo
superior a qualquer outro dom, e da superioridade do dom da profecia em relação ao
da glossolalia (1Co 12-14), Paulo inesperadamente se volta para a questão da
ressurreição. Havia entre os coríntios alguns que andavam dizendo que não haveria
ressurreição dos mortos, trazendo com isto conturbação à igreja. Paulo se vê
compelido a fazer sua defesa apologética da ressurreição, e, em especial sentido,
como ela afetaria o corpo humano.
Para Paulo, a ressurreição dos mortos é o ponto nevrálgico da fé cristã, sua
essência, seu sentido, um dos pilares sobre o qual sustentam o cristianismo. É o que
será analisado nos versos seguintes do capitulo. No bloco inicial, Paulo retoma a
pregação que fundou a comunidade no que tange ao tema da ressurreição.
38
O texto bíblico64 inicia da seguinte maneira:
1.Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual
recebestes e no qual ainda perseverais;
2.por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la
preguei, a menos que tenhais crido em vão.
3.Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu
pelos nossos pecados, segundo as Escrituras,
4.e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.
5.E apareceu a Cefas e, depois, aos doze.
6.Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais
a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem.
7.Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos
8.e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido
fora de tempo.
9.Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser
chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus.
10.Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi
concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles;
todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo.
11.Portanto, seja eu ou seja eles, assim pregamos e assim crestes.
Paulo inicia sua defesa da ressurreição recordando o evangelho que,
segundo ele, uma vez os coríntios tinham aceito (v.1). Nota-se que o apóstolo já
havia pregado sobre a ressurreição para igreja de Corinto. O fato de Paulo dizer
“venho lembrar-vos” subtende que possivelmente os coríntios haviam se esquecido
do que ele já tinha anunciado anteriormente quando esteve na cidade. Todavia, por
mais que alguns tenham se esquecido, se este for o caso, “o apóstolo tão somente
lembra o que aqueles cristãos já sabem”;65 não estava declarando nada novo ao
conjunto de crenças que uma vez havia sido aceito pela comunidade cristã em
Corinto. Kistemaker afirma que “Paulo estava ensinado mais uma vez o evangelho
que já havia ensinado em dias anteriores”.66 Mas, desta vez, pelo que parece ele faz
uma exposição mais detalhada desta doutrina.
Depois de tais declarações, Paulo faz um elogio dizendo que eles estavam
perseverando no que haviam recebido. Tal elogio nos leva a crer que nem todos em
Corinto eram contrários à fé apostólica no Cristo ressuscitado.
Após o elogio, vem uma advertência. No versículo 2, Paulo fala que é a fé
neste evangelho que salva. Portanto, os coríntios estavam correndo um sério risco
ao se desviarem deste evangelho que lhes fora proclamado e ensinado. No início do
64
65
66
A versão bíblica utilizada nesta pesquisa será: A BÍBLIA Sagrada. rev. atual. 2. ed. Barueri:
Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
BRAKEMEIER, 2008, p. 192.
KISTEMAKER, 2004, p. 729.
39
versículo 2, Paulo enfatiza o “poder do evangelho para salvar quem nele depositar
confiança”,67 não como se a salvação fosse um ato ocorrido no passado, mas como
algo contínuo na vida do crente. Paulo enfatiza a fé permanente que um dia salvou e
que continua realizando este processo salvífico que ocorre enquanto permanecerem
no evangelho que ele proclamou. Pois, conforme o texto, Paulo enfatiza a
permanência dos crentes de Corinto em continuar crendo no evangelho, que uma
vez receberam.
Por ele é “por meio dele”. O evangelho é o meio que Cristo usa para efetuar
a salvação. Sois salvos é presente contínuo, significando, “estais sendo
salvos”. Há um sentido em que a salvação é uma vez por todas (como no,
“o qual recebestes”, do v. 1), e também há um sentido em que ela é
progressiva (ex., 1:18; 2 Co 2:15). É para este caráter progressivo da
salvação que Paulo dirige a atenção. A salvação não é esgotada pela
experiência do homem quando ele começa a crer. É algo que vai avante, de
68
força em força e de glória em glória.
Os crentes em Corinto estavam correndo risco em depositarem sua fé no
passado, ou seja, na salvação69 que havia ocorrido no passado quando abraçaram o
evangelho. Apesar de terem tomado uma posição e permanecido neste evangelho
de Paulo, não poderiam se considerar salvos definitivamente como se não restasse
mais nada neste processo salvífico, pois só continuariam sendo salvos se
permanecessem firmes à palavra que Paulo pregara. Salvo uma vez, não significa
salvo para sempre. Conforme Stanley M. Horton, se não permanecessem no
evangelho “até a convicção inicial que tiveram teria sido vã, inútil, sem propósito”;70
porquanto, este evangelho provem de Cristo e não de Paulo simplesmente.
67
68
69
70
BRAKEMEIER, 2008, p. 193.
MORRIS, 2008, p. 164.
O grego é mais claro do que as nossas traduções revelam; um exame cuidadoso dos tempos
verbais ajuda. Observe que Paulo emprega o tempo presente para os verbos ser salvo e
permanecer. Ele louva os coríntios porque receberam o evangelho e se firmaram nele. Isso é
fundamental, porque o que aconteceu no passado ainda é valido no presente. Em seguida Paulo
diz que os coríntios são salvos. Em outra parte ele ensina que a salvação é um processo que, por
um lado, os crentes devem desenvolver plenamente, e, por outro, Deus efetua por sua operação
dentro deles (Fp 2.12,13). Isto quer dizer que os crentes estão sendo salvos, contanto que se
apeguem ao evangelho e o apliquem à própria vida. Deus está operando no processo da salvação
e segura os crentes. Ele quer que eles se segurem nele, obedecendo à sua Palavra. [...]
Inversamente, as pessoas que em certo tempo creram, mas subsequentemente se recusaram a
basear-se com firmeza na Palavra de Deus, fornecem a evidência de que quebraram o acordo da
fé com Deus. Em cosequencia, consideram o evangelho como não tendo nenhum valor para eles (
comparar com Hb 4.2). São pessoas que creram em vão e cuja fé temporal nada valeu (Mt 7.22,
23; 25.11,12). KISTEMAKER, 2004, p. 731-732.
HORTON, 2012, p. 147.
40
Portanto, o apóstolo Paulo afirma que "os crentes que continuam a se
segurar em Cristo e a obedecer à palavra de Deus estão a salvos e seguros. Deus
nunca os abandonará, pois eles lhes pertencem".71
No verso 3, Paulo argumenta que o que ele proclamou aos coríntios não era
algo que surgiu dele mesmo, ou fruto de sua imaginação, criado a partir de suas
convicções teológicas; pelo contrário, o que ele está proclamando não é nada mais
do que a mensagem de Jesus Cristo. Ele está entregando aos coríntios aquilo que
recebeu. E o que ele recebeu tinha grande importância tanto para ele quanto para a
igreja, pois vinha do próprio Senhor Jesus.
“Pois eu lhes entreguei aquilo que também recebi como sendo de primeira
importância.” Paulo declara que o evangelho não é um ensino que ele
próprio formulou. Ele indica que o recebeu do Senhor (Gl 1.12) e que
considerou o ensino dos apóstolos como sendo uma tradição autorizada
que teve origem em Jesus Cristo. Ao receber esse ensino, coube-lhe a
obrigação de passá-lo adiante tanto a judeus como a gentios (At 20.21) e ao
72
mesmo tempo servir como seu guardião (compare 11.23).
O argumento de Paulo não está fundamentado apenas no testemunho de
Jesus e/ou dos apóstolos, mas também se solidifica nas Escrituras, ou seja, no
Antigo Testamento. O apóstolo Paulo “está enfatizando a centralidade daquilo que
lhes havia sido entregue: a mensagem do evangelho”.73 Hernandes Dias Lopes
compartilha esta ideia ao afirmar que:
Cristo morreu pelos nossos pecados segundo a Escritura. Sua morte não foi
um acidente nem Sua ressurreição uma surpresa. Tudo já estava
profetizado. Jesus ressuscitou, conforme dizem as Escrituras. A
ressurreição de Cristo foi um acontecimento histórico, profetizado pelo
74
próprio Deus.
Esse acontecimento histórico abrange mais que historicidade, é uma
ocorrência escatológica profetizada no Antigo Testamento. A morte de Cristo é um
fato que não pode deixar ser passado por alto, não simplesmente porque ele
morreu, mas por que esta morte não é uma morte qualquer; nela encontramos um
significado maior do que se pode imaginar. De acordo com Leon Morris, “a morte
que Cristo sofreu foi uma morte expiatória. Foi pelos nossos pecados. [...] Paulo não
71
72
73
74
KISTEMAKER, 2004, p.732.
KISTEMAKER, 2004, p.732 .
RICHARDS, 2012, p.361.
LOPES, 2013, p. 275.
41
menciona passagens específicas, mas Is 53 estará particularmente em mente".75 Em
consonância com Morris, Brakemeier afirma que "todo o Antigo Testamento
prenuncia a chegada da salvação em morte e ressurreição de Cristo".76
Para Paulo, a morte de Cristo foi uma morte substituta na qual todos nós
temos o direito à vida pelo fato de Cristo ter morrido por nós. Não crer no sacrifício
vicário de Cristo seria permanecer em pecado; pois através do sacrifício feito por
Jesus temos o perdão dos pecados.
Observe que Paulo usa o nome Cristo, e não Jesus, para indicar o papel
oficial dele como Messias. Com sua referência ao Antigo Testamento, Paulo
aponta para a profecia de Isaías. [...] Isaías escreve ainda que nossos
pecados foram colocados sobre o servo, e que ele morreu pelos pecados de
seu povo (Is 53.5,6. 8,9; ver também Sl 22.16; 1Pe 3.18). [...] Quando
instituiu a Ceia do Senhor, Jesus deu expressão verbal à doutrina de que o
Messias morreu pelos pecados de seu povo. [...] Em suma, Cristo não só
nos representa diante de Deus, mas também toma nosso lugar, morrendo
77
na cruz por nossos pecados.
Ao se reportar ao Antigo Testamento, Paulo sustenta sua tese de que a
crucifixão de Cristo era o cumprimento das profecias veterotestamentárias que
apontavam para o sacrifício vicário do Messias de Deus.78
Já na primeira parte do verso 4, nota-se a ênfase que Paulo dá quando diz
que “ele foi sepultado”. No verso 3, ele diz que Cristo morreu, e, em seguida, diz que
ele foi sepultado. O fato de Paulo destacar o sepultamento de Jesus nos leva a crer
que o que ele mais queria era dizer que Jesus realmente tinha morrido. Não foi algo
feito às escondidas; teve todo o processo fúnebre/litúrgico pelo qual um ser humano
passa quando morre. Ele, Cristo, verdadeiramente havia morrido.
Mas nem mesmo a morte pode derrotá-lo. Ele ressuscitou. Quebrou as
barreiras da morte. Ela não conseguiu aprisioná-lo. O túmulo não suportou a
presença de Cristo.
Em se falando da ressurreição, é acrescentado que Ele não só ressuscitou,
mas que tudo isto ocorreu ao terceiro dia em conformidade com as Escrituras.
75
76
77
78
MORRIS, 2008, p. 165.
BRAKEMEIER, 2008, p.194.
KISTEMAKER, 2004, p. 733-734.
KISTEMAKER, 2004, apud RIDDEBOS, 1975, p.188. A cláusula Cristo morreu por nossos
pecados é o resumo doutrinário da expiação. Como nosso substituto, Cristo morreu para satisfazer
Deus e corresponder às demandas da lei (Rm 3.25, 26; 5.9-19).
42
Quando fala das Escrituras, ele, Paulo, está se reportando ao Antigo
Testamento. Para Paulo, escritos hebraicos já havia prenunciado a morte e
ressurreição do Messias.
Em seguida, no verso 5, Paulo faz menção ao nome de Pedro como
testemunha ocular deste fato ocorrido. Mencionar o nome de Pedro dava um peso
muito grande à sua pregação, pois Cefas, como Paulo o chamava, ocupava uma
posição de liderança muito estimada entre os discípulos e na sociedade cristã
primitiva. Esta lista de testemunhas encabeçada por Pedro vai ganhando mais
confiabilidade nos versos 6 a 8.
No intuito de cimentar mais a credibilidade da ressurreição de Jesus, Paulo
amplia o credo por uma lista de mais outras testemunhas (v 6-8). [...] Paulo
faz questão de ressaltar que, no momento da redação da carta, portanto
cerca de vinte anos depois, a maioria das pessoas continua viva, podendo
79
ser, em tese, consultada. Alguns, porém já faleceram.
Mais de quinhentas pessoas era um número consideravelmente importante,
até porque seria quase que impossível esta quantidade de pessoas estarem em
comum acordo para testemunharem algo que não fosse verídico – se este fosse o
caso. À lista dos quinhentos é acrescentado o nome de Tiago. Para a maioria dos
especialistas, este Tiago é o irmão de Jesus, quem desempenhou um papel
fundamental na liderança da igreja de Jerusalém em seus primórdios.
Na segunda parte do verso 7, Paulo faz referência aos apóstolos como
testemunhas dos fatos ocorridos.
Finalmente, no verso 8, ele encerra a lista de pessoas que viram Jesus
ressuscitado. E para fechar o grupo de crentes que viram a Cristo, após sua morte,
Paulo menciona seu próprio nome como sendo alguém que também havia
presenciado - é claro - em outro momento, o Cristo ressuscitado. Conforme Morris,
"Paulo coloca a visão que teve no caminho de Damasco no mesmo nível das outras
aparições da ressurreição. Ele pensa em si como o último da fila dos que viram o
Senhor".80 E se, porventura, houvesse alguém que não estivesse acreditando no que
ele estava falando, poderia ir pessoalmente e conferir com todos os que havia
presenciado o Cristo ressurreto.
79
80
BRAKEMEIER, 2008, p. 196.
MORRIS, 2008, p. 166.
43
Em seguida, no verso 9, ele se intitula como sendo o menor dentre os
apóstolos, até porque muitos não o consideravam como “seguidor de Jesus”, mas,
sim, um perseguidor da igreja de Cristo. O próprio Paulo diz que se achava indigno
de ser chamado de apóstolo de Jesus, pois ele perseguira a igreja de Deus. Paulo
não se esqueceu de que havia perseguido a igreja de Deus, e tampouco olvidou da
graça de Deus concedida a ele como um favor imerecido quando Jesus o encontrou
no caminho para Damasco.
Foi esta graça sem igual que fez com que Paulo se tornasse quem ele era –
um instrumento poderoso nas mãos de Deus. No verso 10, vemos que a graça é o
suporte de Paulo para proclamar as novas do reino de Deus. Se não fosse esta
graça, ele não seria ninguém. A graça era o motor que o impulsionava para ir
adiante.
Paulo conclui o primeiro bloco deste capítulo afirmando que não só ele,
como também todos os apóstolos proclamavam estas boas novas da morte de
Jesus. Assim foi pregado na comunidade, e assim os coríntios creram.
3.2 Unidade II: versos 12-19
Ao fazer no verso 12 a declaração de que “Cristo ressuscitou dentre os
mortos”, Paulo estava colocando em cheque a afirmação de alguns membros da
igreja de Corinto de que “não há ressurreição de mortos”. Afirma ele, "Ora, se é
corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam
alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos?"
A pregação de que Cristo ressuscitou dentre os mortos era algo corrente
entre os apóstolos, pois os seguidores de Jesus proclamavam abertamente a
respeito deste acontecimento. Nada estava às ocultas. Falar da ressurreição de
Jesus para seus seguidores era normal, pois este era o ponto central da fé cristã na
igreja primitiva. Sua esperança maior se firmava neste acontecimento.
Paulo questiona então a igreja de Corinto: como é que alguns deles
afirmavam que não havia a ressurreição de mortos, sendo que praticamente toda a
igreja cristã primitiva afirmava que de fato o Cristo foi ressuscitado? Willian Barclay
destaca que:
44
É de muita importância recordar que os coríntios não negavam a
ressurreição de Jesus Cristo; o que negavam era a ressurreição do corpo; e
o que Paulo insiste é que se alguém nega a possibilidade da ressurreição
81
do corpo nega a possibilidade da ressurreição de Jesus Cristo.
Conforme Udo Schnelle, um dos fatores que contribuíram para a negação da
ressurreição dos mortos, em Corinto, foi a compreensão que eles tinham a respeito
do corpo e da alma.
Partes da comunidade coríntia negaram uma ressurreição futura dos mortos
[...]. Eles pensavam provavelmente de modo dicotômico, isto é, distinguiam
entre alma invisível do Eu e o corpo visível. [...], para os coríntios, o corpo
ainda não era uma grandeza negativa em si; antes, ele era, segundo sua
convicção, excluído da salvação escatológica por ser uma grandeza
terrestre-corruptível. [...]. Como eles entenderam o corpo como corruptível e
mortal, mas a alma como incorruptível, os coríntios rejeitaram uma
82
ressurreição escatológica do corpo.
O problema todo se deu provavelmente pelo fato de enfatizarem o valor da
alma em detrimento do corpo. Afinal de contas, a única utilidade do corpo era servir
de recipiente para abrigar a alma enquanto estivessem vivos. Pensando desta
maneira, o corpo se torna algo descartável. Não havia a necessidade de se
preocupar com ele; o mais importante era o incorruptível, a alma.
Ao analisar o verso 12, nota-se que o problema de Paulo com a igreja de
Corinto não era apenas que eles não acreditavam na ressurreição de Jesus. Pelo
que parece, o problema estava mais em alegar que os mortos não ressuscitariam, e
não que Cristo ressuscitou ou não.
Eles tinham na verdade crido em vão, a fé que possuíam era inútil. Ainda
que aceitassem a pregação de que Cristo tinha ressuscitado dos mortos (e
ainda estava vivo), eles diziam que não havia ressurreição de mortos (isto é,
83
dos crentes mortos).
Tudo indica que eles criam na morte e ressurreição de Cristo, mas não
aceitavam a ideia de que os crentes mortos ressuscitariam, ainda mais com um
corpo literal.
81
82
83
"Es de mucha importancia recordar que los corintios no negaban la resurrección de Jesucristo; lo
que negaban era la resurrección del cuerpo; y en lo que Pablo insiste es en que si alguien niega la
posibilidad de la resurrección del cuerpo niega la posibilidad de la resurrección de Jesucristo".
BARCLAY, William. I y II Corintios. Buenos Aires: La Aurora, 1973. v. 9 p. 149.
SCHNELLE, Udo. Teologia do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo:
Paulus, 2010. p. 290-291.
HORTON, 2012, p. 150.
45
A unidade II inicia, portanto, com o problema que nos ocupa em nossa
pesquisa: Paulo interroga os coríntios pelo fato de haverem alguns dentre eles
afirmando que não havia ressurreição dos mortos, sendo que o ocorrido - a
ressurreição de Cristo – era um fato marcante, e amplamente divulgado pelos
seguidores de Jesus.
12.Ora, se é corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos,
como, pois, afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos?
13.E, se não há ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou.
14.E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé;
15.e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos
asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não
ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam.
16.Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou.
17.E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos
vossos pecados.
18.E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram.
19.Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os
mais infelizes de todos os homens.
Para corroborar sua tese de que os mortos ressuscitarão, Paulo se utiliza de
um argumento básico da fé cristã – a ressurreição do próprio Cristo. “Paulo
demonstrou que a ressurreição de Cristo é central para o evangelho”.84 Ela é o
fundamento da fé. Ele finaliza o verso 12 com uma pergunta: “como, pois, afirmam
alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos?
No verso 13, Paulo começa a responder a pergunta do verso anterior. Ele
faz uma réplica ao questionamento que é feito a respeito da ressurreição dos
mortos, levando o interlocutor mais uma vez a entender que é impossível
desvincular a ressurreição de Cristo da ressurreição dos mortos. Pois, “negar a
ressurreição dos mortos seria o equivalente a negar a ressurreição de Cristo”.85 Ou
seja, o assunto que está em jogo é mais sério do que se imagina.
O verso 14 é uma continuação do argumento de Paulo no verso treze, no
qual ele diz “[...] então Cristo não ressuscitou”. Não crer na ressurreição dos mortos
era mais complicado do que se poderia mensurar, pois Cristo ressurgiu dos mortos,
ele foi a “primícia dos que dormem”, e se ele ressuscitou do “mundo dos mortos” é
porque esteve morto e seguramente os mortos ressuscitarão, assim como ele.
84
85
MORRIS, 2008, p. 168.
LOPES, 2013, p. 277.
46
Por sua vez, as consequências de não crer neste ocorrido seria devastador
não só para os crentes de Corinto, como também para os apóstolos e todos aqueles
que alguma vez pregaram sobre a ressurreição. Paulo chega a dizer que se
continuassem a pensar desta maneira, tudo o que se fez teria sido em vão. Tudo
não passaria de um mero ensaio figurado, e mais ainda, a crença deles não fazia
sentido algum e, em consequência, Paulo não passaria de mentiroso e charlatão,
anunciando algo inverídico. “Juntamente com o evangelho, também os apóstolos
estariam desacreditados”.86
O que se vê no verso seguinte (16) é uma repetição do que Paulo havia dito
no verso treze. Tudo indica que tanto aqui quanto lá ele inicia com uma suposição
como base para fazer sua réplica no versículo posterior. Note que a repetição da
frase –“se não há ressurreição de mortos” serve como suporte para introdução de
outro assunto que Paulo quer dar ênfase.
Neste caso, no versículo 17, ele argumenta que a ressurreição de Cristo faz
parte da ação redentora de Deus.
De modo negativo, ele examina os resultados de se repudiar essa doutrina:
crer que a pregação dos apóstolos e a fé dos crentes é vazia e impotente.
Sem proclamar a doutrina da ressurreição, os pregadores pronunciam
mentiras, as pessoas permanecem em pecado, crentes que morreram em
Cristo estão perdidos... Por isso, quando opositores da fé cristã atacam e
minam a doutrina da ressurreição, o que querem é destruir os alicerces do
Cristianismo. [...] Quais são as ramificações de uma fé sem valor? Primeiro,
se Cristo não ressuscitou do túmulo, ele está morto; Um Cristo morto é
incapaz de justificar os crentes; e crentes não justificados permanecem em
seus pecados. [...]. Sem o Cristo ressurreto não existe justificação, sem a
justificação não existe fé viva, e sem a fé viva não existe perdão dos
87
pecados.
Para piorar ainda mais a situação, além de permanecerem em seus
pecados, eles, então, poderiam perder suas esperanças de se reencontrar com os
queridos que haviam morrido, pois a ressurreição de Cristo é a garantia de que a
vida não termina aqui, quando morremos. Sem ela tudo seria sem sentido. Sendo
assim, tudo termina quando morremos, não restando mais nada além disso.
Comentando o versículo 18, Richards diz que “a ressurreição de Cristo foi
proclamada como evidência da efetividade de sua morte ao providenciar nossa
86
87
BRAKEMEIER, p. 200.
KISTEMAKER, 2004, p. 747, 754.
47
salvação e como evidência de que algum dia o crente também ressuscitaria”.88 O
evangelho de Cristo é a proclamação da vida, portanto, faz-se necessário crer que
Jesus vive, ele venceu a morte, ela não tem poder sobre ele e sobre todos os que
estão nele.
Não estar em Cristo é limitar-se apenas a este mundo passageiro, é
congratular-se com o agora, na certeza de que nossos dias findarão aqui nesta terra.
Portanto, o que Paulo está dizendo, no versículo 19, é que a esperança na
ressurreição é ilimitada, não pode ter fim. Os privilégios decorrentes daquele que crê
e espera no Cristo ressurreto não podem ser passageiros nem momentâneos, eles
permanecem pela eternidade. Caso contrário, não passamos de nevoa que o vento
leva de um lado ao outro, sem sabermos onde tudo findará.
3.3 Unidade III: versículos 20-28
A unidade III é formada por nove versículos. No primeiro deles – o versículo
20 – Paulo retoma seu discurso afirmando enfaticamente que Jesus ressuscitou.
Para melhor compreensão da igreja, o apóstolo se utiliza de algo familiar aos
ouvintes. Ele compara a ressurreição de Cristo com os primeiros frutos de uma
colheita, quando todos se alegram, sabendo que dentro em pouco tempo o restante
da plantação também estará pronta para ser ceifada. Portanto, Cristo é “o primeiro
fruto” que prenuncia o amadurecimento dos outros que virão depois.
20. Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias
dos que dormem.
21. Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a
ressurreição dos mortos.
22. Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos
serão vivificados em Cristo.
23.Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os
que são de Cristo, na sua vinda.
24. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando
houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder.
25. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos
debaixo dos pés.
26. O último inimigo a ser destruído é a morte.
27. Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos pés. E, quando diz que
todas as coisas lhe estão sujeitas, certamente, exclui aquele que tudo lhe
subordinou.
28. Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio
Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que
Deus seja tudo em todos.
88
RICHARDS, 2012, p.362.
48
A partir do versículo 21, Paulo se volta para o início da criação. Ele relembra
aos coríntios que a morte passou a existir por meio de um homem, de igual maneira,
por meio de um homem veio à ressurreição.
No versículo 22, ele descreve quem são esses dois homens. O primeiro, que
gera a morte, é Adão, e o segundo, de onde provém a vida, é Cristo. Em Adão
herdamos a morte, em Cristo herdamos a vida. Morris declara:
O pecado de Adão trouxe desgraça não só a ele, mas também a toda a sua
posteridade. Mas se o pecado de Adão teve consequências de tão amplo
alcance, assim também as teve a ressurreição de Cristo. [...] Em Adão todos
morrem, indica-nos a mortalidade da raça pelo parentesco que nos liga ao
progenitor da raça. [...] Mas como o pecado trouxe inauditas consequências
do mal, assim a obra expiatória de Cristo trouxe inauditas consequências do
bem. [...] Em Adão, todos os que devem morrer, morrem; em Cristo, todos
89
os que devem viver, vivem.
Além do mais, de acordo com o versículo 23, essa ressurreição segue uma
ordem cronológica, sendo Cristo o primeiro, o principal; e somente depois, na sua
segunda vinda, se efetivará de fato a ressurreição daqueles que morreram em
Cristo.
Todos os que estão em Cristo permanecem solidários a Ele, da mesma
forma que todos os homens que estão em Adão permanecem solidários a
Adão. Todos em Adão partilham da morte de Adão, da mesma forma como
todos que estão em Cristo partilharão da vida de Cristo. [...] A ressurreição
de Cristo e daqueles que pertencem a Cristo constituem duas partes de
uma única entidade, dois atos em um único drama, dois estágios de um
único processo. O relacionamento temporal não é importante. Não importa
quanto tempo demoraria o intervalo entre esses dois estágios da
90
ressurreição.
O importante não era quando ocorreria a ressurreição, mas sim que um dia
isto iria acontecer, cedo ou tarde. Os crentes podiam ficar confiantes na promessa
da ressurreição, pois o próprio Cristo ressuscitou e a garantiu a todos quantos estão
nele. Quando este evento tão esperado iria acontecer, é algo que Paulo nos informa
nos versículos 24 e 25.
Conforme o versículo 24, subtende-se que tudo se sucederia antes do fim,
após a destruição dos poderes do mal. Brakemeier explana os versículos 25 e 25 da
seguinte maneira:
89
90
MORRIS, 2008, p. 171-172.
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1985. p. 465.
49
Paulo situa a ressurreição dos cristãos no momento da volta de Cristo, de
seu “advento” escatológico, ao qual segue imediatamente o fim (cf. 1.7s). A
sequência é semelhante à que se observa em Dn7 com respeito ao
aparecimento do Filho do homem (7.13), à passagem do reino aos Santos
do Altíssimo (7.18) e, enfim, à instalação do reino eterno (7.27). O interesse
do apóstolo consiste em destacar que a ressurreição dos mortos, exceto a
de Cristo, ainda não aconteceu. [...] Ao apregoar Jesus Cristo como
encarregado para aniquilar (as forças do mal) e restabelecer o domínio de
Deus no cosmo, Paulo nada mais faz do que desdobrar as implicações da
91
confissão kyrios Iesus (8.6; 12.3; etc).
Após serem ressuscitados os crentes, Jesus porá fim a toda hoste do mal,
ele destruirá, e eliminará de vez todos os demônios e todos os poderes opressores
do inimigo de Deus deixarão de existir. Depois de ter aniquilado o mal, Cristo
entregará o reino ao Pai. O reino que foi confiado a Ele subsistiu às forças malignas
e venceu o inimigo mais temível do reino dos homens – a morte.
A morte é o inimigo mais temido pela humanidade, nela todo sonho termina
em pesadelo, toda alegria se torna tristeza, o real passa ser irreal, o existente deixa
de existir, a esperança acaba, saímos do palco da vida para o anonimato da morte.
É o último inimigo a ser destruído por Cristo, diz Paulo, no versículo vinte seis.
Não há artigo grego, e a palavra para “último” ocupa o primeiro lugar na
frase, enfatizando a finalidade da vitória de Cristo sobre toda a oposição,
mesmo sobre o inimigo mais temido: a morte. O fim da morte coincidirá com
o fim do pecado. Quando não houver mais pecado, não haverá mais morte,
pois a morte é a consequência do pecado (ver com. De Rm 6:21, 23; Tg
1:15). Alguns afirmavam que não havia ressurreição e que a morte era o fim
de tudo. O apóstolo dá a surpreendente resposta de que, no plano de Deus,
92
finalmente não haverá morte, pois ela será destruída.
O versículo 27 fala da soberania de Cristo sobre todas as coisas criadas,
como se tudo estivesse sob seu domínio. Pois Deus Pai sujeitou todas as coisas a
Cristo, exceto Ele. Quando se fala de todas as coisas, não está se referindo ao Pai.
A intenção do autor não é dizer que o Pai está sob o domínio de Cristo, pois, no final
do versículo, Paulo argumenta que tudo está sujeito, exceto “aquele que tudo lhe
subordinou”, ou seja, o Pai.
Os versículos 27 e 28 são uma explanação mais detalhada dos versículos
24 e 25. É como se Paulo estivesse fazendo um comentário explicativo para que o
91
92
BRAKEMEIER, 2008, p. 204-205.
NICHOL, Francis D. (Org.). Comentário bíblico adventista do sétimo dia. Tatuí: Casa Publicadora
Brasileira, 2014. p. 886.
50
leitor e o ouvinte pudessem compreender melhor o que ele estava querendo dizer
nos versículos supracitados.
Assim como o Pai uma vez sujeitou tudo a Cristo, de igual maneira, quando
Cristo tiver derrotado toda a potestade do mal, e vencido o último inimigo da
humanidade que representa a força final do pecado, a morte, Ele então entregará
tudo a Deus o Pai.
Jesus Cristo cumpre o papel de segundo Adão e ministra este universo
como governador nomeado por Deus. [...] Quando todo poder hostil,
incluindo a morte, já se tiver tornado em apoio dos pés dele, é chegado o
tempo para o Filho submeter o reino a seu Pai. Isso significa que em seu
ofício de Redentor e Mediador Cristo é sujeito a Deus Pai. Quando ele tiver
completado a tarefa que Deus lhe designou, ele entrega o reino para Deus.
[...] Quando o Filho entregar o reino a Deus, então o fim já chegou; então o
único soberano é o próprio Deus. Ele nomeou seu Filho e deu-lhe
autoridade, que Deus recebe de volta quando o Filho completar o trabalho
93
dele. Deus, então, é o soberano por excelência.
A partir destas considerações, Paulo se volta novamente para o tema da
ressurreição. Mais uma vez ele questiona a negação da ressurreição afirmada por
alguns com a vida prática deles, que contradizia o que afirmavam. Isto é o que
veremos na próxima unidade.
3.4 Unidade IV: versículos 29-34
Ainda que não existam outras informações bíblicas a respeito do batismo
pelos mortos que Paulo menciona no versículo 29, o texto demonstra que havia
certa prática batismal realizada em prol daqueles que morreram sem ter aceito a
Cristo quando ainda estavam vivos. Como o batismo era considerado o ritual central
da fé cristã para aqueles que desejassem fazer parte do reino de Deus, seria então
necessário passar por ele para desfrutar da vida eterna do reino vindouro.
Sendo assim, aqueles que morreram sem passar por esta experiência não
teriam mais oportunidade presente de adentrar ao reino de Cristo. Portanto, para
solucionar esta questão, eles realizavam um batismo substituto em lugar de seus
entes queridos que uma vez tinham partido deste mundo.
Por isso, Paulo tematiza apenas em 1 Cor 15:29 o costume – que pode
parecer estranho – do batismo vicário, porque ele mostra, contra a intenção
dos coríntios, que uma compreensão puramente espiritual da ressurreição
93
KISTEMAKER, 2004, p. 771.
51
não faz jus à natureza do batismo. Em Corinto, cristãos aceitavam ser
batizados em lugar de parentes que faleceram sem batismo, na esperança
de que também aqueles teriam proveito da força do batismo que supera a
94
morte.
Paulo vê muita incoerência, nesse contexto, no batismo vicário. O texto
também não está dizendo que Paulo apoiava tal atitude, mas sim que não tinha
como conciliar a linha de raciocínio deles. Pois como afirmam que não existe
ressurreição, e ainda assim realizam batismos pelos mortos? Ou existe vida futura
ou não, e se não existe, porque preocupar-se com aqueles que já se foram, a ponto
de realizar batismo substituto?
29. Doutra maneira, que farão os que se batizam por causa dos mortos? Se,
absolutamente, os mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa
deles?
30. E por que também nós nos expomos a perigos a toda hora?
31. Dia após dia, morro! Eu o protesto, irmãos, pela glória que tenho em vós
outros, em Cristo Jesus, nosso Senhor.
32. Se, como homem, lutei em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se
os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã
morreremos.
33. Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes.
34. Tornai-vos à sobriedade, como é justo, e não pequeis; porque alguns
ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa.
No versículo 30, Paulo se volta para o estilo de vida que ele e todos os que
proclamam o evangelho levam para poder transmitir estas boas novas. Ele
argumenta o fato de sempre estarem se expondo a perigos, correndo risco de vida.
Ele faz um paralelo entre os motivos dele sofrer pelo evangelho e os motivos deles
se batizarem pelos mortos. Ou seja, Paulo não enfrentava todos os sofrimentos por
que era um masoquista ou por que gostava de enfrentar perigos a ponto de perder a
vida, pelo contrário, ele tinha a certeza de que havia uma vida futura, ainda que
viesse a padecer. Não era diferente dos que se batizavam pelos mortos: se faziam
isto era por que também esperavam em algo após a morte.
Não se sabe ao certo a que Paulo está se referindo no versículo 31 quando
diz: “Dia após dia, morro”. O que sabemos é que o sofrimento de Paulo ocorria todos
os dias. Ele enfrentava a morte a todo instante, mas, ainda assim, ele não tinha
motivos para gloriar-se na conversão dos irmãos de Corinto, atribuindo tudo a Jesus
Cristo.
94
SCHNELLE, 2010, p. 279-280.
52
No versículo 32, Paulo chega a comparar seu sofrimento como alguém que
se põe a lutar com animais selvagens. Ele comenta que “lutou com feras quando
esteve em Éfeso”. Ainda que não se possa afirmar que este incidente seja literal,
pois provavelmente Paulo não tenha sido colocado para lutar com animais como se
fosse um gladiador, tudo indica que ele estava se referindo à sua “luta com feras
num sentido figurado, mas ainda que não, Paulo continua seu discurso dizendo que
não teria sentido algum passar por todos estes sofrimentos se a vida termina aqui
neste mundo. Ele conclui o versículo citando um adágio popular, que por sua vez
havia sido citado em Isaías 22.13. Era como se ele estivesse dizendo: se não há
ressurreição, aproveitemos o momento.
Esta parece ser uma referência figurada ao episódio da luta de Paulo com
adversários ferozes em Éfeso (cf. At 19: 23-41). Um cidadão romano não
podia ser punido sendo forçado a lutar com animais ferozes. [...] Seria tolice
de Paulo, ou de qualquer pessoa, passar por privações, dificuldades e
perseguição a fim de pregar o evangelho da salvação do pecado e da
95
felicidade futura e eterna se os mortos não ressuscitarão.
No versículo 33 Paulo se apropria de um dito do poeta grego Menandro que
viveu por volta do quarto século a. C. Paulo os alerta para não se deixarem levar por
conversações que desviam do verdadeiro significado do evangelho de Cristo. Eles
deveriam tomar cuidados com o que conversavam, e que tipo de pessoas fazia parte
do seu ciclo de amizade. A companhia de indivíduos que pregassem o contrário ao
ensinamento dele, e dos apóstolos, devia ser evitada. Pois estar ao lado de pessoas
que não acreditavam na ressurreição dos mortos e que diariamente conversavam a
respeito deste assunto, poderia desvirtuá-los e fazer com que pouco a pouco fossem
sendo contaminados com ideias distorcidas e que não contribuiriam para o
crescimento espiritual e moral deles.
Paulo chega a dizer, no versículo 34, que eles estavam atordoados, como se
não tivessem noção de espaço e tempo; como um ébrio que fala – como diz um
adágio popular – “pelos cotovelos”. Tinham que acordar para a realidade, se de fato
quisessem viver uma vida digna de um verdadeiro cristão. Caso contrário, estariam
dando asas à imaginação, caminhando rumo a um caminho sem volta, permitindo
que o pecado reinasse em suas vidas.
95
NICHOL, 2014, p. 889.
53
Agir desta maneira era como se não conhecessem a Deus. E pelo que
parece, Paulo diz que alguns dos membros da igreja de Corinto, na verdade, não
conheciam a Deus, pois se o conhecessem, não permitiriam serem levados por
qualquer vento de doutrina, o que se tornara em vergonha para eles mesmos.
3.5 Unidade V: versículos 35-49
A quinta unidade trata de demonstrar que forma teria os ressuscitados:
teriam corpos ou seriam apenas espíritos? E se tivessem corpos, como seriam estes
corpos? Paulo procura desenvolver seu discurso a partir do versículo 35, no qual se
utiliza de perguntas retóricas para poder responder a tais indagações. Duas
perguntas dos coríntios abrem esta seção, e, por trás delas, Paulo busca criar uma
ponte teológica para poder defender sua tese.
35.Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm?
36.Insensato! O que semeias não nasce, se primeiro não morrer;
37.e, quando semeias, não semeias o corpo que há de ser, mas o simples
grão, como de trigo ou de qualquer outra semente.
38.Mas Deus lhe dá corpo como lhe aprouve dar e a cada uma das
sementes, o seu corpo apropriado.
39.Nem toda carne é a mesma; porém uma é a carne dos homens, outra, a
dos animais, outra, a das aves, e outra, a dos peixes.
40.Também há corpos celestiais e corpos terrestres; e, sem dúvida, uma é a
glória dos celestiais, e outra, a dos terrestres.
41.Uma é a glória do sol, outra, a glória da lua, e outra, a das estrelas;
porque até entre estrela e estrela há diferenças de esplendor.
42.Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na
corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita
em glória.
43.Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder.
44.Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural,
há também corpo espiritual.
45.Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente.
O último Adão, porém, é espírito vivificante.
46.Mas não é primeiro o espiritual, e sim o natural; depois, o espiritual.
47.O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do
céu.
48.Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também os demais
homens terrenos; e, como é o homem celestial, tais também os celestiais.
49.E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer
também a imagem do celestial.
Como se sabe, entre os gregos existia a fé na imortalidade da alma, não na
ressurreição do corpo. E uma vez que Paulo fala da ressurreição, é obvio que
controvérsias poderiam surgir a respeito deste assunto.
54
Do versículo 36, em diante, ele procura responder às duas perguntas do
versículo anterior, fazendo uma analogia entre o processo de plantação do trigo ou
de qualquer outra semente e o seu nascimento.
Assim como todas as plantas que possuem cada qual seu “corpo”
correspondente, conforme estipulado por Deus, os seres humanos, os animais, as
aves e os peixes têm a sua forma corporal específica, cada um em sua respectiva
esfera.
Em se falando dos corpos celestes e terrestres, o paralelo que Paulo
estabelece é o mesmo, pois tanto um quanto o outro têm sua aparência específica.
Nenhum é igual ao outro, não são parecidos; mas de fato existem e demonstram isto
por meio de seu “corpo”. Como se nota, do versículo 36 até ao 41, Paulo trata de
fazer comparações sobre as formas dos “corpos”, por ele citados, para poder falar
sobre o tema que está em jogo: em que corpo ressuscitam os mortos? Comentando
estes versículos, Irene Foulkes declara:
Paulo assume seu questionamento mais com intenções próprias. [...]
Utilizando um estilo retórico do discurso, Paulo individualiza o grupo oposto
da ressurreição dos mortos ao construir uma oposição hipotética... Este
recurso literário lhe permite descartar uma postura extrema que desenha o
espectro de cadáveres reanimados como uma maneira de ridicularizar a
idéia de uma ressurreição dos mortos. Paulo... com isto envolve a todos
seus leitores em um vivo diálogo dirigido a liberá-los de sua visão... y
mostrar-lhes que a realidade espiritual abrange tanto o corpo como a parte
psíquica dos seres humanos. Com a analogia da semente e a planta Paulo
destaca a prolongação de um mesmo principio vital através de uma
mudança profunda da forma material. [...] As analogias prepararam o
96
caminho para o tema da ressurreição dos mortos (42-44).
Nestes versículos (37- 41) ele enfatiza a questão dos “corpos” como algo
que pode ser percebível - e palpável - no caso de alguns. O texto não dá margem
para que ele estivesse querendo espiritualizar a ressurreição, como se fosse uma
96
"Pablo asume su cuestionamiento pero con intenciones propias. [...] Utilizando el estilo retórico de
la diatriba, Pablo individualiza al grupo opuesto a la resurrección de los muertos al construir un
contrincante hipotético… Este recurso literario le permite rechazar una postura extrema que dibuja
el espectro de cadáveres reanimados como una manera de ridiculizar la idea de una resurrección
de los muertos. Pablo […] con esto envuelve a todos sus lectores en un vivo diálogo dirigido a
liberarlos de su visión […] y mostrarles que la realidad espiritual abarca tanto el cuerpo como la
parte psíquica de los seres humanos. Con la analogía de la semilla y la planta Pablo destaca la
prolongación de un mismo principio vital través de un cambio profundo de forma material. […] Las
dos analogías han preparado el camino para el tema de la resurrección de los muertos" (42-44).
FOULKES, Irene. Problemas pastorales en Corinto: comentario exegetico-pastoral a 1
Corintios. San Jose: Editorial DEI, SABANILLA, 1996. p. 407-408.
55
espécie de encarnação, na qual o espírito continua vivo e prossegue seu caminho, e
o corpo deixa de existir.
Voltando um pouco, no versículo 36, ele comenta que assim como a
semente, ao ser enterrada, morre para nascer - e de fato nasce - não como
semente, mas desta vez como o resultado daquilo que foi um dia plantado, o ser
humano, ao morrer, nascerá por meio da ressurreição. Essa ressurreição é
explicada pela imagem do nascer da planta, cuja existência não dá como antes, mas
nem por isto deixa de ser notada, pois tem uma forma – diferente, é lógico, mas tem.
Portanto, a ressurreição do corpo da qual Paulo fala é explicada pela figura de
linguagem de que ele se utiliza, na qual o ressurreto está indissociável do corpo.
Para Walter, “na questão da corporalidade Paulo corta toda saída a uma
interpretação espiritualista-existencialista da ressurreição”.97 Para Paulo, o corpo faz
parte da ressurreição, caso contrário o nome não seria ressurreição, mas, sim,
encarnação.
No início do versículo 42, Paulo concluiu sua linha de raciocínio que se
iniciou no versículo trinta e seis com uma ilustração da semente. Ele afirma aqui que
a ressurreição dos mortos será do mesmo jeito – corporal.
Na segunda parte do versículo 42, ele explica a diferença do corpo que
morre e do que ressuscita. O morto que ressuscita não deixa de ter corpo. A questão
é que ao ressuscitar seu corpo passará por uma transformação, mas isto ocorrerá
no corpo e não fora dele. O que Paulo procura demonstrar é que o corpo do
ressurreto é superior, em todos os sentidos, ao corpo antes de morrer, pois ao
ressuscitar dos mortos Cristo venceu todo poder do pecado que estava na carne,
isto é, o corpo mortal. “Assim, a ressurreição final gloriosa será a comunhão
perfeitíssima, também corporal, entre os que são de Cristo já ressuscitados e o
Senhor glorioso”.98
O novo corpo não será o velho, mas não deixará de ser corpo, porque
passará pelo processo de transformação, dando continuidade à sua corporalidade –
desta vez, superior à terrestre, como diz o versículo 43.
97
98
WALTER, Eugen. A primeira Epístola aos Coríntios. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 294.
COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. A esperança cristã na ressurreição: algumas
questões atuais de escatologia. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 16.
56
O que Paulo afirma que depois da morte não existe a absolvição por parte
de alguma divindade imprecisa; não se perde o eu nem a personalidade; o
individuo permanece. Ele não herdou o deprecio grego pelo corpo. Cria na
ressurreição de todo homem. [...] Mas a crença cristã é que não
ressuscitará uma parte do homem, se não sua totalidade. Será ele mesmo;
sobreviverá como pessoa. Isto é o que Paulo quer dizer quando menciona a
99
ressurreição do corpo.
O versículo 44 carece de muita atenção, pois ali Paulo fala de corpo natural
e corpo espiritual. E este versículo é a base para que Paulo entre nos temas do
versículo seguinte, nos quais ele contrasta Adão e Jesus como tipos de natureza
(corpo), um referindo-se ao natural e outro ao espiritual.
Caso se leia este versículo sem fazer uma análise em sua forma original,
corre-se o risco de afastar-se do real sentido do texto, dando margem para
interpretações que se distanciam do propósito original do autor. O que Paulo está
querendo dizer quando fala de corpo natural e corpo espiritual? Estaria Paulo se
referindo ao pensamento grego de alma e corpo, segundo o qual, ao morrer, a alma
sai do corpo e continua em seu processo de existência?
Para poder responder a tais questionamentos, é preciso observar que Paulo
se volta para o inicio da criação, quando Deus formou o homem do pó da terra. Irene
Folkes afirma:
Felizmente, Paulo sente a necessidade de aclarar este ponto para os
leitores originais, e o faz por meio de uma olhada às origens da raça
humana. No versículo 45 cita Genesis 2.7, texto que ressalta o momento em
que a figura de barro formada por Deus se converte em um ser animado
pelo sopro do Criador. Neste sentido um “ser animado” e consciente que
Paulo emprega o adjetivo grego psikos, traduzido como “animal” em várias
versões. O termo psykoses derivado de psyke “um ser vivente, (uma) alma
vivente”. Este substantivo aparece em Genesis 2.7, citado textualmente por
Paulo: “tornou o homem um ser vivente”. De acordo com este transfundo,
então, o corpo qualificado como psykoses simplesmente é o corpo que
100
corresponde ao ser humano em sua existência terrena.
99
100
"Lo que Pablo afirma es que después de la muerte no existe la absorción por parte de alguna
deidad imprecisa; no se pierde el yo ni la personalidad; el individuo permanece. Ele no había
heredado el desprecio griego por el cuerpo. Creía en la resurrección de todo el hombre. […] Pero
la creencia cristiana es que no resucitará una parte del hombre, sino su totalidad. Será el mismo;
sobrevivirá como persona. Esto es lo que Pablo quiere decir cuando menciona la resurrección del
cuerpo". BARCLAY, 1973, p. 153.
"Afortunadamente, Pablo siente la necesidad de aclarar este punto para los lectores originales, y
lo hace por medio de una mirada hacia los orígenes de la raza humana. En el versículo 45 cita
Génesis 2.7, texto que resalta el momento en que la figura de barro formada por Dios se convierte
en un ser animado por el soplo del creador. Es este sentido de un ser 'animado' y consciente que
Pablo emplea el adjetivo griego psyjikos, traducido como 'animal' en varias versiones. El término
psyjikoses derivado de psyjê, 'un ser viviente, (una) alma viviente'. Este sustantivo aparece en
57
Quando o primeiro homem (Adão) foi criado, ele foi feito alma vivente; Deus
o fez “alma vivente”, e não com uma alma, que estivesse separada do corpo. A
junção do pó da terra com o espírito divino fez com que o homem tornasse, mas não
que tivesse uma alma. Portanto, este é o homem natural a quem Paulo se refere – o
primeiro homem (Adão). O ser humano deriva sua natureza terrena de Adão.
O último Adão, por assim dizer, não foi formado, ele não se tornou alma
vivente, pelo contrário, ele é espírito vivificante, o seja ele é a própria essência da
vida, ele é vida em si mesmo.
Assim, pois, o primeiro homem, que é natural (terrestre), com o processo
apropriado no qual está inserido, cedo ou tarde retornará ao seu estado anterior –
voltará ao pó – e deixará de ser alma vivente. Para que ele possa continuar sendo
alma vivente, é preciso que o homem espiritual conceda o poder de se tornar vivo,
diz o versículo 46.
O versículo 47 serve de pano de fundo para os últimos dois versículos desta
unidade, dando a entender que ambos os “homens” (o terreno e o espiritual) têm
corpo cada um na sua esfera. Da mesma forma que todos os homens terrenos são
materiais em sua composição, serão homens espirituais após a ressurreição. Pois,
assim como Cristo ressuscitou em corpo, os crentes, após a ressurreição, virão em
corpo, só que desta vez em um corpo glorificado (transformado), que não deixará de
ser uma continuidade do corpo terreno; com uma diferença: ele não será mais
terreno, mas celestial.
No entanto, essa ressurreição mantém a tensão entre a continuidade real
do corpo (o corpo que esteve cravado na cruz é o mesmo que ressuscitou e
se manifesta aos discípulos) e a transformação gloriosa desse mesmo
corpo. Jesus ressuscitado não só convidou os discípulos a tocarem-no –
porque “um espírito não tem carne e ossos como vedes que eu tenho” –
mas também lhes mostrou as mãos e os pés para que comprovassem “que
sou eu mesmo” [...]; no entanto na sua ressurreição não voltou às condições
da vida terrena e mortal. Assim também, ao mantermos o realismo da
ressurreição futura dos mortos, não esquecemos, de modo algum, que a
nossa verdadeira carne na ressurreição será conforme ao corpo de Cristo.
Este corpo, que agora está configurado pela alma (psychê), será
101
configurado na ressurreição gloriosa pelo espírito (pnêuma).
101
Génesis 2.7, citado textualmente por Pablo: 'fue el hombre un ser viviente'. De acuerdo con este
trasfondo, entonces, el cuerpo calificado como psyjikoses simplemente el cuerpo que corresponde
al ser humano en su existencia terrenal". FOLKES, 1996, p. 408.
COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA, 1994, p. 18.
58
A imagem que se configura agora é a do que é terreno, porém, na
ressurreição nossa imagem terrena será revestida pela celestial. A glória imortal
revestirá a mortal. Como diz Eugen: “O que a morte ameaça arrebatar-lhe é, pela
ressurreição de Cristo, alcançado a uma esperança ainda maior, para ser
consumado, no seu dia, em glória corporal”.102
Falando da ressurreição de acordo com o pensamento paulino, Vouga
menciona:
A ideia da ressurreição dos mortos vem da apocalíptica judaica. Ela se
distingue de outras interpretações da vida após a morte porque,
diferentemente da imortalidade da alma ou da vida eterna, ela implica uma
dupla descontinuidade com a vida presente; trata-se, de um lado, da
destruição do ser pelo poder da morte e sua recriação por um novo ato
criador de Deus; de outro lado, esse novo ato criado de Deus é
compreendido como ressurreição dos corpos. [...] A ressurreição dos mortos
faz parte da transformação final da criação corruptível em criação
103
corruptível.
Deus transformará este corpo de pecado em corpo de glória. Não estaremos
mais submissos ao poder do pecado, nossa velha natureza com suas paixões e
propensões para o pecado será de uma vez por todas banidas do nosso viver.
3.6 Unidade VI: versículos 50-58
Se lermos o versículo 50, sem considerar os conceitos antropológicos do
apóstolo, temos a impressão que quando Paulo fala que “a carne e o sangue não
podem herdar o reino de Deus”, e que ele esteja fazendo menção de que não
haverá ressurreição do corpo.
Portanto, faz-se necessário analisar o versículo seguinte para compreender
o que Paulo queria dizer quando fala de “carne e sangue”. Pois é no versículo 51
que ele revela o que estava oculto.
50. Isto afirmo, irmãos, que a carne e o sangue não podem herdar o reino
de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção.
51. Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas
transformados seremos todos,
102
103
WALTER, 1973, p. 296.
VOUGA, François. A segunda Epistola aos Coríntios. In: MARGUERAT, Daniel (Org.). Novo
Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2009. p. 253-254.
59
52. num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última
trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós
seremos transformados.
53. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da
incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade.
54. E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o
que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que
está escrita: Tragada foi a morte pela vitória.
55. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?
56. O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.
57. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor
Jesus Cristo.
58. Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre
abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho
não é vão.
Paulo inicia o versículo dizendo que o que ele vai falar é algo que ainda não
havia sido revelado – é um mistério. Paulo considerava a morte como um sono, e
tudo indica que quando fala que “nem todos dormirão” estivesse se incluindo no
grupo daqueles que estariam vivos por ocasião da segunda vinda de Cristo.
Seguramente ele acreditava que Jesus retornaria a este mundo em seu tempo, e
quando isto ocorresse, todos os que estivessem vivos passariam por uma
transformação.
No versículo 52, o apóstolo comenta que ao soar da última trombeta os
mortos que estavam “dormindo” ressuscitarão incorruptíveis, e os que estivessem
vivos – inclusive ele próprio – se tornariam nova criatura. Isto era necessário
acontecer, pois o ser humano, na sua natureza física e material (carne e sangue),
não pode herdar o Reino de Deus. Uma coisa é certa, diz Paulo: nem todos
passarão pela morte, mas todos serão transformados.
Para Paulo não há existência sem corporalidade, de modo que a reflexão
sobre a existência pós-morte precisa ser também uma pergunta pela
corporalidade desta existência. [...] Contra seu pano de fundo históricocultural, os coríntios excluíram a corporalidade do ambiente da imortalidade
e viram no pneuma o verdadeiro lugar da atuação divina. Paulo, ao
contrário, sob adoção de padrões argumentativos gregos, inclui o corpo
abrangentemente na atuação salvífica de Deus e inverte a sequência
coríntia (1 Cor 15: 46). “Primeiro, porém, não vem o pneumático, mas o
psíquico, somente depois o pneumático”. Para ele a história de Jesus Cristo
é em vários aspectos uma prefiguração e simultaneidade da história dos
coríntios. [...] Como no caso de Jesus Cristo, o poder criador de Deus
104
abrange também a corporalidade dos coríntios.
104
SCHNELLE, Udo. Paulo: vida e pensamento. São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2010. p. 280284.
60
No versículo 53, Paulo enfatiza novamente a questão do corpo como se
fosse impossível ter vida futura fora dele. A única maneira de alcançar a imortalidade
é no corpo, que uma vez foi corruptível e mortal, mas que deixará de ser por ocasião
da volta de Cristo.
Portanto, o ser humano como um todo precisa passar por este processo de
restauração, pois a natureza carnal (o homem terrestre) está corrompida pelo poder
do pecado que gera morte, diz o versículo 54.
Como a morte não faz parte do plano de Deus, mas, sim, ela é fruto da
desobediência, Deus não pode permitir que ela continue a reinar na vida de seus
filhos. A morte é o último inimigo de Deus a ser vencido, tudo se finda nela. A
incorruptibilidade e imortalidade não é algo que provém da natureza corruptível e
mortal, pois o homem carnal não tem poder de gerar o celestial. É preciso que
alguém superior ao poder da morte possa imputar a vitória sobre aqueles que são
vitimados por ela.
Acima da morte só existe um – Deus. Deus é vida, e onde há vida não há
morte. Esta vida imortal, sem corrupção, que é inerente ao seu Ser, será concedida
a todos quantos permanecerem nEle. O fato de Cristo ter sido ressuscitado
demonstra que a morte não tem poder sobre ele. Ele venceu e a vitória sobre o
maior inimigo da humanidade foi alcançada.
Para corroborar sua linha de pensamento, Paulo faz uma aplicação do texto
de Isaías 25.8, no qual o profeta fala do poder de Deus em restaurar o ser humano
da sua natureza caída e conceder vida eterna. Assim, “tragada foi a morte pela
vitória”. Que vitória? Enquanto o pecado reina neste mundo, quem vence é a morte,
porque no fim da vida ninguém escapa desta trágica realidade. No entanto, após a
ressurreição de Cristo, a morte não é mais considerada o fim da existência humana.
Ela passa a ser vista como um sono para aqueles que aceitam o Cristo vitorioso.
É bom lembrar que quando Paulo pergunta, no versículo 55, “Onde está, ó
morte, a tua vitória? Onde está ó morte, o teu aguilhão?”, ele o faz depois de ter
discorrido a respeito de como o ser humano pecador é transformado pelo poder de
Deus. Ou seja, depois de transformado, quando o homem natural será agora o
celestial, e quando os poderes destrutivos deste mundo não mais terão o poder de
61
afligir os crentes. Aí sim, exclama: “Onde está ó morte a tua vitória? Onde está, ó
morte o teu aguilhão?"
No versículo seguinte, ele diz que o aguilhão da morte, que era o pecado,
não mais afligirá os ressuscitados. O pecado é comparado aqui com uma picada
venenosa de um escorpião, que pode levar à morte. O que dava força ao pecado era
a lei; pois ela não tem o poder de salvar, pelo contrário, a lei mostra ao ser humano
o seu pecado, mas em hipótese alguma tem poder salvífico.
Essa vitória, que é concedida ao crente que permanece em Cristo, é
outorgado por Deus, é um presente. Por isto Paulo inicia o versículo 57 dando
graças a Deus, pelo fato de Jesus Cristo ter garantido esta vitória. Cristo foi o meio
pelo qual Deus eliminará de uma vez por todas a morte. “Porque Cristo se ergueu do
túmulo, o mesmo acontecerá com o homem, no tempo oportuno e determinado por
Deus. [...] A exemplo do corpo ressurreto de nosso Senhor, ele terá uma forma
reconhecível”.105 A ressurreição corpórea de Cristo mostrou a todos que o poder que
a morte tinha sobre o homem natural, ela não tem sobre o homem espiritual
tipificado por Cristo.
Finalmente, no último versículo do capitulo 15, Paulo exorta os coríntios que
permaneçam firmes, e não deixem de trabalhar na obra de Deus, a despeito de
qualquer dificuldade, pois tudo que se faz para o Senhor não será em vão. No
Senhor a recompensa é certa.
105
DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2005. p. 66.
CONCLUSÃO
Todo pesquisador da Bíblia que se propõe a investigar o capítulo 15 da
Primeira Epístola de Paulo aos coríntios se depara com algumas dificuldades.
Talvez a maior delas esteja relacionada à escassez de fontes que discorram a
respeito do assunto, e ainda pelo fato de existirem poucas obras em português
sobre capítulo 15, em específico. Outro fator seria que destas poucas fontes nem
todas trazem informações confiáveis.
No que se refere à apologia paulina da ressurreição, em 1 Coríntios 15, o
que se percebe é que por mais que alguns escritores defendam que a ressurreição
não é corporal, teólogos de renome como Rudolf Bultmann106 e George E. Ladd,107 e
tantos outros eruditos, não corroboram com tal pensamento. A ideia predominante e
querente do texto bíblico paulino, em 1 Coríntios 15, é a de que a ressurreição de
Cristo, como a de todos os seres humanos, se dá no corpo, pois não há ressurreição
fora dele. Falando da relação entre a ressurreição de Cristo e da humanidade, Ellen
G. White diz que: “Sua ressurreição é o tipo e o penhor de todos os justos
mortos”.108
Através do presente trabalho, acreditamos ter cooperado para uma melhor
compreensão do tema da ressurreição de Cristo, e também para compreender como
sucederá a ressurreição dos crentes por ocasião da segunda vinda de Cristo,
conforme o pensamento paulino esboçado em sua primeira carta aos coríntios.
Em primeira instância, procuramos descrever a história, como também o
contexto social em que viviam os moradores de Corinto. Em seguida, abordamos
alguns aspectos pertinentes à igreja de Corinto que estavam resultando em conflitos
nesta comunidade. A partir daí, adentramos no problema central do capítulo 15, a
ressurreição. Destacamos alguns conceitos concernentes ao tema da vida após a
106
107
108
Para Bultmann, corpo, espírito e alma são maneiras pelas quais o ser humano é identificado em
sua integridade. WINKEL, Tiago. Ressurreição ou imortalidade: o que podemos dizer a partir do
apóstolo Paulo? 9 f. Monografia da Disciplina Teologia Sistemática IV, Escola Superior de
Teologia, Faculdade de Teologia, São Leopoldo : s.n.], 2005. p. 4.
Ladd afirma que o ser humano receberá, na ressurreição, um novo corpo. Este corpo será
totalmente revestido de incorruptibilidade, eterno e celestial. Este mesmo autor repudia a idéia da
imortalidade da alma e assim como Paulo, fala do sono como um período intermediário entre a
morte e a ressurreição. WINKEL, 2005, p. 3-4.
WHITE, Ellen Gould. O desejado de todas as nações. 22. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira,
2004.
64
morte que permeavam o ambiente da igreja em Corinto. Finalmente, realizou-se uma
análise bíblica versículo por versículo do capítulo 15.
Nosso objetivo principal era analisar o tema da ressurreição em 1 Coríntios
15 e descrever como o apóstolo entendia a ressurreição. Para chegarmos a este
ponto, foi necessário considerar alguns pormenores que são indispensáveis nesta
pesquisa e que foram citados no parágrafo anterior.
Na primeira parte do capítulo 1, foi possível considerar o pano de fundo
histórico, urbano, social, religioso e cultural da cidade de Corinto. Uma cidade que
possuía uma rica história em que a maior parte de sua população vivia na cidade.
Podemos dizer que esta metrópole do mundo antigo estava rodeada pela riqueza e
pela pobreza ao mesmo tempo. Isto fez com que a cidade de Corinto se tornasse
uma cidade multicultural. Não havia uma religião definida de seus moradores – havia
espaço para todos os gostos e ideias. Isto não foi diferente com relação à igreja de
Corinto, pois ela era composta por pessoas desta sociedade, o que trouxe alguns
problemas internos que surgiram na igreja, proveniente em certa medida do meio em
que estava inserida esta comunidade religiosa.
Seguramente, o contexto social e religioso da cidade – como vimos no
capítulo 1 – contribuiu para que esta igreja, formada por estes cidadãos, enfrentasse
alguns conflitos internos que estava causando divisões entre a irmandade.
Quando Paulo levou para lá o evangelho, mesmo aqueles que se tornaram
cristãos entenderam a mensagem de modo variado, dependendo de seus
antecedentes e origens. [...] O que alguns consideravam como
comportamento aceitável era grande imoralidade para outros, esta foi a raiz
109
da maioria dos problemas que Paulo teve de enfrentar.
No inicio capítulo 2, determinamos qual era o centro do problema de 1
Coríntios 15. Depois, constatamos que o pensamento grego da vida após a morte
diferia do Antigo Testamento, como também do pensamento judaico. Por mais que
na época em que nasceu a Igreja Primitiva a cultura grega era a que predominava,
ainda assim, não há indícios de que os primeiros cristãos acreditassem na
reencarnação em detrimento da ressurreição bíblica.
Por outro lado, ainda que Paulo tenha pregado para os coríntios a respeito
da ressurreição corporal de Cristo, havia alguns nesta comunidade que não
109
DRANE, John (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Loyola, 2009. p. 260.
65
acreditavam como o apóstolo e os demais cristãos pregavam. Este foi o motivo
central do conflito descrito em 1 Coríntios 15, e o que levou Paulo a fazer sua
apologia da ressurreição.
O capitulo três do presente trabalho foi estruturado em seis unidades de
versículos. Na primeira unidade, que vai do versículo 1 até ao 11, Paulo fala da
importância da pregação da ressurreição de Cristo para a fé cristã. Ele não está
falando algo novo, está apenas relembrando o que já havia dito em outro momento.
Ele fala de uma ressurreição real.
A ressurreição de Cristo não deve ser entendida apenas no sentido
espiritual. Ele de fato, ressurgiu dos mortos. Aquele que saiu da tumba era o
mesmo Jesus que vivera em carne. Ressurgiu num corpo glorificado, mas
real – tão real que as mulheres que foram ao sepulcro e os discípulos O
110
viram (Mt 28: 17; Mc 16: 9, 12, 14).
Para fundamentar ainda mais a realidade da ressurreição, Paulo fala em 1
Coríntios 3-4 que tanto a morte quanto a ressurreição de Cristo ocorreram conforme
as Escrituras. O fato de eles terem visto o Cristo ressuscitado era, de certa forma,
uma confirmação da palavra de Deus.
A segunda unidade, que vai do versículo 12 ao 19, é composta pela retórica
de Paulo sobre a ressurreição, na qual ele afirma que a certeza deste fato ocorrido,
a ressurreição de Cristo, que ficou registrado na história é igualmente a certeza do
acontecimento que virá no futuro – a ressurreição dos crentes. Sendo assim, de
acordo com a unidade terceira e quarta (versículos 20 – 34) a ressurreição de Cristo
é a garantia da nossa ressurreição.
O ápice da questão se encontra na quinta unidade que vai dos versículos 35
ao 49, nos quais Paulo faz sua apologia da ressurreição não de forma dualista,
como se houvesse uma dicotomia entre corpo e alma,111 um dissociado do outro,
mas, sim, pela visão bíblica, que distingue diferentes partes do ser humano, mas as
concebe como integridade inseparável.
110
111
KNIGHT, George R. Questões sobre doutrina: o clássico mais polêmico da história do adventismo.
Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. p. 84.
ARAÚJO, Hugo Filgueiras. A dualidade corpo/alma, no Fédon, de Platão. Dissertação. 96 f.
Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade
Federal
da
Paraíba,
João
Pessoa,
2009.
Disponível
em:
<http://bdtd.biblioteca.ufpb.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=409>. Acesso em: 24 nov. 2014.
66
A dicotomia de corpo e alma deriva do platonismo e não da revelação
bíblica. O ponto de vista bíblico da natureza humana é holístico e monístico,
não dualístico. [...] Além disso, os que recebem a vida eterna passarão a
eternidade não em um paraíso etéreo, espiritual, mas neste planeta Terra
material, restaurado por Deus à sua perfeição original. [...] O ponto de vista
bíblico da natureza humana é essencialmente holístico [integral] ou
monístico. A ênfase bíblica é sobre a unidade corpo, alma, e espírito, cada
112
um sendo parte de um organismo indivisível.
O pensamento bíblico da natureza humana remonta ao início da criação,
quando Deus criou Adão. Quando Deus o criou, o ser humano tinha todos os
componentes físicos que fazem parte do corpo humano; ele tinha cabeça, pé,
cérebro, coração, etc, mas nem por isto ele era um ser vivo, ele não pensava, não
respirava. Adão só passou a ser uma alma vivente quando Deus soprou em suas
narinas o fôlego de vida, aí sim, ele tornou-se uma alma vivente, pois é lógico – não
existe alma morta. Conforme Alejandro Bullón, “Não existe espírito consciente
separado do corpo”.113 Gottfried Brakemeier, resume, de maneira clara e singular,
qual era a compreensão de Paulo sobre o tema:
Isso implica a ressurreição dos mortos, melhor, a ressurreição do corpo,
pois Paulo entende ressurreição como nova criação. E Deus sempre cria
corpos, não seres abstratos, ideias, fantasmas. Verdade é que não há
passagem direta desta vida para outra. “[...] carne e sangue não podem
herdar o reino de Deus” (1 Coríntios 15.50). Necessitam de transformação,
recriação. O que vai ressuscitar é um corpo novo, espiritual (1Coríntios
15.44). A pessoa será a mesma, mas seu modo de existir será outro. Paulo
se opõe ao espiritualismo, que reduz o ser humano a uma “alma” somente.
O corpo é criatura divina. Por isto é santo (1 Coríntios 6.19). Também o
114
novo ser humano será criatura. Consequentemente vai ser corpo.
O pensamento bíblico não dá margem para uma ressurreição espiritualista,
pois crer assim seria praticamente a mesma coisa que crer na reencarnação.
Conforme Bacchiocchi, “O que os cristãos creem a respeito da constituição de sua
natureza humana determina em grande medida o que creem a respeito de seu
destino final”.115
112
BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou ressurreição: uma abordagem bíblica sobre a natureza
humana e o destino eterno. Engenheiro Coelho: UNASPRESS, 2007. p. 8-10.
113
BULLON, Alejandro. A única esperança: encontre o sentido da vida. Tatuí: Casa Publicadora
Brasileira, 2014. p. 71.
114
BRAKEMEIER, 2004. p. 39.
115
BACCHIOCCHI, 2007, p. 7.
67
Paulo, como um bom judeu e da seita farisaica,116 seguramente se pautou
nos ensinamentos provindos do judaísmo. Ele se reporta para as Escrituras, para o
Gênesis de cujo conteúdo ele fundamenta sua tese da ressurreição no corpo e não
fora dele.
O judaísmo antigo incluía uma diversidade de opiniões acerca da
ressurreição. Por exemplo, os saduceus descartavam toda ressurreição,
mas os fariseus – e Paulo era um deles – sim acreditavam na possibilidade
117
da ressurreição dos mortos.
Na sexta e última unidade, que vai dos versículos 50 ao 58, Paulo busca
complementar o que estava faltando para concluir sua linha de raciocínio a respeito
do tema da ressurreição. Como na quinta unidade, ele fala que os ressuscitados
terão corpo, na sexta unidade ele fala da transformação pela qual o corpo terrestre
passará por ocasião da vinda de Cristo.
Desta maneira, a ressurreição de Cristo é o modelo de nossa ressurreição.
[...] Assim como o ressurreto tem corpo e é reconhecido pelos discípulos,
também aqueles que ressuscitam com ele. Mas é uma corporeidade
diferente, transformada para a incorruptibilidade da vida eterna (1Co 15.5055). [...] A ressurreição não é elevação para esferas espirituais. [...] A
espiritualidade da ressurreição parte de uma visão diferente: ela é integral e
118
vê um futuro novo para o ser humano em sua totalidade.
Sendo assim, de acordo com o texto de 1 Coríntios 15, o apóstolo Paulo, ao
falar sobre a ressurreição – de Cristo e dos crentes – está se referindo à
ressurreição integral do ser humano. Conforme Winkel, “O ser humano não é um
corpo acrescido de uma alma, pelo contrário, estas duas entidades fazem parte de
sua essência e é assim que ele deve ser visto”. 119 Na visão paulina, não existe
possibilidade de haver ressurreição que não abarque a integridade do ser humano,
conforme o pensamento hebraico. Além do mais, 1 Coríntios 15 não dá margem
para se crer na imortalidade da alma ou na reencarnação.120
116
117
118
119
120
Os fariseus defendiam a ressurreição após a morte, diferente dos saduceus que não acreditavam
em vida após a morte.
"El judaísmo antiguo incluía una diversidad de opiniones acerca de la resurrección. Por ejemplo,
los saduceos rechazaban toda resurrección, pero los fariseos – y Pablo era uno de ellos – sí
creían en la posibilidad de la resurrección de los muertos". AGOSTO, Enfraín. Conozca su Bíblia:
1 y 2 corintios: Minneapolis: Augsburg Fortress, 2008. p. 116.
ALTMANN, Walter. Nossa fé e suas razões. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p. 123-125.
WINKEL, 2005, p. 4.
FRIEDRICH, Nestor Paulo. Auxílio homilético: 1 Coríntios 15.45-49. Proclamar Libertação, São
Leopoldo, Sinodal, v. XVII, 1991. Disponível em: <http://www.luteranos.com.br/textos/1-corintios15-45-49>. Acesso em: 16 out. 2014.
68
O pensamento de Paulo em 1 Coríntios 15, a respeito da ressurreição, é o
da unidade do ser humano como um “todo” indivisível. Assim como apenas este
“todo” indivisível pode existir, quando a pessoa morre o “todo” deixar de ser. A partir
deste ponto de vista, conclui-se, portanto, que para Paulo o ressuscitado só pode
“ser” se vier a existir em sua esfera como um “todo”. Este “todo” que é o ser humano
passará por uma transformação por ocasião da segunda vinda de Cristo. Ser
transformado não quer dizer que deixará de existir, ou será “espiritualizado” – serão
um homem/mulher real como dantes.
Esta é a ressurreição proclamada, como também aguardada pelo apóstolo
Paulo, a ressurreição no corpo.
REFERÊNCIAS
ADAM, Julio Cesar. Auxílio homilético: 1 coríntios 15.12-20. Disponível em:
<http://martimlutero.com.br/conteudo/1-corintios-15-12-20> Acesso em: 13 nov.
2014.
AGOSTO, Enfraín. Conozca su bíblia: 1 y 2 corintios: Minneapolis: Augsburg
Fortress, 2008.
ALTMANN, Walter. Nossa fé e suas razões. São Leopoldo: Sinodal, 2003.
BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou ressurreição: uma abordagem bíblica
sobre a natureza humana e o destino eterno. Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS,
2007.
BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo. Tradução de José Almeida. São Paulo:
Loyola, 1989-1991. v. 2.
BARCLAY, William. I y II Corintios. Buenos Aires: La Aurora, 1973, v. 9.
BORTOLINI, José. Como Ler A Primeira Carta aos Coríntios: Superar os conflitos
em comunidade. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2008.
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