FACULDADES EST PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA TIAGO DIAS DE SOUZA A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15 São Leopoldo 2014 TIAGO DIAS DE SOUZA A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15 Trabalho Final de Mestrado Profissional Para obtenção do grau de Mestre em Teologia Escola Superior de Teologia Programa de Pós-Graduação Linha de Pesquisa: Leitura e Ensino da Bíblia Orientador: Verner Hoefelmann São Leopoldo 2014 AGRADECIMENTOS A Deus por ter me dado saúde e ânimo para superar as dificuldades que enfrentei durante o curso, pois sem Ele eu não seria nada. À Faculdades EST, seu corpo docente e administradores que me trataram com muita cortesia. Ao meu orientador, Verner Hoefelmann, pelo suporte, correções, direcionamentos e incentivos, pois sem seu apoio talvez este trabalho não fosse escrito. À minha família. Aos Pastores Levino Santos e Gilberto Teixeira pelo apoio que me deram. A todos que, direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigado! Dedico a todos aqueles que em algum momento da vida viram seus sonhos se desmoronarem por terem perdido seus queridos a quem tanto amavam. Se a nossa esperança em Cristo Jesus se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens (1 Cor 15.19). RESUMO Após a partida de Paulo da cidade de Corinto, onde ele havia permanecido por volta de um ano e meio e fundado uma comunidade cristã, alguns problemas começaram a surgir no tocante à ressurreição. A questão chegou aos ouvidos do apóstolo por informações de membros da própria comunidade de Corinto. Ao saber dos problemas existentes, Paulo se posiciona sobre o assunto através de uma carta à igreja local. No caso do problema em foco, a questão em jogo era o fato de que alguns irmãos afirmavam que não haveria ressurreição dos mortos. E pelo que se pode entender, o assunto não era apenas este, pois eles também questionavam como seria esta ressurreição, se é que ela de fato ocorreria. O que se percebe é que, aparentemente, eles acreditavam que Cristo havia ressuscitado, mas não criam que os mortos também ressuscitariam, e ainda mais com o corpo. No que se refere à apologia paulina da ressurreição em 1 Coríntios 15, o que se entende é que por mais que alguns escritores defendam que a ressurreição não seja corporal, teólogos de renome como Rudolf Bultmann e George E. Ladd, e tantos outros eruditos, não corroboram com tal pensamento. A ideia predominante e querente do texto bíblico paulino em 1 Coríntios 15 é a de que a ressurreição de Cristo, como a de todos os seres humanos, se dá no corpo, pois não há ressurreição fora dele. Palavras-chave: Ressurreição. Corinto. Paulo. ABSTRACT After Paul’s departure from the city of Corinth, where he had remained for around a year and a half and founded a Christian congregation, some problems began to arise concerning resurrection. The issue came to the ears of the apostle through information of members of the Corinthian congregation itself. Upon finding out about the existing problems Paul presents his position about the subject through a letter to the local church. In the case of the problem in focus, the issue at stake was the fact that there were some brothers who affirmed that there was no resurrection of the dead. And from what can be understood, the issue was not just this one, because they also questioned how this resurrection would be if it in fact happened. What one perceives is that, apparently, they believed that Christ had resurrected but they did not believe that the dead would also resurrect much less with a body. With regard to the Pauline apologetics of resurrection in 1 Corinthians 15, what one understands is that, in spite of the fact that some writers defend that the resurrection will not be corporeal, renowned theologians such as Rudolf Bultmann and George E. Ladd and so many other scholars do not corroborate such thinking. The predominant and desired idea of the Pauline biblical text in 1 Corinthians 15 is that the resurrection of Christ, as well as of all human beings, will take place in the body, for there is no resurrection apart from it. Keywords: Resurrection. Corinth. Paul. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9 1 A COMUNIDADE DE CORINTO E AS CIRCUNSTÂNCIAS DA CARTA..... 13 1.1 Introdução à Primeira Carta aos Coríntios ......................................... 13 1.1.1 A Corinto esplendorosa ........................................................................... 14 1.1.2 História...................................................................................................... 16 1.1.3 O Povo ...................................................................................................... 18 1.1.4 Religião e Cultura .................................................................................... 19 1.2 A situação da comunidade de Corinto ................................................ 21 1.2.1 Problemas de Liderança ......................................................................... 22 1.2.2 Problemas morais e sociais.................................................................... 23 1.2.3 Problemas religiosos e culturais ............................................................ 24 2 O PROBLEMA DA RESSURREIÇÃO ......................................................... 27 2.1 A Ressurreição ...................................................................................... 27 2.1.1 Conceito grego de vida após a morte.................................................... 28 2.1.2 Conceito de ressurreição no Antigo Testamento ................................. 29 2.1.3 Conceito judaico de ressurreição ........................................................... 30 2.2 A igreja primitiva e a ressurreição....................................................... 31 2.2.1 A igreja de Corinto e a ressurreição ...................................................... 32 2.2.2 O apóstolo Paulo e a ressurreição em Corinto ..................................... 33 3 A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15......................... 37 3.1 Unidade I: versos 1- 11 ......................................................................... 37 3.2 Unidade II: versos 12-19 ....................................................................... 43 3.3 Unidade III: versículos 20-28 ................................................................ 47 3.4 Unidade IV: versículos 29-34................................................................ 50 3.5 Unidade V: versículos 35-49................................................................. 53 3.6 Unidade VI: versículos 50-58................................................................ 58 CONCLUSÃO .................................................................................................. 63 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 69 INTRODUÇÃO O capítulo 15 da Primeira Carta de Paulo aos coríntios se caracteriza como uma apologia do apóstolo à ressurreição de Cristo e dos crentes. Depois de ter discorrido nos capítulos anteriores sobre diversos temas relacionados à conduta cristã e à unidade da igreja, Paulo abruptamente aborda esse tema que estava causando confusão entre os membros dessa igreja. O que se sabe é que após a sua partida de Corinto, onde ele havia permanecido por volta de um ano e meio, e fundado1 uma comunidade cristã, alguns problemas começaram a surgir no tocante à ressurreição. A questão chegou aos ouvidos do apóstolo por informações de membros da própria comunidade de Corinto. Ao saber dos problemas existentes, Paulo se posiciona sobre o assunto através de uma carta à igreja local. No caso do problema em foco, a questão em jogo era o fato de que alguns irmãos afirmavam que não haveria ressurreição dos mortos. E pelo que se pode entender, o assunto não era apenas este, pois eles também questionavam como seria esta ressurreição, se é que ela de fato ocorreria. Aparentemente eles acreditavam que Cristo havia ressuscitado, mas não criam que os mortos também ressuscitariam, e ainda mais com o corpo. O presente trabalho procura desenvolver a linha de pensamento de Paulo sobre a ressurreição no capítulo 15, tanto no que concerne à ressurreição corporal de Cristo quanto à dos crentes, considerando o pano de fundo existente na comunidade de espiritualizar a ressurreição. A esperança na ressurreição, como descrita por Paulo, foi o centro da pregação dos primeiros cristãos, pois quando Cristo morreu, de certa maneira, morreram os sonhos dos crentes da igreja primitiva. Porém, quando eles tiveram a experiência da ressurreição de Cristo, tudo teve um novo começo. Agora eles poderiam proclamar que o Deus a quem seguiam era um Deus que vencera o maior inimigo da humanidade, a morte. 1 ADAM, Julio Cesar. Auxílio homilético: 1 coríntios 15.12-20. Proclamar Libertação, São Leopoldo, Sinodal, v. XXXII, 2007. Disponível em: <http://martimlutero.com.br/conteudo/1-corintios-15-1220>. Acesso em: 13 nov. 2014. 10 De acordo com Richard Wangen, “a Bíblia não encara a morte como algo natural ou biológico. Ela vê a morte como resultado da queda humana ou da alienação, ou da falta de relacionamento com Deus, com o próximo e da pessoa consigo mesma”.2 Esta talvez seja a maior motivação para escrever sobre o assunto. Dizer a todos que vivem neste mundo - onde a única coisa certa na vida é a morte – que há uma esperança além desta vida. A ressurreição é a resposta cristã ao enigma e ao problema da morte, que provavelmente é a origem da maior parte das angústias do ser humano. E realmente, sem a superação da morte não há esperança verdadeira. Sem a libertação da morte, todas as demais libertações permanecem parciais, ambíguas, fadadas a reverterem novamente em escravidão. [...] Ora, a morte é o problema dos problemas, a causa última das agressões e frustrações humanas. [...] A morte sempre causa pavor. Ninguém sabe o que vem depois, ninguém consegue imaginar o que é estar morto. Temos medo, inclusive do morrer, isto é, do processo que precede a morte e nela desemboca. [...] O que a morte faz conosco é brutal. É revoltante. Não há nada pior. E ninguém pode fugir. A morte fere o orgulho humano. [...] Além disto, o morrer, nos lança à mercê de outras pessoas. Faz-nos vergonhosamente dependentes. Toda nossa glória se dissolve em nada. A morte nos ofende. [...] A morte questiona o sentido da vida. [...] A morte corta impiedosamente as relações humanas. [...] A morte exige de nós a 3 entrega de nós mesmos. Em se falando de uma sociedade materialista, imediatista, e, acima de tudo, influenciada pela doutrina espírita da reencarnação, na qual o ser humano se coloca como o centro de tudo, um trabalho como este é de suprema importância para aqueles que professam ter, de fato, morrido para o “mundo” no intuito de viver para Cristo. A nossa cultura ocidental, como vimos, tende a não encarar de frente a realidade da morte. Isso tem consequências sobre a maneira como as pessoas individualmente se relacionam com sua própria morte. Cresce o número de pessoas que fogem do confronto com a sua própria transitoriedade e com o seu próprio fim. Quando o pensamento na sua própria morte as assalta, esforçam-se para jogá-lo para bem longe e a distrair-se com outro pensamento ou com alguma atividade qualquer. [...] Muitas pessoas temem a morte pelo fato de ela impedir que se realizem determinados planos e sonhos que acalentaram ao longo de toda vida. É como se tivesse que morrer sem terem vivido; outros, ao morrer, sentem profundamente por terem que deixar para trás certas pessoas a quem se sentem especialmente ligados ou mesmo realizações pelas quais muito 2 3 WANGEN, Richard. A assistência pastoral no rito do sepultamento. Proclamar Libertação Suplemento 2, Ofícios, São Leopoldo, Sinodal, p. 83-90, 1988. BRAKEMEIER, Gottfried. A morte e o morrer na Bíblia: subsídios para o rito do sepultamento. In: MOLZ, Cláudio; WEHRMANN, Guenter (Orgs.). Ofícios: estudos temáticos e auxílios homiléticos. São Leopoldo: Sinodal/IEPG, 1988. p.46-57. 11 batalharam ao longo da sua vida; ainda outros, devido a um determinado conceito de Deus ou a um forte sentimento de culpa, temem o juízo final e o momento de terem de prestar contas diante de um Senhor severo e 4 castigador. Quando olhamos para dentro do cristianismo contemporâneo (digo isto em relação às igrejas evangélicas e todas as que se fundamentam na Bíblia e dizem acreditar em Cristo), o que se percebe quanto ao assunto da vida após a morte é que existem muitas ideias propagadas que não condizem com o pensamento bíblico. Pode-se dizer que o problema que havia em Corinto é mais atual do que imaginamos. Os questionamentos a respeito da vida após a morte são praticamente os mesmos. Mudaram apenas de endereço e data – a igreja de Corinto “ainda existe”. Quando se trata das igrejas denominadas evangélicas, nota-se muita controvérsia e até mesmo muita ignorância e ingenuidade por parte de seus adeptos a respeito do tema da ressurreição. O pensamento bíblico foi substituído pelo pensamento grego de vida além da morte. Não é de se admirar que já não se fale mais na volta de Cristo ou a respeito do fim dos tempos, quando ele virá para buscar os salvos que estiverem vivos e ressuscitar os mortos. Tudo isso acontece, quem sabe, porque nossas comunidades estão sendo formadas nessa temática pelos meios de comunicação de massa, que abertamente reproduzem em seus programas a compreensão espírita sobre o tema. É urgente a necessidade de retornar às Sagradas Escrituras como fontes da fé cristã para indagar o que elas dizem, especificamente, sobre um assunto tão central para a fé cristã. Nossa pesquisa sobre o tema será de ordem bibliográfica, tendo como fontes: livros, revistas, artigos, impressos e digitais, além de sítios na rede virtual que tratem do assunto. Buscaremos investigar eruditos que escrevem sobre este tema, tais como Bultmann, Ladd, Brakemeier, Bacchiocchi, e outros mais. O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro é composto de duas partes. De início, faremos uma breve introdução histórica, social, religiosa e cultural da cidade de Corinto e de sua 4 HOCH, Lothar. Acompanhamento pastoral a moribundos e enlutados. Proclamar Libertação Suplemento 2, Ofícios, São Leopoldo, Sinodal, p. 58-82, 1988. 12 população. Na segunda parte, enfatizaremos mais a vida da igreja que existia em Corinto, em especial os problemas que ela enfrentava em meio ao seu contexto social. O segundo capítulo, assim como o primeiro, é organizado em duas partes. Na parte inicial, abordaremos o conceito grego veterotestamentário e judaico da ressurreição. Na segunda parte, analisaremos o conceito de ressurreição que poderia estar na origem de 1 Coríntios 15; e, por fim, o que Paulo pensava sobre o assunto. Finalmente, o capítulo três está formado por seis unidades, cada qual composta por uma perícope de 1 Coríntios 15. Faremos um estudo do texto considerando versículo por versículo. Após analisarmos todo o capítulo, procederemos então às considerações finais sobre os resultados alcançados por meio da pesquisa. 1 A COMUNIDADE DE CORINTO E AS CIRCUNSTÂNCIAS DA CARTA 1.1 Introdução à Primeira Carta aos Coríntios O presente capítulo aborda alguns aspectos introdutórios da Primeira Carta de Paulo aos coríntios, como preparação para o tema do trabalho. O capítulo tematiza também o contexto social, geográfico e cultural, assim como alguns usos e costumes do primeiro século, os quais podem ser observados na comunidade de Corinto. Isso é necessário para termos uma melhor compreensão do estilo de vida e da forma de pensamento, tanto eclesial quanto secular, das pessoas que ali viviam. Para conhecermos uma comunidade, precisamos entender o contexto social das pessoas que ali residem. Segundo Giuseppe Barbaglio, este deve ser o primeiro passo para abordarmos qualquer tema em uma pesquisa. Seria incoerente começar a discorrer sobre a Primeira Carta de Paulo à Igreja de Corinto, especificamente sobre o capítulo 15, sem antes entendermos como viviam e pensavam os cidadãos coríntios e qual era a religião deles. É desses cidadãos que provêm os membros da comunidade. Determinar com precisão a fisionomia da Igreja destinatária do intercâmbio epistolar do apóstolo, reconstruir, o mais fielmente possível, o quadro dos interlocutores, indicar, ao menos de modo aproximado, as modalidades segundo as quais a fé era vivida no vivo ambiente religioso e social de Corinto, tudo isso torna-se, portanto, condição indispensável para uma leitura inteligente e uma interpretação sólida, capazes, de ser significativas 5 e também relevantes para o homem de hoje. Estes, e tantos outros, assuntos supracitados relativos aos destinatários desta epístola vão contribuir para compreender melhor o capítulo 15, que será analisado no decorrer da pesquisa. Evidentemente, não abordaremos questões sociais como um fim em si mesmo, sem chegarmos a um denominador comum. Pelo contrário, o que se pretende é esboçar um pano de fundo que tenha nexo com a pesquisa proposta. Partindo do pressuposto de que “Paulo escreveu esta carta no primeiro século para uma comunidade cristã que fazia parte de uma sociedade que possuía 5 BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo. São Paulo: Loyola, 1989-1991. v. 2, p. 135. 14 suas próprias características peculiares à sua época”,6 faremos uma análise do contexto social e religioso, abordando algumas das particularidades do povo de Corinto, e, assim, também da comunidade cristã residente neste local. 1.1.1 A Corinto esplendorosa A Corinto que Paulo conheceu, assim como a cidade moderna que hoje conhecemos, localizava-se na península do Peloponeso, na Grécia, a 60 quilômetros de Atenas. Além de ser uma cidade portuária, o que fazia com que fosse uma cidade muito rica, tinha um comércio muito forte, o que a tornava muito conhecida como também desejada por outras nações vizinhas. Ferreira destaca que: “Em Corinto estavam presentes as ideologias romanas e gregas. Os diversos grupos filosóficos gregos desenvolviam suas reflexões intelectualizadas e abstratas”.7 Hoefelmann afirma o seguinte: Por sua localização estratégica entende-se, por que em Corinto floria a atividade comercial e por que era considerada um dos centros comerciais mais importantes do mundo antigo. [...] Além do seu vasto comércio, a atividade industrial estava fortemente presente em Corinto, a exemplo da produção da cerâmica e do bronze, além do artesanato em geral. Por isso não é de se estranhar que um dos três centros bancários da Grécia estava situado em Corinto. [...] A praça central da cidade, a agorá, estava ladeada por mercados (1Cor 10,25) e templos (1Cor 6,9), pelo tribunal (At 18,12), pela sede do governo, pelas basílicas (edifícios públicos em que se reuniam mercadores, banqueiros etc. para tratar de negócios), pela cadeia, pelos depósitos de distribuição de água, pelo museu e, um pouco mais afastado, 8 pelo odeão e pelo teatro (1Cor 4,9). Viver em Corinto era um sonho de consumo para muitas pessoas. Corinto era um dos mais importantes centros comerciais e de diversões daquele tempo. Ali eram realizadas muitas festas e espetáculos, desde os jogos esportivos até concursos de poesia e música. Era o que tinha de mais desenvolvido culturalmente em seu tempo. O teólogo Gottfried Brakemeier afirma que: 6 7 8 BULL, Klaus-Michael. Panorama do Novo Testamento: história, contexto e teologia. São Leopoldo: Sinodal, 2009. p. 72. FERREIRA, Joel Antônio. Primeira epístola aos Coríntios: a sabedoria cristã e a busca de uma sociedade alternativa. São Paulo: Fonte Editorial, 2013. p. 216. Disponível em: <http://seer.ucg.br/index.php/caminhos/article/viewFile/3040/1844>. Acesso em: 11 set. 2014. HOEFELMANN, Verner. Corinto: contradições e conflitos de uma comunidade urbana. Estudos Bíblicos, Sociologia das comunidades paulinas, n. 25, Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo: Vozes/Imprensa Metodista/Sinodal, 1990. 15 Corinto pertencia às metrópoles importantes na antiga Grécia. Destruída em 146 a.C., ela havia sido reerguida por Júlio César em 44 a.C., na condição de colônia romana. Em 27 a.C. torna-se capital da província da Acaia e, com isso, sede de um procônsul. Sua privilegiada situação geográfica no afamado istmo de Corinto, com acesso tanto ao mar Adriático quanto ao mar Egeu, era responsável pelo rápido progresso da cidade. Na qualidade de cidade portuária, destacava-se como centro mercantil e ponto de 9 encontro entre as nações do Oriente e do Ocidente. Bull afirma que “Corinto era uma cidade onde viviam pessoas de diversos grupos étnicos, cada qual com suas características”.10 Isto fazia com que fosse uma cidade multicultural, que atraía pessoas de diferentes partes do mundo, especificamente de origem asiática. Além do mais, a cidade de Corinto estava localizada em um lugar estratégico, o que fazia com que sua população crescesse rapidamente. Era uma cidade portuária, o que facilitava tanto a importação de mão de obra como também a exportação de seus produtos para outros povos. Havia muitas fontes de rendas procedentes do seu comércio que a tornavam uma cidade próspera e sem igual no Império Romano. As atividades comerciais que ali eram desenvolvidas traziam riqueza e ostentação a este lugar. Falando a respeito da prosperidade de Corinto, Lawrence O. Richards declara: Uma outra fonte de prosperidade era a indústria bancária que se desenvolveu ali. Um terceiro fator era a grande colônia de artesãos que se fixaram em Corinto. Por exemplo, o bronze de Corinto era apreciado por todo o Império, e as lâmpadas de Corinto eram exportadas para todas as terras. Finalmente, nos dias de Paulo, Corinto também era a capital da Acaia, e a atividade do governo trouxe tanto a população como a riqueza para sua cidade. O retrato que obtemos é o de uma comunidade atarefada e apressada, ativa e próspera, habitada por homens e mulheres ambiciosos, 11 ansiosos por prosperar e serem bem-sucedidos. Segundo Leon Morris, quem viajava de Roma para o Oriente tinha que passar por Corinto, proporcionando ainda mais oportunidades para que a cidade paulatinamente chegasse a ser muito rica. “Era um ponto de parada natural na rota 9 10 11 BRAKEMEIER, Gottfried. A Primeira Carta do Apóstolo Paulo à comunidade de Corinto: um comentário exegético-teológico. São Leopoldo: Sinodal, Faculdades EST, 2008. p.13. BULL, 2009, p. 73. RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural Do Novo Testamento. 7. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2012. p. 325. 16 de Roma para o Oriente, e o lugar onde se encontravam várias rotas de comércio”.12 Para evitar a distância e as tempestades em alto mar, os marinheiros preferiam ancorar suas embarcações nos portos de Corinto. A fim de evitar uma viagem de trezentos e vinte quilômetros ao redor do tempestuoso cabo Maleia, os navios ancoravam num destes portos, transportavam suas cargas pelo istmo e carregavam em navios que esperavam do outro lado. Barcos pequenos também eram rebocados. O 13 domínio deste comércio tornou rica a cidade de Corinto. Corinto se tornou a capital da Acaia, passando com isto a ter o privilégio de possuir um procônsul que residia ali. Havia um alto número de funcionários públicos. Era uma cidade invejável e relativamente segura, quase que invencível aos olhos humanos. A situação e prosperidade de Corinto atraíram muitas pessoas para morar ali. Um fator interessante é que Corinto havia sido destruída completamente em 146 a. C. Mas, independentemente desta tragédia, ela se reergueu no século seguinte, voltando então a ter sua nobreza como dantes. Os coríntios tinham orgulho de sua cidade e de sua cultura. Eles sentiam um grande contentamento por serem cidadãos coríntios. É o que vemos no tema seguinte, a respeito da rica história que esta cidade possuía. 1.1.2 História Corinto era uma cidade muito antiga e de muitas glórias. Tudo indica que teve início no segundo milênio a. C., exercendo grande influência na região central da Grécia por um longo período de tempo. O nome desta cidade é citado por Homero em uma de suas obras mais conhecidas. A cidade de Corinto aparece na Ilíada de Homero e, portanto, data do segundo milênio antes de Cristo. Exerceu influência sobre toda a península, o istmo e parte da Grécia central. No século 7 a. C., Corinto alcançou o seu apogeu devido à sua atração para o comércio. [...] Mas durante os dois 14 séculos seguintes, Corinto teve de enfrentar o poder da rival Atenas. 12 13 14 MORRIS, Leon. 1 Coríntios: introdução e comentário. 12. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 11. HORTON, Stanley M. 1 e 2 Coríntios: os problemas da Igreja e suas soluções. 7. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2012. p. 11. KISTERMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 16. 17 Esta sua influência um dia chegaria ao fim, por volta da metade do século IV antes de Cristo. Atenas e Esparta estavam vivendo um conflito armado, estavam em guerra. A primeira era tida como o padrão de excelência, o centro da civilização e da política do século V antes de Cristo, e a última era conhecida tradicionalmente por seu poderio militar. Neste período de conflito entre estas duas potências, Corinto se aliou com Atenas. De acordo com Simon Kistemaker, Corinto veio a sofrer algumas consequências por esta aliança com os atenienses. Durante a Guerra do Peloponeso (431 – 404 a. C), entre Atenas e Esparta, Corinto aliou-se a Atenas. Essa guerra enfraqueceu Atenas e Corinto de tal forma que Felipe II da Macedônia subjugou Corinto no ano 338 a. C. Seu filho, Alexandre o Grande, usou Corinto como um centro comercial e atração turística. Depois da morte de Alexandre (323 a. C.), Corinto assumiu a liderança das cidades-estados gregas no Peloponeso e no sul da 15 Grécia. Quando os romanos conquistaram a Grécia, por volta do século II a. C., eles deram a Corinto o direito de liderar as cidades que pertenciam à região da Acaia. Mas este privilégio não perdurou por muito tempo, pois meio século mais tarde Corinto viria a se rebelar, fazendo com que, sob a fúria de Lúcio Mummius, a cidade fosse praticamente varrida do mapa. Conforme Hernandes Dias Lopes, a cidade de Corinto permaneceu em escombros por cem anos até ser reconstruída novamente. A cidade de Corinto fora destruída e totalmente arrasada pelos romanos no ano 146 a. C. Ficou coberta pelas cinzas do opróbrio e de abandono por cem anos. Somente por volta do ano 46 a. C. é que César Augusto a 16 reconstruiu. A partir daí a cidade de “Corinto emergiu para uma nova prosperidade, adquirindo um caráter cada vez mais cosmopolita”.17 Quando “Júlio César a reconstruiu, ele restaurou os dois portos mais importantes que existiam em Corinto: Lacaeum e Cencreia. A cidade se reergueu como centro comercial e atraiu pessoas de várias partes do mundo”.18 15 16 17 KISTEMAKER, 2004, p. 16. PETER, 1983 apud LOPES, Hernandes Dias.1 Coríntios: como resolver conflitos na Igreja. 4. ed. São Paulo: Hagnos, 2013. p. 11. PRIOR, 1993 apud LOPES, 2013, p. 11. 18 1.1.3 O Povo Tudo indica que de início os habitantes da nova Corinto eram romanos, pois Corinto era uma colônia romana. Mas ao longo dos anos muitos imigrantes vindos de várias partes do mundo se estabeleceram na cidade. Dessa forma, é possível concluir que os habitantes da Corinto romana provinham de diversas regiões, o que caracteriza essa cidade como um conglomerado de indivíduos que, apartados das suas comunidades de origem, trouxeram consigo tradições culturais particulares: gregas, romanas e judaicas. Foi nesse ambiente social multifacetado que se desenvolveu a 19 missão paleocristã empreendida por Paulo. Era uma cidade grega que não tinha muitos gregos em comparação com outras cidades da Grécia; por outro lado, como colônia romana, não parecia romana. A população era formada na sua maioria por pessoas de outras regiões, distantes ou próximas de Corinto. Leon Morris, comentando esse aspecto, diz: “Ali, gregos, latinos, sírios, asiáticos, egípcios e judeus, compravam e vendiam, trabalhavam e folgavam, brigavam e se divertiam juntos, na cidade e nos portos, como em nenhuma outra parte da Grécia”.20 Havia uma miscigenação de pessoas vivendo em um mesmo ambiente. Muitos ex-soldados, como também escravos libertos, vindos de Roma, encontraram em Corinto um ótimo lugar para reconstruir sua vida. Era “uma cidade mais latina do que grega”.21 Homens e mulheres, que moravam ao redor do Mediterrâneo, viam em Corinto um lugar de refúgio e esperança para uma vida melhor. “Todas estas pessoas trabalhavam em Corinto ou em algumas das suas cidades portuárias, tornando Corinto um centro de comercio internacional”.22 18 19 20 21 22 KISTEMAKER, 2004, p. 17. MENDES, Simone Rezende da Penha. Paulo e a Ekklesia de Corinto: conflitos sociais e disputas de autoridade no período paleocristão. Dissertação. 182 f. (Mestrado) - Programa de PósGraduação em História Social das Relações Políticas, Centro de Ciências Humanas e naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012. p. 116. Disponível em: <http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_4768_.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2014. PARRY, apud MORRIS, 2008, p.12. PARÓQUIA SANTA CRUZ. Estudo Bíblico da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. A comunidade: o retrato de Deus nos rostos humanos. Disponível em: <http://www.parsantacruz.org.br/estudo-biblico-primeira-carta-de-paulo-aos-corintios-acomunidade-o-retrato-de-deus-nos-rostos-humanos/>. Acesso em: 12 set. 2014. KISTEMAKER, 2004, p. 17. 19 Lawrence O. Richards comenta que em “46 a. C quando foi restabelecida por Júlio César, Corinto foi habitada por veteranos do exército e homens livres”.23 Tudo isto contribuiu para o crescimento da economia e diversidade cultural de Corinto. Apesar de ser uma cidade hospitaleira, o que em partes cooperou para que povos de diferentes lugares fixassem ali sua moradia, este crescimento populacional desenfreado também trouxe consigo a desigualdade e a promiscuidade. Havia uma disparidade social muito grande em Corinto. Havia muitas pessoas ricas e cultas, comerciantes, bancários, artesãos, filósofos, músicos e funcionários públicos do alto escalão, mas a população em sua maioria não gozava desta ostentação. O poder estava nas mãos de uns poucos. Existiam muitas pessoas pobres que trabalhavam na agricultura, nas cidades provincianas, sem contar o trabalho escravo, que movimentava boa parte da mão de obra da cidade de Corinto. Em Corinto morava a maioria dos latifundiários da Grécia. Isso colaborou para que a cidade ostentasse um abismo gigantesco entre ricos e pobres e a consequente exploração dos poderosos sobre os fracos. [...] Isso nos leva a constatar que o poder econômico e político estavam concentrados nas mãos de poucos privilegiados, que viviam explorando os pobres e escravos e se deliciando com festas, música, teatro e com Jogos ístmicos, famosos 24 em toda região. Para se ter uma ideia, Stanley descreve que talvez “em Corinto existisse uma população de aproximadamente quatrocentos mil escravos dentre os quais se encontravam muitos judeus”.25 Em certo sentido, todos estes diversos grupos de pessoas que residiam ou que passavam por Corinto, enriqueciam tanto cultural como religiosamente seus moradores e aqueles que entraram em contato com eles. Por outro lado, esta diversidade levou seus habitantes a uma depravação moral e espiritual. 1.1.4 Religião e Cultura 23 24 25 RICHARDS, 2012, p. 325. BORTOLINI, José. Como Ler A Primeira Carta aos Coríntios: Superar os conflitos em comunidade. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2008. p. 13. HORTON, 2012, p. 11. 20 Em Corinto não havia uma religião especifica ou que predominasse. Havia diversos tipos e formas de religiões. Eles permitiam que vários grupos religiosos praticassem ali a sua fé como bem entendessem. O culto aos deuses era muito comum entre os coríntios. Em Corinto havia todo tipo de religião e cultos. Por ser cidade com dois portos, aí cultuava-se Poseidon, o deus do mar. O culto à deusa Roma era muito forte, e isso “fazia a cabeça” do povo, pois a deusa lembrava de perto o Império Romano que, em nome da religião, mantinha o mundo inteiro 26 dominado e explorado. Até o próprio imperador era visto como deus. Conforme José Bortolini, “na fortaleza da cidade havia o templo a Afrodite, deusa do amor e da fecundidade. Cerca de mil mulheres acolhiam e iniciavam os devotos dessa deusa na arte do amor”.27 Os moradores de Corinto não faziam distinção entre sagrado e profano. Parece que religião e sexualidade estavam inteiramente ligadas uma à outra. Tinha fama de cidade depravada e licenciosa, onde a busca pelo prazer era o que mais importava. Comentando a Primeira Carta aos Coríntios, Hernandes D. Lopes diz: “Em Corinto se confundia religião com prática sexual. Naquela cidade, a deusa Afrodite era adorada e tinha o seu templo sede na Acrópole, uma montanha com mais de 560 metros de altura, na parte mais alta da cidade”.28 Acredita-se que mais de mil mulheres trabalhavam no templo da deusa Afrodite como sacerdotisas. Elas eram tidas como prostitutas cultuais que serviam à deusa Afrodite. Era uma verdadeira mistura de “espiritualidade” com luxúria que se vivia no templo desta deusa. Quando os coríntios visitavam estas sacerdotisas, eles de certa forma também estavam adorando seus deuses. Lopes chega a dizer que: Se não bastasse isso, essas prostitutas cultuais, à noite, desciam para a cidade de Corinto e se entregavam aos marinheiros e turistas que ali chegavam de todos os cantos do mundo. E, então, o clima da cidade era 29 profundamente marcado pela promiscuidade sexual. 26 27 28 29 BORTOLINI, 2008, p. 14. BORTOLINI, 2008, p. 14. LOPES, Hernandes Dias. 1 Coríntios: Como resolver conflitos na Igreja. 4. ed. São Paulo: Hagnos, 2013, p. 14. LOPES, 2013, p. 14. 21 O culto ao corpo, ao prazer, era o que predominava ali. Não havia limites ou leis de consciência. Eram os desejos desenfreados que predominavam nesta comunidade. "A cidade tinha má fama. Naquele tempo, 'viver como coríntio' era a mesma coisa que entender e viver desordenadamente a sexualidade".30 Muitos se referiam a Corinto como a cidade da fornicação e da prostituição. Viver uma vida “coríntia” era sinônimo de viver uma vida profana e depravada. Com relação à comunidade cristã que ali vivia, é notável que estivesse passando por alguns conflitos que a afetavam, tanto interna quanto externamente. 1.2 A situação da comunidade de Corinto Após ter pregado o evangelho em Filipos, Tessalônica, Bereia e em Atenas, “Depois do discurso de Paulo no aerópago, em Atenas, onde se deu o encontro do Evangelho com a cultura grega”,31 Paulo se retira e vai para Corinto. Ele se dirige para Corinto e permanece ali, por um ano e meio, pregando aos coríntios. Informações sobre os inícios da comunidade se encontram em At 18.1-17. Durante este período, muitas pessoas foram convertidas e batizadas, aceitando a fé cristã. Nasceu uma numerosa e florescente comunidade cristã, composta, sobretudo de pagãos. Pode-se dizer, na verdade, que em Corinto verificouse um encontro entre a fé cristã e a cultura helênica que, sem exagero, pode-se definir como histórico. Pessoas de matriz étnica e cultural de um novo mundo, congregadas em torno do anúncio de Cristo morto e ressuscitado, empenharam-se em inserir em suas vidas o mesmo evangelho pregado na Palestina por Jesus e pelos apóstolos. Era inevitável que se verificasse um processo de profunda e radical encarnação da fé 32 cristã. Os cristãos de Corinto não eram muitos, talvez não fossem mais que uma centena de pessoas. Provavelmente não tinham a mesma origem, provinham de raças distintas. Pelo que tudo indica, a maioria era formada por pessoas pobres, marginalizadas e ignorantes à vista da sociedade (1 Co1.26-29). Assim, inicia-se ali uma comunidade cristã fundada pelo apóstolo Paulo, e que, após sua partida, foi liderada por Apolo (At 19.1). 30 31 32 BORTOLINI, 2008, p. 14. PAULINAS. A missão de Paulo em Corinto. 2002. Disponível em: <http://www.paulinas.org.br/sab/pt-br/?system=paginas&action=read&id=1753>. Acesso em: 27 ago. 2014. BARBAGLIO, 1989-1981, p. 136. 22 Passaram-se alguns anos. “Paulo agora estava em Éfeso, onde recebeu informações dos da casa de Cloe não muito agradáveis sobre a igreja de Corinto”.33 A igreja agora estava cercada por tensões e conflitos que cresciam a todo o momento. 1.2.1 Problemas de Liderança Talvez pela diversidade étnica e social dos crentes que formavam a comunidade de Corinto, alguns conflitos começaram a surgir na igreja após a partida de Paulo. O fato de a congregação reunir pessoas com tal diversidade pode ter causado uma desestabilidade emocional e espiritual na igreja de Corinto. Na igreja havia cidadãos ricos e pobres, como também judeus e gentios convertidos ao cristianismo. “Depois da partida de Paulo, a comunidade se desuniu, formando grupos simpatizantes com este ou aquele agente pastoral que passava pela cidade”.34 Surge então uma divisão interna na igreja, que fez com que as pessoas se afastassem uma das outras. Paulo estava no seu último ano de ministério na cidade de Éfeso, quando recebe informações de que a igreja de Corinto não estava indo muito bem. As informações eram muitas e poucas delas eram boas. Paulo soube que havia divisões na igreja, que estava dividida em 4 grupos. Grupos que se formaram em torno de personalidades, de pessoas que tinham tido uma participação no passado recente da igreja, como o próprio Paulo e Apolo (cap. 3:4). Havia até um grupo que talvez fosse o mais perigoso deles que era o “grupo de Cristo” (‘...e eu, de Cristo” [Cap 1:12]). Eles diziam que não eram seguidores de homem algum e sim de Cristo. Era como se dissessem: não queremos estar debaixo da orientação ou da instrução e autoridade de qualquer homem porque recebemos tudo diretamente de Cristo. Alguns estudiosos têm identificado este grupo como o “grupinho dos espirituais” que falavam em línguas e se gloriavam por terem experiências extraordinárias; que não aceitavam a autoridade de Paulo na igreja e outras 35 coisas mais. A questão em jogo aqui era quem tinha maior controle, qual grupo tinha mais prestígio e quem tinha mais influência na igreja. “A igreja estava dividida em grupos e cada um seguia um líder: Paulo, Apolo, Cefas ou Cristo”,36 cada qual procurando 33 34 35 36 BARBAGLIO, 1989-1981, p. 137. BORTOLINI, 2008, p. 15. LOPES, Augustus Nicodemus. Corinto: uma igreja com problemas de disciplina: uma análise de 1 Coríntios 5. Disponível em: <http://thirdmill.org/files/portuguese/84988~9_18_01_3-36-43_PM~Corinto.html>. Acesso em: 26 ago. 2014. KISTEMAKER, 2004, p. 25. 23 obter a supremacia sobre o outro, independente de qualquer coisa, ainda que isto afetasse a comunidade tanto moral quanto socialmente. 1.2.2 Problemas morais e sociais O apóstolo Paulo inicia o capitulo 5 falando da imoralidade que reinava na igreja de Corinto. Ele chega a dizer que “nem mesmo entre os gentios havia tal depravação, a ponto de o filho possuir sua própria madrasta”.37 Além do mais, a igreja, estando a par de toda esta situação, não tomava nenhuma providência para solucionar o problema, ou seja, era conivente com esta ocorrência. Os membros da comunidade tinham se perdido em sua conduta, se é que alguma vez tiveram a noção de certo ou errado no que diz respeito ao estilo de vida cristão. Eles viviam como as outras pessoas da sociedade. A diferença era que agora faziam parte de um grupo de crentes que aceitaram o evangelho pregado por Paulo, mas, pelo que parece, não faziam jus a esta suposta conversão. As contendas entre os irmãos eram comuns, sem contar que eles não procuravam resolver os problemas pacificamente, mas levavam as demandas pessoais às instâncias jurídicas públicas, aumentando ainda mais o descrédito sobre o nome e a fé que eles professavam (1Co 6.1-11). Alguns problemas referentes à viuvez, castidade, e tantas outras coisas rondavam a igreja e ameaçava sua unidade (1Co 7). Outros problemas sociais existentes na comunidade de Corinto estavam relacionados a casais, pessoas separadas ou divorciadas, solteiras e viúvas. A igreja enviou uma carta a Paulo em que os membros buscavam 38 sua orientação em questões relativas ao casamento. Paulo então responde a todas estas questões, fundamentando-se na Escritura, na tradição cristã e em seu próprio discernimento. Em base às informações recebidas sobre a comunidade, Paulo escreve a Primeira Carta aos coríntios. Corinto era uma comunidade muito rica em dons; mas, ao mesmo tempo, tinha muitos problemas de todo o tipo: familiar, social, gênero, moral. A primeira carta responde a essa situação. Aborda, pois, vários temas. Alguns ligados à divisão interna na comunidade (formação de grupos e partidos: 1Cor 1,10-11); em outros esclarece dúvidas 37 38 BARBAGLIO, 1989-1981, p. 138. KISTEMAKER, 2004, p. 27. 24 quanto ao matrimônio, aos carismas, à celebração eucarística, à 39 ressurreição dos mortos. Ele não permite que maiores especulações gerem outras tensões na comunidade de crentes. Ao recorrer ao livro de Gênesis, ele reafirma aquilo que era o propósito de Deus para o homem e a mulher, não dando margem para supostas interpretações de um ou de outro grupo existente ali. 1.2.3 Problemas religiosos e culturais Os problemas religiosos e culturais também estavam presentes na comunidade. Percebe-se que alguns grupos queriam impor determinados costumes relativos à sua cultura ou, quem sabe, ao contexto social no qual viviam como se fossem ponto de salvação. “A cruz de Cristo perdeu sua importância. Outros temas eram mais interessantes”.40 Sendo assim, esquecia-se de praticar a fé cristã de forma pura e verdadeira. Além do mais, o desejo por status fazia com que os vários grupos em Corinto reivindicassem de maneiras distintas seus “supostos” direitos eclesiásticos naquela comunidade. Um grupo reivindicava superioridade, porque sua lealdade estava dedicada a um líder humano mais impressionante (capítulos 1-4). Outro reivindicava ser mais espiritual, porque seus membros abstinham-se do sexo no casamento (capítulo 7). E ainda outro, porque seus membros não comiam a carne que era proveniente dos mercados de carne pagãos (capítulo 8). [...] Por diversas vezes, sentimos a luta dos cristãos em Corinto para estabelecer uma hierarquia dentro da comunidade da fé; uma hierarquia que, na escala de valores deste ou daquele grupo, os tornaria superiores 41 aos demais! Para piorar ainda mais a situação, havia muitos problemas doutrinários que estavam assolando a igreja de Corinto. Ela não tinham se solidificado na palavra de Deus. As dúvidas eram muitas. Alguns chegavam até a negar o apostolado de Paulo, não aceitando sua legitimidade de apóstolo de Jesus Cristo. Um conflito levava a outro e cada vez mais os coríntios submergiam nestas discussões, chegando a não só aceitar como também a pregar alguns ensinamentos contrários àquilo que Paulo lhes tinha pregado, conforme Augustus Nicodemus: 39 40 41 PAULINAS, 2014. BOOR, Werner de. Carta aos Coríntios. Curitiba: Esperança, 2004. p. 22. RICHARDS, 2012, p. 324. 25 A igreja tinha todas estas divisões e além disso tinha problemas de ordem doutrinária. Um grupo não aceitava a ressurreição dos mortos (cap. 15). Havia um espírito faccioso naquela igreja; existiam problemas com respeito à doutrina da liberdade cristã (10:28). “Será que posso comer carne sacrificada aos ídolos”? Os “fortes” diziam que sim e subestimavam os “fracos”. Havia problemas com respeito às questões do casamento (cap. 7): O que é mais espiritual? Casar ou ficar solteiro? A igreja estava dividida por uma série de problemas que se refletiam no culto. Os “espirituais” falavam línguas sem interpretação para a igreja e desta forma não edificavam (14:5); os profetas falavam, mas não havia ordem de quem deveria falar primeiro (14:29, 32); as mulheres entusiasmadas estavam querendo tirar qualquer sinal de que há uma diferença entre homem e mulher dentro da ordem da criação de Deus (11:8-9); na hora da Santa Ceia havia pessoas que até se embriagavam (11:21) e participavam do sacramento sem ter o espírito apropriado. Corinto era uma igreja com graves complicações. Mas, mesmo considerando isso, era uma igreja que se gloriava de ser “espiritual”. Afinal, muitos, na concepção deles, não tinham os dons que indicavam a presença do Espírito Santo? Muitos não estavam falando em línguas durante o culto (Cap. 14)? Outros não estavam profetizando e trazendo palavra de revelação? A igreja pensava que era espiritual e considerava-se assim 42 apesar de estar toda minada de problemas. Sem sombra de dúvidas, a igreja em Corinto estava vivenciando não apenas problemas de ordem moral ou social, mas também problemas doutrinários. O principal deles dizia respeito à ressurreição. 42 LOPES, 2014. 2 O PROBLEMA DA RESSURREIÇÃO 2.1 A Ressurreição Como já vimos, a carta aos Coríntios retrata uma das comunidades mais problemáticas do Novo Testamento. Nela o apóstolo Paulo responde a questões conflituosas na igreja local, como também sobre confusões doutrinárias que havia entre eles. Após responder a questões de aspectos morais, sociais, culturais e eclesiásticos no decorrer da carta, Paulo passa a falar a respeito de um tema que estava ocasionando algumas divergências na comunidade cristã de Corinto: “a resistência de alguns membros da comunidade de Corinto a aceitar a ressurreição dos mortos dá a Paulo a oportunidade de nos oferecer uma esplêndida e definitiva reflexão teológica sobre a ressurreição de Jesus Cristo e dos cristãos”. 43 Segundo Kistermaker, possivelmente nenhum irmão chegou a pedir alguma informação sobre a ressurreição. Mas, pelo que parece, Paulo aproveitou o ensejo para tocar neste assunto que para ele era fundamental na vida do crente, pois está relacionada à salvação. Nada indica que os leitores tenham pedido alguma orientação de Paulo sobre a doutrina da ressurreição. Mas havia chegado ao seu conhecimento que alguns membros da igreja de Corinto negavam a existência da ressurreição (15.12). Nas observações iniciais de sua epístola, Paulo escreveu sobre a expectativa do retorno de Jesus (1.8). Isso é revelador por causa do longo discurso de Paulo sobre a ressurreição física do corpo (15.12-58) e sua discussão sobre a escatologia. Paulo escreve que os coríntios corriam o risco de serem desviados do caminho por doutrinas errôneas sobre a ressurreição de Cristo (15.12, 33,34). No começo e no fim de sua epístola, Paulo encoraja seus leitores a aguardarem o retorno de 44 Cristo. Esta doutrina era uma questão debatida na igreja de Corinto. Richards afirma que “alguns dentre eles ensinavam que nenhuma ressurreição aguarda os crentes”.45 O mais importante era viver o momento, o agora. 43 44 45 OPORTO, Santiago Guijarro; GARCIA, Miguel Salvador (Orgs.). Comentário ao Novo Testamento. São Paulo: Ave-Maria, 2006. p. 446. KISTEMAKER, 2004, p. 28. RICHARDS, 2012, p. 360. 28 A respeito da ressurreição, circulavam em Corinto as mais diferentes opiniões. Alguns não admitiam qualquer possibilidade de vida além da morte. Para eles, o melhor que se pode fazer é aproveitar a vida enquanto dura: “comamos e bebamos, pois amanhã morreremos” (cf.15,32). Outros acreditavam que a alma era imortal. Mas visto que desprezavam a matéria como algo ruim, não admitiam a ressurreição dos corpos. Outros pensavam que, quando Cristo viesse no final dos tempos, os mortos não iriam participar da vida com Deus. Junto com os que não acreditavam na ressurreição dos corpos, perguntavam: “como é que os mortos ressuscitam?” (15,35). Outros, enfim, pensavam que a ressurreição é 46 pertencer, desde agora, a Jesus Cristo, e nada mais. Em se tratando de um assunto de suma importância para a fé cristã, Paulo não poderia permitir que tais distorções continuassem afetando o desenvolvimento harmônico e espiritual da igreja. O motivo das controvérsias a respeito deste tema talvez sejam alguns conceitos não-bíblicos, e até mesmo por não ser um assunto tão bem elaborado como tantas outras doutrinas bíblicas. 2.1.1 Conceito grego de vida após a morte Os gregos não criam na ressurreição como na tradição judaico-cristã. A esperança em relação à vida eterna, como proclamada pelo cristianismo, não fazia parte da mentalidade helênica. De acordo com Brakemeier, a ressurreição era algo desconhecido no mundo pagão. No mundo pagão, é claro, ressurreição dos mortos era convicção desconhecida. Epitáfios em cemitérios da época demonstram trágica desesperança frente à fatalidade da morte. Entre os intelectuais gregos e 47 romanos, ganha espaço a afirmação da imortalidade da alma. Nos escritos de filósofos como Platão, Sócrates, Aristóteles e outros mais, está permeada a ideia de uma vida além da morte. Charles R. Erdeman destaca que “para a mente do filósofo grego a própria idéia de uma ressurreição corporal era grotesco e absurdo”.48 É claro que eles não se referem à ressurreição, mas sim, à imortalidade da alma. 46 47 48 BORTOLINI, 2008, p. 62-63. BRAKEMEIER, Gottfried. Por que ser cristão. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 35. "To the mind of Greek philosopher the very idea of a bodily resurrection was grotesque and absurd". ERDMAN, Charles R. The First Epistle of Paul to the Corinthians: an exposition. Philadelphia: The Westminster Press, 1929. p. 158. 29 O antigo Oriente Próximo não conhecia a doutrina da vida após a morte correspondente ao ensino bíblico sobre a ressurreição. [...] Os gregos criam na imortalidade da alma e na vida consciente após a morte, mas nada 49 sabiam sobre uma ressurreição, conforme ensinada na Bíblia. Para os gregos, a morte não era encarada como algo ruim, pelo contrário, eles viam na morte do ser humano um meio de se livrar do corpo – a matéria – que era considerada de natureza inferior. A crença na dicotomia entre alma e corpo fazia crer que a alma é boa enquanto que o corpo não. Sendo assim, a alma está presa a algo que é mau por natureza – o corpo. Portanto, após a morte a alma se liberta do corpo e continua seu caminho em busca da perfeição. Esse pensamento difere dos escritos do Antigo Testamento, no qual este tema foi se definindo e se consolidando aos poucos. 2.1.2 Conceito de ressurreição no Antigo Testamento A doutrina da ressurreição não está tão desenvolvida no Antigo Testamento quanto nos escritos neotestamentários. Apenas em alguns livros o assunto é comentado. Pelo que parece, não existia uma ideia formada a respeito de tal assunto. Tudo parecia muito vago. Mas isto não que dizer que não existiam referências ao tema da ressurreição. A doutrina da ressurreição pessoal não foi desenvolvida no AT. [...] Sem dúvida, a afirmação mais clara do AT pode ser encontrada em Daniel 12.2: “E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna e outros para vergonha e desprezo eterno”. [...] Isaías aguardava o dia em que o Senhor “aniquilará a morte para sempre” (Is 25.8) e proclamou: “Os teus mortos viverão, os teus mortos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó, porque o teu orvalho, ó Deus será como 50 orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos” (Is 26.19). Nos textos supracitados dos profetas Daniel e Isaías é possível entender que a ressurreição de que falam é a mesma abordada no Novo Testamento. Eles falam da ressurreição do corpo e não da alma. Mas ainda assim, a esperança além da morte não é assunto unânime. Ainda que não existisse uma uniformidade, alguns escritos judaicos mais recentes falam claramente de uma ressurreição dos mortos, e 49 50 BRUNT, John C. Tratado de teologia adventista do sétimo dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011. p. 360. RICHARDS, 2012, p. 361-362. 30 que os seres humanos deverão comparecer perante Deus em algum momento.51 Mas ainda que tais livros falem de uma ressurreição, não se pode afirmar que a doutrina da ressurreição já estivesse formulada nos escritos do Antigo Testamento. Stanley M. Horton afirma que “a ideia da ressurreição não foi plenamente desenvolvida no Antigo Testamento”.52 Pois o que se percebe é que ainda assim, alguns grupos religiosos do judaísmo não criam que haveria ressurreição. 2.1.3 Conceito judaico de ressurreição Ao que tudo indica determinados grupos religiosos do judaísmo do tempo de Jesus não acreditavam na ressurreição. Um exemplo bem claro são os saduceus. Eles não tinham alguma esperança com relação à vida futura; acreditavam que aqui nesta terra era o fim de tudo (Mc 12.18-27; At 23.6-8). Possivelmente os samaritanos também não acreditavam na ressurreição, pois seus escritos sagrados se limitavam apenas ao Pentateuco, no qual o tema não aparece com clareza, mesmo que Jesus tenha tentado enxergar a ressurreição no Pentateuco em sua conversa sobre o tema com os saduceus (Mc 12.26-27). Outro grupo do judaísmo que possivelmente não acreditava na ressurreição era o dos essênios. Brakemeier declara: Surpreendente é que os textos de Qumran, redigidos pouco antes do inicio da era cristã, guardam silêncio sobre o assunto. A seita cuja biblioteca foi sensacionalmente reencontrada em 1947 nas grutas do Mar Morto, 53 aparentemente não acreditava em ressurreição. Como a crença da ressurreição não era unânime nas Escrituras tidas como sagradas, é possível que tais grupos religiosos não tenham assumido a ressurreição como parte de seu credo. Apenas nos escritos mais recentes, sob a influência do movimento apocalíptico, é que o tema entrou com maior força no judaísmo. Em certo sentido, a "imortalidade da alma também foi assimilada pelo judaísmo",54 como se pode perceber no historiador judeu Flávio Josefo, que nos seus escritos intenta ser compreendido pela cultura greco-romana. Isso corrobora a ideia de que tudo era 51 52 53 54 Livros como Apocalipse de Enoque, Baruque, IV Esdras e outros afirmam que ocorrerá uma ressurreição de mortos. BRAKEMEIER, 2004, p. 34-35. HORTON, 2012, p.146. BRAKEMEIR, 2004, p. 35. BRAKEMEIR, 2004, p. 35. 31 algo ainda não muito bem assimilado pelo judaísmo. Havia muita coisa vaga que precisava ser solidificada para se definir a doutrina da ressurreição. Durante o período intertestamentário, a ressurreição desempenhou papel destacado no pensamento judaico, embora as ideias sobre ela diferissem e nem todas fossem aceitas. J. Charlesworth observa (68) que a crença na ressurreição “não era posse exclusiva dos fariseus. Ela se encontra em muitos tipos de literatura, com destaque para 2Macabeus, os Salmos de Salomão [...] não havia nenhuma ortodoxia judaica quanto ao tempo, modo 55 e lugar da ressurreição, da imortalidade e da vida eterna” (180). Não é de admirar que nem todos aceitassem a pregação da doutrina da ressurreição proclamada pelos discípulos. O fato de eles realçarem tanto este tema em seus discursos nos mostra que a ressurreição ainda não era aceita por todos, e que precisava estar sempre enfatizando esta nova doutrina que era parte essencial da fé cristã. 2.2 A igreja primitiva e a ressurreição Por mais que o Antigo Testamento e os escritos judaicos não façam muitas referências a respeito da ressurreição, como é descrita no Novo Testamento, isso não quer dizer que a igreja primitiva que derivou do judaísmo não acreditasse nesta doutrina. A ressurreição de Jesus, por exemplo, foi proclamada já no inicio do primeiro século por Pedro como também pelos apóstolos, tornando-se base fundamental para o cristianismo. A ressurreição de Jesus Cristo não se tornou uma doutrina articulada na época (cerca de 55d.C) em que Paulo escreveu sua primeira epístola aos coríntios. Longe disso. Quando Pedro se dirigiu à multidão de judeus devotos no dia de Pentecostes, presumivelmente em 30 d.C., ele já proclamou a ressurreição de Jesus (At 2.24-36). Através de todo o livro de Atos nós lemos que os apóstolos pregavam a doutrina da ressurreição tanto a judeus como a gentios em Jerusalém, Antioquia da Pisídia, Atenas e Roma. Esta doutrina era fundamental na pregação apostólica e revelou-se a 56 base da fé cristã (compare, por ex., At 17. 18). No livro de Atos, Lucas descreve que muitos sacerdotes se convertiam ao cristianismo. Estes sacerdotes não faziam parte da seita dos saduceus que não criam na ressurreição. Sendo assim, seguramente eles também professavam a 55 56 BRUNT, 2011, p. 410. KISTEMAKER, 2004, p. 727. 32 crença na ressurreição. De acordo com Stanley M. Horton "a igreja primitiva proclamou a ressurreição de Jesus e dos crentes, apesar de que em Atenas alguns tenham zombado da ideia da ressurreição".57 Brakemeier afirma que "as primeiras comunidades cristãs confessavam a ressurreição dos mortos não por simpatia ou por fidelidade a alguma tradição. Mas sim, por um motivo maior – a ressurreição de Jesus de Nazaré".58 2.2.1 A igreja de Corinto e a ressurreição Toda comunidade, seja ela religiosa ou não, se torna fruto do meio em que vive. Não foi diferente com a igreja de Corinto. A cultura grega fazia parte do cotidiano dos crentes que ali residiam. Por mais que alguns não fossem originários da região, eles agiam e pensavam como gregos. Com o passar dos tempos iam assimilando o pensamento corrente do momento, tornando-se cada vez mais multicultural sua maneira de interpretar a fé cristã. O que se percebe é que em Corinto havia um relativismo com relação à doutrina da ressurreição. Mauro Schwalm fala que “Toda a idéia da crença cristã na ressurreição dos mortos era negada por uma parcela da comunidade”.59 Dentro da comunidade havia pessoas que acreditavam e que não acreditavam na ressurreição, sem contar aqueles que tinham pensamentos distorcidos a respeito do assunto. A influência da filosofia grega mexeu com a fé dos crentes em Corinto. Paulatinamente eles foram mesclando a fé cristã com os ensinos filosóficos. A igreja de Corinto começou a abandonar a sua fé e a substituir a teologia pela filosofia grega. A filosofia grega acreditava na imortalidade da alma, mas não na ressurreição do corpo. Ela acreditava na vida futura, mas não 60 na ressurreição. Os gregos acreditavam no dualismo filosófico. Este “casamento” entre a filosofia grega e a teologia não concederam resultados satisfatórios para a igreja de Corinto. Os malefícios foram maiores que os 57 58 59 60 HORTON, 2012, p.147. BRAKEMEIER, 2004, p. 36. KÜMMEL, Werner Georg, 1982 apud SCHWALM, Mauro. Auxílio homilético: 1 coríntios 15. 20-28. Proclamar Libertação, São Leopoldo: Sinodal, v. XXX, 2005. Disponível em: <http://martimlutero.com.br/conteudo/1-corintios-15-20-28-1>. Acesso em: 13 nov. 2014. LOPES, 2013, p. 274. 33 benefícios, se é que havia algum. A comunidade estava dividida. Uma única igreja pregando o mesmo assunto de maneira dessemelhante. Se a ressurreição foi pregada ou não pelo apóstolo Paulo, quando evangelizou Corinto, é outro assunto. Mas, independente de qualquer coisa, ele não permite que o assunto passe em branco. Antes, faz sua defesa baseado nas escrituras de que a ressurreição é uma doutrina de grande importância para o cristianismo e que não deveria ser tratada levianamente. 2.2.2 O apóstolo Paulo e a ressurreição em Corinto À medida que o apóstolo Paulo se aproxima da conclusão da Primeira Carta aos coríntios, ele se volta para a derradeira questão: alguns dentre eles estavam ensinando que não existe ressurreição alguma aguardando os crédulos. Não se sabe ao certo de quem, ou como, Paulo obteve estes conhecimentos. Brakemeier afirma que “são desconhecidos os canais através dos quais o apóstolo obteve a informação”.61 Mas, seguramente, foram pessoas que faziam parte da própria comunidade que lhe informaram. Independente do procedimento de tais informações, o que se sabe é que havia um problema da natureza escatológica reinante ali. A igreja de Corinto vivia uma esperança escatológica presente: eles esperavam que Jesus voltasse em seus dias e que os acontecimentos concernentes a este evento ocorressem o mais breve possível. Portanto, por mais que Paulo, quando esteve em Corinto, tivesse proclamado a ressurreição de Cristo aos crentes, o que se via eram interpretações equivocadas a respeito da ressurreição. É certo que nem todos simpatizavam com os pensamentos que tinham como fonte a filosofia grega. Por exemplo, os judeus não acreditavam que havia uma separação entre corpo e alma. Para eles, o ser humano era uma unidade indivisível. Mas o problema estava aí e precisava ser solucionado, ou então colocaria em jogo todo o evangelho. Paulo precisava abordar o tema com muita sabedoria e fundamento sólido nas Escrituras para reverter o quadro caótico em que viviam os crentes em Corinto. Foi o que ele fez: 61 BRAKEMEIER, 2008, p. 191. 34 Ele começa a mostrar que aquela negação não pode ser apoiada por um momento sequer, pois a ressurreição do crente é parte integrante da fé. Sem essa esperança, os cristãos seriam “os mais infelizes de todos os homens”(v. 19). Paulo parte dos primeiros princípios. Mostra que a ressurreição de Cristo é fundamental para o Evangelho, e daí, que a 62 ressurreição de Cristo implica na ressurreição do cristão. Os perigos em não aceitar a ressurreição eram vários. Pois se não havia ressurreição, consequentemente não haveria o juízo e cada qual poderia viver como melhor entendesse; afinal de contas, os gregos não acreditavam que os mortos ressuscitariam. Paulo, como em nenhum outro lugar na Bíblia, trata deste tema com firmeza, dizendo exatamente o contrário do que ensinavam os filósofos: os mortos ressuscitam. A base de sua argumentação é a de que Cristo ressuscitou dentre os mortos. Ele está vivo, e pode vivificar a todos quantos morreram. Crer na ressurreição é crer na vida eterna, é esperar na certeza daquele que vive pelos séculos dos séculos. A partir de então o apóstolo inicia sua defesa, ensinando que a ressurreição tem como base as Escrituras Sagradas e a tradição cristã, e que não é algo inventado por uma mera mente humana, ou quem sabe um pensamento alucinado de um individuo ou de um grupo de pessoas fanáticas. Paulo ensina a doutrina da ressurreição de Cristo a partir das Escrituras e de numerosos relatos de testemunhas oculares (vs.1-11). Entre as testemunhas oculares menciona os doze apóstolos, junto com Tiago e ele próprio. Ele também observa que um grupo de quinhentos crentes vira Jesus ressurreto. O testemunho dessas pessoas fortalece a fé dos leitores 63 em Cristo. O apóstolo mostra para igreja de Corinto que o que eles estavam pregando sobre a ressurreição era algo infundado, e que não tinha cabimento crer em Cristo e ao mesmo tempo não crer na ressurreição. Era uma contradição com o evangelho que uma vez aceitaram. As controvérsias a respeito deste tema têm levado muitos a debater tal assunto. Os questionamentos sobre o texto de 1 Coríntios 15 são muitos. Será que Paulo não havia pregado sobre a ressurreição quando esteve em Corinto? De que ressurreição estava falando? Da de Cristo, do ser humano, ou das duas? 62 63 MORRIS, 2008, p. 163. KISTEMAKER, 2004, p. 729. 35 A questão não era apenas se os crentes ressuscitariam ou não, mas como ocorreria esta ressurreição: seria no corpo, na alma? As dúvidas permeavam a mente dos coríntios. O que Paulo pensava a respeito deste tópico? O que ele realmente estava querendo dizer sobre a ressurreição? Para responder a estas e outras indagações, faz-se necessário analisar minuciosamente seu conteúdo, a partir do diferentes blocos de conteúdo. É o que faremos no próximo capítulo. 3 A APOLOGIA DA RESSURREIÇÃO EM 1 CORÍNTIOS 15 Antes de começar a investigar o capítulo 15 de 1 Coríntios iremos dividir o capítulo em blocos que chamaremos de unidade. Isto será feito para facilitar o assunto em estudo, como também para não divagarmos do contexto do tema descrito pelo apóstolo. Portanto, o capítulo será dividido em seis unidades de versículos, nos quais os versículos estarão agrupados. Além dos seis blocos, haverá um único versículo, que será analisado, que não faz parte de nenhum dos blocos – é o versículo 12 que estará acoplado na segunda unidade. Este versículo corresponde ao problema levantando para estudo e faz ligação com a proposta de pesquisa do trabalho. Sendo assim, a primeira unidade vai do versículo 1 ao versículo 11, o versículo 12 é o problema. Do versículo 12 até ao 19, temos a segunda unidade, logo após, do versículo 20 ao 28, a terceira unidade. Em seguida, a quarta unidade corresponde os versículos 29 ao 34, os versículos 35 ao 49 fazem parte da quinta unidade, e, por último, dos versículos 50 ao 58 teremos a sexta e derradeira unidade. Depois desta subdivisão, iniciaremos a pesquisa analisando unidade por unidade até concluirmos todos os 58 versículos que compõem o capitulo 15 de 1 Coríntios. 3.1 Unidade I: versos 1- 11 Após escrever a respeito dos carismas do Espírito, do amor como sendo superior a qualquer outro dom, e da superioridade do dom da profecia em relação ao da glossolalia (1Co 12-14), Paulo inesperadamente se volta para a questão da ressurreição. Havia entre os coríntios alguns que andavam dizendo que não haveria ressurreição dos mortos, trazendo com isto conturbação à igreja. Paulo se vê compelido a fazer sua defesa apologética da ressurreição, e, em especial sentido, como ela afetaria o corpo humano. Para Paulo, a ressurreição dos mortos é o ponto nevrálgico da fé cristã, sua essência, seu sentido, um dos pilares sobre o qual sustentam o cristianismo. É o que será analisado nos versos seguintes do capitulo. No bloco inicial, Paulo retoma a pregação que fundou a comunidade no que tange ao tema da ressurreição. 38 O texto bíblico64 inicia da seguinte maneira: 1.Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; 2.por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. 3.Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, 4.e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. 5.E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. 6.Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. 7.Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos 8.e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo. 9.Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus. 10.Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo. 11.Portanto, seja eu ou seja eles, assim pregamos e assim crestes. Paulo inicia sua defesa da ressurreição recordando o evangelho que, segundo ele, uma vez os coríntios tinham aceito (v.1). Nota-se que o apóstolo já havia pregado sobre a ressurreição para igreja de Corinto. O fato de Paulo dizer “venho lembrar-vos” subtende que possivelmente os coríntios haviam se esquecido do que ele já tinha anunciado anteriormente quando esteve na cidade. Todavia, por mais que alguns tenham se esquecido, se este for o caso, “o apóstolo tão somente lembra o que aqueles cristãos já sabem”;65 não estava declarando nada novo ao conjunto de crenças que uma vez havia sido aceito pela comunidade cristã em Corinto. Kistemaker afirma que “Paulo estava ensinado mais uma vez o evangelho que já havia ensinado em dias anteriores”.66 Mas, desta vez, pelo que parece ele faz uma exposição mais detalhada desta doutrina. Depois de tais declarações, Paulo faz um elogio dizendo que eles estavam perseverando no que haviam recebido. Tal elogio nos leva a crer que nem todos em Corinto eram contrários à fé apostólica no Cristo ressuscitado. Após o elogio, vem uma advertência. No versículo 2, Paulo fala que é a fé neste evangelho que salva. Portanto, os coríntios estavam correndo um sério risco ao se desviarem deste evangelho que lhes fora proclamado e ensinado. No início do 64 65 66 A versão bíblica utilizada nesta pesquisa será: A BÍBLIA Sagrada. rev. atual. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. BRAKEMEIER, 2008, p. 192. KISTEMAKER, 2004, p. 729. 39 versículo 2, Paulo enfatiza o “poder do evangelho para salvar quem nele depositar confiança”,67 não como se a salvação fosse um ato ocorrido no passado, mas como algo contínuo na vida do crente. Paulo enfatiza a fé permanente que um dia salvou e que continua realizando este processo salvífico que ocorre enquanto permanecerem no evangelho que ele proclamou. Pois, conforme o texto, Paulo enfatiza a permanência dos crentes de Corinto em continuar crendo no evangelho, que uma vez receberam. Por ele é “por meio dele”. O evangelho é o meio que Cristo usa para efetuar a salvação. Sois salvos é presente contínuo, significando, “estais sendo salvos”. Há um sentido em que a salvação é uma vez por todas (como no, “o qual recebestes”, do v. 1), e também há um sentido em que ela é progressiva (ex., 1:18; 2 Co 2:15). É para este caráter progressivo da salvação que Paulo dirige a atenção. A salvação não é esgotada pela experiência do homem quando ele começa a crer. É algo que vai avante, de 68 força em força e de glória em glória. Os crentes em Corinto estavam correndo risco em depositarem sua fé no passado, ou seja, na salvação69 que havia ocorrido no passado quando abraçaram o evangelho. Apesar de terem tomado uma posição e permanecido neste evangelho de Paulo, não poderiam se considerar salvos definitivamente como se não restasse mais nada neste processo salvífico, pois só continuariam sendo salvos se permanecessem firmes à palavra que Paulo pregara. Salvo uma vez, não significa salvo para sempre. Conforme Stanley M. Horton, se não permanecessem no evangelho “até a convicção inicial que tiveram teria sido vã, inútil, sem propósito”;70 porquanto, este evangelho provem de Cristo e não de Paulo simplesmente. 67 68 69 70 BRAKEMEIER, 2008, p. 193. MORRIS, 2008, p. 164. O grego é mais claro do que as nossas traduções revelam; um exame cuidadoso dos tempos verbais ajuda. Observe que Paulo emprega o tempo presente para os verbos ser salvo e permanecer. Ele louva os coríntios porque receberam o evangelho e se firmaram nele. Isso é fundamental, porque o que aconteceu no passado ainda é valido no presente. Em seguida Paulo diz que os coríntios são salvos. Em outra parte ele ensina que a salvação é um processo que, por um lado, os crentes devem desenvolver plenamente, e, por outro, Deus efetua por sua operação dentro deles (Fp 2.12,13). Isto quer dizer que os crentes estão sendo salvos, contanto que se apeguem ao evangelho e o apliquem à própria vida. Deus está operando no processo da salvação e segura os crentes. Ele quer que eles se segurem nele, obedecendo à sua Palavra. [...] Inversamente, as pessoas que em certo tempo creram, mas subsequentemente se recusaram a basear-se com firmeza na Palavra de Deus, fornecem a evidência de que quebraram o acordo da fé com Deus. Em cosequencia, consideram o evangelho como não tendo nenhum valor para eles ( comparar com Hb 4.2). São pessoas que creram em vão e cuja fé temporal nada valeu (Mt 7.22, 23; 25.11,12). KISTEMAKER, 2004, p. 731-732. HORTON, 2012, p. 147. 40 Portanto, o apóstolo Paulo afirma que "os crentes que continuam a se segurar em Cristo e a obedecer à palavra de Deus estão a salvos e seguros. Deus nunca os abandonará, pois eles lhes pertencem".71 No verso 3, Paulo argumenta que o que ele proclamou aos coríntios não era algo que surgiu dele mesmo, ou fruto de sua imaginação, criado a partir de suas convicções teológicas; pelo contrário, o que ele está proclamando não é nada mais do que a mensagem de Jesus Cristo. Ele está entregando aos coríntios aquilo que recebeu. E o que ele recebeu tinha grande importância tanto para ele quanto para a igreja, pois vinha do próprio Senhor Jesus. “Pois eu lhes entreguei aquilo que também recebi como sendo de primeira importância.” Paulo declara que o evangelho não é um ensino que ele próprio formulou. Ele indica que o recebeu do Senhor (Gl 1.12) e que considerou o ensino dos apóstolos como sendo uma tradição autorizada que teve origem em Jesus Cristo. Ao receber esse ensino, coube-lhe a obrigação de passá-lo adiante tanto a judeus como a gentios (At 20.21) e ao 72 mesmo tempo servir como seu guardião (compare 11.23). O argumento de Paulo não está fundamentado apenas no testemunho de Jesus e/ou dos apóstolos, mas também se solidifica nas Escrituras, ou seja, no Antigo Testamento. O apóstolo Paulo “está enfatizando a centralidade daquilo que lhes havia sido entregue: a mensagem do evangelho”.73 Hernandes Dias Lopes compartilha esta ideia ao afirmar que: Cristo morreu pelos nossos pecados segundo a Escritura. Sua morte não foi um acidente nem Sua ressurreição uma surpresa. Tudo já estava profetizado. Jesus ressuscitou, conforme dizem as Escrituras. A ressurreição de Cristo foi um acontecimento histórico, profetizado pelo 74 próprio Deus. Esse acontecimento histórico abrange mais que historicidade, é uma ocorrência escatológica profetizada no Antigo Testamento. A morte de Cristo é um fato que não pode deixar ser passado por alto, não simplesmente porque ele morreu, mas por que esta morte não é uma morte qualquer; nela encontramos um significado maior do que se pode imaginar. De acordo com Leon Morris, “a morte que Cristo sofreu foi uma morte expiatória. Foi pelos nossos pecados. [...] Paulo não 71 72 73 74 KISTEMAKER, 2004, p.732. KISTEMAKER, 2004, p.732 . RICHARDS, 2012, p.361. LOPES, 2013, p. 275. 41 menciona passagens específicas, mas Is 53 estará particularmente em mente".75 Em consonância com Morris, Brakemeier afirma que "todo o Antigo Testamento prenuncia a chegada da salvação em morte e ressurreição de Cristo".76 Para Paulo, a morte de Cristo foi uma morte substituta na qual todos nós temos o direito à vida pelo fato de Cristo ter morrido por nós. Não crer no sacrifício vicário de Cristo seria permanecer em pecado; pois através do sacrifício feito por Jesus temos o perdão dos pecados. Observe que Paulo usa o nome Cristo, e não Jesus, para indicar o papel oficial dele como Messias. Com sua referência ao Antigo Testamento, Paulo aponta para a profecia de Isaías. [...] Isaías escreve ainda que nossos pecados foram colocados sobre o servo, e que ele morreu pelos pecados de seu povo (Is 53.5,6. 8,9; ver também Sl 22.16; 1Pe 3.18). [...] Quando instituiu a Ceia do Senhor, Jesus deu expressão verbal à doutrina de que o Messias morreu pelos pecados de seu povo. [...] Em suma, Cristo não só nos representa diante de Deus, mas também toma nosso lugar, morrendo 77 na cruz por nossos pecados. Ao se reportar ao Antigo Testamento, Paulo sustenta sua tese de que a crucifixão de Cristo era o cumprimento das profecias veterotestamentárias que apontavam para o sacrifício vicário do Messias de Deus.78 Já na primeira parte do verso 4, nota-se a ênfase que Paulo dá quando diz que “ele foi sepultado”. No verso 3, ele diz que Cristo morreu, e, em seguida, diz que ele foi sepultado. O fato de Paulo destacar o sepultamento de Jesus nos leva a crer que o que ele mais queria era dizer que Jesus realmente tinha morrido. Não foi algo feito às escondidas; teve todo o processo fúnebre/litúrgico pelo qual um ser humano passa quando morre. Ele, Cristo, verdadeiramente havia morrido. Mas nem mesmo a morte pode derrotá-lo. Ele ressuscitou. Quebrou as barreiras da morte. Ela não conseguiu aprisioná-lo. O túmulo não suportou a presença de Cristo. Em se falando da ressurreição, é acrescentado que Ele não só ressuscitou, mas que tudo isto ocorreu ao terceiro dia em conformidade com as Escrituras. 75 76 77 78 MORRIS, 2008, p. 165. BRAKEMEIER, 2008, p.194. KISTEMAKER, 2004, p. 733-734. KISTEMAKER, 2004, apud RIDDEBOS, 1975, p.188. A cláusula Cristo morreu por nossos pecados é o resumo doutrinário da expiação. Como nosso substituto, Cristo morreu para satisfazer Deus e corresponder às demandas da lei (Rm 3.25, 26; 5.9-19). 42 Quando fala das Escrituras, ele, Paulo, está se reportando ao Antigo Testamento. Para Paulo, escritos hebraicos já havia prenunciado a morte e ressurreição do Messias. Em seguida, no verso 5, Paulo faz menção ao nome de Pedro como testemunha ocular deste fato ocorrido. Mencionar o nome de Pedro dava um peso muito grande à sua pregação, pois Cefas, como Paulo o chamava, ocupava uma posição de liderança muito estimada entre os discípulos e na sociedade cristã primitiva. Esta lista de testemunhas encabeçada por Pedro vai ganhando mais confiabilidade nos versos 6 a 8. No intuito de cimentar mais a credibilidade da ressurreição de Jesus, Paulo amplia o credo por uma lista de mais outras testemunhas (v 6-8). [...] Paulo faz questão de ressaltar que, no momento da redação da carta, portanto cerca de vinte anos depois, a maioria das pessoas continua viva, podendo 79 ser, em tese, consultada. Alguns, porém já faleceram. Mais de quinhentas pessoas era um número consideravelmente importante, até porque seria quase que impossível esta quantidade de pessoas estarem em comum acordo para testemunharem algo que não fosse verídico – se este fosse o caso. À lista dos quinhentos é acrescentado o nome de Tiago. Para a maioria dos especialistas, este Tiago é o irmão de Jesus, quem desempenhou um papel fundamental na liderança da igreja de Jerusalém em seus primórdios. Na segunda parte do verso 7, Paulo faz referência aos apóstolos como testemunhas dos fatos ocorridos. Finalmente, no verso 8, ele encerra a lista de pessoas que viram Jesus ressuscitado. E para fechar o grupo de crentes que viram a Cristo, após sua morte, Paulo menciona seu próprio nome como sendo alguém que também havia presenciado - é claro - em outro momento, o Cristo ressuscitado. Conforme Morris, "Paulo coloca a visão que teve no caminho de Damasco no mesmo nível das outras aparições da ressurreição. Ele pensa em si como o último da fila dos que viram o Senhor".80 E se, porventura, houvesse alguém que não estivesse acreditando no que ele estava falando, poderia ir pessoalmente e conferir com todos os que havia presenciado o Cristo ressurreto. 79 80 BRAKEMEIER, 2008, p. 196. MORRIS, 2008, p. 166. 43 Em seguida, no verso 9, ele se intitula como sendo o menor dentre os apóstolos, até porque muitos não o consideravam como “seguidor de Jesus”, mas, sim, um perseguidor da igreja de Cristo. O próprio Paulo diz que se achava indigno de ser chamado de apóstolo de Jesus, pois ele perseguira a igreja de Deus. Paulo não se esqueceu de que havia perseguido a igreja de Deus, e tampouco olvidou da graça de Deus concedida a ele como um favor imerecido quando Jesus o encontrou no caminho para Damasco. Foi esta graça sem igual que fez com que Paulo se tornasse quem ele era – um instrumento poderoso nas mãos de Deus. No verso 10, vemos que a graça é o suporte de Paulo para proclamar as novas do reino de Deus. Se não fosse esta graça, ele não seria ninguém. A graça era o motor que o impulsionava para ir adiante. Paulo conclui o primeiro bloco deste capítulo afirmando que não só ele, como também todos os apóstolos proclamavam estas boas novas da morte de Jesus. Assim foi pregado na comunidade, e assim os coríntios creram. 3.2 Unidade II: versos 12-19 Ao fazer no verso 12 a declaração de que “Cristo ressuscitou dentre os mortos”, Paulo estava colocando em cheque a afirmação de alguns membros da igreja de Corinto de que “não há ressurreição de mortos”. Afirma ele, "Ora, se é corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos?" A pregação de que Cristo ressuscitou dentre os mortos era algo corrente entre os apóstolos, pois os seguidores de Jesus proclamavam abertamente a respeito deste acontecimento. Nada estava às ocultas. Falar da ressurreição de Jesus para seus seguidores era normal, pois este era o ponto central da fé cristã na igreja primitiva. Sua esperança maior se firmava neste acontecimento. Paulo questiona então a igreja de Corinto: como é que alguns deles afirmavam que não havia a ressurreição de mortos, sendo que praticamente toda a igreja cristã primitiva afirmava que de fato o Cristo foi ressuscitado? Willian Barclay destaca que: 44 É de muita importância recordar que os coríntios não negavam a ressurreição de Jesus Cristo; o que negavam era a ressurreição do corpo; e o que Paulo insiste é que se alguém nega a possibilidade da ressurreição 81 do corpo nega a possibilidade da ressurreição de Jesus Cristo. Conforme Udo Schnelle, um dos fatores que contribuíram para a negação da ressurreição dos mortos, em Corinto, foi a compreensão que eles tinham a respeito do corpo e da alma. Partes da comunidade coríntia negaram uma ressurreição futura dos mortos [...]. Eles pensavam provavelmente de modo dicotômico, isto é, distinguiam entre alma invisível do Eu e o corpo visível. [...], para os coríntios, o corpo ainda não era uma grandeza negativa em si; antes, ele era, segundo sua convicção, excluído da salvação escatológica por ser uma grandeza terrestre-corruptível. [...]. Como eles entenderam o corpo como corruptível e mortal, mas a alma como incorruptível, os coríntios rejeitaram uma 82 ressurreição escatológica do corpo. O problema todo se deu provavelmente pelo fato de enfatizarem o valor da alma em detrimento do corpo. Afinal de contas, a única utilidade do corpo era servir de recipiente para abrigar a alma enquanto estivessem vivos. Pensando desta maneira, o corpo se torna algo descartável. Não havia a necessidade de se preocupar com ele; o mais importante era o incorruptível, a alma. Ao analisar o verso 12, nota-se que o problema de Paulo com a igreja de Corinto não era apenas que eles não acreditavam na ressurreição de Jesus. Pelo que parece, o problema estava mais em alegar que os mortos não ressuscitariam, e não que Cristo ressuscitou ou não. Eles tinham na verdade crido em vão, a fé que possuíam era inútil. Ainda que aceitassem a pregação de que Cristo tinha ressuscitado dos mortos (e ainda estava vivo), eles diziam que não havia ressurreição de mortos (isto é, 83 dos crentes mortos). Tudo indica que eles criam na morte e ressurreição de Cristo, mas não aceitavam a ideia de que os crentes mortos ressuscitariam, ainda mais com um corpo literal. 81 82 83 "Es de mucha importancia recordar que los corintios no negaban la resurrección de Jesucristo; lo que negaban era la resurrección del cuerpo; y en lo que Pablo insiste es en que si alguien niega la posibilidad de la resurrección del cuerpo niega la posibilidad de la resurrección de Jesucristo". BARCLAY, William. I y II Corintios. Buenos Aires: La Aurora, 1973. v. 9 p. 149. SCHNELLE, Udo. Teologia do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2010. p. 290-291. HORTON, 2012, p. 150. 45 A unidade II inicia, portanto, com o problema que nos ocupa em nossa pesquisa: Paulo interroga os coríntios pelo fato de haverem alguns dentre eles afirmando que não havia ressurreição dos mortos, sendo que o ocorrido - a ressurreição de Cristo – era um fato marcante, e amplamente divulgado pelos seguidores de Jesus. 12.Ora, se é corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos? 13.E, se não há ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou. 14.E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; 15.e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam. 16.Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. 17.E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. 18.E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. 19.Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens. Para corroborar sua tese de que os mortos ressuscitarão, Paulo se utiliza de um argumento básico da fé cristã – a ressurreição do próprio Cristo. “Paulo demonstrou que a ressurreição de Cristo é central para o evangelho”.84 Ela é o fundamento da fé. Ele finaliza o verso 12 com uma pergunta: “como, pois, afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos? No verso 13, Paulo começa a responder a pergunta do verso anterior. Ele faz uma réplica ao questionamento que é feito a respeito da ressurreição dos mortos, levando o interlocutor mais uma vez a entender que é impossível desvincular a ressurreição de Cristo da ressurreição dos mortos. Pois, “negar a ressurreição dos mortos seria o equivalente a negar a ressurreição de Cristo”.85 Ou seja, o assunto que está em jogo é mais sério do que se imagina. O verso 14 é uma continuação do argumento de Paulo no verso treze, no qual ele diz “[...] então Cristo não ressuscitou”. Não crer na ressurreição dos mortos era mais complicado do que se poderia mensurar, pois Cristo ressurgiu dos mortos, ele foi a “primícia dos que dormem”, e se ele ressuscitou do “mundo dos mortos” é porque esteve morto e seguramente os mortos ressuscitarão, assim como ele. 84 85 MORRIS, 2008, p. 168. LOPES, 2013, p. 277. 46 Por sua vez, as consequências de não crer neste ocorrido seria devastador não só para os crentes de Corinto, como também para os apóstolos e todos aqueles que alguma vez pregaram sobre a ressurreição. Paulo chega a dizer que se continuassem a pensar desta maneira, tudo o que se fez teria sido em vão. Tudo não passaria de um mero ensaio figurado, e mais ainda, a crença deles não fazia sentido algum e, em consequência, Paulo não passaria de mentiroso e charlatão, anunciando algo inverídico. “Juntamente com o evangelho, também os apóstolos estariam desacreditados”.86 O que se vê no verso seguinte (16) é uma repetição do que Paulo havia dito no verso treze. Tudo indica que tanto aqui quanto lá ele inicia com uma suposição como base para fazer sua réplica no versículo posterior. Note que a repetição da frase –“se não há ressurreição de mortos” serve como suporte para introdução de outro assunto que Paulo quer dar ênfase. Neste caso, no versículo 17, ele argumenta que a ressurreição de Cristo faz parte da ação redentora de Deus. De modo negativo, ele examina os resultados de se repudiar essa doutrina: crer que a pregação dos apóstolos e a fé dos crentes é vazia e impotente. Sem proclamar a doutrina da ressurreição, os pregadores pronunciam mentiras, as pessoas permanecem em pecado, crentes que morreram em Cristo estão perdidos... Por isso, quando opositores da fé cristã atacam e minam a doutrina da ressurreição, o que querem é destruir os alicerces do Cristianismo. [...] Quais são as ramificações de uma fé sem valor? Primeiro, se Cristo não ressuscitou do túmulo, ele está morto; Um Cristo morto é incapaz de justificar os crentes; e crentes não justificados permanecem em seus pecados. [...]. Sem o Cristo ressurreto não existe justificação, sem a justificação não existe fé viva, e sem a fé viva não existe perdão dos 87 pecados. Para piorar ainda mais a situação, além de permanecerem em seus pecados, eles, então, poderiam perder suas esperanças de se reencontrar com os queridos que haviam morrido, pois a ressurreição de Cristo é a garantia de que a vida não termina aqui, quando morremos. Sem ela tudo seria sem sentido. Sendo assim, tudo termina quando morremos, não restando mais nada além disso. Comentando o versículo 18, Richards diz que “a ressurreição de Cristo foi proclamada como evidência da efetividade de sua morte ao providenciar nossa 86 87 BRAKEMEIER, p. 200. KISTEMAKER, 2004, p. 747, 754. 47 salvação e como evidência de que algum dia o crente também ressuscitaria”.88 O evangelho de Cristo é a proclamação da vida, portanto, faz-se necessário crer que Jesus vive, ele venceu a morte, ela não tem poder sobre ele e sobre todos os que estão nele. Não estar em Cristo é limitar-se apenas a este mundo passageiro, é congratular-se com o agora, na certeza de que nossos dias findarão aqui nesta terra. Portanto, o que Paulo está dizendo, no versículo 19, é que a esperança na ressurreição é ilimitada, não pode ter fim. Os privilégios decorrentes daquele que crê e espera no Cristo ressurreto não podem ser passageiros nem momentâneos, eles permanecem pela eternidade. Caso contrário, não passamos de nevoa que o vento leva de um lado ao outro, sem sabermos onde tudo findará. 3.3 Unidade III: versículos 20-28 A unidade III é formada por nove versículos. No primeiro deles – o versículo 20 – Paulo retoma seu discurso afirmando enfaticamente que Jesus ressuscitou. Para melhor compreensão da igreja, o apóstolo se utiliza de algo familiar aos ouvintes. Ele compara a ressurreição de Cristo com os primeiros frutos de uma colheita, quando todos se alegram, sabendo que dentro em pouco tempo o restante da plantação também estará pronta para ser ceifada. Portanto, Cristo é “o primeiro fruto” que prenuncia o amadurecimento dos outros que virão depois. 20. Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. 21. Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. 22. Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. 23.Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. 24. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. 25. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. 26. O último inimigo a ser destruído é a morte. 27. Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos pés. E, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, certamente, exclui aquele que tudo lhe subordinou. 28. Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. 88 RICHARDS, 2012, p.362. 48 A partir do versículo 21, Paulo se volta para o início da criação. Ele relembra aos coríntios que a morte passou a existir por meio de um homem, de igual maneira, por meio de um homem veio à ressurreição. No versículo 22, ele descreve quem são esses dois homens. O primeiro, que gera a morte, é Adão, e o segundo, de onde provém a vida, é Cristo. Em Adão herdamos a morte, em Cristo herdamos a vida. Morris declara: O pecado de Adão trouxe desgraça não só a ele, mas também a toda a sua posteridade. Mas se o pecado de Adão teve consequências de tão amplo alcance, assim também as teve a ressurreição de Cristo. [...] Em Adão todos morrem, indica-nos a mortalidade da raça pelo parentesco que nos liga ao progenitor da raça. [...] Mas como o pecado trouxe inauditas consequências do mal, assim a obra expiatória de Cristo trouxe inauditas consequências do bem. [...] Em Adão, todos os que devem morrer, morrem; em Cristo, todos 89 os que devem viver, vivem. Além do mais, de acordo com o versículo 23, essa ressurreição segue uma ordem cronológica, sendo Cristo o primeiro, o principal; e somente depois, na sua segunda vinda, se efetivará de fato a ressurreição daqueles que morreram em Cristo. Todos os que estão em Cristo permanecem solidários a Ele, da mesma forma que todos os homens que estão em Adão permanecem solidários a Adão. Todos em Adão partilham da morte de Adão, da mesma forma como todos que estão em Cristo partilharão da vida de Cristo. [...] A ressurreição de Cristo e daqueles que pertencem a Cristo constituem duas partes de uma única entidade, dois atos em um único drama, dois estágios de um único processo. O relacionamento temporal não é importante. Não importa quanto tempo demoraria o intervalo entre esses dois estágios da 90 ressurreição. O importante não era quando ocorreria a ressurreição, mas sim que um dia isto iria acontecer, cedo ou tarde. Os crentes podiam ficar confiantes na promessa da ressurreição, pois o próprio Cristo ressuscitou e a garantiu a todos quantos estão nele. Quando este evento tão esperado iria acontecer, é algo que Paulo nos informa nos versículos 24 e 25. Conforme o versículo 24, subtende-se que tudo se sucederia antes do fim, após a destruição dos poderes do mal. Brakemeier explana os versículos 25 e 25 da seguinte maneira: 89 90 MORRIS, 2008, p. 171-172. LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1985. p. 465. 49 Paulo situa a ressurreição dos cristãos no momento da volta de Cristo, de seu “advento” escatológico, ao qual segue imediatamente o fim (cf. 1.7s). A sequência é semelhante à que se observa em Dn7 com respeito ao aparecimento do Filho do homem (7.13), à passagem do reino aos Santos do Altíssimo (7.18) e, enfim, à instalação do reino eterno (7.27). O interesse do apóstolo consiste em destacar que a ressurreição dos mortos, exceto a de Cristo, ainda não aconteceu. [...] Ao apregoar Jesus Cristo como encarregado para aniquilar (as forças do mal) e restabelecer o domínio de Deus no cosmo, Paulo nada mais faz do que desdobrar as implicações da 91 confissão kyrios Iesus (8.6; 12.3; etc). Após serem ressuscitados os crentes, Jesus porá fim a toda hoste do mal, ele destruirá, e eliminará de vez todos os demônios e todos os poderes opressores do inimigo de Deus deixarão de existir. Depois de ter aniquilado o mal, Cristo entregará o reino ao Pai. O reino que foi confiado a Ele subsistiu às forças malignas e venceu o inimigo mais temível do reino dos homens – a morte. A morte é o inimigo mais temido pela humanidade, nela todo sonho termina em pesadelo, toda alegria se torna tristeza, o real passa ser irreal, o existente deixa de existir, a esperança acaba, saímos do palco da vida para o anonimato da morte. É o último inimigo a ser destruído por Cristo, diz Paulo, no versículo vinte seis. Não há artigo grego, e a palavra para “último” ocupa o primeiro lugar na frase, enfatizando a finalidade da vitória de Cristo sobre toda a oposição, mesmo sobre o inimigo mais temido: a morte. O fim da morte coincidirá com o fim do pecado. Quando não houver mais pecado, não haverá mais morte, pois a morte é a consequência do pecado (ver com. De Rm 6:21, 23; Tg 1:15). Alguns afirmavam que não havia ressurreição e que a morte era o fim de tudo. O apóstolo dá a surpreendente resposta de que, no plano de Deus, 92 finalmente não haverá morte, pois ela será destruída. O versículo 27 fala da soberania de Cristo sobre todas as coisas criadas, como se tudo estivesse sob seu domínio. Pois Deus Pai sujeitou todas as coisas a Cristo, exceto Ele. Quando se fala de todas as coisas, não está se referindo ao Pai. A intenção do autor não é dizer que o Pai está sob o domínio de Cristo, pois, no final do versículo, Paulo argumenta que tudo está sujeito, exceto “aquele que tudo lhe subordinou”, ou seja, o Pai. Os versículos 27 e 28 são uma explanação mais detalhada dos versículos 24 e 25. É como se Paulo estivesse fazendo um comentário explicativo para que o 91 92 BRAKEMEIER, 2008, p. 204-205. NICHOL, Francis D. (Org.). Comentário bíblico adventista do sétimo dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014. p. 886. 50 leitor e o ouvinte pudessem compreender melhor o que ele estava querendo dizer nos versículos supracitados. Assim como o Pai uma vez sujeitou tudo a Cristo, de igual maneira, quando Cristo tiver derrotado toda a potestade do mal, e vencido o último inimigo da humanidade que representa a força final do pecado, a morte, Ele então entregará tudo a Deus o Pai. Jesus Cristo cumpre o papel de segundo Adão e ministra este universo como governador nomeado por Deus. [...] Quando todo poder hostil, incluindo a morte, já se tiver tornado em apoio dos pés dele, é chegado o tempo para o Filho submeter o reino a seu Pai. Isso significa que em seu ofício de Redentor e Mediador Cristo é sujeito a Deus Pai. Quando ele tiver completado a tarefa que Deus lhe designou, ele entrega o reino para Deus. [...] Quando o Filho entregar o reino a Deus, então o fim já chegou; então o único soberano é o próprio Deus. Ele nomeou seu Filho e deu-lhe autoridade, que Deus recebe de volta quando o Filho completar o trabalho 93 dele. Deus, então, é o soberano por excelência. A partir destas considerações, Paulo se volta novamente para o tema da ressurreição. Mais uma vez ele questiona a negação da ressurreição afirmada por alguns com a vida prática deles, que contradizia o que afirmavam. Isto é o que veremos na próxima unidade. 3.4 Unidade IV: versículos 29-34 Ainda que não existam outras informações bíblicas a respeito do batismo pelos mortos que Paulo menciona no versículo 29, o texto demonstra que havia certa prática batismal realizada em prol daqueles que morreram sem ter aceito a Cristo quando ainda estavam vivos. Como o batismo era considerado o ritual central da fé cristã para aqueles que desejassem fazer parte do reino de Deus, seria então necessário passar por ele para desfrutar da vida eterna do reino vindouro. Sendo assim, aqueles que morreram sem passar por esta experiência não teriam mais oportunidade presente de adentrar ao reino de Cristo. Portanto, para solucionar esta questão, eles realizavam um batismo substituto em lugar de seus entes queridos que uma vez tinham partido deste mundo. Por isso, Paulo tematiza apenas em 1 Cor 15:29 o costume – que pode parecer estranho – do batismo vicário, porque ele mostra, contra a intenção dos coríntios, que uma compreensão puramente espiritual da ressurreição 93 KISTEMAKER, 2004, p. 771. 51 não faz jus à natureza do batismo. Em Corinto, cristãos aceitavam ser batizados em lugar de parentes que faleceram sem batismo, na esperança de que também aqueles teriam proveito da força do batismo que supera a 94 morte. Paulo vê muita incoerência, nesse contexto, no batismo vicário. O texto também não está dizendo que Paulo apoiava tal atitude, mas sim que não tinha como conciliar a linha de raciocínio deles. Pois como afirmam que não existe ressurreição, e ainda assim realizam batismos pelos mortos? Ou existe vida futura ou não, e se não existe, porque preocupar-se com aqueles que já se foram, a ponto de realizar batismo substituto? 29. Doutra maneira, que farão os que se batizam por causa dos mortos? Se, absolutamente, os mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa deles? 30. E por que também nós nos expomos a perigos a toda hora? 31. Dia após dia, morro! Eu o protesto, irmãos, pela glória que tenho em vós outros, em Cristo Jesus, nosso Senhor. 32. Se, como homem, lutei em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos. 33. Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes. 34. Tornai-vos à sobriedade, como é justo, e não pequeis; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa. No versículo 30, Paulo se volta para o estilo de vida que ele e todos os que proclamam o evangelho levam para poder transmitir estas boas novas. Ele argumenta o fato de sempre estarem se expondo a perigos, correndo risco de vida. Ele faz um paralelo entre os motivos dele sofrer pelo evangelho e os motivos deles se batizarem pelos mortos. Ou seja, Paulo não enfrentava todos os sofrimentos por que era um masoquista ou por que gostava de enfrentar perigos a ponto de perder a vida, pelo contrário, ele tinha a certeza de que havia uma vida futura, ainda que viesse a padecer. Não era diferente dos que se batizavam pelos mortos: se faziam isto era por que também esperavam em algo após a morte. Não se sabe ao certo a que Paulo está se referindo no versículo 31 quando diz: “Dia após dia, morro”. O que sabemos é que o sofrimento de Paulo ocorria todos os dias. Ele enfrentava a morte a todo instante, mas, ainda assim, ele não tinha motivos para gloriar-se na conversão dos irmãos de Corinto, atribuindo tudo a Jesus Cristo. 94 SCHNELLE, 2010, p. 279-280. 52 No versículo 32, Paulo chega a comparar seu sofrimento como alguém que se põe a lutar com animais selvagens. Ele comenta que “lutou com feras quando esteve em Éfeso”. Ainda que não se possa afirmar que este incidente seja literal, pois provavelmente Paulo não tenha sido colocado para lutar com animais como se fosse um gladiador, tudo indica que ele estava se referindo à sua “luta com feras num sentido figurado, mas ainda que não, Paulo continua seu discurso dizendo que não teria sentido algum passar por todos estes sofrimentos se a vida termina aqui neste mundo. Ele conclui o versículo citando um adágio popular, que por sua vez havia sido citado em Isaías 22.13. Era como se ele estivesse dizendo: se não há ressurreição, aproveitemos o momento. Esta parece ser uma referência figurada ao episódio da luta de Paulo com adversários ferozes em Éfeso (cf. At 19: 23-41). Um cidadão romano não podia ser punido sendo forçado a lutar com animais ferozes. [...] Seria tolice de Paulo, ou de qualquer pessoa, passar por privações, dificuldades e perseguição a fim de pregar o evangelho da salvação do pecado e da 95 felicidade futura e eterna se os mortos não ressuscitarão. No versículo 33 Paulo se apropria de um dito do poeta grego Menandro que viveu por volta do quarto século a. C. Paulo os alerta para não se deixarem levar por conversações que desviam do verdadeiro significado do evangelho de Cristo. Eles deveriam tomar cuidados com o que conversavam, e que tipo de pessoas fazia parte do seu ciclo de amizade. A companhia de indivíduos que pregassem o contrário ao ensinamento dele, e dos apóstolos, devia ser evitada. Pois estar ao lado de pessoas que não acreditavam na ressurreição dos mortos e que diariamente conversavam a respeito deste assunto, poderia desvirtuá-los e fazer com que pouco a pouco fossem sendo contaminados com ideias distorcidas e que não contribuiriam para o crescimento espiritual e moral deles. Paulo chega a dizer, no versículo 34, que eles estavam atordoados, como se não tivessem noção de espaço e tempo; como um ébrio que fala – como diz um adágio popular – “pelos cotovelos”. Tinham que acordar para a realidade, se de fato quisessem viver uma vida digna de um verdadeiro cristão. Caso contrário, estariam dando asas à imaginação, caminhando rumo a um caminho sem volta, permitindo que o pecado reinasse em suas vidas. 95 NICHOL, 2014, p. 889. 53 Agir desta maneira era como se não conhecessem a Deus. E pelo que parece, Paulo diz que alguns dos membros da igreja de Corinto, na verdade, não conheciam a Deus, pois se o conhecessem, não permitiriam serem levados por qualquer vento de doutrina, o que se tornara em vergonha para eles mesmos. 3.5 Unidade V: versículos 35-49 A quinta unidade trata de demonstrar que forma teria os ressuscitados: teriam corpos ou seriam apenas espíritos? E se tivessem corpos, como seriam estes corpos? Paulo procura desenvolver seu discurso a partir do versículo 35, no qual se utiliza de perguntas retóricas para poder responder a tais indagações. Duas perguntas dos coríntios abrem esta seção, e, por trás delas, Paulo busca criar uma ponte teológica para poder defender sua tese. 35.Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm? 36.Insensato! O que semeias não nasce, se primeiro não morrer; 37.e, quando semeias, não semeias o corpo que há de ser, mas o simples grão, como de trigo ou de qualquer outra semente. 38.Mas Deus lhe dá corpo como lhe aprouve dar e a cada uma das sementes, o seu corpo apropriado. 39.Nem toda carne é a mesma; porém uma é a carne dos homens, outra, a dos animais, outra, a das aves, e outra, a dos peixes. 40.Também há corpos celestiais e corpos terrestres; e, sem dúvida, uma é a glória dos celestiais, e outra, a dos terrestres. 41.Uma é a glória do sol, outra, a glória da lua, e outra, a das estrelas; porque até entre estrela e estrela há diferenças de esplendor. 42.Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. 43.Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. 44.Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual. 45.Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. 46.Mas não é primeiro o espiritual, e sim o natural; depois, o espiritual. 47.O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. 48.Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também os demais homens terrenos; e, como é o homem celestial, tais também os celestiais. 49.E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial. Como se sabe, entre os gregos existia a fé na imortalidade da alma, não na ressurreição do corpo. E uma vez que Paulo fala da ressurreição, é obvio que controvérsias poderiam surgir a respeito deste assunto. 54 Do versículo 36, em diante, ele procura responder às duas perguntas do versículo anterior, fazendo uma analogia entre o processo de plantação do trigo ou de qualquer outra semente e o seu nascimento. Assim como todas as plantas que possuem cada qual seu “corpo” correspondente, conforme estipulado por Deus, os seres humanos, os animais, as aves e os peixes têm a sua forma corporal específica, cada um em sua respectiva esfera. Em se falando dos corpos celestes e terrestres, o paralelo que Paulo estabelece é o mesmo, pois tanto um quanto o outro têm sua aparência específica. Nenhum é igual ao outro, não são parecidos; mas de fato existem e demonstram isto por meio de seu “corpo”. Como se nota, do versículo 36 até ao 41, Paulo trata de fazer comparações sobre as formas dos “corpos”, por ele citados, para poder falar sobre o tema que está em jogo: em que corpo ressuscitam os mortos? Comentando estes versículos, Irene Foulkes declara: Paulo assume seu questionamento mais com intenções próprias. [...] Utilizando um estilo retórico do discurso, Paulo individualiza o grupo oposto da ressurreição dos mortos ao construir uma oposição hipotética... Este recurso literário lhe permite descartar uma postura extrema que desenha o espectro de cadáveres reanimados como uma maneira de ridicularizar a idéia de uma ressurreição dos mortos. Paulo... com isto envolve a todos seus leitores em um vivo diálogo dirigido a liberá-los de sua visão... y mostrar-lhes que a realidade espiritual abrange tanto o corpo como a parte psíquica dos seres humanos. Com a analogia da semente e a planta Paulo destaca a prolongação de um mesmo principio vital através de uma mudança profunda da forma material. [...] As analogias prepararam o 96 caminho para o tema da ressurreição dos mortos (42-44). Nestes versículos (37- 41) ele enfatiza a questão dos “corpos” como algo que pode ser percebível - e palpável - no caso de alguns. O texto não dá margem para que ele estivesse querendo espiritualizar a ressurreição, como se fosse uma 96 "Pablo asume su cuestionamiento pero con intenciones propias. [...] Utilizando el estilo retórico de la diatriba, Pablo individualiza al grupo opuesto a la resurrección de los muertos al construir un contrincante hipotético… Este recurso literario le permite rechazar una postura extrema que dibuja el espectro de cadáveres reanimados como una manera de ridiculizar la idea de una resurrección de los muertos. Pablo […] con esto envuelve a todos sus lectores en un vivo diálogo dirigido a liberarlos de su visión […] y mostrarles que la realidad espiritual abarca tanto el cuerpo como la parte psíquica de los seres humanos. Con la analogía de la semilla y la planta Pablo destaca la prolongación de un mismo principio vital través de un cambio profundo de forma material. […] Las dos analogías han preparado el camino para el tema de la resurrección de los muertos" (42-44). FOULKES, Irene. Problemas pastorales en Corinto: comentario exegetico-pastoral a 1 Corintios. San Jose: Editorial DEI, SABANILLA, 1996. p. 407-408. 55 espécie de encarnação, na qual o espírito continua vivo e prossegue seu caminho, e o corpo deixa de existir. Voltando um pouco, no versículo 36, ele comenta que assim como a semente, ao ser enterrada, morre para nascer - e de fato nasce - não como semente, mas desta vez como o resultado daquilo que foi um dia plantado, o ser humano, ao morrer, nascerá por meio da ressurreição. Essa ressurreição é explicada pela imagem do nascer da planta, cuja existência não dá como antes, mas nem por isto deixa de ser notada, pois tem uma forma – diferente, é lógico, mas tem. Portanto, a ressurreição do corpo da qual Paulo fala é explicada pela figura de linguagem de que ele se utiliza, na qual o ressurreto está indissociável do corpo. Para Walter, “na questão da corporalidade Paulo corta toda saída a uma interpretação espiritualista-existencialista da ressurreição”.97 Para Paulo, o corpo faz parte da ressurreição, caso contrário o nome não seria ressurreição, mas, sim, encarnação. No início do versículo 42, Paulo concluiu sua linha de raciocínio que se iniciou no versículo trinta e seis com uma ilustração da semente. Ele afirma aqui que a ressurreição dos mortos será do mesmo jeito – corporal. Na segunda parte do versículo 42, ele explica a diferença do corpo que morre e do que ressuscita. O morto que ressuscita não deixa de ter corpo. A questão é que ao ressuscitar seu corpo passará por uma transformação, mas isto ocorrerá no corpo e não fora dele. O que Paulo procura demonstrar é que o corpo do ressurreto é superior, em todos os sentidos, ao corpo antes de morrer, pois ao ressuscitar dos mortos Cristo venceu todo poder do pecado que estava na carne, isto é, o corpo mortal. “Assim, a ressurreição final gloriosa será a comunhão perfeitíssima, também corporal, entre os que são de Cristo já ressuscitados e o Senhor glorioso”.98 O novo corpo não será o velho, mas não deixará de ser corpo, porque passará pelo processo de transformação, dando continuidade à sua corporalidade – desta vez, superior à terrestre, como diz o versículo 43. 97 98 WALTER, Eugen. A primeira Epístola aos Coríntios. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 294. COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. A esperança cristã na ressurreição: algumas questões atuais de escatologia. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 16. 56 O que Paulo afirma que depois da morte não existe a absolvição por parte de alguma divindade imprecisa; não se perde o eu nem a personalidade; o individuo permanece. Ele não herdou o deprecio grego pelo corpo. Cria na ressurreição de todo homem. [...] Mas a crença cristã é que não ressuscitará uma parte do homem, se não sua totalidade. Será ele mesmo; sobreviverá como pessoa. Isto é o que Paulo quer dizer quando menciona a 99 ressurreição do corpo. O versículo 44 carece de muita atenção, pois ali Paulo fala de corpo natural e corpo espiritual. E este versículo é a base para que Paulo entre nos temas do versículo seguinte, nos quais ele contrasta Adão e Jesus como tipos de natureza (corpo), um referindo-se ao natural e outro ao espiritual. Caso se leia este versículo sem fazer uma análise em sua forma original, corre-se o risco de afastar-se do real sentido do texto, dando margem para interpretações que se distanciam do propósito original do autor. O que Paulo está querendo dizer quando fala de corpo natural e corpo espiritual? Estaria Paulo se referindo ao pensamento grego de alma e corpo, segundo o qual, ao morrer, a alma sai do corpo e continua em seu processo de existência? Para poder responder a tais questionamentos, é preciso observar que Paulo se volta para o inicio da criação, quando Deus formou o homem do pó da terra. Irene Folkes afirma: Felizmente, Paulo sente a necessidade de aclarar este ponto para os leitores originais, e o faz por meio de uma olhada às origens da raça humana. No versículo 45 cita Genesis 2.7, texto que ressalta o momento em que a figura de barro formada por Deus se converte em um ser animado pelo sopro do Criador. Neste sentido um “ser animado” e consciente que Paulo emprega o adjetivo grego psikos, traduzido como “animal” em várias versões. O termo psykoses derivado de psyke “um ser vivente, (uma) alma vivente”. Este substantivo aparece em Genesis 2.7, citado textualmente por Paulo: “tornou o homem um ser vivente”. De acordo com este transfundo, então, o corpo qualificado como psykoses simplesmente é o corpo que 100 corresponde ao ser humano em sua existência terrena. 99 100 "Lo que Pablo afirma es que después de la muerte no existe la absorción por parte de alguna deidad imprecisa; no se pierde el yo ni la personalidad; el individuo permanece. Ele no había heredado el desprecio griego por el cuerpo. Creía en la resurrección de todo el hombre. […] Pero la creencia cristiana es que no resucitará una parte del hombre, sino su totalidad. Será el mismo; sobrevivirá como persona. Esto es lo que Pablo quiere decir cuando menciona la resurrección del cuerpo". BARCLAY, 1973, p. 153. "Afortunadamente, Pablo siente la necesidad de aclarar este punto para los lectores originales, y lo hace por medio de una mirada hacia los orígenes de la raza humana. En el versículo 45 cita Génesis 2.7, texto que resalta el momento en que la figura de barro formada por Dios se convierte en un ser animado por el soplo del creador. Es este sentido de un ser 'animado' y consciente que Pablo emplea el adjetivo griego psyjikos, traducido como 'animal' en varias versiones. El término psyjikoses derivado de psyjê, 'un ser viviente, (una) alma viviente'. Este sustantivo aparece en 57 Quando o primeiro homem (Adão) foi criado, ele foi feito alma vivente; Deus o fez “alma vivente”, e não com uma alma, que estivesse separada do corpo. A junção do pó da terra com o espírito divino fez com que o homem tornasse, mas não que tivesse uma alma. Portanto, este é o homem natural a quem Paulo se refere – o primeiro homem (Adão). O ser humano deriva sua natureza terrena de Adão. O último Adão, por assim dizer, não foi formado, ele não se tornou alma vivente, pelo contrário, ele é espírito vivificante, o seja ele é a própria essência da vida, ele é vida em si mesmo. Assim, pois, o primeiro homem, que é natural (terrestre), com o processo apropriado no qual está inserido, cedo ou tarde retornará ao seu estado anterior – voltará ao pó – e deixará de ser alma vivente. Para que ele possa continuar sendo alma vivente, é preciso que o homem espiritual conceda o poder de se tornar vivo, diz o versículo 46. O versículo 47 serve de pano de fundo para os últimos dois versículos desta unidade, dando a entender que ambos os “homens” (o terreno e o espiritual) têm corpo cada um na sua esfera. Da mesma forma que todos os homens terrenos são materiais em sua composição, serão homens espirituais após a ressurreição. Pois, assim como Cristo ressuscitou em corpo, os crentes, após a ressurreição, virão em corpo, só que desta vez em um corpo glorificado (transformado), que não deixará de ser uma continuidade do corpo terreno; com uma diferença: ele não será mais terreno, mas celestial. No entanto, essa ressurreição mantém a tensão entre a continuidade real do corpo (o corpo que esteve cravado na cruz é o mesmo que ressuscitou e se manifesta aos discípulos) e a transformação gloriosa desse mesmo corpo. Jesus ressuscitado não só convidou os discípulos a tocarem-no – porque “um espírito não tem carne e ossos como vedes que eu tenho” – mas também lhes mostrou as mãos e os pés para que comprovassem “que sou eu mesmo” [...]; no entanto na sua ressurreição não voltou às condições da vida terrena e mortal. Assim também, ao mantermos o realismo da ressurreição futura dos mortos, não esquecemos, de modo algum, que a nossa verdadeira carne na ressurreição será conforme ao corpo de Cristo. Este corpo, que agora está configurado pela alma (psychê), será 101 configurado na ressurreição gloriosa pelo espírito (pnêuma). 101 Génesis 2.7, citado textualmente por Pablo: 'fue el hombre un ser viviente'. De acuerdo con este trasfondo, entonces, el cuerpo calificado como psyjikoses simplemente el cuerpo que corresponde al ser humano en su existencia terrenal". FOLKES, 1996, p. 408. COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA, 1994, p. 18. 58 A imagem que se configura agora é a do que é terreno, porém, na ressurreição nossa imagem terrena será revestida pela celestial. A glória imortal revestirá a mortal. Como diz Eugen: “O que a morte ameaça arrebatar-lhe é, pela ressurreição de Cristo, alcançado a uma esperança ainda maior, para ser consumado, no seu dia, em glória corporal”.102 Falando da ressurreição de acordo com o pensamento paulino, Vouga menciona: A ideia da ressurreição dos mortos vem da apocalíptica judaica. Ela se distingue de outras interpretações da vida após a morte porque, diferentemente da imortalidade da alma ou da vida eterna, ela implica uma dupla descontinuidade com a vida presente; trata-se, de um lado, da destruição do ser pelo poder da morte e sua recriação por um novo ato criador de Deus; de outro lado, esse novo ato criado de Deus é compreendido como ressurreição dos corpos. [...] A ressurreição dos mortos faz parte da transformação final da criação corruptível em criação 103 corruptível. Deus transformará este corpo de pecado em corpo de glória. Não estaremos mais submissos ao poder do pecado, nossa velha natureza com suas paixões e propensões para o pecado será de uma vez por todas banidas do nosso viver. 3.6 Unidade VI: versículos 50-58 Se lermos o versículo 50, sem considerar os conceitos antropológicos do apóstolo, temos a impressão que quando Paulo fala que “a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus”, e que ele esteja fazendo menção de que não haverá ressurreição do corpo. Portanto, faz-se necessário analisar o versículo seguinte para compreender o que Paulo queria dizer quando fala de “carne e sangue”. Pois é no versículo 51 que ele revela o que estava oculto. 50. Isto afirmo, irmãos, que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção. 51. Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, 102 103 WALTER, 1973, p. 296. VOUGA, François. A segunda Epistola aos Coríntios. In: MARGUERAT, Daniel (Org.). Novo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2009. p. 253-254. 59 52. num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. 53. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. 54. E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. 55. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? 56. O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. 57. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo. 58. Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão. Paulo inicia o versículo dizendo que o que ele vai falar é algo que ainda não havia sido revelado – é um mistério. Paulo considerava a morte como um sono, e tudo indica que quando fala que “nem todos dormirão” estivesse se incluindo no grupo daqueles que estariam vivos por ocasião da segunda vinda de Cristo. Seguramente ele acreditava que Jesus retornaria a este mundo em seu tempo, e quando isto ocorresse, todos os que estivessem vivos passariam por uma transformação. No versículo 52, o apóstolo comenta que ao soar da última trombeta os mortos que estavam “dormindo” ressuscitarão incorruptíveis, e os que estivessem vivos – inclusive ele próprio – se tornariam nova criatura. Isto era necessário acontecer, pois o ser humano, na sua natureza física e material (carne e sangue), não pode herdar o Reino de Deus. Uma coisa é certa, diz Paulo: nem todos passarão pela morte, mas todos serão transformados. Para Paulo não há existência sem corporalidade, de modo que a reflexão sobre a existência pós-morte precisa ser também uma pergunta pela corporalidade desta existência. [...] Contra seu pano de fundo históricocultural, os coríntios excluíram a corporalidade do ambiente da imortalidade e viram no pneuma o verdadeiro lugar da atuação divina. Paulo, ao contrário, sob adoção de padrões argumentativos gregos, inclui o corpo abrangentemente na atuação salvífica de Deus e inverte a sequência coríntia (1 Cor 15: 46). “Primeiro, porém, não vem o pneumático, mas o psíquico, somente depois o pneumático”. Para ele a história de Jesus Cristo é em vários aspectos uma prefiguração e simultaneidade da história dos coríntios. [...] Como no caso de Jesus Cristo, o poder criador de Deus 104 abrange também a corporalidade dos coríntios. 104 SCHNELLE, Udo. Paulo: vida e pensamento. São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2010. p. 280284. 60 No versículo 53, Paulo enfatiza novamente a questão do corpo como se fosse impossível ter vida futura fora dele. A única maneira de alcançar a imortalidade é no corpo, que uma vez foi corruptível e mortal, mas que deixará de ser por ocasião da volta de Cristo. Portanto, o ser humano como um todo precisa passar por este processo de restauração, pois a natureza carnal (o homem terrestre) está corrompida pelo poder do pecado que gera morte, diz o versículo 54. Como a morte não faz parte do plano de Deus, mas, sim, ela é fruto da desobediência, Deus não pode permitir que ela continue a reinar na vida de seus filhos. A morte é o último inimigo de Deus a ser vencido, tudo se finda nela. A incorruptibilidade e imortalidade não é algo que provém da natureza corruptível e mortal, pois o homem carnal não tem poder de gerar o celestial. É preciso que alguém superior ao poder da morte possa imputar a vitória sobre aqueles que são vitimados por ela. Acima da morte só existe um – Deus. Deus é vida, e onde há vida não há morte. Esta vida imortal, sem corrupção, que é inerente ao seu Ser, será concedida a todos quantos permanecerem nEle. O fato de Cristo ter sido ressuscitado demonstra que a morte não tem poder sobre ele. Ele venceu e a vitória sobre o maior inimigo da humanidade foi alcançada. Para corroborar sua linha de pensamento, Paulo faz uma aplicação do texto de Isaías 25.8, no qual o profeta fala do poder de Deus em restaurar o ser humano da sua natureza caída e conceder vida eterna. Assim, “tragada foi a morte pela vitória”. Que vitória? Enquanto o pecado reina neste mundo, quem vence é a morte, porque no fim da vida ninguém escapa desta trágica realidade. No entanto, após a ressurreição de Cristo, a morte não é mais considerada o fim da existência humana. Ela passa a ser vista como um sono para aqueles que aceitam o Cristo vitorioso. É bom lembrar que quando Paulo pergunta, no versículo 55, “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está ó morte, o teu aguilhão?”, ele o faz depois de ter discorrido a respeito de como o ser humano pecador é transformado pelo poder de Deus. Ou seja, depois de transformado, quando o homem natural será agora o celestial, e quando os poderes destrutivos deste mundo não mais terão o poder de 61 afligir os crentes. Aí sim, exclama: “Onde está ó morte a tua vitória? Onde está, ó morte o teu aguilhão?" No versículo seguinte, ele diz que o aguilhão da morte, que era o pecado, não mais afligirá os ressuscitados. O pecado é comparado aqui com uma picada venenosa de um escorpião, que pode levar à morte. O que dava força ao pecado era a lei; pois ela não tem o poder de salvar, pelo contrário, a lei mostra ao ser humano o seu pecado, mas em hipótese alguma tem poder salvífico. Essa vitória, que é concedida ao crente que permanece em Cristo, é outorgado por Deus, é um presente. Por isto Paulo inicia o versículo 57 dando graças a Deus, pelo fato de Jesus Cristo ter garantido esta vitória. Cristo foi o meio pelo qual Deus eliminará de uma vez por todas a morte. “Porque Cristo se ergueu do túmulo, o mesmo acontecerá com o homem, no tempo oportuno e determinado por Deus. [...] A exemplo do corpo ressurreto de nosso Senhor, ele terá uma forma reconhecível”.105 A ressurreição corpórea de Cristo mostrou a todos que o poder que a morte tinha sobre o homem natural, ela não tem sobre o homem espiritual tipificado por Cristo. Finalmente, no último versículo do capitulo 15, Paulo exorta os coríntios que permaneçam firmes, e não deixem de trabalhar na obra de Deus, a despeito de qualquer dificuldade, pois tudo que se faz para o Senhor não será em vão. No Senhor a recompensa é certa. 105 DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2005. p. 66. CONCLUSÃO Todo pesquisador da Bíblia que se propõe a investigar o capítulo 15 da Primeira Epístola de Paulo aos coríntios se depara com algumas dificuldades. Talvez a maior delas esteja relacionada à escassez de fontes que discorram a respeito do assunto, e ainda pelo fato de existirem poucas obras em português sobre capítulo 15, em específico. Outro fator seria que destas poucas fontes nem todas trazem informações confiáveis. No que se refere à apologia paulina da ressurreição, em 1 Coríntios 15, o que se percebe é que por mais que alguns escritores defendam que a ressurreição não é corporal, teólogos de renome como Rudolf Bultmann106 e George E. Ladd,107 e tantos outros eruditos, não corroboram com tal pensamento. A ideia predominante e querente do texto bíblico paulino, em 1 Coríntios 15, é a de que a ressurreição de Cristo, como a de todos os seres humanos, se dá no corpo, pois não há ressurreição fora dele. Falando da relação entre a ressurreição de Cristo e da humanidade, Ellen G. White diz que: “Sua ressurreição é o tipo e o penhor de todos os justos mortos”.108 Através do presente trabalho, acreditamos ter cooperado para uma melhor compreensão do tema da ressurreição de Cristo, e também para compreender como sucederá a ressurreição dos crentes por ocasião da segunda vinda de Cristo, conforme o pensamento paulino esboçado em sua primeira carta aos coríntios. Em primeira instância, procuramos descrever a história, como também o contexto social em que viviam os moradores de Corinto. Em seguida, abordamos alguns aspectos pertinentes à igreja de Corinto que estavam resultando em conflitos nesta comunidade. A partir daí, adentramos no problema central do capítulo 15, a ressurreição. Destacamos alguns conceitos concernentes ao tema da vida após a 106 107 108 Para Bultmann, corpo, espírito e alma são maneiras pelas quais o ser humano é identificado em sua integridade. WINKEL, Tiago. Ressurreição ou imortalidade: o que podemos dizer a partir do apóstolo Paulo? 9 f. Monografia da Disciplina Teologia Sistemática IV, Escola Superior de Teologia, Faculdade de Teologia, São Leopoldo : s.n.], 2005. p. 4. Ladd afirma que o ser humano receberá, na ressurreição, um novo corpo. Este corpo será totalmente revestido de incorruptibilidade, eterno e celestial. Este mesmo autor repudia a idéia da imortalidade da alma e assim como Paulo, fala do sono como um período intermediário entre a morte e a ressurreição. WINKEL, 2005, p. 3-4. WHITE, Ellen Gould. O desejado de todas as nações. 22. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2004. 64 morte que permeavam o ambiente da igreja em Corinto. Finalmente, realizou-se uma análise bíblica versículo por versículo do capítulo 15. Nosso objetivo principal era analisar o tema da ressurreição em 1 Coríntios 15 e descrever como o apóstolo entendia a ressurreição. Para chegarmos a este ponto, foi necessário considerar alguns pormenores que são indispensáveis nesta pesquisa e que foram citados no parágrafo anterior. Na primeira parte do capítulo 1, foi possível considerar o pano de fundo histórico, urbano, social, religioso e cultural da cidade de Corinto. Uma cidade que possuía uma rica história em que a maior parte de sua população vivia na cidade. Podemos dizer que esta metrópole do mundo antigo estava rodeada pela riqueza e pela pobreza ao mesmo tempo. Isto fez com que a cidade de Corinto se tornasse uma cidade multicultural. Não havia uma religião definida de seus moradores – havia espaço para todos os gostos e ideias. Isto não foi diferente com relação à igreja de Corinto, pois ela era composta por pessoas desta sociedade, o que trouxe alguns problemas internos que surgiram na igreja, proveniente em certa medida do meio em que estava inserida esta comunidade religiosa. Seguramente, o contexto social e religioso da cidade – como vimos no capítulo 1 – contribuiu para que esta igreja, formada por estes cidadãos, enfrentasse alguns conflitos internos que estava causando divisões entre a irmandade. Quando Paulo levou para lá o evangelho, mesmo aqueles que se tornaram cristãos entenderam a mensagem de modo variado, dependendo de seus antecedentes e origens. [...] O que alguns consideravam como comportamento aceitável era grande imoralidade para outros, esta foi a raiz 109 da maioria dos problemas que Paulo teve de enfrentar. No inicio capítulo 2, determinamos qual era o centro do problema de 1 Coríntios 15. Depois, constatamos que o pensamento grego da vida após a morte diferia do Antigo Testamento, como também do pensamento judaico. Por mais que na época em que nasceu a Igreja Primitiva a cultura grega era a que predominava, ainda assim, não há indícios de que os primeiros cristãos acreditassem na reencarnação em detrimento da ressurreição bíblica. Por outro lado, ainda que Paulo tenha pregado para os coríntios a respeito da ressurreição corporal de Cristo, havia alguns nesta comunidade que não 109 DRANE, John (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Loyola, 2009. p. 260. 65 acreditavam como o apóstolo e os demais cristãos pregavam. Este foi o motivo central do conflito descrito em 1 Coríntios 15, e o que levou Paulo a fazer sua apologia da ressurreição. O capitulo três do presente trabalho foi estruturado em seis unidades de versículos. Na primeira unidade, que vai do versículo 1 até ao 11, Paulo fala da importância da pregação da ressurreição de Cristo para a fé cristã. Ele não está falando algo novo, está apenas relembrando o que já havia dito em outro momento. Ele fala de uma ressurreição real. A ressurreição de Cristo não deve ser entendida apenas no sentido espiritual. Ele de fato, ressurgiu dos mortos. Aquele que saiu da tumba era o mesmo Jesus que vivera em carne. Ressurgiu num corpo glorificado, mas real – tão real que as mulheres que foram ao sepulcro e os discípulos O 110 viram (Mt 28: 17; Mc 16: 9, 12, 14). Para fundamentar ainda mais a realidade da ressurreição, Paulo fala em 1 Coríntios 3-4 que tanto a morte quanto a ressurreição de Cristo ocorreram conforme as Escrituras. O fato de eles terem visto o Cristo ressuscitado era, de certa forma, uma confirmação da palavra de Deus. A segunda unidade, que vai do versículo 12 ao 19, é composta pela retórica de Paulo sobre a ressurreição, na qual ele afirma que a certeza deste fato ocorrido, a ressurreição de Cristo, que ficou registrado na história é igualmente a certeza do acontecimento que virá no futuro – a ressurreição dos crentes. Sendo assim, de acordo com a unidade terceira e quarta (versículos 20 – 34) a ressurreição de Cristo é a garantia da nossa ressurreição. O ápice da questão se encontra na quinta unidade que vai dos versículos 35 ao 49, nos quais Paulo faz sua apologia da ressurreição não de forma dualista, como se houvesse uma dicotomia entre corpo e alma,111 um dissociado do outro, mas, sim, pela visão bíblica, que distingue diferentes partes do ser humano, mas as concebe como integridade inseparável. 110 111 KNIGHT, George R. Questões sobre doutrina: o clássico mais polêmico da história do adventismo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. p. 84. ARAÚJO, Hugo Filgueiras. A dualidade corpo/alma, no Fédon, de Platão. Dissertação. 96 f. Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. Disponível em: <http://bdtd.biblioteca.ufpb.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=409>. Acesso em: 24 nov. 2014. 66 A dicotomia de corpo e alma deriva do platonismo e não da revelação bíblica. O ponto de vista bíblico da natureza humana é holístico e monístico, não dualístico. [...] Além disso, os que recebem a vida eterna passarão a eternidade não em um paraíso etéreo, espiritual, mas neste planeta Terra material, restaurado por Deus à sua perfeição original. [...] O ponto de vista bíblico da natureza humana é essencialmente holístico [integral] ou monístico. A ênfase bíblica é sobre a unidade corpo, alma, e espírito, cada 112 um sendo parte de um organismo indivisível. O pensamento bíblico da natureza humana remonta ao início da criação, quando Deus criou Adão. Quando Deus o criou, o ser humano tinha todos os componentes físicos que fazem parte do corpo humano; ele tinha cabeça, pé, cérebro, coração, etc, mas nem por isto ele era um ser vivo, ele não pensava, não respirava. Adão só passou a ser uma alma vivente quando Deus soprou em suas narinas o fôlego de vida, aí sim, ele tornou-se uma alma vivente, pois é lógico – não existe alma morta. Conforme Alejandro Bullón, “Não existe espírito consciente separado do corpo”.113 Gottfried Brakemeier, resume, de maneira clara e singular, qual era a compreensão de Paulo sobre o tema: Isso implica a ressurreição dos mortos, melhor, a ressurreição do corpo, pois Paulo entende ressurreição como nova criação. E Deus sempre cria corpos, não seres abstratos, ideias, fantasmas. Verdade é que não há passagem direta desta vida para outra. “[...] carne e sangue não podem herdar o reino de Deus” (1 Coríntios 15.50). Necessitam de transformação, recriação. O que vai ressuscitar é um corpo novo, espiritual (1Coríntios 15.44). A pessoa será a mesma, mas seu modo de existir será outro. Paulo se opõe ao espiritualismo, que reduz o ser humano a uma “alma” somente. O corpo é criatura divina. Por isto é santo (1 Coríntios 6.19). Também o 114 novo ser humano será criatura. Consequentemente vai ser corpo. O pensamento bíblico não dá margem para uma ressurreição espiritualista, pois crer assim seria praticamente a mesma coisa que crer na reencarnação. Conforme Bacchiocchi, “O que os cristãos creem a respeito da constituição de sua natureza humana determina em grande medida o que creem a respeito de seu destino final”.115 112 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou ressurreição: uma abordagem bíblica sobre a natureza humana e o destino eterno. Engenheiro Coelho: UNASPRESS, 2007. p. 8-10. 113 BULLON, Alejandro. A única esperança: encontre o sentido da vida. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014. p. 71. 114 BRAKEMEIER, 2004. p. 39. 115 BACCHIOCCHI, 2007, p. 7. 67 Paulo, como um bom judeu e da seita farisaica,116 seguramente se pautou nos ensinamentos provindos do judaísmo. Ele se reporta para as Escrituras, para o Gênesis de cujo conteúdo ele fundamenta sua tese da ressurreição no corpo e não fora dele. O judaísmo antigo incluía uma diversidade de opiniões acerca da ressurreição. Por exemplo, os saduceus descartavam toda ressurreição, mas os fariseus – e Paulo era um deles – sim acreditavam na possibilidade 117 da ressurreição dos mortos. Na sexta e última unidade, que vai dos versículos 50 ao 58, Paulo busca complementar o que estava faltando para concluir sua linha de raciocínio a respeito do tema da ressurreição. Como na quinta unidade, ele fala que os ressuscitados terão corpo, na sexta unidade ele fala da transformação pela qual o corpo terrestre passará por ocasião da vinda de Cristo. Desta maneira, a ressurreição de Cristo é o modelo de nossa ressurreição. [...] Assim como o ressurreto tem corpo e é reconhecido pelos discípulos, também aqueles que ressuscitam com ele. Mas é uma corporeidade diferente, transformada para a incorruptibilidade da vida eterna (1Co 15.5055). [...] A ressurreição não é elevação para esferas espirituais. [...] A espiritualidade da ressurreição parte de uma visão diferente: ela é integral e 118 vê um futuro novo para o ser humano em sua totalidade. Sendo assim, de acordo com o texto de 1 Coríntios 15, o apóstolo Paulo, ao falar sobre a ressurreição – de Cristo e dos crentes – está se referindo à ressurreição integral do ser humano. Conforme Winkel, “O ser humano não é um corpo acrescido de uma alma, pelo contrário, estas duas entidades fazem parte de sua essência e é assim que ele deve ser visto”. 119 Na visão paulina, não existe possibilidade de haver ressurreição que não abarque a integridade do ser humano, conforme o pensamento hebraico. Além do mais, 1 Coríntios 15 não dá margem para se crer na imortalidade da alma ou na reencarnação.120 116 117 118 119 120 Os fariseus defendiam a ressurreição após a morte, diferente dos saduceus que não acreditavam em vida após a morte. "El judaísmo antiguo incluía una diversidad de opiniones acerca de la resurrección. Por ejemplo, los saduceos rechazaban toda resurrección, pero los fariseos – y Pablo era uno de ellos – sí creían en la posibilidad de la resurrección de los muertos". AGOSTO, Enfraín. Conozca su Bíblia: 1 y 2 corintios: Minneapolis: Augsburg Fortress, 2008. p. 116. ALTMANN, Walter. Nossa fé e suas razões. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p. 123-125. WINKEL, 2005, p. 4. FRIEDRICH, Nestor Paulo. Auxílio homilético: 1 Coríntios 15.45-49. Proclamar Libertação, São Leopoldo, Sinodal, v. XVII, 1991. Disponível em: <http://www.luteranos.com.br/textos/1-corintios15-45-49>. Acesso em: 16 out. 2014. 68 O pensamento de Paulo em 1 Coríntios 15, a respeito da ressurreição, é o da unidade do ser humano como um “todo” indivisível. Assim como apenas este “todo” indivisível pode existir, quando a pessoa morre o “todo” deixar de ser. A partir deste ponto de vista, conclui-se, portanto, que para Paulo o ressuscitado só pode “ser” se vier a existir em sua esfera como um “todo”. Este “todo” que é o ser humano passará por uma transformação por ocasião da segunda vinda de Cristo. Ser transformado não quer dizer que deixará de existir, ou será “espiritualizado” – serão um homem/mulher real como dantes. Esta é a ressurreição proclamada, como também aguardada pelo apóstolo Paulo, a ressurreição no corpo. REFERÊNCIAS ADAM, Julio Cesar. Auxílio homilético: 1 coríntios 15.12-20. Disponível em: <http://martimlutero.com.br/conteudo/1-corintios-15-12-20> Acesso em: 13 nov. 2014. AGOSTO, Enfraín. Conozca su bíblia: 1 y 2 corintios: Minneapolis: Augsburg Fortress, 2008. ALTMANN, Walter. Nossa fé e suas razões. São Leopoldo: Sinodal, 2003. BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou ressurreição: uma abordagem bíblica sobre a natureza humana e o destino eterno. Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2007. BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo. Tradução de José Almeida. São Paulo: Loyola, 1989-1991. v. 2. BARCLAY, William. I y II Corintios. Buenos Aires: La Aurora, 1973, v. 9. 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