A FAMÍLIA SILVA E SEUS GENES Os filhos são diferentes, mas todos são Silva. Saiba como! Autores: Jorge Oyakawa, Ronaldo S. A. da Silva, Maria Augusta Q. R. Pereira e Eliana M. B. Dessen Idéia original: Jorge Oyakawa e Ronaldo S. A. da Silva Projeto e produção dos bonecos: Jorge Oyakawa Ilustrações e editoração do manual: Gledsley Müller Ficha Técnica Tema Central: Genética Área de interesse: Biologia/Genética Público Alvo: alunos do Ensino Médio Número de participantes: 40 alunos em grupos de quatro Tempo da atividade: duas aulas Projeto Micro&Gene Apoio Financeiro – Pró-Reitoria de Graduação Universidade de São Paulo – Projeto Promat RESUMO A atividade simula a reprodução de um casal de seres humano. Vários descendentes são formados levando-se em consideração cinco características genéticas, além do sexo. A partir dos genótipos escolhidos para os pais os participantes devem simular a formação de gametas femininos e masculinos, a fecundação e, finalmente, construir os fenótipos dos descendentes. OBJETIVOS Esta atividade tem como objetivos principais sensibilizar o estudante para o estudo dos padrões de herança, trazer para o concreto as relações temporais entre diferentes processos da hereditariedade e compreender a relação entre genótipo e fenótipo. JUSTIFICATIVA A Genética ocupa uma posição importante e crucial na Biologia e a sociedade moderna mantém um estreito relacionamento com essa área do conhecimento. O algodão de nossas roupas, a lã produzida por carneiros, o trigo presente nos pães e massas e a maioria dos organismos usados pelos seres humanos em sua alimentação foram especialmente cruzados e selecionados de acordo com princípios genéticos. Nos dias atuais, os avanços revolucionários dessa área, como por exemplo, a terapia gênica, a construção de organismos transgênicos e de clones fazem parte do cotidiano da grande maioria dos cidadãos. Como conseqüência desses avanços foram gerados Interesses econômicos de grande monta e problemas éticos relacionados à manipulação de organismos pelos geneticistas. Assim sendo a compreensão dos princípios básicos da Genética é uma ferramenta fundamental para que nossos estudantes estejam preparados para opinar de modo conseqüente frente às inovações introduzidas pela ciência na sociedade, ou seja, para exercer sua cidadania. Esta atividade pretende levar aos professores e estudantes uma maneira lúdica, prazerosa e participativa de relacionar-se com o conteúdo escolar, levando a uma maior apropriação dos conhecimentos envolvidos. FUNÇÃO PEDAGÓGICA A compreensão dos fenômenos genéticos não é simples, pois envolve processos e entidades invisíveis que não fazem parte das experiências do dia-a-dia dos estudantes. Além disso, essa compreensão requer uma síntese de conceitos diversos que estão em níveis de organização distintos (moléculas, células, organismos e populações) e a percepção de que os efeitos desses processos são distribuídos no tempo (a formação de gametas ocorre nos pais, a fecundação, a formação do zigoto e o desenvolvimento do embrião ocorrem no organismo materno e o aparecimento das características fenotípicas, no descendente). O professor deve estar atento ao senso comum que envolve os mecanismos de 2 herança (como, por exemplo, a idéia de mistura) e, a partir dos conceitos, muitas vezes equivocados, que os estudantes possuem, ajudá-los a construir a base científica dos conceitos envolvidos na transmissão das características de pais para filhos. Essa atividade pretende fornecer a contextualização necessária para retirar o aluno da condição de espectador passivo e facilitar o aprendizado significativo dos princípios básicos da Genética. PREPARANDO A ATIVIDADE Aplicando a atividade em sala de aula Embora a atividade possa ser explorada, pelo professor, em diferentes contextos, dependendo do nível da classe e do conteúdo programático a ser estudado, apresentamos uma sugestão de aplicação que procura integrar a terminologia com a compreensão significativa dos conceitos. A atividade deve ser desenvolvida por grupos de quatro alunos. O(A) professor(a) apresenta o casal de bonecos aos alunos chamando a atenção para as características fenotípicas que são variáveis e que estarão envolvidas na atividade. Deve ser informado que o casal irá se reproduzir e que cada grupo de quatro alunos irá produzir um descendente utilizando o material do kit. O professor pode optar por xerocopiar a Tabela 1 (veja item procedimento) para que os alunos preencham ou, então, solicitar que eles utilizem uma página do caderno para reproduzir as tabelas desenhadas no quadro negro. Toda a terminologia e conceitos necessários à compreensão dos processos genéticos tratados na atividade poderão ser discutidos após a obtenção dos descendentes. Nas partes 4 e 5 são colocadas questões conceituais cujas respostas requerem um crescente grau de compreensão e de inter-relação entre as entidades e/ou processos analisados. Se o professor (a) se sentir hesitante em relação a alguns de seus conceitos em Genética, poderá recorrer ao anexo “Notas para o Professor”, assim como às informações contidas nas Respostas às questões apresentadas no final do texto. I. Dividir a classe em grupos de quatro alunos II. Apresentar o casal de bonecos chamando a atenção para as características fenotípicas que são variáveis e que estarão envolvidas na atividade. III. Orientar os grupos para que sigam as instruções contidas no item “Manual do aluno”. Tais instruções simulam: a) determinação dos genótipos dos pais (passos 1.1 a 1.7); b) a redução do número de cromossomos que ocorre durante a formação dos gametas (passos 2.1 a 2.3); 3 c) a recomposição do número de cromossomos por meio da fecundação, a combinação aleatória de diferentes cromossomos paternos e maternos no zigoto e a determinação do fenótipo do descendente (passos 3.1 a 3.2); d) comparação dos fenótipos dos diferentes descendentes gerados (passo 4). O protocolo que os grupos de alunos deverão seguir, assim como as questões para a avaliação da compreensão da atividade encontram-se em impressos plastificados. PROCEDIMENTO PARTE 1 Determinação dos genótipos dos pais 1.1. Observar a aparência (fenótipo) do casal que está sobre a mesa do(a) professor(a). 1.2. Anotar na Tabela I o fenótipo do homem e da mulher em relação as seguintes características: pigmentação da pele, lóbulo da orelha preso ou solto, dentição normal ou hipodontia, número de dedos nas mãos e calvície precoce. Tabela I – Fenótipos e genótipos possíveis dos pais Pai Mãe Características fenótipo genótipos possíveis fenótipo genótipos possíveis Pigmentação da pele (albinismo) Lóbulos das orelhas Ausência de incisivos (hipodontia) Número de dedos nas mãos Calvície precoce 1.3. Observar, na Tabela II, em anexo, a descrição das características, os genótipos (constituição genética) possíveis para cada uma delas e a maneira como elas são transmitidas para os filhos desse casal. 1.4. A partir das informações contidas na Tabela II preencher a Tabela I com os possíveis genótipos do casal. 4 1.5. Considerar que os genótipos dos pais sejam os abaixo relacionados Pai Mãe Heterozigótico para albinismo Heterozigótica para albinismo Heterozigótico para lóbulo da orelha Homozigótica recessiva para lóbulo da orelha Heterozigótico para hipodontia Homozigótica recessiva para hipodontia Homozigótico dominante para polidactilia Homozigótica recessiva para polidactilia 2 Homozigótico C para calvície precoce Heterozigótica para calvície precoce 1.6. O saco escrito PAI contém a composição alélica do Sr. Silva. Cada ficha colorida representa um alelo relacionado a uma característica específica. Por exemplo, as fichas verdes representam os alelos para a característica albinismo (A e a). Para a característica sexo as fichas vermelhas representam o par de cromossomos sexuais (X e Y). 1.7. O saco escrito MÃE contém a composição alélica da Sra. Silva. Cada ficha colorida representa um alelo relacionado a uma característica específica. Por exemplo, as fichas amarelas representam os alelos para a característica número de dedos nas mãos (p e p). 5 Tabela II – Características fenotípicas e alelos correspondentes CARACTERÍSTICA FENOTÍPICA E PADRÃO DE HERANÇA ALBINISMO (PELE SEM PIGMENTAÇÃO) Essa característica decorre do bloqueio da síntese de melanina. Os indivíduos afetados apresentam a pele, cabelos e íris sem pigmentação Herança autossômica recessiva. LÓBULOS DAS ORELHAS Nos indivíduos heterozigóticos os lóbulos das orelhas são soltos e nos homozigóticos recessivos, presos. Herança autossômica recessiva. AUSÊNCIA DE INCISIVOS (HIPODONTIA) Indivíduos afetados para hipodontia não possuem os dentes incisivos. Herança autossômica dominante. NÚMERO DE DEDOS A MAIS (POLIDACTILIA) Caracteriza-se pela presença de dedos extranuméricos. Herança autossômica dominante. CALVÍCIE PRECOCE Manifesta-se como dominante nos homens e recessiva nas mulheres. Herança autossômica CONSTITUIÇÃO GENÉTICA (genótipo) APARÊNCIA FÍSICA (fenótipo) AA (homozigótico) normal Aa (heterozigótico) normal aa (homozigótico) albino LL (homozigótico) lóbulos soltos Ll (heterozigótico) lóbulos soltos ll (homozigótico) lóbulos presos Hh (heterozigótico) incisivos ausentes hh (homozigótico) incisivos presentes PP (homozigótico) polidáctilo Pp (heterozigótico) polidáctilo pp (homozigótico) normal 1 1 C C (homozigótico) ♀ e ♂ calvos CC 1 2 (heterozigótico) ♂ calvo ♀ normal 2 2 (homozigótico) ♂ e♀ normais CC 6 PARTE 2 Formação dos gametas (espermatozóide e óvulo) dos pais 2.1. A partir dos alelos presentes em um indivíduo, a composição alélica de um gameta é determinada ao acaso. Na formação dos gametas, os alelos relacionados com cada uma das características (Tabela II) se comportam de maneira independente. Por essa razão, para cada uma das características o alelo que fará parte de um determinado gameta pode ser sorteado de modo independente. 2.3. Considerando a composição genética do pai, e utilizando as fichas do saco PAI construir um gameta paterno (espermatozóide) como indicado a seguir: 2.3.a Determinar, inicialmente, se o gameta será portador do cromossomo Y ou de um cromossomo X. Retirar do saquinho “sexo” uma ficha e coloca-la, no circulo vermelho da estrutura que representa o espermatozóide. 2.3.b. Repetir esse procedimento para cada uma das características, usando as fichas dos saquinhos correspondentes. 2.4. Considerando a composição genética da mãe, e utilizando as fichas do saco MÃE construir um gameta materno (óvulo). Retirar do saquinho “sexo” uma ficha e coloca-la, no circulo vermelho da estrutura que representa o óvulo. Para as demais características repetir o procedimento do item 2.2b. PARTE 3 Formação do zigoto e do fenótipo do(a) filho(a) PARTE 4 Análise dos resultados 3.1. A união entre o óvulo e o espermatozóide corresponde à fecundação e origina o zigoto. Para formar o zigoto colocar o espermatozóide dentro da estrutura que representa o óvulo, simulando a fecundação. 3.2. Considerando a constituição genética do zigoto e utilizando as peças da cartela das características, construir, usando um boneco, o fenótipo do filho(a) do casal. 4.1. Comparar o descendente produzido pelo seu grupo com os descendentes construídos pelos demais grupos da classe. a) Anotar a proporção de descendentes masculinos e femininos obtidos. 7 b) Anotar, para cada uma das demais características, a proporção de aparecimento dos respectivos fenótipos. c) Verificar se houve diferenças entre as proporções dos fenótipos nas diferentes características. Em caso afirmativo, formular hipóteses que expliquem essas diferenças. 4.2. Verificar que outros tipos de gametas podem ser formados a partir da constituição genética do casal. 4.3. A partir da constituição genética do casal, calcular a probabilidade de aparecimento na descendência de: a) uma criança albina. b) um menino calvo. c) uma menina com os lóbulos das orelhas presos. d) um menino albino com os lóbulos das orelhas presos. PARTE 5 Correlacionando conceitos 1. A parte 2 dessa atividade refere-se à formação dos gametas, óvulos e espermatozóides. As fichas representam os alelos, ou seja, as formas alternativas de um gene (A ou a, P ou p, etc.). Na célula: a) onde estão localizados os alelos? b) qual é a composição química dos alelos? c) que tipo de informação está contida num alelo? d) que tipo de diferença você imagina que haja entre um alelo e outro? 2. O que ocorre com o número de cromossomos no processo de formação dos gametas? 3. A parte 3 dessa atividade refere-se à formação do zigoto. O que ocorre com o número de cromossomos no processo de fecundação? 4. Na célula, qual é o processo responsável pela redução do número de cromossomos na formação dos gametas? 5. Quantas formas alélicas de um gene existem em cada uma das células somáticas de um ser humano? E em seus gametas? 6. A informação genética está contida no DNA. Na célula, onde está localizado o DNA? 7. A informação genética está contida no DNA. Em que linguagem química essa informação está escrita? 8 8. Um gene corresponde a uma informação genética. Onde estão localizados os genes? 9. Cada cromossomo é composto por uma molécula de DNA, ou seja, uma dupla-hélice de DNA. Quantas moléculas de DNA existem: a) numa célula somática humana? b) num gameta humano? c) num zigoto? 10. Numa determinada célula falta um pedaço de cromossomo. Que conseqüências essa deficiência pode trazer ao organismo? Levante hipóteses a respeito. 11. O material genético é capaz de se reproduzir, ou seja, de duplicar-se. Depois de duplicado, o DNA é idêntico ao material antes da duplicação. Como o DNA se duplica de modo tão fiel? ANEXOS Notas para o professor Todo ser vivo é formado por células. Nosso corpo, por exemplo, é formado por trilhões delas. As células são tão pequenas que necessitam de um microscópio para serem visualizadas. Cada célula possui uma longa lista de instruções, ou receitas, que quando executadas, dão às células formas e funções características. Essa longa lista de instruções está contida no DNA, (Deoxyribonucleic Acid) que é o material genético de todos os seres vivos. Cada receita corresponde a um gene (Figura 1). Nas células dos eucariotos o DNA está distribuído por um ou mais cromossomos. O número e o tamanho dos cromossomos são os mesmos em todas as células somáticas de um organismo, mas variam em organismos diferentes. Cada cromossomo é formado por uma molécula de DNA associado a proteínas. Os cromossomos se coram intensamente com corantes básicos e são visíveis em microscopia óptica apenas durante a divisão celular, quando se tornam altamente compactados (Figura 1). Em células interfásicas, o material genético é visualizado como uma massa amorfa no interior do núcleo pelo fato das longas moléculas de DNA não estarem muito condensadas. É nessa fase que o material genético apresenta-se funcional, ou seja, transcrevendo mensagens, ou executando as receitas. Como as características são herdadas? A herança de cada característica individual é determinada por unidades físicas discretas chamadas genes. Os organismos diplóides possuem pelo menos um par de genes semelhantes, não necessariamente idênticos, que condiciona cada característica. Entretanto, apenas um dos membros do par é incluído em um gameta (a lei da segregação). A descendência formada pela fusão de dois gametas recebe assim um par de genes, cada um deles 9 herdado de um dos parentais. Diferentes alelos condicionam diferentes formas de uma característica. Em indivíduos com dois alelos diferentes do mesmo gene, a inclusão de um deles no gameta é determinada por acaso (lei da segregação independente). Assim sendo, é possível prever as proporções relativas dos diferentes fenótipos na descendência por meio das leis da probabilidade. A aparência física de um organismo (fenótipo) nem sempre permite determinar com certeza seus alelos (o genótipo) devido a alelos dominantes, pois basta que estejam presentes em dose simples para determinar a característica por eles condicionada. Desse modo, organismos com dois alelos dominantes (homozigóticos dominantes) têm o mesmo fenótipo de organismos com um alelo recessivo e outro dominante (heterozigótico). É importante ressaltar que para facilitar o entendimento dos padrões de herança, são feitas algumas simplificações. A primeira delas é a suposição de que cada característica seja completamente controlada por um único gene, e a outra simplificação é supor que um alelo seja completamente dominante em relação ao outro, recessivo. Na realidade, a maioria das características é determinada de maneira muito mais variada e complexa do que como está discutido nos próximos itens. Muitas características são influenciadas por vários genes Analisando a população humana verificamos que existem pessoas dos mais variados pesos, tons de pele e forma do corpo, apenas para considerar algumas características bem visíveis. Características como estas não são governadas por um único gene, mas são influenciadas por interações entre dois ou mais pares de genes – assim como por interações desses genes com o meio ambiente. Muitas características, tais como a cor da pele humana, pode ter vários fenótipos ou uma variação continua que não pode ser dividida em categorias distintas facilmente definidas. Esse é um exemplo de herança multifatorial ou poligênica, uma forma de herança na qual interações de dois ou mais pares de genes com efeito aditivo contribuem para apenas uma característica. Figura 1 – O DNA, material genético dos seres vivos, está localizado no núcleo das células eucarióticas. O DNA complexado a proteínas compõe os cromossomos. Cada uma das cromátides de um cromossomo é formada por uma única molécula de DNA caracterizada pela seqüência de bases de seus nucleotídeos. Um segmento dessa molécula, com código para sintetizar uma proteína, corresponde a um gene. 10 DNA: a molécula da herança As “instruções” moleculares herdadas de uma geração para a seguinte estão contidas no material genético que compõem os cromossomos. Cada cromossomo consiste de uma longa molécula de DNA associada a proteínas que além de atuarem como reguladoras auxiliam na organização e empacotamento do DNA. Na célula interfásica o complexo DNA-proteínas encontra-se numa forma distendida, denominada cromatina, e é visível em microscopia óptica como uma massa heterogênea. Durante a divisão celular, esse complexo apresenta-se altamente condensado e torna-se visível, em microscopia óptica, como unidades individualizadas, os cromossomos. Cada gene é um segmento funcional do DNA localizado num local específico do cromossomo. Do ponto de vista molecular o gene é um segmento de DNA cuja seqüência de nucleotídeos especifica a seqüência de aminoácidos de uma determinada proteína (Figura 1) A variabilidade resulta da orientação independente dos cromossomos na meiose e da fertilização ao acaso Figura 2. Resultado da orientação independente dos cromossomos na metáfase I da meiose. São quatro as combinações possíveis entre os cromossomos maternos e paternos. Os cromossomos maternos estão representados em azul e os paternos em vermelho. Um dos aspectos evidenciados pela atividade “Família Silva” é a variabilidade dos descendentes originados por um único casal. Os dois principais processos geradores dessa variabilidade são a distribuição dos cromossomos de origem paterna e materna na meiose e a fertilização ao acaso para a formação do zigoto. Embora você não vá discutir o mecanismo da meiose com seus alunos nessa atividade é fundamental a compreensão do papel da meiose na variabilidade da descendência. A Figura 2 ilustra como a divisão meiótica contribui para as diferenças genéticas dos gametas, isto é, como o arranjo dos pares de cromossomos homólogos na metáfase I da meiose afeta os gametas resultantes. Vamos tomar como exemplo um organismo com dois pares de cromossomos (2n= 4). Cromossomos provenientes do pai estão representados em azul e aqueles originados da mãe em vermelho. Embora os cromossomos homólogos, quando analisados em microscopia óptica, se pareçam em tamanho e em forma, o cromossomo materno difere geneticamente de seu homologo paterno (Figura 3). Cada cromossomo recebido da mãe é portador de muitos genes que são versões diferentes daqueles presentes nos cromossomos homólogos recebidos do pai (veja itens seguintes). A orientação dos pares de cromossomos homólogos (tétrades) na metáfase I da meiose é uma questão de acaso, do mesmo modo que o lançamento de uma moeda. No exemplo apresentado na figura 2, há dois modos possíveis de alinhamento das tétrades. Em um deles, ambos os cromossomos maternos (vermelhos) posicionam-se para o mesmo lado do plano equatorial (na parte superior da figura). Nesse caso, uma das duas células filhas, resultantes da 11 meiose I, recebe apenas cromossomos maternos, e a outra célula recebe apenas cromossomos paternos. Quando ocorre essa possibilidade de alinhamento de homólogos, os gametas produzidos têm todos os cromossomos de origem materna ou todos os cromossomos de origem paterna. Na possibilidade alternativa de alinhamento, as tétrades estão orientadas com um cromossomo azul e um vermelho em cada lado da placa metafásica I (na parte inferior da figura). Esse arranjo produz gametas com um cromossomo paterno e um materno. Ou seja, metade dos gametas possui um grande cromossomo azul e um cromossomo vermelho pequeno (combinação 3), e a outra metade possui um grande cromossomo vermelho e um azul pequeno (combinação 4). O exemplo nos mostra que é possível um total de quatro combinações de cromossomos nos gametas, e de fato, o organismo produzirá gametas dos quatro tipos. Essa variedade de gametas ocorre porque cada par de cromossomos homólogos se orienta na placa metafásica I de modo independente do outro par. Em espécies como a humana, com mais de dois pares de cromossomos, a orientação de todos eles na placa metafásica I é independente (os cromossomos sexuais X e Y comportam-se como um par de homólogos na meiose). O número total de combinações de cromossomos nos gametas é 2n, onde n é o número cromossômico haplóide. No organismo usado como exemplo n=2, e, assim sendo, o número possível de combinações cromossômicas é igual a 22, ou 4. Para os seres humanos (n=23), há 223, ou cerca de 8 milhões de combinações cromossômicas possíveis. Isso significa que cada gameta que um ser humano produz contem uma das 8 milhões de combinações possíveis dos cromossomos maternos e paternos. Quantas possibilidades de combinação existem quando um gameta de um individuo se une ao gameta de outro indivíduo na fertilização? Um óvulo humano, que representa uma das 8 milhões de possibilidades, é fertilizado ao acaso por um espermatozóide, representando uma em 8 milhões de outras possibilidades. Multiplicando-se 8 milhões por 8 milhões, verifica-se que um casal pode produzir um zigoto diplóide com uma das 64 trilhões de combinações de cromossomos possíveis! Desse modo, a natureza casual da fertilização aumenta ainda mais o já enorme potencial de variabilidade da descendência numa reprodução sexuada. Os enormes valores acima mencionados sugerem que a orientação independente dos cromossomos na metáfase I e a fertilização ao acaso poderiam explicar toda a variedade existente na população humana. Na realidade, esses dois eventos são apenas parte de um quadro mais amplo. 12 Cromossomos homólogos são portadores de versões diferentes dos genes Figura 3. A informação genética contida em cromossomos homólogos pode diferir. Levando em consideração a informação genética real, ou seja, os genes contidos nos cromossomos, qual é o significado da orientação independente dos cromossomos na metáfase meiótica? Vamos examinar um exemplo simples, duas tétrades como as da Figura 3. As letras assinaladas nos cromossomos homólogos representam genes. Lembre-se que cromossomos homólogos possuem, em lócus correspondentes, genes para as mesmas características. Neste exemplo estão esquematizados genes relacionados a duas características na espécie humana: A e a representam versões diferentes(alelos) de um gene relacionado à presença de melanina na pele ou sua ausência (albinismo) e L e l representam diferentes versões de um gene para outra característica, lóbulo da orelha solto ou preso. Do ponto de vista molecular, alelos apresentam seqüências de nucleotídeos levemente diferentes no DNA cromossômico. A letra A representa o gene para presença de melanina e a letra a representa o gene para a versão Albina, ou seja, o alelo é incapaz de codificar a síntese de melanina. Note que os alelos A e a ocupam o mesmo lócus nos cromossomos homólogos, representados na figura com as cores vermelha e azul, respectivamente. Do mesmo modo, o alelo L (para lóbulos soltos) está no mesmo lócus que o alelo l, que determina lóbulos presos. O fato de cromossomos homólogos poderem ser portadores de dois tipos diferentes de informação genética para a mesma característica (por exemplo, presença de melanina) é o que realmente faz com que os gametas – e em conseqüência os descendentes – sejam diferentes entre si. No exemplo, um gameta portador de um cromossomo vermelho teria genes especificando presença de melanina e lóbulos presos, e o gameta contendo o cromossomo homologo azul teria genes para albinismo e lóbulos soltos. É possível visualizar a base cromossômica das leis de Mendel seguindo o destino de dois genes durante a meiose e a fertilização. Na figura 4, estão apresentados dois pares de cromossomos onde foram assinalados dois genes, o A, relacionado à presença de melanina na pele e o gene L responsável pela forma do lóbulo da orelha. Seguindo o comportamento dos dois cromossomos (longo e curto) na meiose verifica-se que cromossomos não homólogos, juntamente com seus genes, segregam-se independentemente, originando gametas com diferentes composições alélicas. Lembre-se que a permutação, que ocorre entre segmentos correspondentes de dois cromossomos homólogos, aumenta ainda mais a variabilidade genética. Mas essa é uma outra história que fica para uma outra vez. 13 Figura 4 – Meiose de uma célula 2n=4, heterozigótica para as características: pigmentação da pele (Aa) e lóbulos da orelha (Ll). Os genes e seus produtos O produto de um gene pode ser um RNA que não vai ser traduzido, como os RNAs transportadores e RNAs ribossômicos, por exemplo, ou então um RNA mensageiro que será traduzido em uma proteína. A proteína codificada por um gene pode ser uma enzima como a tirosinase, ou uma substância que não atua como enzima, mas tem um papel definido na célula, quer fisiológico, como a hemoglobina e a insulina, ou estrutural, como as proteínas do colágeno. As células somáticas dos organismos diplóides possuem dois alelos, iguais ou diferentes, em cada lócus do par de cromossomos homólogos. Se os alelos forem diferentes, por exemplo, A e a, pode ser que codifiquem a síntese de proteínas diferentes, que podem ou não ser funcionais. Por exemplo, os indivíduos heterozigóticos HbA/HbS têm, nas hemácias, dois tipos de hemoglobinas: A (normal) e S (a da siclemia). Isto é uma prova de que os dois alelos codificam proteínas funcionais. Já no caso do albinismo, o alelo anormal produz uma proteína não funcional; e é por isso que o homozigótico aa, não tendo a enzima tirosinase que transforma a tirosina em dopa, não produz melanina. Por essa razão, um indivíduo albino pode ser filho de pais com pele pigmentada, heterozigóticos (Aa). A presença de pigmentação nos pais demonstra que o alelo A, mesmo em dose simples, produz melanina em quantidade suficiente. Em genética a palavra dominante não implica que um fenótipo seja normal ou mais comum que o fenótipo recessivo. As características selvagens (aqueles que prevalecem na natureza) também não são necessariamente as determinadas por alelos dominantes. Em genética, dominante significa que o heterozigótico (Aa), portador de apenas uma cópia do alelo dominante, exibe o fenótipo dominante. Ao contrário, o fenótipo condicionado pelo alelo recessivo é visto apenas no 14 homozigótico (aa). Freqüentemente, características recessivas são mais comuns na população do que as dominantes. Por exemplo, a ausência de sardas (característica recessiva) é mais comum que sua presença. Na espécie humana, como os genes dominantes patológicos são raros, os homozigóticos para o alelo dominante (por exemplo, HH) são raríssimos e, em muitos casos, desconhecidos, o que torna impossível saber se HH tem a mesma expressão que Hh. Por isso, é adequado considerar como dominante o alelo patogênico cujo efeito afeta o heterozigótico, independente de produzir ou não o mesmo efeito em dose dupla. LEMBRE-SE QUE 1. 2. 3. 4. 5. Há formas alternativas de genes, as unidades que determinam as características hereditárias. Para cada característica, um organismo tem dois alelos, cada um herdado de um dos pais. Esses alelos podem ser iguais ou diferentes. Um espermatozóide ou óvulo carrega apenas um alelo para cada característica, porque os pares de alelos separam-se durante a formação dos gametas. Entretanto, quando espermatozóides e óvulos se unem na fecundação, cada um contribui com seu alelo, restaurando a condição par na descendência. Quando dois alelos de um par são diferentes e um deles se expressa completamente enquanto o outro não tem efeito notável na aparência do organismo, eles são chamados, respectivamente, de alelo dominante e alelo recessivo. O organismo que tem um par de alelos idênticos para uma característica, é dito homozigótico. . GLOSSÁRIO ALELO – formas alternativas de uma informação genética encontradas num determinado cromossomo. ALELO DOMINANTE – aquele que se manifesta mesmo em estado de heterozigose (dose simples). Assim se A é dominante sobre a, então A/A e A/a têm o mesmo fenótipo. ALELO RECESSIVO – aquele que se manifesta apenas em homozigose (dose dupla); alelo cujo efeito fenotípico não se expressa em heterozigose. AUTOSSOMO – um cromossomo que não está diretamente envolvido com a determinação do sexo de um indivíduo; em mamíferos, por exemplo, qualquer cromossomo diferente de X ou Y; cromossomo igualmente representado nos machos e fêmeas. CARACTERÍSTICA – (CARÁTER) – aspecto morfológico ou fisiológico usado para distinguir de outro(s) um ser ou grupo de seres. 15 CROMOSSOMO – estrutura formada pelo material genético (DNA) e proteínas. É através dele que a informação hereditária é transmitida de uma geração para outra (isto é, de pais para os filhos). CROMOSSOMO SEXUAL – cromossomo relacionado com a determinação do sexo; nos mamíferos os cromossomos sexuais são o X e o Y. DESCENDENTE – indivíduo que descende de outro. ESPERMATOZÓIDE – gameta masculino. FENÓTIPO – características de um indivíduo que resultam da combinação de seus genes e da influência do meio ambiente. GAMETA – célula reprodutora haplóide, masculina ou feminina. GENE – unidade básica da herança; um segmento do material hereditário relacionado com a determinação de uma característica. GENÓTIPO – constituição genética de um indivíduo com relação a uma única característica ou a um conjunto delas. HERANÇA – transmissão de uma característica dos pais para a descendência. HERANÇA AUTOSSÔMICA – herança determinada por um ou mais genes localizados em cromossomos autossômicos, ou não sexuais. HERANÇA POLIGÊNICA – herança condicionada pela interação de um grande número de genes com efeito aditivo resultando em características com variação quantitativa. HETEROZIGÓTICO – indivíduo que possui, para um dado lócus em cromossomos homólogos, alelos diferentes para um determinado gene. HOMOZIGÓTICO – indivíduo que possui, para um dado lócus em cromossomos homólogos, alelos idênticos para um determinado gene. ÓVULO – gameta feminino. VARIABILIDADE – que varia; que tem diferentes aspectos. ZIGOTO – ovo fertilizado que resulta da união do núcleo do espermatozóide com o núcleo do óvulo; é diplóide. 16 RESPOSTAS PARA AS QUESTÕES Parte 4 – Análise dos resultados 4.1. As proporções esperadas dos possíveis descendentes estão apresentadas na tabela TABELA Característica Proporção esperada Sexo: filhos/filhas 1:1 pele pigmentada/albinos 3:1 lóbulo da orelha solto/preso 1:1 hipodontia/dentição normal 1:1 número normal de dedos/polidactilia 0:1 calvície precoce filhas normais filhos – 1 calvo:1 normal Entretanto, considerando que a amostra de descendentes obtidos é pequena haverá desvios das proporções esperadas para todas as características, exceto polidactilia. No caso da polidactilia, como o pai é homozigótico para uma herança autossômica dominante todos os descendentes possuirão o alelo P e, portanto, terão dedos extranumerários. Outro resultado que merece destaque é o referente à calvície precoce que, apesar de ser uma herança autossômica, manifesta-se de modo diferencial dependendo do sexo do indivíduo. Como o pai é homozigótico para o alelo C2 e a mãe heterozigótica (C1 C2) os descendentes possíveis são: • C2 C2, todos normais independentemente do sexo • C1 C2, filhas normais e filhos com calvície precoce 4.2. Os gametas possíveis para o casal em questão são: gametas da mãe: • X, A, l, h, p, C1 • X, A, l, h, p, C2 • X, a, l, h, p, C1 • X, a, l, h, p, C2 gametas do pai: • X, A, L, H, P, C2 • X, A, L, h, P, C2 • X, A, l, H, P, C2 • X, A, l, h, P, C2 • X, a, L, H, P, C2 • X, a, L, h, P, C2 • X, a, l, H, P, C2 • X, a, l, h, P, C2 17 • • • • • • • • Y, A, L, H, P, C2 Y, A, L, h, P, C2 Y, A, l, H, P, C2 Y, A, l, h, P, C2 Y, a, L, H, P, C2 Y, a, L, h, P, C2 Y, a, l, H, P, C2 Y, a, l, h, P, C2 4.3. Probabilidades de aparecimento na descendência: a) ¼ de descendentes albinos. b) ½ de ser menino x ½ de ser calvo = ¼ dos filhos. c) ½ de ser menina x ½ de ter lóbulo preso = ¼ das filhas d) ½ de ser menino x ¼ de ser albino x ½ de ter lóbulo preso = 1/16 dos filhos Parte 5 - Correlacionando conceitos 1a. Os alelos estão localizados nos cromossomos, dentro do núcleo da célula. 1b. Os alelos são constituídos por DNA. 1c. Informação genética, ou seja, a seqüência de bases do segmento de DNA que compõem um alelo define a ordem dos aminoácidos na proteína que ele codifica. 1d. Alelos diferem na seqüência de bases. 2. Durante o processo de formação dos gametas o número de cromossomos é reduzido a metade. 3. A fertilização restabelece cromossomos da espécie. o número original de 4. O processo responsável pela redução do número de cromossomos nos gametas é a divisão meiótica. 5. Cada célula somática de um ser humano possui duas cópias alélicas, mas seus gametas possuem apenas uma. 6. O DNA da célula está contido em seu núcleo. 7. A informação química do material genético está contida na seqüência de nucleotídeos do DNA. 8. Os genes estão localizados nos cromossomos das células. 9. As células somáticas humanas e os zigotos possuem 46 moléculas de DNA enquanto os gametas apenas 23. 10. O pedaço de DNA que falta pode conter parte de um gene, um gene inteiro ou vários genes. Assim sendo, o produto 18 desse(s) gene(s) não estará(ão) presente(s) na célula. Se o produto codificado pelo gene for essencial, a célula portadora da deficiência morrerá. A falta do produto gênico poderá também ocasionar a alteração de uma característica fenotípica. Além disso, a deficiência pode envolver segmentos de DNA não codificantes, mas que são importantes para a manutenção da integridade do cromossomo (como a região telomérica), ou para a ligação do cromossomo às fibras do fuso (como a região centromérica). 11. A replicação do DNA é semiconservativa, ou seja, cada fita serve de molde para a síntese da fita complementar. 19 20