1. Linguagem escrita - Apresentação Súmula História e paradoxo da linguagem escrita sob o ponto de vista neurológico; teorias de aquisição da linguagem escrita Objetivos Compreender que a linguagem escrita é um acontecimento muito recente na história da humanidade e que o nosso cérebro não está adaptado a aprender a ler e escrever; Tomar conhecimento das principais teorias de aquisição da leitura e escrita de palavras 1. Linguagem escrita - Conteúdos 1. A escrita e sua história 2. O cérebro e a escrita 3. Processamento da leitura e escrita de palavras 1. Linguagem escrita - A escrita e sua história Como surgiu a linguagem escrita? Por que surgiu? Na realidade ninguém sabe a resposta a essas questões. Especulase que tenha surgido em decorrência da história do trabalho e da comunicação. O que se sabe é que na maioria das civilizações estudadas, o surgimento da escrita se dá de uma mesma forma, passando por uma sequência comum: inicia com o desenho, a arte pré-histórica, a semasiografia (0) (recursos variados para expressar ideias, sem relação com a liguagem oral). Evolui para os pictogramas (1) e os ideogramas (2), passa depois para a logografia (3) e silabografia (3), mostrando, nas últimas fases, uma tendência à escrita alfabética. (0) (1) (2) (3) (4) 1. Linguagem escrita - A escrita e sua história Os verdadeiros sistemas de escrita surgiram quando os símbolos de escrita foram usados para representar palavras da língua, ao invés de objetos ou conceitos. Isso aconteceu por volta de 4000 a 3000 a.C. com a escrita cuneiforme sumeriana, baseada no princípio de correspondência: uma palavra = um símbolo. Esses sistemas eram chamados logográficos (logos = palavra em grego). Quando os fenícios, que falavam outra língua diferente dos egípcios, adotaram os hieróglifos egípcios para representar os sons de sua própria língua, perdeu-se a conexão entre os símbolos e seus significados, criando-se assim, por volta de 1500 a. C.um sistema silábico baseado em sons. O último passo para a invenção do alfabeto ocorreu em torno de 1000 a.C., quando os gregos tomaram o sistema de escrita silábica dos fenícios, adapatando-o para cada som de consoante e vogal da língua grega. Todos os alfabetos modernos descendem dessa versão grega, através do alfabeto romano. 1. Linguagem escrita - A escrita e sua história Foram necessários aproximadamente 5000 anos para descobrir o princípio de que as palavras escritas eram constituídas por unidades menores que a sílaba e de que essas pequenas unidades poderiam ser representadas por signos escritos (invenção do alfabeto). Essa escrita alfabética tem aproximadamente apenas 3000 anos. Essas durações, de 3000 ou 5000 anos, constituem apenas um instante aos olhos da evolução. Segundo Dehaene, nosso genoma não teve tempo de se modificar para desenvolver os circuitos cerebrais próprios à leitura. Sendo assim a escrita é uma invenção, ou um artefato, que necessita de uma aprendizagem sistemática para a sua aquisição, diferentemente da linguagem oral, cujo desenvolvimento é espontâneo, desde que o indivíduo esteja inserido em uma sociedade. Sem mediação e intenvenção sistemática, não há alfabetização. Chegamos assim à primeira regra da alfabetização: 1. Linguagem escrita – O cérebro e a escrita Como lemos? A neurociência cognitiva procura responder essa questão. Alguns pontos já estão claros, mas muito ainda precisa ser descoberto. Por exemplo: em todas as culturas, a região occípeto-temporal esquerda é fundamental para a aprendizagem da leitura, mesmo em se tratando do kanji (escrita japonesa, saída do chinês em que cada símbolo é uma palavra). Na figura ao lado você pode ver os 4 lobos cerebrais do hemisfério esquerdo. Existe ainda a ínsula, que fica abaixo do lobo temporal e que pode ser melhor vista na figura abaixo. 1. Linguagem escrita – O cérebro e a escrita Aqui temos uma visão moderna das redes corticais da leitura, bastante simplificada, pois a realidade é bem mais complexa. 1. Linguagem escrita – O cérebro e a escrita Para Dehaene (2012), como em qualquer cultura a leitura percorre sempre um percurso idêntico, ele supõe que a aprendizagem siga um modelo que ele denomina de “reciclagem neuronal”. “De acordo com essa hipótese, a arquitetura de nosso cérebro é estreitamente enquadrada por fortes limites genéticos. Contudo, os circuitos do córtex visual dos primatas possuem certa margem de adaptação ao ambiente na medida em que a evolução os dotou de uma plasticidade e de regras de aprendizagem.”(p. 20) Dessa forma, nosso cérebro é um órgão fortemente estruturado que faz o novo com o velho. Para aprender, reciclamos nossos circuitos antigos e podemos fazer algumas mudanças. A aprendizagem da leitura aproveitaria, então, os circuitos do sistema visual. “A visão dos primatas não funciona por reconhecimento global _ muito pelo contrário, o objeto visual explode em miríades de pequenos fragmentos que nosso cérebro se esforça em recompor, traço por traço, letra por letra. Reconhecer uma palavra consiste, primeiramente, em analisar essa cadeia das letras e aí descobrir as combinações das letras (sílabas, prefixos, sufixos, radicais de palavras, para enfim associá-las aos sons e aos sentidos.” (p.21) 1. Linguagem escrita – O cérebro e a escrita Ler é saber identificar todas as palavras, sejam elas escritas em letras de imprensa, cursiva, em maíúsculas e minúsculas e em todos os tamanhos. Por isso, para ler, é preciso atingir um “reconhecimento invariante”, apesar da grande variedade que as palavras podem assumir, como se pode ver no jornal abaixo: 1. Linguagem escrita – O cérebro e a escrita Formas de invariância: um dois três 1. Tamanho: um dois três, um dois três, 2. Posição das palavras: nosso sistema visual dispões de mecanismos que compensam simultaneamente as mudanças de tamanho e da posição das palavras. 3. Forma dos caracteres: Existem numerosas fontes, cada uma dessas fontes tem maiúsculas e minúsculas. Pode-se também escolher a espessura dos traços (negrito ou não), a inclinação dos traços (itálico ou não), além da escrita manuscrita, que pode variar grandemente de uma pessoa para outra. “A experiência mostrra que basta um pouco de treino PaRa dEcOdIfIcAr, NuMa VeLoCiDaDe PrAtIcAmEnTe NoRmAl FrAsEs CuJaS LeTrAs SeJaM aLtErNaDaMeNtE eScRiTaS eM mAiÚsCuLaS e MiNúScUlAs” (Dehaene,p.34) : Nosso sistema visual não presta nenhuma atenção ao contorno da palavra nem às letras mais altas ou mais baixas: ele só se interessa pelo reconhecimento da invariância da sequência das letras. Chegamos assim à segunda regra da alfabetização 1. Linguagem escrita – Processamento da leitura A leitura ocorre através de dois processos interligados: um relacionado aos significados e outro aos fonemas. Quando encontramos uma palavra nova, ou uma pseudopalavra como “pardedo”, somos obrigados a usar a via fonológica, ou seja, emparelhar cada letra com o seu som e juntá-las em sílabas e depois palavra. Vê-se muito isso quando a criança está aprendendo a ler e, diante da palavra BOLA, diz: B+O=BO; L+A=LA, BOLA. Mas, à medida que lemos várias vezes a mesma palavra, esta é memorizada inteira no nosso cérebro, e então nós a acessamos pelo significado. Para ler todas as palavras precisamos dessas duas vias. Se usarmos apenas a via fonológica, cada vez que encontrarmos uma palavra, será como se a tivéssemos lendo pela primeira vez, e teríamos que repetir o processo lento como descrito acima para ler BOLA. Se usarmos somente a via do significado, jamais poderemos ler palavras novas. No início da leitura a coordenação entre essas duas vias não é muito efetiva. Veremos o porquê mais adiante.