análise da paisagem a partir das práticas sócio

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
ANÁLISE DA PAISAGEM A PARTIR DAS PRÁTICAS SÓCIOCULTURAIS DE COMUNIDADES TRADICIONAIS LITORÂNEAS EM
QUATIPURU-PARÁ
CÁSSIO ROGÉRIO GRAÇAS DOS SANTOS1
CRISTINA DO SOCORRO FERNANDES DE SENNA2
Resumo:
O conceito paisagem é aplicado à análise ambiental do espaço geográfico, quando integra sociedade
e natureza, constituindo-se uma entidade natural que reúne atributos biológicos, litológicos,
geomorfológicos, edáficos, topográficos, socioculturais e econômicos, dentre outros. O município de
Quatipuru integra-se ao contexto fisiográfico litorâneo, apresentando as seguintes unidades de
paisagens: manguezal, campo salino, restinga costeira, várzea de maré e campos inundáveis. O
objetivo deste artigo é analisar a construção da paisagem em contexto cultural a partir das práticas
sociais das comunidades tradicionais.
Palavras-chave: Paisagem; comunidades tradicionais; Quatipuru
Abstract:
The landscape concept is applied to environmental analysis of geographical space, as part of society
and nature, being a natural entity that brings together biological attributes, lithological,
geomorphological, edaphic, topographical, socio-cultural and economic, among others. The
municipality of Quatipuru integrates with coastal physiographic context, with the following landscape
units: mangroves, salt field, coastal salt marsh, tidal floodplain and flooded fields. The purpose of this
article is to analyze the landscape construction in cultural context from the social practices of
traditional communities.
Key-words: Landscape; traditional communities; Quatipuru
1 – Introdução
A Geografia, em seus estudos, integra a sociedade e natureza para o
entendimento dos processos de transformação e produção do espaço, a partir da
complexidade dos fenômenos naturais e na contradição dos processos sociais. Com
a produção do espaço há a construção de paisagens diferenciadas, paisagens
construídas, materiais, que passam ao observador uma sensação, uma informação.
Essa interação entre paisagem e sociedade a geografia está tentando desvendar em
vários estudos no âmbito cultural.
1
- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará.
E-mail de contato: [email protected]
2
– Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeld
E-mail de contato: [email protected]
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Este artigo objetiva analisar a construção da paisagem em contexto cultural
a partir das práticas sociais das comunidades tradicionais. Geografia cultural, a
paisagem é a expressão e a representação do imaginário coletivo, mostrando os
conteúdos da paisagem para cada observador.
2 – Desenvolvimento
2.2 – Paisagem e Comunidades Tradicionais – algumas noções
A paisagem, no âmbito cultural, tem como conotação a representação social,
sendo um conjunto de objetos de valores, construído historicamente, cuja apreensão
e representação estão condicionadas a percepção humana, logo varia de acordo
com o espaço e o tempo. Uma única paisagem pode ser percebida e representada
de formas diferentes. Cada observador atribuirá à paisagem um conteúdo simbólico,
resignificando a paisagem.
A paisagem não existe como um dado da natureza. A paisagem só tem
sentido em relação com a sociedade, já que é ela que tem a capacidade, o poder e a
criatividade de transformar o ambiente no qual vive. Transformando a natureza em
objetos culturais, influenciados pelo imaginário social. As representações da
paisagem são construídas a partir dos objetos criados pelo homem, a partir do
trabalho, e partir das relações emotivas criadas à paisagem torna-se lugar.
A paisagem é uma construção social, não se esgotando, ou seja, embora a
mídia mostre a degradação ambiental de alguns ecossistemas e o fim de alguns
recursos naturais como a água, por exemplo, a paisagem não termina, não acaba. A
sociedade,
ao
produzir
seu
espaço
geográfico
cria
suas
paisagens
e
consequentemente atribui ali um conjunto de símbolos. A paisagem para existir, não
necessita exclusivamente da paisagem natural, já que é uma construção tanto
material como simbólica pela sociedade.
Assim a percepção é usada para entender a relação de pertencimento e
entendimento que as pessoas têm com seu lugar de origem, ou com a paisagem
construída. A paisagem além de algo material, visível, ganha também uma
conotação invisível, imaterial, simbólica, onde emana toda a carga de sentimentos.
Essa relação entre o que matéria e imaterial, na paisagem, a geografia da
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percepção busca compreender. Como a ação humana criando a paisagem cria
também símbolos como aponta o fragmento a seguir (DARDEL, 2015).
As populações tradicionais têm em suas atividades econômicas uma forte
relação com o ecossistema envolvente, mostrando também uma forte relação de
dependência com a natureza e os recursos naturais disponíveis. Para Diegues
(1996) a relação entre as populações tradicionais com a natureza é uma relação de
simbiose e conhecimento da dinâmica natural, onde há um profundo respeito com os
processos naturais, não existindo apenas uma relação de predação e destruição,
mas sim uma relação cujo princípio é da conservação. Suas atividades são
basicamente para a subsistência e o excedente é comercializado, porém há um
pequeno acumulo de capital por parte dos integrantes das comunidades e suas
técnicas são simples sem alterar profundamente o ambiente e seus processos.
Nas atividades cotidianas, ganham também importância os mitos, os rituais e
as simbologias, onde a memória é sempre evocada e sempre reelaborada com o
presente, adaptando assim o discurso às necessidades do presente. A memoria
individual é um ponto de vista sobre a memoria coletiva. Furtado (1994), compara as
comunidades ribeirinhas e as litorâneas, mostrando que as primeiras têm mais mitos
que as ultimas.
O tempo das comunidades tradicionais é diferenciado, Nascimento (1995),
em seu estudo em comunidade do litoral paraense, mostra as diferentes
temporalidades que coexistem com o tempo da natureza que tradicionalmente tais
comunidades vivem, o tempo do passado, em que as pessoas se recordam com
saudade, onde a fartura é o elemento mais evocado nas falas e com a natureza
regendo as atividades de produção. O tempo do trabalho é o tempo dos curralistas e
dos pescadores irem atrás do pescado, obedecendo a sazonalidade do clima
amazônico, pois, o mesmo influencia na salinidade da água e nas espécies a serem
capturadas. O tempo da tomada de decisão é o tempo que os pescadores decidem
o que pescar e onde pescar, nesse tempo, tanto o natural, como o do relógio, o
tempo capitalista, estão sobrepostos, porém, a autora afirma que o tempo do relógio
está gradativamente se sobrepondo ao tempo natural.
O tempo do veranista é
aquele que o tempo do relógio se realiza plenamente, as praias são procuradas nas
férias, são vistas como um lugar intocado, passível de ser apropriado, o encontro
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dos veranistas com as comunidades causa uma mudança nos modos vidas, pois os
veranistas trazem a modernidade dos centros urbanos, transmitindo assim os
valores
e
costumes
urbanocêntricos.
Todos
esses
tempos
ocorrem
simultaneamente. Não existindo uma separação estreita entre si.
As mulheres tem papel fundamental na pesca. Enquanto as atividades
masculinas são apenas para uma atividade, um tempo unicentrado, a pesca, já as
atividades femininas é divido em várias tarefas desde as domesticas como as da
pesca (NASCIMENTO, 1995) embora a mulher não vá pescar, não embarque junto
com os homens, suas atividades na terra dão suporte aos homens que estão no
mar. Atividades que complementam a renda da família e ajudam os homens quando
estes tem que consertar algum equipamento danificado durante uma pescaria. E
praticam a coleta de frutos do mar ou de pequenos peixes e crustáceos para o
consumo familiar (MANESCHY, 1995).
3 – Metodologia
A produção desse artigo contou com diversas etapas para a sua estruturação,
a primeira foi à revisão bibliográfica de diversos artigos e livros de autores que ao
longo do tempo se dedicaram a entender e analisar a Paisagem, assim contribuindo
para o debate em torno da paisagem. Trabalhos de campo na área de estudo, no
munícipio de Quatipuru/PA, entrevistas realizada com os moradores, contribuindo
assim para a sistematização desse artigo.
4 – Resultados
4.4 – Características da área de estudo
O município de Quatipuru fundado em 1994 localiza-se na Região dos
Caetés, na Mesoregião Nordeste Paraense e na Microrregião Bragantina, mais
precisamente na Costa Atlântica da Amazônia Brasileira. Distante 210 km de Belém
(PA), possui uma população calculada em aproximadamente 13.000 habitantes.
Limita-se ao norte com o oceano Atlântico, a leste com o Município de Tracuateua, a
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oeste com os municípios de Primavera e São João de Pirabas e ao sul com
Capanema. Em 1879, parte das terras do município de Bragança foi desmembrada
para a criação do município de Quatipuru, nome com o qual, inicialmente, ficou
conhecido o atual município de Capanema.
O município de Quatipuru apresenta uma complexidade de unidades de
paisagem que foram identificadas, mapeadas e caracterizadas, no contexto de suas
formações vegetais, geomorfologia, solos e o uso de recursos naturais,ao longo do
estuário dos rios Quatipuru e Japerica, individualizando duas grandes unidades: o
Baixo Planalto Costeiro e a Planície Costeira Holocênica (SANTOS; SENNA 2014).
O Baixo Planalto Costeiro é um ambiente continental, integrado pelas áreas
de interflúvio entre as bacias dos rios Quatipuru e Japerica, que desembocam no
oceano Atlântico, drenam o município de sul para norte, atingindo cotas topográficas
inferiores a 40 m. A vegetação de capoeira, em diferentes estágios de regeneração,
domina a paisagem, onde parte dessa formação vegetal é substituída pela
agropecuária e pela agricultura.
A planície costeira holocênica, flúvio-marinha, é integrada por um número
maior de unidades de paisagem, sendo influenciada pelos rios Quatipuru e Japerica,
respectivamente a leste e a oeste do município, ambos desembocando no oceano
Atlântico. Os manguezais, restingas costeiras, campos salinos, várzeas de maré e
campos periodicamente inundáveis integram a unidade de paisagem, que foi
formada provavelmente no Holoceno Superior (SENNA et al., 2011).
4.2 – Análise das Praticas Sócios-culturais
As comunidades de Quatipuru se apropriam de diversos recursos naturais
disponíveis nos ecossistemas do município, há uma representação que revela uma
paisagem de cada ecossistemas. Nos manguezais há a coleta de crustáceos,
principalmente o Ucides cordatus, conhecido como caranguejo-uçá, geralmente a
coleta é realizada pelos homens pelo “braceamento” ou pelo “ganho”, técnicas
tradicionais utilizadas para a captura do crustáceo. O “braceamento” é a introdução
do braço na toca do caranguejo e a sua remoção, o “gancho” consiste em uma haste
de madeira com um gancho de metal na ponta, que também é introduzida na lama
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até bater no caranguejo, que é puxado em seguida. Outro recurso natural usado
pelas comunidades é a lenha retirada das espécies arbóreas do mangue, como por
exemplo, os troncos da Avicennia germinans, utilizados para fazer fogo ou até
mesmo utilizar em construções de casa ou cercas para o curral de bovinos ou curral
de peixes, denominação dada pelos pescadores para uma armadilha feita para a
captura de peixes.
O manguezal é visto pelas comunidades como lugar de captura de seu
sustento, pois a produção é vendida para a obtenção de renda. Mas o mangue só
considerado mangue pelos coletores e para a população geral quando há presença
do crustáceo pronto para a captura e também para a pesca, pois o mangue também
considerado espaço para a reprodução e o berçário de peixes. Então, o mangue é
visto só onde tem a presença da Rhizophora mangle, onde o substrato lamoso é
maior, facilitando assim, a construção de tocas para os caranguejos.
Os campos salinos constituem um ambiente com alta salinidade, a vegetação
é pouco diversa. Porém, ao redor dos campos salinos, na parte continental, a
população utiliza para fazer plantações e pequenos roçados para a sua subsistência,
dentre as espécies cultivadas, a principal é a mandioca Manihot esculenta para a
fabricação da farinha, que também é vendida para a obtenção de renda. Também é
plantado milho, feijão e algumas frutas e legumes, cuja produção é destinada as
escolas do município subsidiada pelo FUNDEB para incrementar a merenda escolar.
Os campos salinos são visto como local de pouca produtividade, ou destinado
à caça de aves migratórias que descem até o solo para descansar ou se alimentar
de pequenos crustáceos, insetos ou outras fontes de alimentação. É um ambiente
em que as populações de baixa renda que não tem para onde ir ou tiveram que sair
de suas residências devido a outros problemas ambientais, como por exemplo, pela
erosão de restingas ou do mangue, com isso tais populações são obrigadas a
migrarem para outros locais, inclusive os campos salinos, já que muitos são
pescadores ou coletores de caranguejos não tem condições de morarem em locais
com melhores condições de saneamento.
As restingas costeiras ou conhecidas popularmente por praias são ocupadas
por pescadores que tiram da “maré” seu sustento e sua renda, a pesca é a principal
fonte de renda de tais populações que se apropriam dos recursos naturais
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disponíveis no mar. Embora, as praias sejam utilizadas para o lazer e associada à
atividade turística, em Quatipuru tal atividade não é tão explorada, fazendo com que
ainda sejam encontradas vilas de pescadores tradicionais. As restingas são
conhecidas como maré, pelos moradores, mostrando que a dinâmica da natureza
rege a dinâmica sociocultural, traço importante para as analises das representações
sociais sobre as paisagens.
A várzea de maré vem sofrendo forte descaracterização, atualmente, tendo
em vista o desmatamento dessa unidade de paisagem nas porções mais internas do
estuário do rio Quatipuru, onde ocorrem fazendas, com o efetivo plantio de pasto
para o gado, tornando assim, impossível a realização de inventários florísticos para
a caracterização e a quantificação da cobertura vegetal. São também utilizadas para
a agricultura, onde famílias fazem pequenos roçados de mandioca, pomares e
criação de animais para o sustento, como por exemplo, as diversas espécies de
aves e mamíferos de pequenos portes. Assim também a coleta do açaí, Euterpe
oleracea, tanto para o consumo próprio como para a venda.
As representações feitas pelas comunidades sobre as várzeas de maré estão
relacionadas com a forma que cada parcela da população interage com a dinâmica
do meio natural, com a subida e descida da maré, os pulsos diários influenciados
pela maré. Então, há uma forte relação com as várzeas, pois são ambientes com
diversidade ambiental, facilitando a diferentes formas de apropriação dos recursos
naturais.
Os campos inundáveis são utilizados para a criação de gado, assim também
para a criação de búfalos, Bubalus bubalis, cuja carne faz parte da dieta alimentar,
servindo também para a locomoção de cargas e até de pessoas, em Quatipuru, o
gado é também sinônimo de status, ou seja, de melhores condições de vida e de
consumo. Dependendo da época do ano os campos inundáveis são utilizados para a
criação de peixes, fazendo barragens quando necessário para impedir a penetração
da água salgada, nos períodos chuvosos onde os teores de sal são menores.
Quanto se aproxima o período seco, com aumento do teor de sal, os peixes são
retirados, basicamente para o consumo familiar, como também para a venda. É um
ambiente onde se encontram populações de quelônios, capturados nos períodos
secos para o consumo, através de pequenos incêndios, afugentando os animais e
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facilitando a captura. São áreas de uma beleza cênica estonteante, que podem ser
utilizadas para diversas atividades recreativas ou turísticas.
5 – Conclusões
A paisagem não se restringe apenas a Geografia Física, hoje há muitos
trabalhos mostrando o caráter cultural da paisagem, mostrando que uma mesma
fisionomia poderá revela paisagens distintas dependendo do observador, mas a
paisagem cultural também tem seu caráter holístico e integrador, porém, a paisagem
não é entendida a partir da base física natural. A paisagem seria uma construção do
homem, seu trabalho de transformação da natureza em objetos culturais. Daí a
paisagem é algo material palpável e observável, assim como uma construção
intelectual.
Os relatos sobre as estratégias de subsistência utilizadas pelos moradores
destas comunidades e sua percepção sobre as dinâmicas dos ambientes que os
circundam, mostram uma superposição entre a dinâmica natural do meio costeiro e
a dinâmica antrópica praticada pelas duas comunidades, destacando-se os
fenômenos das subidas das marés que introduzem a água salina por vastas áreas
de campo inundável, onde é praticada a agricultura principalmente, as queimadas
praticadas nas matas e nos campos no passado, o que gerou alterações em vários
componentes da paisagem local, seja de ordem física como o aumento da sensação
térmica e biológica com a diminuição do número de animais silvestres como aves e
mamíferos utilizados como alimentação através da caça.
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