José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 1 Kant, Immanuel (1724-1804) KANT, Emmanuel (1724-1804), 25, 163 KANT, Emmanuel –Estado omo produto mecânico, 29, 187 KANT, Emmanuel – Estado, 112, 789 KANT, Emmanuel –Ideia e ideal, 2, 11 KANT, Emmanuel – Regresso a, 31, 203 Ideen zu einer Geschichte der Menschheit in Weltbürgerlicher Absicht (1784). Zum ewignen Frieden (1795) (Projecto Filosófico da Paz Perpétua) (cfr. trad. cast Lo Bello y lo Sublime. La Paz Perpetua (Madrid, Ediciones Espasa-Calpe, 1979). Kant. As sementes de Estado-razão são, depois, desenvolvidas por Kant (1724-1804), onde o contrato social (Staatsvertrag) se transforma na razão pura prática, como universal legisladora (rein rechtlich gesetzgebende Vernunft), em ideia pura com fins regulativos. A própria vontade geral (allgemeiner Wille) torna-se a própria vontade racional de cada um dos membros da comunidade, considerados como personalidades autónomas no acto de estas obedecerem ao imperativo categórico e de se tornarem, como tais, legisladoras duma legislação universal. Exacerbando todo o processo jusracionalista, Kant transforma assim o direito natural numa coisa que é imanente ao homem, em algo que é por ele querido e criado, deixando de ser um transcendente, enquanto alguma coisa exterior que era imposta ao homem. Desta maneira, todo o direito passa a ser uma pura forma que se expressa pela lei do dever e pelo princípio da liberdade: actua de tal maneira que a máxima da tua conduta possa servir de lei universal para todo o ser racional. Compreende-se, assim, que Kant, em 1797, nos Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito, defina o direito como a totalidade das condições pelas quais o arbítrio de cada um pode concordar com o arbítrio de todos os outros, segundo uma lei universal da liberdade. De uma liberdade considerada como aquele único e originário direito que compete a todos os homens só por força da sua humanidade, dado que o homem é livre se não precisar de obedecer a ninguém, mas apenas às leis. Pelo que, se a minha acção, ou, em geral, o meu estado pode coexistir com uma lei geral, então, qualquer um que me impeça de realizar algo cometerá uma injustiça. A obra em causa, constitui a primeira parte da Metafísica dos Costumes, com uma segunda parte referente aos Princípios Metafísicos da Doutrina da Virtude, 1 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 2 onde se procuram as leis a priori pelas quais se determina a chamada vontade metafísica do direito, isto é, o sistema de leis jurídicas dimanadas da razão. Essas leis a priori constituem aquilo que Kant designa por direito racional (Vernunftrecht), sendo resultantes da actividade formalizada da razão. A tal procura da imanência que substituiria transcendência impositiva do anterior direito natural, onde procurava extrair-se da natureza, enquanto algo que era anterior e exterior ao homem, uma ordem da conduta humana. Neste sentido, chega mesmo a proclamar que a coacção equivale à liberdade: se certo uso da liberdade se converte num obstáculo à liberdade segundo leis universais (isto é, se é injustiça), a coacção que se opõe, enquanto impedimento de um obstáculo à liberdade, coincide com a liberdade segundo leis universais, ou seja, que é justa, pelo que direito e capacidade de constrangimento significam o mesmo. Por outras palavras, como assinala Cabral de Moncada, o direito deixou de se impor do exterior do homem, passando a impor-se-lhe do interior. Deixou de estar ancorado num ser transcendente ou numa natureza repleta de momentos empíricos, para ser considerado numa simples lei da razão. Uma razão que não é um conhecimento teorético já feito, nem tão pouco de normas de moral ou de estética já susceptíveis de aplicação imediata, mas simplesmente uma força capaz de se elevar até esse conhecimento e normas. Mostrou que ela era somente um complexo, não de respostas, mas de perguntas e de pontos de vista, com os quais avançamos para os dados empíricos. Se o racionalismo cartesiano, juntamente com o empirismo, dão lugar à ideologia iluminista, à Aufklãrung ou dialéctica do esclarecimento, os dois referidos ingredientes servem a Kant para levar a cabo aquilo que ele próprio designa como a revolução copérnica. Criticando, no empirismo inglês, o cepticismo e no racionalismo, o dogmatismo, procura um novo processo de conhecimento, que qualifica como criticismo e idealismo transcendental. Antes dele, o sujeito que gravita à volta do objecto, tal como antes de Nicolau Copérnico (1473-1543) e da sua De Revolutionibus Orbium Coelestium, de 1530, se pensava que a terra andava à volta do sol. Com Kant, o objecto passa a gravitar à volta do sujeito: o entendimento cria as suas leis não a partir da natureza, mas prescreve-as à natureza. Se, na filosofia clássica aristotélica, o pensamento precede o 2 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 3 conhecimento, a partir de Kant, o conhecimento é anterior ao pensamento e constitui o seu conteúdo e o seu objecto: aceitou-se até hoje como coisa normal que todo o conhecimento tinha que deixar dirigir-se pelos objectos... ; trata-se agora de averiguar se não progrediríamos mais aceitando que são os objectos que têm de deixar dirigir-se pelo nosso conhecimento Com efeito, se Espinosa considera quatro modos ou graus de conhecimento (por ouvir dizer, por experiência, por causalidade inadequada e por causalidade adequada) e Leibniz refere, por seu lado, as antinomias do conhecimento (obscuro ou claro, confuso ou distinto, adequado ou inadequado, simbólico ou intuitivo), Kant tudo reduz ao dualismo do mundo fenomenal da ciência e do mundo da metafísica, considerando o primeiro como certo e o segundo, como ilusão. Como diz Umberto Padovani, o pensamento moderno – após a Renascença – pode comparar-se a um grande X, representando Kant precisamente o seu centro: os dois braços anteriores representariam o empirismo e o racionalismo, que convergem para Kant; os dois braços posteriores representariam o idealismo e o positivismo, que de Kant dependem... O iluminismo representa uma síntese prática, divulgadora, de empirismo e racionalismo. Kant representa a sua síntese crítica e especulativa, fundindo os dois fenomenismos em um fenomenismo superior, de onde surgirá o idealismo. Para Kant, há o mundo do ser – sein –, onde se exerce o conhecer, e o mundo do dever-ser – sollen –, onde se exerce o agir. No mundo do ser, tratado pela lógica, domina a necessidade, a razão-pura (reinen Vernunft); no mundo do dever-ser, tratado pela ética, a liberdade, a razão-prática (praktischen Vernunft). No domínio do ser há que distinguir os nómenos dos fenómenos. Os primeiros pertencem ao absoluto, constituindo a coisa que é, a coisa em si (Ding an sich), uma coisa que não é um objecto da nossa intuição sensível. Isto é, que está fora do âmbito da experiência, sendo sempre incognoscível. Nos fenómenos já é possível o conhecimento, mas sempre um conhecimento relativo. Por outras palavras, Kant mantém, de Platão, a perspectiva segundo a qual a realidade absoluta não pode ser objecto de conhecimento por parte dos homens, dado que estes apenas podem aceder às imagens e às aparências. Esse conhecimento, essa razão-pura, contém sempre dois elementos: o a priori ou a forma, levada a efeito tanto pelas 3 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 4 formas da sensibilidade (espaço e tempo) como pelas categorias do entendimento; e o a posteriori ou a matéria, isto é, o conjunto dos dados fornecidos pela experiência. Já o mundo do dever-ser, da razão-prática, é o domínio da faculdade activa, do agir, o mundo dos fins e do valioso, dado que, pela ética, é possível ultrapassar o mundo dos fenómenos e aceder ao absoluto, à zona das ideias inteligíveis, das leis morais, marcadas pela racionalidade e pela universalidade. Aqui a forma, o a priori, aquele absolutamente necessário e universal, é o imperativo categórico, o age de tal maneira que a máxima da tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de legislação universal. O dever formal de realizar sempre o fim. Um imperativo categórico, também dito moralidade, dado que a lei moral é um facto da razão-pura, um a priori, uma regra que é preciso respeitar porque é precisa, algo que se impõe ao homem categoricamente, uma lei que tanto vincula o Estado como os indivíduos, consistindo na realização dos direitos naturais no direito positivo. Mais: o imperativo categórico, a moralidade, distingue-se da legalidade (Gesetmãssigkeit) ou do imperativo hipotético, dizendo respeito às acções que são levadas a cabo por força de uma pressão exterior, de uma pena ou de um prazer. Na verdade, os deveres que decorrem da legislação ética não podem ser senão deveres externos, porque esta legislação não exige a Ideia deste dever, que é interior. A legislação ética integra o móbil interno da acção (a Ideia do dever) na lei. A política está assim submetida ao imperativo categórico da moral e toda a ordem política legítima só pode ter como fundamento os direitos inalienáveis dos homens, os chamados direitos naturais. Deste modo, o Estado de Direito e o governo republicano, aqueles que são marcados pelos princípios da separação de poderes e do sistema representativo, devem conduzir os homens para a moralidade universal, para a constituição de uma república universal ou de uma sociedade das nações. Nestes termos, porque os homens são sujeitos morais e a moral é universal, eles são todos iguais em dignidade. Logo, o Estado de Direito, que consiste na submissão do direito à moral, tem vocação para tornar-se universal. Aliás, o direito tem a ver com o domínio da legalidade, da concordância de um acto externo com a lei, sem se ter em conta o móbil, enquanto uma lei ética exige moralidade, isto é, o cumprimento do acto por 4 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 5 dever. Pelo contrário, neste domínio da razão-prática ou do dever-ser, o a posteriori, o elemento material, aquela percepção cuja validade se reduz ao campo da experiência, é constituído pelos conteúdos concretos e históricos das diversas interpretações do bem e do mal. Por outras palavras, como diz Cabral de Moncada, se para a anterior razão especulativa, se trazia representativamente a coisa à razão e se procurava, no ser, a substância, com o idealismo kantiano passa a extrair-se a coisa da própria razão. Aliás, a moral de Kant, ao contrário da moral de êxito de Bentham, é, acima de tudo, uma moral de reflexão, onde o motivo da acção só é justo se for possível transformá-lo em fundamento de uma lei universal. Contudo, o problema moral vai ser logificado, como assinala Recaséns-Siches: o critério da bondade de uma acção radica numa lei formal, abstracta e universal, de validade incondicionada: em algo acessível logicamente, mediante juízos universais. O tal actua de tal maneira que a máxima da tua conduta possa valer como lei universal, deixando de haver uma ordem eterna. Exacerbando este logicismo, algum kantianismo fica-se na forma pela forma, naquela discussão sobre o caminho a seguir que, enredando-se em epistemologices acaba por destruir o próprio prazer de caminhar e por esquecer o para onde se está a caminhar. Com efeito, o formalismo kantiano impõe que não se tomem, como começo, ideias inatas ou primeiros princípios, mas as puras formas, traduzindo-se num radical apriorismo formal gerador do típico formalismo alemão, para quem não tanto o conteúdo concreto ou o resultado positivo da descoberta, mas o método, o processo, as formalidades que presidem a esta investigação. O alemão não é omnisciente, mas orgulha-se de possuir as categorias a priori, as regras universais, os métodos infalíveis. Desenvolvendo alguns aspectos da teoria do direito e do Estado de Kant, assinale-se que este autor, retomando Rousseau, vem proclamar que o contrato social constitui uma simples ideia da razão, um mero princípio a priori, uma pressuposição lógica e não um facto histórico ou empírico. Aliás, o “contractus originarius” não é o princípio que permite conhecer a origem do Estado, mas como ele deve ser. Mais: o contrato social é a regra e não a origem da Constituição do Estado; não é o princípio da sua fundação, mas o da sua administração e ilumina o ideal da legislação, do governo e da justiça pública. 5 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 6 Nestes termos, proclama o contrato social como o contrato originário pelo qual todos os membros do povo (omnes et singuli) limitam a sua liberdade exterior, em ordem a recebê-la de novo como membros da comunidade, isto é, do povo olhado como Estado (universi). Na sua base, há um pactum unionis civilis que trata de organizar uma multidão de seres razoáveis e de instaurar um ser comum, o qual constitui uma espécie do imperativo categórico do político. É assim que define direito público, como o conjunto das leis que necessitam de ser proclamadas universalmente para se gerar um estado jurídico. É um sistema de leis para um povo, isto é, uma multiplicidade de homens ou uma multiplicidade de povos que, estando numa relação recíproca de uns para com outros, têm necessidade, para poderem usar do seu direito, de um estado jurídico dependente de uma vontade que os unifica, isto é de uma constituição. Neste sentido, o direito também passa a ser entendido como o conjunto das definições pelas quais o arbítrio de cada um pode concorda com o arbítrio de todos os outros, segundo uma lei universal da liberdade e de uma liberdade que é aquele único e originário direito que compete a todos os homens só por força da sua humanidade. Pelo que, o homem é livre se não precisar de obedecer a ninguém, mas apenas às leis. Segundo as palavras de Cabral de Moncada, eis que, a partir de Kant, o direito deixou de se impor do exterior ao homem, passando a impor-se-lhe do interior. Deixou de estar ancorado num ser transcendente ou numa natureza repleta de momentos empíricos, para ser considerado numa simples lei da Razão. Uma razão que, como salienta Gustav Radbruch, não é um arsenal de conhecimento teorético já feitos, nem tão pouco de normas de moral ou de estética já susceptíveis de aplicação imediata, mas simplesmente uma força capaz de se elevar até esses conhecimentos e normas. Mostrou que ela era somente um complexo, não de respostas, mas de perguntas e de pontos de vista, com os quais avançamos para os dados empíricos. A partir destes pressupostos, o Estado liberta-se das teias impositivas da razão de Estado e passa a ser um Estado-razão. Um Estado ideal tal como se concebe que ele deva ser segundo puros princípios de direito. Um Estado que consiste na reunião de um certo número de homens sob leis jurídicas, sob leis a priori. Um Estado onde, necessariamente, há uma lei interior que o regula, uma norma que 6 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 7 o transforma, de associação real, em Estado. Que dá a forma de Estado à reunião de um certo número de homens. Um Estado (civitas) que, ora é status civilis, quando relação recíproca dos indivíduos reunidos num povo, ora Estado propriamente dito, quando entendido como o todo em relação com cada seu próprio membro. Contudo, esse todo pode ser perspectivado de variadas maneiras e até recebe nomes diversos. Res publica, potentia, gens Assim, o Estado tanto é designado por coisa pública (res publica), quando tem por liame o interesse que todos têm em viver no estado jurídico, como por potentia, quando se pensa em relação com outros povos, ou por gens, por causa da união que se pretende hereditária. O que se poderia dizer de outro modo, entendo o Estado como comunidade, soberania e nação, para utilizarmos categorias de hoje, dado que o Estado é ao mesmo tempo Estado-comunidade, ou república, Estado-aparelho, ou principado, e comunidade de gerações, ou nação. Aliás, no âmbito da ideia de Estado, podem visionar-se coisas diversas, dado que nela se englobam, por um lado, os cidadãos e, por outro, uma societas civilis, constituída pelos membros de um Estado reunidos pela legislação. O mesmo Kant chega, aliás, a comparar o Estado a uma trindade, reinterpretando transcendentalmente a tese da separação de poderes, porque, apesar da unidade da vontade geral, ele se decompõe em três pessoas e tem três poderes: o poder soberano, que reside na pessoa do legislador; o poder executivo, na pessoa do governo; e o poder judicial, na pessoa do juiz. Três poderes que contêm a relação do soberano universal com a multidão dos indivíduos do mesmo povo considerados como súbditos; isto é, em relação daquele que comanda (imperans) com os que obedecem (subditus). Nestes termos, considera que o acto com o qual o próprio povo se constitui em um Estado, ou sobretudo a simples ideia deste acto, que só por si permite conceber a legitimidade, é o 7 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 8 contrato originário segundo o qual todos depõem no povo a sua liberdade externa para retomá-la novamente logo a seguir como membros de um corpo comum, quer dizer, como membros do povo enquanto é um Estado. Surge assim uma radical teoria do Estado de Direito (Rechtstaat), entendido como aquele que obedece a uma ideia da razão transformada no princípio regulador da sua constituição política. Em Teoria e Prática defende a ideia republicana de forma não jacobina, como algo capaz de conciliar a liberdade, enquanto recusa da autoridade dogmática do governo, e a igualdade, isto é, como a recusa dos privilégios através da submissão a leis gerais, rejeitando, por um lado, a anarquia (a liberdade sem ordem) e, por outro, o despotismo (a ordem sem liberdade). Uma terceira via que é dada pela cidadania, entendida como autonomia, como a submissão (ordem) à autoridade que cada um dá a si mesmo (liberdade). Uma unidade que apenas se consegue através do direito. Com efeito, o pactum unionis civilis que institui o Estado não é redutível a um contrato de negócios, dado organizar uma multidão de seres razoáveis e instaurar um ser comum que, sob uma Constituição é um fim em si mesmo. Algo que não é empírico nem histórico, situando-se apenas na ordem normativa, constituindo um princípio a priori da sociedade civil, uma simples Ideia da razão, isto é, o tal imperativo categórico da política, entendido como um comando absoluto da razão prática. O normativismo aplicado ao Estado no plano interno, também é aplicado à análise das relações internacionais. Assim, com Rousseau e Kant estrutura-se aquele tipo de Estado de Direito onde, segundo Hermann Heller, as instituições organizatórias do Estado, por mais perfeitas que sejam imaginadas só podem garantir a observância das formas jurídicas, mas, em nenhum caso, a juridicidade: a legalidade, mas não a legitimidade ética dos actos do Estado. Quem unicamente pode assegurar sempre a justiça é a consciência individual... Mas com isto surge no Estado Moderno um conflito necessário e insolúvel entre a justiça e a segurança jurídica. Este conflito tem um carácter necessário porque num povo vivo não pode reinar um pleno acordo sobre o conteúdo e a aplicação dos princípios jurídicos vigentes E é insolucionável porque tanto o Estado como o indivíduo se veêm forçados a 8 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 9 viver no meio dessa relação de tensão entre o direito positivo e a consciência jurídica. kantianos Kantismo. Considera-se que o objecto não passa de um produto da actividade do sujeito, ao contrário do racionalismo cartesiano, que considerava o espírito como uma espécie de placa fotográfica registadora da experiência. O racionalismo de Kant considera o espírito como uma espécie de aparelho de projecção capaz de iluminar as trevas da realidade, salientando que os objectos andam à volta do sujeito, em vez da postura do anterior racionalismo que, pelo contrário, considerava que o sujeito andava à volta dos objectos. Assim, em vez de factos, passa a haver apenas interpretação de factos. Porque o espírito é que cria o próprio objecto do conhecimento, porque o método é que cria o objecto. A forma, o a priori, a actividade ordenadora do nosso espírito, é que coordena o a posteriori, a matéria fornecida pela intuição sensível, pelo que só através da forma, das categorias, é que poderia ordenar-se o caos da experiência. Kantismo antecipado de Rousseau, 112, 787 9 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 10 Kantorowicz, Hermann (1877-1940) Jurista. Natural da Posnânia, na antiga Polónia alemã. Ligado à fundação do movimento do direito livre. Em 1906, sob o pseudónimo de Gnaeus Flavius, edita um manifesto intitulado Der Kampf um die Rechtswissenschaft (A luta pela ciência do direito). Partindo do princípio que, na lei, há tantas lacunas como palavras na lei, acentua a função criadora do direito. Assim, considera que tem de haver um direito livre, um direito extra-legal que se manifestaria para além do direito legislado. Especialista em direito criminal. Ensina em Friburgo (1908-1929) e Kiel (19291933). Muda-se em 1933 para os Estados Unidos, ensinando em Yale. Der Kampf um die Rechtswissenschaft 1906. Sob o pseudónimo de Gnaeus Flavius. Rechtswissenschaft und Soziologie 1910 Staatsauffassungen 1925. Legal Science. A Summary of its Metodology 1928. The Spirit of British Policy and the Myth of the Encirclement of Germany 1929. Some Rationalism about Realism 1934. Dictatorships 1935. Studies in the Glossators of the Roman Law 1938. Bractonian Problems Glasgow, 1941. The Definition of Law Escrito em 1938, mas apenas publicado em 1958. 10 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 11 Kantorowicz, Ernst (1895-1963) Historiador alemão de origens judaicas. Marcado pelo romantismo e, muito especialmente, por Nietzsche, opõe-se ao neo-kantismo de Hermann Cohen e de Ernst Cassirer. Próximo de Stefan George. Refugiado nos Estados Unidos onde se assume contra o maccarthysmo. Kaiser Friedrich II Berlim, 1927 (L'Empereur Fédéric II, trad. fr., Paris, Gallimard, 1987). Mourir pour la Patrie Trad. fr., Paris, Presses Universitaires de France, 1984. Selected Studies Locust Valley, Nova Iorque, J. J. Augustin Publishers, 1955. «Myteries of State. An Absolute Concept and Its Late Medieval Origin» Harvard Theological Review, 1955. The King's Two Bodies Princeton, 1957 (cfr. Les Deux Corps du Roi, Jean-Philipe Genet, Nicole Genet, trads., Paris, Éditions Gallimard, 1989). Katz, Elihu Especialista e pioneiro dos temas da comunicação política. Elabora a chamada lei dos two steps flow of communication, a lei do fluxo a dois tempos, segundo a qual os meios de comunicação de massa são interactivos, dado que os líderes de opinião que os criam, principalmente os editorialistas, os jornalistas especializados em temas políticos e os políticos que escrevem nos media são os mais atentos às mensagem emitidas pelos mesmos, sendo particularmente influenciados por elas. Considera assim os líderes de opinião 11 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 12 como os indivíduos que ocupam uma posição intermediária entre os meios de comunicação de massa e o grupo ao qual eles pertencem. Transmitem a este grupo a sua própria interpretação da mensagem recebida dos media e contribuem deste modo para a formação da opinião. Public Opinion and Propaganda Nova York, Dryden Press, 1954. Ed. Kaufmann, Erich (n. 1880) Denuncia a circunstância de não se ter estabelecido com segurança, acima da realidade e como seu alicerce e medida, um reino de valores absolutos, promovendo uma feroz denúncia da indiferença axiológica dos movimentos neokantianistas. Kritik der neukantischen Rechtsphilosophie 1921 Kautsky, Karl (1854-1939) Nasce em Praga. Começa como darwinista, antes de ser marxista. Acredita na inevitabilidade do fim do capitalismo, dado o aparecimento dos monopólios e dos cartéis. Director da revista do SPD, Die Neue Zeit, fundada em Londres em 1883 e que dirige até 1917. Líder da II Internacional, asume a luta contra a guerra. Distancia-se dos revisionistas bernsteinianos e dos bolcheviques. 12 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 13 Destaca-se no Congresso de 1901 da II Internacional onde, em nome da ortodoxia marxista, combate as teses revisionistas. Já em 1899 defende a ideia de luta de classes contra a perspectiva revisionista do compromisso de classes, insistindo na necessidade da ditadura do proletariado. Prevê então que os camponeses se proletarizarão, porque estão cada vez mais dependentes do investimento dos capitalistas. Em 1904 chega a reunir os manuscritos de Marx para o IV volume de Das Kapital. Marcante o combate teórico que empreende em torno do conceito de nação, considerando que o mesmo é semelhante ao antigo Proteu, dado que desliza entre os dedos quando tentamos agarrá-lo. Opõe-se ao modelo bolchevique depois de 1917, passando a ser conhecido como o renegado Kautsky, segundo a expressão de Lenine. Com efeito, Kautsky vai criticar no leninismo a faceta jacobino-blanquista, por ter-se forçado o processo histórico, queimando etapas, visando a construção do socialismo num país atrasado. Continua a considerar que quanto mais capitalista é um Estado, mais próximo está do socialismo. Considera também que a ditadura do proletariado deve ser conseguida através da obtenção de uma maioria parlamentar de socialistas e que a democracia directa não deve substituir e esmagar a democracia representativa. Die Agrarfrage Berlim, 1899. Der Weg zur Macht Berlim, 1909 Die Dikatur des Proletariats 1918. Die materialistische Gesichtsauffassung 1921. 13 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 14 Kellog, Frank Billings (1856-1937) Político norte-americano do partido republicano. Secretário de Estado de Coolidge entre 1925 e 1929. Subscreve o célebre pacto Briand-Kellog de renúncia à guerra, de 27 de Agosto de 1928. Kelsen, Hans (1881-1973 ) Nasce em Praga numa família judaica. Estuda em Heidelberg e Viena. Doutora-se em 1906 e passa a ensinar na capital austríaca. Em 1920 é um dos principais redactores da constituição austríaca, no mesmo ano em que utiliza pela primeira vez a expressão teoria pura do direito. De 1929 a 1933 ensina em Colónia, mas regressa a Viena com a subida ao poder de Hitler. Em 1934 passa a Genebra. Em 1940 vai para os Estados Unidos, passando por Lisboa onde foi protegido por Marcello Caetano. Ensina em Harvard e Berkeley. 14 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 15 Em 1952-1953 regressa a Viena como professor visitante. Um dos maiores juristas do século XX. Autor daquela teoria pura do direito (Reine Rechtslehre) que pretende libertar o direito de todos os elementos que lhe eram estranhos. Foi o chefe de fila da chamada Escola de Viena, fazendo a ligação entre a metodologia neo-kantiana da Escola de Marburgo e o neopositivismo, retendo, de Kant, sobretudo, a radical separação entre ser e dever ser, bem como o unilateralismo lógico-formal do a priori. Wilhelm Sauer considera-o, aliás, como um metodólogo, isto é, como defensor do princípio segundo o qual cada ciência tem de ter o seu próprio método. Assim, defende que a ciência do direito, como ciência normativa, não pode utilizar os métodos das ciências da natureza (por exemplo, em vez do conceito psicológico de vontade, a ciência do direito deve utilizar o conceito jurídico de imputação). Segundo o respectivo programa de purificação do direito, há, portanto, que libertá-lo, por um lado, dos factos e dos juízos de ser, e, por outro, da ética e de qualquer tipo de metafísica jurídica. Aliás, a perspectiva de Kelsen, por muitos considerado, justamente, como um dos principais juristas do século, deixa profundos rastos no pensamento jurídico contemporâneo. Nos autores de língua alemã, destacam-se Alfred Verdross, Adolf Merkl e F. Kaufmann; no universo francês, refiram-se René Capitant, Georges Burdeau e Carré de Malberg; em Espanha, salientam-se Recasens Siches e Legaz y Lacambra. Liberalismo No plano das ideias políticas, defende a democracia como método de governo pela maioria, admitindo o relativismo. Teoria General del Estado [1925], Mexico, Editora Nacional, 1979, trad. cast. de Legaz y Lacambra Teoria Pura do Direito [1934], trad. port. de J. Baptista Machado, Coimbra, Studium, 1976, 4ªEd. La Idea del Derecho Natural y Otros Ensayos, trad. cast. De F. Ayala, México, Editora Nacional, 1973 15 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 16 Hautprobleme der Staatsrechtslehre entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatze Tubinga, J. C. B. Mohr, 1911. Das Problem der Souverãnitãt un die Theorie des Volkerrechts Tubinga, J. C. B. Mohr, 1920. Vom Wesen und Wert der Demokratie 1920. Der soziologische und der juristische Staatsbegriff 1922. Õsterreichisches Staatsrecht Tubinga, J. C. B. Mohr, 1923. Allgemeines Staatslehre Berlim, Julius Springer, 1925 cfr. trad. cast de Luis Legaz y Lacambra, Mexico, Editora Nacional, 1979, 15ª ed.. Das Problem des Parlamentarismus Viena e Leipzig, Wilhelm Braumüller, 1925 in A Democracia, trad. port., São Paulo, Livraria Martins Fontes, 1993, pp. 109 segs.. Vom Wesen und Wert der Demokratie Tubinga, J. C. B. Mohr, 1929 in A Democracia, pp. 23 segs.. Reine Rechtslehre 1934; 2ª ed., 1960 cfr. trad. port. de J. Baptista Machado, Teoria Pura do Direito, Coimbra, Livraria Arménio Amado, 1960. General Theory of Law and State Cambridge, Massachussetts, Harvard University Press, 1945. The Political Theory of Bolshevism. A Critical Analysis Los Angeles, 1949 cfr. trad. port., «A Teoria Política do Bolchevismo», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, IX, pp. 111-143; X, pp. 115-160, Coimbra, 1953 1954. Foundations of Democracy 1955 1956 in A Democracia, pp. 137 segs.. 16 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 17 The Communist Theory of Law Londres, Stevens & Sons Ltd., 1955. Allgemeine Theorie der Normen 1973 obra póstuma. Kemal Ataturk (1880-1938) Mustafá Kemal ou Kemal Ataturk. Ingressa nos Jovens Turcos em 1908. Entra logo em divergência com o líder destes, Enver Pasha. Destaca-se como chefe militar na guerra contra os gregos, depois destes, com o apoio dos Aliados ocuparem a província de Esmirna em 1920. Depois de os ter vencido em 1922, institui a República em 22 de Outubro de 1923. Governando ditatorialmente, inicia um processo de secularização do Estado, naquilo que vai ser um dos paradigmáticos modelos de autoritarismo modernizante deste século e que vai fazer aproximar a Turquia do campo ocidental. O modelo kemalista tem algo de paralelo como o processo desencadeado na China por Sun Iat Sen, isto é, a tentiava de transformação de um grande império, mais ou menos teocrático, num Estado Moderno, através de uma ocidentalização justificada pelo nacionalismo. Os dois processos citados não têm, contudo, o êxito do modelo japonês. Postura semelhante será posteriormente adoptada pela Indonésia, de Sukarno a Suharto, e, de certa forma, pelos modelos do imperial-comunismo da Rússia e da China, dado que todos podem considerar-se processos de ocidentalização à força. Kempis, Thomas (1379-1471) Monge alemão, autor da Imitação de Cristo. Kendall, Wilmore (1909-1967) 17 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL Kennan, George F. Um dos teóricos do neo-realismo em política internacional. American Diplomacy. 1900-1950 Chicago, University of Chicago Press, 1951. Realities of American Foreign Policy Princeton, Princeton University Press, 1954 On Dealing with the Communist World Nova Iorque, Harper and Row, 1964. . Kennedy, John (1917-1963) John Fitzgerald Kennedy. Diplomado em Harvard. Eleito presidente norte-americano em Novembro de 1960, contra a candidatura republicana de Richard Nixon. Assume o programa da Nova Fronteira. Assassinado em Dallas em 22 de Novembro de 1963. 18 18 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 19 Kepler, Johannes (1571-1630) Em 1609, com Astronomia Nova de motibus stellae Martis, demonstrou que os planetas se movem em órbitas elipticas tendo o sol como foco. Um dos três "fundadores da mecânica", juntamente com Galileu e Newton, autor de uma das "três leis fundamentais do movimento". Considera que todo o movimento ser naturalmente rectilíneo e uniforme. Kerenski Posteriormente refugiado em França, este antigo professor de ciência política, vai ser autor tanto de uma História da Segunda Revolução, surgida em 1921, como de uma monumental História da Rússia, aparecida em 1932. Keynes, John Maynard (1883-1946) Economista inglês. Aluno de Alfred Marshall. Professor em Cambridge desde 1908. Editor do Economic Journal desde 1911. Delegado financeiro à Conferência de Paz de 1919. Dirige a delegação britânica à conferência de Bretton Woods e propõe a criação do Fundo 19 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 20 Monetário Internacional de que viria a ser o primeiro governador. Começa marcado pelas ideias de Sidgwick e Marshall, mas acaba por distenciar-se das receitas da escola clássica, considerando que o desemprego só pode ser combatido pela intervenção do Estado. Passa, então, a defender a necessidade dos investimentos públicos, de grandes trabalhos de obras públicas e de um sistema de incentivos à exportação. Tenta, contudo, distanciar-se do chamado socialismo de Estado, advogando a descentralização das decisões. Do mesmo modo, rejeita o laissez faire, defendendo o controlo estadual do aforro e do investimento, em nome da justiça social e da estabilidade. Ideias políticas No plano das ideias políticas é o inspirador daquilo que Norman Barry qualificou como o consenso social democrata do segundo pós-guerra e que durou até 1973, criticando no modelo democrático anterior a incapacidade dele proporcionar o pleno emprego de de ter provocado uma desigual distribuição da riqueza e das rendas. The Economic Consequences of Peace 1919. Treatise of Probability 1921. Laissez-Faire and Communism 1926. A Treatise on Money 1930. Essays in Persuasion Nova York, 1931. The General Theory of Employment, Interest and Money Londres, Macmillan, 1936. Two Memoirs Londres, 1949. 20 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 21 Keyserling, Hermann von (1880-1946) Natural da Lituânia. Influenciado por Bergson, funda em Darmstadt, em 1929, uma Escola de Sabedoria e uma Sociedade de Filosofia Livre, onde pretendia lutar pelo renascimento da Europa, de acordo com o conceito oriental de sabedoria. Profere três celebradas conferências em Lisboa, em Abril de 1930. Considera o homem como a síntese de elementos telúricos e espirituais, salientando que, se as ideias permitem saber, só a alma pode compreender, isto é, penetrar no sentido daquilo que se sabe, um sentido que é o lugar onde se mistura o espiritual e o vivo. Analisando o processo das relações internacionais do seu tempo, fala na Rússia como a Eurásia, onde o gosto da destruição e a santidade, a crueldade aguda e o heroísmo não se sustentam senão quando se opõem, desafia todas as definições e escapa mesmo às classificações habituais. Sim, a Ásia começa aí, ao mesmo tempo que a Europa acaba, o Oriente e o Ocidente aí se misturam estreitamente, formando um continente, ao mesmo tempo explosivo e amorfo. Conclui, proclamando: Moscovo é o centro revolucionário de todo o Oriente que desperta... Em todo o lugar do Oriente, isto é, a Leste dos Urales e a sul dos mares Negro e Cáspio, reina um espírito cujo símbolo extremo é Moscovo. Também considera a Espanha como já pertencendo à África. L'Avenir de l'Europe 1918. Le Monde qui nait Paris, Stock, 1926. Das Spectrum Europas 21 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 22 Estugarda, Deutsche Verlag Samstalt, 1928. Ver a trad. fr., Analyse Spectrale de l’Europe, Paris, Stock, 1947. La Révolution Mondiale et la Responsabilité de l'Esprit Paris, Stock, 1934 Khadafi, Muammar el- (n. 1942) Militar líbio, chefe do golpe de Estado de 31 de Agosto de 1969 que derruba a monarquia. Lidera revolução líbia da terceira via que diz querer superar o socialismo e o capitalismo. Demite-se em 1979 de todas as funções oficiais, assumindo-se como tutor espiritual da nação. Até meados da década de noventa, transforma a Líbia num pária da comunidade internacional, com o apoio que dá a vários movimentos terroristas em nome do nacionalismo árabe. Khaldûn, Ibn (1332-1406) Político, historiador e juiz árabe. Nasce em Túnis. Estuda na cidade natal e em Fez, de 1347 a 1357. Escreve uma história universal entre 1374 e 1378. Vive como conselheiro e a partir de 1384 instala-se no Cairo, como juiz e professor. Contra o averroísmo racionalista Reage contra o anterior racionalismo averroísta que dominava a teoria islâmica e assume o realismo, descrevendo minuciosamente os factos para, a partir daí, descobrir as relações que os regem. A ideia de história A história é entendida como a informação sobre a sociedade humana. Não está dependente de uma prévia revelação. Precursor de Hobbes Precedendo Hobbes, considera que a origem do Estado deriva, não de ameaças exteriores, mas sim de um estado de guerra intestina, dado que o homem é um ser naturalmente belicoso. Porque a agressividade e a injustiça são da própria natureza do homem, a organização social impõe que os homens tenham uma espécie de freio que os controle e separe. Asim, considera que o homem é o único animal que não pode viver sem uma autoridade que o contenha pela força. 22 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 23 Sociedade e Estado Faz uma distinção entre a sociedade (umirán) e o Estado, salientando a existência da solidariedade ou espírito de grupo (açabiyyah). Origem da comunidade política Considera que primeiro surgiu a autoridade tribal, a qual, impulsionada pela procura da glória, transformou-se, nalguns casos, em realeza. Surge então a comunidade política que, começando no parentesco, se transforma num coactivo absolutista que, levando ao aumento da riqueza e da prosperidade, também conduziu à tirania e à subsequente fragmentação. Neste sentido, considera que cada Estado tem um ciclo de 120 anos, com três gerações e cinco fases. Mugaddimah 1377. Prolegómenos de história universal. Kitâb-al-‘Ibar 1374-1378. Cfr. trad. fr. de V. Monteil, Discours sur l'Histoire Universelle, Paris, Sinbad, 1978. Khomeiny, Ayatollah S. Ruhollah (1900-1989) Líder da revolução islâmica do Irão. Considera que a Europa não é senão um conjunto de ditaduras cheias de injustiças. Defende a supremacia universal do Islão contra a hegemonia de outros conquistadores. Admite a guerra santa. Contra a existência de um poder laico no mundo muçulmano, dado que qualquer poder laico é sempre um poder ateu, obra de Satã, gerando a corrupção sobre a terra, um mal supremo que deve ser irradicado. 23 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 24 Pour un Gouvernement Islamique Paris, Fayolle, 1979. Pouvoirs. Les Regimes Islamiques Paris, Presses Universitaires de France, 1980. Khomiakov, Aleksi (1804-1866) Antigo oficial de cavalaria russo que, em nome do antiocidentalismo e da eslavofilia estrutura uma espécie de teologia ortodoxa de recorte neoplatónico. Para este autor de Escritos sobre a História Mundial, de 1838, existiria uma oposição na história entre um princípio iraniano ou ariano, marcado pela liberdade moral e representado pelo judaísmo e pela Igreja Ortodoxa Russa, e o princípio kuchita ou etíope, influenciado pela magia e pela necessidade científica, princípio que teria sido incarnado pelos romanos e pelos metafísicos alemães do século XIX. No tratado teológico A Igreja é Una, por seu lado, diz que só a Igreja Ortodoxa conserva os traços da Igreja primitiva, visto fazer a síntese entre a unidade e a liberdade, contrariamente à atitude dos católicos, que conservaram a unidade em prejuízo da liberdade, e à da Reforma, que sacrificou a unidade à liberdade. Neste sentido, considera que a verdade dogmática reside no consenso da Igreja e não na autoridade da hierarquia, como em Roma, ou na das Escrituras, à maneira dos protestantes. Do mesmo modo, defende a integração da vontade e da fé, insurgindo-se contra o que chama racionalismo teológico ocidental. Kibbutz Colectividade em hebraico. Forma de exploração agrícola colectiva, experimentada no Estado de Israel. Unidades especialmente estabelecidas nas fronteiras, assumindo carácter paramilitar. 24 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 25 Kierkegaard, Soren aabye (1813-1855). Filósofo dinamarquês, inspirador do existencialismo. Licenciado e doutorado em Teologia (1840 e 1841). Aluno de Schelling em Berlim em 1842. Atacando o cristianismo burgês, considera que a essência do cristianismo é uma vida infeliz e de sofrimento, marcado pelo temor e pelo tremor. No temor o homem tem medo de perder o que possui; no tremor, na angústia, tem medo de perder-se a si mesmo. Contra o hegelianismo, que defende o intelectual, o universal e o necessário, insiste na vontade, no singular e na liberdade, valorizando o singular. Considera a liberdade não nasce da certeza, mas da incerteza. Neste sentido, assinala a via do paradoxo, ou do absurdo, onde se manifesta uma oposição de termos irreconcliáveis. Neste sentido assinala a necessidade de um desespero autêntico, o do finito que permite elevar o homem até à eternidade. A fé é um dos exemplos do paradoxo, exigindo adesão sem compreensão. Com Cristo, Deus e Homem ao mesmo tempo. Observa que a política, o Estado e a Sociedade são causas de alienação e obstáculos à autenticidade da existência. Entre as suas obras, Temor e Tremor, de 1843; O Conceito de Angústia, 1844; O Desespero Humano, 1849; A Escola do Cristianismo, 1850. 25 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 26 Kiesinger, Kurt Georg (n. 1904) Advogado e dirigente da CDU. Apesar de ter aderido ao partido nazi em 1933, colaborando no ministério dos estrangeiros e chegando até a estar preso no imediato pós-guerra, chega a chanceler da República Federal da Alemanha, entre 1966 e 1969, num governo de coligação entre dos democratas-cristãos e o SPD, quando o líder destes, Willy Brandt, enquanto ministro dos estrangeiros, inicia a política de abertura a Leste. Kim Il Sung (1912 -) Comunista coreano. Torna-se em 1948 chefe de governo da Coreia do Norte. Desenvolve um intenso culto da personalidade. King, Preston The Ideology of Order. A Comparative Analysis of Jean Bodin and Thomas Hobbes, Nova Iorque, 1974. O Estudo da Política. Coletânea de Palestras Inaugurais [ed. orig. 1975], trad. port., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980 [lições inaugurais de Ciência Política na London School of Economics e nas universidades de Oxford, Cambridge, Swansea, Belfast e Sheffield, por Harold Laski, Ernest Barker, Denis Brogan, C. D. H. Cole, K. C. Wheare, Michael Oakeshott, J. C. Rees, Isaiah Berlin, Max Beloff, Howard Warrender, J. H. Burns, W. H. Grenleaf, M. M. Goldsmith, A. H. Birch, Maurice Cranston e Bernard Crick]. King Jr., Martin Luther (1929-1968) Teológo norte-americano. Activista dos direitos cívicos da minoria negra. Estuda em Boston e destaca-se como pastor baptista na Geórgia, donde vai empreender uma luta contra a segregação racional, através do método de Gandhi da não-violência e da cooperação social, ao mesmo tempo que invoca os pais-fundadores da democracia norte-americana, aquilo que num discurso de 1963 invoca com a célebre frase I have a dream.... 26 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 27 Autor de Why Can’t Wait, 1964; Where do We Go From Here, 1967. Prémio Nobel da Paz em 1964, morre assassinado. Kipling, Rudyard (1865-1936) Romancista inglês. Autor da célebre frase definidora da colonização: white man's burden. Kirchheimer, Otto Politólogo alemão, célebre pela invenção da categoria de catch all parties, dita em francês attrape-tout.. Politik und Verfassung Frankfurt, Suhrkamp Verlag, 1964. Politics, Law and Social Change Nova York, Columbia University Press, 1969. «The Transformations of Western European Party Systems» in LaPalombara, Joseph e Weiner, Myron, Political Parties and Political Development, Princeton, Princeton University Press, 1966. Kireievski, Ivan Vasiljevic (1806-1856) Monge russo que tenta conciliar a filosofia e a religião através daquilo que qualifica como uma metafísica auctótone. Considera que a civilização ortodoxa é interior e integral, enquanto a ocidental é exterior e lógico-técnica. Assim, as sociedades latinas e germânicas assentariam na coerção exterior, enquanto os laços sociais dos russos teriam fundamento no acordo, na harmonia, na comunidade da fé e do amor. Nestes termos, critica fortemente o europeísmo, considerado como um estado doentio, visto ser constituído por várias camadas de males: o destruidor Espírito das 27 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 28 Luzes; o espírito científico, que não reconhece como verdadeiro senão o que é objecto de experiência sensível; as belas artes crispadas na imitação estéril; a moral utilitária. Kirk, Russell (1918-1994) Considera que o modelo liberal é caracterizado pela ideia de perfectibilidade do homem e o ilimitado progresso da sociedade, pelo desprezo da tradição, pela igualdade política, pela igualdade económica e pelo repúdio de uma concepção de Estado como "ente moral ordenado por Deus". The Conservative Mind. From Burke to Santayana Chicago, 1953 Kirkpatrick, Ivone Mussolini. A Study in Power Nova Iorque, 1964. Líder e Vanguarda na Sociedade de Massas. Um Estudo da Argentina Peronista 1971. Dictatures and double standard 1982. Kirov, Serguei (1886-1934). Processos de Moscovo. 28 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 29 Kissinger, Henry (n. 1924) Nasce na Alemanha, de família judaica que se instala nos Estados Unidos desde 1938. Estuda em Harvard e faz uma tese de doutoramento sobre Metternich (1957). Conselheiro especial de Nixon desde 1969, passa a Secretário de Estado em Agosto de 1972. É o negociador da retirada do Vietname e das negociações com a China e Moscovo, preparando as visitas de Nixon a Pequim (Fevereiro de 1972) e Moscovo (Maio de 1972). Assume-se como um dos teóricos do neo-realismo, defendendo uma nova Realpolitik, capaz de aplicar mundialmente o conceito europeu de equilíbrio das potências. Depois do 25 de Abril, considera Portugal um caso perdido para o comunismo e chega a admitir que serviríamos de vacina para a Europa Ocidental. A World Restored. Metternich, Castlereagh, and the Problems of Peace. 18121822 Houghton Mifflin, 1957. The Necessity for Choice: Prospects of American Foreign Policy Nova Iorque, Harper and Row, 1961. Problems of National Strategy. A Book of Readings Nova Iorque, Praeger, 1965. Kleist, Heinrich von (1777-1811) Um dos românticos alemães, consagrado como dramaturgo. Companheiro de Adam Muller. Klingeman, Hans-Devter New Handbokk of Political Science Oxford University Press, 1996. Com Robert Goodin, orgs.. 29 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 30 Knapp, Viktor La Science Juridique in Tendances Principales de la Recherche dnas les Sciences Sociales et Humaines, 2ª parte, Tomo II, Paris, UNESCO, 1978 Khruchtchev, Nikita 1894-1971 Nikita Sergueievitch Khruchtchev. O sistema pós-totalitário Como quase sempre acontece face às evoluções de uma continuidade que tenha elevado ao paroxismo a personalização do poder, os sucessores da pesada herança tendem a gerar uma viradeira com a intenção de criar novos espaços de apoio ao poder, sobretudo entre os anteriores dissidentes, para o que, depois de proclamarem a fidelidade, logo tratam de substituir de forma espectacular alguns dos actores secundários mais proeminentes da ordem anterior. Na URSS isso não vai acontecer logo após a morte de Estaline, dado que, durante alguns dias, tudo parecia continuidade, com Malenkov, em 6 de Março, a ser é nomeado Presidente do Conselho de Ministros e primeiro secretário do Partido, com Béria, que mantinha o Ministério do Interior, a assumir a Vice-Presidência. Mas, quinze dias depois, a 21 de Março, eis que se anuncia um novo secretário do Comité Central do PCUS: Nikita Sergueievitch Khruchtchev (1894-1971). Tratava-se de um engenheiro que fora responsável pela construção do metropolitano de Moscovo, primeiro secretário do partido na Ucrânia, de 1938 a 1940, um condecoradíssimo herói da resistência de Estalinegrado, donde, de 1949 a 1953, passara a 1º Secretário do partido em Moscovo. Não tarda que os órgãos de propaganda do regime, a partir de 16 de 30 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 31 Abril, comecem a falar num novo princípio: o da colegialidade. E em 28 de Março era publicado um decreto de amnistia, onde eram libertados todos os que tinham sido condenados a menos de cinco anos de prisão, ao mesmo tempo que se reduzia para metade a pema de todos os outros. Anunciava-se também que nova legislação penal iria suprimir a responsabilidade criminal para os delitos económicos. Surpreendentemente, em 4 de Abril, o Pravda anunciava que a conjura das batas brancas tinha sido fabricada pela polícia política e que as confissões tinham sido arrancadas sob tortura. A viradeira estava a começar. Em 10 de Julho anunciava-se a prisão de Béria. E mais não se dizia. Apenas em 23 Dezembro de 1953 se explicava que o mesmo Béria fora preso no dia 26 de Junho e executado no mesmo dia, depois de um processo secreto. Como refere Egar Morin, era o conflito entre o aparelho e a sua própria polícia: esta devia necessariamente ser o instrumento total da repressão total, mas, agindo assim, tornava-se um superaparelho todo-poderoso que ameaçava o próprio aparelho. Daí a depuração constante dos chefes de polícia, Iagoda, Ejov, até à mais recente de todas, a de Béria. A desestalinização marca a derrota definitiva do superaparelho policial, mas ao preço de uma degradação da omnipotência do aparelho, de uma primeira partilha do poder com o exército e os técnicos. A rápida ascensão de Khruchtchev significou, sobretudo, a vitória do aparelho do partido sobre o aparelho militar e policial. Com efeito, com Estaline, depois da repressão da segunda metade dos anos trinta e, principalmente, por efeito da guerra, o partido deixou de constituir o vértice do aparelho de poder, dado que o pai dos povos preferiu colocar, na sua directa assessoria, o aparelho militar e o aparelho policial. Com a ajuda dos tecnocratas, em Agosto de 1954, trata de fazer a revisão do plano estalinista, tendo em vista o acréscimo de produção de bens de consumo e o desenvolvimento da agricultura, em vez da anterior aposta na indústria pesada, contra as teses defendidas por Malenkov, que se retira em Fevereiro de 1955. Ganham, com este afastamento, tanto o Ministro da Defesa, Jukov, como o Presidente do Conselho de Ministros, Nikolai Bulganine (1895-1075). Coexistência pacífica 31 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 32 Ao mesmo tempo, surgem inequívocos sinais de desanuviamento na política externa, em nome da restaurada tese da coexistência pacífica, que já havia sido utilizada depois de 1922. Como disse Nikita no XX Congresso do PCUS: ou a coexistência pacífica ou a guerra mais destrutiva da história. Não há outra saída. Assim, eis que em 19 de Maio de 1955, URSS restitui a soberania à Áustria. E que logo a seguir devolve à Finlândia a base naval de Prokkala bem como Port Arthur à China Não tarda o estabelecimento de contactos políticos com a República Federal da Alemanha, com a visita de Adenauer a Moscovo em 13 da Setembro de 1955. E, nesta sequência, em 7 de Outubro a URSS liberta os ultimos prisioneiros de guerra alemães Também em Maio de 1955 Khruchtchev e Bulganine visitam Tito em Belgrado, admitindo, deste modo, o comunismo nacional e reconhecendo que há caminhos diferentes para o socialismo. Era, pois, natural que surgisse a chamada Conferência dos Quatro Grandes em Genebra em Julho de 1955, a primeira desde 1947. O degelo O processo de mudança na URSS culmina em 25 de Fevereiro de 1956, no XX Congresso do PCUS, quando Khruchtchev, aí apresenta, à porta fechada, um incisivo relatório, onde é particularmente denunciado o sistema de governo de Estaline. Chegava a época do degelo, com a libertação de muitos prisioneiros por delitos de opinião, a retirada do corpo de Estaline do mausoleu de Lenine e a transformação dos campos de concentração em colónias de reeducação pelo trabalho. Mas as rosas da mudança continuam a ter sangrentos espinhos e Khruchtchev, para manter-se é obrigado a largar o princípio da colegialidadea procurar, de novo, a personalização do poder. Assim, em Junho de 1957, Molotov era expulso da direcção do partido, começando o processo de ataque ao grupo anti-partido, de que também fariam parte Gueorgui Malenkov, Lazar Kaganovitch e Kliment Vorochilov. Já a partir de Outubro do mesmo ano vão começar a cair os antigos aliados de Khruchtchev: primeiro o Ministro da Defesa, Jukov; depois, em Março de 1958, Bulganine. Com efeito, como assinalava Edgar Morin, o aparelho tem igualmente de lutar contra o exército e reforçá-lo, de lutar contra a burocracia e reforçá-la, de lutar contra a classe operária e reforçá-la. Com efeito, a burocracia não possui nenhum suporte autónomo 32 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 33 como o exército ou a NKVD: o seu único supoorte é o próprio aparelho, que não é outro senão o esqueleto do Estado Finalmente, strutura-se o 6ºPlano Quinquenal de 1956-1960, onde se prevê a supressão das estações de máquinas e tractores, com a venda dos mesmos aos kolkozes, bem como a regionalização da indústria. Com efeito, no domínio da política agrícola, Khruchtchev optou por um desenvolvimento extensivo, nomeadamente desbravando as terras virgens da Sibéria, bem como pelo refortalecimento dos sovkhozes e pelo reagrupamento dos kolkhozes. Do mesmo modo, apostava-se no desenvolvimento da indústria química, como um meio de apoio à agricultura. Mas o 6º Plano é logo abandonado em 1957 e, em 5 de Fevereiro de 1959, quando se concluiu o XXI Congresso do PCUS, iniciado em 27 de Janeiro, adopta-se um plano septienal (1959-1965). Conforme as orientações aprovadas pelo mesmo congresso, na corrente década a União Soviética, enquanto cria a base tecnico-material do comunismo, ultrapasará per capita a produção do mais poderoso e rico país capitalista -os Estados Unidos. Este optimismo propagandístico proclamava também que o desenvolvimento da democracia, a participação de todos os cidadãos na edificação económica e cultural, a gestão dos assuntos sociais, constituem o elemento essencial no desenvolvimento da estrutura socialista do Estado. Assim, importava tanto a construção das bases materiais e técnicas do comunismo como a educação do homem do futuro e o desenvolvimento entre os soviéticos da moral comunista. O modelo de Estado também parecia evoluir, dado que o mesmo, tendo surgido como ditadura do proletariado passava a qualificar-se como Estado do Povo Inteiro, nomeadamente por causa das experiências de auto-administração que, nas colectividades locais, nos sindicatos e noutras associações, se iam empreendendo. Segundo o novo programa do PCUS aprovado pelo XXII Congresso, de 12 a 31 de Outubro de 1961, o Estado socialista entrou num novo período de desenvolvimento. Começou o processo de transformação do estado em organização de todos os trabalhadores da sociedade socialista. A democracia proletária foi-se convertendo cada vez mais em democracia de todo o povo... À medida que se desenvolva a democracia socialista, os órgãos de poder do estado ir-se-ão convertendo em órgãos de auto-gestão social. Outra era, na verdade, a ditadura 33 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 34 dos factos, dado que, entre 1963 e 1965, a URSS teve de começar a fazer importações maciças de trigo dos USA e do Canadá. E a taxa de expansão da indústria é apenas de 7% contra os 13% previstos. Na frente da guerra fria, os soviéticos são, entretanto, sujeitos em importantes desafios. Em Junho de 1953 acontecera a revolta operária de Berlim. Em Junho de 1956 vai dar-se a sublevação de Poznam. Em 24 de Outubro de 1956 é a vez da revolta popular da Hungria. Assim, visando uma coordenação mais estreita dos países de Leste, suscitada, sobretudo, pela entrada da República Federal da Alemanha na NATO, surge em Maio de 1955, como resposta do Leste, o Pacto de Varsóvia Os êxitos da política externa soviética ocorrem, sobretudo, no Terceiro Mundo, nomeadamente a partir da Conferência de Bandung, de 18 a 26 de Abril de 1955, e da crise do Suez, na segunda metade de 1956, culminando com a revolução castrista, em Cuba, em 1 de Janeiro de 1959. Com efeito, a URSS, a partir de Bandung, privilegiando as relações com o Egipto de Nasser e com a Índia de Nehru, estabeleceu um programa de influência sobre o Terceiro Mundo que vai ter pleno acolhimento na I Conferência de Solidariedade Afro-Asiática, realizada no Cairo entre 26 de Dezembro de 1957 e 1 de Janeiro de 1958. Segundo muitos observadores, foi nesta Conferência do Cairo que a URSS fez a sua entrada em força em África, conseguindo que as jovens nações africanas, em nome da solidariedade afro-asiática não se referissem ao neo-colonialismo e ao imperialismo soviéticos, ao contrário do que chegou a ser esboçado em Bandung. A crise do Suez e a guerra da Argélia vieram depois acelerar o processo de ligação da URSS ao terceiro-mundismo, sendo disso bem sintomática a assinatura, em 25 de Agosto de 1959, de convenções técnicas e económicas com a GuinéConakry. A vitória da revolução castrista em Cuba, em 1 de Janeiro de 1959 e a inabilidade da política externa de Eisenhower que, em Julho de 1960, decidiu diminuir em 700. 000 toneladas anuais, as importações de açúcar de Cuba, vão fazer com que a URSS possa ter uma lança no próprio coração da América Apesar de tudo, há um retrocesso da influência soviética no Iraque, com o Baas a suprimir o Partido Comunista, e na Indonésia, com Sukarno a voltar-se para Pequim. Também em Africa há alguns reveses, com a inflexão de Sekou Turé e a subida ao poder de Mobutu. Isto é, a Guerra Fria foi-se transformando 34 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 35 numa sucessão de empates técnicos integrados numa espécie de jogo de soma zero. A competição vai também chegar ao espaço quando em 4 de Outubro de 1957 a URSS lança o primeiro satélite artificial, o Sputnik I, para, logo depois, ensaiar o disparo do primeiro míssil balístico intercontinental. Não tarda que a mesma URSS, confirmando a liderança na corrida espacial, coloque, em 21 de Abril de 1961, o primeiro homem no espaço, Gagarine. A partir de então, a Guerra Fria, pelo menos na Europa Ocidental, atingiu as dimensões do grande medo que, eufemisticamente, se foi qualificando como disuassão ou equilibrio pelo terror. Foi neste ambiente de medo pelos mísseis soviéticos que medrou o pacifismo ocidental que, depois de, no Maio de 68, ter proclamado o hippie slogan do make love not war, acabou, menos romanticamente com o slogan de antes vermelhos que mortos, já nos anos oitenta. O Encontro de Camp David, de 25 de Setembro de 1959, entre Khruchtchev e Eisenhower, vem agravar a tensão internacional, traduzindo-se, nomeadamente no abate de um avião espião americano U2 pelos soviéticos em Maio de 1960. Nesse encontro, a URSS não aceitara o princípio dos open skies, proposto por Eisenhower, para a vigilância mútua de movimentos militares. Tinha, entretanto, subido a Presidente dos Estados Unidos da América John Kennedy, em 20 de Janeiro de 1961, que parecia disposto a vencer os desafios soviéticos através de um novo estilo. Mas depois do fracasso do desembarque na Baía dos Porcos (Cocinos Bay), em 20 de Abril de 1961, o ambiente de tensão entre as duas superpotências atinge o rubro, não permitindo o desanuviamento na Cimeira de Viena de 3 de Junho de 1961. Aliás, logo em Agosto de 1961 inicia-se a construção do Muro de Berlim e em Outubro do ano seguinte dá-se a crise dos mísseis de Cuba quase levou a um confronto directo entre norte-americanos e soviéticos. Kjellen, Rudolf (1864-1922) Professor sueco, na Universidade de Upsala. Deputado. Um dos grandes teóricos da geopolítica. Influenciado por Ratzel. O seu livro de 1916 teve grande êxito na Alemanha, com traduções de 1916 e 1924. Staten Som Lifsform (O Estado como Forma de Vida), de 1916 35 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 36 Koestler, Arthur 1905-1983 Húngaro de origens judaicas. Depois de uma breve fase comunista, torna-se sionista, entre 1922 e 1929. Jornalista na Alemanha desde 1931, regressa à miltância comunista. Vai para a URSS em 1932, desiludindo-se do ideal. Instala-se em França a partir de 1834 e é repórter na guerra civil espanhola, chegando a estar preso. Regressa a França e trata de assumir o anticomunismo. Passa para Inglaterra em 1940. Volta à Palestina de 1942 a 1948. Contra o reducionismo Critica a chamada ideologia reducionista da modernidade, segundo a qual pela análise podem atingir-se os elementos simples, considerados como uma parte da complexidade. Defende a síntese que considere o conjunto como algo mais que a soma das parcelas. Neste sentido critica o marxismo, o freudianismo e o estruturalismo. Liga-se, no final dos anos sessenta, a Piaget, Hayek e Bertalanffy, promovendo a publicação conjunta Beyond Reductionism, Londres, Hutchinson, 1971. O Zero e o Infinito 1940 ed. ingl., 1941; ed. fr., 1946. Darkness at Noon 1948. Les Racines du Hasard Paris, Calmann-Lévy, 1972. The Art of Creation Nova York, Macmillan, 1964. 36 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 37 Kohl, Helmut Kohn, Hans (n. 1891) Nasce em Praga, com origens judaicas. Professor de História no City College de Nova York. Destaca-se como teórico daquilo que designou como a idade do nacionalismo, qualificando-o como um fenómeno colectivo de povos inteiros, que também se assumem como fortes e excepcionais. A History of Nationalism in the East 1929. The Idea of Nationalism Nova York, Macmillan, 1944. Prophets and People. Studies in Nineteenth-Century Nationalism Nova Iorque, MacMillan, 1946 Pan-Eslavism. History and Ideology Baton Rouge, Notre Dame University Press, 1952. Nationalism. Its Meaning and History Nova Iorque, Van Nostrand, 1955. The Age of Nationalism. The First Era of Global History Nova York, Harper & Row, 1962. Living in a World Revolution. My Encounters with History Nova York, Trident Press, 1964 cfr. trad. port. de Luciano Mira, Os meus Encontros com a História, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1965. 37 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 38 Koinonia Termo grego imediatamente associado à ideia de comunidade. Contudo, o termo se exprime essa proximidade, impõe um modelo de comunhão, dado que apela para uma forma de vida em comum, para a consciência de um destino comum e da existência de uma fé partilhada pelos membros desse grupo. em Aristóteles, 1, 5 koinonia politike Koinon. Gr. O espaço comum, o espaço político, onde todos se assemelham Koinonia. Gr. Comunidade no sentido de comunhão, de encontro das coisas comuns. Kojève, Alexandre (1902 1968). Aleksandr Kojevnikov. Filósofo de origem russa. Discípulo de Karl Jaspers. Divulga o hegelianismo em França nos anos trinta, dando um curso sobre A Filosofia Religiosa de Hegel na École Pratique des Hautes Études, entre 1933 e 1939, influenciando Sartre, Merleau-Ponty, Lacan e Aron. Assume-se como fenomenologista. Introduction à la Lecture de Hegel Paris, Éditions Gallimard, 1947. Edição do aluno Raymond Queneau. Esquisse d’une Phénoménologie du Droit Paris, Gallimard, 1981 Komintern (III Internacional) Nome pela qual é conhecida a III Internacional, ou Internacional Comunista, fundada em Moscovo em 4 de Março de 1919. Centralismo democrático No II Congresso, ocorrido em Julho de 1920, estabelece-se o modelo a que devem obedecer os partidos integrantes, ao mesmo tempo que se delineiam os esquemas da luta pela libertação nacional dos povos colonizados. 38 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 39 Segundo a 12ª condição de aderência, os partidos pertencentes à Internacional Comunista devem basear-se no princípio de centralismo democrático, isto é, a sua organização deve ser tão centralizada quanto possível e predominar uma disciplina de ferro. Depurações Do mesmo modo, nos termos da condição 13ª, os partidos comunistas nos países em que desenvolvem a sua actividade legalmente devem, de vez em quando, proceder a depurações dos seus membros, para se livrarem de quaisquer elementos pequeno-burgueses que hajam aderido. Tal centralismo democrático era também universal: o partido que desejar participar no Komintern deverá afastar os reformistas e centristas (2ª); tem de criar por toda a parte uma organização ilegal paralela, que, no momento decisivo, ajudará o partido a cumprir o seu dever para com a revolução (3ª); é obrigado a apoiar incondicionalmente qualquer república soviética na sua luta com forças contra-revolucionárias(14ª); além disso, os partidos que ainda conservarem os antigos programas sociais-democratas devem revê-los os mais depressa possível e elaborar [... ] um novo programa comunista em conformidade com as decisões da Internacional Comunista(15ª); todos os decretos dos congressos da Internacional Comunista, assim como os do seu Comité Executivo, abrangem todos os partidos pertencentes à Internacional Comunista(16ª); todos os partidos que desejarem ingressar na Internacional Comunista devem mudar de nome, desde que a fórmula partido comunista não esteja já incluída na designação(17ª). Foi a partir deste II Congresso do Komintern que se deu uma vaga de fundações de partidos comunistas, destacando-se o nascimento da SFIC, Secção Francesa da Internacional Comunista, no Congresso de Tours da SFIO (25 a 29 de Dezembro de 1920), a fundação do Partido Comunista Italiano (5 de Janeiro de 1921) e do próprio Partido Comunista Português em 6 de Março de 1921. Konservative (1876) Na Alemanha, a expressão Konservative tem mais a ver com o conceito francês de tradicionalista do que com o conservative 39 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 40 britânico. Em 1876 é fundado o Deutschekonservative Partei, assente sobretudo nos grandes proprietários prussianos, opostos à instituição do sufrágio universal por Bismarck. Maioritários na Camara dos Representantes da Prússia desde 1879, são o principal apoio de Bismarck, quando este entrou em ruptura com os nacionais liberais. Defendem o proteccionismo. Fazem parte do governo alemão até à Grande Guerra (coligação com o Zentrum, oposição dos sociaisdemocratas). Desaparecem em 1918 e dispersam-se durante a Repúblkica de Weimar pelo Partido Nacional Alemão e pelo Partido Democrático Alemão. rmin Mohler Die konservative Revolution in Deutschland 1918-32, de 1950, refere a rnovação do pensamento conservador alemão antes da ascensão de Hitler ao poder, como Moeller van den Bruck, Carl Schmitt e Ernst Junger Kosovo Unidade integrante da Sérvia, onde dominam os albaneses kosmos Kosmos em Hayek, 46, 294 Kossuth, Lajos (1802-1894) Político húngaro. Começa como jornalista político, sendo preso de 1837 a 1840. Ministro das finanças depois da Revolução de Março de 1848, procura uma ruptura com Viena, favorecendo a criação de um exército nacional. Presidente do comité de defesa depois de Setembro desse ano. Derrotado depois da intervenção russa ao lado dos austríacos. Kossyguine, Alexei (1904-1980) Primeiro ministro soviético desde Outubro de 1964, faz parte da troika que substitui Kruchtchev e leva ao poder Brejnev. 40 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 41 Koyré, Alexander (1892-1964) Autor russo, aluno de Husserl e de Bergson. Professor em Paris. Kuo-Min-Tang (1900) (Partido Nacional do Povo). Partido chinês criado em 1900 por Sun Iat Sem. Já sob a chefia de Chang kai Chek, foi reorganizado pelos soviéticos em 1923-1924. Mantém-se na Formosa a partir de 1949. Krader, Lawrence Antropólogo político norte-americano, especialista nas origens do Estado. The Formation of the State Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1968 [trad. port. A Formação do Estado, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1970]. Krausismo Ideologia baseada nas teses de Krause, difundida na Europa pelas obras de Heinrich Ahrens (1808-1874) e Tiberghien (1819-1901). Teve particular destaque na Península Ibérica, onde coincidiu com uma forma moderada de liberalismo. Em Portugal, salienta-se Vicente Ferrer de Neto Paiva. Em Espanha, Julián Sanz del Rio. Influencia também o Brasil, principalmente a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Aqui, os principais cultores são Galvão Bueno (1834-1883) e João Theodoro Xavier (1820-1878), autor de uma Teoria transcendental do direito (1876), sendo um dos precursores do chamado "direito social", ou "direito trabalhista" no Brasil. Krause, Karl Christian Friedrich (1781-1832) Se com Hegel o idealismo alemão atinge as culminâncias abstractas do conceito de Estado, cabe a Krause, proceder ao respectivo enquadramento numa estrutura eclética, mais susceptível de vulgarização, sobretudo entre os que não podiam aceitar a disciplina da pura dialéctic. Grundlage der Naturrechts, oder Philosophischer Grundriss des Ideals des Rechts 1803 41 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 42 Entwurf eines europãischen Saatenbundes als Basis des allgemeinen Friedens Projecto de confederação europeia com base numa paz geral de 1814 O autor considera nesta obra que a confederação jurídica mundial constitui o fim último da história do direito. Abriss des Systemes der Rechtsphilosophie, oder Naturrechts 1825 Kriegel, Blandine Barret. Professora francesa, formada em filosofia e investigadora do CNRS. Colaboradora do Institut d'Études Politiques de Paris. Professora na Universidade de Paris X- Nanterre. De origens judaicas, assume a tradição do estatismo republicano francês, assumindo a defesa do Estado de Direito, na linha kantiana. Procura demonstrar, contra o pensamento germânico, o carácter inovador do direito político moderno. Considera que o Estado de Direito nasceu em ruptura com o Império e o regime senhorial, como organização de um espaço público unificado onde o poder público foi sujeito à lei e limitado pelos direitos individuais. L'État et les Esclaves. Réfléxions pour l'histoire des États, Paris, Calmann-Lévy, 1979. Reed., Paris, Payot, 1989 Les Chemins de l'État Paris, Calmann-Lévy, 1986 L'État et la Démocratie. Rapport à François Mitterrand, Président de la République Française Paris, La Documentation Française, 1986. Les Droits de l’Homme et le Droit Naturel Paris, PUF, 1986. Reed. de 1988. Les Historiens et la Monarchie Paris, PUF, 1988 (I, Jean Mabillon; II La Défaite de l'Érudition; III Les Académies de l'Histoire; IV La République Incertaine). La Politique de la Raison, Les Chemins de l’État 2 42 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 43 Paris, Payot, 1994 Propos sur la Démocratie. Essais sur un Idéal Politique, (Les Chemins de l’État 3), Paris, Payot, 1994. Cours de Philosophie Politique Paris, Librairie Générale Française, 1996. Krisis (Die) der europäischen Wissenschaften” 1935 1936 Edmund Husserl critica o modelo positivista dominante, baseado na regra da evidência, considerada um preconceito e um engodo. A ciência positivista considera que apenas é possível uma ciência dos factos puros e simples, baseando-se na matematização da natureza, oriunda de Galileu, onde a natureza é idealizada sob a inspiração da nova matemática. Surge também uma naturalização do espírito, mas não é pelo facto de reflectir-se que se define a relação entre o objecto e o pensamento, mas pelo sentido do objecto e da sua existência. O positivismo gera dois erros complementares e simetricamente inversos: o objectivismo fisicista, ou materialismo mecanicista, e o subjectivismo transcendental, de Kant. Kristol, Irving (n. 1914) Two Cheers for Capitalism 43 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 44 Nova York, 1978. Krizhanitch, Yuri (n. 1617) Iniciador do movimento eslavófilo. Sacerdote católico croata, que vem para a Rússia em 1647, autor de umas Considerações Políticas, escritas por volta de 1650, talvez o primeiro manual do pan-eslavismo, onde se referem os eslavos como o jovem povo do futuro, dado serem marcados pela espiritualidade. Já então defendia a união de todo o povo eslavo sem Estado (sérvios, croatas, búlgaros, checos e polacos), insurgindo-se contra a moda da xenomania, então dominante na Rússia, onde as famílias ilustres tentavam, através de uma genealogia inventada, encontrar um qualquer antepassado prussiano ou inglês. Ao mesmo tempo, criticava as teses da Terceira Roma adoptadas por Ivan IV: não se contentando com o poder que adquiriu, o czar Ivan procurou as vaidades da glória e os aduladores gregos fabricaram-lhe contos ridículos segundo os quais Moscovo era a Terceira Roma e ele mesmo um herdeiro do imperador Augusto. Um dia Deus castigará a Rússia por essas pretensõe. Kulturkampf (1871-1879) O mesmo que luta pela civilização. Designação do período de 1871-1879 na Alemanha, quando Bismarck, apoiado pelos liberais, empreendeu uma série de reformas laicistas. Os católicos reagiram, 44 José Adelino Maltez , Res Publica HIJKL 45 especialmente depois das chamadas Leis de Maio de 1873, com o apoio do papa Pio IX. As tensões só foram esbatidas depois da eleição do papa Leão XIII Kulturnation, 71, 478 Kun, Bela (1886-1937) Revolucionário profissional comunista húngaro. Treinado em Moscovo. Lidera a revolta comunista húngara de 1918. Derrotado por Horthy em Março de 1929. Passa para o exílio na URSS onde terá sido assassinado por ordem de Estaline. 45