de Gonzagão

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100 anos
de Gonzagão
NESTA EDIÇÃO
Cidade de Exu relembra
seu filho ilustre
Página 03
Feira de Caruaru inspirou
um dos grandes sucessos
Página 05
Religiosidade sertaneja
marca obra do rei do baião
Página 06
Sanfona de oito baixos
continua sendo base
do forró
Página 07
Foto: Divulgação
Recife | Dezembro de 2011
O BERRO
2 | Recife, dezembro de 2011
Carta ao leitor
Foto: Divulgação
De popular a clássico
Foto: Divulgação
JOVEM Gonzaga numa foto promocional tirada nos anos 30
CATÓLICO Capa de disco lançado em homenagem a dois papas
A sanfona dos oito baixos, o chapeú de couro, o sorrizo largo, o fraseado perfeito nas letras que incorporam
o linguajar do homem sertanejo. O
cantor pernambucano Luiz Gonzaga,
durante quase meio século, ajudou a
criar e amplificar a imagem do nordestino. E virou sinônimo de forró,
o gênero musical que ajudou a tornar
famoso em todo o Brasil. De quebra,
assumiu um papel fundamental na
música popular brasileira. Para lembrar o seu centenário de nascimento,
esta edição de O Berro é dedicada ao
rei do baião.
Com suas músicas e composições,
Gonzaga representa a cultura popular nordestina no que ela tem de mais
expressivo: a luta contra os elementos da natureza, a camaradagem entre
amigos, a singeleza das festas juninas,
o gosto pela diversão, a opção pela
alegria diante das dificuldades e, também, é necessário dizer, uma dose de
machismo. Gonzaga tinha tudo para
se tornar uma figura simbólica: talento musical e carisma. Era diferente de
todos os outros. Alcançou o sucesso
justamente numa época em que, com
a proliferação dos meios de comunicação, o Brasil descobria a riqueza cultural de suas regiões.
Gonzaga é também um exemplo eloquente de como as origens
modestas de um artista podem gerar
um grande fenômeno de massa com
qualidade. E que sucesso popular não
tem de ser necessáriamente confudido
com a mediocridade e a banalização,
tão comuns neste início de século 21.
Hoje, assim como é impossível
falar do sul dos Estados Unidos sem
pensar em músicos como o blueseiro
Robert Johnson e o jazzista Louis Armstrong, assim como Cartola e Pixinguinha são inseparáveis dos subúrbios
cariocas, não é possível pensar o Nordeste brasileiro sem lembrar a figura
de Luiz Gonzaga.
Nas próximas páginas, encontramse reportagens variadas que tentam
explorar a atualidade do legado deixado pelo cantor, sua importância e suas
contradições.
Na cidade de Exu, o Parque Asa
Branca preserva a casa do cantor e
muitos dos objetos que fizeram parte
de sua vida. Os moradores da cidade
usam, orgulhosos, motivos da sua obra
nos nomes no comércio e preservam
a memória do filho mais ilustre. No
Recife, um circuito cultural e de exposições relembra a figura de Gonzagão,
com uma programação que vai crescer
neste ano de 2012, por causa das comemorações do centenário.
A feira de Caruaru, imortalizada
na letra de Onildo Almeida e cantada
por Gonzaga, é tema de outra reportagem. O jornal traz também duas matérias que tratam da relação do compositor com o catolicismo, expressa
no disco “O sanfoneiro do povo de
Deus?”, e de sua adesão à Maçonaria.
O Berro mostra também a tradição da sanfona dos oito baixos, mantida pelo músico Arlindo, antigo amigo
e parceiro de Gonzaga. O mercado de
discos de vinil e cds que ajudam a perpetuar a obra do forrozeiro também
foi abordado.
Entrevistamos também Toinho do
Baião, colaborador de Gonzaga, e que
ainda divulga o trabalho dele, e João
Silva, que teve a proeza de ter sido seu
parceiro em nada menos do que 130
músicas.
Hoje já existem grupos interessados por forró nos Estados Unidos e
até no Japão. “Asa Branca”, por exemplo, tem versões cantadas em várias
línguas. Só isso já garantiria o nome
do compositor pernambucano na história da música.
Extremamente popular no seu
tempo, ainda hoje conhecido por todos, Luiz Gonzaga sobrevive ao tempo e já é sério candidado, com o passar dos anos, a se tornar um clássico
definitivo da música brasileira.
Marcelo Abreu
EXPEDIENTE
Coordenador do Curso
de Jornalismo
Alexandre Figueirôa
O BERRO é uma publicação da
Disciplina Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da
Universidade Católica de Pernambuco.
Rua do Príncipe, 526 - Boa Vista - Recife-PE 50.050-900
CNPJ 10.847.721/0001-95 Fone: (081) 2119.4000
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Professor Orientador
Marcelo Abreu
Subeditor
Milton Couto
Repórteres
Alexandre Amorim
Alexandre Cunha
André Amorim
André Luframaia
Beatriz Braga
Camila Lindoso
Eliane Carneiro
Gabriela Arantes
Gabrielle Buarque
Mariana Lemos
Milton Couto
Nilton César
Revisão
Fernando Castim
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Diagramação
Flávio Santos
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O BERRO
Recife, dezembro de 2011 | 3
ro e os que não o conheceram
– têm uma visão diferente
sobre o Rei do Baião. Para os
mais velhos, que viram uma
cidade violenta, marcada por
brigas entre famílias rivais
(Alencar, Peixoto, Sampaio
e Saraiva), Luiz Gonzaga foi
um apaziguador. Utilizandose do prestígio que tinha,
conseguiu junto ao presidente
em exercício Aureliano Chaves – vice-presidente de João
Baptista Figueiredo – que um
interventor fosse nomeado,
em 1981, para acabar com os
conflitos em Exu.
Segundo Zilclécio Saraiva,
atual secretário de Administração e três vezes prefeito da
cidade, a atuação do artista foi
determinante para a pacificação, sendo reconhecido por
isso. “Ele sonhou isso e idealizou, trouxe a intervenção
para que nós pensássemos
melhor. É a nossa expressão
maior. Um nome realmente
ELIANE CARNEIRO
Exu, como muitas cidades
do interior, ainda mantém tradições e hábitos de uma vida
pacata. É comum as pessoas deixarem o carro e a casa
abertos, colocarem as cadeiras
na calçada para conversar durante a noite, e a maior parte
do comércio não funciona depois das cinco da tarde. O que
difere Exu do resto do sertão
é a constante presença de
Luiz Gonzaga. Há, por toda a
parte, a imagem, o nome ou
as canções dele. Seja no posto de gasolina, no restaurante,
na pousada, na praça ou, até
mesmo, na “lan house” – que
avisa que Gonzaga agora é
virtual – a cidade é toda influenciada pela obra que ele
deixou.
No entanto, não é um legado somente artístico. Duas
gerações de exuenses – os
contemporâneos do sanfonei-
forte, uma celebridade, nós
sabemos disso. Cultuamos
Luiz Gonzaga como nosso
filho maior”, declarou. Maria
Aparecida de Sá, comerciante há 20 anos, observa que
o trabalho do cantor não se
restringia apenas à música e
sua influência na cidade permanece. “Fez muito pela paz
de Exu. Lutou, foi lá fora e
buscou recursos. Hoje, graças a ele, tem turismo, tem a
festa, que traz recurso para a
cidade.”
A assistente social Tâmara Moreira é coordenadora de
um grupo que resgata a cultura do sertão por meio de
danças típicas da região, como
o baião, o xote e o xaxado. Tâmara diz que a finalidade do
projeto voltado às crianças é
“elevar ao máximo” o nome
de Luiz Gonzaga. “Ele é referência não só na região, mas
no país. A gente quer que
nunca se esqueçam dele.” Ma-
Foto: Eliane Carneiro
Gonzaga ainda hoje movimenta Exu
PRESENÇA A
lembrança está por
toda a cidade
ria Helenilda dos Santos, professora e coordenadora de um
centro de artesanato, defende
a imagem que os exuenses
têm de Luiz Gonzaga. “Ele é
um motivo de inspiração, porque passou por todo o tipo de
preconceito: pobre, preto, do
sertão, do nordeste e conseguiu vencer. É uma referência
de lutar pelo seu ideal, mesmo
com muitas portas batendo
em sua cara, ele não desistiu.”
Gonzaga é reconhecido
por ter cantado as coisas do
sertão, ter uma visão humanista e voltada à natureza.
Esse olhar diferenciado conquista seguidores como o
professor de sanfona Cosmo
Damião, de 20 anos. “Eu tenho que seguir essa cultura,
sinto como obrigação. É uma
influência muito forte, especialmente, entre os sanfoneiros de Exu.”
ELIANE CARNEIRO
Com vista para a cidade de
Exu, o primeiro andar da casa
em que Luiz Gonzaga morou,
os últimos anos de vida, é o
ponto alto da visita ao parque
Aza Branca, no sertão do Araripe, a 607 km do Recife. A intimidade do Rei do Baião é desvendada em cada canto, desde
a fé, no terço pendurado no
espelho da cama, passando pela
coleção de gibões e chapéus de
couro, até no banheiro, onde
ele desfrutava de uma grande
banheira feita de alvenaria.
Todos os objetos, espalhados
pelas paredes e cômodos, remetem a alguma faceta de Gonzaga.
A mesa, com dois grandes bancos, no estilo refeitório, acomoda
até 15 pessoas. Percebe-se, nesse
detalhe, o apreço dele por lugares
com muita gente. E, para hospedar todos, ele ergueu outra casa,
ao lado da dele, que mais tarde
serviria de pousada. Em frente,
há um palco, no formato de ferradura, onde o cantor entretinha
os convidados.
Ainda no refúgio do Rei
do Baião, outra marca sempre
Foto: Eliane Carneiro
Parque Aza Branca preserva objetos pessoais
INTIMIDADE O quarto preserva
os objetos pessoais do artista
presente pelos aposentos é a religiosidade. Na sala que conduz
às escadas, para o primeiro piso,
há um altar, onde as imagens do
padre Cícero e do frei Damião
se destacam. Em outro altar,
dentro do quarto de Gonzaga,
chamam atenção os crucifixos e
um retrato, na parede, do papa
João Paulo II.
A presença dos objetos pessoais dá a impressão de que, por
um instante, ele ausentou-se,
mas em breve retornará. Entrar
lá é sentir que a história dele
permanece viva, como o casal
de asa branca mantido em um
viveiro, na frente do terraço.
Após conhecer esse recanto,
outro ponto central da visita ao
parque Aza Branca é o mausoléu.
Nesse local, com portas envidraçadas e paredes adornadas com
algumas fotos de Gonzaga, estão
além dos restos mortais dele, os
da mulher (Helena), os dos pais
(Januário e Santana) e os do irmão Severino dos Santos.
Ao lado do mausoléu, está o
museu do Gonzagão. que guarda
todo o acervo do artísta. Entre os
objetos, estão a primeira sanfona
de oito baixos, presente do pai,
a utilizada na homenagem, em
1980, no Ceará, para o papa João
Paulo II, e a última, de 120 bai-
xos, usada num show no Recife.
As paredes repletas de recortes
de jornais e fotografias de parentes, artistas e amigos ajudam a
contar a trajetória desse sertanejo
pobre que conquistou o Brasil e
chegou a se apresentar na França.
O museu, além de ter todos
os prêmios e títulos, guarda objetos pessoais, inclusive a cadeira
de rodas usada quando o cantor
ficou doente. Cícera Maria dos
Santos, guia do parque, afirma
que o espaço foi idealizado pelo
próprio Gonzaga. “Ele vivia falando em fazer esse museu. Viu
o projeto, já (diagnosticado) com
o câncer de próstata, mas morreu
(em 1989) antes da inauguração.
O filho dele (Gonzaguinha) também tinha planos para o local, no
entanto, pouco tempo depois do
pai, morreu (em 1991) em um
acidente de carro”.
Aberto diariamente das 8h
às 12h e das 13h às 17h, o Aza
Branca (asa grafada com z, porque houve um erro na hora do
registro, que mais tarde não foi
corrigido, pois agradou ao cantor) tem outros espaços para a visitação, como a Casa de Januário
– onde viveu o pai de Gonzaga.
O BERRO
4 | Recife, dezembro de 2011
Forró agita mercados do Recife
ALEXANDRE CUNHA
A vida e a obra de Luiz
Gonzaga sobrevivem ao tempo. Seja como tema de filme,
bloco carnavalesco ou escola
de samba, a herança cultural deixada pelo compositor
mantém-se presente. Porém,
um sentimento de nostalgia,
“tempo bom que já não volta”, é comumente compartilhado entre defensores do
forró de raiz, inquietos com
o desenvolvimento sem freio
das bandas “estilizadas”.
No intuito de preservar e
perpetuar o ritmo consagrado
por Gonzagão, sob a musicalidade tradicional da sanfona,
triângulo e zabumba, o Memorial Luiz Gonzaga realiza, mensalmente, o “Sábado
Danado de Bom”. Iniciado
no período junino de 2009,
o projeto consiste na reunião
de forrozeiros e amantes do
pé de serra nos principais
mercados públicos da cidade.
As primeiras apresentações
aconteceram no Pátio de São
Pedro, onde está localizado
o memorial, como forma de
atrair as pessoas a conhecerem o acervo e as atividades
do lugar.
Em 2011, o evento ganhou caráter itinerante, expandindo os shows, gratuitos,
aos mercados da Madalena,
Encruzilhada e Boa Vista.
De acordo com José Mauro
de Alencar, gerente do memorial, o Sábado Danado de
Bom (nome inspirado na famosa música de Gonzagão)
tem tido grande sucesso, e um
dos progressos nos encon-
como o “embaixador do forró”, o apresentador do programa “Forró, Verso e Viola”, da Rádio Universitária
FM, tem um histórico com
o rei do baião. “Tive o privilégio de ser amigo de Luiz
Gonzaga. Uma das grandes
alegrias da minha vida foi dividir o palco com ele no município de Serra Talhada, em
confraternização ao poeta Zé
Marcolino, no final da década
de 80. Juntos, cantamos ‘Asa
Branca’”.
Segundo Ferraz, os compositores atuais devem-se espelhar no olhar crítico que o
“velho Lua” tinha com as coisas cotidianas da vida. “Gonzaga cantava sobre a seca, os
vaqueiros, os carros de boi.
Registrava, nas músicas, os
costumes e tradições da sua
tros foi a criação da Medalha Memorial Luiz Gonzaga.
“É uma homenagem àqueles
com notórios serviços prestados à arte pernambucana. Es-
Todo último
sábado do mês,
o público pode
dançar ao som
das músicas de
Gonzaga
critores, sanfoneiros, ou seja,
baluartes da cultura que contribuem, nos dias atuais, para
a manutenção da tradição”,
conta Alencar.
Um dos primeiros homenageados com a simbólica
medalha foi o cantor e radialista Ivan Ferraz. Conhecido
gente. Característica que hoje
sinto falta no nosso forró”,
afirma. Na sua opinião, Gonzaga ajudou a despertar uma
sensabilidade nas outras regiões, sobre a realidade do povo
nordestino, por meio do apelo contestador de algumas de
suas letras.
Zelito Nunes, poeta, pesquisador da cultura regional
do estado e também condecorado com a Medalha Memorial Luiz Gonzaga, diz
que a batalha entre os “artistas da raiz” e bandas de forró
estilizado, contratadas por
grandes gravadoras, é absolutamente desleal. “A iniciativa
do Sábado Danado de Bom é
corajosa, pois é um trabalho
quase suicida. O forró precisa de pontos de resistência
como este.”
Simplicidade e ousadia
marcaram os passos de um
homem que cantou como ninguém os problemas do Sertão.
Com uma voz diferenciada, o
sanfoneiro revelou ao mundo
a riqueza de estilos musicais
como o xote e o baião.
Mais de duas décadas após
sua morte, ele ainda é visto
como um ícone da cultura nordestina. Seu legado está presente em diversos cantos do país.
Um exemplo disso é o Memorial Luiz Gonzaga, localizado
no Pátio de São Pedro, no centro do Recife e criado em 2 de
agosto de 2008 (a inauguração
ocorreu nesse dia porque o
Rei do Baião morreu em 2 de
agosto de 1989). A iniciativa de
construí-lo partiu da Secretaria de Cultura da Prefeitura do
Recife, com o objetivo de manter e divulgar a obra do artista.
“Como ele deixou uma riqueza
cultural muito grande, o espaço
tem por obrigação tornar público tudo que é relacionado
a ele,” afirma Pedro Américo,
pesquisador do Memorial.
O lugar atrai a atenção por
apresentar um cenário interiorano (parede de taipa, cordéis,
santos como São João Menino e
Frei Damião e candeeiros) justamente para mostrar ao público
a realidade do ambiente sertanejo. Associado à arquitetura,
encontra-se um vasto acervo
distribuído entre livros, discos,
documentários, fotos, depoimentos e DVDs. Diariamente,
grupos de escola e turistas vão à
galeria conferir o setor educativo, de pesquisa e de música. “As
pessoas que vêm aqui se interessam muito em pesquisá-lo, ler
os livros, assistir aos documentários e escutar suas músicas”,
diz Marcos Leite, estudante de
Ciências Sociais e estagiário do
memorial. “Ouvi falar daqui.
Gosto demais desse compositor
e esse local preserva a memória
dele e invoca minha curiosidade”, conta o músico mineiro
Raphael Funchal, de 23 anos.
Assim como o Memorial, o
Museu do Forró Luiz Gonzaga, em Caruaru, é outro ponto
de destaque na preservação da
biografia do cantor. Idealizado
pelo Governo do Estado de
Pernambuco em 29 de maio de
1999, o espaço recebe ,em média, de 1000 a 1200 visitas por
mês. “Funcionamos de terça a
domingo. Temos vinis, sanfonas,
partituras e vários objetos pessoais dele. Quando chegam os visitantes, rapidamente eles se inte-
ressam em ver esses objetos”, diz
Samuel Musselman, turismólogo
e assessor do museu.
A popularidade do forrozeiro também alcançou a internet.
O pesquisador Paulo Vanderley,
31 anos, criou o site Luiz Lua
Gonzaga em 28 de setembro de
2005. A admiração pelo pernambucano é antiga. “Eu o ouço desde criança. Meu pai colocava as
músicas dele no carro e na vitrola
em casa”, afirma Vanderley.
Essa afinidade o instigou
a montar o guia virtual, que é
composto de vídeos, histórias e
discografias. “Escolhi a internet
porque é o meio mais democrático de acesso. O site é para fazer
justiça à memória dele”.
O escritor e jornalista Renato Phaelante conheceu Gonzaga em 1960, época em que
atuava como locutor na Rádio
Clube. Graças a tal contato, lançou o livro “Luiz Gonzaga e o
Cantar Nordestino” e reconhece a importância de relembrálo. “Foi o Pelé da música popular brasileira, o maior cantador
que o povo já viu”.
1. PEÇAS que pertenceram a
Luiz Gonzaga
2. VINIS fazem parte do acervo
do Memorial
1
Foto: Gabriela Arantes
GABRIELA ARANTES
Foto: Gabriela Arantes
Exposições perpetuam a trajetória do rei
2
O BERRO
Recife, dezembro de 2011 | 5
NILTON CÉSAR
O mercado popular da
“capital do agreste” nunca
mais seria o mesmo após o
grande sucesso da música “A
feira de Caruaru”, composta
por Onildo Almeida e eternizada na voz de Luiz Gonzaga.
Na descrição contida na
letra da música, o mercado
parece guardar um mundo em
suas barracas. Parte da letra,
Onildo atribui à sua criatividade, que, para ele, não se explica, acontece.
Para Emanuel Leite, membro da Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras, a música é a propaganda
da feira e é graças a ela que,
em 2006, o mercado ganhou
o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan).
Desde pequeno, Onildo
costumava andar pela feira
e observou que aquele não
era um mercado comum. Na
Feira de Caruaru dos anos
de 1940, o comércio de rua
vendia artigos de luxo, móveis coloniais, artesanato do
Foto: Nilton César
Feira de Caruaru rendeu disco de ouro
HOMENAGEM Estátua do
compositor na entrada da feira
mestre Vitalino, que Onildo
costumava comprar.
Hoje, a arte popular continua presente. Dos bonecos
de barro, que são famosos em
todo o país, como diz a melodia, a instrumentos musicais,
caldo de cana e eletrodomésticos, tudo isso continua presente. Mas hoje há uma invasão de
produtos vindos do Paraguai,
da China e de outros lugares.
A variedade parece não ter fim.
Para Onildo, essa diversidade
não impede que a cultura local
permaneça. Como na música
escrita há quase 60 anos, a tradição da feira é vender tudo o
que se possa imaginar, afinal,
como diz a letra, “de tudo que
há no mundo, tem na feira de
Caruaru”.
A música, inicialmente, seria gravada pelo cantor parai-
bano Jackson do Pandeiro, o
que por ironia do destino, não
aconteceu.
Certo dia, uma gravação de
“A Feira de Caruaru”, gravada
pelo próprio Onildo, estava
tocando nos estúdios da Rádio Jornal, em Caruaru, onde
o compositor trabalhava como
técnico do programa “Expresso da Alegria”. Gonzaga, que
estava lá como convidado do
programa,ouviu por acaso a
gravação e decidiu que aquele
seria seu próximo sucesso.
Onildo Almeida e Gonzaga
ficaram amigos e o compositor
chegou a produzir um show do
Rei do Baião, que reuniu 30 mil
pessoas em Caruaru.
A parceria seria abalada
quando, em uma viagem de
Gonzaga à capital do forró,
Onildo entregou-lhe uma fita
com seis gravações.
O tempo passou e quando
se encontraram novamente,
o compositor perguntou-lhe
se tinha gostado das músicas e Gonzaga nem sabia do
que Onildo falava. O poeta
jurou que o safoneiro nunca
mais gravaria uma canção sua.
Anos mais tarde, a desavença
seria desfeita quando ambos
descobriram que um produtor perdera a fita e sucessos
como “Marinheiro, marinheiro” acabaram sendo explorados por outros artistas.
Para Zélia Santos, comerciante da feira, a música
sempre será atual, pois a cada
verso, a letra se renova como
a feira da realidade, que inova
sem deixar de lado o espírito
nordestino.
Música na sala de aula, sim sinhô!
ALEXANDRE AMORIM
Com uma bagagem de
possibilidades interpretativas, as músicas cantadas por
Luiz Gonzaga, podem ser
recursos para desenvolver
atividades pedagógicas na escola. A ideia de alguns professores é fazer com que os
alunos tenham acesso a um
cardápio cultural diversificado, possibilitanto, assim, o
ensino através da troca de
identidades culturais.
Segundo Lylian Cabral,
mestranda em literatura pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um dos
pontos importantes ao trabalhar na escola o universo
cantado por Gonzaga está na
desmistificação do engessamento de uma língua e de sua
fala. “Através dessas músicas,
os alunos compreendem que
o falar do sertanejo é possível
de ser entendido. Eles percebem como a língua pode ser
discriminada por se distanciar das normas gramaticais,
mas que nas músicas os erros
da fala servem para aproximar o ouvinte do povo do
Sertão”, disse.
Já para o professor de
português Diogo Mendonça, que ensina no Colégio
Dom, a obra musical de Luíz
Gonzaga serve de apoio,
por exemplo, para explicar
as figuras de linguagem. Na
canção “Asa Branca”, escrita
em parceria com Humberto
Teixeira, os alunos podem
ver o uso das metáforas. “No
trecho: ‘quando o verde dos
teus óio se espaiá na prantação...’, o autor cria uma comparação entre a cor dos olhos
da mulher amada e o sonho
de ver a terra rica de culti-
vos”, contou Diogo.
O uso dessas figuras podem aguçar a interpretação
dos estudantes e fazê-los
compreender o assunto através da contextualização da
teoria com a prática. Outra
“É preciso
aproximar
Gonzaga
da cultura
letrada”, afirma
a mestranda
Lylian Cabral
figura bastante presente nas
letras de Gonzagão é a hipérbole, função que atribui
o exagero de algumas ações
para chamar atenção dos ouvintes. “Na música ‘A vida
do viajante’, no trecho: ‘minha vida é andar por esse
país...’, o autor intensificou
uma ação para atribuir movimento à música”, afirmou
Mendonça.
Temas como a religiosidade e o sofrimento, assuntos abordados por autores
consagrados da literatura,
como Graciliano Ramos e
João Cabral de Melo Neto,
também são encontrados
na obra do rei do baião. “É
preciso aproximar Gonzaga da cultura letrada. Assim
como esses escritores, ele
transformou em poético as
infelicidades da vida cotidiana e cantou e contou para o
Brasil um Pernambuco que
ele queria ver mudado”, afirmou Lylian.
NA FACULDADE
Para a professora de história Luciana Cavalcanti, da
Faculdade Escritor Osman
da Costa Lins (Facol), as músicas de Gonzaga são aulas
sobre o Brasil. Nelas se observa o cenário de relações
políticas, marcado pela desigualdade social, mostrando
um Luiz Gonzaga consciente
de que era porta voz das demandas do Nordeste.
“Em uma apresentação,
ainda na década de 50, ao cantar ‘Vozes da Seca’, Gonzaga
discursou no meio da canção
e agradeceu ao homem que
criou a Sudene, lançando um
— obrigado, Juscelino —,
então presidente Kubitschek.
Esse caso em especial já me
rendeu excelentes aulas de
história”, disse Luciana.
Ainda segundo Luciana
Cavalcanti, quando o professor utiliza a produção cultural
na sala de aula, ele faz com que
o aluno observe como a arte se
relaciona com a realidade.
O BERRO
6 | Recife, dezembro de 2011
Obra é marcada pela religiosidade
Mesmo vivendo em meio
a inúmeros sofrimentos e
tragédias, o sertanejo mantém sua fé inabalável. O rei
do baião, Luiz Gonzaga, cantou como poucos a identidade nordestina e o chamado
“catolicismo popular”, um
dos temas mais recorrentes
e marcantes em suas composições.
Missas, romarias e os
mais variados rituais católicos são o pano de fundo do
disco “O Sanfoneiro do Povo
de Deus”, o de maior conteúdo religioso de sua carreira,
que foi lançado por Gonzaga
no ano de 1968. Nesse disco, o Gonzaga canta desde
“Beata Mocinha”, passando
por uma louvação ao Papa
João XXIII, até chegar à espirituosa faixa “O jumento é
nosso irmão”. Ele trata da temática religiosa com bastante
leveza. “A maneira como ele
canta não é nem um pouco
anos de 1964 a 1966”, complementa.
O ritmo dançante do tradicional forró “pé-de-serra”,
com seus arranjos de sanfona, zabumba e triângulo, cede
lugar a um canto triste e melancólico, quando Gonzaga
homenageia um primo, o vaqueiro Raimundo Jacó, assassinado na cidade de Serrita,
no interior pernambucano. A
primeira Missa do Vaqueiro
foi realizada como forma de
protesto e reuniu centenas de
sertanejos de todas as partes
do Nordeste.
A canção “A morte do vaqueiro”, composta por Gonzaga e Nelson Barbalho virou
uma espécie de hino para os
sertanejos. “A música foi feita para Raimundo Jacó, mas
representa todos os homens
do sertão que desafiam a seca
e os perigos da caatinga, e,
apesar de todo o sofrimento, ainda mantém viva a sua
crença em Deus e em dias
melhores”, conta Nunes. Até
Foto: Eliane Carneiro
MARIANA LEMOS
CASA DO REI Em Exu, objetos de Gonzaga mostram sua fé católica
piegas, mas sim incrivelmente autêntica, a cara do povo
do sertão”, disse por e-mail
o poeta cearense Arievaldo
Nunes. “O disco foi lança-
do logo após um período de
crise financeira e de escassez
de shows, o que o fez atuar
como músico de estúdio e até
fazer campanha política, nos
hoje, a missa acontece anualmente em Serrita, conhecida
como a capital do vaqueiro, e
é considerada uma das maiores manifestações culturais
de todo o Sertão.
O frei Alberto Bezerra,
da Paróquia Nossa Senhora
do Carmo, interior de Sergipe, afirma que é emocionante
presenciar a fé dos fiéis que
chegam para a missa. “Eles
vêm das mais distantes cidades, algumas que eu nunca
nem tinha ouvido falar, mas
todos chegam vestidos com
aquela indumentária pesada
de couro e trazendo suas mulheres e filhos para a celebração, assim como aconteceu na
primeira missa com Gonzaga
em 1971”, afirma. Durante a
celebração a céu aberto, cerca de mil vaqueiros desfilam
em procissão, levando alguns
de seus pertences como forma de oferenda, antes de se
dispersarem para o trabalho
pesado nas fazendas do alto
sertão do Araripe.
MILTON COUTO
“Ela é tão linda é tão bela/
Aquela acácia amarela/ Que a
minha casa tem/ Aquela casa direita/ Que é tão justa e perfeita/
Onde eu me sinto tão bem.” É
com esse refrão da canção “Acácia Amarela”, que o cantor Luiz
Gonzaga e o músico Orlando
Silveira homenagearam a maçonaria, no disco “Eterno Cantador”, lançado em 1981. Para
a sociedade secreta, a acácia é a
planta que simboliza pureza e segurança. Foi no ano de 1961 que
Gonzaga ingressou na maçonaria. Hoje, a loja maçônica de Exu,
terra natal do cantor, leva o nome
do ilustre membro.
Hoje, alguns amigos relembram a participação do cantor na
sociedade secreta. É o caso do
gerente de banco Paulo Marconi
Silva, que conheceu Gonzaga em
1988, quando o banco em que
trabalhava resolveu transferi-lo
de Canapi, no sertão de Alagoas,
para Exu, sertão de Pernambuco.
Silva, que hoje mora em Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul,
disse por telefone que sempre
tinha lugar marcado para se encontrar com Gonzaga, quase todos os dias. “Quando dava umas
sete horas da noite, ia para o Parque Asa Branca ouvir os ensinamentos dele. O que mais aprendi
Gonzaga
chegou ao posto
de mestre na
sociedade.
Hoje, a loja
maçônica de
Exu leva o
nome dele
com o mestre foram duas coisas:
simplicidade e humildade. Ele
tratava as pessoas de igual para
igual., mesmo sabendo do peso
do seu nome para a cultura brasileira. De vez em quando, bate
um saudade de sentar e conversar com ele”, afirmou.
Liberdade, igualdade de direitos e obrigações sem diferença
são os três principais preceitos da
maçonaria. A sociedade possui
cerca de dez milhões de seguidores no mundo, segundo a Confederação da Maçonaria Simbólica
do Brasil. O catolicismo se opõe,
abertamente, à sociedade secreta.
Segundo o catolicismo, os fiéis
que são maçons cometem pecado e estão proibidos de comungar. Mas isso não parecia incomodar o católico Luiz Gonzaga.
O contador e maçom José
Mamoré, hoje morador de Belém, no Pará, entusiasma-se ao
contar a história dos minutos
que passou ao lado do Rei do
Baião. Em 1977, Mamoré, voltando de avião do Acre, num
voo que fez escala em Manaus.
conheceu o cantor no aeroporto
num encontro totalmente inesperado. “Me dispersei dos amigos e dei de cara com meu ídolo
em carne e osso, no aeroporto
de Manaus. Cheguei perto dele
e falei uma frase maçônica. Ele
me respondeu: ‘Tão novinho e
já é um irmão’.”
Coincidentemente, o voo de
Mamoré era o mesmo de Gonzaga. Sabendo da presença do
fã no avião, o músico pediu que
Foto: Arquivo Pessoal
Maçonaria foi homenageada com baião
PROSA Quase todas as tardes, Marconi encontrava o ídolo
ele fosse para onde estava, na
primeira classe. “Mestre Lua me
disse que estaria em Belém no
mês seguinte e que queria jantar
comigo no hotel.” Trinta dias se
passaram e, no dia da apresentação na capital paraense, Mamoré
não conseguiu sequer dormir direito. No quarto, Gonzaga interpretou algumas músicas, entre
elas “Acácia Amarela”, apesar
de a canção ainda não ter sido
gravada na época. “Ele disse que
era um presente para mim, em
primeira mão”, falou.
O Rei do Baião passou pelo
posto de aprendiz, companhei-
ro e, perto de morrer, chegou a
ser mestre maçom, cujo dever é
entusiasmar os outros seguidores
a seguirem acreditando na sociedade. Apesar de chegar a esse
posto, ele não era assíduo. “Não
tinha muito tempo para se dedicar, sempre estava viajando. Mas
era fervoroso”, afirmou Paulo
Marconi Silva. Doente, já de cadeira de rodas, o Rei do Baião se
apresentou na loja de Exu e cantou “Acácia Amarela” para uma
plateia de amigos maçons, inclusive Paulo Silva. “Todos ficaram
emocionados. Inclusive ele, que
chorou”, relembra Silva.
O BERRO
Recife, dezembro de 2011 | 7
CAMILA LINDOSO
Uma tradição passada de pai para filho. Foi ainda quando criança que Luiz
Gonzaga aprendeu a tocar a sanfona de
oito baixos do pai Januário. Conhecida
no Nordeste como fole de oito baixos,
concertina ou pé-de-bode, o instrumento é considerado um símbolo da música nordestina. Hoje, há incentivos para
manter viva a sanfona que foi essencial
tanto para Gonzagão quanto para a trajetória de outros sanfoneiros.
Arlindo dos Oitos Baixos, morador
do bairro de Dois Unidos, no Recife,
é um dos músicos que consagraram a
carreira junto ao instrumento. “A mais
moderna, como a de 80 e 120 baixos,
tem uma nota só abrindo e fechando.
Mas a de oito baixos não. Quando aperta um dos botões sai uma nota quando
fecha e outra quando abre a sanfona”,
explica Arlindo. Segundo o músico, o
instrumento, além de ser mais difícil de
tocar, ainda possui uma afinação diferenciada dos demais.
Arlindo nasceu na cidade de Sirinhaém, Zona da Mata Sul de Pernambuco, em 1942, e aprendeu a tocar
com o pai ainda criança. Mas foi em
um show na exposição de animais do
Recife que conheceu o Rei do Baião.
Foto: Fábio Jardelino
A tradição dos oito baixos
ACORDEOM Em casa, Arlindo mantém
um espaço para os instrumentos
“Com o tempo ele me convidou para
alguns eventos em São Paulo e no Rio
de Janeiro e, depois disso, toquei junto
com ele cerca de 20 anos”, conta o músico, que, ainda nesse tempo, começou
a fazer carreira solo com o fole de oito
baixos por influência de Gonzaga. Devido à diabetes, Arlindo perdeu completamente a visão, mas, segundo ele,
isso não o impediu de realizar shows e
repassar os ensinamentos musicais.
De acordo com a historiadora Lêda
Dias, que pesquisa por conta própria
a história do acordeom, desde 2007
está havendo a crescente procura pelo
fole de oito baixos, tanto no Nordeste
quanto no Sul e Sudeste. “Acabou essa
história de que esse tipo de arcodeom
está desvalorizado”, diz a historiadora.
Segundo ela, existem incentivos públicos e privados, como escolas e cursos,
voltados para o instrumento, além de
instituições que investem nos alunos interessados. “Em Caruaru, existe a Escola de Sanfona de Oito Baixos. Em Santa
Cruz do Capibaribe tem a Orquestra
Sanfônica de Oito Baixos e em Salgueiro já aconteceu o primeiro Encontro de
Sanfoneiros”, conta Dias.
Questionada sobre a transmissão
dos ensinamentos da sanfona, a historiadora diz que hoje a tradição continua
sendo oral. “Ainda não existe um método estabelecido para ensinar oito baixos.
Tudo é através da prática”, conta ela.
De acordo o músico e compositor
pernambucano Herbert Lucena, criador do selo Coreto Records, que já gravou CDs de diversos artistas regionais, o
fole de oito baixos foi e continua sendo
a base das músicas juninas: “Ouço muitos discos antigos do gênero e noto que
na maioria deles a sanfona de oito baixos está sempre presente”.
GABRIELLE BUARQUE
Muitos foram os discos gravados por Luiz Gonzaga, ao longo
de sua carreira. Hoje, com a venda
de produtos piratas e a força dos
downloads, ter a coleção completa
de LPs e CDs do compositor pernambucano é privilégio de colecionadores. A maioria das lojas da
Região Metropolitana do Recife
dispõe de CDs de Gonzaga, com
preços que variam entre R$ 9,90
a R$ 30,00. Por este último preço
também podem ser adquiridos outros formatos, como o DVD “Danado de bom”.
Apesar de todos os recursos
que vêm sendo usados, as pessoas
continuam comprando CDs. Um
recurso utilizado por algumas lojas
é a encomenda do disco, se ainda
tiver no fornecedor. Segundo Fábio de Melo, dono da loja Passadisco, não existe dificuldade em
vender os CDs do cantor. “Luiz
Gonzaga é um artista que vende o
ano todo. E tanto é que gravadoras lançam e relançam títulos dele
mesmo fora do período junino.”
Foto: Gabrielle Buarque
Discos preservam clássicos do forró
DISCOS DE VINIL Registram a obra do compositor pernambucano
Na Disco Mania, loja de vinis
usados, encontram-se obras de
Luiz Gonzaga por, no máximo,
R$ 10,00, devido à facilidade de
localização da sua discografia.
A dificuldade existente no vinil
é o toca-disco, pois não é possível
escutar sem o aparelho específico.
O mercado já recomeçou a criar
equipamentos, ainda economicamente inacessíveis à grande maioria. Mas o dono da loja Disco
Mania,Valdemar Oliveira, afirma
que isso não é problema. “Aqui
na minha loja eu vendo em média três por semana. É um objeto
muito procurado e sempre tem alguma encostada. Hoje vendo uma
radiola usada por R$ 150,00, R$
250,00.”
Porém, no final, o importante
é o valor das músicas de Gonzagão no cenário sóciocultural do
Estado, como diz o músico Marcelo Melo, do Quinteto Violado, banda que já tocou com Luiz
Gonzaga. “Trata-se de uma genialidade que surgiu para ficar na história da música popular brasileira.
É uma unanimidade nacional que
influenciou e influenciará muitas
gerações em nosso país”, afirma.
Uma legião
de herdeiros
BEATRIZ BRAGA
Luiz Gonzaga saiu do Sertão do
Araripe com sua sanfona e mudou
a história da música brasileira. A
influência do cantor chegou a outros estilos, não apenas o forró e
seus derivados, como o movimento artístico Tropicalismo. O cantor
era mestre, ainda, na solidariedade
e, sendo assim, grandes artistas tiveram seu apoio para continuar a
tradição do Baião. Hoje, a qualidade do forró brasileiro deve muito
à visão artística de Luiz Gonzaga.
“Ele olhou para mim e falou: você
tem uma voz muito boa para o forró, por que não canta?” disse Nadia Maia, cantora pernambucana
há 18 anos, uma das herdeiras da
obra do Rei. Gonzaguinha,
Domiguinhos,
Santanna e Nadia Maia são apenas alguns dos cantores cuja vida
profissional Luiz Gonzaga influenciou. Ao lado de Humberto Teixeira, popularizou e definiu um ritmo
próprio do Nordeste. Por meio do
rádio, levou sua invenção safona
– zambuba e triângulo às casas de
brasileiros das cinco regiões. “A
coisa de Luiz Gonzaga era inventar moda. Ele fez coisa que ninguém tinha pensado antes”, disse
Dominguinhos, que começou sua
carreira com um presente do cantor, uma sanfona, e se tornou um
de seus maiores seguidores.
Apesar de hoje a influência de
Gonzaga nas gerações que lhe sucederam ser evidente, na época, o
artista encontrou algumas dificuldades. O diretor Fernando Lobo,
por exemplo, o proibiu de cantar,
chamando sua voz de “taboca raxada”. Mas sua obra logo virou
febre nacional. Caetano Veloso e
Gilberto Gil, pais do Tropicalismo,
consideram Luiz Gonzaga responsável pela qualidade das primeiras
músicas que deram início ao movimento revolucionário verde e
amarelo.
A contribuição e o legado de
Gonzaga à música e cultura brasileira são incontestáveis. “Ele cantava o Nordeste de forma enriquecedora e era atualíssimo. Até hoje,
suas músicas continuam a falar da
realidade”, lembra Nadia Maia. A
maior herdeira da música do cantor, sem dúvidas, é a cultura brasileira, que terá, sempre, lembranças
da riqueza musical inventada pelo
nordestino.
O BERRO
8 | Recife, dezembro de 2011
Músico mantém acesa a chama do baião
Em 1989, o Nordeste
perdia um de seus maiores
defensores e divulgadores.
O baião, ritmo que ajudou a
consagrar, perdia o seu Rei.
Por onde passou, Luiz Gonzaga deixou sua marca ao
cantar os problemas e lutas
do sertanejo. Ao deixar os
palcos, a música dele continuou ecoando. A forma
como cantou suas canções
inspirou novas gerações que
mantêm viva a memória do
Rei do Baião.
Com chapéu de couro,
gibão, óculos escuros e uma
voz grave, Antônio Evangelista da Costa, de 64 anos,
mais conhecido como Toinho do Baião, emociona
muita gente por conta das
semelhanças com o ídolo.
Há mais de 40 anos ele interpreta as músicas do grande mestre.
ficou conhecido foi dado
por Luiz Gonzaga de uma
forma inusitada, no primeiro dos muitos encontros que os dois tiveram.
“Esse dia foi muito emocionante. Eu quase morri
do coração. Eu fui fazer
um teste para cantar numa
casa de show em Olinda
e, quando eu olhei, vinha
um morenão em minha direção, de mãos dadas com
dona Helena. Quando eu
olhei bem, era o rei do
Baião”, disse. A semelhança entre as vozes era tão
grande que o Gonzaga ficou em dúvida se Toinho
estava realmente cantando.
O diálogo do primeiro
encontro continua preservado nas lembranças de
Toinho. “O palco onde estava era baixinho, ele chegou perto de mim e pediu
ajuda para subir no palco.
Ele perguntou meu nome e
Foto: Arquivo pessoal
ANDRÉ AMORIM
PARCERIA Toinho do Baião toca ao lado de Luiz Gonzaga
Natural de Vitória de
Santo Antão, o primeiro
contato de Toinho do Baião
com a música de Luiz Gonzaga foi aos sete anos de
idade. “Asa branca” e outros sucessos fizeram parte
da infância do cantor. Dez
anos mais tarde, quando
conheceu a primeira namorada, ele se viu desafiado
pela paixão a cantar como
o ídolo. “Ela gostava muito de escutá-lo. Ela dizia
que achava a voz dele muito
bonita e que nunca ia aparecer uma voz como a dele.
Eu tomei aquilo como um
desafio e como eu gostava
muito dela, tentei cantar
como ele”, disse.
O que começou como
um desafio, logo virou trabalho. O nome com o qual
eu respondi. Foi então que
ele disse que a partir daquele dia meu nome seria Toinho do Baião”, relembra.
Naquele dia, Gonzaga disse: “Você foi o único cabra
que me fez parar o carro
para confirmar se você estava cantando mesmo. Sua
voz é idêntica à minha.”
O encontro abriu as
portas para que Toinho participasse de alguns shows
com o ídolo, como tocador
de triângulo e cantor. “Muitas vezes, quando ele estava
muito debilitado, ele perguntava se eu sabia a letra
e então dizia para eu cantar
poque ele estava cansado”,
disse.
Os momentos juntos
renderam muitas histórias e
boas lembranças. Por conta da semelhança entre os
dois, a pergunta que Toinho
mais escutava era se Luiz
Gonzaga não era seu pai.
ANDRÉ LUFRAMAIA
“Tá é danado de bom. Tá
danado de bom, meu compadre.
Tá é danado de bom, forrozinho,
bonitinho, gostosinho, safadinho,
danado de bom.” A letra é facilmente reconhecida. O leitor também deve recordar dessas outras
músicas: “Nem se Despediu de
Mim”, “Pagode Russo” e “Deixa
a Tanga Voar”. Todas elas foram
consagradas na voz de Luiz Gonzaga, mas, muita gente não sabe
que a autoria delas, pertence a outro pernambucano que também
nasceu com talento para o forró.
O compositor João Silva, nascido em Arcoverde, é o responsável por todas elas e outras duas
mil canções. Foi na adolescência
que ele despertou para a música e
tornou-se um dos principais compositores e amigos de Gonzaga.
Afinal, foram nada menos
que 130 canções próprias eternizadas na voz do Rei do Baião
e inúmeras vendagens de discos
até o último trabalho “Aquarela
Nordestina”, em 1989. Esse simpático senhor de 77 anos, de fala
enfática e timbre forte, coleciona
vários títulos, mas um enche o
peito de orgulho: o de ser o compositor que mais teve canções
gravadas pelo cantor.
De acordo com o pesquisador Cícero Lisboa, uma das principais distinções de João Silva, foi
a força de sua musicalidade. “Ele
entrou na vida de Luiz na metade
da década de 1970 pra cá. Mas foi
em 1980 que ele consagrou a carreira do cantor com um sucesso
atrás do outro. João foi o principal parceiro de Gonzaga. Se não
o maior.”
A relação entre eles começou
no Rio de Janeiro, por intermédio
da ambição da RCA, a gravadora
do rei, ao convidál-o para produzir o novo disco “Danado de
Bom”, com o objetivo de chegar
as 100 mil cópias (disco de ouro).
O trabalho rendeu seis discos de
ouro e, chegou a um milhão de
cópias vendidas. Um resultado determinante para torná-lo o compositor e produtor musical exclusivo do artista famoso de Exu.
“Gonzaga só veio ganhar muito
dinheiro quando veio parar em
minhas mãos. Eu coloquei o rei
nos braços do povo novamente.”
Silva destaca ainda, que produziu
outros nove discos e um saldo de
11 milhões de LPs vendidos.
Mesmo estando no Rio, João
tinha que se deslocar para Exu,
nos meses de setembro, para discutir os lançamentos. O entrosamento entre eles era confortável.
“Quando eu levava minhas letras
e o repertório do disco em fitas
cassete, eu tinha que cantar todas
elas para ele ouvir. Em seguida,
Gonzaga pegava a sanfona e procurava ritmar as músicas do jeito
dele. Feitos os ajustes, eu voltava
para o Rio e começava a produção no estúdio, até ele ir à gravadora para colocar a voz final.”
Para o escritor e pesquisador
José Maria Marques, autor do livro “Mestre João Silva: Pra não
morrer de tristeza, o maior parceiro de Luiz Gonzaga” (edições
Bagaço), essa intimidade facilitou
a parceria e mostrou novos paradigmas. “Suas composições
trouxeram um bom humor às
músicas de Gonzagão. Revelou
a modernidade na época, com
letras bem rimadas. O povo não
queria mais saber das tristezas do
sertão, queria cantar suas alegrias”,
disse Marques.
Após a morte do cantor em
1989, João Silva ficou morando
Foto: André Luframaia
João Silva, um parceiro em 130 músicas
SILVA é autor de letras como “Pagode russo“ e “Danado de bom”
no Recife e sobrevive dos direitos autorais. Em 2009, gravou o
CD “Sertão Puro” e planeja lançar outro trabalho em 2012, além
do documentário “Recordações
Nordestinas”, produzido pela
cineasta Deby Brennand, que vai
narrar a vida do principal parceiro do Rei do Baião. Mais uma
conquista que vai orgulhar a mulher, os cinco filhos, cinco netos,
um bisneto e toda uma legião de
fãs de João Silva e de Luiz Gonzaga em todo o Brasil.
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