UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO QUALITTAS PÓS GRADUAÇÃO CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS DEGENERAÇÃO DA RETINA CAUSADA PELO USO DE QUINOLONAS EM GATOS – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Leandro Kiyoshi Yamamoto Londrina, 2015. LEANDRO KIYOSHI YAMAMOTO Aluno do Curso de Pós Graduação em Medicina Veterinária do Instituto Qualittas e UCB DEGENERAÇÃO DA RETINA CAUSADA PELO USO DE QUINOLONAS EM GATOS – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Trabalho monográfico de conclusão do curso de Pós Graduação (TCC), apresentado à UCB como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais, sob a orientação do Prof. Dr. João Alfredo Kleiner. Londrina, 2015. DEGENERAÇÃO DA RETINA CAUSADA PELO USO DE QUINOLONAS EM GATOS – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Elaborado por Leandro Kiyoshi Yamamoto Aluno do Curso de Pós Graduação em Medicina Veterinária do Instituto Qualittas e UCB Foi analisado e aprovado com grau:........................... Londrina, ____de______________de_________. _____________________ Membro _____________________ Membro _____________________ Prof. Orientador Londrina, 2015. Agradecimentos Agradeço primeiramente aos meus pais, Edison e Célia Yamamoto, que me educaram e me deram todas as oportunidades para que eu alcançasse meus objetivos, com muito amor, dedicação, paciência, companheirismo e luta. Aos meus irmãos Rafael e Caroline, pelo companheirismo e a amizade de sempre. A minha noiva, Patrícia Ochi, que com amor, carinho, paciência, apoio, incentivo, parceria, brincadeiras e compreensão, me fez uma pessoa mais forte quando eu precisava, e com sua sabedoria, perseverança e amor a profissão me faz um profissional cada vez melhor. Ao meu orientador Dr. João Alfredo Kleiner, médico veterinário oftalmologista, que se dispôs de seu tempo e conhecimento a me ensinar e orientar nesse trabalho. Aos mestres, que se dedicaram a nos ensinar o que era preciso saber para seguir em frente, repassando da melhor forma seus conhecimentos. As demais pessoas, que participaram dessa conquista, mesmo que em pequena parcela. iii Resumo As quinolonas são um grupo de substâncias químicas antibacterianas, com grande aplicação tanto em Medicina Humana como em Medicina Veterinária. A intensa utilização, associada a um aumento de dose e frequência de administração, aumentaram os relatos de casos de reações adversas que não eram observados antes. A degeneração da retina associada ao uso de quinolonas é uma dessas reações, descrita como aguda e geralmente irreversível. A fisiopatologia ainda não é bem definida e existem várias suposições sobre o efeito das quinolonas nos olhos dos gatos. Os sinais clínicos incluem diminuição da visão com início agudo, midríase e reflexo pupilar lento ou ausente. O diagnóstico é feito através do histórico de uso da medicação, sinais clínicos, exame de fundo de olho e eletrorretinografia. Não existe tratamento especifico, sendo indicada a interrupção imediata do fármaco. Palavras chave: Degeneração de retina, Quinolonas, Gatos. Abstract Quinolones are one group of antibacterial drugs with great application in human medicine as in Veterinary Medicine. The intense usage associated with high doses and frequency of administration, increases reports that were not observed before. Retinal degeneration is one of the side effects described as acute and usually irreversible. The pathophysiology is not very well defined yet and there are many theories about the effect of quinolones in the eyes of cats. The clinical signs include decreased vision with acute onset, mydriasis and slow or absent pupillary light reflex. The diagnosis is confirmed by the history of medication administration, clinical signs, fundic exam and electroretinography. There is no specific treatment and immediate interruption of the drug is advised. Key words: Retinal degeneration, Quinolones, cats. iv Sumario Resumo .............................................................................................................. iv Abstract .............................................................................................................. iv Sumario .............................................................................................................. v Lista de figuras ................................................................................................... vi 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 7 2 ANATOMIA DO OLHO .................................................................................... 7 3 ANATOMOFISIOLOGIA DA RETINA ............................................................ 10 4 INTERPRETAÇÃO DO FUNDO DE OLHO NORMAL .................................. 12 5 PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FLUOROQUINOLONAS ....... 15 6 DEGENERAÇÃO DA RETINA CAUSADA PELO USO DE FLUOROQUINOLONAS EM GATOS ...................................................................................................... 17 6.1 FISIOPATOLOGIA .................................................................................. 17 6.2 SINAIS CLÍNICOS .................................................................................. 18 6.3 DIAGNÓSTICO ....................................................................................... 19 6.4 TRATAMENTO ....................................................................................... 23 7 CONCLUSÃO................................................................................................ 23 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 25 v Lista de figuras Figura 1 - Ilustração da anatomia óssea de crânio de gatos. ...................................... 8 Figura 2 – Ilustração dos músculos extraoculares. ..................................................... 9 Figura 3 – Ilustração resumida das estruturas oculares. ............................................. 9 Figura 4 – Ilustração resumida das estruturas oculares dos gatos. .......................... 10 Figura 5 – Ilustração das camadas da retina............................................................. 12 Figura 6 - Exame de fundo de olho com oftalmoscópio direto................................... 13 Figura 7 – Exame de fundo de olho com oftalmoscópio indireto. .............................. 13 Figura 8 - Imagem de fundo de olho de gato normal................................................. 14 Figura 9 - Imagem de fundo de olho de gato normal. ................................................ 14 Figura 10 - Fórmula estrutural das quinolonas .......................................................... 16 Figura 11 - A degeneração da retina em um gato. Diâmetro dos vasos sanguíneos é diminuída, e o aumento do reflexo tapetal está presente. Um achado incidental é a presença de vasos sanguíneos que atravessa o disco óptico. ................................. 20 Figura 12 – Degeneração da retina em um gato. Aumento do reflexo tapetal, quase completo desaparecimento dos vasos sanguíneos e atrofia óptica estão presentes. .................................................................................................................................. 20 Figura 13 - A degeneração da retina em um gato com aumento do reflexo tapetal, atenuação vascular e atrofia de nervo óptico. ........................................................... 20 Figura 14 – Exame de Eletrorretinografia. ................................................................. 21 Figura 15 – Aparelho de eletrorretinografia. .............................................................. 21 Figura 16 – Exame normal de eletrorretinografia. ..................................................... 22 Figura 17 – Exame de eletrorretinografia alterado, sem presença de ondas (Flat line). .......................................................................................................................... 23 vi 1. INTRODUÇÃO Em gatos, o uso terapêutico da enrofloxacina tem sido associado à degeneração retiniana, irreversível e cegueira (FORD et. al., 2007). Gelatt et al (2001) observou alterações no olho de 17 gatos tratados com altas doses de enrofloxacina (6 a 10 vezes acima da dose). As fluoroquinolonas em doses elevadas interrompe a transmissão dos impulsos nervosos para a retina e possui efeitos adversos nas funções neurológicas e da retina felina, levando a sinais sistêmicos e oftalmológicos (FORD et al, 2007). Altas doses da droga, longos tratamentos e exposição excessiva à luz solar estão associadas ao aumento da severidade da degeneração (WIEBE & HAMILTON, 2002). Alterações similares são observadas em experimentos com gatos com administração de orbifloxacina (KAY-MUGFORD, 2001). Dois fármacos têm sido relatados por causarem degeneração retiniana em gatos. A combinação de metilnitrosoureia e cloridrato de cetamina induzem essa degeneração (GELLAT, 2001). Degeneração de retina induzida pelas quinolonas não tem sido relatada pelos fabricantes da marbofloxacina. Durante o estudo de ISHAK et al (2008), a administração de marbofloxacina parecia não ter efeitos adversos sobre o fundo de olho de gatos tratados com a dose de 2,75mg/kg. Admite-se que a incidência de toxicidade retiniana seja de 1 entre 122.414 casos (LAUS et al., 2011). 2. ANATOMIA DO OLHO Os olhos são compostos por estruturas diversas, as quais encarregam da proteção, nutrição, acomodamento e percepção da luz para poder focar a imagem de algum ser visual (SLATTER, 2001). Os olhos são órgãos sensitivos complexos que evoluíram de primitivas áreas sensíveis à luz, na superfície dos invertebrados. Protegidos por uma estrutura óssea, muscular e cutânea, os olhos possuem uma camada de receptores, um sistema de lente para focalização da luz e um sistema de 7 nervos para condução dos impulsos dos receptores para o cérebro (CUNHA et al., 2008). A órbita é a fossa óssea que separa o olho da cavidade craniana. Envolve, protege e fornece vários caminhos, através de forames, para os vários vasos sanguíneos e nervos envolvidos na função ocular (Figura 1) (GELLAT, 2013). O bulbo ocular encontra-se “acolchoado” no interior da órbita, com as pálpebras oferecendo proteção anterior. Ele é aproximadamente esférico em cães e gatos e seu tamanho varia muito (TURNER, 2010). Figura 1 - Ilustração da anatomia óssea de crânio de gatos. Fonte: DONE et al. 2009. O olho é constituído pelas túnicas fibrosas (esclera e córnea), vascular (úvea) e interna (retina). A úvea é constituída pela íris, corpo ciliar e coroide (EURIDES e DA SILVA, 2013). No espaço entre a íris e a córnea, existe o Humor aquoso, produzidos pelas células do epitélio do corpo ciliar. O Humor vítreo se encontra entre a retina e o cristalino, preenchendo a câmara posterior do olho (Figura 3). 8 Figura 2 – Ilustração dos músculos extraoculares. Fonte: TURNER, 2010. Figura 3 – Ilustração resumida das estruturas oculares. Fonte: SLATTER’S FUNDAMENTALS OF VETERINARY OPHTHALMOLOGY 9 Figura 4 – Ilustração resumida das estruturas oculares dos gatos. Fonte: Hill's Pet Nutrition, from the Atlas of Veterinary Clinical Anatomy. 3. ANATOMOFISIOLOGIA DA RETINA A retina é uma membrana delgada que recobre o interior do bulbo ocular, desde a margem pupilar da íris até o disco óptico. Sua face externa repousa sobre a túnica vascular (coroide, corpo ciliar e face posterior da íris) e sua face interna está em contato com o corpo vítreo (na câmara vítrea) e com o humor aquoso (na câmara posterior) (EURIDES e da SILVA, 2013). O nervo óptico e a retina são derivados da parte frontal do cérebro. Consequentemente, sua morfologia e fisiologia são semelhantes aos do cérebro. A retina sensorial está ligada ao cérebro pelo nervo óptico e das suas vias ópticas. Células fotorreceptoras da retina compreendem uma camada complexa de células especializadas, os cones e bastonetes, que contêm fotopigmentos que mudam conforme a exposição a luz e produzem energia química. Esta energia é convertida em energia elétrica, que em último momento é transmitido para o córtex visual do cérebro (GELATT, 2013). Os cones são para a visão colorida enquanto os bastonetes respondem a todo o espectro visual. Tanto os bastonetes quanto os cones fazem conexões sinápticas diretas com Inter-neurônios chamados de células bipolares, os quais conectam os receptores com as células ganglionares. Os axônios das células 10 ganglionares conduzem potenciais de ação para o cérebro, através dos nervos ópticos (CUNNINGHAM, 2004). Dois tipos de inter-neurônios modificam o fluxo de informação nas sinapses entre os receptores, as células bipolares e as células ganglionares: as células horizontais e as células amácrinas. As células horizontais medeiam as interações laterais entre os fotorreceptores e as células bipolares. As células amácrinas medeiam as interações laterais entre as células bipolares e as células ganglionares (CUNNINGHAM, 2004). Ela recebe quase toda sua alimentação a partir dos capilares da coróide, mas uma pequena quantidade deriva do vítreo. O vítreo é um dos meios de transporte do bulbo ocular. Fornece uma pressão que é fundamental no posicionamento da retina, exercendo uma força contra o epitélio pigmentar da retina (GELATT, 2003). A retina tem uma das mais altas taxas de metabolismo de qualquer tecido do corpo, se uma fonte de nutrição é interrompida, irá ocorrer uma isquemia, o que pode levar a completa perda da função retiniana (GELATT, 2013). A retina é uma estrutura muito complexa composta por dez camadas. Nove destas camadas formam a retina neurossensorial, enquanto a última e mais externa camada é o epitélio pigmentado da retina (Figura 5) (TURNER, 2010). 11 Figura 5 – Ilustração das camadas da retina. 1) Membrana limitante interna; 2) Camadas de fibras do disco óptico; 3) Camada de células ganglionares; 4) Camada plexiforme interna; 5) Camada nuclear interna; 6) Camada plexiforme externa; 7) Camada nuclear externa; 8) Membrana limitante externa; 9) Camada de fotorreceptores; 10) Epitélio pigmentado da retina; 11) Coroide; 12) Esclera; A) Célula de Muller; B) Célula amácrina; C) Célula horizontal; D) Cones; E) Bastonetes; F) Tapetum. Fonte: TURNER, 2010. 4. INTERPRETAÇÃO DO FUNDO DE OLHO NORMAL A observação da retina por meio de oftalmoscopia na identificação das alterações requer grande experiência e treinamento por parte do clínico. Devem-se investigar alterações na coloração da retina e na aparência geral, incluindo o nervo óptico. Quanto à coloração, pode-se observar aumento na refletividade da área tapetal, pigmentação sobre a área tapetal, perda de pigmento ou pigmentação da área não tapetal, exsudatos retinianos e hemorragias sobre, dentro e abaixo da retina. Deve-se, ainda, identificar a presença de descolamento de retina e atenuação dos vasos retinais (FEITOSA, 2008). 12 Os oftalmoscópios são instrumentos que contém uma fonte luminosa e uma serie de lentes e espelhos. O objetivo é visualizar as estruturas localizadas no segmento posterior do globo ocular. Existem vários modelos de oftalmoscópios, mas apenas dois métodos de oftalmoscopia, o direto (Figura 6) e o indireto (Figura 7) (monocular e binocular) (FEITOSA, 2008). Figura 6 - Exame de fundo de olho com Figura 7 – Exame de fundo de olho com oftalmoscópio direto. oftalmoscópio indireto. Fonte: Dr. João Alfredo Oftalmologia Veterinária) Kleiner (Vetweb Fonte: Dr. João Alfredo Kleiner (Vetweb Oftalmologia Veterinária) O fundo do olho é dividido em fundo tapetal e não tapetal. Na área tapetal (Tapetum lucidum), as células do epitélio pigmentar não possuem melanina, desta maneira é uma região brilhante (GELATT, 2003). Na maioria dos animais, o tapetum está presente na metade dorsal do fundo do olho (a camada reflexiva da coroide adjacente à retina). O fundo não tapetal compõe o restante da área e é normalmente pigmentado, devido à presença de melanina no epitélio pigmentado da retina, a qual corresponde à camada mais externa da retina (TURNER, 2010). O disco do nervo óptico é uma área situada ao fundo do bulbo do olho, logo abaixo do polo posterior e correspondente à área crivosa esclera, por onde penetram os feixes de axônios, provenientes da retina e que irão formar o nervo óptico. No centro do disco do nervo óptico observa-se uma pequena depressão, a escavação do disco, chamada de papila de Bergmeister (EURIDES e da SILVA, 2013). Em geral, o disco óptico é mielinizado nos cães, resultando em uma 13 aparência aveludada e esbranquiçada, enquanto nos gatos é menor e mais escura, em razão de uma falta normal de mielina (TURNER, 2010). Os vasos retinianos nos gatos possuem uma distribuição holangiótica. Isto significa que há três ou quatro pares de arteríolas e vênulas irradiando do disco óptico e depois se ramificando. As arteríolas e vênulas são mais difíceis de distinguir uma da outra nos gatos, pois possuem calibres e tamanhos similares (Figura 8 e 9) (TURNER, 2010). Figura 8 - Imagem de fundo de olho de gato normal. Fonte: TURNER, 2010. Figura 9 - Imagem de fundo de olho de gato normal. Fonte: Dr. João Alfredo Kleiner (Vetweb Oftalmologia Veterinária) 14 5. PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FLUOROQUINOLONAS As quinolonas são um grupo de substâncias químicas antibacterianas, com grande aplicação tanto em Medicina Humana como em Medicina Veterinária (GÓRNIAK, 2006). Elas surgiram, acidentalmente, como produto secundário da síntese de um agente antimalárico, de atividade antibacteriana conhecida e comprovada, a cloroquina. A substância foi descoberta em 1962 por George Lesher e colaboradores através de uma destilação, durante a síntese de cloroquina. No entanto, este produto secundário revelou possuir também atividade antimicrobiana, surgindo assim a primeira quinolona: o Ácido Nalidíxico (ANDRIOLE, 2000; HIGGINS et al., 2003). O ácido nalidíxico foi a primeira quinolona a ser introduzida, seguindo-se a flumequina e o ácido oxonílico, sendo então denominadas quinolonas de primeira geração (APPELBAUM; HUNTER, 2000). Devido à grande eficiência contra a maioria das Enterobacteriaceae, este grupo tornou-se de escolha no combate de infecções urinárias de difícil tratamento; por outro lado nenhuma destas quinolonas de primeira geração possui qualquer atividade contra Pseudomonas aeruginosa, anaeróbios e bactérias Gram-positivas (GÓRNIAK, 2006). Na década de 1980, intensas pesquisas realizadas a partir destas primeiras quinolonas originaram as denominadas quinolonas de segunda geração, a partir de então denominadas fluoroquinolonas, sendo as principais representantes a enrofloxacina, orbifloxacina, difloxacina e marbofloxacina (exclusivamente de uso veterinário), e também norfloxacina, ciprofloxacina, ofloxacina, lomefloxacina e pefloxacina (GÓRNIAK, 2006). Esta combinação levou a um maior espectro de ação, a um aumento da capacidade das quinolonas penetrarem na parede bacteriana levando, consequentemente, a uma melhor atividade contra bactérias Gram-negativas, passando a abranger algumas espécies Gram-positivas e atingiu um perfil farmacocinético melhor, chegando a ter uma atividade antibacteriana 1.000 vezes superior à observada pelo ácido nalidíxico, seu antecessor (SOUSA, 2007). As quinolonas de terceira geração, a levofloxacina e a esparfloxacina, além de atuarem nos microorganismos sensíveis às quinolonas de segunda geração, são eficientes no combate ao S. pneumoniae. Existem também as quinolonas de quarta geração, como a trovafloxacina e moxifloxacina, as quais possuem potente atividade 15 contra anaeróbios. Entretanto pelos seus efeitos colaterais graves, descritos para o ser humano, como necrose hepática e alteração do sistema nervoso central, este quimioterápico é de uso restrito em hospitais, para que haja monitoramento constante. Recentemente, foi lançada, para uso humano, a gatifloxacina, a qual, além de possuir grande eficácia no combate a todos os microrganismos sensíveis às novas quinolonas, tem excelente ação contra S. aureus resistentes à meticilina e ao S. pneumoniae (GÓRNIAK, 2006). A estrutura química geral das quinolonas (Figura 10) contém dois anéis quinolônicos, com um átomo de nitrogênio na posição 1, um grupo carbonila na posição 4 e um grupo carboxila na posição 3. De acordo com a composição química desses anéis, as quinolonas se classificam em diferentes grupos. A incorporação da molécula de flúor na posição 6 do anel quinolônico aumentou a afinidade de ligação específica e facilitou a penetração desses agentes na célula bacteriana, proporcionado um importante aumento na potência destes fármacos contra bactérias Gram-negativas, e ampliando o espectro de ação para as Gram-positivas (DOMAGALA et al., 1986; SADER, 1999). As quinolonas comercialmente disponíveis no Brasil, possuem um átomo de flúor na posição 6 do duplo anel (fluoroquinolonas). Moxifloxacino e gatifloxacina incorporam ainda um radical metóxi na posição 8 e, por isso, tem sido denominadas C8- metóxi-quinolonas. Sua diferença está relacionada à ligação específica dentro da célula bacteriana (SADER, 1999). Figura 10 - Fórmula estrutural das quinolonas Fonte: SADER, 1999. 16 As quinolonas são antimicrobianos bactericidas e sua atividade antimicrobiana se relaciona com a inibição das topoisomerases bacterianas do tipo II, também conhecida como DNA girase. As topoisomerases são enzimas que catalisam a direção e a extensão do espiralamento das cadeias de DNA. Assim, embora as quinolonas possuam diferentes características de ligação com a enzima, todos estes quimioterápicos inibem a DNA girase, impedindo o enrolamento da hélice de DNA numa forma superespiralada. Em mamíferos existem algumas topoisomerases, entretanto as quinolonas não possuem ação sobre estas enzimas (GÓRNIAK, 2006). No que se refere à farmacocinética, após a administração por via oral (principal via de administração), as quinolonas são rapidamente absorvidas por animais monogástricos e pré-ruminantes. Por outro lado, o pico máximo de concentração sérica varia conforme a espécie animal; assim, por exemplo, após a administração oral de enrofloxacina, esta fluoroquinolona atinge o pico máximo de concentração sérica 0,5, 0,9, 1,4, 2,4, e 5,4 horas, respectivamente, em equinos, cães, perus, galinhas e bovinos. Uma das principais vantagens do uso das fluoroquinolonas é o seu largo volume de distribuição, além da baixa ligação com as proteínas plasmáticas (ANDRADE et al., 2002; GÓRNIAK, 2006). 6. DEGENERAÇÃO DA RETINA CAUSADA PELO USO DE FLUOROQUINOLONAS EM GATOS 6.1 FISIOPATOLOGIA Várias são as suposições sobre os efeitos das fluoroquinolonas nos olhos de gatos. Segundo Gelatt et al (2001) a retinopatia causada pelo uso dessa classe de antibiótico parece ser rara e idiopática, porem indica-se que a droga tem predileção pelos tecidos retinianos. As fluoroquinolonas possuem estrutura química similar a compostos que foram associados à toxicose do nervo óptico, incluindo o alcaloide cinchona, a cloroquina e as hidroquinolonas halogenadas, parece ser dose dependente e é irreversível. Quando o difosfato de cloroquina é administrado em gatos, a retinopatia 17 pode se desenvolver em 4 a 7 semanas. Histologicamente, o dano retiniano é caracterizado pelo alargamento do epitélio pigmentar. A cloroquina tem alta afinidade pela melanina e se acumula nos lisossomos das células do epitélio pigmentar da retina. Isso leva a inibição das enzimas lisossomais e possivelmente morte da célula. A incidência aumentada de efeitos adversos a essa classe de medicamentos é também notada quando a droga é associada a drogas que aumentam as concentrações plasmáticas das fluoroquinolonas devido a diminuição da excreção renal, por exemplo, furosemida e cimetidina (WIEBE & HAMILTON, 2002). Segundo Gelatt (2001), um gato foi examinado e fotografado durante seis dias após receber apenas 3 dias de enrofloxacina via oral (dose de 4mg/kg no período da manhã e 10mg/kg no período da noite). A alteração inicial consistiu em um sutil aumento da refletividade e granularidade tapetal, que aumentou para uma alteração difusa da retina avançando para uma degeneração da retina. Teve uma atenuação da vascularização da retina com a quase perda completa das arteríolas e vênulas. As alterações do disco óptico incluem uma diminuição do tamanho do disco, palidez da superfície do nervo e um desenvolvimento de um halo peripapilar granular. Segundo uma pesquisa realizada por ISHAK et al (2008), foram utilizados 14 gatos adultos e administrado marbofloxacina na dose de 2,75mg/kg uma vez ao dia, durante 14 dias. Não foram observadas nenhuma evidência clínica de doença oftálmica nos pacientes durante o estudo. Do total de gatos utilizados no estudo, a maioria tinha exames oftalmológicos normais. Dois deles apresentaram um aumento de reflexo tapetal considerado normal e não se alterou ao longo da pesquisa. Atenuação vascular não foi observada durante o tratamento. 6.2 SINAIS CLÍNICOS Os sinais clínicos incluem uma diminuição da visão e um início agudo de midríase, que é muitas vezes o primeiro sinal notado pelos proprietários. Reflexo pupilar à luz ainda pode estar presente, embora lenta e incompleta. O fundo de olho pode parecer normal no exame inicialmente, embora os sinais de degeneração da 18 retina possam desenvolver-se dentro de alguns dias de administração de enrofloxacina (GELATT, 2001 ; MARTIN, 2010). A degeneração retiniana geralmente é difusa e bilateral, já a atrofia progressiva da retina se diferencia da degeneração retiniana por frequentemente se apresentar simétrica e bilateral (GIULIANO e WOERDT, 1999). Pode ser observado também atrofia de nervo óptico (GELATT, 2001) e alterações no eletrorretinograma como redução da amplitude da onda b (MESSIAS et al. 2008). Na maioria dos casos, a cegueira tem sido permanente, embora alguns gatos têm mantido alguma visão. Uma das descobertas importantes da presente toxicidade é a rapidez com que a retina se degenera (GELATT, 2013). 6.3 DIAGNÓSTICO O diagnóstico geralmente é feito através do eletrorretinograma e do exame de fundo de olho, onde é relatado presença de degeneração de retina, aumento da refletividade da zona tapetal, atenuação dos vasos retinianos entre outras alterações causadas pelo uso de fluoroquinolonas (FORD et al, 2007). Apesar do exato mecanismo da degeneração retiniana em gatos induzida pelas quinolonas continuar não elucidado, as avaliações sugerem alguns fatores de risco que podem predispor os gatos à degeneração retiniana como: altas doses ou altas concentrações plasmáticas da droga; injeção endovenosa rápida do antibiótico; longos tratamentos e idade. Teoricamente, outros fatores de risco podem estar envolvidos e dentre eles destacamos a exposição longa a luz solar enquanto o antibiótico está sendo administrado; interações medicamentosas e acúmulo da droga ou dos metabólitos devido ao metabolismo alterado ou eliminação reduzida (WIEBE e HAMILTON, 2002). 19 Figura 11 - A degeneração da retina em um gato. Figura 12 – Degeneração da retina em um Diâmetro dos vasos sanguíneos é diminuída, e o gato. Aumento do reflexo tapetal, quase aumento do reflexo tapetal está presente. Um completo achado incidental é a presença de vasos sanguíneos e atrofia óptica estão presentes. sanguíneos que atravessa o disco óptico. Fonte: DZIEZYC e MILLICHAMP, 2004. desaparecimento dos vasos Fonte: DZIEZYC e MILLICHAMP, 2004. Figura 13 - A degeneração da retina em um gato com aumento do reflexo tapetal, atenuação vascular e atrofia de nervo óptico. Fonte: DZIEZYC e MILLICHAMP, 2004. 20 Eletrorretinografia é o registro e análise da atividade da retina quando excitada pela luz (GUM, 1980). É uma onda polifásica obtida em resposta ao estímulo luminoso (GONÇALVES et. al., 2000). Sua importância se dá por tratar-se de meio diagnóstico objetivo, não invasivo, capaz de avaliar a função retiniana, detectando precocemente lesões nas suas camadas mais externas (SAFATLE, 2005). Em gatos, a eletrorretinografia pode ser utilizada para diagnosticar doenças da retina como degeneração retiniana hereditária, retinopatia não inflamatória e degeneração retiniana central causada por dieta deficiente em taurina (SIMS, 1999). Embora a eletrorretinografia seja um procedimento não invasivo, os pacientes devem ser anestesiados para reduzir interferências elétricas e artefatos de movimento. A luz para estimulação é colocada perto do olho, e as respostas aos flashes de luz são gravadas usando 3 eletrodos. O eletrodo ativo (da gravação) é acoplado geralmente a uma lente de contato colocada na córnea. Dois outros eletrodos são colocados na pele para reduzir a interferência elétrica (ESCHHOLZ, 2007). Figura 15 – Aparelho de eletrorretinografia. Figura 14 – Exame de Eletrorretinografia. Fonte: Dr. João Alfredo Oftalmologia Veterinária) Kleiner (Vetweb Fonte: Dr. João Alfredo Kleiner (Vetweb Oftalmologia Veterinária) 21 Os sinais gravados da ERG são analisados avaliando a amplitude e a latência (sincronismo) de dois componentes principais: a onda “A” é a primeira deflexão negativa do sinal, e é indicativa da resposta do fotorreceptor. É seguida por um pico grande, positivo, a onda “B”, que é gerada na camada intermediária da retina (bipolar e células de Müller) (ESCHHOLZ, 2007). Figura 16 – Exame normal de eletrorretinografia. Fonte: Dr. João Alfredo Kleiner (Vetweb Oftalmologia Veterinária) 22 Figura 17 – Exame de eletrorretinografia alterado, sem presença de ondas (Flat line). Fonte: Dr. João Alfredo Kleiner (Vetweb Oftalmologia Veterinária) 6.4 TRATAMENTO Não existe tratamento específico para a degeneração retiniana causada pelas fluoroquinolonas, embora alguns gatos podem recuperar uma parte da visão se a administração da droga for interrompida imediatamente, outros irão continuar cegos (PETERSEN-JONES e CRISPIN, 2002). 7 CONCLUSÃO Por meio dessa revisão de literatura, é possível constatar que a fisiopatologia da degeneração retiniana causada pela administração de quinolonas em gatos não está bem elucidada. Existem várias suposições para justificar essa lesão: Essa classe de droga tem predileção pelo tecido retiniano; idade; doses altas, entre outros. O diagnóstico se faz pelos sinais clínicos, como diminuição da visão e midríase, exame de fundo de olho e eletrorretinografia. 23 Não existe tratamento específico para essa doença. A interrupção da administração do medicamento pode fazer com que alguns pacientes recuperem uma parte da visão, mas outros gatos continuam cegos. A administração das quinolonas, quando indicada, pode ser utilizada com mínimos riscos quando alguns detalhes forem considerados, como dose mínima e exata para o peso de cada paciente, evitar interações medicamentosas e cuidados com pacientes geriátricos. Dessa forma diminuímos o risco de lesão da retina nesses pacientes. 24 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, S.F.; GIUFFRIDA, R.; RIBEIRO, M.G. Quimioterápicos, antimicrobianos e antibióticos. In: ANDRADE S.F. (Ed.). Manual de terapêutica veterinária. São Paulo: Roca, 2002. p.13-58. ANDRIOLE, V.T. The Quinolones. 3.ed. Maryland Haights: Elsevier, 2000. APPELBAUM, P.C.; HUNTER, P.A. The fluoroquinolone antibacterials: past, present and future perspectives. International Journal of Antimicrobial Agents, v.16, p.515, 2000. CUNHA, O. MANUAL DE OFTALMOLOGIA VETERINÁRIA, Palotina, PR, 2008. 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