Cínthia Carla Rocha

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Cínthia Carla Rocha
Mistura louca: a música sertaneja e o desapego do jovem com as relações afetivas e
valores morais a partir do consumo de bebidas alcoólicas
Monografia apresentada à disciplina de
Projetos Experimentais do Curso de
Comunicação Social com habilitação em
Jornalismo da Faculdade Maringá, como
requisito para qualificação na banca final
do curso.
Orientador: Prof. Esp. Ronaldo Nezo
Maringá
2013
2
CÍNTHIA CARLA ROCHA
Mistura louca: a música sertaneja e o desapego do jovem com as relações afetivas e
valores morais a partir do consumo de bebidas alcoólicas
Monografia apresentada à disciplina de Trabalho de Curso do Curso
de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, da Faculdade Maringá, como
parte dos requisitos para a obtenção do título de jornalista.
Aprovada pela Banca Examinadora, em 04 de dezembro de 2013.
Prof. Esp. Ronaldo Nezo
Orientador
Profª. Ma. Silvia Regina Emiliano
Profª. Convidada
Profª. Ma. Roseli de Melo Germano
Profª. Convidada
Maringá
2013
3
Aos meus pais, pelo incentivo, carinho
e atenção; ao meu marido pelo amor e
dedicação e ao meu filho por toda a
paciência e compreensão.
4
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, Ana, que me apoiou para dar início a essa graduação e
que, mesmo longe, sempre esteve me dando força para continuar e me tornar a jornalista
da qual ela pudesse ter orgulho. A meu pai, Marcos, que junto de minha mãe me
ensinou a ser honesta, ética e acreditar na força da mão de Deus.
Ao meu marido, Juliano, que esteve ao meu lado durante todo o
período da graduação, ajudando, apoiando, tendo paciência e me amando, em qualquer
condição.
Ao meu filho, Kayki, que só vai entender a importância que teve por
ser compreensivo com a mãe que abdicou do tempo de estar com ele para estudar
quando for crescido.
Aos amigos que fiz durante o curso, em especial, Tiago Mathias, pelo
apoio e pelas palavras, e Maria Joana Casagrande, que se tornou parceira de trabalhos,
confidente, ombro amigo, madrinha de casamento e estará para sempre em meu
coração.
Aos meus colegas de trabalho, em especial, Marcio Aureo, Amanda
Machado, Everton Liberto, Daniele Sitko e Rosana Baio pela paciência e por acreditar
na ideia desta produção.
A cada um dos mestres que somaram para que hoje eu me tornasse
uma jornalista preparada para o mercado de trabalho, em especial, a Silvia Regina
Emiliano, que acreditou nessa proposta e colaborou para a realização desta pesquisa,
bem como ao Ronaldo Nezo pela orientação, direcionamento e apoio durante o curso e a
produção deste trabalho.
A Cristina Torchi e Luiz Humberto, secretária e técnico do curso,
respectivamente, pela ajuda e apoio incondicional ao longo desses quatro anos.
A todos que passaram por meu caminho nesse período e contribuíram
para minha formação e construção desta pesquisa, direta ou indiretamente.
5
RESUMO
A música sertaneja universitária é o grande expoente da indústria fonográfica brasileira
nos últimos anos. O gênero musical, que passou por inúmeras mudanças ao longo dos
anos, ganhou um caráter mais jovial e, atualmente, é ouvido em rádios de todo o país.
Parte dessas canções, que antes falavam de sentimentos como amor, atualmente
abordam assuntos como a bebida alcoólica. O jovem brasileiro, inclusive o paranaense e
maringaense, consome prioritariamente esse estilo de música, que é, inclusive, ouvido
na maioria das rádios locais. A manutenção dessas músicas nas emissoras de Maringá se
dá pelo fato de serem canções pedidas pelos ouvintes. Com base na análise dialógica do
discurso, entende-se que a música é um texto que produz sentidos na relação sócioideológica, de maneira que as pessoas reproduzem o que o discurso das músicas
apresenta. O objetivo desta pesquisa é analisar letras de canções que tratam sobre o
tema principal, verificando o comportamento das pessoas a partir do que é cantado pelos
músicos. Para tanto, utilizou-se do estudo de caso e da análise dialógica do discurso. Por
meio dessas metodologias, foi possível descobrir que, segundo as músicas, após
consumo, o sujeito se diverte mais, é mais feliz na conquista, esquece dos problemas, se
torna mais sedutor e que as mulheres têm grande destaque nas letras das canções, nas
quais são vistas numa ótica machista. Tendo como base noticiários, foi possível também
perceber que as músicas, nesse caso, refletem parte da sociedade atual.
Palavras-chave: Dialogismo; sertanejo universitário; bebidas alcoólicas; indústria
cultural.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8
2 METODOLOGIA: O CAMINHO PARA A PRODUÇÃO CIENTÍFICA .......... 11
2.1 Ciência e seus conceitos. ...................................................................................... 11
2.2 Conhecimentos popular e científico. ................................................................... 12
2.3 Senso comum. ...................................................................................................... 14
2.4 Estudo de caso. .................................................................................................... 15
2.5 Procedimentos e análise. ..................................................................................... 17
3 BAKHTIN: EM TUDO HÁ DIÁLOGO ............................................................... 21
3.1 Métodos e pensamentos bakhtinianos. ............................................................... 21
3.1.1 A interação verbal ............................................................................................ 21
3.1.2 Os gêneros do discurso ..................................................................................... 26
3.1.3 Discurso na vida e discurso na arte .................................................................. 39
4 CULTURA: DO CULTIVO DO HOMEM AO CULTIVO DO MERCADO ..... 43
4.1 Cultura erudita. ................................................................................................... 45
4.2 Cultura popular................................................................................................... 46
4.3 Cultura de massa. ................................................................................................ 47
4.4 Indústria cultural. ............................................................................................... 49
5 MÚSICA: O REFLEXO DA SOCIEDADE .......................................................... 57
5.1 A música como expressão artística. .................................................................... 58
5.2 A música como cultura ........................................................................................ 59
5.3 Gêneros musicais ................................................................................................. 61
5.3.1 Bossa nova e MPB............................................................................................ 61
5.3.2 Rock.................................................................................................................. 63
5.3.3 Samba ............................................................................................................... 65
5.3.3.1 Pagode ............................................................................................................ 66
5.4 Sertanejo .............................................................................................................. 66
5.4.1Compositores: os criadores dos fenômenos da indústria fonográfica ............... 75
5.4.1.1 Balada louca................................................................................................... 75
5.4.1.2 Festa boa ........................................................................................................ 76
5.4.1.3 Calma aí ......................................................................................................... 77
5.4.1.4 Mistura louca ................................................................................................. 78
5.4.1.5 Calma aí ......................................................................................................... 78
6 A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS POR MEIO DAS MÚSICAS....................... 80
6.1 “Beber até cair é comum entre jovens”. ............................................................. 81
6.2 “As mulheres estão bebendo mais e mais”. ........................................................ 92
6.3 “Brasileiros têm o maior índice de traição conjugal da América Latina” ........ 97
6.4 “O sertanejo mudou de novo, com uma linguagem mais aberta”. .................. 101
6.5 “O jovem hedonista do século 21 no Brasil” .................................................... 106
7
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 110
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 114
8
1
INTRODUÇÃO
No Brasil, bem como em muitos outros países, a bebida alcoólica,
mesmo sendo considerada uma droga que pode causar dependência, segundo a OMS
(Organização Mundial de Saúde), é um produto que tem o consumo legalizado. Sobre
isso, inúmeros debates e bandeiras são levantados frequentemente: de um lado, há os
que defendam que a bebida traz felicidade e colabora para que seu consumidor
“esqueça” dos problemas; de outro, porém, há a preocupação que o consumo de bebida
venha gerar um problema social que atinja, inclusive, a saúde pública, uma vez que
aqueles que se tornam dependentes da bebida precisam de tratamentos bancados pelo
governo. Estudos afirmam que ao menos 10% da população brasileira sejam
dependentes de bebida alcoólica.
A fim de analisar os sentidos produzidos pelas músicas, que têm como
tema principal o consumo de bebidas alcoólicas, é que se traçou o objetivo inicial deste
trabalho. O propósito é também investigar como essas canções dialogam com o
brasileiro e o que ele vive em seu cotidiano.
No entanto, para além dos problemas e consequências trazidos pelo
consumo de álcool, há inúmeros outros sentidos nas letras de canções que abordam esse
tema. O consumo de bebidas alcoólicas gera, para alguns, muitos lucros e, para outros,
prejuízos. Consumidor, família, artistas, gravadoras, veículos de mídia, fabricantes de
bebidas alcoólicas e poder público são vítimas ou vilões desse consumo. Porém, essa
música continua fazendo sucesso e as pessoas seguem bebendo.
Os assuntos abordados pelas músicas sertanejas são comuns ao dia a
dia do brasileiro que, como nas letras das canções, bebe até cair, trai o parceiro (a) e, no
caso das mulheres personagens das composições, também se revelam de maneira mais
sensual e erotizada. Em grande parte dessas músicas é possível perceber no discurso o
sexo fácil e o desapego das pessoas com relação aos relacionamentos e sentimentos.
Desta maneira, as canções podem ser, com suas letras e ritmos, são mais que
entretenimento ou cultura. A partir delas, constroem-se ideologias, visões e estilos de
vida.
Contudo, para Bakhtin, há diálogo em todo tipo de comunicação,
inclusive, na música. Por isso, podemos entender que as canções que fazem sucesso não
são impostas pela indústria cultural ao consumidor. Pelo contrário, o ouvinte é
participante ativo na composição dessas letras, seguindo a lógica da indústria cultural,
9
que oferece o que o público quer ouvir. Assim, se há quem componha uma canção que
fale sobre bebidas, sexo e diversão, por exemplo, e isso é bem aceito, sendo, inclusive,
pedido nas rádios, significa que a temática trazida pela música agradou seu público
alvo. Isso se dá também porque as pessoas se veem nas letras que, aliás, refletem o que
a gente vive.
Para estudar e analisar isso, foram utilizadas como base as músicas
que figuram os “Tops”1 das rádios locais, ou seja, as músicas mais pedidas nas três
emissoras de maior audiência no segmento do sertanejo em Maringá. A opção em
estudar as músicas que fazem parte do cenário local, ou seja, que são ouvidas e pedidas
por ouvintes maringaenses, é justamente para aproximar o resultado final deste trabalho
à realidade da população maringaense, que tem como essência cultural a música
sertaneja. Não diferente, é isso que tem feito sucesso também em grande parte do País.
A intenção deste trabalho é, portanto, analisar “o que” é dito nestas
músicas e “como” isso é feito, relacionando tais dizeres ao que as pessoas vivem em seu
dia a dia. Isso será mostrado por meio de matérias jornalísticas que trazem dados e
informações relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas. Como na “vida real”, as
músicas analisadas citam frequentemente consumo de bebidas alcoólicas como positivo
uma vez que o relaciona à conquista do sexo oposto, à diversão, à traição e à fuga dos
problemas cotidianos.
Com base nessa problemática do consumo de bebidas alcoólicas
abordado por letras de músicas sertanejas, que é de interesse da sociedade, do poder
público e até mesmo dos profissionais da área médica, é que se desenvolverá este
trabalho. Para tanto, será utilizada como base a análise dialógica do discurso, baseada
em estudos da linguagem desenvolvidos por M. Bakhtin. Antes de chegar à análise,
porém, foi feita uma catalogação das músicas que trazem a abordagem sobre bebidas
alcoólicas em suas letras a partir dos sites das três rádios do estilo sertanejo mais
ouvidas em Maringá, segundo o IBOPE 2013. São elas: Maringá FM, Massa FM e
Cultura FM2.
1
Top é uma palavra de origem inglesa que significa “topo”. Quando se fala em Top de rádio, diz-se sobre
as músicas que estão mais bem colocadas entre todas as canções tocadas na referida emissora. Assim,
numa classificação, as músicas mais pedidas por ouvintes são as que aparecem em posições superiores às
outras.
2
Informação disponibilizada pelo Ibope – EasyMedia 3 sobre pesquisa realizada em Maringá com
pessoas de ambos os sexos e todas as idades, entre os dias 26/08/2013 e 02/09/2013 em todos os locais e
todos os dias da semana. O Ibope aponta os seguintes dados sobre a audiência das emissoras: Maringá
FM – 21,57%; Massa FM – 20,47%; Mix FM – 10,52%; Rádio Cultura FM Maringá – 9,58%, CBN
Maringá FM – 5,07%. %. Esses números são disponibilizados apenas para as emissoras que contrataram o
10
Depois de catalogadas, algumas músicas foram selecionadas para
serem analisadas tendo como base as letras que abordassem o tema “bebidas
alcoólicas”. Foram definidas as músicas levando em consideração que elas estivessem
entre as mais pedidas nas rádios já citadas. Tendo em vista estes critérios, as músicas a
serem analisadas aqui são: Balada Louca, de Munhoz e Mariano com participação de
João Neto e Frederico; Princesinha, de Lucas Lucco com participação de Mr. Catra;
Festa boa, de Henrique e Juliano com participação de Gusttavo Lima; Calma aí, de
Marcos e Belutti com participação de Fernando e Sorocaba; Mistura Louca, de
Henrique e Juliano com participação de Os Hawaianos.
Para chegar a uma análise coerente, serão vistos primeiramente os
métodos a serem utilizados no capítulo dois; na sequência, faremos um aprofundamento
nos pensamentos e na metodologia bakhtiniana que darão norte a este trabalho; veremos
no quarto capítulo o que é cultura e quais os tipos de cultura mais importantes para esta
discussão, considerando também a industrialização da arte; discutiremos sobre a música
enquanto expressão artística e cultural, além de conhecermos um pouco melhor os
gêneros musicais mais comuns no Brasil, principalmente o sertanejo no capítulo cinco;
por fim, faremos a análise dialógica sob a ótica bakhtiniana, considerando as principais
linhas temáticas encontradas nas músicas no sexto, e último, capítulo.
Ibope. Para esta pesquisa, foram utilizadas apenas as rádios do gênero sertanejo que apareceram entre as
primeiras colocadas.
11
2 METODOLOGIA: O CAMINHO PARA A PRODUÇÃO CIENTÍFICA
Este capítulo visa apresentar os métodos que serão utilizados para
responder aos questionamentos e levar à reflexão proposta por esta monografia. Além
disso, a metodologia trará os procedimentos a serem seguidos para se chegar à análise
do produto estudado. Para tanto, se faz necessário saber que, como todo trabalho
científico, este também se propõe a produzir algum tipo de conhecimento que vá além
do senso comum, sendo entendido, portanto, como ciência.
É preciso ressaltar, no entanto, que não há produção científica sem o
uso de métodos científicos. Assim, “o método é o conjunto das atividades sistemáticas e
racionais que com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo traçando o
caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista.”
(LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 65)
Antes de tudo, foi necessário verificar como essa proposta de pesquisa
e seu objeto poderiam se encaixar em uma metodologia já existente, de maneira que a
investigação aqui proposta responda ao problema observado ou sentido pelo autor, que
gerou o desejo de produzir esta monografia. Por isso, é preciso seguir as etapas prédefinidas a partir do método científico escolhido, para fornecer os subsídios necessários
na busca de um resultado para a hipótese pesquisada. A investigação científica depende,
portanto de um “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos”. (GIL, 1999, p. 26)
Dessa maneira, o presente capítulo trará as regras e critérios definidos
pelo pesquisador e orientador, a fim de se tornarem referência nesse processo que visa
explicar as questões e problemas propostos desde que a ideia dessa produção foi
concebida. Mais que simplesmente impor resultados, a intenção aqui é levar o leitor a
pensar e refletir sobre o tema central, que é a maneira como as bebidas alcoólicas são
abordadas nas letras de músicas sertanejas tocadas em rádios maringaenses. Para que se
possa, no entanto, compreender melhor o que aqui será feito, será explicado a seguir,
com base em outros autores e nos estudos realizados para esta pesquisa, o que é ciência,
qual a diferença entre conhecimento popular e científico, o que é o tão falando senso
comum, como e por que faremos um estudo de caso e, por fim, quais os procedimentos
a serem seguidos até chegarmos à análise.
2.1 Ciência e seus conceitos
12
Entende-se por ciência toda sistematização de conhecimentos, ou seja,
“um conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de
certos fenômenos que se deseja estudar” (LAKATOS; MARCONI. 2010, p. 62). Para as
autoras, as ciências têm objetividade ou finalidade – ou seja, se preocupa em separar as
características comuns ou as leis gerais que regem dado evento; função – que visa o
aperfeiçoamento, através da busca pelo conhecimento e da relação do homem com seu
mundo; e objeto, este, subdividido em material – aquilo que se pretende estudar,
analisar, interpretar ou verificar; e formal – com enfoque específico, tendo em vista as
diversas ciências que possuem o mesmo objeto material.
Visto isso, é possível considerar que a análise proposta por este
trabalho, à qual se chegará apenas após passar por diversas fases e métodos para atingirse o objetivo inicial do mesmo, se dará por meio da ciência. No entanto, neste caso, será
vista a ciência que se classifica como factual e social, diferente de outras formais, como
a Lógica e a Matemática, ou das factuais naturais, como a Física, a Química, a Biologia
e outras. Haja vista que estudaremos e buscaremos refletir sobre um dado fenômeno
social, com a análise de músicas do chamado sertanejo universitário e a maneira como o
maringaense as consome, podemos classificá-la como uma ciência natural.
2.2 Conhecimentos popular e científico
É preciso considerar que o conhecimento popular, aquele que ensina
de maneira informal, também é conhecimento. Segundo Marconi e Lakatos (2010. p.
57), o conhecimento popular é “transmitido de geração para geração por meio da
educação informal e baseado em imitação e experiência pessoal; portanto, empírico”.
Por outro lado, o conhecimento científico, o mesmo que este trabalho
procura trazer, segundo as autoras:
[..] é transmitido por intermédio de treinamento apropriado, sendo um
conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de
procedimentos científicos. Visa explicar „por que e como‟ os
fenômenos ocorrem, na tentativa de evidenciar os fatos que estão
correlacionados, numa visão mais globalizante do que a relacionada
com um simples fato. (LAKATOS; MARCONI. 2010, p. 57-58)
Porém, é fato que os dois tipos acima citados, geram conhecimento, de
maneira que a ciência não seja o único meio que nos leve ao aprendizado e possibilite
13
chegar a uma verdade, vez que um mesmo objeto ou fenômeno pode ser observado do
ponto de vista científico e popular sem deixar de gerar conhecimento para ambos os
casos.
O conhecimento popular tem características específicas, conforme cita
Ander-Egg apud Lakatos e Marconi (2010):
O conhecimento popular caracteriza-se por ser predominantemente:
superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se
pode comprovar simplesmente estando junto das coisas [...]; sensitivo,
ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida
diária; subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas
experiências e conhecimento [...]; assistemático, pois esta
„organização‟ das experiências não visa a sistematização das ideias,
nem na forma de adquiri-las, nem na tentativa de validá-las; acrítico,
pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o
sejam não se manifesta sempre de forma crítica. (ANDER-EGG apud
LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 59)
Assim, enquanto, o conhecimento popular é considerado pelas autoras
como sendo valorativo, reflexivo, assistemático, verificável, falível e inexato, o
conhecimento científico, por sua vez, é real (factual), contingente, sistemático,
verificável, falível e aproximadamente exato.
Considerando-se que este trabalho se dará por meio de métodos, é
possível defini-lo, portanto, como conhecimento científico, tendo como base as
afirmações das autoras supracitadas:
O conhecimento científico é real (factual) porque lida com
ocorrências ou fatos [...]. Constitui um conhecimento contingente,
pois suas proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou falsidade
conhecida através da experiência e não apenas pela razão [...]. É
sistemático, já que se trata de um saber ordenado logicamente,
formando um sistema de ideias (teoria) e não conhecimentos dispersos
e desconexos. Possui a característica da verificabilidade, a tal ponto
que as afirmações (hipóteses) que não podem ser comprovadas não
pertencem ao âmbito da ciência. Constitui-se em conhecimento falível,
em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final e, por este motivo, é
aproximadamente exato: novas proposições e o desenvolvimento de
técnicas podem reformular o acervo de teoria existente. (LAKATOS;
MARCONI, 2010, p. 62)
Entretanto, tendo em vista que o estudo aqui proposto se desenvolverá
com base no cotidiano das pessoas, é preciso discutir ainda sobre o senso comum, que
viabiliza o desenvolvimento da indústria cultural e da reprodução de músicas que,
14
conforme pretendemos abordar, são prejudiciais ao corpo e a mente das pessoas. No
entanto, a vida cotidiana faz com que essas pessoas não tenham um olhar crítico sob o
que consomem.
2.3 Senso comum
Diferente da ciência, que busca refletir sobre as coisas, estudá-las,
verificar, etc., no senso comum apenas importa que as pessoas sigam o que sentem e
querem, sem que, necessariamente, reflitam sobre isso. A vida cotidiana acontece
baseada no senso comum, afinal, nem tudo e nem todos querem e podem ser críticos o
tempo todo.
Enquanto a ciência, é reflexiva, busca compreender e alterar o
cotidiano a partir de um estudo específico e sistemático, o senso comum é baseado no
conhecimento informal que se adquire ao longo da vida.
Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2007), quando fazemos ciência,
temos como base a realidade cotidiana e refletimos sobre ela:
[...] baseamo-nos na realidade cotidiana e pensamos sobre ela.
Afastamo-nos dela para refletir e conhecer além de suas aparências. O
cotidiano e o conhecimento científico que temos da realidade
aproximam-se e se afastam: aproximam-se porque a ciência se refere
ao real; afastam-se porque a ciência abstrai a realidade para
compreendê-la melhor, ou seja, a ciência afasta-se da realidade,
transformando-a em objeto de investigação – o que permite a
construção do conhecimento científico sobre o real. (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2007, p. 16)
No entanto, o cidadão comum, não tem conhecimento científico para
analisar e compreender situações corriqueiras que, apesar de simples, podem ser
estudadas pela ciência. Ou seja, quem acredita que fará frio porque o céu está
avermelhado, ou toma chá de boldo para melhorar de dores no estômago, por exemplo,
não tem conhecimentos meteorológicos ou medicinais para agir de tal maneira. Essa
pessoa, certamente, ouviu algum familiar mais antigo comentar a respeito dos
benefícios do chá de boldo ou da referência meteorológica relacionada à coloração do
céu. E isso se deu, muito provavelmente, após várias outras pessoas terem feito as
mesmas coisas e ensinado aos seus. Esse é o dito senso comum.
15
Bock, Furtado e Teixeira (2007), afirmam que esse tipo de
conhecimento é obviamente necessário, visto que, não fosse pelo senso comum,
teríamos que fazer descobertas diárias de coisas banais, como a tendência de algo cair
quando atirado pela janela, devido à gravidade.
Os autores afirmam ainda que:
[...] o senso comum, na produção desse tipo de conhecimento,
percorre um caminho que vai do habito à tradição, a qual, quando
estabelecida, passa de geração para geração. [...] É nessa tentativa de
facilitar o dia-a-dia que senso comum produz suas próprias “teorias”;
na realidade, um conhecimento que, numa interpretação livre,
poderíamos chamar de teorias médicas, físicas, psicológicas, etc.
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2007, p. 17)
Significa dizer, portanto, que o senso comum se apropria de
conhecimentos vindos de outros setores e, consequentemente, mais elaborados
(conhecimento científico). Porém, quando essa apropriação acontece, o senso comum
mistura saberes especializados e, por vezes, recicla-os, reduzindo-os a uma teoria mais
simplista, ou o que os autores chamam de visão-de-mundo. Eles afirmam, porém, que
“isto não ocorre muito rapidamente. Leva um certo tempo para que o conhecimento
mais sofisticado e especializado seja absorvido pelo senso comum, e nunca o é
totalmente”. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2007, p. 18)
No caso deste trabalho, é isso que acontece quando a produção
musical passa a fazer parte da vida das pessoas que, por vezes, sequer sabem o que e por
que estão ouvindo determinada música, cantarolando ou pedindo o “som do momento”
nas rádios. Mas o senso comum não se preocupa, necessariamente com o conteúdo da
música x ou y, de maneira que não há um olhar mais crítico com relação às letras dessas
canções. Desde que o ritmo seja interessante ou divertido e algo esteja sendo cantado, é
o suficiente para que a música faça sucesso e toque em rádios de todo o País.
Para entender, no entanto, a produção de sentidos por meio das
músicas e como elas se constituem na visão ideológica, faremos um estudo de caso,
seguido de uma análise dialógica do discurso, sob a ótica de Bakhtin. Antes disso tudo,
porém, é preciso compreender primeiro o que é um estudo de caso.
2.4 Estudo de caso
16
A opção por se utilizar o estudo de caso como metodologia para
realização deste trabalho se dá por um único motivo: a necessidade de se responder os
questionamentos “como” e “por que”. Haja vista que esta pesquisa visa analisar os
discursos das letras de músicas sertanejas atuais que abordam o tema bebidas alcoólicas
(e seus desdobramentos, como diversão, conquista amorosa, entre outros, relacionados
ao foco principal que é a bebida), buscando mostrar como essas canções podem chegar
ao ouvinte e o porquê de elas serem consumidas e tão tocadas por todo o Brasil, o
estudo de caso é a metodologia científica que melhor se encaixa nessa abordagem.
Segundo Yin (2005, p. 19), o estudo de caso se apresenta como
melhor estratégia de pesquisa “quando o pesquisador tem pouco controle sobre os
acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos
em algum contexto de vida real.”
É possível, portanto, verificar que essa estratégia se enquadra na
proposta deste trabalho que trará um tema atual (contemporâneo), que é a música
sertaneja, e na maneira como essa música está inserida no contexto de vida do
maringaense, que ouve as músicas em casa, no trabalho, online, etc. por meio do rádio
local. Há de se levar em consideração, no entanto, que para a música estar nas rádios, os
ouvintes têm que querer isso. Assim, eles participam, pedem os “sucessos” do momento
por meio de ligações ou pedidos online, e sustentam esses hits nas emissoras. Esse
assunto, no entanto, será tratado logo mais, junto com os procedimentos que serão
seguidos neste trabalho, quando explicarmos como funciona a programação das rádios
locais.
O estudo de caso trata-se, portanto, de uma investigação empírica, ou
seja, é o tipo de metodologia utilizada por um pesquisador que deseja lidar com
condições contextuais. Desta maneira, esse tipo de pesquisa abrange desde a lógica de
planejamento do trabalho e as técnicas de coleta de dados, até a abordagem específica à
análise dos mesmos. (YIN, 2005. p. 32-33)
Os estudos de casos podem incluir evidências quantitativas e, mesmo
a elas ficar limitados. Na verdade, o contraste entre evidências
quantitativas e qualitativas não diferencia as várias estratégias da
pesquisa. Observe que, como exemplos análogos, alguns experimentos
(como estudos de percepções psicológicas) e algumas questões feitas
em levantamentos (como aquelas que buscam respostas numéricas em
vez de respostas categóricas) têm como base evidências qualitativas, e
não quantitativas. Da mesma maneira, a pesquisa histórica pode
17
incluir enormes quantidades de evidências quantitativas. (YIN, 2005,
p. 34)
Assim, este trabalho que se propõe a tratar sobre um contexto atual, se
utilizará de técnicas qualitativas, vez que a análise dialógica do discurso se construirá a
partir da ligação entre o ouvinte e a música sertaneja, tendo em vista que essa música
produz efeitos no ouvinte que, por sua vez, consome as bebidas alcoólicas citadas em
música para se sentir mais feliz, como os protagonistas destas canções dizem ser.
No entanto, o que chamou a atenção para que este trabalho se
desenvolvesse, foram os números da música sertaneja no Brasil (técnica quantitativa), já
que esse gênero musical movimenta bilhões na indústria fonográfica, seja por meio de
shows, de vendas de CDs/DVDs, participações em programas de TV, etc. Porém, para
que tudo isso aconteça, as músicas precisam ser sucesso primeiro em um veículo muito
específico: o rádio. Apesar de estarmos na era digital e a divulgação de novas canções
começa, muitas vezes, por sites como o YouTube3, o rádio ainda tem grande força na
divulgação das músicas que se disseminam por todo o País.
Para se descrever as características do fenômeno da música sertaneja e
da população que toma esse gênero como cultura, será utilizada a pesquisa descritiva,
caracterizando, portanto, um estudo de caso descritivo. (YIN, 2005. p. 23).
Entretanto, como o sertanejo universitário é um gênero musical
recente – caracterizando a citação de Yin que diz que pode-se haver um estudo de caso
“quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum
contexto de vida real” (2005, p. 23), encontra-se ainda pouca bibliografia disponível a
respeito do tema, de maneira que será necessário fazer uma pesquisa documental para
tratar sobre isso. Dessa maneira, serão utilizadas matérias de jornais impressos e
revistas, programas televisivos e artigos de blogs para abordar a história do sertanejo
universitário.
A fim de que tudo isso aconteça, no entanto, são necessários alguns
procedimentos e, além disso, entender como as músicas chegam às emissoras de rádio e,
consequentemente, aos rádios dos ouvintes. É sobre isso que falaremos a seguir.
2.5 Procedimentos e análise
3
YouTube (www.youtube.com) é um site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem
vídeos em formato digital. Foi fundado em fevereiro de 2005 por três pioneiros do PayPal, um
famoso site da internet ligado a gerenciamento de transferência de fundos. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/YouTube> Acessado em 04/07/2013 às 09:34.
18
Para se chegar às músicas que serão analisadas mais adiante, foram
seguidos alguns critérios: as canções deveriam abordar o tema central (bebidas
alcoólicas), serem do gênero sertanejo universitário e estarem entre as músicas mais
executadas em rádios de Maringá.
Entre os meses de março e julho de 2013, foi feita uma catalogação
semanal das canções mais tocadas nas emissoras de maior audiência do segmento
sertanejo no município, conforme visto anteriormente.
As três rádios, bastante tradicionais em Maringá, fazem partes de
grupos de comunicação, sendo que a Maringá FM é empresa integrante de GMC (Grupo
Maringá de Comunicação), integrado também pela rádio de notícias CBN, pela rádio
jovem MIX FM, pelo canal MultiTV Maringá e pela Maringá Entretenimento,
organizadora de eventos em toda a região 4.
A Massa FM, por sua vez, faz parte do Grupo Massa, que tem atuação
em todo os estado do Paraná. Fazem parte do grupo, rádios nas cidades de Curitiba,
Campos Gerais, Cascavel, Londrina, Litoral e Maringá. Essas rádios trabalham em rede,
ou seja, com horários em que a transmissão é a mesma para todas as unidades do
Estado, de maneira que apenas algumas faixas de horário são locais. Além disso, o
grupo conta também com um sistema de televisão afiliado ao SBT, com unidades
fixadas nas cidades de Curitiba, Campos Gerais, Londrina, Foz do Iguaçu e Maringá. O
Grupo Massa também trabalha com afiliados de outras áreas, como do agronegócio 5.
Já a rádio Cultura FM, é integrante do GRPCom (Grupo Paranaense
de Comunicação). Além da emissora, o grupo conta também com a RPC TV, afiliada à
TV Globo, tendo unidades nas cidades de Curitiba, Londrina, Ponta Grossa,
Guarapuava, Foz do Iguaçu, Cascavel, Paranavaí e Maringá. Fazem parte do grupo de
rádios, além da Cultura FM, a 98 FM de Curitiba e a Mundo Livre FM também da
capital do estado. Outra TV, sendo essa para TV a cabo, é a ÓTV, de Curitiba. O grupo
tem ainda jornais impressos Gazeta do Povo, em Curitiba com distribuição para todo o
estado, JL (Jornal de Londrina) e a Tribuna, também em Curitiba e região
metropolitana. Há ainda os jornais online Gazeta Maringá e Paraná On-line. Por fim,
4
Informações disponíveis no site: <http://www.gmcom.com.br/> Acesso em 11/11/2013 às 21:25.
Informações disponíveis no site: <http://www.grupomassa.com.br/comunicacao/redemassa.php> Acesso
em 11/11/2013 às 21:28.
5
19
integram o GRPCom o HD VIEW, uma unidade móvel de produção de alta definição, e
a Zaag, especializada em marketing promocional6.
Apresentadas as rádios e seus respectivos grupos, é preciso ressaltar
que foram levadas em consideração na fase de catalogação, apenas as músicas
executadas em cada emissora que abordavam o tema central dessa pesquisa, que é a
bebida alcoólica, dentro do gênero sertanejo universitário.
Uma vez que várias canções se encaixaram nessa proposta e não seria
possível analisar todas elas, considerou-se então as músicas mais executadas durante
esse período, ou seja, que apareceram por mais vezes próximas do topo das mais
tocadas. Essas canções, por sinal, muitas vezes estiveram no Top divulgado no site de
cada rádio.
Cada emissora monta a sua programação de acordo com o que é
sucesso no país, estando, é claro, dentro de sua linha de trabalho (sertanejo, rock, pop,
etc.). Para ser considerada “sucesso” e figurar a programação dessas rádios, a música
deve ser pedida inúmeras vezes pelos ouvintes e estar tocando em outros lugares do
país. Assim, uma programação semanal de rádio, se forma com base nos pedidos que os
ouvintes fizeram por telefone, e-mail, redes sociais ou SMS na semana anterior. Esses
pedidos são comparados com Tops de emissoras de grandes metrópoles do País e, daí, o
resultado final, formando a programação de cada semana.
Significa dizer, portanto, que se uma música, seja ela sobre bebidas ou
não, é executada na rádio, ela certamente está sendo pedida pelos ouvintes da própria
emissora, ou seja, por muitos maringaenses, no caso deste estudo.
Daí é que partirá a análise final, que trabalhará com as seguintes
músicas: Balada Louca, interpretada por Munhoz e Mariano com participação de João
Neto e Frederico e composta por Camila Prates, Thiago Machado e Marco Aurélio 7;
Princesinha, cantada por Lucas Lucco com participação de Mr. Catra e composta pelos
próprios intérpretes em parceria com Sassinhora Jr. 8; Festa boa, interpretada por
Henrique e Juliano com participação de Gusttavo Lima e composta pelo Gusttavo com
Bigair dy Jaime9; Calma aí, cantada por Marcos e Belutti com participação de Fernando
6
Informações disponíveis em: www.grpcom.om.br. Acesso em: 18/10/2014 às 16:47.
Informação disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=R37J1LaC0rQ> Acesso em 31/10/2013
às 09:44.
8
Informação disponível em: <http://www.vagalume.com.br/lucas-lucco/princesinha.html> Acesso em
31/10/2013 às 09:31.
9
Informação disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=51cqfEXrVdI> Acesso em 31/10/2013
às 09:43.
7
20
e Sorocaba e composta por Diego Monteiro e Vinicius Peres 10; Mistura Louca,
interpretada por Henrique e Juliano com participação de Os Hawaianos e composta pela
própria dupla11.
Para estas músicas serem analisadas, elas foram, primeiramente,
pedidas por ouvintes das rádios já citadas, executadas por essas emissoras, e figuraram,
por um período maior que outras que abordavam temas semelhantes, o Top das rádios.
A análise dessas canções se dará, enfim, a partir de algumas temáticas
principais, que puderam ser encontradas na maioria das músicas sertanejas atuais que
tinham como parte do tema da letra a bebida alcoólica. Essas linhas temáticas são: a
bebida alcoólica como agente ligado diretamente à diversão; a bebida alcoólica como
facilitador na conquista/relacionamentos e traição conjugal; a bebida alcoólica como
fator determinante para se esquecer dos problemas cotidianos; a mulher que se revela de
maneira diferente após ingerir bebidas alcoólicas.
Para que essa análise se aproxime o máximo possível dos efeitos
desses discursos no contexto real de vida do ouvinte maringaense, será utilizada a
análise dialógica do discurso, sob a perspectiva teórica de Bakhtin, que estuda e analisa
os gêneros relacionando-os com outros conceitos do próprio autor, como enunciado,
ideologia, discurso, texto e língua. A metodologia definida para o trabalho visa analisar
o discurso das músicas sertanejas que abordam o tema bebida alcoólica, levando em
consideração um ouvinte que é fruto da sociedade atual e age (consumindo a música
sertaneja ou as bebidas que são cantadas em seus versos) de maneira consciente.
Sobre isso, falaremos mais claramente no capítulo a seguir.
10
Informação disponível em: http://www.vagalume.com.br/marcos-e-belutti/calma-ai-part-fernandosorocaba.html Acesso em 31/10/2013 às 09:18.
11
Informação disponível em: <http://www.vagalume.com.br/henrique-e-juliano/mistura-louca-part-oshawaianos.html> Acesso em 31/10/2013 às 09:21.
21
3
BAKHTIN: EM TUDO HÁ DIÁLOGO
Mikhail Mikhailovich Bakhtin foi um pensador, filósofo, teórico da
cultura europeia e das artes e pesquisador da linguagem humana. Bakhtin era russo e
viveu entre 1895 e 1975. Apesar de seus principais escritos serem das primeiras décadas
do século passado, as teorias deste autor, voltadas para a linguagem, são ainda
extremamente atuais.
A opção por trabalhar com Bakhtin na análise deste trabalho se deu
justamente por sua teoria. O autor acredita que não é o discurso que influencia um
sujeito, mas sim, esse sujeito, chamado de interlocutor, ou seja, o receptor (no caso das
rádios aqui estudadas, o ouvinte) é que colabora com a construção do discurso, de
maneira que seja possível perceber quais palavras serão utilizadas. E ele vai além: uma
mensagem (como a música) só faz sentido quando inserida em um contexto social e em
um período histórico.
Com base nisso, nos aprofundaremos um pouco mais nos pensamentos
e metodologias bakhtinianos para compreender sua relação com o discurso trazido pelas
músicas sertanejas atuais, que abordam o tema deste trabalho, ou seja, as bebidas
alcoólicas no cotidiano jovem.
3.1 Métodos e pensamentos bakhtinianos
Estudar e compreender Bakhtin requer uma leitura bastante cuidadosa,
uma vez que os escritos do autor são um tanto densos e cheios de termos específicos,
com os quais é necessária uma atenção maior. Por isso, dividiremos este capítulo em
três partes para facilitar a compreensão dos pensamentos bakhtinianos sobre a interação
verbal, os gêneros do discurso e o discurso na arte. Estes pensamentos deverão nortear
as análises que este trabalho se propõe a fazer.
3.1.1 A interação verbal
Em seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (2009), Bakhtin fala
da interação verbal e cita o primeiro desses termos específicos, dos quais falamos
acima: enunciação. Na teoria bakhtiniana, enunciado significa o texto (falado, escrito,
cantado, etc.), enquanto enunciação diz respeito à situação concreta de comunicação.
22
Quando se pensa nas músicas, por exemplo, a letra (e somente a letra) da canção é o
enunciado. A enunciação, por sua vez, é todo o contexto em que esta canção está
inserida, ou seja, no caso deste trabalho, é a letra da música, somada ao cotidiano do
maringaense, aos hábitos destes interlocutores, à sua maneira de vida, etc.
Segundo Bakhtin, a palavra só toma real significado, quando sai do
dicionário para ser proferida de um locutor para um interlocutor, considerando que estes
estão inseridos em um contexto social. Ou seja, uma mesma palavra pode ter inúmeros
significados, dependendo de quem está falando, de quem está ouvindo, além de onde e
quando estas pessoas estão inseridas. Nas palavras do autor:
A enunciação é o produto da interação entre dois indivíduos
socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real,
este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao
qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é a
função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa
do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na
hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou
menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor
abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no
sentido próprio, nem no figurado. (BAKHTIN, 2009, p.116)
Com isso, é possível afirmar que quando dizemos algo, o fator que
colabora na definição de como alo será como isso será falado, ou seja, quais serão as
palavras escolhidas para transmitir uma mensagem, é o interlocutor, aquele para quem
irá se falar. Desta maneira, uma mesma palavra pode tomar inúmeros significados,
dependendo da mensagem que se quer transmitir e para quem se que transmitir.
Para Bakhtin, toda palavra tem duas faces: ela procede de alguém e se
dirige para alguém. Nisso se firma a teoria do autor de que há muito mais em uma
palavra que sua função linguística e a comunicação: há também a interação. É por meio
da palavra que se interage: “Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e
do ouvinte.” (BAKHTIN, 2009, p. 117)
Porém, quando se pensa em interlocutor, há de se considerar o
coletivo. No caso das músicas, por exemplo, inúmeras pessoas agem como
interlocutores, recebendo a mensagem que é transmitida por meio da música em
questão. Essa coletividade, ou seja, os indivíduos para quem se quer transmitir uma
mensagem, é que define como isso vai acontecer e através de quais palavras o texto
tomará forma.
23
A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se
ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o
meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor de do
interlocutor. (BAKHTIN, 2009, p. 117)
Assim, a palavra, bem como a música, não é definida pelo locutor
somente (nem pelo cantor ou compositor), mas também pelo interlocutor, ou ouvinte.
Significa dizer que, diferente do que se pensa, não é a música que influencia o ouvinte,
mas o ouvinte que escolhe o que vai ser cantado e vai se tornar sucesso. Compositores e
cantores lançam aquilo que as pessoas querem ouvir, ou seja, são essas pessoas,
ouvintes de rádios, fãs de duplas sertanejas, compradores de CDs e DVDs, que orientam
a indústria da música para o que esta deve produzir.
Seguindo a teoria bakhtiniana, a enunciação é socialmente dirigida, de
maneira que está direcionada para um público. “A situação social mais imediata e o
meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu
próprio interior, a estrutura da enunciação.” (BAKHTIN, 2009. p. 117) Todos que
participam de alguma maneira dessa enunciação, colaboram para a determinação de
quais palavras serão usadas, com que intensidade, qual a forma e estilo da enunciação.
Faz-se necessário destacar que, para Bakhtin, a orientação social de
cada ser se dá de maneira consciente. Assim, a decisão de usar esta ou aquela palavra,
não é inconsciente, mas sim, com base nas impressões ideológicas de cada pessoa. Haja
vista que todos nós carregamos ideologias, crenças, costumes, etc; tudo que fazemos ou
falamos, a maneira como agimos, mostra um pouco de nossa ideologia, relaciona-se
como que com outros dizeres. Porém, ninguém nasce deste ou daquele jeito. Cada um
“constrói” a si mesmo ao longo de sua história. O que interfere nesta construção é o
local em que vivemos, as pessoas com quem convivemos, o período histórico em que
estamos inseridos, tudo isso nos leva a acreditar nesta ou naquela ideologia.
Se tomarmos a enunciação no estágio inicial de seu desenvolvimento,
“na alma”, não se mudará a essência das coisas, já que a estrutura da
atividade mental é tão social como a da sua objetivação exterior. O
grau de consciência, de clareza, de acabamento formal da atividade
mental é diretamente proporcional ao seu grau de orientação social.
Na verdade, a simples tomada de consciência, mesmo confusa, de uma
sensação qualquer, digamos a fome, pode dispensar uma expressão
exterior mas não dispensa uma expressão ideológica, tanto isso é
verdade que a tomada de consciência implica discurso interior,
entoação interior e estilo interior, ainda que rudimentares.
(BAKHTIN, 2009, p. 118)
24
Por isso, a tomada de consciência da fome, citada pelo autor, por
exemplo, pode ter inúmeros significados, dependendo do contexto social em que se está
inserido. Desta maneira, a fome tem um significado para quem mora nas ruas e passa
fome, outro diferente para a criança que chora avisando a mãe que precisa ser
amamentada e muitos outros que mudam de acordo com o contexto.
A atividade mental, de acordo com Bakhtin, acontece de maneira
individual ou coletiva, o que o autor chama de atividade mental do eu e atividade mental
do nós. Agir pelo eu ou pelo nós, depende da relação social em que se está inserido.
A personalidade que se exprime, apreendida, por assim dizer do
interior, revela-se um produto total a inter-relação social. A atividade
mental do sujeito constitui, da mesma forma que a expressão interior,
um território social. Em consequência, todo o itinerário que leva da
atividade mental (o “conteúdo a exprimir”) à sua objetivação externa
(a “enunciação”) situa-se completamente em território social. Quando
a atividade mental se realiza sob a forma de uma enunciação, a
orientação social à qual ela se submete adquire maior complexidade
graças a exigência de adaptação ao contexto social imediato do ato de
fala, e, acima de tudo, aos interlocutores concretos. (BAKHTIN, 2009,
p. 121-122)
Com base em tudo que já foi citado, o autor afirma que a consciência
nada mais é que ficção. “Não é senão uma construção ideológica incorreta, criada se
considerar os dados concretos da expressão social”. (BAKHTIN, 2009, p. 122)
A totalidade de nossa atividade mental está centrada em nossa vida
cotidiana, que, ligada às nossas expressões, forma o que Bakhtin chama de ideologia do
cotidiano. Por assim ser, o que determina toda enunciação não é o que está em nosso
interior, mas sim o que está fora de nós, localizado no meio social. “[...] não é tanto a
expressão que se adapta ao nosso mundo interior, mas o nosso mundo interior que se
adapta às possibilidades de nossa expressão”. (BAKHTIN, 2009, p. 122-123)
Com base na ideologia do cotidiano, definimos nossas palavras, atos e
gestos e até mesmo nossos estados de consciência. “Os sistemas ideológicos
constituídos da moral social, da ciência, da arte e da religião cristalizam-se a partir da
ideologia do cotidiano, exercem por sua vez sobre esta, em retorno, uma forte influência
e dão assim normalmente o tom a essa ideologia.” (BAKHTIN, 2009. p. 123) Desta
maneira, pode-se reafirmar que as músicas de sucesso da atualidade, inclusive as que
falam sobre bebidas alcoólicas, são escritas, produzidas e cantadas, com base na
25
vontade de um público em consumir esse tipo de música, afinal, é reflexo da ideologia
do cotidiano dessas pessoas.
Mais que isso, as canções refletem a particularidade do cotidiano do
jovem, inclusive maringaense. Dentro do contexto do jovem de nossa cidade que, em
muitos casos deixa a família para vir estudar e morar em Maringá e, vivendo sozinho,
passa a desfrutar de liberdades que possivelmente não tinha na casa dos pais, passa a
fazer sentido o que diz, por exemplo, a dupla Henrique e Juliano na música Mistura
Louca:
Tô morando só agora é só alegria
Farra lá em casa rola quase todo dia
Mulherada de biquíni na piscina
Tomando whisky e red bull pra entrar no clima. [...] (HENRIQUE E
JULIANO, 2013)
O que motiva compositores a criarem letras como essa, não é a
simples vontade que estes têm de fazê-lo, mas a identidade do público que vai ouvir
essa música. Isso está ligado à teoria bakhtiniana, que diz justamente que o interlocutor
tem papel fundamental na decisão do locutor em proferir esta ou aquela palavra; cantar
esta ou aquela canção. Quando há esse diálogo entre cantores e público/ouvintes,
acontece a interação verbal.
Para tanto, além de se cantar o que o público deseja ouvir, é preciso
cuidar para que ambos estejam “falando a mesma língua”. Por isso, encontra-se tão
frequentemente em letras de músicas, termos, gírias, expressões comuns entre os jovens,
de maneira que os cantores consigam se fazer entendidos por aqueles que eles desejam
que os ouçam. No entanto, talvez a canção cantada hoje, não faça sentido para o jovem
de amanhã, já que a língua está em constante evolução.
Se as músicas sertanejas fossem algo “acidental”, sem definição de
público, de tema, etc., possivelmente não fariam tanto sucesso. Sobre isso, Bakhtin
afirma que “a atividade mental nascida de uma situação fortuita não tem a menor chance
de adquirir uma força e ação duráveis no plano social.” (BAKHTIN, 2009, p. 124) Para
que aconteça o esperado sucesso, é preciso considerar a ideologia cotidiana do público,
bem como os sistemas ideológicos nos quais estão inseridos esses possíveis
consumidores. E isso, aliás, não é tão fácil quanto parece, afinal, requer criatividade, já
que essas ideologias são mutáveis.
26
Com isso, conseguimos compreender que já no processo de criação de
uma música, apesar de ser preciso considerar a “individualidade criadora” do
compositor, deve-se observar também que o discurso interior de quem está compondo,
se dá com base na ideologia do cotidiano.
O centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é
interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o
individuo. Só o grito inarticulado de um animal procede do interior,
do aparelho fisiológico do indivíduo isolado. É uma reação fisiológica
pura e não ideologicamente marcada. Pelo contrário, a enunciação
humana mais primitiva, ainda que realizada por um organismo
individual, é, do ponto de vista do seu conteúdo, de sua significação,
organizada fora do indivíduo pelas condições extra- orgânicas do meio
social. A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação
social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situaçao
imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das
condições de vida de uma determinada comunidade linguística.
(BAKHTIN, 2009, p. 125-126)
Assim, tudo que se diz, escreve, canta, não é um sistema abstrato de
formas linguísticas, mas sim resultado da interação verbal, que acontece por meio das
enunciações. O diálogo é uma das formas mais importantes de interação verbal. É por
meio do diálogo, mesmo que subentendido (quando um ouvinte liga pra rádio pra pedir
determinada música, por exemplo), que se torna possível que um cantor alcance
sucesso.
Continuaremos estudando um pouco mais sobre os pensamentos
bakhtinianos no capítulo a seguir, no qual falaremos sobre os gêneros do discurso e
outros fatores fundamentais para que aconteça o diálogo entre rádios/cantores e
ouvintes.
3.1.2 Os gêneros do discurso
Conforme já citado, de acordo com Bakhtin, emprega-se a língua em
forma de enunciados, que podem ser textos escritos, falados, cantados, etc. Cada
enunciado está inserido em um contexto específico e tem uma finalidade. Ao se inserir
neste ou naquele contexto, é que se define quais palavras serão utilizadas no enunciado.
A finalidade ou objetivo, também tem peso nessa escolha. Pensando nisso tudo, Bakhtin
criou o termo “gêneros do discurso” ou gêneros discursivos.
27
Toda forma de comunicação é considerada um gênero do discurso,
uma vez que tem conteúdo, forma e estilo. São gêneros, por exemplo, a notícia, a
conversa informal, a música, etc.
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque
são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e
porque em cada campo dessa atividade é integral o repertorio de
gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolve e sem complexifica um determinado campo. (BAKHTIN,
2011, p. 262)
Três elementos são fundamentais e estão intimamente ligados no todo
do enunciado: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Entende-se por
conteúdo temático, a essência do discurso, ou seja, o tema que está sendo abordado no
enunciado. Estilo diz respeito à linguagem utilizada, podendo ser, por exemplo, formal,
informal, coloquial, etc. Por fim, a construção composicional é a forma ou estrutura do
enunciado, como por exemplo, notícia, artigo de opinião, música, etc.
Os gêneros têm um papel funcional na sociedade, de maneira que eles
surgem para atender às necessidades das pessoas de uma determinada época. Assim
sendo, eles também desaparecem quando deixam de ser necessários. Exemplo disso é o
quase desaparecimento da carta ou telegrama e o surgimento do e-mail.
Os gêneros discursivos se dividem também em primários, aqueles
mais simples, ligados ao cotidiano, e secundários, os mais complexos, que exigem
maior atenção e estudo. Nos primários, se formam as condições de comunicação
imediatas que, inclusive, integram os gêneros secundários que, para existirem, ganham
um caráter especial. Ou seja, os gêneros secundários surgem também nos primários e se
aprimoram, tornando-se romances, expressões artísticas, artigos científicos, etc.
Para compreender o enunciado, no entanto, é preciso estar inserido no
mesmo contexto dele. Caso isso não ocorra, o que se tem, é o que Bakhtin chama de
“uma abstração exagerada”, o que, segundo ele, deforma “a historicidade da
investigação, debilitam as relações da língua com a vida”. (BAKHTIN, 2011. p. 265).
Ora, a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos
(que se realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a
vida entra na língua. O enunciado é um núcleo problemático de
importância excepcional. (BAKHTIN, 2011, p. 265)
28
Um desses problemas pontuados por Bakhtin está no estilo, que,
conforme já dito, está sempre ligado ao enunciado e ao gênero do discurso. Por ser
individual, o enunciado pode estar relacionado à individualidade de quem está falando-o
ou escrevendo-o. Os gêneros literários, bem como o gênero canção, que estudamos
neste trabalho, podem ser considerados individuais, segundo Bakhtin.
A música sertaneja universitária, que está inserida em uma esfera
artística, dentro do gênero canção, por exemplo, tem um estilo próprio. A linguagem
desse estilo pode ser formal ou informal, de acordo com a mensagem que o enunciado
pretende transmitir. Porém, há de se considerar que o estilo definido pelo compositor,
ao escrever uma música sertaneja universitária, é semelhante ao utilizado pelo jovem
(ouvinte/público) em seu cotidiano. Só assim, o cantor ou intérprete, se fará entendido
por seu público alvo, haja vista que, se o compositor utilizar uma linguagem diferente
da que o jovem usa em seu dia-a-dia, ele possivelmente não alcançará seus objetivos
com a música.
Isso reafirma a teoria bakhtiniana de que “em cada campo existem e
são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a
esses gêneros que correspondem determinados estilos”. (BAKHTIN, 2011, p. 266)
Assim, dentro de um gênero, como é o caso da canção, estilo, tema e composição
variam, mas caminham juntos, precisam estar ligados. Isso colabora para que, no caso
das músicas sertanejas universitárias, em especial as que abordam o tema bebida
alcoólica, tenham letras mais leves, divertidas e descontraídas, acompanhadas de ritmos
mais acelerados, por exemplo.
O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que
é de especial importância – de determinadas unidades composicionais:
de determinados tipos de construção do conjunto, de tipos do seu
acabamento, de tipos da relação do falante com outros participantes da
comunicação discursiva – com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o
discurso do outro, etc. O estilo integra a unidade de gênero do
enunciado como seu elemento. (BAKHTIN, 2011, p. 266)
As mudanças históricas também são importantes para que haja
mudança de estilo de linguagem. “As mudanças históricas dos estilos de linguagem
estão indissociavelmente ligadas às mudanças dos gêneros do discurso.” (BAKHTIN,
2011, p. 267)
29
Com o sertanejo, veremos um pouco mais dessa evolução no capítulo
dedicado à música. É possível adiantar, no entanto, que o sertanejo surgiu como música
caipira, relatando o cotidiano de agricultores ou do homem do campo, contando as
histórias desse povo. Com o passar dos anos, o homem do campo foi para a cidade e o
sertanejo começou a contar histórias de amor e decepções amorosas desse homem. Após
uma breve decadência da música sertaneja na década de 1990, ela voltou a ganhar força
a partir de 2004, quando buscou-se um novo estilo, voltado aos jovens e universitários.
Esse breve relato histórico mostra a veracidade na afirmação de Bakhtin, citada acima,
de maneira que podemos perceber a evolução e as mudanças no sertanejo, seguindo as
mudanças vividas por seu público.
Em cada época de evolução da linguagem literária, o tom é dado por
determinados gêneros do discurso, e não só gêneros secundários [...]
mas também primários. [...] Onde há estilo, há gênero. A passagem do
estilo de um gênero para outro não só modifica o som do estilo nas
condições do gênero que não lhe é próprio como destrói ou renova tal
gênero (BAKHTIN, 2011, p. 28).
Bakhtin afirma ainda que a escolha desta ou daquela forma gramatical
pelo falante na formação de um enunciado já é um ato estilístico. Isso, além de estar
ligado ao contexto, traz também a carga ideológica desse falante, além de ter relação
com o que o falante quer transmitir naquele discurso ou qual seu objetivo com isso.
Daqui em diante, Bakhtin passa a tratar o interlocutor (ouvinte,
receptor), como o outro, ao qual chama de parceiro da comunicação.
A língua é deduzida da necessidade do homem autoexpressar-se, de
objetivar-se. A essência da linguagem nessa ou naquela forma, por
esse ou aquele caminho se reduz à criação espiritual do individuo.
Propunham-se e ainda se propõem variações um tanto diferentes das
funções da linguagem, mas permanece característico, senão o pleno
desconhecimento, ao menos a subestimação da função comunicativa
da linguagem; a linguagem é considerada do ponto de vista do falante,
como que de um falante sem a relação necessária com outros
participantes da comunicação discursiva. Se era levado em conta o
papel do outro, era apenas como papel de ouvinte, que apenas
compreende passivamente o falante (BAKHTIN, 2011, p. 270).
Porém, esse outro não pode ser ignorado. Bakhtin diz que enxergar o
outro apenas como ouvinte é uma ficção, que deturpa o processo ativo da comunicação
discursiva. Essa recepção passiva não acontece, por exemplo, no caso da música. Pelo
30
contrário, é necessário que haja uma resposta do outro, que, neste caso, é o ouvinte das
rádios, o fã do cantor, o público do show, o comprador de CDs e DVDs, etc. A essa
resposta dada pelo outro, Bakhtin chama de atitude responsiva, que somente acontece
quando esse outro compreende a mensagem transmitida pelo discurso.
O ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do
discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição
responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente),
completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição
responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de
audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a
partir da primeira palavra do falante. [...] Toda compreensão é prenhe
de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o
ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2011, p. 271)
No entanto, mesmo que essa resposta não venha de imediato, ela pode
acontecer de maneira retardada, conforme Bakhtin afirma. Isso porque, o ouvinte pode
não ter a resposta pronta e ter que internalizar primeiro o enunciado e compreendê-lo
para, só depois, externar sua resposta em voz alta. E o autor vai além: ele afirma que o
próprio falante não espera uma compreensão passiva, mas uma resposta, seja uma
concordância, objeção ou qualquer outra.
Bakhtin fala ainda que todo falante se apropria de enunciados já
existentes e, neles, baseia-se para dar voz ao seu enunciado. “Cada enunciado é um elo
na corrente complexamente organizada de outros enunciados”. (BAKHTIN, 2011, p.
272) Na música sertaneja também há um elo que ligue o estilo caipira ao universitário,
por exemplo. Muitas das características herdadas pelos artistas atuais dos antigos, ainda
permanecem. A principal delas, certamente, é a identidade com seu público, criando
letras de músicas que falam sobre o cotidiano de quem ouve esse gênero musical. O que
acontece é que, com o passar dos anos, o ouvinte deixou de ser o homem do campo para
ser o jovem da cidade ou o universitário.
Há um elo também entre os discursos dessas músicas e o discurso dos
jovens de hoje. As letras do sertanejo universitário, inclusive as que abordam o tema
bebidas alcoólicas, vêm carregadas do que o autor chama de ecos dos discursos
cotidianos dos jovens. Com base nesses discursos é que são compostas as músicas que
ouvimos nas rádios.
Contudo, nem só de universitários é formado o público sertanejo. Mas
em tempos de tantas universidades espalhadas pelo Brasil, formando pessoas nas mais
31
variadas áreas, como nunca aconteceu antes na história do país, quase todo mundo tem
algum universitário na família, na vizinhança ou no círculo de amizades, podendo
enxergar, consequentemente, esse contexto universitário mais próximo de si.
Esses ecos dos discursos já existentes são também chamados de
“vozes”, pelo autor. Trata-se do “já-dito” sobre determinado tema. Assim, segundo
Rodrigues (2007), é possível afirmar que cada enunciado está ligado à outras posições
discursivas, de maneira que haja “relações dialógicas com os enunciados já ditos.” (p.
174) A posição do autor é construída com base em diferentes vozes.
Com isso, a autora verifica a existência de dois movimentos
dialógicos:
A incorporação de outras vozes ao discurso do autor, avaliadas
positivamente, “chamadas” para a construção do seu ponto de vista,
que se denominou movimento dialógico de assimilação; e o
apagamento, distanciamento, isolamento, desqualificação das vozes às
quais o autor se opõe, o que se denominou movimento dialógico de
distanciamento. (RODRIGUES, 2007, p. 174)
No caso do sertanejo universitário, o movimento dialógico de
assimilação pode ser observado a partir das vozes que ecoam nas letras das músicas
atuais, como é o caso das que falam sobre bebidas alcoólicas porque os jovens
vivenciam isso em seu cotidiano. As vozes do sertanejo antigo também ecoam no
moderno, que segue a mesma linha de seus pioneiros: cantar o cotidiano de seu público.
Já quando pensamos no movimento dialógico de distanciamento,
podemos observar, principalmente, que ao cantar músicas que falam sobre bebidas
alcoólicas (mesmo que a base para isso seja o cotidiano dos jovens), as letras dessas
canções falam sobre a bebida associando-a à diversão, ao sexo, à conquista amorosa, à
traição, bem como a outros temas, de maneira muito natural, já que tudo isso faz parte
da vida cotidiana de seu público. No entanto, existem outros discursos que combatem
esse tipo de comportamento e, ao cantar uma música, os intérpretes e compositores,
distanciam-se dessas bandeiras.
Exemplo disso é a preocupação da classe médica que, frequentemente,
tenta combater o uso de bebidas alcoólicas, considerando o número de acidentes e
doenças que estão ligados ao consumo de álcool. O governo também demonstra
apreensão com isso, haja vista que muito do gasto com saúde se dá em função de
acidentes de trânsito que acontecem por ter alguém envolvido que tenha ingerido
32
bebidas alcoólicas. A polícia, braço do governo que trabalha diretamente com esses
acidentes, também contraria o que é cantado nas músicas.
Por fim, há ainda a bandeira religiosa, que tende a combater o sexo
fora do casamento e a traição. Todos esses discursos são ignorados pelos cantores dessa
música sertaneja que trabalhamos aqui. Trata-se do que a autora chama de
“enquadramento”, ou seja, cada falante toma como base o enquadramento que vai lhe
servir. “Os movimentos dialógicos de assimilação e de distanciamento „marcam-se‟
pelas diferentes estratégias de enquadramento e de citação do discurso do outro.”
(RODRIGUES, 2007, p. 175).
Enquanto o movimento dialógico de assimilação apresenta uma
variedade menor de estratégias de enquadramento da fala do outro, o
movimento dialógico de distanciamento apresenta um conjunto de
estratégias mais diversificado, pois se o objetivo é desautorizar
determinado ponto de vista, distanciar-se dele, esse enquadramento se
torna muito mais necessário e eficaz. (RODRIGUES, 2007, p. 176)
Além dessa questão do enquadramento, é preciso considerar também a
maneira como a voz do outro é introduzida no discurso do falante, uma vez que as
relações dialógicas se dão também por meio do plano estilístico-composicional. Assim,
todo discurso torna-se bivocal, ou seja, tem mais de uma voz somando para que o
discurso exista (a do autor e a de outros). Apesar de, muitas vezes, termos conhecimento
apenas do que o falante discursa, a voz do outro sempre está diluído no discurso desse
falante. “As palavras pertencem formalmente ao articulista, mas nelas outra voz ressoa.”
(RODRIGUES, 2007. p. 177)
A autora divide ainda a relação dialógica entre falante e interlocutor
em três movimentos básicos: “o movimento de engajamento do leitor ao discurso do
autor, o movimento de refutação da possível contrapalavra do leitor e o movimento de
interpelação do leitor ao horizonte axiológico do autor.” (RODRIGUES, 2007, p. 178)
Uma vez que os títulos são praticamente autoexplicativos, vamos nos atentar mais ao
movimento de engajamento, uma vez que, como já dito anteriormente, se as músicas
aqui estudadas são consumidas pelo público e pelos ouvintes das rádios, certamente é
porque há um engajamento entre público e cantores/rádios.
Possivelmente, não haja refutação ou interpelação no caso das músicas
que vamos estudar, pois foram as músicas mais tocadas por alguns meses em rádios
33
maringaenses, dando a entender que o ouvinte aprovou o discurso apresentado nas
canções sem refutar ou interpelar as emissoras de rádio ou mesmo os intérpretes.
Assim, o outro (aqui, ouvinte) pode ser considerado um aliado do
autor, ou, como chama Rodrigues, “um co-autor” da música sertaneja universitária. Isso
acontece, porque o discurso trazido pelas músicas mostra que cantores e público falam a
mesma linguagem, concordam com o tema.
Segundo Bakthin, o público do sertanejo universitário pode ser
considerado sujeito do discurso, pois ele age e reage diante de uma nova música, por
exemplo. “Os limites de cada enunciado concreto como unidade da comunicação
discursiva soam definidos pela alternância dos sujeitos do discurso, ou seja, pela
alternância dos falantes.” (BAKHTIN, 2011. p. 275)
Essa teoria se aplica perfeitamente à pesquisa aqui realizada, com base
nas músicas tocadas em rádios maringaenses. Essa alternância dos sujeitos, diz respeito
ao falante (cantor sertanejo e rádios, nesse caso) e à resposta dada pelo ouvinte.
Levando em consideração que as músicas tocadas nas rádios se mantêm no Top das
mais tocadas graças aos pedidos de ouvintes dessas emissoras, é possível concluir que
há uma aceitação desse ouvinte. Sua resposta positiva para a execução de determinada
música se dá quando o ouvinte liga para a rádio, participa pelas redes sociais, manda email ou SMS e pede a referida canção.
Isso sugere que, se músicas sertanejas do gênero universitário que
abordam o tema bebidas alcoólicas se mantêm tocadas em rádios maringaenses, elas
tiveram uma boa receptividade do público alvo das rádios. Caso contrário, essas canções
seriam substituídas por outras na programação das emissoras estudadas. Assim, a
resposta do ouvinte, ou seja, do outro, não é silenciosa e nem mesmo passiva: essa
resposta é ativa. “O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou
dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva”. (BAKHTIN, 2011. p. 275) Ou
seja, a rádio toca a música e dá vez ao ouvinte para que este responda positiva ou
negativamente à canção tocada.
Em seguida, acontece o que Bakhtin chama de réplica:
Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui uma
conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que
suscita resposta, em relação à qual se pode assumir uma posição
responsiva. (BAKHTIN, 2011, p. 275)
34
A réplica das rádios se dá de duas maneiras: se a resposta do ouvinte
for positiva, elas continuam tocando a música. Caso contrário, essa música é substituída
por outra que passará pelo mesmo processo. Ou seja, àquilo que o Bakhtin chama de
conclusibilidade, entendemos por resposta, conclusão. Acredita-se que a música é bem
ou mal aceita pelo ouvinte, por isso, ela continua ou não tocando nas rádios. Isso nos
leva a crer também que o ouvinte das rádios, que mantém ou não artistas fazendo
sucesso, determinando, inclusive, o quer ouvir e o que vai se manter no mercado
fonográfico.
Ao falar do diálogo e suas réplicas, Bakhtin aborda “o problema da
oração como unidade da língua em sua distinção em face do enunciado como unidade
da comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2011, p. 276). O autor preocupa-se com a
questão da oração, por ela ser uma estrutura da língua e, portanto, estar
descontextualizada. Ela só fará sentido dentro de um contexto comunicativo, formando
o enunciado. Assim como a oração, a palavra também só assume significação num
contexto, transformada em enunciado.
Somente com palavras e orações desconexas, portanto, não há atitude
responsiva. Esta só acontece a partir do momento que temos um enunciado. Só assim, o
sujeito pode compreender e participar do processo de comunicação. No caso de uma
obra, como por exemplo, artística (música), a atitude responsiva vai acontecer de acordo
com o objetivo que essa música tenha, provocando uma resposta.
[...] a alternância dos sujeitos do discurso, que emoldura o enunciado e
cria para ele a massa firme, rigorosamente delimitada dos outros
enunciados a ele vinculados, é a primeira peculiaridade constitutiva do
enunciado como unidade da comunicação discursiva, que o distingue
da unidade da língua. (BAKHTIN, 2011, p. 280)
O papel do outro, é, portanto, fundamental no processo comunicativo,
pois é ele quem vai apontar o que eu vou escrever ou falar. Assim como é o outro que
define o que o artista vai cantar ou o que a rádio vai tocar. Um artista não faz música pra
ninguém, pelo contrário, faz pensando em agradar a um determinado público. Da
mesma maneira, uma rádio visa um público e deve tocar músicas que agradem a esse
público.
Peça chave para que aconteça esse diálogo é, por assim dizer, a
conclusibilidade, ou seja, a compreensão do enunciado. Bakhtin cita que a:
35
[...] inteireza acabada do enunciado, que assegura a possibilidade de
resposta (ou de compreensão responsiva), é determinada por três
elementos ou fatores intimamente ligados no todo orgânico do
enunciado: 1) exauribilidade do objeto e do sentido; 2) projeto de
discurso ou vontade de discurso do falante; 3) formas típicas
composicionais e de gênero do acabamento. (BAKHTIN, 2011, p.
281)
Para tornar claro o pensamento de Bakhtin, resumidamente, o
primeiro fator, da exauribilidade do objeto e do sentido, significa o fato de dizer tudo
sobre determinado tema; projeto de discurso está relacionado à finalidade, objetivo do
discurso, o motivo de se escrever, dizer ou cantar isso ou aquilo; por fim, ele fala da
forma de composição, ou seja, será utilizado um artigo, uma notícia, ou mesmo uma
música para falar sobre determinado tema.
Apesar de Bakhtin falar da exauribilidade do objeto, no caso das
músicas aqui estudadas, acredita-se que ela sejam mais superficiais. Com isso, acontece
a manutenção das músicas que falam sobre bebidas alcoólicas, por exemplo, havendo
tantas canções que tratam de diferentes maneiras e com diferentes assuntos dentro desse
mesmo tema, já que não há um esgotamento do assunto. A isso, chamamos de
exauribilidade relativa, o que é já uma ideia definida pelo autor.
Em cada enunciado [...] abrangemos, interpretamos, sentimos a
intenção discursiva de discurso ou a vontade discursiva do falante, que
determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas fronteiras.
Imaginamos o que o falante quer dizer, e com essa ideia verbalizada,
essa vontade verbalizada (como a entendemos) é que medimos a
conclusibilidade do enunciado. Essa ideia determina tanto a escolha
do próprio objeto [...] quanto os seus limites e a sua exauribilidade
semântico-objetal. Ela determina, evidentemente, também a escolha a
forma do gênero na qual será construído o enunciado. (BAKHTIN,
2011, p. 281)
Com as músicas tema deste trabalho, é possível verificar, baseando-se
na teoria bakhtiniana, que a finalidade do discurso delas é aproximar o cantor do seu
público. Isso acontece o tempo todo, quando se canta algo que o ouvinte consegue sentir
proximidade. Daí o sucesso das músicas que falam sobre bebidas, baladas e mulheres,
pois isso faz parte do cotidiano do ouvinte dessa música.
Além disso, acredita-se também que a uma das finalidades seja
proporcionar ao ouvinte entretenimento e momentos de descontração, por isso letras
mais leves e relacionadas ao cotidiano desse ouvinte. Isso porque a música é uma das
36
poucas formas de cultura à qual a maioria da população tem acesso, em especial em
cidades do interior, como é o caso de Maringá.
Há de se destacar ainda a lógica de mercado na intenção discursiva
das músicas sertanejas. Ou seja, a intenção também é lucrar. Para os artistas, a música é
meio de sustento e sobrevivência. Por mais que esta seja uma profissão que envolve
status e até mesmo certo glamour, esses artistas se dedicam à arte, tendo-a como
profissão. Além deles, há toda uma estrutura de músicos, produtores, gravadoras, etc.,
que também esperam o lucro vindo da música sertaneja, conforme lembra Schneider:
Embora a concepção e a execução da produção musical não possam
ser totalmente alienadas do produtor (nos referimos aqui a seus
conhecimentos musicais e habilidade técnica), elas são em grande
parte, sobretudo no planejamento (concepção) do que será ou não
produzido, na determinação do tempo e dos recursos a serem
empregados no processo produtivo e, em certa medida, na definição
de determinadas características formais do produto – o qual, aliás, é
propriedade da gravadora, restando aos compositores e músicos as
migalhas (em alguns casos volumosas) de direitos autorais e conexos.
(GUEIROS JR. apud SCHNEIDER, 2006, p. 174)
É certo que isso está ligado à industrialização da cultura, porém,
falamos neste momento, de outro ponto: com o objetivo de se manter no mercado da
música, é que há preocupação com o discurso dessas canções, visando o retorno do
público. Dessa maneira, há um movimento dialógico com o contexto atual entre esse
público e o mercado, ou seja, o funcionamento da indústria cultural. Sobre este tema,
trataremos no capítulo dedicado à cultura.
Assim acontece também com as rádios, que reproduzem essas
músicas, tornando-se parte fundamental no sucesso ou não de cada canção lançada no
mercado. Uma rádio, além de veículo de comunicação, é também uma empresa e,
consequentemente, visa lucros. Esses lucros só são possíveis, no entanto, quando a
emissora toca um tipo de música que o ouvinte deseja ouvir. Em tudo isso, é possível
ver a intenção ou vontade discursiva, da qual Bakhtin fala.
Na escolha do gênero discursivo, nesse caso, o gênero canção, já há a
vontade discursiva do falante. Por meio da música, é que os cantores pretendem
transmitir seus pensamentos, ideologias, etc. Essa escolha, segundo Bakhtin, também é
determinada “pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por
considerações
semântico-objetais
(temáticas),
pela
comunicação
concreta
da
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comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes, etc.”
(BAKHTIN, 2011, p. 282)
Ao somar todas essas características à individualidade e subjetividade
do falante, é necessário que sejam feitas adaptações relativas ao gênero escolhido
(música) a fim de que o discurso faça sentido para o ouvinte. Bakhtin ressalta que esses
gêneros do discurso, desde os relativos à comunicação oral cotidiana, por exemplo, “nos
são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna, a qual dominamos
livremente até começarmos o estudo teórico da gramática.” (BAKHTIN, 2011, p. 282)
Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso [...]. Nós
aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando
ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos um determinado volume
(isto é, uma extensão aproximada do conjunto do discurso), uma
determinada construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde
o início temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida
apenas se diferencia no processo da fala. (BAKHTIN, 2011, p. 283)
Esse pensamento bakhtiniano, deixa evidente que não seria possível
comunicação discursiva, se tivéssemos que criar um gênero pela primeira vez sempre
que fôssemos falar ou escrever algo. O autor afirma também, que as formas de gêneros
são mais “flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua”. Ou seja, de acordo com
cada tempo histórico, contexto, ideologia, etc., o gênero do discurso pode mudar. As
palavras (língua), no entanto, não mudam da mesma forma, já que os gêneros podem ser
os mais diversos, tendo em vista que são diferentes em cada situação, posição social ou
nas relações pessoais.
Ao dominarmos, portanto, um gênero, conseguimos empregá-lo mais
livremente, além de descobrirmos nele nossa individualidade. Com isso, temos maiores
chances de dar o tom ideal ao nosso discurso, ou seja, realizarmos com maior precisão
nosso projeto de discurso.
Para Bakhtin, o que fará toda a diferença num discurso, além de outros
fatores, é a entonação expressiva na constituição de um enunciado. Levando-se em
consideração que a palavra, bem como a oração desconexa do contexto, é neutra, não
tem significação, a entonação é que pode somar para que o enunciado dê sentido às
palavras e orações. A entonação, na comunicação discursiva, agrega valor e traduz
elogio, aprovação, êxtase, etc. Isso é visível tanto na música quanto no discurso dos
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locutores de rádios, que trabalham com a entonação certa em seu discurso, a fim de dar
destaque às músicas da programação.
Bakhtin segue refletindo sobre a palavra, dizendo que ela existe para
todo falante em três aspectos:
Como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como
palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por
último, como a minha palavra, porque, uma vez que eu opero com ela
em uma situação determinada, com uma intenção discursiva
determinada, ela já está compenetrada da minha expressão.
(BAKHTIN, 2011, p. 294)
Assim, a palavra, como já dito, só passa a significar após ter contato
com a realidade concreta, estando inserida em uma situação real. Já o enunciado,
segundo Bakhtin, “é pleno de tonalidades dialógicas, e sem levá-las em conta é
impossível entender até o fim o estilo de um enunciado.” (BAKHTIN, 2011, p. 298)
Desta maneira, um enunciado, como citado anteriormente, sempre tem elo com outros,
de forma que eles dialoguem entre si.
“O discurso do outro, desse modo, tem dupla expressão: a sua, isto é,
a alheia, e a expressão do enunciado que acolheu esse discurso. Tudo
isso se verifica, antes de tudo, onde o discurso do outro (ainda que
seja uma palavra que aqui ganha força de um enunciado pleno) é
citado textualmente e destacado com nitidez (entre aspas): os ecos da
alternância dos sujeitos do discurso e das suas mutuas relações
dialógicas aqui se ouvem nitidamente.” (BAKHTIN, 2011. p. 299)
Daí o dialogismo que buscamos neste trabalho: o diálogo entre
cantores/rádios e ouvintes, e da própria música sertaneja universitária com o passado do
estilo musical e com o mercado fonográfico. Isso mostra-nos que, diferente do que
algumas linhas de pesquisa trazem à tona, de acordo com o pensamento bakhtiniano, há
um diálogo entre indústria cultural e massa. Sem esse diálogo, não haveria o consumo
esperado por artistas ao lançar uma nova música. Se fosse levada em consideração
apenas a vontade do autor, deixando de lado o que o outro (ouvinte) espera, as músicas
não fariam sucesso e não seriam tocadas nas rádios.
Reafirmando a ideia de que nosso discurso está sempre repleto de
outras falas, Bakhtin cita a expressão “Adão mítico”, dizendo que não somos como
Adão (o primeiro, sem antecedentes) e, por não o sermos, já temos pontos de vista,
visões de mundo, teorias, nas quais nos baseamos para formar nosso discurso. E ele vai
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além: um enunciado não está ligado somente ao que já existe (precedentes), mas
também aos elos subsequentes da comunicação discursiva, o que significa que ao
criarmos um enunciado, esperamos o que virá depois, ou seja, a atitude responsiva do
outro.
Um traço essencial (constitutivo) do enunciado é o seu
direcionamento a alguém, o seu endereçamento. À diferença das
unidades significativas da língua – palavras e orações –, que são
impessoais, de ninguém e a ninguém estão endereçadas, o enunciado
tem autor (e, respectivamente, expressão, do que já falamos) e
destinatário. (BAKHTIN, 2011, p. 301)
Seja esse destinatário coletivo, participante-interlocutor direto no
diálogo, povo, público, etc., ou alguém indefinido, o autor tem que conhecer, saber
exatamente para qual “endereço” enviar seu discurso. É por isso que a música sertaneja
universitária tem feito tanto sucesso: os artistas cantam sabendo para quem o fazem, ou
seja, constroem um discurso voltado para esse público (com endereço certo).
Em resposta, o público compra CDs e DVDs, vai aos shows, pede as
músicas na rádio e mantém ou não esses artistas fazendo sucesso. Quando o discurso
fica ultrapassado, como acontece com todas as músicas que aparecem e desaparecem
das programações de rádios todas as semanas, compositores criam novas canções e todo
o processo se repete.
Bakhtin segue discutindo sobre o dialogismo em tudo que se escreve,
fala, canta, produz, inclusive, na arte. Sobre os discursos na arte falaremos um pouco
mais a seguir.
3.1.3 Discurso na vida e discurso na arte
Há um escrito de Bakhtin no qual o autor fala sobre os discursos
artísticos. Aqui, mais uma vez, o autor diz que nenhum discurso se constrói sem
considerar o contexto em que o mesmo está inserido. Ele se coloca contra o formalismo
russo, que estudava apenas a estrutura do texto, desconsiderando quem era o autor, para
quem havia escrito, em que lugar e período histórico estava, etc. “A forma em si e por
si, de acordo com este ponto de vista, possui sua própria natureza e sistema de
determinação
de
caráter
não
sociológico,
(VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976, p. 1)
mas
especificamente
artístico.”
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Pensando desta maneira, forma e conteúdo, bem como teoria e
história, são deixados de lado. Porém, no método sociológico, só é possível estudar e
compreender um discurso artístico, considerando a interação entre o enunciado e o meio
social extra-artístico.
Para os formalistas, a arte é tratada como não-sociológica “por
natureza”, como se fosse o que o autor chama de uma estrutura física ou química de um
corpo. “Todo artigo que se torna objeto de oferta e demanda, isto é, que se torna uma
mercadoria, está sujeito, quanto ao seu valor e sua circulação na sociedade humana, à
determinação de leis sócio-econômicas.” (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976, p. 2)
No entanto, Bakhtin discorda dessa teoria dizendo:
A arte, também, desde que se torna um fator social e está sujeita à
influência de outros fatores, igualmente sociais, ocupa seu lugar,
naturalmente, dentro do sistema global de determinação sociológica –
mas desta determinação nós nunca seremos capazes de derivar a
essência estética da arte, do mesmo modo como não podemos
descobrir a fórmula química desta ou daquela mercadoria das leis
econômicas que governam a sua circulação. (VOLOSHINOV;
BAKHTIN, 1976, p. 2)
A única maneira, portanto, de se encontrar uma “fórmula científica”
para qualquer domínio da criação ideológica é com base no método sociológico. Para o
autor, os corpos químicos e físicos não existem apenas na sociedade humana, por isso é
passível de explicação através de fórmulas. A arte, por sua vez, como todo produto da
“criatividade humana nasce na e para a sociedade humana”. (VOLOSHINOV;
BAKHTIN, 1976, p. 2)
Para o autor, tanto as formações ideológicas quanto a arte são
imanentemente sociológicas. “O meio social extra-artístico afetando de fora a arte,
encontra resposta direta e intrínseca dentro dela. Não se trata de um elemento estranho
afetando outro, mas de uma formação social, o estético [...] é apenas uma variedade
social.” (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976, p. 2) Assim, a teoria artística é a própria
sociologia da arte. Assim sendo, alguns fatores precisam ser observados ao estudar a
arte.
Para Bakhtin, é preciso deixar de lado o ponto de vista que ele define
como “a fetichização da obra artística enquanto artefato”. (VOLOSHINOV; BAKHTIN,
1976, p. 3). Esse olhar estuda a obra por si só, ignorando o contexto, o criador e o
público, por exemplo. Além disso, outro ponto de vista também não pode ser
41
considerado: aquele que estuda apenas a psique do autor ou do contemplador, mas
nunca dos dois juntos ou do contexto em que estão inseridos.
Para o autor, ao propor-se um estudo com base em obras de arte, no
entanto, é preciso compreendê-la como um fenômeno sociológico. O discurso verbal
não pode ser visto apenas de um ponto de vista linguístico abstrato, mas como um
fenômeno da comunicação cultural.
Com isso, o autor conclui que nenhum dos dois pontos de vista antes
apontados podem levar a uma conclusão real sobre uma obra de arte, pois ambos são
falhos: “eles tentam descobrir o todo na parte, isto é, eles pegam a estrutura de uma
parte, abstratamente divorciada do todo, apresentando-a como a estrutura do todo.”
(VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976, p. 3)
No entanto, quando se pensa no artístico, sua totalidade não está na
forma física (artefato) e nem mesmo na psique do criador ou do contemplador, ao
menos não separadamente. “O artístico é uma forma especial de interrelação entre
criado e contemplador fixada em uma obra de arte.” (VOLOSHINOV; BAKHTIN,
1976, p. 3-4)
Por meio de uma obra de arte acontece a comunicação artística e, para
que isso aconteça de maneira concreta e verdadeira, a obra precisa estar embasada num
contexto comum entre criador e contemplador. “Compreender esta forma especial de
comunicação realizada e fixada no material de uma obra de arte – eis precisamente a
tarefa da poética sociológica.” (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976. p. 4) Significa dizer
que, ao comunicarem-se por meio da obra de arte, há uma interação entre criador e
contemplador, assim como acontece com o público do rádio que se comunica com a
emissora e, consequentemente, com os cantores quando uma música chega até eles.
O que caracteriza a comunicação estética é o fato de que ela é
totalmente absorvida na criação de uma obra de arte, e nas suas
contínuas recriações por meio da co-criação dos contempladores, e
não requer nenhum outro tipo de objetivação. (VOLOSHINOV;
BAKHTIN, 1976, p. 4)
Assim, ao criar uma música que fale sobre bebidas alcoólicas,
mulheres, festas, diversão, etc., surge para atender à demanda do público sertanejo.
Músicas que falem sobre o cotidiano desse público foi a maneira mais eficaz encontrada
42
pelos cantores para se comunicarem com seu público e, consequentemente, vender CDs
e DVDs, lotar casas de show, e, dessa maneira, gerar lucros.
43
4
CULTURA: DO CULTIVO DO HOMEM AO CULTIVO DO MERCADO
A palavra cultura, por si só, tem um significado muito amplo. O
próprio dicionário dá uma dimensão da abrangência dessa palavra, qualificando-a como:
[...] O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das
instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc.,
transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade. – O conjunto
dos conhecimentos adquiridos em determinado campo. [...]
(AURÉLIO, 2004, p. 280)
Seguindo essa lógica, cultura seria, portanto, mais que folclore e
música. Numa reflexão mais profunda, Edgar Morin (1999), afirma que cultura é
“palavra mito que tem a pretensão de conter em sai completa salvação: verdade,
sabedoria, bem-viver, liberdade, criatividade...” (MORIN, 1999, p. 75)
O próprio autor segue refletindo sobre a abrangência de cultura. Morin
atribui a ela três sentidos: antropológico – que de um lado se opõe à natureza e engloba,
portanto, tudo o que não depende do conhecimento inato e, por outro lado, tudo o que é
dotado de sentido; o etnográfico – que reagrupa crenças, ritos, normas, valores, modelos
de comportamento que se perpetuam de geração em geração; e o das humanidades
clássicas e no gosto literário-artístico. (MORIN, 1999, p. 75-76).
Ao longo do tempo, a palavra veio ganhando diferentes significados.
Significa dizer que a cultura (ou as culturas) evoluiu junto com o homem no passar dos
anos. Com isso, antes de ganhar qualquer um dos sentidos citados por Morin, já se
encontrava significado para cultura na literatura do século XV, quando referia-se a
cultivar a terra. Daí o surgimento de palavras como agricultura, apicultura, floricultura e
outras. Logo depois, no século XVI, passou-se a acreditar que a mente humana também
poderia ser “cultivada”. No entanto, afirmava-se que apenas alguns grupos,
especialmente os de classes sociais mais altas, apresentavam mentes e maneiras
cultivadas, sendo que apenas algumas nações tinham o que se considerava de elevado
padrão de cultura. No século XVIII, essa ideia classista de cultura, se firma e somente as
pessoas com posições sociais privilegiadas são consideradas cultas. (ALMEIDA,
GUTIERREZ, 2004, p. 49-51)
De acordo com os mesmos autores, é nesse período que surge o
conceito que permanece ainda hoje: a cultura associada às artes. Já nessa época, a
44
cultura, de acordo com o que pensa a elite culta, está ligada ao fato de saber apreciar
boa música, ler bons livros, ir ao cinema, teatro, admirar obras de arte, etc.
Segundo Moreira e Candau (2007), foi no século XX, chegamos à
concepção de cultura popular, que permanece até hoje difundida pelos meios de
comunicação de massa. Há aí uma grande diferença entre a cultura considerada elevada
ou erudita e a cultura de massa, vez que uma visa levar o cidadão à refletir e admirar
obras, enquanto outra tem como caráter principal os valores (financeiros).
Há ainda um significado de cultura que surgiu no Iluminismo,
associando o termo ao processo secular de desenvolvimento social. É comum encontrar
esse significado de cultura nas ciências sociais, que sugere que há um processo de
desenvolvimento da humanidade, formado por etapas, pelas quais todas as sociedades
passam, sendo que, a partir desse ponto de vista, apenas as sociedades europeias
atingem o “grau mais elevado” de desenvolvimento cultural, sendo, inclusive, uma das
poucas regiões chamadas de “primeiro mundo” ou “países desenvolvidos”. (MOREIRA,
CANTAU, 2007, p. 11)
Quando se pensa no plural da palavra, ou seja, em culturas, o termo
ganha novo sentido, que está ligado aos muitos modos de vida, valores e significados,
dos quais diferentes grupos compartilham, mesmo que em períodos históricos distintos.
Esse sentido, está ligado à visão antropológica, que destaca os conteúdos e significados
que esses grupos compartilham. Assim, cultura pode ser identificada, neste caso, como
a forma de vida de um determinado grupo social, levando em conta as representações da
realidade e visões de mundo utilizadas pelo grupo em questão. (MOREIRA, CANTAU,
2007, p.12)
Os autores trazem ainda outro significado, ainda ligado à
antropologia, enfatiza o que a cultura faz, e não o que ela é, estando mais ligada à sua
dimensão simbólica. Ou seja, não há a preocupação com “o quê” ela é, mas com o
“como” ela faz para a pessoa, sociedade, etc. Assim, a cultura é vista como prática
social e não mais como coisa (artes) ou estado de ser (status, civilização) de maneira
que os significados de cultura estejam ligados à linguagem de cada grupo. Ou seja, ao
compartilhar uma cultura, um grupo compartilha também de um mesmo conjunto de
significados que foram construídos, ensinados e aprendidos. De maneira resumida,
cultura aqui, representa um conjunto de práticas significantes.
Visto um pouco sobre a amplitude da palavra, nos concentraremos em
aprofundar um pouco mais essa discussão na cultura erudita, cultura popular, cultura de
45
massa e industrialização da cultura. É preciso considerar que essas discussões se fazem
necessárias para construção deste trabalho, uma vez que o tema central está diretamente
ligado às culturas e seus efeitos, bem como a quem consome determinados “tipos” de
cultura.
4.1 Cultura erudita
Cultura erudita diz respeito à cultura mais “elitizada”. Cultura erudita
seria prioritariamente ligada às artes, como museus, concertos, danças, etc. No entanto,
historicamente, esse é o tipo de cultura voltada para as classes mais altas da sociedade e,
até por isso, chamam-na de elitizada.
Erudita, é uma característica da cultura existente há séculos. Os
significados mais antigos da palavra fazem referência à formação intelectual e humana,
bem como à boa educação, vez que, naquele período, educava-se também para as artes,
pois acreditava-se que isso diferenciava o homem dos outros seres vivos. (ALMEIDA,
GUTIERREZ, 2004, p. 48)
Na antiga Grécia, a cultura era a busca pela realização do homem
consigo mesmo e essa realização poderia vir somente através do conhecimento de si e
do seu mundo. Isto também está diretamente ligado à cultura erudita, visto que na busca
dessa realização, desenvolvia-se o gosto e admiração pelas artes, por exemplo.
A cultura erudita, portanto, seria aquela ensinada/transmitida nas
escolas e sancionada por instituições, protegidas pelo governo, como acontece com
símbolos históricos que são tombados pelo patrimônio público de um determinado país.
Pesquisas apontam que a cultura erudita surgiu com os estudos do
kama sutra12. As pesquisas e analises sobre o tema estão ligadas à evolução intelectual
da sociedade. À cultura erudita se deve os avanços na medicina, tecnologia,
antropologia e outras áreas. Historicamente, a cultura erudita vem influenciando na
qualidade de vida das pessoas, vez que na medida em que evolui, gera ganhos para a
sociedade.
No entanto, esse é um tipo de cultura adquirido através de esforços
educacionais, porém, não de maneira democrática, como a cultura popular. Isso torna
12
Diferente do significado conhecido atualmente, ligado à pornografia, o kama sutra surgiu como
nomenclatura para um antigo texto indiano sobre o comportamento sexual humano. A partir daí, surgiram
pinturas que, na época, eram consideradas arte. Foi com base nessas pinturas que se deram as primeiras
pesquisas sobre cultura erudita.
46
pequeno o número de pessoas que têm acesso e conhecimento do que é cultura erudita.
A complexidade por trás da produção cultural erudita faz com que seja necessário um
alto nível de estudo para compreendê-la.
Por isso é que a cultura erudita também é chamada de elitizada, pois
está subordinada ao estudo e conhecimento de alto nível, o que não está ao alcance da
maioria das pessoas. (MOREIRA, CANTAU, 2007, p.11) É preciso, portanto, ter
condições de investir neste aspecto a fim de garantir conhecimento para, só então, fazer
parte do seleto grupo, considerado superior ou dominante, que sabe compreender a
cultura erudita.
Tendo em vista a divisão da sociedade em classes, é que se torna
possível dividir a cultura em popular e erudita, sendo que a segunda tem mais valor,
resultando nas diferenças sociais ainda muito evidentes atualmente.
Hoje, no entanto, pouco se ouve falar de cultura erudita, tendo em
vista que ela ainda e elitizada e poucos têm acesso à grandes concertos, peças teatrais,
etc. Porém, parte dessa cultura, foi “adotada” e simplificada para atender às demais
classes, tornando-se a chamada cultura popular que, por sua vez, deu espaço também
para a indústria cultural. Sobre isso, falaremos um pouco mais nas próximas páginas.
4.2 Cultura popular
Cultura popular é aquela que se desenvolve em meio ao povo.
Segundo Kashimoto, Marinho e Russeff (2002):
A cultura popular local, por ser oriunda das relações profundas entre a
comunidade do lugar e o seu meio (natural e social), simboliza o
homem e seu entorno, implicando em um tipo de consciência e de
materialidade social que evidencia o grau de afeição ou apego a um
lugar; esse é um fator de extrema importância para o desenvolvimento
local, posto que permite a configuração da Identidade do Lugar e de
sua população. (KASHIMOTO; MARINHO; RUSSEFF, 2002, p. 2)
Significa dizer que a cultura popular colabora para o fortalecimento da
criatividade e dos valores do sujeito em seu próprio local, dando espaço para o
desenvolvimento da cultura daquele lugar e possibilitando que o indivíduo interaja com
seu ambiente.
47
Assim, os autores consideram que a manifestação da cultura popular
local, possa se dar por meio da culinária, artesanato, folclore, literatura oral (como
lendas e mitos), música popular, poesia popular, história oral, arquitetura característica e
espontânea, fotografia incidental, vestimentas do dia-a-dia, manifestações religiosas,
festas populares, ritos de passar, modalidades de trabalho e lazer, relações com a
natureza local, forma de distribuição do poder, etc.
A cultura popular é muito forte no Brasil, que tem uma miscigenação
evidente espalhada por todo o país. Seja no folclore, na culinária na música ou nas
festas típicas, por exemplo, é possível verificar a força da cultura popular por aqui.
Desde o Carnaval, a festa de São João ou a Oktoberfest; a feijoada, o churrasco ou o
acarajé; o bumba meu boi, Curupira ou Saci Pererê, é sempre possível identificar em
cada canto do País traços da cultura popular.
Na música isso não é diferente, tendo em vista que ritmos como o axé,
samba, pagode, funk, bossa nova e sertanejo, entre outros, são quase exclusivos do
Brasil, vistos em poucos lugares do mundo além daqui.
Algumas dessas vertentes da cultura popular, no entanto, acabaram se
tornando produto da indústria cultural, passando a ser identificada como cultura de
massa. Esse é o caso do sertanejo, por exemplo, que vamos estudar um pouco mais a
seguir. Antes, contudo, precisaremos entender um pouco mais sobre a cultura de massa
e a indústria cultural.
4.3 Cultura de massa
No início do século passado, vivemos diversas mudanças que
alteraram as relações humanas e influenciaram na forma de se comunicar. Foi nesse
período que se expandiram os meios de comunicação de massa que levaram mais
informação, mais rápido e a mais lugares ao mesmo tempo.
Com a produção para a massa, que deixou de enxergar as pessoas de
maneira individual e passou a vê-las como um grupo de pessoas individualizadas, os
indivíduos se isolam e não se conhecem ou compartilham entre si.
A massa é constituída por um conjunto homogêneo de indivíduos que
enquanto seus membros, são essencialmente iguais, indiferenciáveis,
mesmo que provenham de ambientes diferentes, heterogêneos, e de
todos os grupos sociais. (WOLF, 1985, p. 25)
48
Dessa maneira, o receptor deixa de ser um pequeno grupo na
sociedade.
O moderno fenômeno da cultura de massa só se tornou possível com o
desenvolvimento do sistema de comunicação por meio de mídia, ou
seja, com o progresso e a multiplicação vertiginosa dos veículos de
massa – o jornal, a revista, o filme, o disco, o rádio, a televisão. Como
causas subjacentes necessárias, mencionam-se os fenômenos da
urbanização crescente, da formação de públicos de massa e do
aumento das necessidades de lazer. (SODRÉ, 1992, p. 13)
De acordo com Fante e Rocha (2007), em virtude dessa comunicação
feita para um grande número de pessoas, a cultura de massa aliena e força o indivíduo a
perder ou não formar uma imagem de si mesmo diante da sociedade, porque procurando
diversão, a indústria cultural estaria omitindo realidades intoleráveis e fornecendo ao
público ocasiões de fuga da realidade.
Após a Segunda Guerra Mundial, essa transformação ganha força,
uma vez que os EUA sustentam o surgimento de novas tecnologias e,
consequentemente, a Indústria Cultural dá força ao capitalismo. Ao mesmo tempo, as
notícias de rádio e TV ganham os holofotes, uma vez que elas não precisam ser lidas.
Em seguida, a lógica capitalista se aproxima da comunicação social e muda os
interesses das empresas de comunicação e seus veículos.
A manipulação do público – perseguida e conseguida pela indústria
cultural entendida como uma forma de domínio das sociedades
altamente desenvolvidas – passa assim para o meio televisivo,
mediante efeitos que se põem em prática nos níveis latentes das
mensagens. Estas fingem dizer uma coisa e dizem outra, fingem ser
frívolas mas, ao situarem-se para além do conhecimento público,
reforçam o seu estado de servidão. Através do material que observa, o
observador é continuamente colocado, sem saber, na situação de
absorver ordens, indicações, proibições. (WOLF, 1985, p. 91)
A comunicação de massa indica e direciona até mesmo a formação
cultural da população. Seja no esporte, na pintura, no cinema, na novela, ou mesmo na
música, os meios de comunicação afirmam o que é bom, o que é aceitável, do que as
pessoas devem gostar. É claro que existe mais de uma vertente para cada segmento, mas
eles são mostrados a partir da seleção daqueles que decidem o que será veiculado.
49
Com base no autor, pode-se afirmar que a massa não tem o livre
arbítrio de definir o que é importante, mas tem acesso àquilo que um determinado
veículo de comunicação, de acordo com sua linha editorial, acredita ser ter relevância a
ponto de ser publicado para informar para a massa. Assim, as pessoas ficam suscetíveis
à visão de uma pequena parcela da população que julga e disponibiliza a realidade ou
opinião que considera melhor para um determinado período do cenário mundial ou
nacional. Com isso, o enfoque também está atrelado aos fatos de maior ibope e retorno
financeiro para o meio de comunicação.
Isso não é diferente com o rádio e as músicas reproduzidas pelas
emissoras. O rádio, como meio de comunicação de massa, ainda hoje, mesmo
disputando espaço com as novas tecnologias, tem seu público cativo. Neste veículo, o
gênero de entretenimento está ligado “ao universo do imaginário, cujos limites são
inatingíveis e causam proximidade e empatia entre a mensagem e o receptor que não
podem ser desprezadas”, segundo Barbosa Filho (2009, p. 113). O autor ressalta ainda
que “tal gênero tem a possibilidade de explorar com maior profundidade a riqueza do
universo de linguagem do áudio, se comparado aos outros gêneros”.
Ligado a esse campo da imaginação, o rádio tem o poder de
disseminar e tornar “sucesso” uma música ou cantor. Isso motiva tantos anônimos a se
arriscarem como cantores. Atualmente, inúmeros novos cantores, bandas e duplas
surgem, buscando espaço em meio àqueles que já fazem sucesso e tentando emplacar
suas músicas nas rádios.
Emanuel Gurgel (apud CAVALCANTE; PAIVA, 2007), afirma que
quando uma música é executada em algum programa de boa audiência, seja de rádio ou
TV, o que está se fazendo é, na verdade, um comercial daquela música/cantor, como se
eles fossem um produto. Isso porque essa execução da música na rádio gera a produção
de CD, os direitos autorais, o show, o comercial, a festa, o cachê e tudo isso movimenta
fortemente a Indústria Cultural, tal qual o sertanejo tem feito, movimentando também
valores altíssimos frequentemente.
4.4
Indústria cultural
A indústria cultural se desenvolve e ganha força justamente num
momento em que, cada vez mais, as pessoas buscam produtos novos e individualizados.
É preciso considerar, no entanto, que a essa indústria preocupa-se em produzir em série,
50
com um padrão e com a finalidade de conquistar o maior número possível de
indivíduos, de maneira que gere o máximo de lucro possível. Para que isso aconteça, no
entanto, a massa é iludida, vez que acredita estar consumindo um produto
individualizado, quando, na verdade, esse produto faz parte de uma produção
massificada.
Para Adorno e Horkheimer (1947), a reprodução de bens padronizados
acontece para satisfazer necessidades iguais. Esses padrões, segundo os autores, têm
origem nas necessidades dos consumidores e, por isso, são aceitos sem resistência. Eles
citam ainda, a passagem do telefone para o rádio, a fim de exemplificar as
transformações trazidas pela industrialização da cultura:
A passagem do telefone ao rádio separou claramente os papéis.
Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda
desempenhassem o papel do sujeito. Democrático, o rádio transformaos a todos igualmente em ouvintes, para entregá-los autoritariamente
aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações. Não se
desenvolveu nenhum dispositivo de réplica e as emissões privadas são
submetidas ao controle. Elas limitam-se ao domínio apócrifo dos
„amadores‟, que ainda por cima são organizados de cima para baixo.
No quadro da rádio oficial, porém, todo traço de espontaneidade no
público é dirigido e absorvido, numa seleção profissional, por
caçadores de talentos, competições diante do microfone e toda espécie
de programas patrocinados. Os talentos já pertencem à indústria muito
antes de serem apresentados por ela: de outro modo não se integrariam
tão fervorosamente. A atitude do público que, pretensamente e de fato,
favorece o sistema da indústria cultural é uma parte do sistema, não
sua desculpa. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p. 57, 58)
Seguindo essa lógica, os autores concluem que:
Embora nada mais conheça além dos efeitos, ela (a indústria cultural)
vence sua insubordinação e os submete à fórmula que substitui a obra.
Ela atinge igualmente o todo e a parte. O todo se antepõe
inexoravelmente aos detalhes como algo sem relação com eles; assim
como na carreira de um homem de sucesso, tudo deve servir de
ilustração e prova, ao passo que ela própria nada mais é do que a soma
desses acontecimentos idiotas. A chamada Ideia abrangente é um
classificador que serve para estabelecer ordem, mas não conexão. O
todo e o detalhe exibem os mesmos traços, na medida em que entre
eles não existe nem oposição nem ligação. Sua harmonia garantida de
antemão é um escárnio da harmonia conquistada pela grande obra de
arte burguesa. [...] O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da
indústria cultural. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p. 59)
51
Apesar de essas escritas serem de mais de meio século atrás, pouca
coisa mudou em relação à industrialização da cultura, por mais que esta tenha se
desenvolvido ainda mais, a lógica continua sendo a mesma. Schneider (2006), vai um
pouco além e fala da “cisão do gosto entre sabor e saber”. O autor fala sobre a divisão
da cultura entre as classes sociais. Para tanto, ele utiliza a palavra “gosto”, da qual nos
apropriamos para dizer se “gostamos” de rock ou sertanejo, por exemplo.
Para Schneider, a divisão de classes entre operários e intelectuais já
começa a dividir também os gostos culturais.
Se foi o catolicismo que assegurou, no Ocidente, ao longo dos séculos,
a continuidade reificada da cisão, a racionalidade tecnocrática do
capitalismo, derivada, conforme sustenta Weber13, da ética
protestante, a radicaliza hoje em escala global, ao privilegiar, por meio
da indústria cultural, seu porta-voz, muito sabor e pouco saber, na
esfera do consumo e do tempo livre, e muito saber e pouco sabor, na
esfera produtiva – sem falar do pouquíssimo saber e do imenso
dissabor, na esfera do trabalho de baixa qualificação e na exclusão
social. (SCHNEIDER, 2006, p. 169)
Assim, o autor entende que somos educados, de acordo com o meio
social em que vivemos, para gostar de determinada coisa ou não. Para ele, além do que
se aprende na escola, a indústria cultural também dita nossa educação cultural, por meio
da chamada cultura de massa.
Para a proliferação de um objeto da cultura de massa, a indústria
cultural trabalha o fetichismo das mercadorias e produtos, ganhando consumidores para
tal objeto. Ele fala ainda da ideia marxista de “subsunção formal do trabalho de
produção cultural”, ou seja, a “regra” que nos leva a crer que gostamos disso ou daquilo,
porque é assim que deve ser. É isso que determina, inclusive, “a quantidade e a
qualidade da produção cultural midiática, consequentemente, o repertório cultural
socializado e os gostos dos que são por ela educados.” (SCHNEIDER, 2006, p. 171)
É nesse processo que surge a ideia de alienação da massa. Além de
levá-la a acreditar que é preciso consumir o que lhe é imposto, a máquina produtora,
detentora também de poderes financeiros, é quem, por regra, pode “produzir cultura”,
enquanto operários, não têm habilidade criativa para tal.
13
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora, 1967.
52
Dessa maneira, Schneider cita que a música foi a única expressão
cultural a qual a massa teve acesso, diferente da dança, das obras de artes, etc. Isso se
deu graças ao surgimento de tecnologias como rádio, disco, computador e outros. Além
da música, apenas o cinema, segundo o autor, se tornou “arte de massa por excelência”.
(SCHNEIDER, 2006, p. 172)
No entanto, o poder de industrializar não está nas mãos dos artistas,
mas dos produtores e gravadoras.
Embora a concepção e a execução da produção musical não possam
ser totalmente alienadas do produtor (nos referimos aqui a seus
conhecimentos musicais e habilidade técnica), elas são em grande
parte, sobretudo no planejamento (concepção) do que será ou não
produzido, na determinação do tempo e dos recursos a serem
empregados no processo produtivo e, em certa medida, na definição
de determinadas características formais do produto – o qual, aliás, é
propriedade da gravadora, restando aos compositores e músicos as
migalhas (em alguns casos volumosas) de direitos autorais e conexos.
(SCHNEIDER, 2006, p. 174)
Segundo o autor, apesar de falar-se muito nas possibilidades
oferecidas pelas novas plataformas tecnológicas para divulgação da música, elas de
nada servem se não houver outros meios de difusão. Ele compara as músicas
disponibilizadas na internet a garrafas jogadas no oceano com uma carta dentro. No
entanto, ele afirma também que existem empresas dispostas a capturar essas garrafas.
Ou seja, há quem esteja de olho no que surge na internet, porém, nem tudo que ali é
lançado vira produto da indústria musical e, consequentemente, da indústria cultural.
Para que haja algum tipo de mudança com relação a essa valoração da
música industrializada, Schneider defende que seja necessário haver uma educação do
gosto, ao invés da valorização do valor, haja vista que a música deixou de levar à
reflexão, para simplesmente se tornar produto (ter valor financeiro ou econômico).
No entanto, para que essa mudança aconteça, é necessário que surjam
vozes que atravessem essa lógica capital da música, para que a mesma volte a ter valor
simbólico. E ao demonstrar que acredita que isso possa acontecer, Schneider cita Bob
Marley, em uma paráfrase feita pelo músico à Abrahan Lincoln, traduzida como “você
pode enganar algumas pessoas por algum tempo, mas não pode enganar todas as
pessoas para sempre.” Ao afirmar isso, o autor quer dizer, simplesmente, que as pessoas
não poderão ser, para sempre, maleáveis.
53
Para isso acontecer, os meios de produção e irradiação de cultura
teriam de operar dentro de uma lógica exclusivamente humana, isto é,
cultural, desconectando-se do imperativo da valorização do valor. Esta
lógica pressupõe, retomando Gramsci14, que todo ser humano é
intelectual, portanto produtor de cultura, embora não exerça
predominantemente esta função social devido à divisão técnica e
hierárquica do trabalho em sociedades cindidas em classes
antagônicas. Porém, para fazer história, como vimos, é preciso que se
esteja vivo. (SCHNEIDER, 2006, p. 176).
É certo que, mesmo assim, nem todos terão talento para a música, mas
poderão apreciar músicas com mais qualidade. E, para que isso aconteça, o autor
acredita que a educação pelo gosto deva começar nas escolas. É possível estimular que
crianças ganhem gosto pela música podendo despertar, inclusive, seus talentos. No
entanto, há ainda muito para que se tire das mãos de alguns poucos o poder de produzir
música.
Tanto há possibilidade de se haver uma reforma na música, que
podemos verificar a quantidade de produtos elaborados pela indústria cultural depois de
surgirem na cultura popular. “O que os produtores da cultura industrial detectam como
possibilidade de lucro, por ter um provável público alvo, transformam em mercadoria
com a pretensão de ser pop porque pode vender bastante” (COSTA FILHO, 2008, p.
32). A apropriação de uma cultura popular pela indústria cultural cria um novo
segmento de mercado, além de inovar a produção, estimulando um novo consumo e,
claro, novos consumidores. Segundo o historiador Michel de Certeau (1994), a cultura
popular possui a característica de invenção do cotidiano.
Contudo, para conquistar espaço no mercado, a cultura popular, entre
elas, o sertanejo, precisa adaptar-se às exigências industriais de automação, produção
em série, padronização e lucratividade. Segundo Edgar Morin, esse conflito entre
produtores artísticos, que expressam culturas locais, e o sistema produtor, movimenta a
indústria cultural. “Estabelece-se um laço, ao mesmo tempo, cooperativo e conflitivo
entre o sistema de produção e o meio artístico criador” (MORIN apud MEDINA, 1988,
p. 35).
Pensando no tema central deste trabalho, que é a música sertaneja, é
possível citar Ferreti, que afirma que “cada gênero musical e cada compositor e
14
Cf. GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultural. São Paulo: Círculo do
Livro, 1982.
54
intérprete tem seu público concentrado em uma camada social, podendo ser amplamente
conhecido por um público e desconhecido por outro” (FERRETI, 1988, p. 54).
Isso tudo diz respeito à criação e produção de conteúdo que se
preocupa prioritariamente com as vendas e lucros que a música pode gerar ao
compositor, intérprete, gravadora, produtores de eventos, etc. Ou seja, há uma
padronização na produção musical a fim de que essas canções possam ser vendidas.
“Quanto mais a indústria cultural se desenvolver, mais ela apela para a individualização,
mas tende também a padronizar essa individualização.” (MORIN, 2011, p. 21)
Todavia, o próprio mercado é que dita a produção cultural. Segundo
Morin, “a cultura de massa é o produto de um diálogo entre uma produção e um
consumo” (MORIN, 2011, p. 36). A maneira como esse diálogo se dá, no entanto, é
desigual, uma vez que o público não tem voz ativa. O método que torna possível o
reconhecimento de qual tipo de produto agradou ou não determinado público, é a
aceitação ou resistência que esse público tem para com a “criação”.
No caso da música sertaneja, o disco (LP) e o rádio desempenharam
importante papel em sua divulgação pelo Brasil e, atualmente, também pelo mundo.
Porém, para que isso acontecesse, foi necessário que o gênero musical sofresse uma
adaptação às demandas de padronização para a vendagem das gravadoras. “[...] a
imposição da cultura de um grupo não hegemônico não poderia ser feita, sem encontrar
um ponto de encontro com os interesses da classe dominante” (FERRETTI, 1988, p.
54).
Para se tornar produto da indústria cultural e ganhar as rádios, TVs,
revistas e, claro, alto número de vendas de CDs e DVDs, foi preciso que o sertanejo
deixasse de contar a história do homem do campo para adaptar-se ao gosto do novo
público – urbano, em especial porque as gravadoras e rádios é que foram responsáveis
pela divulgação da música sertaneja como popular. Maria Rocha Ferretti afirma que
“nenhum tipo de música popular de massa consegue penetrar, numa determinada época,
com a mesma intensidade em todos os públicos” (FERRETTI, 1988, p. 58). Por isso,
segundo ela, as gravadoras costumavam distinguir comercialmente os selos definindoos como “populares” e de “luxo”, enquanto as emissoras de rádio e TV faziam a
distinção dos gêneros apresentando programas especiais para o público sertanejo,
juvenil, etc.
Sorocaba, nome consagrado no sertanejo fazendo dupla com
Fernando, é exemplo do quanto essa proximidade e identificação com o público tem
55
dado certo. Além de músico, ele se tornou também um grande empresário do sertanejo
com a FS Produções Artísticas. Vendo a possibilidade de gerar lucro a partir de uma
agência para novos artistas, Sorocaba lançou diversos nomes no mercado da música
nacional.
Matéria publicada pela IstoÉ Dinheiro em 05 de outubro de 2012 15,
diz que “Sorocaba não revela o faturamento da empresa, mas afirma que o mercado
sertanejo é um dos maiores da indústria fonográfica do País. „Todo ano dobramos de
tamanho‟, diz ele, sobre a FS, que tem quatro anos de existência.”
Além de agenciar novos nomes, Fernando e Sorocaba estão entre os
artistas de maior destaque nacional do gênero, Sorocaba também é detentor de boa parte
da arrecadação anual do ECAD16, uma vez que, como compositor, tem lucrado
consideravelmente com suas músicas gravadas por sua dupla ou por outros cantores. De
acordo com a mesma matéria da IstoÉ, somente em 2011, ele arrecadou cerca de R$ 500
mil pela execução de suas músicas em todo o país.
A atitude responsiva positiva do público é que leva o sertanejo a ter
tanto sucesso e, consequentemente, ser tão rentável. Se a resposta do público fosse
negativa, composições de Sorocaba ou os novos nomes lançados por ele, por exemplo,
já teriam sido substituídos por outros discursos e modelos que agradasse o consumidor
dessa música. No entanto, ao seguir a ideologia dominante no cotidiano do público, o
sertanejo universitário consegue atender à demanda da música em território nacional.
Na tabela abaixo, também divulgada na matéria da ISTOÉ, é possível
verificar que o universo do sertanejo é rentável e, até por isso, faz com que cada dia
mais pessoas busquem investir nesse gênero e não mais em outros. Ao lançar novos
nomes, administrar suas carreiras e imagem, Sorocaba, como outros empresários do
sertanejo, tem lucro garantido, graças à aceitação do público com a música sertaneja.
15
Matéria disponível em:
<http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/99284_O+SERTANEJO+MILIONARIO+DA+CAPITAL>
Acesso em 01/09/2013 às 15:05.
16
Escritório
Central
de
Arrecadação
e
Distribuição.
Disponível
em
<http://www.ecad.org.br/documentos/EmailMkt/letras_notas/16/LetraseNotas16.pdf>
56
VIOLA, MEU LUCRO
Legenda: Música sertaneja é rentável para cantores, compositores e empresários
Fonte: ISTOÉ online
Sobre essas mudanças no gênero sertanejo para sua adaptação à
industrialização desse tipo de música é que falaremos no próximo capítulo.
57
5
MÚSICA: O REFLEXO DA SOCIEDADE
A música faz parte de nosso cotidiano de maneira tão intensa que não
conseguimos viver sem ela e, paradoxalmente, por vezes, nem a notamos, haja vista que
fazemos tanta coisa ao mesmo tempo, que não paramos mais para admirá-la ou refletir
sobre seu conteúdo.
Segundo Moraes (2000):
Sons e ruídos estão impregnados no nosso cotidiano de tal forma que,
na maioria das vezes, não tomamos consciência deles. Eles nos
acompanham diariamente, como uma autêntica trilha sonora de nossas
vidas, manifestando-se sem distinção nas experiências individuais ou
coletivas. (MORAES, 2000, p.2)
Assim, temos a música, a maneira artística de se trabalhar com os sons
e ritmos, nos mais diversos estilos e gêneros. Quando se pensa, no entanto, na cultura
erudita, sobre a qual falamos acima, não dá para imaginá-la com letras de músicas que
não nos leve a algum tipo de reflexão. Ou seja, essa música que dissemos não perceber
no dia-a-dia, não está ligada à cultura erudita. Porém, a música popular, que faz parte da
rotina diária das pessoas permite que seja possível fazer inúmeras atividades sem exigir
atenção específica do receptor. Com isso, a música nos passa de maneira quase
imperceptível por muitas vezes.
Numa visão mais técnica, a música só é música, e não um som como
outro qualquer, por ter características bastante específicas que, juntas, agradam aos
ouvidos. Segundo a Apostila de Educação Musical do Portal de Educação Musical do
Colégio Pedro II17, patrocinado pela Petrobrás, os quatro principais elementos que
compõem uma canção são:

Altura: a capacidade de um som ser mais agudo ou mais grave;

Timbre: o tipo de som que um instrumento produz. É pelo
timbre que diferenciamos uma bateria de uma guitarra ou da
voz humana, por exemplo;

Intensidade: a capacidade de um som ser mais fraco ou mais
forte;

17
Duração: a capacidade de um som ser mais ou menos longo.
Disponível em: <http://www.portaledumusicalcp2.mus.br/apostilas/pdfs/em_00_apostilacompleta.pdf>
Acesso em 30/10/2013 às 09:54.
58
Juntos, altura, timbre, intensidade e duração, basicamente, têm a
capacidade de formar uma sonoridade agradável, a qual chamamos de música.
No entanto, música é ainda mais que sons que se misturam. Pensamos
em música como algo relacionado ao nosso gosto, à nossa cultura, à arte, etc. Por isso,
inclusive, cada um de nós se identifica com um gênero musical diferente. Sobre essa
música que vai além do fato de ser um barulho agradável, falaremos nas próximas
páginas.
5.1 A música como expressão artística
Entre as inúmeras maneiras de se reconhecer a arte, talvez a música
seja a que ganhe maior destaque. Isso pode se dar, inclusive, pela maneira como ela está
inserida no nosso cotidiano, como dissemos acima. Outra boa possibilidade é o fato de a
música ser bem aceita pela maioria das pessoas, vez que apresenta inúmeros gêneros e,
certamente, em algum deles, o gosto de cada pessoa vai se encaixar.
Desde meados do século passado, a música vem se difundindo cada
vez mais como arte, vez que é uma das poucas expressões artísticas a qual a maioria das
pessoas tem acesso. E, sendo arte, a música tem por finalidade criação, representação e
comunicação.
Independente de estilos ou gêneros, para atingir seus objetivos ou
finalidades, a música deve obedecer a um método de composição que varia do mais
simplório ao mais complexo. Cada composição tem sua própria estética, mas sendo arte,
todas devem cumprir seus objetivos artísticos: moldar o futuro a partir do presente; criar
o ainda desconhecido a partir de elementos já conhecidos; manipular e transformar a
natureza.
A essência da música, no entanto, não é apenas apresentar sons
agradáveis aos ouvidos das pessoas, mas também fazer com que elas captem o que
determinada canção quer transmitir em sua letra e melodia.
Para Bourdieu (2008), “a obra de arte só adquire sentido e só tem
interesse para quem é dotado do código segundo o qual ela é codificada” (p. 10). Do
ponto de vista do autor, algumas práticas musicais são classificatórias, pois é preciso
que aqueles que a consumam, tenham condições de compreendê-la. Assim, nem todos
têm a possibilidade de compreender o sentido de determinada música.
59
Já Shepherd lembra Antoine Hennion18, para falar da relação entre a
música e as pessoas. “[...] seu foco primário é, portanto, sobre o processo de mediação a configuração única de pessoas (com variedade de valores estéticos) e objetos materiais
(instrumentos, músicas veiculadas, os meios de registro e amplificação, locais de
performance e assim por diante) [...].” (SANTOS, 2012 apud HORN; LAING;
SHEPHERD, 2003, p. 132).
Para exemplificar e esclarecer sobre o conceito de mediação, o autor
usa o Rock e o Pop, citando-os como gêneros musicais privilegiados para uma análise
do gosto. Ele afirma que a música popular, diferentemente da erudita, se apresenta como
“uma mistura de rituais, estruturas linguísticas e sociais, tecnologias e estratégias de
marketing, instrumentos e objetos sociais, políticas e corpos”. (SANTOS, 2012 apud
HENNION, 2003, p. 85).
Esse gosto que se adquire pela música, independente de gêneros,
torna-a parte da cultura de cada pessoa, de cada povo. Por isso, trataremos a seguir
sobre a música como cultura.
5.2 A música como cultura
A música é um forte instrumento de divulgação cultural. Em suas
letras, são tratados os mais variados assuntos: fala sobre artes, sobre sonhos, sobre o
mundo da imaginação das pessoas de todas as idades, sobre problemas culturais,
religiões, fazem críticas, falam sobre política e outros. Com isso, a música torna-se uma
forma de manifestar a cultura, local ou global. (ARAÚJO, 2010)
Há de se considerar, também que, ao transmitir algo, a música está
também propagando e disseminando ideias e ideais de seus autores. Ao compor uma
música, certamente o “criador” quer transmitir algo a seu público, segundo a autora.
Com isso, ouvir música deve ser mais que simplesmente escutar. É
preciso conseguir interpretar o que ela está dizendo ou até mesmo o não dito. Se essa
interpretação acontece, torna-se possível formar opinião sobre os assuntos relatados nas
canções.
18
“Antoine Hennion é um sociólogo francês que atua como professor e diretor de pesquisa do Centre de
Sociologie de l„Inovation da l„École de Mines de Paris/Mines Paris Tech. O foco de Hennion são
pesquisas no campo da Sociologia da Música e da Sociologia da Cultura. Atualmente, o sociólogo
trabalha em uma análise comparativa de diversas formas de attachement (conexão) dos amadores.
Hennion, tem se dedicado a uma sociologia que estuda as mediações pelas quais a relação das pessoas
com o objeto do gosto é estabelecida.” (SANTOS, 2012)
60
Cada época, cada período histórico, tem seu tipo de música
característico. Os problemas sociais daquele período, bem como a cultura da época, o
pensar das pessoas, se refletem nas letras das canções.
No Brasil, por exemplo, passamos por períodos muito marcados por
estilos musicais diferentes. Cada um abordava em suas letras, o que o brasileiro vivia
em seu cotidiano. Fazendo um breve retrospecto, podemos lembrar as últimas décadas:

Nos anos 60, a Bossa Nova era o ritmo em alta no Brasil. A
música desse período tinha um lado romântico, mas, na
maioria das vezes, apresentava críticas ao governo da época –
a ditadura militar (PEDERIVA, 2004);

Em 80, o Rock ganhou o cenário nacional, acompanhado pelo
Samba. Os dois, porém, mostravam características de povos
bem diferentes dentro de um mesmo Brasil: o rock deu
continuidade às críticas ao governo; o samba mostrou a
malícia dos morros cariocas e falou sobre amores rompidos,
principalmente (BAUGH, 1994);

Já na década de 90, os ritmos baianos, como o axé, ganharam o
país. Eles falavam de amor, mas de uma maneira já bem
diferente da bossa e do samba. Nesse período, o sertanejo
também começou a ganhar destaque, contando a história do
homem do campo e seus amores (SOUZA, 201319);

Dos anos 2000 pra cá, o sertanejo continuou com forte
domínio no cenário nacional. O que mudaram, foram as
abordagens trazidas por essas canções, que deram mais foco às
festas, diversões, traições e cotidiano dos jovens (ZAN, 2001).
Alguns estilos menos massificados, como o rap e o hip hop, talvez
algumas letras do rock, ainda abordam os problemas sociais de maneira mais enfática.
Porém, isso raramente ganha grandes proporções. Há de se lembrar também do funk,
que ganhou força nos últimos anos e deixou de ser um ritmo exclusivo dos cariocas. No
19
Disponível em: <http://mundodadanca1.blogspot.com/2013/05/danca-axe-sua-historia.html> Acesso
em 30/10/2013 às 15:53.
61
entanto, por retratar os problemas da periferia de maneira mais radical e fazer apologia
ao sexo, o estilo ainda é bastante criticado 20.
Hoje, o que se vê é uma grande diversidade de estilos convivendo lado
a lado. Uns com mais força no cenário nacional, outros com menos, mas cada região
tem a sua música como representação cultural de seu povo.
Toda essa versatilidade, no entanto, fez com que perdêssemos ao
longo dos anos, a característica crítica de nossa música, que veremos a seguir nos
tópicos MPB e Rock21. Junto com ela, praticamente desapareceram também as
representações de nossa cultura. Nisso, perde-se também um pouco do patrimônio
cultural brasileiro, já que os modismos ganham o espaço dos grandes artistas e, ser
cantor, tornou-se mais um status que uma arte22.
Na música popular local, contudo, ainda é possível encontrar traços da
cultura brasileira. Alguns dos principais gêneros musicais que encontramos atualmente
com maior representação no cenário nacional, por vezes também retratam a cultura do
nosso país (ARAÚJO, 2010). A fim de conhecer um pouco mais esses gêneros,
falaremos exclusivamente deles nas próximas páginas.
5.3 Gêneros musicais
Entre os inúmeros gêneros musicais que encontramos no Brasil,
vamos nos aprofundar um pouco mais na MPB, Rock, Samba, e Sertanejo, uma vez que
estes são, provavelmente, os gêneros com maior força no país. Além desses, gêneros
como o Axé e Funk também têm um espaço considerável na música brasileira. No
entanto, optou-se aqui por trabalhar com as principais vertentes da música nacional,
tratando, portanto, apenas do estilos já citados.
5.3.1 Bossa nova e MPB
20
Informação disponível em: <http://noticias.tvconquista.com.br/?busca=noticia&id=3861+.html>
Acesso em 30/10/2013 às 16:02.
21
Segundo Zan (2001), a década de 1960 foi marcada por uma crise do populismo, ligada ao processo
político que resultou no golpe de 64. A partir daí, ideias de nação, libertação, povo, identidade nacional e
outras, voltaram à tona, porém com novos significados que se deram com base na referência esquerdista,
com conceito “romântico-revolucionário”. Esse pensamento, que deixava evidente as raízes populares
nacionais, orientaram a produção cultura e artística dos setores intelectuais esquerdistas, em especial,
entre os universitários. A música nacional traduzia, portanto, esses ideais.
22
Disponível em: <http://soulbrasileiro.com.br/main/brasil/musica/introducao-14/> Acesso em
30/10/2013 às 16:08.
62
Na música popular local, contudo, ainda é possível encontrar traços da
cultura brasileira. Alguns dos principais gêneros musicais que encontramos atualmente
com maior representação no cenário nacional, por vezes também retratam a cultura do
nosso país (ARAÚJO, 2010). A fim de conhecer um pouco mais esses gêneros,
falaremos exclusivamente deles nas próximas páginas.
Característica base da bossa nova, é a mistura de elementos da música
erudita, jazz e da música popular brasileira de décadas anteriores. O gênero musical
traduzia em seus versos as expectativas de um país moderno, alimentado pela classe
média durante o governo JK (ZAN, 2001, p. 114).
Segundo o mesmo autor, após o grande boom do rock, nos anos 50, a
década de 1960 foi marcada por uma crise do populismo, ligada ao processo político
que resultou no golpe de 64. A partir daí, ideias de nação, libertação, povo, identidade
nacional e outras, voltaram à tona, porém com novos significados que se deram com
base na referência esquerdista, com conceito “romântico-revolucionário”.
Esse pensamento, que deixava evidente as raízes populares nacionais,
orientaram a produção cultura e artística dos setores intelectuais esquerdistas, em
especial, entre os universitários. A MPB traduzia, portanto, esses ideais.
Os então compositores e intérpretes ligados à Bossa Nova, passaram a
optar por canções de protesto, voltadas ao público jovem intelectual (universitários). As
letras das músicas deixaram de lado o romantismo para dar espaço aos protestos (ZAN,
2001, p. 113).
Ainda nesse período, começaram a surgir os programas de TV que se
tornaram uma forte ferramenta de divulgação da música popular. Com isso, a partir de
1965, se iniciaram também os festivais de MPB em vários canais de televisão,
funcionando como vitrine para a divulgação do gênero.
O autor afirma que surgiram, porém, divergências entre os artistas e
público do rock nacional e da MPB. Uns criticavam os outros. De um lado, os
simpatizantes à MPB criticavam a Jovem Guarda por não se comprometerem com as
questões políticas. Por outro lado, a “galera do rock” dizia que o povo brasileiro se
identificava mais com seus trabalhos, levando em consideração as vendas de discos e
audiências televisivas.
Eis que, no final da década, Caetano Veloso e Gilberto Gil, artistas da
MPB, acrescentaram elementos do rock em suas canções durante um festival. Houve
63
quem aplaudisse e ainda que vaiasse. No entanto, surgia aí o Tropicalismo, carregado de
discursos poéticos sobre a desigualdade brasileira, baseado no contexto urbanoindustrial. Segundo, Zan (2001), “o Tropicalismo realiza uma espécie de autocrítica da
MPB. Mas ao mesmo tempo em que fazia críticas aos elementos do nacional-popular
presentes nas canções de protesto de tradição cepecista23, não rompia com o
nacionalismo.” (ZAN, 2001, p. 115)
O mesmo autor afirma que o repertório tropicalista se preocupava com
a construção de uma nação moderna, de maneira que o movimento passou a ter
características de vanguarda, direcionando-se para a intelectualização da MPB.
5.3.2 Rock
O rock, enquanto gênero musical, se desenvolveu e ganhou força a
partir da década de 1950, nos Estados Unidos. Mesmo visto como um único gênero, o
rock tem inúmeras vertentes ligadas desde o estilo country até o blues, jazz e música
clássica.
O surgimento do rock se deu entre os jovens daquela época. No pósguerra, as letras dessas músicas viriam para criticar o governo e retratar os problemas
sociais vividos pelo povo. Com um muito característico, evidenciado pelas guitarras,
contra-baixos e baterias, o rock ganhou força nos EUA e se espalhou pelo mundo.
[...] rock refere-se ao âmbito do pós-guerra, jovem-orientado,
tecnologicamente e economicamente mediado pelas práticas musicais
e seus estilos, descrevendo o rock como um disposititvo, eu quero
enfatizar o fato de que a identidade e os efeitos do rock são mais
abrangentes do que sua dimensão sonora. Falar do rock como uma
formação demanda que nós sempre localizamos práticas musiais em
um contexto de um complexo (e sempre específico) quadro de
relações com outras práticas sociais e culturais; daí eu descreverei o
rock como uma cultura antes de descrevê-lo como uma prática
musical. (JANOTTI-JR apud GROSSBERG, 1997, p. 102)
Com o rock se popularizando pelo mundo, algumas bandas como The
Beatles e Rolling Stones, mudaram também o estilo dos jovens serem e se vestirem. É
23
Cepecista faz referência à sigla de Centro Popular de Cultura (CPC), movimento criado em 1961 no
Rio de Janeiro na tentativa de responder, através da arte, aos temas políticos debatidos naquela época,
como nacionalismo, democratização, modernização e valorização do povo. (CATENACCI, 2001, p. 33)
64
impossível falar de rock e não citar também Elvis Presley, que é lembrado até hoje e
citado como o rei do rock (BAUGH, 1994).
Segundo o autor, a preocupação dos compositores de rock, desde o
surgimento do gênero, não é necessariamente a comercialização da música, mas sim o
lado artístico de cada canção. Ainda assim, ou talvez justamente por isso, o rock
agradou jovens do mundo inteiro.
No fim da mesma década, o novo gênero chegava ao Brasil. Naquela
época, a Bossa Nova é que dominava o cenário musical por aqui. O som mais agressivo
do rock, no entanto, teve espaço garantido entre os jovens brasileiros. Logo começaram
a surgir sucessos exclusivamente brasileiros no gênero. Os primeiros, aliás, foram de
uma mulher: Banho de Lua e Estúpido Cúpido de Celly Campelo 24.
Segundo Pederiva (2004), no início da década seguinte, surgiu a
Jovem Guarda: primeiro movimento do rock no Brasil e um dos maiores sucessos de
todos os tempos entre os jovens brasileiros. A fórmula brasileira, era a mesma da
americana: ritmos acelerados e letras românticas.
Ainda no final dos anos 60, surgiu o grupo Mutantes, dando uma nova
cara ao rock. Eles misturaram o ritmo já conhecido à diversidade da música brasileira.
Com isso, ficaram conhecidos também no exterior. Também no final de 60, quase na
chegada dos anos 1970, surgiram nomes cultuados até hoje, como Raul Seixas, Rita Lee
e o grupo Secos e Molhados (PEDERIVA, 2004, p. 136).
Nos anos 80 e 90, outros ritmos começaram a surgir e o rock teve seu
último grande momento. Nesse período, o rock nacional trouxe uma temática urbana às
suas letras. Porém, a busca pela música comercial começava a aparecer. Nessa época,
inúmeros nomes despontaram: Legião Urbana, RPM, Barão Vermelho, Ultraje a Rigor,
Kid Abelha, Blitz, Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Ira!, Capital Inicial e Engenheiros
do Hawaii. Todas essas bandas, exceto Legião, que teve seu vocalista, Renato Russo,
morto na década de 90 por AIDS, continuam tocando ainda hoje.
É válido ainda, citar a banda Sepultura, que surgiu no fim de 80 e
tornou-se uma das principais bandas de heavy metal brasileiras, tendo ganhado destaque
mundialmente, mesmo não estando ligada ao cenário do rock no país.
Segundo o mesmo autor, depois disso, pouco se viu de rock no Brasil.
Na década de 1990, outros ritmos tomaram praticamente todo o espaço musical na
24
Informações disponíveis em: <http://www.suapesquisa.com/rock/> Acesso em 30/10/2013 às 16:17.
65
mídia brasileira. Com isso, pouco restou para o som pesado do rock. Mesmo assim,
surgiram os grupos Angra e Raimundos nessa década.
Atualmente, o cenário nacional do rock, mesmo que mais melódico, é
composto pelas bandas que surgiram em 80 e seguem cantando, além dos novos: COM
22, NX Zero, Skank, Pitty e Jota Quest.
Vale ainda destacar que o rock brasileiro traz também a mistura com
outros gêneros, como é o caso da Nação Zumbi, que toca um ritmo tão denso quanto o
rock, mas surgiu do movimento cultural, musical e regionalista que é o mangue beat.
5.3.3 Samba
O samba é um estilo musical tipicamente brasileiro, manifestado na
cultura popular local por rodas de samba e pelo carnaval, por exemplo. Uma de suas
principais características é a dança que acompanhas as frases melódicas curtas. Surgido
na Bahia, o samba foi para o Rio de Janeiro já na segunda metade do século XIX,
levado pelos negros que se instalavam na então capital brasileira. Hoje, o samba carioca
é conhecido pelo Brasil e em todo o mundo, mas sua base foi o samba de roda baiano
(NAPOLITANO, WASSERMAN, 2000).
Segundo os autores, a dança que conhecemos hoje começou a ser
praticada no início do século XX por escravos libertos, incorporando ao samba da
época, outros gêneros musicais tocados no Rio. Foi assim que o samba carioca deixou
de ser local, para se tornar símbolo da cultura nacional na década de 1930.
De acordo com o site Cantinho do Samba 25, a massificação do samba
teve início no final da década de 1960. Cantores como Alcione, Beth Carvalho,
Martinho da Vila, Bezerra da Silva e outros, passaram a ser tocados nas rádios e as
vendas de discos cresceram consideravelmente. Com o crescimento do gênero por todo
o Brasil, os principais artistas do período voltaram a aparecer nas principais emissoras
de rádio e em TVs de todo o País. É preciso destacar ainda que o ritmo também tinha
grande espaço em Salvador e São Paulo.
Ainda segundo o site, entre meados de 70 e toda a década de 80, o
samba entrou em decadência nas rádios e emissoras de TV, dando espaço ao rock e
disco music. O gênero só voltaria a ganhar destaque nos anos 90, com o pagode
25
Disponível em: <http://www.cantinhodosamba.com/2011/07/massificacao.html> Acesso em
31/10/2013 às 09:13.
66
romântico. Ainda assim, o samba continuava produzindo grandes cantores, como Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Grupo Fundo de Quintal.
Com o passar dos anos, surgiram inúmeras vertentes do samba
nacional. Uma das principais foi o pagode, do qual falaremos a seguir.
5.3.3.1
Pagode
Ainda no site Cantinho do Samba, é possível verificar que no final da
década de 1980, o pagode começava a ganhar espaço em bailes, enchendo salões de
“pagodeiros”. A indústria fonográfica batizou esse novo ritmo do samba e tratou de
massificá-lo, inicialmente, na cidade de São Paulo. As gravadoras aproveitaram o bom
momento e passaram a produzir discos de pagode que se tornariam sucessos, dado o
número de discos que foram vendidos na época.
Grupos de pagode foram lançados principalmente no Rio, Minas e São
Paulo. Entre os principais, é possível destacar Raça Negra, Só Pra Contrariar,
Katinguelê, Exaltasamba, Art Popular, Molejo, Os Travessos e outros. A massificação
desse estilo de música se deu com ajuda do rádio e TV, porém, muitos desses grupos se
desfizeram com o passar dos anos, enquanto novos surgiram (CANTINHO DO
SAMBA, 2011).
Apesar de ter surgido no subúrbio, os pagodes ganharam pessoas de
todas as classes, principalmente na atualidade, quando muitos jogadores de futebol, por
exemplo, se declaram admiradores do gênero.
Segundo o autor, hoje o pagode divide espaço em rádios de todo o
Brasil com muitos outros ritmos. Porém, o sertanejo universitário é o que predomina
atualmente as festas, rádios e programas de TV brasileiros. Sendo esse o gênero para o
qual demos maior destaque neste trabalho, haja vista que em Maringá e região, é o estilo
musical que mais tem espaço em todos os veículos de mídia, falaremos mais
detalhadamente dele a seguir.
5.4 Sertanejo
A manifestação cultural de um povo, bem como a construção de sua
memória, é um desafio, principalmente se levada em consideração a grande diversidade
cultural encontrada em nosso país. A ascensão do sertanejo, contudo, faz parte de uma
67
história recente, já que seu crescimento se deu, principalmente, nas últimas décadas.
Sendo assim, ainda é possível encontrar pouca literatura como base para tratar tal tema.
No cenário atual brasileiro, há uma grande diversidade de gêneros
musicais repercutidos por meio das ondas do rádio. Em Maringá, o gênero que se
destaca nas rádios é o sertanejo universitário. A música sertaneja, diferente da caipira,
surgiu no meio urbano-industrial pela indústria da música.
A música sertaneja torna-se apenas um produto a mais à disposição do
consumidor. Enquanto a música caipira é meio em si mesma, a
sertaneja é fim, cujo objetivo é o lucro. [...] seu tempo de duração
dificilmente ultrapassa os três minutos, considerados ideais para a
canção comercial. [...] apresenta um discurso profano. (CALDAS,
1987, p. 137)
Historicamente, o sertanejo nasceu como vertente dessa música
caipira. Por isso, ela é vista como produção que visa o consumo de uma população com
baixa escolaridade e numericamente grande. Com isso, os compositores acabam
moldando a música especificamente para o gosto desse público alvo.
Assim, a música sertaneja que conhecemos hoje, pode ser vista como
produto da indústria cultural que se disseminou pelo Brasil, deixando de ser cultura
específica da zona rural ou do sertão.
A música sertaneja de hoje não tem mais nada a ver com o meio rural,
com o interior nem com o sertão. O seu público está indistintamente
localizado no meio urbano-industrial e no interior. De sertaneja
mesmo, só sobrou o nome. A rigor, ela é hoje uma modalidade
musical igual à chamada música popular brasileira, produzida e
consumida em qualquer lugar. (CALDAS, 1987, p. 164)
Segundo Caldas, os consumidores do sertanejo “são, em sua maioria,
agricultores, operários, empregadas domésticas, motoristas, vigias, pedreiros, enfim,
grande parte da população realmente assalariada. Pode-se dizer que a música sertaneja é
também a música proletária” (CALDAS, 1987, p. 77).
Alguns estudiosos apontam, no entanto, que a música europeia
também tenha influência sob o estilo sertanejo.
Influenciaram também a música caipira os fados portugueses, as
toadas, cantigas, viras, canas-verdes, valsinhas trazidas pelos europeus
e as modinhas européias de acordes melancólicos. Os cantos de
trabalho, na colheita e nos mutirões também foram incorporados ao
68
gênero e a narrativa melodramática tornou-se padrão para o estilo
musical. (SILVA, 2010, p. 231)
É evidente, contudo, que a música sertaneja mudou bastante. Já na
década de 1980, ela passou por algumas primeiras transformações. A principal delas foi
a mudança no “estilo”. Se antes o gênero musical estava ligado ao sertão ou caipira,
agora chegava às cidades e para ganhar um grande público. Consequentemente, ganhou
também a atenção das gravadoras. Com isso, pouco restaria daquele estilo caipira e, por
outro lado, muitas novas duplas começavam a aparecer.
O repertório produzido por elas é definido por críticos musicais e
pesquisadores como sertanejo pop, sertanejo romântico ou neosertanejo. São duplas mais abertas às experiências, à incorporação de
estilos e de novos elementos culturais. (FREIRE FILHO; VAZ, 2006,
p. 111)
Os instrumentos utilizados para a produção musical também
mudaram, a fim de dar essa “nova cara” para a música sertaneja. A viola e o acordeão
foram substituídos por violões elétricos, guitarras, teclados e baterias. Os figurinos de
botas e chapéus de Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico e outros tantos precursores
também começava a ser substituído pelas calças jeans apertadas e camisas xadrez.
Nepomuceno (1999) destaca o grande boom da música sertaneja no
cenário nacional na década de 1980: de cada cinco discos vendidos no país, três eram do
gênero sertanejo. O autor afirma ainda que a mídia cedeu espaço à nova música
sertaneja: “A mídia já estava rendida ao fenômeno sertanejo. Nas emissoras AM
paulistas, de dez músicas tocadas, nove eram do gênero, em todas as suas vertentes.”
(NEPOMUCENO, 1999, p. 208).
Na década seguinte, viria a consolidação do sertanejo com o sucesso
das duplas Chitãozinho e Xororó, João Paulo e Daniel, Leandro e Leonardo e Zezé di
Camargo e Luciano, principalmente. Essas duplas contribuíram muito para a
solidificação do sertanejo no cenário nacional e, com exceção de Leandro 26 e João
Paulo27, todos os outros continuam fazendo sucesso com a música sertaneja no Brasil
26
Leandro formava dupla com o irmão Leonardo. O cantor morreu às 0h10 de 23 de junho de 1998, com
falência múltipla de órgãos, devido a um câncer no pulmão. Leonardo seguiu carreira solo após a morte
de Leandro.
27
João Paulo e Daniel eram amigos e cantavam juntos. Em 12 de setembro de 1997, João Paulo voltava
de um show, quando sofreu um acidente de carro que ocasionou sua morte. Após esse acidente, Daniel
segui carreira cantando sozinho.
69
ainda hoje. Sobre o crescimento do gênero na década de 1990, Tatit afirma que “o
apogeu da música sertaneja nas grandes redes de televisão brasileira foi simultâneo a
uma significativa queda na popularidade do rock nacional no início dos anos noventa
[...]” (TATIT, 2004, p. 234).
O autor fala ainda sobre a vendagem de discos: “A música sertaneja
ocupou o quinhão da sonoridade passional brasileira e atingiu picos inimagináveis de
venda” (TATIT, 2004, p. 64).
Porém, na metade da mesma década, a música sertaneja começou a
apresentar indícios de declínio, dando espaço ao axé e pagode, que viriam assumir a
liderança nas rádios, programas de TV e vendas de discos. Zan (2001) contextualiza
esse período vivido pela música sertaneja:
Em meados da década de 90, o segmento sertanejo começou a dar
sinais de esgotamento, surgindo no mercado uma nova modalidade de
samba, identificada como „pagode„ ou „neo-pagode„, que incorpora
elementos das baladas românticas da Jovem Guarda, do sertanejo
romântico e até mesmo da música negra norte americana. (ZAN,
2001. p. 22)
A crise, aliás, acabou ganhando espaço em revistas nacionais: “Depois
de atingir seu auge entre 1990 e 1995, o gênero viu suas vendas fraquejarem e perdeu
espaço para outros estilos.” (MARTINS; SALOMONE, 2005).
Apesar de enfrentar momentos de glória e decadência, as literaturas
sobre a música sertaneja apontam que o gênero está consolidado entre os de maior
popularidade no Brasil, levando em consideração suas diferentes vertentes, porém,
dando maior destaque ao recente “Sertanejo universitário”. Com este, é simples
verificar a força com que ganhou o mercado nacional, afinal, é raro não ver um cantor
sertanejo em programas de nível nacional ou ligar o rádio e não ouvir uma música do
gênero.
Não há, no entanto, uma data específica para o surgimento desse novo
estilo. O que colabora para que se possa mensurar mais ou menos o período em que o
sertanejo universitário tenha começado a aparecer, são os textos jornalísticos, programas
de TV e reportagens sobre o tema.
Um dos marcos dessa nova fase foi o surgimento da dupla César
Menotti e Fabiano, em 2004. Isso porque os cantores optaram por um ritmo mais
agitado, mostrando uma nova roupagem para o já conhecido sertanejo. Em entrevista, a
70
dupla afirmou: “Quando começamos a cantar, não tínhamos a pretensão de inventar
uma nova música. Procuramos fazer um trabalho particular e inédito, que não se
parecesse com nenhum outro”. (CÉSAR MENOTTI e FABIANO, 2010)
O surgimento do termo “universitário”, na opinião do cantor Fabiano,
foi de responsabilidade dos artistas em geral:
O Sertanejo Universitário está muito em evidência, esse rótulo foi
criado pelos artistas e não pelo público. O universitário é um público
importante pra nós, pra você, pra todo artista, porque ele é um público
formador de opinião, ele divulga o seu trabalho. [...] Nossa música é
feita pra todo tipo de público, classe operária, classe A, classe B,
classe C, classe D, a gente não faz música pra um público distinto.
(ROTA SERTANEJA, 2009)
Vindo na contramão do termo “universitário”, no entanto, está o
público desse estilo musical que não se restringe a jovens e, menos ainda, a
universitários. Pelo contrário, o sertanejo universitário ganhou o público de maneira
geral, de todas as idades e de várias classes.
Segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope entre 2012 e 2013 e
divulgada pela revista online Época28, a maior parte do público do sertanejo tem entre
25 e 34 anos, pertence à classe C e tem nível escolar fundamental.
Para a utilização do termo, no entanto, César Menotti e Fabiano
pensam que isso seja em decorrência da estratégia criada pela dupla para conseguir
lotação total em casas de shows no início da carreira: os cantores davam convites de
seus shows para estudantes universitários, de maneira que os eventos animados pela
dupla estavam sempre cheios. Talvez esse tenha sido o motivo de o termo
“universitário” ter sido acrescentado ao “sertanejo”, fundando o novo estilo.
Já o cantor sertanejo Bruno, da dupla Bruno e Marrone, fala de
algumas transformações pelas quais o sertanejo passou. Para ele, sua dupla também é
precursora do Sertanejo Universitário: “Depois dos Amigos29 a gente mudou um pouco,
a gente conseguiu atingir o público universitário, que a galera hoje fala que é
universitário, né. Então eu acho que a gente começou esse esquema.” (BRUNO E
MARRONE, 2011)
28
Matéria disponível em: <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/11/o-brasil-be-sertanejob.html>
Acesso em 02/11/2013 às 12:06.
29
Referindo-se ao Programa Amigos, da Rede Globo, que obteve muito sucesso na década de 1990. Da
primeira versão, em 1995, participaram Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e Zezé di Camargo e
Luciano.
71
O que se vê, a partir desse período “pós Amigos”, citado por Bruno e
Marrone, é a explosão das novas músicas sertanejas em rádios, TV e internet. Há
também a divergência de opiniões entre os próprios cantores sertanejos. Zezé di
Camargo, que faz dupla com o irmão Luciano, opina sobre a nova onda do sertanejo em
entrevista ao site globo.com:
Agora, aquela turma que regrava um sucesso nosso de oito anos atrás
e chama de sertanejo universitário é uma ofensa. Acho um
desrespeito. Enquanto eles são sertanejos universitários, eu sou
mestre. E se eles não conseguiram fazer sucesso depois de lançar três
discos, eles são repetentes, não passaram de ano. (NOGUEIRA, 2011)
Os também irmãos Chitãozinho e Xororó têm uma opinião um pouco
diferente sobre o tema:
Eu respeito tudo que faz sucesso. Quem vai continuar só o tempo vai
dizer. [...] A grande maioria deles nasceu ouvindo nosso trabalho. A
gente abriu as portas. Não vejo tanto como mérito. A gente só chegou
na frente. (CAIPE, 2011)
É fato, contudo, que esse prestígio aumentou muito o surgimento de
novos cantores sertanejos, sendo que muitos deles são jovens e, hoje, não
necessariamente formam dupla, uma vez que parte dos novos fenômenos do gênero são
cantores solos, como é o caso de Luan Santana, Gusttavo Lima, Lucas Lucco e tantos
outros. Com isso, faz-se necessário ressaltar também a grande quantidade de jovens que
aderiu a esse novo sertanejo. (SEREN, 2009) É por essa legião de jovens que muitos
dos cantores sertanejos abandonaram, mesmo que em partes, o estilo romântico e
passaram a falar do cotidiano desse novo público.
Outro fator que deixa evidente o crescimento do sertanejo
universitário são os cantores do estilo têm surgido não só de Goiás, Minas Gerais e
Paraná, como era até pouco tempo. Pelo contrário, eles vêm de quase todas as regiões
do Brasil atualmente. Além disso, é perceptível o destaque dos compositores do gênero
no ranking do ECAD. No primeiro semestre de 2013, por exemplo, o sertanejo e
maringaense Thiago, que forma dupla com Thaeme, arrecadou mais que Roberto Carlos
com suas composições nas regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil30.
30
Informação disponível em: <http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/05/com-sertanejo-thiago-superaroberto-carlos-e-diz-isso-e-injusto.html> Acesso em 01/09/2013 às 15:07.
72
Com relação à proximidade dos jovens com esse novo sertanejo,
Seren faz uma boa observação:
O sertanejo universitário, um dos gêneros mais escutados por nossos
entrevistados, mostra-se uma onda capaz de arrastar legiões de jovens
a casas de shows temáticas. É importante ouvir dos estudantes frases
como: De sertanejo mesmo eu não gosto, só gosto de sertanejo
universitário [...]. (SEREN, 2009, p. 118)
Conforme citado no início desse tópico, o visual dos cantores
sertanejos veio mudando ao longo do tempo. Atualmente, esse é um fator que também
pode aproximar os jovens de seus ídolos da música. As botas, chapéus e cintos largos
foram substituídos por tênis, camisetas e cabelos dos mais variados estilos. Essa foi uma
das alternativas encontradas pelos produtores para aproximar o cantor do cotidiano do
jovem, de maneira a arrebanhá-lo para os shows desses cantores.
Outras estratégias também são traçadas por cantores e produtores para
garantir constante inovação e proximidade do público, expandido as fronteiras (que já
não são mais rurais) e garantindo o alcance a novos públicos. Bastos afirma que o novo
sertanejo é uma evidente mistura de elementos advindos do axé, rock e pop. “São
artistas que fazem um sertanejo bastante pop (nos moldes mais atuais), no cenário atual
e tiveram um surgimento relativamente recente”. (BASTOS, 2009, p. 12)
Dados estatísticos das músicas veiculadas no ano de 2009 já
evidenciavam o grande espaço ocupado pelo sertanejo universitário no cenário nacional.
Naquele ano, a música “Chora Me Liga”, composta por Euler Coelho e gravada pela
dupla sertaneja João Bosco e Vinícius, foi a mais executada nas rádios das regiões Sul e
Sudeste do país (LETRAS E NOTAS, 2009, p. 4). Segundo dados da revista Cultura em
Números, referentes ao ano de 2010, o gênero sertanejo alcançou o primeiro lugar
dentre as músicas mais tocadas nas rádios do País. Estatísticas revelam ainda que o
sertanejo apresentou porcentagem de 32% em escala de 100% dentre as mais
executadas, deixando para trás o samba/pagode, a MPB e o forró. (CULTURA EM
NÚMEROS, 2010)
Já em 2012, entre as músicas mais tocadas por rádios brasileiras, as
sertanejas dominam: são aproximadamente sete sertanejas a cada 10 músicas. As
principais foram Ai se eu te pego, interpretada por Michel Teló, Camaro amarelo, de
Munhoz e Mariano e Tchu tcha tcha, de João Lucas e Marcelo.
73
De lá para cá, o sertanejo só cresceu. A pesquisa “Tribos musicais – O
comportamento dos ouvintes de rádio sob uma nova ótica”, realizada pelo IBOPE entre
agosto de 2012 e agosto de 2013, mostra que MPB e rock estão cada vez distantes do
brasileiro, enquanto o sertanejo ocupa posição de destaque. A pesquisa foi feita com 20
mil pessoas, ouvintes de rádio, vez que este é “o meio de comunicação mais usado no
Brasil: 73% da população brasileira escuta rádio com frequência. Entre os ouvintes, a
maioria (96%) ouve música [...]”31
A mesma pesquisa citada acima, traz a informação de que dois terços
das músicas tocadas no rádio durante o período de coleta de dados feito pelo IBOPE,
são sertanejas, o que corresponde a 65%. Outro destaque é o fato de que entrevistados
que declararam ter maior proximidade com outros gêneros, como pagode ou funk, por
exemplo, admitiram ouvir também sertanejo.
Porém, essa busca pela proximidade com o público e com a discussão
sobre o cotidiano dos jovens, traz letras de músicas que abordam com naturalidade
temas como o consumo de bebidas alcoólicas. É claro que o assunto também é visto em
outros gêneros musicais, no entanto, neste trabalho optou-se por realizar o recorte
somente da música sertaneja, por se tratar de um estilo bastante comum na cidade de
Maringá, bem como por sua popularidade e consumo em todo o Brasil.
31
Pesquisa disponível em: <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/11/o-brasil-be-sertanejob.html>
Acesso em 02/11/2013 às 12:06.
74
CENÁRIO MUSICAL NO BRASIL
Legenda: Os gêneros mais ouvidos pelos brasileiros em rádios.
Fonte: Época online
75
5.4.1 Compositores: os criadores dos fenômenos da indústria fonográfica
A importância dos compositores no cenário da indústria da música,
bem como o quanto a música sertaneja escrita por eles têm feito sucesso, é perceptível
no ranking do ECAD. No primeiro semestre de 2013, por exemplo, o sertanejo e
maringaense Thiago, que, na ocasião formava dupla com Thaeme, arrecadou mais que
Roberto Carlos com suas composições nas regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil32.
Com o sucesso alcançado através de suas composições, Thiago,
inclusive, deixou de lado a dupla para se dedicar somente a escrever possíveis novos
“fenômenos”33. Como ele, são muitos os compositores que se dedicam a criar músicas
sertanejas para outros cantores já famosos. Alguns, no entanto, conciliam a carreira nos
palcos com a composição de novas canções.
Haja vista que as músicas aqui analisadas fizeram muito sucesso no
cenário fonográfico brasileiro, apresentaremos a seguir os responsáveis pela composição
dessas canções.
5.4.1.1
Balada louca
A música Balada louca esteve entre as canções mais pedidas por todo
o Brasil durante quase um semestre. Apesar do sucesso que a música fez, dois de seus
compositores são pouco conhecidos no meio sertanejo.
Camila Prates é de Dourados (MS) e, além de compor, canta em uma
dupla com seu parceiro Henrique desde 201034. Camila é douradense, mas viveu 15
anos em Nova York (EUA). A decisão de se dedicar à música, veio após sua volta ao
Brasil, quando se uniu a Henrique para dar início à carreira como cantora profissional 35.
Para a dupla, o sucesso nacional ainda não aconteceu.
As músicas gravadas pelos dois são, em sua maioria, composições da
própria Camila, porém, a canção de maior sucesso escrita por ela é Balada Louca.
32
Informação disponível em: <http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/05/com-sertanejo-thiago-superaroberto-carlos-e-diz-isso-e-injusto.html> Acesso em 01/09/2013 às 15:07.
33
Informação disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1414098>
Acesso em 11/11/2013 às 22:20.
34
Informação e músicas disponíveis em: <http://letras.mus.br/camila-prates-henrique/> Acesso em
11/11/2013 às 22:37.
35
Informações disponíveis em: <http://www.msrecord.com.br/noticia/ver/18065/camila-prates-alex-eyvan-animam-o-7o-arraial-de-santo-antonio-nesta-quinta> Acesso em 12/11/2013 às 15:43.
76
Thiago Machado é mais um dos compositores desta canção. Ele
também é de Dourados (MS) e forma dupla com Rafael. Thiago compõe há dez anos e,
além de produzir para outros cantores, ele também escreveu a maior parte das músicas
gravadas por sua própria dupla. Ao longo de todo esse período, Thiago se tornou
parceiro de Marco Aurélio, um dos compositores mais conhecidos entre os sertanejos.
Algumas das músicas de Thiago gravadas por outros cantores, além de
Balada louca, foram: Toma Conta, com Munhoz e Mariano; Pega eu, com Marco
Aurélio e Paulo Sérgio; Frasco de Perfume, com Jads e Jadson 36.
O mais conhecido dentre os três compositores desta canção, é Marco
Aurélio. Além de compositor, Marco forma dupla com Paulo Sérgio. Ele foi o
responsável pelo primeiro grande sucesso da dupla Maria Cecília e Rodolfo, Você de
volta. Depois dessa canção, que foi ouvida por rádios de todo o Brasil na voz de Maria
Cecília e Rodolfo, a dupla ainda gravou Você me paga, Basta você me olhar, Vem ser
feliz e outras.
Um dos sucessos mais recentes de César Menotti e Fabiano, Labirinto,
também é de composição de Marco Aurélio. Outras composições famosas dele são:
Perdoa amor, gravada por Marcos e Belutti; Beberrão, Munhoz e Mariano; Quem te
ama sou eu, Luan Santana; Recado meu, Hugo Pena e Gabriel; Sacanagem tua,
Janaynna; Fica tranquila, Hugo e Tiago; Festa na república, Tradição; entre outras 37.
5.4.1.2
Festa boa
A música que foi sucesso nas rádios no primeiro semestre de 2013, na
voz de Henrique e Diego com participação de Gusttavo Lima, é de composição do
próprio Gusttavo em parceria com Bigair dy Jaime.
Gusttavo tem mais de 150 composições próprias, muitas dessas,
gravadas por ele mesmo em seus trabalhos. Em entrevista, o músico disse buscar
inspiração para compor tantas canções em fatos reais, que aconteceram com ele ou com
amigos. Com isso, suas composições abordam, principalmente, temas como paixão,
baladas, paqueras, boates, amor e traição. Os maiores sucessos escritos por Gusttavo
36
Informações disponíveis em: <http://www.progresso.com.br/caderno-b/hoje-tem-thiago-machadorafael> Acesso em 12/11/2013 às 15:49.
37
Informações sobre Marco Aurélio disponíveis em: <http://fsimcer.blogspot.com.br/2010/09/conheca-ocompositor-marco-aurelio.html> Acesso em 31/10/2013 às 10:11.
77
foram gravados por ele mesmo, como é o caso de Cor de ouro; Rosas, versos e vinho;
Inventor de amores; Caso consumado; e outras38.
Já Bigair dy Jaime é, além de compositor, maestro e produtor musical,
responsável pela produção dos shows de Ricardo e João Fernando 39, Israel Novaes40,
Cristiano Araújo 41 e Zé Ricardo e Thiago 42.
Goiano, o produtor se destacou nacionalmente após começar a
trabalhar com nomes que se tornaram sucesso na música brasileira43. Ao produzir
muitos trabalhos, Bigair, consequentemente, tem assinatura em inúmeras canções
conhecidas, como é o caso de Fora do normal, gravada por Bruno e Marrone 44; Só de
pensar, Maria Cecília e Rodolfo 45; Sinal disfarçado, Zé Ricardo e Thiago46; entre muitas
outras.
5.4.1.3
Calma aí
A música gravada por Marcos e Belutti em parceria com Fernando e
Sorocaba, foi composta por Diego Monteiro e Vinicius Peres.
Diego nasceu em São Paulo, mas desde 2008 vive em Maringá e, além
de compor, também canta. Ele assina inúmeras canções de sucesso, como Foi daquele
jeito, gravada por Thaeme e Thiago; Estrela, Hugo Pena e Gabriel; Tchau, tchau, Maria
Cecília e Rodolfo; e outras canções gravadas por Luan Santana, Jaime Junior, Zé
Ricardo e Thiago, Adson e Alana, por exemplo47.
38
Informações sobre Gusttavo Lima disponíveis em: < http://www.fervecao.com/mix/2011/114.htm>
Acesso em 31/10/2013 às 10:42.
39
Disponível em: < http://www.ricardoejoaofernando.com.br/noticias/ricardo--joao-fernando-na-mesmasintonia-71> Acesso em 31/10/2013 às 10:05.
40
Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Israel_Novaes> Acesso em 12/11/2013 às 16:55.
41
Disponível em: <http://palcoprincipal.com.br/tags/bigair_dy_jaime> Acesso em 31/10/2013 às 10:04.
42
Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Zé_Ricardo_%26_Thiago> Acesso em 12/11/2013
às
17:01.
43
Disponível em: <blognejo.com.br/top-five/top-five-novos-produtores> Acesso em 12/11/2013 às 16:59.
44
Disponível em: <www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/bruno-e-marrone/fora-do-normal/2510570>
Acesso em 12/11/2013 às 17:06.
45
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=4s7HguAFcaM> Acesso em 12/11/2013 às 17:09.
46
Disponível em:< http://letras.mus.br/ze-ricardo-thiago/sinal-disfarcado/> Acesso em 12/11/2013 às
17:11.
47
Informações disponíveis em: <http://compositorhg.blogspot.com.br/2013/03/diego-monteiro-e-granderevelacao-da.htm> Acesso em 31/10/2013 às 09:57.
78
Vinicius Peres é um compositor ainda pouco conhecido. No entanto,
além de Calma aí, ele tem músicas gravadas por Diego Monteiro 48, Breno e Caio
Cesar49 e Leo Santana50, por exemplo.
5.4.1.4
Mistura louca
Um dos fenômenos da música sertaneja no segundo semestre de 2013
é de composição de seus próprios interpretes. Mistura louca foi composta por Henrique
e Juliano, que já escreveram outro de seus grandes sucessos: Não to valendo nada 51.
Além destas canções, que ganharam destaque nacional, grande parte das músicas do
próprio álbum da dupla foi composta por eles mesmos que, aliás, são irmãos.
A dupla começou a trabalhar profissionalmente apenas em 2012 e, por
isso, são poucas as composições que fizeram sucesso52.
5.4.1.5
Princesinha
Princesinha está entre os maiores sucessos da curta trajetória
profissional de Lucas Lucco na música. A canção foi escrita pelo próprio Lucas em
parceria com Sassinhora Jr e Mr. Catra, sendo que o segundo também participou da
gravação53.
Lucco é novo no meio sertanejo, por isso, poucas são as suas canções
de sucesso. Além de Princesinha, ele também compôs outro hit de seu próprio álbum,
Pra te fazer lembrar 54. Em setembro de 2013, Guilherme e Santiago lançaram a música
Cura, também composta por Lucas55.
48
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=oF0nxU-V_40> Acesso em: 12/11/2013 às 17:52.
Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/breno-e-caio-cesar/vento.html> Acesso em 12/11/2013
às 17:51.
50
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=T7K6LVsZB4E> Acesso em 12/11/2013 às
17:47>
51
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=GOaBfKpbQ4w> Acesso em 12/11/2013 às 17:55.
52
Informações disponíveis em: <http://www.henriqueejuliano.com.br/wp/biografia/> Acesso em
31/10/2013 às 10:49.
53
Disponível em: <www.vagalume.com.br/lucas-lucco/princesinha-part-mr-catra> Acesso em 12/11/2013
às 18:43.
54
Disponível em: <http://letras.mus.br/lucas-lucco/so-pra-te-fazer-lembrar/> Acesso em 12/11/2013 às
20:31.
55
Disponível em: <http://www.lucaslucconews.com/2013/09/guilherme-e-santiago-gravammusica.html#.UnJOpnBwq8s> Acesso em 31/10/2013 às 10:36.
49
79
Sassinhora Jr é filho de um dos empresários da dupla Israel e Rodolffo
e, graças a isso, já assinou três composições da dupla: Coração, Vou me vingar de você
e Não faz mal56.
Catra, por fim, é um funkeiro que tem a maioria de suas composições
gravadas por ele mesmo e por outros cantores do gênero 57. As letras de suas músicas já
lhe renderam, além de sucesso, problemas: o cantor foi indiciado por fazer apologia ao
crime58. Catra, no entanto, trata com naturalidade essas letras em uma entrevista: "Canto
sobre as coisas que se conversa com os amigos de trabalho, de bar, na boate... É isso!
Por isso a galera curte." O cantor considera a preocupação com o conteúdo de suas
composições “vazia e irrelevante”. Para ele, deveria haver preocupação com pobreza,
problemas de saúde e analfabetismo, e não com suas canções59.
Depois de conhecermos um pouco mais sobre quem são as pessoas
que produzem as músicas ouvidas por todo o Brasil, percebemos que muitos dos
compositores conseguem emplacar inúmeros hits nas paradas de sucesso. Isso acontece
graças à busca pela proximidade com o público e com a discussão sobre o cotidiano dos
jovens por parte desses compositores. Assim, eles trazem letras de músicas que
abordam com naturalidade temas como o consumo de bebidas alcoólicas. É verdade que
o assunto também é visto em outros gêneros musicais, no entanto, neste estudo optou-se
por realizar o recorte somente da música sertaneja, por se tratar de um estilo bastante
comum na cidade de Maringá, bem como por sua popularidade e consumo em todo o
Brasil.
56
Disponível em: <http://blogsertanejoonline.blogspot.com.br/2013/03/lucas-lucco-videoclipe-damusica.html> Acesso em 31/10/2013 às 09:50.
57
Informações disponíveis em: <http://www.dicionariompb.com.br/mr-catra/dados-artisticos> Acesso em
31/10/2013 às 10:39.
58
Informações disponíveis em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Mr._Catra> Acesso em 31/10/2013 às
10:37.
59
Entrevista disponível em: < http://www.tribunademinas.com.br/cultura/todos-os-tons-de-catra-mrcatra-1.1220618> Acesso em 31/10/2013 às 10:39.
80
6 A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS POR MEIO DAS MÚSICAS
Uma vez compreendida a teoria de Bakhtin sobre o dialogismo, é
possível dar início a análise, que buscará tornar visível esse diálogo entre músicas
sertanejas e o cotidiano do público sertanejo universitário maringaense, considerando as
atitudes desse público, “visíveis” nas canções, em especial, quando consomem bebidas
alcoólicas. A partir do consumo de bebidas, vamos procurar perceber como essas
pessoas agem, tendo em vista o perfil do público cantado nas músicas: que bebe até
perder a consciência; que busca liberdade; a mulher que se esconde atrás de uma
máscara e é tratada com visão machista nas canções, etc.
Para tanto, teremos como corpus de análise o texto (as músicas), tendo
como elemento norteador o funcionamento da ideologia que dá sentidos às ações desse
público bem como às letras das canções interpretadas pelos cantores que são veiculadas
pelas rádios da cidade. Nesse estudo, nosso referencial de ideologia é a de Bakhtin. Para
ele (2011), a ideologia não é ocultação e ou uma forma de mascarar a realidade.
Segundo o autor, a ideologia se expressa por meio das diferentes formas de produção
humanas. Ela surge com base no contexto social em que o indivíduo está inserido. Além
disso, para o autor, nossas ideologias, crenças, costumes, culturas, se formam nas
relações entre humanos.
Alguns pontos levantados na teoria bakhtiniana serão retomados aqui,
principalmente: atitude responsiva, vozes, ecos, o papel do outro, exauribilidade e
conclusibilidade. Dentro dessas linhas, vamos abordar as temáticas mais frequentes nas
músicas do gênero, usando como base para isso, as cinco canções selecionadas: Balada
louca, de Munhoz e Mariano com participação de João Neto e Frederico; Calma aí, de
Marcos e Belutti com participação de Fernando e Sorocaba; Festa Boa, de Henrique e
Diego com participação de Gusttavo Lima; Mistura louca, de Henrique e Juliano com
participação d‟Os Hawaianos; Princesinha, de Lucas Lucco com participação de Mr.
Catra.
Todas essas músicas são gravadas com a participação de algum cantor
ou dupla. Ou seja, os intérpretes contam com cantores convidados na gravação das
canções. Além disso, em duas delas, essa participação é de funkeiros e, por isso, há uma
mistura de gêneros musicais 60. A sensação que se tem é de que se faz necessário ter
60
Para Bakhtin, toda forma de comunicação é considerada um gênero do discurso, como a notícia, a
conversa informal, ou a música, que vemos neste trabalho. No entanto, os tipos de música também têm
81
intérpretes convidados como acontece nas festas, em que é preciso estar com mais
pessoas, na maioria das vezes, amigos, para que a “festa” aconteça.
A fim de poder analisar essa relação dialógica entre o sertanejo e seu
público, utilizaremos como base para tratar do cotidiano do jovem maringaense, público
alvo do sertanejo universitário e das rádios da cidade, matérias jornalísticas que trazem
dados sobre como esse jovem vive, se diverte, como encara as festas universitárias,
como as relações são muito mais superficiais e como o sexo é comum e sem
compromisso, considerando que a bebida alcoólica é fator determinante para cada uma
das situações citadas.
6.1 “Beber até cair é comum entre jovens”
O título acima é de uma matéria do jornal online Gazeta Maringá 61. A
notícia mostra pesquisas que apontam para o aumento do número de jovens usam
bebidas alcoólicas e para a quantidade que bebem. De acordo com a publicação do
jornalista Jônatas Dias Lima, a maioria desses jovens é universitária. Ao saírem das
casas de seus pais para estudarem, eles se sentem livres para, muitas vezes, fazer o que
não podiam antes, ao menos, não com a mesma intensidade: festar, se divertir e beber.
A população acadêmica brasileira vem crescendo cada vez mais. Os
dados mais recentes mostram que, em 2011, o número de universitários era de 6,7
milhões em todo o Brasil62.
Em matéria da Gazeta Maringá sobre o uso de drogas por
universitários, encontramos a informação de que “quase metade dos universitários
brasileiros (48,7%) de 18 a 24 anos já experimentou algum tipo de droga ilícita.63” E
quando o assunto é bebidas alcoólicas, os dados também são alarmantes:
A relação dos jovens com o álcool também preocupa os especialistas –
79,2% dos universitários com menos de 18 anos já ingeriram bebidas
gêneros, como Rock, Samba e Sertanejo. Aqui, trabalharemos com o gênero do discurso “canção” e,
dentro deste, temos o gênero musical sertanejo.
61
Matéria de 26/11/2012, disponível em:
<http://www.gazetamaringa.com.br/brasil/conteudo.phtml?tl=1&id=1321138&tit=>. Acesso em:
27.Agosto.2013 às 09:29.
62
Informação completa disponível em: <http://oglobo.globo.com/educacao/brasil-tem-67-milhoes-deuniversitarios-6423216> Acesso em 27/08/201 às 11:07.
63
Matéria disponível em:
<http://www.gazetamaringa.com.br/brasil/conteudo.phtml?tl=1&id=1017613&tit=> Acesso em
27/08/2013 às 11:00
82
alcoólicas. Contudo, além do beber, a quantidade consumida
exageradamente em um pequeno espaço de tempo (hábito conhecido
como “binge drinking”) também chama a atenção. “Esse padrão foi
relatado por 31,3% dos homens e 20,3% das mulheres entrevistados
nos 30 dias que antecederam a pesquisa”, conta a secretária adjunta da
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Paulina Vieira
Duarte. (GAZETA MARINGÁ, 2010)
Outro estudo, feito com 17 mil universitários das 27 capitais, mostra
que em cada dez jovens, nove já consumiram álcool. “Desses, 19% bebem
frequentemente e apresentam risco moderado de dependência do álcool, 3% consomem
álcool e têm alto risco de dependência. 64”
Essa camada é também o público do sertanejo universitário e, não
diferente de Maringá, consome a música cantada pelos artistas do gênero. Para esse
público é que a indústria fonográfica trabalha, afinal, é uma classe em idade
economicamente ativa, que compra os produtos lançados pelas gravadoras e enche as
casas de shows.
Ao observar tudo isso, lembramos Rodrigues (2007), que fala sobre a
incorporação de outras vozes nos discursos. No caso dessas músicas, as vozes que se
unem ao discurso dos artistas, são dos próprios jovens. “A incorporação de outras vozes
ao discurso do autor, avaliadas positivamente, “chamadas” para a construção do seu
ponto de vista, se denominou movimento dialógico de assimilação [...]” (RODRIGUES,
2007, p. 174) Ou seja, os compositores veem no cotidiano das pessoas o que pode se
tornar sucesso, assimilando isso às músicas. Em contrapartida, o jovem assimila o que o
artista canta ao seu cotidiano, enxergando nas músicas um reflexo daquilo que ele vive.
Ao relacionar isso com a indústria cultural, é possível perceber que o
enquadramento dado pelos cantores ao discurso, atende ao que o consumidor apresenta
como necessidade. Ou seja, relembrando Adorno e Horkheimer (1947), os produtos
oferecidos pela indústria cultural são aceitos sem resistência pela sociedade.
Como sabemos, o público do sertanejo universitário, no entanto, não
se restringe apenas aos jovens universitários. Esse gênero musical, herdado dos antigos
sertanejos, homens do campo, agrada também aos descendentes desse público. Eles
cresceram ouvindo sertanejo e acompanharam a evolução dessa música.
64
Informação disponível em:
<http://www.gazetamaringa.com.br/brasil/conteudo.phtml?tl=1&id=1054636&tit=> Acesso em
27/08/2013 às 11:00
83
Esse é também o público do rádio, composto, na maioria das vezes,
por operários. Essa classe produziu uma ideologia de que “beber no fim de tarde ajuda a
relaxar” ou “eu trabalho o dia todo, mereço tomar uma cervejinha”. Com isso, somamse aos universitários, os trabalhadores, que também veem na letra da música sertaneja,
um pouco de seu cotidiano.
Em 2007, o I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo
de Álcool na População Brasileira verificou que 24% dos entrevistados na ocasião
bebem frequentemente ou pesado (uma ou mais vezes por semana, mais de cinco doses
por ocasião), outros 29% afirmaram beber com pouca frequência (BRASIL, 2007).
Segundo a pesquisa, a bebida mais consumida pelo brasileiro é a
cerveja, com 61% das doses, seguida do vinho, com 25%, e destilados com 12%. Entre
os destilados, a pinga é a mais consumida, com 60% das doses.
Nas músicas, diversas bebidas são citadas. Contudo, as canções
trazidas para essa análise falam, quase sempre, dos destilados, principalmente de
whisky, bebida citada em três das cinco músicas analisadas. Nas outras duas, não são
citados tipos de bebidas, fala-se apenas em estar bêbado ou alcoolizado.
Para os especialistas, estes dados da pesquisa acima citada, são mais
que um hábito, significando também um problema social: 28% da população já beberam
excessivamente e 12% têm algum problema relacionado ao álcool. Os problemas
citados com mais frequência são os físicos. Em segundo lugar, vêm os problemas
familiares.
Ainda nesse mesmo levantamento, os problemas com os quais esses
especialistas se preocupam parecem não ser levados em consideração pelos cantores e,
menos ainda, pelos consumidores. A bebida, para eles, significa diversão. Estar em
festas ou bares é considerado lazer e, até por isso, as bebidas também estão presentes
nas festas e churrascos de família, o que colabora para que o brasileiro beba cada vez
mais cedo. A pesquisa confirmar isso: 24% dos adolescentes bebem pelo menos uma
vez ao mês.
Um levantamento, realizado no Paraná, considerou o padrão de risco
para consumo de bebidas alcoólicas estabelecido pela Organização Mundial de Saúde e
constatou que 1,7% das mulheres e 8,3% dos homens têm consumo alcoólico de risco,
ou seja, uma média de 4,6% da população. Dentre os 2.522 entrevistados, 51% havia
consumido bebidas alcoólicas no mês anterior à pesquisa. Por faixa etária, o
levantamento constatou que a idade com maior frequência de consumo é dos 30 aos 39
84
anos (6%), seguido dos 20 aos 29 (5,9%): “Quando se observa este consumo nos
diferentes grupos de idade, destaca-se o fato de as maiores frequências ocorrerem entre
adultos jovens e mesmo entre adolescentes caindo após os 50 anos de idade”
(PARANÁ, 2006, p. 74).
Dessa maneira, vemos que a ideologia predominante é a de que a
bebida faz parte do dia a dia do brasileiro, é uma tradição, uma espécie de cultura
nacional. E esse é o discurso que se naturaliza nas canções. No Brasil, as bebidas
alcoólicas são socialmente aceitas e, por isso, grande parte da população encara o fato
de beber como algo “normal”. Com isso, muitos adolescentes aprendem a beber em
casa. As canções reforçam esse tipo de comportamento e atitudes.
Além disso, é possível perceber em todos esses dados e informações
que há uma lógica de mercado atuando e lucrando fortemente por meio não só das
músicas, mas também da venda de bebidas alcoólicas. Segundo o Ibope, somente em
2013, a perspectiva é de que o setor movimente R$ 6,8 bilhões 65. De acordo com a
pesquisa, isso significa 10% mais que o giro do ano anterior e o que motiva esse
crescimento é o consumo domiciliar. Esse dado se enquadra na informação que
trouxemos acima de que a ideologia dominante é de que é normal beber, inclusive, em
casa.
Com base nisso, se torna comum ouvir as músicas que dizem: “Meu
deus do céu, aonde é que eu tô? / Alguém me explica, me ajuda por favor. / Bebi demais
na noite passada [...]”; “A noite passou, e o que restou? / Passou da conta ela bebeu
demais.”; “[...]Só olhando ela, tá bebendo pra chuchu.”; “[...]Tomando whisky e red
bull pra entrar no clima.”; “Eu desço champagne, as mina pira e paga pau. / Desço um
pouco de whisky [...]”. Independente de qual seja o tipo de bebida ou em que ambiente
os personagens estejam bebendo, é comum esse consumo e o comportamento que surge
em decorrência do uso de bebidas.
Em Maringá, famosa pela qualidade de ensino superior, é possível
encontrar milhares desses jovens. Em 2009, aproximadamente 43% da população
acadêmica era de outras cidades66. Com a vinda de tantos estudantes, as “repúblicas 67”,
se tornaram populares no entorno das principais universidades do município. Dados do
65
Informação disponível em: <http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Mercado-de-bebidasdeve-movimentar-cerca-de-6-bilhoes-em-2013.aspx> Acesso em 01/11/2013 às 18:28.
66
Informação disponível em: <http://www.odiario.com/maringa/noticia/212077/a-humilhacao-continuamas-calouros-parecem-gostar/> Acesso em 27/08/2013 às 09:50.
67
República, no contexto dos jovens universitários, é o local onde essas pessoas moram, dividindo a casa
e despesas com outros jovens, conhecidos ou não.
85
IBGE dão conta de que há 45 mil universitários por ano estudando em Maringá 68. As
repúblicas são habitadas, principalmente, por jovens que vêm de outras cidades para
estudar e morar na cidade. Aí começa a liberdade dessas pessoas: deixaram suas casas
para viverem “sozinhas”. Muitas delas fazem isso pela primeira vez.
O hábito de beber é adquirido, muitas vezes, já ao ingressar na
universidade, uma vez que parte dos trotes universitários são regados a bebidas
alcoólicas. Depois do ritual de raspar a cabeça, pintar o rosto, jogar trigo e ovo, é
comum em Maringá ver calouros nos semáforos, principalmente nas proximidades da
UEM, pedindo dinheiro aos motoristas e transeuntes. Relatos dos calouros dizem que
esse dinheiro é usado na festa de recepção, a calourada, para comprar bebidas para os
veteranos.
Os cabelos, quando existiam, tinham o mesmo destino. Os veteranos
davam bebidas aos calouros e exigiam que eles pedissem dinheiro aos
motoristas nos semáforos da Avenida Colombo. Alguns eram até
vulgares, como um veterano de Engenharia Química que disse a uma
caloura que se aproveitasse do decote da blusa para conseguir
dinheiro. (O DIÁRIO, 2009)
A mesma matéria do jornal O Diário, mostra que os calouros gostam
dessas “brincadeiras”, por acreditarem que seja uma boa possibilidade de conhecerem
os colegas veteranos e interagirem com eles. Significa, portanto, que concordam com as
atitudes dos “mais velhos” e agem de maneira consciente quando vão para os trotes ou
calouradas e passam a ingerir grandes quantidades de bebidas alcoólicas.
É importante lembrar que, para Bakhtin, agimos de maneira
consciente, uma vez que nossa consciência se forma com base na sociedade e contexto
em que estamos inseridos. Dessa forma, para o autor, nós sabemos ou supomos saber o
que estamos fazendo ou como estamos agindo. Se há uma ideologia já estabelecida de
que os trotes devem ser da maneira acima citada, os calouros aceitam isso e frequentam
as calouradas, mas de maneira consciente, sabendo dos seus atos e não por indução.
A partir daí, começa a ser normal o consumo de álcool. Esses jovens
se inserem numa nova comunidade em que, ideologicamente, o consumo desse tipo de
bebida é natural, assim como era na casa de muitos deles. Os bares mais próximos de
universidades estão sempre abarrotados. Nas quintas-feiras, dia eleito pelo maringaense
68
Informação disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Maring%C3%A1> Acesso em: 27/08/2013 às
09:44.
86
universitário para “festejar”, já que muitos vão para a casa da família no final de
semana, a lotação em bares fica ainda mais visível.
A fim de diminuir o número de universitários nos estabelecimentos
que vendem bebidas alcoólicas em horário de aula, uma lei, válida desde 2009, proíbe a
venda desse produto em bares, lanchonetes e restaurantes que fiquem a até 150 metros
das instituições. A justificativa do governo municipal para a implantação dessa lei, na
época, foi “que o entorno dos bares apresentavam problemas de perturbação do sossego
e tráfico de drogas.69”
No entanto, após as aulas, ou mesmo durante elas, muitos jovens se
dirigem a outros bares que estão além desse limite para beber. E os frequentadores
desses locais, obviamente, não são apenas universitários.
A matéria que deu título a essa seção, fala justamente sobre a
quantidade que esses jovens bebem:
Estudos recentes mostram que beber para se embriagar chega a ser um
objetivo comum para muitos dos estudantes que frequentam bares –
façam eles parte da vizinhança universitária ou não. Uma pesquisa
elaborada na Universidade Federal do Paraná (UFPR), divulgada em
setembro, mostrou que 40,2% dos 1,5 mil universitários entrevistados
para o estudo afirmaram ter bebido em excesso pelo menos uma vez
nos 30 dias que antecederam a aplicação do questionário. Quando a
análise é feita somente entre os veteranos, o índice sobe para 54,5%.
(GAZETA MARINGÁ, 2012).
O hábito de beber, apesar dos riscos levantados pela classe médica, é
socialmente aceito. Há uma ideologia que considera normal que jovens bebam,
independente de como façam isso. É essa ideologia dominante que leva calouros aos
trotes e faz com que eles passem a frequentar bares e festas regadas a álcool com
naturalidade.
Quando as reuniões entre amigos e festas não acontecem nos bares, as
repúblicas é que se tornam palco de tais eventos.
Ligando essa realidade ao conteúdo das músicas sertanejas, é possível
verificar o que vimos na teoria bakhtiniana tem relação com a composição do discurso,
o tipo de público para o qual se canta e em que contexto essa pessoa está inserida. É
possível verificar, portanto, que cantar sobre festas e bebidas alcoólicas significa cantar
69
Informação do Jornal
“O Diário do Norte do Paraná”,
disponível
em:
http://maringa.odiario.com/maringa/noticia/508934/bares-perdem-liminar-e-sao-proibidos-de-venderalcool/ Acesso em 27/08/2013 às 10:08.
87
o que os jovens vivem em seu cotidiano. Há uma identificação entre os jovens, público
alvo do sertanejo universitário e as letras cantadas pelos artistas do gênero.
Tô morando só agora é só alegria,
Farra lá em casa rola quase todo dia:
Mulherada de biquíni na piscina
Tomando whisky e Red Bull pra entrar no clima.
Não tô nem aí, eu não quero nem saber
A vida é minha e é assim que eu quero viver
Rodeado de mulher quase o tempo todo
Estilo panicat70 é claro eu não sou bobo. (HENRIQUE E JULIANO,
2013)
A música de Henrique e Juliano, uma das mais tocadas nas rádios
pesquisadas em Maringá desde o mês de junho, dialoga com o jovem que vem morar
sozinho na cidade. A liberdade desfrutada quando se passa a viver sem a família é
relatada na música, ao dizer que depois que passou a viver sozinho, vive em festas
“tomando whisky e Red Bull”.
Com isso, é possível perceber que o fato de morar sozinho dá
liberdade para que se possa fazer tudo que quiser, como festas e farras. Dessa maneira,
deixar a casa da família para viver só é positivo, pois a liberdade proporciona alegria e
prazer, associados não só às festas, mas também ao sexo fácil. As festas de repúblicas
são dessa maneira: reúnem vários jovens, homens e mulheres, que buscam diversão e
prazer. O que os sertanejos cantam, é o que esses jovens vivem em seu cotidiano.
Esse discurso é ideologicamente aceito, tanto que segue tocando nas
rádios, pois, ao compor e gravar uma música com essa letra pensou-se em “para quem”
isso seria cantado. Ou seja, esse discurso tem os ecos, levantados por Bakhtin, dos
discursos dos jovens e do que eles vivem. É o cotidiano desse público que ecoa na letra
dessa música, como de tantas outras. Significa dizer que a música de Henrique e
Juliano, é um espelho da vida dos jovens, universitários ou não, de classe baixa, média
ou alta, etc. Afinal, frequentar bares e ouvir sertanejo não está restrito ao universitário
dessa ou daquela classe social.
70
Panicat é o apelido dado às assistentes de palco do programa de humor Pânico na Band, da Rede
Bandeirantes de Televisão. O nome é a junção de parte do nome do programa “pani” com a palavra
inglesa “cat”, em português, gato (a). As assistentes sao chamadas pelos próprios apresentadores de
“gostosas”, deixando claro o motivo de Henrique e Juliano terem usado esse termo para dizer que está
“rodeado de mulher quase o tempo todo, estilo Panicat, é claro, eu não sou bobo”: as Panicats são
mulheres que atendem ao padrão de beleza que a sociedade impõe.
88
Por isso, a resposta do público é positiva em relação à música e ela é
bem aceita, se mantendo no Top das rádios. É evidente nesse contexto a atitude
responsiva, da qual fala Bakhtin. Ao se identificar com o discurso da canção, o público
responde de maneira positiva às execuções dessa música nas rádios e seguem pedindo
para ouvi-la, o que a mantém sendo tocada e fazendo sucesso.
Além de percebermos que a bebida está presente nas festas, é preciso
estar atento também para a maneira como o sexo e a mulher são tratados. Ao falar da
Panicat, muito conhecida pelo brasileiro, os cantores adjetivam a mulher das festas
como “gostosas”, ou seja, da mesma maneira como as próprias panicats são tratadas. A
visão machista de mulher que se tem aqui, como mulher objeto ou aquela que pode ser
burra, desde que seja “boa”, é aceita pelo próprio público feminino.
Muitas mulheres, em especial essas retratadas na música, que vão para
as festas, de biquíni ou com roupas quase eróticas, que, aliás, são os tipos de “roupas”
usadas pelas panicats na TV, nas gravações ou na entrada de festas que elas vão cobrir
para o programa. Assim, as roupas cada vez mais curtas, sejam nas pernas, nas costas,
na barriga ou no decote, comuns às Panicats, também são moda nas ruas. As meninas se
vestem assim. Basta notar qualquer vitrine e será fácil encontrar as famosas “cropped”,
blusinhas bem curtas, da moda, vestidas pela Sabrina Sato e Panicats do Pânico na
Band.
Isso tudo desperta os olhares dos homens, já que é a mulher estilo
Panicat que eles querem e desejam. Se as encontram, veem despertar naturalmente o
desejo sexual.
Parte das músicas que trazemos neste trabalho, retratam esse perfil de
consumidor e falam sobre as consequências de se beber excessivamente. No entanto,
essas letras apresentam isso dentro do movimento ideológico de assimilação, que já
apresentamos, abordando essa ideia de maneira mais leve e divertida, como é o caso a
seguir:
Meu deus do céu, aonde é que eu tô?
Alguém me explica, me ajuda por favor.
Bebi demais na noite passada,
Eu só me lembro do começo da balada.
Alguém do lado, aqui na mesma cama,
Nem sei quem é, mas ta dizendo que me ama.
Cabeça tonta, cheirando cerveja.
O som no talo, só com moda sertaneja.
89
Cadê meu carro? Cadê meu celular?
Que casa é essa? Onde é que eu vim parar? (MUNHOZ E
MARIANO, 2012)
A música acima permaneceu por mais de quatro meses no Top das
canções mais tocadas de rádios de Maringá e de todo o Brasil. Com base nela, um
bordão (parte da letra da canção) surgiu entre jovens para expressar que estão
alcoolizados: “mais louco que o padre do balão” 71.
Toda a história trazida nessa letra se desenvolve com base em uma
“bebedeira”. Porém, os cantores trazem uma apresentação de como o jovem que vai
para a balada e bebe até perder os sentidos e a consciência se sente, sem deixar pesar os
danos que isso pode causar à pessoa. “Meu Deus do céu aonde é que eu tô?” O “porre”
da noite anterior é tratado de maneira natural, bem como a bebida e a quantidade que se
bebe veio se tornando inerente à sociedade. Tanto que, na música, a letra é leve, o ritmo
acelerado e o vocabulário escolhido é comum entre os jovens, de maneira que o porre
seja realmente visto como divertido.
É visível, nisso, os movimentos dialógicos dos quais Rodrigues
(2007) fala. Ou seja:
Enquanto o movimento dialógico de assimilação apresenta uma
variedade menor de estratégias de enquadramento da fala do outro, o
movimento dialógico de distanciamento apresenta um conjunto de
estratégias mais diversificado, pois se o objetivo é desautorizar
determinado ponto de vista, distanciar-se dele, esse enquadramento se
torna muito mais necessário e eficaz. (RODRIGUES, 2007, p. 176)
Dessa maneira, a lógica dessa música, como de tantas outras, é
enquadrar o discurso da maneira que lhe interessa, deixando de lado outros pontos de
vista, como da família, médicos e religião quanto aos danos à saúde da pessoa que bebe,
por exemplo. Para mostrar que o sujeito em questão na música pode se sentir melhor
“festando e bebendo”, o discurso que vem na sequência, apresenta coisas que podem ser
71
O trecho da música de Munhoz e Mariano faz referência ao caso do padre Antonio de Carli, de 41 anos,
que levantou voo com cerca de mil balões de festa, cheios de gás hélio no dia 20 de abril de 2008 em
Paranaguá com o objetivo de chegar até Ponta Grossa. O vento, no entanto, desviou o padre da rota. Isso
fez com que ele caísse no mar e morresse. Parte do corpo do padre foi encontrado em julho daquele ano
no
litoral
carioca.
Informação
completa
disponível
<http://noticias.terra.com.br/retrospectiva/2008/interna/0,,OI3334617-EI12492,00Padre+morre+apos+levantar+voo+com+mil+baloes+de+festa.html> Acesso em 28/08/2013 às 11:57.
em:
90
consideradas positivas: o sujeito encontra seus pertences pessoais (carro e celular que
havia perdido); a festa continua acontecendo; ainda há música (sertaneja) animando a
festa; está sol, e, por tudo isso, ele precisa de um remédio pra melhorar e voltar pra
diversão.
Nesse enquadramento, “encher a cara” é sinônimo de alegria e
diversão. Uma vez deixados de lado os problemas e consequências negativas de um
porre, restam apenas os pontos vistos como positivos, pois, já que não há compromisso
com a família que, como dito anteriormente, em muitos casos está longe e, menos ainda,
com um companheiro, namorado, etc., as relações acabam sendo muito mais
superficiais e desapegadas. Assim, o sexo fácil também é comum a esse público e,
graças ao esquecimento que a bebida geralmente causa, acompanhada da ressaca do dia
seguinte, ninguém tem o compromisso de lembrar com quem saiu ou de ligar no dia
seguinte. O que significa que cada um está livre pra seguir sua vida e encontrar outro
“ficante” na festa seguinte.
Porém, os problemas que esse tipo de vida e rotina podem causar são
inúmeros e não se restringem apenas a pessoa que bebe, mas a toda uma população. As
festas que seguem até altas horas e, muitas vezes, viram as madrugadas, incomodam,
inclusive, moradores que habitam nas proximidades dos locais de festas, chácaras e
repúblicas. “O som no talo, só com moda sertaneja”, como cantam Munhoz e Mariano,
demonstrando que a música alta (no talo) faz parte das festas, a conversa, quando não
gritaria, as risadas, barulhos de carro, garrafas quebrando, etc., são comuns nesses
ambientes e atrapalham quem não gosta desse tipo de festa, mas é obrigado a conviver
com elas pela proximidade com os locais onde as festas se realizam. Esse é mais um
enquadramento esquecido ou deixado de lado pelas canções.
Por concordar com a ideologia de que é normal e divertido beber, pois
é assim que as pessoas vivem e que os artistas cantam, o crescimento do número de
pessoas que bebem tem sido contínuo, levando a indústria da música a produzir cada
vez mais canções que abordem o tema. Uma coisa está ligada a outra. As músicas
ajudam a naturalizar os comportamentos e atitudes citados, colaborando para a
construção de uma ideologia que aceita tudo isso sem resistência. Conforme cita
Schneider (2006), a indústria da música não se preocupa com os demais aspectos
relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas, porque sua intenção “nada tem a ver
com o valor objetivo, estético, do produto, mas com seu valor econômico”
(SCHNEIDER, 2006, p. 174)
91
Apesar de Bakhtin falar em exauribilidade, ou seja, quando se fala
tudo sobre um determinado tema, de maneira que haja um esgotamento desse assunto,
no sertanejo universitário isso acontece de maneira mais lenta. Por terem letras mais
superficiais e a fim de manter as músicas tocando, essas canções vão exaurindo aos
poucos as possibilidades de discussão do tema. Não é possível identificar até quando
haverá a manutenção do tema atual, relacionado às bebidas alcoólicas, ao prazer, à
diversão e ao sexo. Porém, como outros temas que já surgiram e saíram de moda, isso
deverá acontecer também com esse.
O que mantém essa temática em alta, na atualidade, é a relação que ela
tem com o que vive o próprio homem e com a naturalidade que isso pode ser tratado nas
músicas. Essas canções, que abordam sobre bebida, sexo e prazer, estão ligadas aos
instintos animalescos do ser humano. Com isso, elas têm a capacidade de realimentar os
desejos mais profundos do homem que, muitas vezes, não pode ser dito de maneira
aberta na sociedade, mas quando é cantado, torna-se mais leve, de maneira que as
pessoas possam falar sobre isso sem se sentirem constrangidas.
As músicas que falam sobre bebidas existem há muitos anos. O que
mudou, foi a ideologia do público desse gênero musical. Com isso, o foco das músicas
também mudou. Se antes elas falavam do cara que bebia para “curar a dor” de um amor
perdido, ou para esquecer o fim de um relacionamento, provavelmente é porque o
público vivia isso. Tendo em vista que hoje as pessoas bebem por diversão, por
exemplo, as músicas passaram a falar dessa nova realidade.
Por isso, não há a exauribilidade do tema, mas sim uma manutenção
desse assunto, mudando apenas a forma como ele é tratado. É isso que faz, inclusive,
com que as músicas se mantenham tocadas na rádio e, principalmente, com que haja
tantas letras falando sobre bebidas alcoólicas em todo o país. Afinal, se elas viessem a
exaurir o assunto, não haveria mais o que dizer nas outras canções.
Em cada enunciado [...] abrangemos, interpretamos, sentimos a
intenção discursiva de discurso ou a vontade discursiva do falante,
que determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas fronteiras.
Imaginamos o que o falante quer dizer, e com essa ideia verbalizada,
essa vontade verbalizada (como a entendemos) é que medimos a
conclusibilidade do enunciado. Essa ideia determina tanto a escolha
do próprio objeto [...] quanto os seus limites e a sua exauribilidade
semântico-objetal. (BAKHTIN, 2011. p. 281)
92
Para Schneider (2007), a indústria cultural opõe conhecimento e
prazer e, não havendo um nível maior de criticidade e conhecimento, resta apenas o
prazer e a despreocupação com o conteúdo das canções.
[...] a indústria cultura completa o processo maniqueísta, opondo
prazer a conhecimento de modo a idolatrar o primeiro, exclusivamente
em suas manifestações mercadológicas, e a desqualificar o último –
que só é valorizado, perifericamente, em sua forma instrumental de
qualificação profissional, isto é, de subordinação do trabalho ao
capital. (SCHNEIDER, 2006, p. 167)
Sobre a conclusibilidade também discutida nas obras de Bakhtin,
podemos verificar, com base nas informações trazidas acima sobre o número de pessoas
que bebe e a maneira como lidam com isso, que a identificação dessas pessoas com as
músicas se dá porque elas compreendem exatamente o que as letras das canções
transmitem. Afinal, essas pessoas, público do sertanejo, vivenciam isso em seu
cotidiano. Assim, o enunciado surte efeito e gera a manutenção das músicas sertanejas
no cenário da indústria fonográfica nacional.
6.2 “As mulheres estão bebendo mais e mais”
Mais uma vez nos apropriamos do título de uma matéria 72 para abrir
essa seção. Com base nas informações trazidas acima, percebemos que o número de
mulheres que bebe também aumentou. Isso, possivelmente, está relacionado à ideologia
de que as mulheres estão mais independentes, afinal, entraram nas universidades, no
mercado de trabalho, na política, etc.
Em decorrência disso, as músicas sertanejas também passaram a falar
da mulher que exerce a liberdade conquistada ao longo dos anos e que, agora, se veste
como quer, vai para as festas e bebe.
Elas sabem do que eu tô falando,
Em frente ao espelho duas horas se arrumando:
Cabelo impecável, perfume importado,
Vestido colado ela tá demais.
72
Matéria do jornal online Gazeta Maringá, disponível em:
<http://www.gazetamaringa.com.br/brasil/conteudo.phtml?id=1362223> Acesso em 27/08/2013 às 09:29
93
A noite passou, e o que restou?
Passou da conta ela bebeu demais.
Batom rebocado, cabelo bagunçado,
Bem mais safada que o normal.
Já desceu do salto, tá bem mais humilde,
Bebinha que só, começa a delirar. (LUCAS LUCCO, 2013)
Contudo, a liberdade da mulher ainda está condicionada aos
preconceitos e machismos enraizados na sociedade. Apesar das conquistas alcançadas, a
sociedade ainda espera que a mulher case, tenha filhos e cuide da casa, mesmo que ela,
como marido, trabalhe fora. Aliás, o percentual de mulheres empregadas no Brasil,
subiu de 29% em 1976 para 53% em 2007, enquanto o de homens foi de 73% para 76%
no mesmo período.73
Para se profissionalizar e disputar cargos de chefia com os homens,
além de buscar salários melhores, as mulheres também decidiram encarar os bancos das
universidades e, atualmente, representam mais metade de toda a população acadêmica
brasileira.74
Esses dois fatores, em especial, permitiram que as mulheres tivessem
mais liberdade para decidir por conta própria no que trabalhar, para onde sair, com
quem namorar ou casar, o que vestir, etc. Entre essas novas possibilidades, que tornam
os direitos e deveres de homens e mulheres mais igualitário, as mulheres também
passaram a se sentir livres para ir a festas e bares a fim de beber e se divertir com os
amigos, haja vista que elas estão inseridas no mesmo contexto já citado, de
universitários que exercem a liberdade após estar estudando ou morando sem a família,
ou da trabalhadora, que se dá ao direito de beber para relaxar e, simplesmente, se
divertir.
Meirelles75, ao lembrar Adorno (1986)76, cita que essa liberdade que
pensamos ter, não é verdadeira, uma vez que, para o autor, o homem é escravo do que o
sistema dita que tenhamos como verdade, quando, efetivamente, atendemos apenas as
necessidades da indústria.
73
Informação disponível em: < http://www.fcc.org.br/bdmulheres/serie1.php> Acessado em 28/08/2013
às 20:27.
74
Disponível em: < http://www.nead.gov.br/portal/nead/noticias/item?item_id=4987541> Acesso em:
28/08/2013 às 20:29.
75
Artigo disponível em: <www.paradigmas.com.br/parad07/paradp7.5.htm> Acesso em 13/11/2013 às
15:47.
76
ADORNO, Theodor W. Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1986.
94
O próprio sistema engana o ser humano, dando-lhe horas ou dias de
lazer, mas, ao mesmo tempo, impelindo-o a cumprir a técnica do
lazer, cercando-o de pseudo-opções, todas com o único intuito de
promover o consumo e, claro, reciclar o consumidor para que ele volte
ainda mais voraz. Como consequência desse quadro de submissão, ou
de velamento do ser, a sociedade contemporânea trilha seu caminho e,
sob o pretexto de transmitir ao homem critérios para decidir diante do
caos social instaurado, a indústria cultural avança sobre todos os
espaços da sua percepção asfixiando-o em sua condição humana de
liberdade. (MEIRELLES)
Esses comportamentos, portanto, se dão com base na ideologia
predominante de que mulheres e homens podem fazer as mesmas coisas. Entre essas
“mesmas coisas” está também a liberdade feminina relacionada ao seu próprio corpo e
ao sexo.
Atualmente, não são apenas os homens que seduzem as mulheres: o
contrário também pode acontecer e, aliás, é normal. Seja por meio da roupa, de olhares,
danças, etc., as mulheres fazem seu jogo de sedução. Na canção acima, é possível
perceber uma mulher produzida, com cabelo arrumado, usando um vestido colado,
maquiagem, perfume que chama a atenção do homem e o seduz. Possivelmente, seja
essa a intenção dessa mulher: seduzir. E mais que isso: o cantor deixa claro que “elas
sabem” o que agrada aos homens. O vestido colado é exemplo disso, pois ele mesmo,
enquanto homem, afirma que assim “ela tá demais”.
As conquistas das mulheres permitiram que elas pudessem hoje se
vestir bem, dentro dos padrões da sociedade capitalista, bem como gastar mais com
beleza (cabelo, maquiagem, unhas, depilação, etc.) Esses fatores ajudam a compor o
padrão de beleza socialmente imposto e aceito.
Mulheres tão bem arrumadas quanto a “princesinha” da música de
Lucas Lucco são vistas frequentemente. Apesar de pesquisas apontarem que as
mulheres se arrumam e se cuidam para não se sentirem inferiores às outras mulheres 77,
há mais um fator em jogo: a conquista. Por mais que estejamos inseridos ainda numa
sociedade que acredita que o homem é que deve conquistas e seduzir a mulher, isso não
funciona exatamente assim no dia a dia dos jovens.
A cultura machista em que estamos inseridos há tantos anos, colabora
para que a mulher se arme atrás de uma maquiagem ou em cima de um salto.
77
Matéria disponível em: < http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2012/12/fantastico-confirma-mulheresse-arrumam-para-outras-mulheres.html> Acesso em 03/09/2013 às 08:32.
95
No contexto brasileiro, diz-se que o machismo glorifica a
hipermasculinidade. Na verdade, o machismo pode ser maior no
Brasil que em culturas com maior população indígena (Neuhouser,
1989); ou seja, as relações sexuais entre homens e mulheres
brasileiros começaram dentro do contexto de uma sociedade colonial
escravocrata, onde os homens brancos tinham poder e autoridade
absolutos sobre as mulheres de cor (Burns, 1993; Levine, 1989). No
Brasil, opina Neuhouser (1989), o machismo é mais que os
comportamentos dos homens – é a ideologia que promulga que é bom
e até natural que eles controlem o mercado, o governo, e a atividade
pública, e que as mulheres sejam subordinadas a eles. (SOUZA;
BALDWIN; ROSA, 2000, p. 490)
Por outro lado, a busca das mulheres pela igualdade de gêneros,
trouxe uma nova ideia de que as mulheres podem fazer tudo que um homem faz, o que
deu-lhes a liberdade de, entre outras coisas, também beber o quanto quiserem. E ao
fazerem isso, elas descem do salto, esquecem o batom borrado e partem para a sedução,
podendo conquistar o cara, ao invés de esperar que ele venha até ela.
Por mais que os homens ainda sejam, muitas vezes, os responsáveis
por procurar ou não pela mulher, o passo inicial é dado por elas ao se produzirem
pensando no que vai agradar e seduzir o sexo oposto. Há ainda mais um artifício
utilizado pelas mulheres para conquistar: a maneira como dançam, descrita a seguir:
Trident na boca, perfume "212",
Tô só olhando ela: tá bebendo pra chuchu.
Cheia de gracinha, toda poderosa,
Dançando de um jeito que ela sabe que é gostosa.
Cheguei de lado metendo uma pressão:
Vem aqui novinha, pega a minha mão.
Old Parr, desce aí sei que você ama,
Vem pro camarote que eu te levo pra minha cama. (MARCOS E
BELUTTI, 2013)
Além de citar novamente o perfume, relacionando-o à produção da
mulher para essa festa, eles falam aqui que a mulher está “dançando de um jeito que ela
sabe que é gostosa”, ou seja, que vai seduzir o homem. E quando ele diz que “ela sabe”,
procura deixar claro que ela faz isso de maneira consciente. Se, por um lado, ela não
parte para a conquista de maneira explícita, por outro, ela dá todos os sinais de que
“pretende ser conquistada”.
Essa atitude dá brecha para que o sujeito se sinta à vontade para
chegar mais perto e, enfim, conquistá-la. Contudo, antes de “levá-la ao camarote e,
depois, pra cama, ele pede um “Old Parr”, whisky de marca conhecida.
96
Algo semelhante acontece em “Princesinha”. Porém, naquela situação,
é possível imaginar que a moça em questão bebeu por conta própria. Ela que,
inicialmente, estava toda arrumada, feito uma “princesinha”, termina a noite bêbada,
delirando e é chamada pelo cantor de “mendiga, com batom rebocado, cabelo
bagunçado, (...) com o sapato na mão e o vestido lá em cima”. No entanto, é quando
está nessas circunstâncias que, para o cantor, ela fica mais humilde.
Nessas circunstâncias, a mulher poderosa, cheia de si, preocupada
com a aparência que existia antes da bebida desapareceu. A humildade, à qual Lucas se
refere, está associada ao fato de que, agora desarmada, ela pode ser conquistada e se
torna objeto para ele. É assim que ele poderá, finalmente, levá-la para a cama.
A maneira como a letra da música é colocada, inserida no contexto de
uma festa, dá a entender que se antes de beber a jovem estava arrumada, mas fechada
em seu orgulho, após a bebida, ela se mostra sem o padrão de beleza esperado pela
sociedade. Isso revela uma pessoa mais “humilde”.
Compreendemos, portanto, que a bebida faz com que a pessoa, no
caso, a moça, perca seus sentidos e se deixe levar por seus instintos, inclusive sexuais.
Ao ter seus sentidos anestesiados, mesmo que temporariamente após ingerir a bebida, a
verdadeira face da pessoa é revelada e ela se deixa levar por suas vontades mais
profundas, sem se preocupar com quem está vendo e com as consequências disso.
É possível acreditar que antes ela escondia seu verdadeiro jeito de ser,
agir e pensar, nos trajes e maquiagens usados. Agora, porém, sem esses escudos ou
máscaras, ela vive o momento e o seu desejo momentâneo é de sentir prazer. Por isso,
ela fica “bem mais safada que o normal”.
Chegou, chegando a melhor da balada
Louca, doidona olha só tá chapada
Chegou ouriçando a rapaziada
Roubou a cena a mais empolgada
Rebolando com tesão, abala a situação
Tá chapada mas é top, delícia na pegação. (LUCAS LUCCO, 2013)
A bebida desperta nela seus reais sentimentos e desejos, deixando cair
a máscara que serve para atender ao padrão social daquilo que se espera de uma mulher.
Agora, além das roupas sedutoras, ela dança como a personagem da música Calma Aí,
ou seja, a fim de seduzir.
97
O resultado disso é que a “rapaziada fica ouriçada”, ou seja, os
homens gostam, porque também desejam ela e porque querem satisfazer seus instintos e
vontades. Ao citar que ela “ouriça” os homens presentes, se torna evidente o instinto
animal dos homens. Eles ficam excitados com o novo comportamento da moça em
questão. O sexo não seria possível antes, quando ela estava preocupada com sua
imagem. Porém, agora, com sua consciência anestesiada, ela também quer “pegação”.
As atitudes dessa mulher demonstram esse desejo: através da dança
(rebolando com tesão), ela seduz e deixa claro que está em busca de prazer. O ímpeto
sexual, faz com que ela, que antes era vista praticamente como a menina “metida”, se
torne a “melhor da balada”. Isso, porque ela oferece o que os homens querem por meio
de sua dança sensual, que desperta “tesão” no público masculino.
Isso, conforme diz a letra da música, atrai a atenção dos homens
(rapaziada). Ela deixa de ser moça quieta e comportada, para se tornar o centro das
atenções na pista de dança. Ao dançar para seduzir e atrair a atenção masculina, os
homens têm consciência de que ela está alcoolizada, mas é quando está assim que ela é
“delícia na pegação”, ou seja, é aí que o processo de sedução e conquista se concretiza.
No entanto, ela “é top, delícia”, mas só na pegação. Ou seja, eles não a
querem para nada além do sexo. E não a querem cheia de si, como antes, já que, estando
assim, ela não oferece prazer. Estar bêbada é indiferente nessa situação, pois o que
realmente importa é que ela seja gostosa e dê prazer.
Além de apresentar o padrão de mulher bonita e sedutora, ambas as
músicas têm outros pontos em comum com a canção de Munhoz e Mariano, que conta a
história de um homem: em todos os casos, os sujeitos estão em festas ou baladas e a
bebida é fator determinante para que os sujeitos se divirtam e conquistem o sexo oposto.
Em duas delas, a bebida leva os sujeitos a perderem os sentidos ou a consciência.
É essa realidade que ressoa nas letras das músicas. Rodrigues (2007)
chama o outro, ou seja, o ouvinte das rádios e da música sertaneja, de “co-autor” dessas
canções, uma vez que falante e interlocutor têm discursos comuns sobre o tema, de
maneira que consigam dialogar através das letras das músicas.
6.2 “Brasileiros têm o maior índice de traição conjugal da América Latina”
Mais uma vez nos apoiamos em informações reais para deixar
evidente que há um diálogo entre a música sertaneja e seu público. Em pesquisa
98
divulgada no ano de 201078, 70,6% dos homens entrevistados afirmaram já ter traído.
Entre as mulheres, o percentual era um pouco menor, mas ainda assim muito
expressivo: 56,4% delas também já traíram.
Essa temática, também comum nas músicas atuais, tem um motivo de
ser: trair também passou a ser normal, hábito entre os brasileiros. Por isso, o tema é
tratado com naturalidade nas canções, como acontece com as pessoas que respondem às
pesquisas com naturalidade.
A traição vai contra o que prega a maioria das religiões. No entanto,
mais uma vez, as músicas se utilizam de um enquadramento sobre o tema para poder
tratá-lo de maneira natural, sendo possível detectar mais uma vez a utilização dos
movimentos ideológicos de assimilação e distanciamento. O primeiro, para assimilar o
cotidiano do brasileiro à letra da música; o segundo, para distanciar os discursos
religiosos que são contra a traição.
Na matéria utilizada como base para trazer essas informações, a
psiquiatra Carmita Abdo, Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da
USP, explica o índice de infidelidade apresentando:
[...] os homens, de forma em geral, seguem o modelo antigo que
separa relações afetivas das sexuais. [...] tal percepção tem sido
adotada cada vez mais pelas mulheres, principalmente pelas que têm
independência econômica. Assim, pelas projeções, não deve demorar
para que, no Brasil, as mulheres traiam tanto quanto os homens,
podendo até superá-los. (PAULOPES, 2010)
Essa é mais uma evidência da já citada co-autoria das músicas. As
vozes do público se somam à dos cantores para formar esses discursos. Eles só fazem
sentidos dentro do contexto em que público e cantores estão inseridos. Ou seja, até
alguns anos atrás, essas músicas certamente não seriam sucesso, bem como podem não
ser em pouco tempo daqui em diante. Se fosse em outro país, por exemplo, é possível
que não fizesse o mesmo sentido cantar e ouvir:
A festa é boa, é hoje e nós vamos pipocar,
Tem o Gusttavo Lima e o bicho vai pegar.
Eu já liguei "pras" gatas,
As mais lindas, sem noção,
Camarote lotado só tocando os pancadão.
78
Informação disponível em: <http://www.paulopes.com.br/2010/10/brasileiros-tem-o-maior-indicede.html#ixzz2dJas7cAx> Acesso em 28/08/2013 às 21:51.
99
Eu desço champagne,
As mina pira e paga pau.
Desço um pouco de whisky
Pra elas liberar geral.
O povo ficando louco, todo desorientado,
E sua mulher não pode saber
Que você está aqui do lado.
Que do meu lado você beija sem noção,
Que do meu lado você bebe tequila pura com limão.
Que do meu lado dança o arrocha sem parar,
E quando vai embora leva duas prá, prá, prá, prá... (HENRIQUE E
DIEGO, 2012)
Porém, num contexto em que mais de 60% das pessoas afirmam já ter
traído, é natural cantar que o sujeito está numa festa cheia de mulheres, regada a
bebidas, sem que sua mulher saiba, e de onde ele sairá acompanhado. Isso é comum
entre mais da metade da população brasileira, então. O que as músicas trazem, não vai
muito além do que as pessoas vivem. Como já dito, a música é reflexo de uma
sociedade.
A indústria cultural mais uma vez detecta em algo relacionado à
vivência da sociedade a possibilidade de venda e lucros. “O que os produtores da
cultura industrial detectam como possibilidade de lucro, por ter um provável público
alvo, transformam em mercadoria com a pretensão de ser pop porque pode vender
bastante” (COSTA FILHO, 2008, pg. 32).
É possível notar também que, por isso, o tema se repete em outras
canções:
Farra lá em casa rola quase todo dia
Mulherada de biquíni na piscina
Tomando whisky e Red Bull pra entrar no clima
Não tô nem aí eu não quero nem saber
A vida é minha e é assim que eu quero viver
Rodeado de mulher quase o tempo todo
Estilo panicat é claro eu não sou bobo (...)
Hoje vai rolar o movimento de novo (...)
O bicho vai pegar
Deixa comigo que agora eu vou selecionar
Você pode ir, você pode também,
Essa dali não pode nem idade ela tem
Solteiras podem ir, casadas vêm também,
O marido não pode porque homem aqui já tem
Ai que mistura louca,
Já deu água na boca
Só de pensar na gente lá em casa tirando a roupa. (HENRIQUE E
JULIANO, 2013)
100
Nessa situação, a realidade não é muito diferente da anterior. Tendo
em vista que há apenas a exauribilidade relativa do tema, conforme dito anteriormente,
o mesmo tema é cantado em inúmeras músicas, porém, contando histórias um pouco
diferentes umas das outras. Contudo, alguns fatores se repetem: o cenário é, quase
sempre, de festa; há bebidas alcoólicas; mulheres estão presentes na festa; a palavra
traição não é citada, mas a maneira como o discurso é construído, deixa claro que há
sexo e não é com o companheiro, configurando, portanto, uma traição.
Essas músicas poderiam ser a história de milhões de brasileiros, afinal,
somente entre universitários, mais de 40% afirmaram em pesquisa feita no segundo
semestre de 2012 que havia bebido em excesso nos 30 dias anteriores à aplicação do
questionário. Entre os calouros, o percentual é de mais de cerca de 60%. Já com os
veteranos, esse número sobe para mais de 76%. 79
Por estarem muito próximas da realidade dos brasileiros de
maneira geral, e, inclusive, dos maringaenses, as músicas sertanejas são sucesso. Não
houvesse essa identificação das pessoas com as letras das músicas, elas provavelmente
não seriam as mais visualizadas e ouvidas na internet, nem mesmo pedidas nas rádios,
os shows desses cantores não estariam sempre abarrotados e, sequer, os CDs e DVDs
seriam vendidos.
É possível verificar ainda que, a lógica de que as pessoas estão
começando a beber cada vez mais cedo, fica evidente nessa música. Ao cantar “você
pode vir, você pode também, essa dali não pode, nem idade ela tem”, pode-se perceber
que meninas também vão para festas onde bebidas e sexo são comuns. Isso significa que
meninas e meninos, cada vez mais jovens, passam a conviver com a ideologia de que o
sexo é livre para todas as idades e que beber, bem como trair, é normal.
Mais uma vez, a teoria de Bakhtin se aplica ao estudo aqui proposto.
Por haver identificação entre público e cantores nos pontos aqui apresentados, é que há
uma manutenção das músicas nos tops das rádios. Aplica-se, nesse caso, a tese
bakhtiniana sobre a alternância dos sujeitos.
O enunciado, dentro do contexto em que se insere, chamado de
enunciação, é construído com base nas vozes do público, ou seja, no que as pessoas
79
Pesquisa divulgada em:
<http://www.gazetamaringa.com.br/brasil/conteudo.phtml?tl=1&id=1300537&tit=Universitarios-daUFPR-nao-tem-habitos-saudaveis-mostra-pesquisa> Acesso em 27/08/2013 às 09:29.
101
vivem em sua cotidiano. Os cantores se apropriam desses discursos, a fim de fazer
sucesso com as canções e alcançar o objetivo da indústria fonográfica: lucro. Para que
isso aconteça, o público precisa dar uma resposta, a qual espera-se que seja positiva,
para as canções lançadas. Essa resposta vem com os pedidos das músicas nas rádios,
principalmente.
Quando a canção esgota todas as possibilidades de fazer sucesso,
outra surge e repete o mesmo ciclo. A alteração de temas acontece de maneira quase
imperceptível, afinal, elas vão mudando junto com a sociedade.
6.3 “O sertanejo mudou de novo, com uma linguagem mais aberta”
As mudanças que citamos acima vêm ocorrendo em quase todos os
estilos musicais ao longo dos anos. Os próprios artistas sentem isso. A frase que abre
essa seção é do sertanejo Belutti, que faz dupla com Marcos. Os cantores falaram em
entrevista80 sobre a gravação da música “Calma aí”, analisada neste trabalho.
A dupla, conhecida no meio por cantar músicas mais românticas, cita
nessa entrevista a necessidade de mudar o estilo para agradar ao público.
É uma outra vertente. Foi um desafio, porque a gente começou a
cantar profissionalmente daquele sertanejo mais antigo. Quando
gravamos nosso segundo disco, a gente teve que mudar e trazer para o
sertanejo universitário e já foi difícil, mas conseguimos entrar no
mercado, ter a nossa cara, por sermos jovens. A Calma Aí foi
diferente, porque hoje o sertanejo mudou de novo, com uma
linguagem mais aberta. (BELUTTI, 2013)
A linguagem mais aberta da qual Belutti fala, é a que trata sobre
baladas, mulheres e bebidas de maneira explícita. Se antes, os cantores que fizeram
sucesso com músicas mais românticas, que falavam de amor ou de decepções amorosas,
porém, sem falar de sexo, agora, se fez necessário cantar essa nova realidade para
manter o sucesso. Eles que já tiveram músicas intituladas I love you, Nova namorada,
Amor de madrugada, Sem me controlar, por exemplo, conseguiram não perder a fama
por compreenderem a mudança da sociedade.
80
Entrevista disponível em: <http://contigo.abril.com.br/noticias/sertanejo/marcos-belutti-sertanejomudou-de-novo-gravar-calma-ai-foi-um-desafio-diz-dupla-sobre-cancao-gravada-com-fernandosorocaba> Acesso em 29/08/2013 às 23:02
102
Marcos e Belutti souberam dialogar com o público e, por isso,
gravaram Calma aí, canção que, como as românticas de algum tempo atrás, também se
manteve entre as mais tocadas em rádios de todo o Brasil. A fim de chamar ainda mais a
atenção do público, a dupla convidou Fernando e Sorocaba, uma das duplas sertanejas
de maior sucesso em todo o Brasil, para fazer parceria nessa canção.
Além disso, a dupla produziu um clipe diferente, em animação,
reproduzindo a letra da música. A aceitação foi tanta que, desde o lançamento, em
março, até o final de agosto de 2013, mais de 4.900.000 pessoas já haviam visualizado o
clipe no YouYube81. “Mostramos mais uma vertente de Marcos e Belutti; a gente canta
vaneirinha, canta romântica, baladinha e canta no estilo da Calma Aí”, afirmou ainda o
cantor, dando a entender que essa música não se enquadra em nenhum dos estilos
anteriores.
Logo depois dessa canção, no entanto, Marcos e Belutti lançaram um
novo trabalho, com o estilo romântico. Irracional também teve boa aceitação do público
e se manteve por algumas semanas no top das mais tocadas em rádios de todo o país.
No entanto, o CD que traz essas músicas, misturas os “clássicos” com o novo estilo. O
apelo do público para que houvesse essa mudança, foi ouvido pelos cantores que
criaram um novo formato também para os shows.
É um show mais agitado, com menos parada. Uma das coisas que as
pessoas falavam era que a gente conversava muito durante o show,
porque somos muito comunicativos mesmo. A gente pensou em
interagir com as pessoas e fazer um CD que as músicas sejam mais
coladas, sai de uma e entra direto em outra, para ter momentos
específicos de parada. Esse show está mais dinâmico. (MARCOS,
2013)
Mais uma vez conseguimos aplicar a teoria de Bakhtin à música. Na
busca pela interação com o público, esses cantores resolveram dar mais espaço ao que
as pessoas querem ouvir e consumir que ao seu próprio gosto e estilo.
Outro exemplo dessa busca é compartilhado pela dupla George
Henrique e Rodrigo. Os cantores são apadrinhados por Bruno e Marrone, precursores do
sertanejo universitário nos anos 2000. A jovem dupla vem fazendo sucesso com várias
músicas em todo o território nacional, intercalando canções românticas com outras mais
agitadas. No entanto, há outro motivo para falarmos dos cantores aqui.
81
Clipe disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=WRDylVblHe8> Acesso em 01/09/2013 às
10:20.
103
Em entrevista concedida ao Bate-papo UOL82, em 30 de julho de
2013, os irmãos goianos disseram que o escritório que os agencia não permite que eles
usem cinto e chapéu, a fim de manter nos artistas um visual moderno. A entrevistadora
pergunta se o visual é importante na música, se “mudou muito das antigas” e se “não
rola mais o cinto e o chapéu”. George Henrique responde:
Se dependesse de mim, rolava, mas o escritório teve um trabalhão pra
me vestir e mudar meu figurino, porque eu andava só desse jeito:
cinturão, chapéu, bota e tal. Mas tudo vale. Cada um tem que ter o seu
estilo. Acho que a gente tem que se identificar com o público e o
público se identificar com a gente. (GEORGE HENRIQUE, 2013)
Rodrigo complementa:
Eu e meu irmão temos um estilo cada um diferente um pouco um do
outro, mas acho que modernizou sim um pouco. De qualquer jeito, até
as próprias duplas antigas não se vestem tanto igual era antigamente.
Até pela moda mesmo. (RODRIGO, 2013)
A tese de Bakhtin de que o outro, nesse caso, ouvinte ou público, é um
parceiro na comunicação, fica evidente aqui. A importância do público no processo de
composição de uma música ou mesmo do que a dupla veste e de como age é
determinante para o sucesso ou não dos artistas. Apesar de acreditar que cada um tem
que ter seu estilo, George Henrique mostra que abriu mão disso para agradar seu
público.
A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se
ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o
meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor de do
interlocutor. (BAKHTIN, 2009, p. 117)
Ao lembrarmos essa citação de Bakhtin, podemos perceber que o
público do sertanejo é uma dessas extremidades na qual a palavra, no caso, a música, se
apoia. A outra extremidade é o interlocutor, ou cantor. A música é aqui, território
comum entre eles. Sem o outro, os interlocutores, não teriam direcionamento para o que
82
Entrevista completa disponível em: <http://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2013/07/30/duplalancada-por-bruno-e-marrone-diz-que-escritorio-nao-deixa-usar-cinto-e-chapeu.htm> Acesso em:
29/08/2013 às 23:02
104
produzir ou cantar. E sem a identificação entre ambos, possivelmente, a fórmula para o
sucesso não funcionaria.
Tanto é certo o sucesso do sertanejo universitário nesse momento
histórico que, além dos próprios cantores do gênero se disporem a mudar estilo de vestir
ou do que cantar, como vimos anteriormente, cantores de outros gêneros musicais estão
buscando se adequar a esse público que vem crescendo por todo o país.
Mais uma vez, é necessário notar a questão mercadológica presente
nesse contexto, já que os artistas se dispõem a mudar seus estilos para despertarem a
identificação com seu público. Assim, eles estimulam também o consumo do que tem
relação com o seu próprio estilo. Trata-se da detecção feita pela indústria cultural em
possibilidades de lucros surgidas no popular. “O que os produtores da cultura industrial
detectam como possibilidade de lucro, por ter um provável público alvo, transformam
em mercadoria com a pretensão de ser pop porque pode vender bastante” (COSTA
FILHO, 2008, pg. 32).
Além disso, há também uma ânsia por parte dos cantores de outros
gêneros musicais em conquistar um público tão forte quanto tem sido o do sertanejo nos
últimos anos. Por isso, têm se unido às duplas na produção de novas canções, fato que,
inclusive, tem ajudado gêneros como o funk a se popularizar.
Vimos que em todas as cinco músicas analisadas, havia parceria entre
cantores. Em duas delas, essa parceria, no entanto, não é entre sertanejos, mas sim entre
os sertanejos e funkeiros. O funk, gênero que faz sucesso em vários lugares do Brasil,
mas, principalmente, no Rio de Janeiro, também tem chegado ao rádio.
Estilo pouco visto nos veículos de comunicação de massa, devido às
letras que falam abertamente sobre sexo, principalmente, os cantores desse gênero têm
buscado deixar as letras mais leves para conseguir ingresso no rádio brasileiro. As
parcerias com o sertanejo têm dado certo. Além de Princesinha e Mistura Louca, outros
MCs e grupos de funk gravaram com duplas sertanejas e puderam ser ouvidos em rádios
de todo o Brasil, como foi o caso recente de Ela é top, gravada por Leo Rodriguez em
parceria com MC Bola, e Louca Louquinha, gravada por João Lucas e Marcelo com
participação de MC K9. Ambas as músicas, já haviam sido gravadas pelos funkeiros
sem ganhar repercussão nacional. Quando gravadas por sertanejos, as duas foram
reproduzidas por várias rádios brasileiras.
105
Há aqui uma atitude responsiva positiva dos ouvintes do sertanejo
que, não só ouviram as músicas gravadas com funkeiros, como demonstraram tê-las
aceito bem, vez que essas canções figuraram tops de rádios em todo o Brasil.
Um dos nomes mais conhecido do funk, Mr. Catra, no entanto,
pretende ir um pouco mais longe. Ele que é conhecido pelas letras que fazem apologia
ao sexo, traição, bebidas e desvalorização da mulher, pretende lançar um novo gênero
musical: o funknejo universitário.
No programa Agora é Tarde, da Rede Bandeirantes de Televisão,
apresentado por Danilo Gentili em 14 de agosto de 2013 83, Catra falou sobre o novo
trabalho:
Mr. Country vai ser um CD que eu tô fazendo aí de funknejo
universitário. Gentili interrompe: funknejo universitário? Você vai ser
pioneiro desse ramo. Nunca ouvi falar em funknejo universitário.
Catra: eu também não. Até o Brener, que é um dos grandes produtores
de música sertaneja, ele que inventou esse estilo aí louco e tamo aí
fazendo esse som. (MR. CATRA, 2013)
A primeira música do gênero, Tá soltinha, Catra gravou com dois
cantores de sucesso no sertanejo universitário atual: Cristiano Araújo e Thiago Brava.
Apesar de não falar de bebidas alcoólicas, a canção fala sobre o mesmo perfil de mulher
relatado anteriormente: livre, vai pra balada, sai com quem quer, etc.
Na mesma entrevista, Catra diz que a ideia de lançar esse trabalho é
“uma resposta a esse público que me aceitou com tanto carinho”. Ao falar de público,
ele explica que isso se estende para os ouvintes ou admiradores do gênero e também aos
cantores e produtores. No entanto, isso pode ser entendido como uma maneira de
conseguir conquistar um novo público também.
A fim de dialogar com as pessoas que compõem a maior fatia do
mercado da música nacional, artistas de outros gêneros estão buscando se adequar ao
que o público quer ouvir e, consequentemente, ao que tem feito sucesso no mundo da
música. As letras do funk, se analisadas com mais cuidado, não são tão diferentes das
canções sertanejas. O que faz diferença é a maneira mais leve e menos explícita com
que os sertanejos cantam isso. Além desse fator, o sertanejo já ganhou o mercado da
83
Programa disponível em: <http://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2013/08/15/mr-catra-divulgadisco-de-funknejo-universitario-no-agora-e-tarde.htm> Acesso em 29/08/2013 às 23:02.
106
música nacional, enquanto o funk continua mais forte no Rio de Janeiro e vem
chegando às demais regiões do país mais lentamente.
Após gravar Princesinha, música que vimos aqui, com Lucas Lucco,
Catra provavelmente encontrou uma nova possibilidade de ganhar mais uma fatia do
mercado: o público do sertanejo. Haja vista que a intenção da indústria fonográfica é
gerar lucros aos que dependem da música para viver, a melhor maneira de se obter o
lucro esperado é fazendo sucesso e, para isso, o ideal é que haja um diálogo com um
público que, se possível, tende a ser cada vez maior.
6.4 “O jovem hedonista do século 21 no Brasil”
Rafael Teodoro, advogado, crítico de música e literatura, fala em um
artigo de opinião “Revista Bula” 84 online, especializada em jornalismo cultural, desse
jovem e da música sertaneja que surge para atender o jovem que busca incessantemente
prazer e diversão. Para o autor, o jovem atual:
[...] não se importa com nada que não seja o próprio prazer, imediato,
rápido, fluido, como deve ser a linguagem nos tempos da globalização
digital. O sertanejo universitário surge nesse contexto. Ele vem ocupar
o espaço dos ritmos que se prestam a proporcionar “diversão sem
compromisso. (TEODORO, 2013).
Teodoro, mesmo sem citar Bakhtin, fala da proximidade entre o que o
jovem deseja consumir e o que o sertanejo universitário oferece para seu consumo. É
com base na ideologia do jovem brasileiro e em suas vivências que se constroem os
discursos da música sertaneja.
Se para o autor o jovem do século 21 é hedonista, ele substitui tudo o
que lhe é possível por prazer. Neste caso, ele fala, inclusive, que o jovem deixa de
estudar para ir à balada ou ao bar. Se é isso que ele vive, é isso que as duplas cantam.
No entanto, ele levanta outro ponto interessante: para dar conta dessa vida de festa, de
viver sozinho, estar no camarote da balada, como vimos nas letras das músicas que
trouxemos para essa discussão, o jovem precisa ter dinheiro.
Ora, parece não fazer tanto sentido esse jovem ter dinheiro suficiente
para todas as festas e bebidas desejadas, se os sertanejos, que vieram do campo para a
84
Artigo disponível em: <http://www.revistabula.com/332-mib-musica-imbecil-brasileira-o-sertanejouniversitario-na-era-da-imbecilidade-monossilabica/> Acesso em: 29/08/2013 às 23:02.
107
cidade se tornar operários, sempre foram homens de poucas posses. Possivelmente, os
jovens cantados nas músicas são, senão de classe alta, sustentados pelos pais, jovens das
classes em ascensão no Brasil, ou seja, das classes denominadas B e C, que têm
ganhado cada vez mais poder de compra e consumo.
Levando em consideração, portanto, que o jovem sertanejo
universitário substitui, por vezes, o estudo por festas, a fim de conquistar as mulheres ou
os rapazes que por lá estão, ele provavelmente tem sua formação prejudicada. Para
Teodoro, essa formação deficiente, reflete nas próprias letras e rimas do sertanejo, que
são superficiais, objetivas e com vocabulário simples.
Isso se dá com a finalidade de que haja uma identificação entre o
falante e o interlocutor por meio da linguagem utilizada na canção, bem como para que
a conclusibilidade, ou seja, a compreensão do público, seja imediata sem que precise de
muita reflexão para compreender o que está sendo cantado. Além disso, a
superficialidade possivelmente se deve também à necessidade de não exaurir o tema,
podendo mantê-lo por mais tempo sendo sucesso nas músicas lançadas semana a
semana.
Conforme vimos em Bakhtin, a linguagem também evolui ou muda
com o passar do tempo. “As mudanças históricas dos estilos de linguagem estão
indissociavelmente ligadas às mudanças dos gêneros do discurso.” (BAKHTIN, 2011,
p. 267) Mais uma vez, mesmo sem citar a teoria bakhtiniana, Teodoro evidencia uma
característica da juventude atual que pode ser vista na música sertaneja: a era
monossilábica. Com a velocidade exigida pela globalização em tempos de internet, onde
você foi substituído por “vc”, hoje por “hj”, e assim por diante, as monossílabas
passaram a ser vistas também na música sertaneja.
Apesar de canções como “Eu quero tchu, eu quero tcha”, de João
Lucas e Marcelo, “Lê lê lê”, de João Neto e Frederico, “Tcha tcha tcha” de Thaeme e
Thiago, ou outras não estarem presentes nesse trabalho, faz-se necessário relembrar
essas músicas que há pouco tempo figuraram os tops de rádios de todo o Brasil.
Essas canções vão ao encontro da evolução do jovem do século 21,
citado por Teodoro. Evolução aqui pode ser entendida não com o sentido literal da
palavra, mas sim, como uma mudança pela qual a sociedade vai passando ao longo dos
anos. Para o autor, isso pode ser reflexo da baixa qualidade de ensino e falta de leitura
da população, o que reflete numa pobreza de vocabulário e criatividade.
108
Vez que, como já citamos anteriormente, as músicas são espelho da
sociedade, o que se pode ver na precariedade de criação musical é o reflexo de uma
sociedade que pouco evolui na educação e cultura. As características do jovem do
século 21, apontadas por Teodoro, vão de encontro às características dos sujeitos das
músicas que vimos.
Calma aí, vem curtir um putz putz
Você tá, aqui com Marcos e Belutti
Nossa senhora, como ela é gostosa
Rebolando, meu Deus do céu, ai minha nossa. (MARCOS E
BELUTTI, 2013)
Tô morando só agora é só alegria
Farra lá em casa rola quase todo dia
Mulherada de biquíni na piscina
Tomando whisky e red bull pra entrar no clima. (HENRIQUE E
JULIANO, 2013)
O sol rachando, já passou do meio-dia.
Daqui não saio, daqui ninguém me tira.
Achei meu carro, dentro da piscina,
E o celular no micro-ondas da cozinha. (MUNHOZ E MARIANO,
2012)
Eu desço champagne,
As mina pira e paga pau.
Desço um pouco de whisky
Pra elas liberar geral.
O povo ficando louco, todo desorientado,
E sua mulher não pode saber
Que você está aqui do lado. (HENRIQUE E DIEGO, 2012)
A noite passou, e o que restou?
Passou da conta ela bebeu demais
Batom rebocado, cabelo bagunçado,
Bem mais safada que e o normal
Já desceu do salto, tá bem mais humilde
Bebinha que só, começa a delirar. (LUCCO, 2013)
A menina “gostosa”, o cara que bebe e “pega todas”, a pessoa que trai,
a dança sedutora, a perda dos sentidos, a maneira como todos os sujeitos se divertem
nas cinco músicas, é quase sempre semelhante. Isso porque os jovens estão vivendo
dessa maneira e, consequentemente, inspirando artistas a compor essas letras.
Talvez a queda na qualidade da música tenha surgido já com os “axés”
semelhantes à “Dança da bundinha” dos anos 90. De lá para cá, pouca coisa mudou na
música, já que a sociedade tem sido cada vez menos crítica.
109
[...] o sertanejo universitário, gestado pela indústria fonográfica em
crise, desponta como o meio mais fácil de lucrar em cima do desejo
hedonístico, cotidianamente instigado pelos meios de comunicação,
que impele o jovem a aproveitar a vida a qualquer preço, de qualquer
maneira, custe o que custar. (TEODORO, 2013)
Assim, se esperamos que haja uma mudança na música, podemos até
acreditar que ela aconteça, mas, antes disso, a sociedade precisa mudar. Isso poderia ser
motivado, conforme vimos no terceiro capítulo com Schneider (2006), pela educação do
gosto.
110
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi catalogar as músicas mais tocadas em
rádios maringaenses com temática relacionada ao consumo de bebidas alcoólicas. A
catalogação feita atendeu às necessidades e propostas deste trabalho, vez que
possibilitaram trazer uma análise e reflexão acerca do tema principal.
Além disso, foi proposta também desta monografia, verificar se as
bebidas alcoólicas são apresentadas nas músicas sertanejas com caráter positivo.
Conforme visto na análise e o ao longo das páginas que compõem este trabalho, as
canções aqui analisadas deixam evidente em suas letras e, em especial na enunciação,
ou seja, no contexto em que as composições estão inseridas, que após beber, a mulher
fica mais “fácil”, ou seja, que a bebida colabora para que o homem possa conquistá-la,
por exemplo, mostrando isso através da sensação de missão cumprida do homem em
dominar a situação da conquista, vez que, bêbada, a mulher se torna “delícia na
pegação”. Há ainda outros exemplos que apresentam o álcool como sinônimo de
liberdade: em Mistura louca, o personagem da canção demonstra sua liberdade fazendo
festas regadas à bebidas e cheias de mulheres todos os dias; em Balada louca, mesmo
após uma bebedeira, o indivíduo não quer deixar a festa em que passou a noite e
amanheceu o dia; em Festa boa, um dos personagens está em uma festa sem a mulher,
ou seja, livre. Assim, as músicas aqui analisadas, retrataram a realidade do jovem não só
de Maringá, como de todo o país, quando comparadas com informações baseadas em
matérias jornalísticas.
O principal objetivo destra produção, no entanto, foi analisar a
construção de sentidos que se dá a partir das músicas sertanejas universitárias A análise
mostrou que, como os personagens das canções, jovens bebem, excedem limites, se
relacionam com muitas pessoas e sem compromisso, se revelam de inúmeras maneiras,
principalmente, deixando cair as máscaras que sustentam em seu dia a dia.
Essas músicas dialogam com o que o jovem tem vivido atualmente. A
repetição do tema nas canções evidencia isso: elas refletem o que a sociedade vivencia.
Numa época em que há mais preocupação com prazer e satisfação pessoal que com o
todo, é normal e até comum não haver preocupação em se comprometer com o outro.
Os comportamentos verificados nas músicas são característicos do
universo jovem. Porém, eles não são apresentados de maneira negativa. Em nenhum
111
momento, é discutido o problema que o consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo,
pode causar à pessoa. Pelo contrário, o enquadramento dado pelos compositores às
canções, aponta para o comportamento dos jovens e os vê de maneira positiva,
considerando que “a vida é minha e é assim que eu quero viver”, ou seja, mostrando que
ao alcançar a independência, cada um vive como quer e acha adequado.
Dessa maneira, a perda de consciência, a traição, o sexo fácil, a falta
de controle sobre si mesmo, a ressaca, entre outras linhas temáticas, são apresentadas
como situações comuns. O movimento dialógico de distanciamento deixa de lado os
problemas que esses comportamentos podem causar e, além disso, trata de maneira
divertida as consequências físicas causadas pelo consumo de bebidas alcoólicas.
Os discursos se sustentam na noção de liberdade que o jovem tem
(mesmo que de maneira fictícia), de maneira que cada um possa escolher seus
comportamentos e, entre eles, está a escolha por beber. Assim, ao ingerir qualquer tipo
de bebida, o sujeito em questão consegue fugir dos seus problemas e ainda se divertir.
Esse discurso de liberdade está aliado a outros, como o de conquistar a
pessoa desejada depois de beber, ou da mulher que se torna mais sensual após estar sob
o efeito do álcool, por exemplo. Isso se dá, com base na ideologia disseminada
atualmente de que cada um faz o que quer de sua vida e de que a bebida ajuda a
esquecer dos problemas e se divertir.
Tendo a opção, portanto, de fazer o que quer de sua vida e escolher
suas atitudes e comportamentos, é que o sujeito escolhe beber, por exemplo. Essa
preferência, porém, se dá de maneira consciente, ou seja, ninguém é obrigado a ingerir
bebidas ou a ouvir a música sertaneja. Se a pessoa o faz, é por vontade própria. Tendo
em vista que sua consciência é formada com base nas ideologias dominantes e no que é
socialmente aceito, não há problema, portanto, em beber, mesmo que seja até perder o
controle sob si.
As músicas dizem, com base no que as pessoas vivem e que
mostramos por meio de matérias jornalísticas, que se o sujeito beber será livre, terá
diversão e mulheres, ou se a pessoa em questão for mulher, que ela se tornará mais
sensual e atraente, podendo conquistar mais homens. Para tanto, as músicas dizem até
que tipo de roupa essa moça usa, como se porta e o que a torna sedutora ou, aos olhos
dos homens, gostosa.
Se de outro lado, porém, existem os discursos que veem o álcool como
um produto prejudicial à saúde e à vida da pessoa, do lado de cá, as canções refletem o
112
hábito de grande parte dos brasileiros, que consome bebidas e ouve música sertaneja,
enxergando tudo isso com bons olhos. Em todo o tempo, acontece o diálogo entre
compositores/cantores e consumidores. O ouvinte, que sabe o que está fazendo e age de
maneira consciente, escuta e repercute as canções por se verem como esses sujeitos
divertidos, populares e independentes que estão sendo cantados.
Ao executarem as músicas que são pedidas por ouvintes, as rádios
estão não só mostrando que há um diálogo e uma identificação entre músicos e
ouvintes, como realimentando a consciência dessas pessoas que ouvem as mesmas
canções todos os dias, às vezes, por vários meses.
Há ainda a lógica de mercado que, percebe as possibilidades de
vendas e lucros por meio das músicas, e realimenta a consciência do consumidor a fim
de manter a indústria cultural em movimento, produzindo, vendendo e lucrando.
Com base em tudo que foi dito, é possível afirmar que os objetivos
iniciais deste trabalho foram cumpridos e que, além disso, outras possibilidades de
estudo foram surgindo ao longo do período de produção, a fim de somar com o
resultado final, aqui apresentado.
Com isso, é possível, enfim, perceber que as hipóteses levantadas ao
início dessa pesquisa, foram respondidas. Foram elas: o consumo de bebidas alcoólicas
é apresentado como algo positivo nas músicas sertanejas, destacando que o indivíduo
que bebe é mais feliz; as músicas apresentam o lado bom das bebidas alcoólicas,
relacionando-as a festas, falta de problemas, amigos, diversão e mulheres; as bebidas
alcoólicas como são “vendidas” nas músicas tornam natural o fato de os jovens e
adolescentes beberem sem levar em consideração os prejuízos e danos que isso pode
causar; os cantores, compositores e rádios dialogam com o público por meio das
músicas. Por tudo que foi visto desde o início dessa produção, acreditamos que as
hipóteses tenham sido comprovadas.
O fato de tratarmos aqui um tema atual, que faz parte do cotidiano do
brasileiro, justifica a produção desta monografia. Além disso, poucas são as discussões
e possibilidades de reflexão propostas por estudos acadêmicos, matérias jornalísticas ou
mesmo em conversas informais relacionadas a tudo que aqui foi visto. Trazer uma
discussão e proporcionar reflexão acerca deste tema é de extrema relevância, visto tudo
que apresentamos. Assim, é de interesse da sociedade, de estudiosos da área das
Ciências Sociais, do poder público e até mesmo dos profissionais da área médica o
conteúdo apresentado neste trabalho.
113
Esta monografia poderá contribuir para estudos futuros relacionados
aos fenômenos sociais ligados à música, sertaneja ou não. No entanto, é importante
destacar que esse trabalho, bem como seu resultado, não é algo uma ideia engessada.
Outros olhares voltados às músicas, à indústria cultural e à produção de construção de
sentidos, são possíveis. Inclusive porque, a sociedade muda constantemente. Pode ser
que em pouco tempo, esse resultado esteja defasado, novas vertentes e possibilidades
tenham surgido e, com isso, seja necessária uma nova abordagem sobre o tema.
Haja vista o crescimento massivo da música sertaneja no Brasil,
mostrando que, como vimos, esta deixou de ser produto apenas do meio rural, também
pode somar para a indústria cultural e, consequentemente, para o consumo, percebemos
que, mesmo que de maneira involuntária, o ouvinte se coloca como sujeito da música,
trazendo aquela história que fala de alguém que bebeu para esquecer seus problemas ou
conquistar o sexo oposto, para algo mais próximo de sua realidade.
Faz-se necessário destacar ainda que, ao concluir uma graduação em
Comunicação Social, não é possível deixar de perceber que a música também comunica
e, aliás, por tudo que foi mostrado, é uma forma de comunicação eficaz, além de ser o
único produto cultural ao qual a maior parte da população tem acesso.
114
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