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MÍDIA E IDEOLOGIA – O POSICIONAMENTO DA REVISTA VEJA DIANTE DA
REINTRODUÇÃO DAS DISCIPLINAS DE SOCIOLOGIA E FILOSOFIA NO
ENSINO MÉDIO
Igor Assoni Monteiro da Silva1
Geraldo Magella Neres2
RESUMO: O presente trabalho pretende discutir o posicionamento da revista Veja quanto à
reintrodução das disciplinas de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio brasileiro, após a aprovação da
lei 11.684 de 2008. Através da Análise de Discurso, buscou-se compreender os sentidos que Veja
visou gerar nos leitores quanto à presença dessas disciplinas de ciências humanas nos currículos
escolares. Consta entre os principais fundamentos da Análise de Discurso que não existe discurso sem
sujeito, e não existe sujeito sem ideologia. Assim, é importante que se associe o discurso de Veja, no
tocante à educação, ao sujeito ao qual a revista dá voz, ou seja, à fração de classe que tem em Veja um
poderoso instrumento de expressão de sua visão de mundo. Neste sentido, o principal objetivo deste
trabalho é demonstrar como se compõe o discurso de Veja sobre o referido tema e, por conseguinte,
porque tal discurso se compõe desta maneira.
PALAVRAS-CHAVE: Mídia; Sociologia; Filosofia; Revista Veja.
INTRODUÇÃO
Proceder à Análise de Discurso (AD) requer percorrer os caminhos que não se
mostram imediatamente quando ouvimos um pronunciamento, quando lemos um artigo, uma
reportagem, um texto de opinião, entre outros. Requer que o discurso seja analisado em sua
processualidade histórica, as relações que aquele sujeito emissor mantém como ser social em
uma sociedade fragmentada, enfim, faz-se necessário que se reconheça que o discurso é posto
pelos sujeitos e que esses sujeitos são de classes, inseridos em lutas de classes, lutas essas que
constituem o fazer histórico dos homens. A práxis é o chão onde o discurso emerge e atua,
pois ele é atividade humana real e efetiva e, por isso também, uma dimensão fundamental do
ser social” (SILVA SOBRINHO, 2005, p. 13)
1
2
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail:
[email protected]
Professor de Teoria Política do Curso de Ciências Sociais da Unioeste, campus de Toledo. E-mail:
[email protected]
1
Desse modo, portanto, uma análise daquilo que é produzido pelos meios de
comunicação depende do reconhecimento das relações que os grupos midiáticos mantêm com
a sociedade e com outros grupos, e que imprimem uma subjetividade de classe à sua atuação.
No que se refere à atualidade, temos os meios de comunicação, entre outros, que
desempenham a função de instrumentos/instituições que garantem a difusão de certas ideias e,
com elas, a orientação, perpetuação ou até mesmo a transformação das práticas sociais.
Nesse sentido, é útil lembrarmos do papel que Antonio Gramsci atribui a esses meios
de comunicação, quando os classifica como “aparelhos privados de hegemonia” que, nas
sociedades contemporâneas, com enorme diferenciação social e alta divisão do trabalho,
desempenham o papel de “partido ampliado” (GRAMSCI, 2011, p. 269).
Na esteira dessa interpretação é que se insere a caracterização gramsciana da imprensa
como partido “ampliado”. Isto é, no interior de uma forma de Estado, entendido como “um
equilíbrio da sociedade política com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social
sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações ditas privadas [...])
(GRAMSCI, 2011, p. 267), o partido deve exercer suas funções considerando essa
determinação, a saber, que organismos privados têm forte peso no exercício e manutenção de
uma dada ordem de coisas. Gramsci indica a importância do papel da imprensa nesse contexto
nos seguintes termos:
Esta função pode ser estudada com maior precisão se partirmos do ponto de vista de
que um jornal (ou um grupo de jornais), uma revista (ou um grupo de revistas) são
também ‘partidos’ [itálicos meus], ‘frações de partido’ ou ‘função de determinados
partidos’(GRAMSCI, 2011, p. 302).
Os meios de comunicação, de uma forma geral, não estão desvinculados de grupos de
interesse - associações comerciais e empresariais, partidos políticos, grupos financeiros, etc.
Por mais que nas suas páginas ela não se de declare explicitamente defensora de interesses
particulares, a ação da Veja “é tríplice: formula um projeto, organiza e gerencia, agindo
pedagogicamente em torno dele” (SILVA, 2005, p. 22). Isto é, aquilo que é veiculado em suas
páginas tem uma função, um propósito, qual seja: organizar um consenso, através de um
discurso, em torno dos interesses dos grupos que defende, utilizando-se de “mecanismos que
lhe permitem se colocar como defensora do que sejam os ‘interesses supremos do Brasil’”
(SILVA, 2009, p. 24). De acordo com essa perspectiva, a revista cria um sujeito que se propõe
2
capacitado a ver, selecionar e apontar os rumos certos, reivindica para si a tarefa de criticar os
pontos de vista por ela considerados errados e falsos – os quais sempre são aqueles
divergentes, contestadores das práticas neoliberais, etc. A respeito da não-neutralidade da
Veja, Silva (2009, p. 24) é sucinta: “A criação do ‘sujeito Veja’ é a forma de ocultar o
‘partido Veja’”.
É, então, nesse contexto institucional/instrumental, onde a revista Veja pode ser
considerada como um aparelho privado de hegemonia que se insere a proposta do presente
estudo, isto é, analisar o discurso de um importante meio de comunicação na sociedade
brasileira – a revista Veja – e apontar criticamente os vínculos entre o discurso ideológico e a
prática social e o projeto político-econômico em que se ancora, através de uma discussão
específica suscitada pela revista: a oposição à presença das disciplinas de Sociologia e
Filosofia no Ensino Médio na rede escolar brasileira.
OBJETIVOS
Através da análise do discurso da revista Veja, apoiando-se nas teorias sobre mídia,
discurso, ideologia e hegemonia, o objetivo central do presente trabalho é apreender como
Veja constrói seu discurso e por que o faz, quais sentidos pretende gerar e fixar quando se
posiciona de forma contrária à reintrodução das disciplinas de Filosofia e Sociologia no
currículo do Ensino Médio.
METODOLOGIA
Uma série de artigos foi selecionada para que se pudesse proceder a tal análise. Os
artigos foram escolhidos segundo uma ordem temática, isto é, foram submetidos à análise
somente os artigos que se referiam especificamente à reintrodução das disciplinas de Filosofia
e Sociologia no Ensino Médio. Nesse sentido, mais especificamente, os artigos analisados
situam-se no período entre os anos de 2006 e 2012. Tal recorte é demarcado, em seu início,
pela primeira vez que é feito menção à reintrodução das disciplinas de Filosofia e Sociologia
no Ensino Médio, e encerra-se quando foi encontrado o último artigo a respeito do tema.
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Entretanto, a leitura do presente trabalho revelará que a maioria dos artigos analisados foi
publicada nos anos de 2010, 2011 e 2012, anos em que a revista mais desferiu ataques às tais
disciplinas.
A análise aqui apresentada encontra-se ordenada segundo uma ordem temática. Tratase, portanto, da exposição do discurso de Veja seguindo não a ordem cronológica de
publicação dos artigos e matérias sobre o assunto nas páginas da revista, mas sim da
condensação dos principais argumentos de Veja, com a finalidade de dar maior clareza à
exposição. Além disso, buscou-se com isso destacar os principais elementos do discurso de
Veja, os sentidos que este busca criar e, consequentemente, as finalidades ideológicas a que se
propõe difundir e conservar.
1 O POSICIONAMENTO DA REVISTA VEJA DIANTE DA REINTRODUÇÃO DE
SOCIOLOGIA E FILOSOFIA NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO
1.1. Contra as “idéias inertes”: pelo esvaziamento da consciência crítica
O primeiro elemento a ser apresentado quanto aos sentidos que Veja busca fixar entre
seus leitores quando trata das disciplinas de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio refere-se
ao que o articulista Cláudio Moura Castro chama de “Ideias Inertes”, título da coluna da qual
faz parte o texto aqui analisado.
O autor do texto não elenca as teorias, ideias, assuntos, etc. que poderiam ser
consideradas como “ideias inertes”, mas indica que a situação do ensino brasileiro poderia
piorar com a inclusão de Sociologia e Filosofia no currículo escolar. Ele escreve: “Não fosse
o bastante, o MEC nos brinda com mais (filosofia, sociologia, etc.)” (MOURA CASTRO,
2010, p. 26).
Com esse argumento, percebe-se o posicionamento de Veja sobre as disciplinas, qual
seja, além das ideias inertes e inúteis já presentes nos currículos escolares, a inclusão das duas
disciplinas traria mais inércia e inutilidade ainda.
Qual seria a nocividade de tais assuntos? Se levarmos em consideração outros artigos
de oposição a essas disciplinas e o conteúdo desses artigos, podemos deduzir que a inutilidade
refere-se justamente ao fato de que tais disciplinas colocam em questão exatamente o homem
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e a sociedade, tece teorias, apreende conceitos do movimento da sociedade, faz leituras,
análises, etc. desses objetos. Ora, esses elementos seriam realmente inúteis, a ponto de se
desejar que sejam eliminados dos currículos? Esses objetos, e as ideias a seu respeito, seriam
assuntos alheios a um estudante de qualquer idade? Claro está que Veja induz seu leitor a
compartilhar de sua visão de mundo segundo a qual esse é o melhor dos mundos possíveis, e
qualquer ideia que questione essa aparência é inútil e nociva.
Além disso, no artigo em questão pode-se ler:
A educação só tem um assunto: a vida. Só devemos voltar ao passado se for para
iluminar questões presentes. Estudamos teorias porque nos ajudam a entender o
mundo. Mas, se o aprendido não permite lidar melhor com o aqui e agora, por que
perder tempo, se há tantos assuntos palpitantes? (MOURA CASTRO, 2010, p. 26).
Não há dúvida de que a realidade de um estudante de ensino médio é perpassada por
“assuntos palpitantes”. Também não há dúvida de que conteúdos estudados nas disciplinas em
questão permitem a este estudante “voltar ao passado para iluminar questões presentes”. E
tampouco existe qualquer dúvida sobre se a Filosofia e a Sociologia têm a “vida” como
assunto. Mais que isso, ambas podem tratar de questões imediatamente perceptíveis na
realidade desse estudante, mas parece que, para Veja, conhecimentos acerca dos direitos, da
cidadania, da desigualdade socioeconômica, da política, etc. não fazem parte da “vida”, não
têm nada a ver com o “aqui e agora dos estudantes” e são simplesmente perda de tempo.
O autor do artigo propõe, ainda, o ensino de “poucas ideias” (MOURA CASTRO,
2010, p. 26). Essas poucas ideias seriam certamente a sobra do que ficaria se as disciplinas de
Filosofia e Sociologia fossem excluídas dos currículos, como desejam explicitamente outros
autores de Veja. Seria, certamente, a implosão última de qualquer possibilidade de ensino de
um pensamento crítico nas escolas brasileiras, que, assim como qualquer outro conteúdo que
nelas se ensina, obviamente condiz com o “aqui e agora dos estudantes”.
1.2 IDEÓLOGOS SÃO OS OUTROS – A IDEOLOGIA DA NEUTRALIDADE
AXIOLÓGICA
O artigo de Veja intitulado “Ideologia na cartilha” é escrito mais evidentemente
dirigido a um suposto viés ideológico que as aulas de Sociologia e Filosofia podem adquirir
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de acordo com o seu conteúdo. Nele aparecem explícitas referências a pensadores críticos da
sociedade atual, assim como teorias e práticas, propostas de atividade em sala de aula
fundamentadas
nessa
perspectiva
são
classificadas
como
“verdadeiro
absurdo”
(IDEOLOGIA..., 2010, p. 116). A ideia que Veja busca difundir nesse artigo é bastante hostil
ao tema do presente estudo: a revista apresenta a Sociologia e a Filosofia como um conjunto
de teorias, chavões e conceitos não apenas desnecessários, mas também potencialmente
responsáveis por uma possível limitação dos horizontes dos alunos. Para exemplificar o teor
do texto que temos em mente no momento, reproduzimos parte dele:
A leitura atenta desse material [os currículos escolares dos estados] traz à luz um
festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os
especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula:
expandir o horizonte dos alunos (IDEOLOGIA..., 2010, p. 116).
Considerando apenas esse fragmento, podemos perceber, que Veja se apresenta como
uma investigadora, que busca fundamentar suas reportagens e, com isso, as posições que
defende, em rigorosas análises da realidade de que trata. Além disso, fazendo referência aos
“especialistas”, busca apresentar a idéia de que seu ponto de vista é cientificamente embasado
e, portanto, tem estatuto de verdade. O objetivo do recurso a essa retórica do “especialista” é
claro: criar consenso, construir um estatuto de objetividade e neutralidade do sujeito Veja,
uma vez que este estaria apenas reproduzindo aquilo que foi dito por outro. Em segundo
lugar, a aberta e já conhecida hostilidade de Veja quanto a pensamentos divergentes se mostra
explicitamente.
Outro ponto sobre o qual recai a “crítica” de Veja sobre as disciplinas em questão é a
amplitude de temas que os currículos de cada estado estariam propondo para a orientação das
aulas de Sociologia e Filosofia. No artigo pode-se ler:
Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma idéia, no Acre uma das
metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos
internos para sindicatos de trabalhadores – verdadeiro absurdo” (IDEOLOGIA...,
2010, p. 116).
Nesse ponto, além de se outorgar o direito de dizer o que é iluminado ou obscuro,
aceitável ou absurdo, Veja demonstra sua verdadeira face de defensora inconteste dos
interesses da classe dominante quando se refere aos movimentos dos trabalhadores de defesa
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dos direitos. Não apenas isso. Veja, apesar de recorrer continuamente à “palavra dos
especialistas” demonstra não se preocupar em comprovar as fontes de onde retira suas
informações – eis sua preocupação com seus leitores.
No currículo escolar para o ensino de Sociologia no Acre não pode ser encontrada
nenhuma referência, implícita ou explícita, ao ensino da produção de regimentos internos de
sindicatos de qualquer espécie. Não é objetivo deste trabalho reproduzir aqui todos os
objetivos deste currículo3, mas a organização de um regimento interno de sindicato de
trabalhadores não aparece como uma meta, que seja obrigatoriamente cumprida, mas sim,
como uma proposta de atividade, entre tantas outras. Além disso, o currículo permite uma
“abertura” ao definir que “cabe ao professor a seleção de conteúdos que melhor se adéqüem à
sua realidade e às suas condições objetivas” (ACRE, 2010, p. 23).
Desse modo, Veja descreve algo como absurdo com a finalidade de criar em seus
leitores uma opinião contrária sobre a introdução de Sociologia e Filosofia como disciplinas
obrigatórias no Ensino Médio. Porém, o modo de convencimento e o método discursivo a que
recorre para esses fins são claramente mais obscurantistas que aquilo que ela retrata como
absurdo.
O artigo de que se trata é um grande exemplo da perspectiva de Veja em relação à luta
de classes. Se toda a fundamentação histórica feita no início do trabalho deixou alguma lacuna
no que se refere ao seu conteúdo de classe e aos interesses que defende, agora, com as
seguintes citações, tais dúvidas podem ser desfeitas. Lendo sua análise dos currículos para
Sociologia no Ensino Médio de alguns estados, encontramos:
Um dos objetivos explícitos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a
idéia de que “a constante diminuição de cargos em empresas no mundo capitalista é
um fator estrutural do sistema econômico” (visão pedestre que desconsidera o fato
de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da
história) (IDEOLOGIA..., 2010, p. 116).
Podemos apontar alguns elementos sobre os quais os argumentos de Veja estão
montados e sobre os sentidos que com eles se quer gerar. O primeiro deles refere-se ao
problema do discurso: utilizando-se da palavra “incrustar” vê-se que o autor do artigo busca,
3
Cf. ACRE. Secretaria de Estado da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Caderno 1
– Sociologia. 2010. Acre, AC, 2010.
7
assim como antes, apresentar Filosofia e Sociologia como disciplinas unicamente
doutrinárias, ou seja, o conteúdo dessas disciplinas seriam apenas impostos, não objetos de
reflexão e construção de um conhecimento necessário à vida dos estudantes. O segundo
elemento reside no modo como o autor trata a História: aqui o capitalismo é visto como um
movimento harmonioso, desejado por todos, da mesma forma que a burguesia o deseja e o
defende eternamente. A exposição de um fato da natureza do capitalismo – o desemprego
estrutural, gerado pela crescente industrialização que substitui, em parte, a força-de-trabalho
humana pela maquinaria – é pintada por Veja como uma “visão pedestre”. Entretanto, é
facilmente compreensível que assim seja: essa é a típica visão do mundo do trabalho, e dos
trabalhadores, vista da perspectiva burguesa.
A seguinte citação, trazida no mesmo texto, se encaminha para a conclusão e a
apresentação de uma proposta final, que é claramente hostil às disciplinas de sociologia e
filosofia:
Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já
provou. Resume o economista Cláudio de Moura Castro, articulista de Veja e
especialista em educação: ‘Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito
tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio
alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia’
(IDEOLOGIA..., 2010, p. 116)
A conclusão a que o artigo chega é categórica: que as disciplinas sejam retiradas da
grade curricular. Novamente a palavra do especialista é o selo de qualidade irrefutável que
comprova que realmente sociologia e filosofia não servem para nada. Porém, o ponto que
mais chama atenção aqui é o seguinte: que os estudantes seriam incapazes de aprender e
realizar qualquer reflexão sobre os temas filosóficos e sociológicos.
Como temos visto, o discurso de Veja vai se delineando no sentido de criar consenso
sobre a desnecessidade das disciplinas e a contaminação ideológica das mesmas, como se o
viés à esquerda fosse a própria essência da filosofia e da sociologia.
1.3 EM DEFESA DO MERCADO, CONTRA AS CIÊNCIAS HUMANAS
Passaremos agora à análise do discurso contido em um artigo publicado na seção de
Justiça de Veja. Consideramos esse texto de extrema importância para nossa análise devido ao
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destaque dado pela própria revista ao artigo em questão, uma vez que ele é a própria matéria
de capa. Nele, a introdução de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio não são a principal
pauta discutida, mas ela figura como um dos pontos levantados pelos autores do texto.
O discurso proferido nas páginas desse artigo será entendido mais ricamente se o
entendermos a partir da totalidade que compõe toda a matéria publicada. Como já dito, o
discurso analisado faz parte da matéria principal, a matéria de capa, que sempre se compõe de
uma conjunção entre texto e imagem. A imagem da capa em questão traz a foto de um
homem, de terno e gravata, cuja expressão facial representa fúria colérica; de suas orelhas
saem fumaça, como se sua cabeça estivesse prestes a explodir.
Abaixo do rosto enfurecido, encontra-se, em letras garrafais, a exclamação: “NÃO DÁ
MAIS!” (sic). E, logo abaixo: “As leis absurdas4 que infernizam o dia a dia dos brasileiros,
emperram o funcionamento das empresas e são um monumento à estupidez dos políticos e
burocratas” (NÃO DÁ MAIS..., 2011, p. 1).
A foto do homem, em suas vestimentas peculiares de um grupo social particular, não
nos permite inferir qual é o grupo que representa – se é o dos empresários, se é o dos
advogados, legisladores, professores, profissionais liberais, etc. -, mas certamente não remete
a setores mais explorados da estrutura social, de sua divisão social do trabalho.
No que se refere ao texto, já podemos adiantar que uma das “leis absurdas”, é a lei n
11.684 de 2008 que obriga a reintrodução de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio. Ainda
em relação a esse discurso, devemos apontar que ali se manifesta um dos pressupostos mais
elementares da natureza de toda ideologia, principalmente das ideologias de classe, que se
manifesta efetivamente no discurso como um dos meios dessas ideologias: a busca pela
identificação e homogeneização entre os interesses de um grupo social com os interesses da
totalidade social. Isso pode ser encontrado no termo “brasileiros”, através da idéia de nação,
que remete à abrangência de todos os indivíduos que vivem em um determinado lugar,
colocando-os sob um manto que apaga e abstrai essa totalidade de todas as suas diferenças,
desigualdades, contradições, conflitos, etc.
Existiria, portanto, uma comunhão entre a “vida dos brasileiros” e o “funcionamento
das empresas”, ambos afetados pela “estupidez dos políticos e burocratas”. O que está
4
Destaque do próprio texto.
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implicitamente contido nesse discurso é a idéia que a vida de todos os indivíduos brasileiros
depende do bom funcionamento da economia capitalista e todas as suas determinações mais
gerais: a circulação de mercadorias, a exploração do trabalho alheio, o desejo de ausência de
qualquer regulamentação política da esfera econômica, etc.
Passando à seção de Justiça, encontramos um conjunto de 19 leis analisadas por um
corpo de advogados escolhidos por Veja, incumbido da tarefa de detectar os males causados
por essas leis, os absurdos contidos nelas. Na exposição de cada uma, encontramos um título
que descreve sucintamente a respectiva lei; abaixo, a situação em que ela se encontra nas
casas legislativas do Estado brasileiro; em seguida, o que determina a lei e, finalmente, o
“absurdo”, isto é, seu resultado, aquilo que se configuraria como um fator de infernização da
vida dos brasileiros. A lei n 11.684 figura entre essas 19 leis.
Na matéria encontramos a questão exposta do seguinte modo: em primeiro lugar, a
descrição do que a lei determina, isto é, “torna obrigatórias as disciplinas de Filosofia e
Sociologia nas três séries do ensino médio em todas as escolas do Brasil” (É DE
ENLOUQUECER..., 2011, p. 92-3). Em seguida, o “absurdo” da lei:
os brasileiros figuram nas piores colocações em disciplinas como ciência,
matemática e leitura, no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos.
Em vez de empreender um esforço para melhorar o quadro lastimável da educação
brasileira, o governo se empenha em tornar obrigatórias disciplinas que, na prática,
só vão servir de vetor para aumentar a pregação ideológica de esquerda, que já beira
a calamidade nas escolas. Uma das metas do currículo de sociologia no Acre é
ensinar os alunos a produzir regimentos internos para sindicatos” (É DE
ENLOUQUECER..., 2011, p. 92-3).
O discurso de Veja nesse artigo, até pela limitação do espaço da matéria, mostra-se
como uma condensação daquilo que já foi dito em outras edições da revista. A limitação do
espaço não deve ser usada para se fazer concessões ao discurso ideológico de Veja e eximi-lo
de sua intencionalidade quanto ao sentido que pretende gerar. Pelo contrário, a própria
caracterização da questão como absurdo já demonstra o sentido que se quer gerar.
Vemos, nessa matéria, que existe a retomada de uma argumentação já utilizada por
Veja, condensando em um só espaço tudo aquilo que já foi dito. O discurso contido nesse
texto é bastante significativo justamente por esse tom condensado, que exprime de forma
resumida a forma como Veja retrata as disciplinas de filosofia e sociologia, isto é, ali
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aparecem alguns dos principais argumentos da revista sobre o tema: primeiro, que a inclusão
das disciplinas atrapalha o ensino daquelas já estabelecidas; segundo, que elas se prestam
unicamente à inundação das escolas com a poluente ideologia de esquerda, comunista,
marxista, etc. e, terceiro, que as propostas de ensino dessas disciplinas são verdadeiro
absurdo.
Não há nada de novo nesse discurso, de modo que qualquer análise dele aqui tornarse-ia desnecessariamente redundante. Porém, ele revela que a repetição dos assuntos, retomálos em diferentes contextos, associá-los a outros “absurdos”, utilizar, muitas vezes, os
mesmos termos e os mesmos exemplos, é uma das estratégias de Veja na geração de sentidos
e consenso sobre eles. A mesma idéia aparece várias vezes em suas páginas, já descritas e
portando consigo as interpretações, que nada mais são, afinal, a opinião do articulista, do
jornalista, do editor, enfim, da própria revista, com todos os contornos ideológicos da fração
de classe da burguesia que representa e em torno de cuja órbita pretende fazer como que os
interesses de todos os cidadãos gire.
CONCLUSÃO
A principal discussão realizada neste trabalho refere-se mais precisamente ao
posicionamento de Veja quanto à reintrodução das disciplinas de Filosofia e Sociologia nos
currículos do ensino médio brasileiro, e como esse posicionamento se materializa na forma de
um discurso ideológico. Percebe-se que Veja, sendo um meio de comunicação que, como foi
visto, é responsável por uma forma particular de educação – a “educação continuada do
mundo do capital” (SILVA, 2009, p. 170) – também tem a educação escolar como um de seus
assuntos mais recorrentes. Por que isso acontece?
Pode-se considerar, de acordo com Mészáros (2006), que a esfera educacional, sendo
um dos componentes superestruturais necessários à perpetuação dos modos de produção, se
transforma, assim como o mundo do trabalho, em campo de batalhas e disputas ideológicas
sobre a continuidade ou transformação da ordem social. Desse modo, é válido dizer que o
discurso de Veja, quando trata da obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e Sociologia no
ensino médio, realiza-se de forma conscientemente nessa luta, onde as tais disciplinas
assumem um caráter potencialmente crítico, de modo que suas propostas de exclusão e a
11
forma como caracteriza os propósitos das disciplinas de Filosofia e Sociologia são apenas o
reflexo de uma perspectiva de classe atuando com vistas à manutenção do consenso em torno
de si e de sua hegemonia de classe.
Outro ponto que pode ser aqui aludido são os questionamentos que essas disciplinas
podem levantar quanto à própria atuação da mídia. Nas Diretrizes Curriculares da Educação
Básica – Sociologia da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, por exemplo, uma das
propostas é que os alunos desenvolvam a criticidade para a leitura de fatos noticiados pelos
meios de comunicação, especialmente na representação da atuação de movimentos sociais. No
referido documento oficial pode-se ler:
Com frequência, a mídia traz notícias de grupos sociais que se manifestam pela
conquista e garantia de direitos e é fundamental que os alunos estejam aptos a
fazerem uma leitura crítica e contextualizada dos fatos noticiados (PARANÁ, 2008,
p. 90).
Desse modo, pode-se também considerar que Veja enxerga também essa
potencialidade crítica, ou seja, de que a presença das disciplinas de Filosofia e Sociologia abre
a possibilidade de que o seu discurso seja debatido criticamente, que ele seja criticado e
corretamente apreendido em suas bases históricas, que sua ação política de classe seja
revelada, que seu caráter partidário seja discutido, etc. É preciso considerar, ainda, na esteira
desse debate, que Veja também conta com o projeto “Veja na Sala de Aula”, cujo objetivo é
transformar reportagens da edição mais atual de Veja em planos de aula5. Ou seja, Veja não
abre mão de nenhuma estratégia que se lhe apresenta de difundir uma concepção de verdade,
a sua visão de mundo, sua retratação dos fatos cotidianos, de modo que a disputa pela
hegemonia se faça desde muito cedo, na sala de aula.
Por fim, é possível apontar um último elemento que este trabalho propõe como ponto
que pode ser considerado importante nesse debate que engloba duas importantes esferas de
reprodução do ser social: a mídia e da educação. Sabe-se que as disciplinas de Ciências
Humanas e Sociais sofreram de um fenômeno histórico que ficou conhecido como a
“intermitência” destas disciplinas (GUIMARÃES, 2012) e que sua reintrodução nos
currículos escolares é produto de uma luta histórica no campo educacional brasileiro, que
5
Informação disponível em <http://veja.abril.com.br/saladeaula/sobre.shtml> Acesso em: 04 out. 2013.
12
toma cada vez mais força a partir dos anos 1980 mas que só atinge seus mais sólidos objetivos
a partir de 2006, culminando em 2008, finalmente, na aprovação da Lei 11.684.
Entretanto, de acordo com o que foi exposto no capítulo referente ao discurso de Veja,
não se pode dizer que as disciplinas de Filosofia e Sociologia tenham atingido um patamar na
história no qual elas possam se preocupar somente com os problemas gerados pela
intermitência e se desenvolver estritamente em seu caráter pedagógico, metodológico, no
exercício da docência, etc. As críticas perpetradas por Veja revelam, ao contrário, que as
conquistas obtidas por essas disciplinas ainda precisam disputar o consenso não só no âmbito
estritamente escolar, mas também no nível mais geral da sociedade. Veja, pelo que foi
exposto – no mais pleno acordo com sua concepção de mundo fundada em uma ideologia de
classe -, realizou efetivamente uma campanha duradoura contra a reintrodução de Filosofia e
Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio, defendendo não só a
falta de importância dessas disciplinas mas também uma nova exclusão definitiva das
mesmas.
REFERÊNCIAS
GRAMSCI, Antonio. O partido político. In: O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935.
Carlos Nelson Coutinho (Org.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Boitempo, São Paulo, 2006.
ARTIGOS EM PERIÓDICOS
GUIMARÃES, Elisabeth da Fonseca. Ensino de sociologia no nível médio: de um passado
intermitente à necessidade de reconhecimento presente. Ensino em Re-Vista, v. 19, n. 1, jan./jun.
2012.
DOCUMENTOS OFICIAIS
ACRE. Secretaria de Estado da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Caderno
1 – Sociologia. 2010. Acre, AC, 2010.
PARANÁ. Diretrizes curriculares da educação básica – Sociologia. SECRETARIA DE
ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ, 2008.
13
MATÉRIAS E ARTIGOS DE VEJA
CASTRO, Claudio de Moura. Ideias inertes. Veja, São Paulo, p. 26, 6 out. 2010.
É DE ENLOUQUECER. Veja, São Paulo, p. 92, 28 set. 2011.
IDEOLOGIA na cartilha. Veja, São Paulo, p. 116, 31 mar. 2010.
NÃO DÁ MAIS! As leis absurdas que infernizam o dia a dia dos brasileiros, emperram o
funcionamento das empresas e são um monumento à estupidez dos políticos e burocratas. Veja, São
Paulo, p. 1, 28 set. 2011.
SILVA, Carla Luciana. Veja: o indispensável partido neoliberal (1989 a 2002). Tese (Doutorado em
História Moderna e Contemporânea), Centro de Estudos Gerais, Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2005.
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SILVA SOBRINHO, Helson Flávio da. Trilhar caminhos, seguir discursos: aonde isso poderá nos
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