SOCIOLOGIA JURÍDICA I APOSTILA 02 Turma de 2014 - Professor: João Paulo Braite 4. O Processo de Formação da Sociologia Jurídica e Seus Fundadores. O processo de formação inicia-se no período histórico da filosofia antiga, iniciando com os pré-socráticos (polis) passando pelos sofistas (guerras Helénicas), por Protágoras, Cálicles, Sócrates, Platão (a presença do direito é fatal na sociedade humana), Aristóteles, Machiavelli, IbnKaldum, Bodin, Montesquieu (O Espírito das Leis). Chegamos a Augusto Comte, pai da sociologia moderna, que quando de seu nascimento buscava seu distanciamento com o Direito em decorrência de hostilidades entre estas ciências neste período, também não se preocupava com tal associação, pois entendia que o Direito seria uma manifestação metafísica e destinada a desaparecer no período positivo ou científico, quando a humanidade estaria servida de uma aparelhagem de controle social. Passamos ao Marxismo, cuja sociologia jurídica reduz o direito a um fenômeno de superestrutura, reflexo das condições de infra-estrutura da atividade econômica, também entendia pelo desaparecimento futuro do direito. Spencer e Maine contribuíram para a sociologia jurídica, Spencer ao analisar a história jurídica, utilizando a tese de Maine que prega a idéia de que o homem passa de uma sociedade baseada em classes sociais a uma sociedade contratualista, elaborando uma concepção sociológica de caráter evolucionista. Posteriormente a estes sociólogos, foi grande a produção científica com base na história do direito, etnografia (é por excelência o método utilizado pela antropologia na coleta de dados, trata-se do contato intersubjetivo entre o antropólogo e o seu objeto, grupo social analisado) e sociologia jurídica, destacando-se; Letourneau, Post, Steinmetz, Frazer, Nadir Greco, Gabriel Tarde, Ihering. Chegando a Escola Objetiva Francesa, criadora da Sociologia Jurídica atual, de nível científico, que tem como seu principal expoente Durkheim. 1 ÉMILE DURKHEIM Émile Durkheim (1858/1917), é considerado um dos pais da Sociologia moderna juntamente com Augusto Comte e Marx, combinava pesquisa empírica com a teoria. A sociologia implantada por Augusto Comte, se renovou com o advento da Escola Francesa Durkheimiana, principalmente no campo da Sociologia do Direito, escreve o professor Evaristo de Morais Filho “pode-se dizer que a sociologia do direito, consciente de seus fins e de sua tarefa, só começou realmente com a obra de Durkheim (De la Division du Travail Social – Étu desur l’Organsacion des Sociétés Supérieures / A Divisãodo Trabalho Social Estudos de grupos [tribos] e Organização Superior [nação]) [in MACHADO NETO, Antônio Luis, Sociologia Jurídica, 6ª ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 1987, p. 105.] Nesta Obra Durkheim distingue dois tipos de solidariedade social 1- Solidariedade Mecânica ou por semelhança; a mais antiga e elementar (trato familiar, vizinhança) 2- Solidariedade por Dissemelhança ou Orgânica; fundado em um maior incremento da divisão do trabalho, nesta é essencial a interdependência em que a divisão social do trabalho coloca os indivíduos como componentes do grupo humano, ocupados em diferentes tarefas sociais que a todos aproveitam. Durkheim observa que à medida que a solidariedade mecânica, pelo exercício do fenômeno social humano dá lugar a solidariedade orgânica, o direito abandona o seu caráter repressivo ou retributivo, dominantemente penal, para assumir também a sanção restitutiva, consistente em colocar as coisas nos mesmos termos anteriores, característica do direito civil e comercial. Na obra “Deux Lois de I’Évolution Pénale” que trata da sanção repressiva do direito penal, que trouxe duas leis de sociologia jurídico-penal; Primeira Lei – “I’intensité de la peine est d’autant plus grande que lessociété sappartiennent à um caractere plus absolu” [A importância da sentença é ainda maior do que as instituições e pessoas, e tem caráter absoluto]. Segunda Lei – “les peines privatives de la liberte et de la liberte seule, pour despériodes de temps variables selon lagravitédes crimes tendente de plus em plus à devenir le type normal de la repression” [privação de liberdade do individuo, por períodos que variam de tempo dependendo da gravidade dos crimes cometidos, tendencia a se tornar cada vez mais o tipo normal de repressão]. 2 Na obra “La détermination du fait Moral” [A determinação do fato moral], mostra uma física dos costumes e do direito, sobre uma dupla perspectiva, a primeira estuda a constituição histórica das normas morais e jurídicas a segunda é de como estas funcionam na sociedade como são aplicadas. Tenta fazer distinção dos fatos morais, comparando as normas morais e técnicas (legais). Esta obra também traz a distinção entre dois tipos de deveres sociais: 1- O homem como tal, membro de uma sociedade total. 2- O homem como membro de grupos e situações particulares, onde se encontram os deveres decorrentes da ética profissional, tratando as transgressões com complacência contrastante com o rigor com que estas são encaradas pelos membros do grupo. Durkheim e seu discípulo Lucien Lévy-Bruhl, buscaram fundamentar a sociologia dos costumes em uma moral científica que denominaram “arte da moral racional” tratando-se de uma ciência dos costumes preocupada com a sua aplicação prática, buscando ultrapassar a moral teórica contraditória, inútil e ineficaz. Contudo tal estudo foi objeto de voraz crítica pelos demais estudiosos como Déploige em sua obra “Le Conflit de la Morale et de la Sociologie” [O conflito da moral e da sociedade]. E de Cuvillier em sua reflexão “Commentla Science seu le nous permettrait-elle de passerdu fait audroit, de cequi est à cequi doitêtre?” [Como só a Ciência nos permitiria passar de fato a lei, o que é que deveria ser?] que conclui “La morale n’est faite que de jugements de valeur, la Science n’est faite que de jugements de réalité” [A moral é feita de juízos de valor, a ciência é feita de juízos de realidade]. O que acabou por desacreditar o trabalho do Durkheim e LevyBruhl, neste tema. PAUL FAUCONNET Discípulo de Durkheim, Paul Fauconnet publicou o ensaio intitulado “La Responsabilité – Essai de Sociologie” (A responsabilidade – Ensaio de Sociologia) sua mais importante contribuição a Sociologia Jurídica. Nesta obra Fauconnet, analisa os estudos da sociedade das nações, tribos e comunidades (etnografia), e sua história. Tal estudo proporcionou a compreensão de que antigamente as crianças, os loucos, os animais, coisas e grupos humanos, eram tidos como responsáveis, ou 3 seja nem sempre a autor era o único responsável, e por isso sofreram as mais diversas sanções com base na semelhança ou na contigüidade. Diferente da moderna concepção na qual a responsabilidade penal recai sobre o Autor desde que comprovada sua relação causal com o ato (ação) e o evento (omissão) delituoso e a condição de maioridade e capacidade. Fauconnet conclui neste estudo que a responsabilidade não é algo subjetivo, mas objetivo, sociológico, que consiste na escolha do objeto da sanção. Partindo da concepção Durkheimiana do crime como ato atentório dos sentimento fortes do grupo, Fauconnet vê que a sanção é uma reação social tendente a apagar a mancha, a impureza do crime. Assim a pena não é originariamente imposta ao criminoso, mas ao crime que é a sua causa numa tentativa de apagar, torná-lo inexistente. Obvio que o que ocorreu no passado esta concluído, sendo impossível apagar sua ocorrência, existência. Contudo o que se busca é demonstrar que a responsabilidade aparece como algo objetivo, decorrente de uma instituição social, revoltada com o crime e desejosa pela sua inexistência, e não mais algo ligado a elementos subjetivos, psicológicos inerentes ao ser humano. Sendo que a sanção vem a implicar alguém, um sujeito, sendo que várias sociedades têm respondido de vários e diversos modos através do estabelecimento de normas, que acabaram por considerar como responsável o autor do evento delituoso, observando essa instituição objetiva da responsabilidade. A medida que a sociedade foi se individualizando, e a instituição objetiva da responsabilidade, foi se efetivando na sociedade, isso proporcionou segurança ao meio social na interação entre seus diversos sujeitos, e possibilitou a criação de uma fonte de irresponsabilidade, quanto as pessoas loucas e menores de idade (inimputáveis) e quando não é possível identificar o verdadeiro autor, o verdadeiro responsável (princípio “in dubio pro reo” – na dúvida a favor do réu). Fauconnet ainda ampliou a classificação das sanções de seu mentor Durkheim que as dividia em Retributivas e Restitutivas. Vindo a subdividir as sanções retributivas em repressivas ou penais e remuneradoras ou premiais, sejam elas difusas ou coletivas. 4 GEORGES DAVY Grande expoente da escola francesa objetiva sociológica, fundado por Durkheim, sua principal obra voltada a Sociologia Jurídica foi “La Foi Jurée” (A Fé Juramentada) e “Le Droit, L’Idéalisme et I’Expérience” (A Lei , Idealismo e Experiência), também tratou da Sociologia Jurídica em seus escritos voltados a Sociologia Política “Eléments de Sociologie -- I – Sociologie Politique” (Elementos de Sociologia, I – Sociologia Política), e com colaboração de Moret o livro “Des Clans aux Empires” (dos clãns aos Impérios). No livro “Des Clans aux Empires”, escrito em colaboração com A. Moret, exemplifica com materiais colhidos da civilização egípcia, o processo evolutivo das idéias Durkheimianas sobre o poder grupal do clã como forma de poder difuso, de onde parte a evolução política das sociedades, passando a individualização da soberania nas sociedades tribais e nacionais, sem, contudo se desligar da “potlatch” (cerimônias, rituais de cunho religioso). Sua obra mais importante no campo da Sociologia Jurídica foi “La Foi Jurée”, em que estuda a origem da formação do laço contratual, nota-se nesta obra influência da teoria de Summer Maine, que defende que a evolução jurídica dos povos se deu da passagem do “status” para o contrato. Contudo a conclusão oferecida por Davy é oposta, pois para ele o contrato nasce sob a forma de criação artificial de um status, não há para ele uma oposição radical como defende Maine, para ele o contrato surge do status, tomando dele sua força obrigatória e por fim se desvinculando deste, contudo entre estas instituições estão presentes afinidades. Sua principal diferença é que o contrato busca força no meio social em que vive, através da solidariedade, não contendo os elementos individualistas presentes no status (nobreza, linhagem sanguínea), mas não se afasta do aspecto religioso “potlatch”. Em “Le Droit, L’Idéalisme et I’Expérience”, vemos a aproximação de Davy com seu mentor, pois coloca em prática o programa sociologista de Durkheim fundado no “idealismo saído da experiência”. E por isso assim como a obra de seu mentor, recebe criticas de Cuvillier. Cuvillier entende que o idealismo não pode surgir apenas da experiência, a menos que esta seja uma experiência julgada ou valorada e por isso se aproxima da filosofia do direito, deixando a seara científica da Sociologia, passando a valorizar exageradamente os conhecimentos sociológicos – Sociologismo. 5 MARCEL MAUSS Enquanto Fouconnet foi sucessor de Durkheim na cátedra de Sorbonne, e Davy seu mais lídimo (próximo) continuador do pensamento sociológico-jurídico, Mauss descata-se como continuador da liderança intelectual. Especialista em etnologia e sociologia dos primitivos, sendo que neste campo se destaca com seu estudo sobre o duplo sistema social, jurídico, moral e econômico dos esquimós em razão das estações, inverno e verão. Já quanto a Sociologia jurídica destaca-se seu “Essai sur le Don” (Ensaio sobre o Dom), vê-se neste livro um estudo das origens das obrigações, o autor se utilizando de material etnográfico riquíssimo e de dados da história jurídica dos povos antigos, encontra um sistema de prestações totais (serviços e mercadoria) que vincula grupos humanos a um sistema de doações aparentes, que se mostra autêntica troca em espécie, e que no campo religioso “potlatch” observa-se os antigos processos de circulação de mercadoria e de contratos bilaterais, comprovando que o mercantilismo individualista, não é a única forma recente de trocas de mercadorias, sendo esta precedida na evolução histórica pelo escambo, “eu tenho que dar” mais textual. LÉON DUGUIT Auguste Comte pai da Sociologia e posteriormente Durkheim que se fundamentava nas premissas Comteanas, aceitavam o imperialismo teórico da sociologia sobre os demais departamentos das ciências sociais, já que não se preocupavam em tratar dos limites entre as diversas ciências sociais. Ocorre que muitos juristas, acreditando e se identificando com posição teórica de Comte de que o saber científico com a ciência natural elevada por Durkheim em sua experiência, esses juristas acabaram levados a aceitar explícita ou implicitamente, que a ciência do direito seria um ramo especial da sociologia. Estes Juristas fizeram mesmo sem saber autêntica sociologia jurídica, embora nem tudo em suas obras possa ser tido de cunho sociológico, visto que a ciência jurídica (Direito) apresenta numerosos aspectos em sua temática que não podem ser tratados pela sociologia, o que acaba por fazer prova da sua radical peculiaridade, de sua autonomia, sua especial dignidade epistemológica. 6 Dentre estes se encontra Léon Duguit, que inspirado na afirmação Comteana de que a Lei seria a evolução mental da humanidade, “el mismo tránsito del pensamiento metafísico al pensamiento positivo experimentado ya por las ciencias naturales y que espera aún su realización em las ciencias del espíritu” (a passagem do pensamento metafísico [filosofia, essência do mundo, o que é real? Qual sua finalidade] para o pensamento positivo experimentado nas ciências naturais, ainda aguarda a sua realização nas ciências humanas). Busca Duguit, basear a jurisprudência (julgados, sentenças, acordãos) na pura observação dos fatos sociais, se socorrendo da Teoria da Solidariedade de Durkheim, na qual a solidariedade é fundada na divisão do trabalho (que culmina na aglomeração e criação da sociedade e esta da sociologia). Assim Duguit formula sua teoria do controle social, fundado na solidariedade, distinguindo três tipos fundamentais de normas sociais decorrentes da interação dos individuos no grupo: normas econômicas, normas morais e normas jurídicas, em ordem de importância e coercitividade crescentes. Segundo sua teoria, para que as normas inferiores, econômicas e morais, venham a se tornar jurídicas, é necessário que estas repercutam na sociedade, ou seja, passem a ser vistos como necessários a manutenção da solidariedade social de forma unânime ou a grande maioria os cidadãos inseridos em determinada conjectura social, ou seja, ressoem nos sentimentos fundamentais de solidariedade e justiça. Assim as normas de cunho econômico e social, por se entenderem necessárias a manutenção da solidariedade social, passam a ser garantidas pelo emprego da força social, culminando no surgimento da norma jurídica no seio das normas econômicas e morais. Salienta-se que a norma não deixa de ser moral ou econômica, passa também a ser jurídica. Destaca-se em sua bibliografia voltada a sociologia jurídica, “Les Transformations Génerales du Droit Privé depuis de Code Napoléon”, “Les Transformations du Droit Publique”, “Le Droit Social, le Droit Individuel et la Transformation de L’État”, explicitando nestas obras as razões sociais das transformações sofridas pelo direito positivo individualista, transformações que o levam gradativamente a uma maior consciência social de sentido coletivista. Assim como vimos anteriormente com o próprio Durkheim e seus demais discípulos, a idéia de que a Sociologia deve tomar para si campos de estudos que não lhes pertencem, ocorreu novamente. Com Durkheim, a Sociologia deveria ocupar o lugar da ética, que na verdade é incumbência da Filosofia. Com Duguit, não percebe que esta idealizando a Sociologia Jurídica, mas sim acredita que a sociologia ira ocupar o lugar da ciência do Direito, pois este viria a se sustentar nos 7 sentimentos sociais da solidariedade e justiça. Efeitos preponderantes da radicalidade com que a Escola Francesa Positivista de Sociologia Durkheimiana, trata suas questões. Caso Duguit percebe-se que estava fazendo sociologia jurídica, poderia chegar à conclusão que esta na verdade é instrumental da qual a ciência do direito se socorre. Como vimos Comte e Durkheim não se preocuparam em delimitar o campo de atuação da Sociologia e Sociologia Jurídica, razão pela qual leva a seus discípulos e seguidores de suas teorias a incorrer no mesmo erro, qual seja a de tratar com radicalidade as questões que se propõe a estudar. Fica claro que se deve operar a separação entre Filosofia e Sociologia Jurídica; como também entre a Sociologia Jurídica e dogmática (fundamentalismo de senso comum, que expressam verdades talvez não certas, mas que não estão sujeitas a criticas e revisão). OUTROS FUNDADORES DA SOCIOLOGIA JURÍDICA Kantorowicz e Ehrlich: afirmavam que o verdadeiro direito não é o que está esclerosado nos códigos, mas o direito livre que a vida social vai espontaneamente gerando e desenvolvendo, aproximando-se de uma construção de um sistema de sociologia jurídica. Ehrlich deixou a obra “Fundamental Principles of the Sociology of Law”. Também Max Weber em sua obra “Economia e Sociedade”, antepõem às idéias de Kantorowicz e Ehrlich, pois concentra sua atenção nos resultados dos grandes sistemas dogmáticos do direito positivo, apurando seus efeitos normativos sobre a conduta humana, o que vem de encontro com a metodologia fundada na realização de tipos ideais que o Sociólogo irá adaptar às peculiaridades dos fatos empíricos da vida social. Holmes, Cardoso e Pound, da “Sociological School of Jurisprudence”; apesar de suas posições doutrinárias beirarem o cinismo (corrente filosófica fundada por Sócratesque prega o desapego aos bens materiais e externos). Contudo destaca-se sua tentativa de desvendar as forças sociais ocultas, sob o aparato lógico-construtivo do sistema jurídico positivo. Recentemente podemos citar; Carlos Nadir Greco, René Hubert, N. Timascheff “Le Droit, l’Ethique, le Pouvoir”, Henri Lévy-Bruhl “Le mithe de l’égalité juridique”, Roscoe Pound “Las Grandes Tendencias del Pensamiento Jurídico”, Georges Gurvitch “Sociología del Derecho”, Luís Recaséns Siches “Lecciones”, Carlos Cossio “La Opinión Pública”. 8