Figura 01 Figura 02 Figura 04 Figura 03 Clara Beatriz Santos Pereira da Silva O CONSUMO CULTURAL DAS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS: CONSTITUINDO IDENTIDADES INFANTIS NA CONTEMPORANEIDADE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEd, do Centro de Educação, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação, Currículo e Práticas Pedagógicas. Orientadora: Profa. Dra. Mariangela Momo. Natal 2016 Clara Beatriz Santos Pereira da Silva O CONSUMO CULTURAL DAS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS: CONSTITUINDO IDENTIDADES INFANTIS NA CONTEMPORANEIDADE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEd, do Centro de Educação, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação, Currículo e Práticas Pedagógicas. Aprovada em _____ de ________________ de ______. ________________________________________________ Orientadora Prof.ª Dr.ª Mariangela Momo Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN ________________________________________________ Examinadora Externa Prof.ª Dr.ª Adelaide Alves Dias Universidade Federal da Paraíba– UFPB ________________________________________________ Examinadora Interna Prof.ª Dr.ª Karyne Dias Coutinho Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN ________________________________________________ Suplente Externa Prof.ª Dr.ª Ilane Ferreira Cavalcante Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN ________________________________________________ Suplente Interno Prof. Dr. Marlécio Maknamara da Silva Cunha Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Aos meus pais, pelos ensinamentos ao longo da vida. A Maria Luisa, pelos momentos que partilhamos juntas. AGRADECIMENTOS Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. (Mãos Dadas- Carlos Drummond de Andrade) As palavras de Drummond acompanharam-me em diversos momentos desta dissertação, nos momentos de escrita, de dúvidas, de aprendizagens e em ocasiões vivenciadas no campo de pesquisa. Essas recordações evidenciam que não estive solitária nesta caminhada, existiram pessoas que estiveram de mãos dadas comigo ao longo do percurso, a fim de disponibilizar o seu tempo para ajudar, escutar, compartilhar, apoiar e sensibilizar-se com as questões do estudo para que eu conseguisse “ir mais longe”. Ao finalizar esta etapa, agradeço a todos que se fizeram presentes e que de alguma forma andaram de mãos dadas comigo, possibilitando o desenvolvimento deste estudo, reiterando, ainda, alguns agradecimentos especiais listados a seguir. À Profa. Dra. Mariangela Momo, que me estendeu a mão, acolheu a proposta do meu projeto de mestrado e continuou de mãos dadas comigo até a concretização deste estudo. Querida Mari, a sua enorme alegria nos estimula a vencer. Obrigada pelo voto de confiança, pelas contribuições pontuais, pelas leituras atentas, pelo rigor necessário, pela atenção, enfim, pela sua sensibilidade como pessoa e profissional. Com imensa satisfação expresso o meu orgulho e a minha felicidade em compartilhar momentos incríveis ao seu lado, que me incentivaram a enfrentar os obstáculos e despertaram em mim o desejo de superação em busca da realização de um bom trabalho. À Profa. Dra. Karyne Dias Coutinho, que me deu a mão desde a graduação e de mãos dadas seguimos desenvolvendo um belo trabalho no grupo de estudo, do qual fazemos parte. Pessoa com quem aprendi muito, em especial quando ingressei no Programa de PósGraduação em Educação (PPGEd-UFRN). Agradeço pelas aulas, pelas leituras, pelo auxílio na escolha do referencial teórico-metodológico, conversas, cafezinhos e almoços, pelos momentos inesquecíveis compartilhados em eventos da área de Educação, pelo teor no rigor dos cumprimentos dos prazos e o incentivo ao compromisso, na dose certa. Obrigada pela parceria! Ao meu unido grupo de estudos, que de mãos dadas seguimos com o lema: “eu sou, porque nós somos”, pelos incentivos, laços de amizades e pela “co-orientação”. Agradeço aos mais antigos companheiros de pesquisa, Jéssica Jaciana, Wagner e Girlane pelo cuidado e atenção com o trabalho do outro. Agradeço também aos novos colegas, Rafaela, João, Maria José e Gislaine, por compartilhar momentos incríveis nos estudos em grupo. Um “muito obrigada” ao grupo, por permitirem a liberdade para a realização de críticas e elogios no trabalho de todos. Destaco um agradecimento especial para Jéssica Jaciana, que nos últimos anos se mostrou mais que uma colega de mestrado, uma verdadeira amiga. Obrigada por compartilhar comigo grandes momentos de alegrias, angústia, superação e medo, e por crescermos juntas nesta caminhada. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd-UFRN), aos seus funcionários e professores, o meu pleno agradecimento pela atenção que me foram dispensadas. Ao Centro Municipal de Educação Infantil que realizei a pesquisa, aos professores e funcionários dessa instituição, obrigada por acreditarem no meu trabalho como pesquisadora. Um “muito obrigada especial” para as crianças que me concederam a permissão, possibilitando a realização da pesquisa. À minha família sanguínea e à minha família de amigos pela compreensão nos momentos de ausência e pelo incentivo ao sucesso. Agradeço principalmente aos meus pais, Marcos Antonio Pereira da Silva e Marly Santos da Silva, e aos meus pais do coração Rozinaldo Miguel de Lima e Luiza Santos de Lima, os quais me mostraram que com o estudo eu posso chegar longe. Ao meu companheiro, grande amor, Luis Ricardo, pela paciência e apoio incondicional, sempre disposto a ajudar no que fosse preciso. Obrigada por entender meus momentos de isolamentos e por me incentivar nos momentos mais difíceis. A Deus, pela vida e pela luz espiritual que me faz acreditar na realização dos meus sonhos. O apanhador de desperdícios Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fadigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo Entendo bem os sotaques das águas. Dou respeito as coisas desimportantes e aos seres desimportantes. [...] Amo os restos como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou a informática: eu sou da invencionática. Só uso palavras para compor meus silêncios. (BARROS, 2003, p. IX). RESUMO Esta dissertação teve como objeto de estudo a constituição de uma determinada identidade infantil – identidade infantil erotizada – a partir do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos e suas manifestações em uma escola de educação infantil do Natal-RN. Fundamentando-se nos Estudos Culturais em Educação, em uma vertente pós-estruturalista, o presente estudo objetivou evidenciar e problematizar como o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos contribui na constituição de uma identidade infantil erotizada. Entende-se que a infância é uma construção cultural, social e histórica, sujeita a mudanças relacionadas aos contextos nos quais as crianças estão envolvidas. Dito isso, destaca-se que na contemporaneidade estabelecem-se condições culturais peculiares que produzem novas formas de ser criança e de viver a infância. A partir desse pressuposto, considerou-se que os discursos das músicas pop com conteúdos eróticos, e determinadas práticas a elas relacionadas, têm efeitos nos modos de ser criança na contemporaneidade e operam sobre a constituição de uma identidade infantil erotizada. Assim, buscou-se a inspiração na análise do discurso foucaultiana aportes para compreender os discursos que atravessam as músicas e as falas das crianças. Também como estratégias metodológicas, realizou-se um olhar de inspiração etnográfica sobre as crianças pesquisadas em uma escola pública de Educação Infantil do município de Natal no Rio Grande do Norte/Brasil, por meio de registros em um diário de campo sobre as práticas do cotidiano escolar das crianças que tinham relação com as questões da pesquisa. A análise incidiu sobre os fragmentos das letras extraídas das músicas pop com conteúdos eróticos; os discursos das crianças e práticas observadas e registrados no contexto escolar que tinham relação com as músicas pop com conteúdos eróticos e alguns materiais do âmbito cultural que fazem referência às músicas pop com conteúdos eróticos em circulação na atualidade. Diante das análises realizadas foi possível evidenciar, entre outros achados, que as crianças da contemporaneidade, em meio aos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos, investem em práticas corporais que contribuem na construção de um corpo sensual e erotizado. Evidencia-se, ainda, que as músicas em questão operam na produção de modos “adultizados” de ser criança, marcados pelo borramento de fronteiras de gerações. Tais aspectos contribuem em potencial para a formação de identidades infantis erotizadas. Palavras-chave: Educação Infantil. Estudos Culturais. Identidades Infantis. Músicas Pop. Erotização Infantil. ABSTRACT This work focused on the constitution of child identity, in particular, the eroticization of child identity based on the cultural consumption of pop songs with erotic content and its materialization in a specific kindergarten school from the city of Natal, Brazil. The present study aimed to highlight and discuss how cultural consumption of pop songs with erotic content contributes to the formation of eroticized children's identities, supported by Cultural Studies in Education in a post-structuralism aspect. It is known that childhood has a cultural, social and historical background, subject to changes related to the situations in which children are involved. Accordingly, it is emphasized that the contemporaneity set up unique conditions that produce new ways of being a child and living childhood again. From this statement, it was considered that the pop songs lyrics with erotic content and certain practices related to them, have effects on the ways of being a child in contemporaneity and operate on the constitution of an eroticized child identity. Thus, it sought inspiration in Foucault's discourse analysis contributions to understand the lyrics content and the children’s speeches. As well as methodological strategies, there was an ethnographic inspiration look at the children surveyed in a kindergarten school from the city of Natal, through entries posted in a journal about the children daily activities that were related to the research questions. The analysis focused on the fragments of the pop songs lyrics with erotic content; the children speeches and actions were observed and recorded in the school context that were related to the pop songs with erotic content and some of the cultural framework materials that refer to pop songs with erotic content in circulation nowadays. Therefore, it was possible to show, among other findings, that children of contemporaneity along with the effects of pop songs with erotic content invest in bodily movements that contribute to the construction of a sensual and eroticized body. Also, it is evident that the songs in question demonstrate a morally wrong adult behavior of being a child, marked by conflicts of generations. These aspects contribute in potential for the formation of eroticized children's identities. Keywords: Early childhood education. Cultural studies. Children's identities. Pop songs. Children's eroticism. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 Menino dançando Lepo Lepo .................................................................... 29 Figura 02 Mc Melody ................................................................................................ 29 Figura 03 Bebê dançando funk ................................................................................... 29 Figura 04 Anitta, a Mulher Maravilha ....................................................................... 56 Figura 05 Aluna dançando funk ................................................................................. 56 Figura 06 Livro Delícias e Gostosuras ....................................................................... 63 Figura 07 Teia da rede discursiva das músicas pop com conteúdos eróticos ............ 68 Figura 08 Funk na escola ........................................................................................... 71 Figura 09 Material escolar do Luan Santana ............................................................. 72 Figura 10 Escrevendo o nome da “Anita” com Alfabeto móvel ............................... 74 Figura 11 Jornal da Banda Grafith ............................................................................. 76 Figura 12 Crianças brincando no parque ................................................................... 80 Figura 13 Crianças dançando na escola ..................................................................... 80 Figura 14 Fazendo “biquinho” ................................................................................... 89 Vídeo 01 Sequência do menino dançando Lepo Lepo .............................................. 90 Figura 15 MC Brinquedo, Mc Melody, MC Pikachu ................................................ 95 Figura 16 Muriçoca - Mídia ....................................................................................... 100 Figura 17 Rei da Cacimbinha e a Muriçoca ............................................................... 100 Vídeo 02 Sequência 1 “Sou a Barbie Girl” ............................................................... 101 Vídeo 02 Sequência 2 “Sou a Barbie Girl” ............................................................... 102 QRCODE1- CAPA Figura 01 Acesso em: 27 jan. 2016 Figura 03 Acesso em: 27 jan. 2016 1 Figura 02 Acesso em: 27 jan. 2016 Figura 04 Acesso em: 27 jan. 2016 O QRcode é um gráfico em 2D de uma caixa preta e branca que contém informações pré-estabelecidas retiradas de páginas na internet. Este conteúdo pode ser lido por meio de aparelhos específicos para este tipo de código ou de aplicativos instalados em celulares. Neste caso, a câmera do aparelho é usada para fazer a leitura do código. Após a câmera efetuar a leitura, o dispositivo do aplicativo direcionará imediatamente para o endereço eletrônico que correspondente ao código escaneado. Esclareço que fiz a escolha por usar o QRcode na construção desta dissertação por considerar que ele permite ao leitor, desde que disponha do aplicativo, ter acesso de modo instantâneo aos artefatos culturais referidos que constituem parte da própria dissertação. LISTA DE QRCODE QRcode 01 MCs Mirins ........................................................................................... QRcode 02 Videoclipe de crianças dançando a música Teimosa ............................ QRcode 03 Videoclipe do menino dançando Lepo Lepo ........................................ QRcode 04 Fotografia da Mc Melody ..................................................................... QRcode 05 Videoclipe do bebê dançando funk ....................................................... QRcode 06 Poesia “Cantares” de Antonio Machado ............................................... QRcode 07 Fotografia Anitta de Mulher Maravilha ................................................ QRcode 08 Canção dos anõezinhos da Branca de Neve .......................................... QRcode 09 Site sobre os contos dos Irmãos Grimm ................................................ QRcode 10 Música Parara Tibum ............................................................................ QRcode 11 Site com informações sobre a Mc Tati Zaqui ....................................... QRcode 12 Música Lobo mau .................................................................................. QRcode 13 Música Homem Aranha ........................................................................ QRcode 14 Música Joga a teia puxa e panha ........................................................... QRcode 15 Música Kiko .......................................................................................... QRcode 16 Música Liga da Justiça .......................................................................... QRcode 17 Teia da rede discursiva das músicas pop com conteúdos eróticos ........ QRcode 18 Fotografia do material escolar do Luan Santana ................................... QRcode 19 Videoclipe do Luan Santana cantando a música Lepo Lepo ................ QRcode 20 Jornal - 1ª Edição do Jornal da E. E. Luis Antonio (Banda Grafith).... QRcode 21 Música Lepo Lepo ................................................................................ QRcode 22 Videoclipe do menino dançando Lepo Lepo ........................................ QRcode 23 Fotografia MC Brinquedo - MC Melody - MC Pikachu ...................... QRcode 24 Fotografia da Muriçoca e o Rei da Cacimbinha ................................... QRcode 25 Site com informações sobre a Chair-dance .......................................... 20 26 29 29 29 45 56 60 60 61 61 64 65 65 65 66 68 72 73 76 90 90 95 100 102 CÓDIGOS UTILIZADOS NAS TRANSCRIÇÕES [...] - Material suprimido. # ( ) - Informações retiradas do diário de campo, conversas dos grupos focais e anotações da pesquisadora. - Informações sobre o contexto das falas. SUMÁRIO SINTA A BATIDA DO PANCADÃO E OUÇA O QUE TENHO PARA LHE CONTAR... ...................................................................................................................... TOP I 14 1 ARMANDO UMA PERSPECTIVA PARA VER ..................................................... 24 1.1 Usando as lentes teóricas dos Estudos Culturais em Educação e operando com os conceitos dos Estudos foucaultianos ........................................................................... 1.2 Troca de ideias: dialogando com as produções acadêmicas acerca do objeto de estudo e percebendo outros olhares ............................................................................ 1.3 Caminhos investigativos ............................................................................................. 24 24 32 37 TOP II 46 2 AS ESTRATÉGIAS DE PODER-SABER DAS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS ........................................................................................... 2.1 Pedagogias culturais, mídia e a reinvenção da infância: articulações necessárias ..... 46 2.2 Um convite ao espetáculo: a mídia promovendo o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos ........................................................................................ 2.3 Trama discursiva: os contos de fadas infantis nas músicas pop com conteúdos eróticos .................................................................................................................... TOP III 46 52 58 70 3 ESCOLA REMIXADA ................................................................................................ 70 3.1 A escola como palco das manifestações do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos ............................................................................................................. 3.2 Estar lá na escola e a experiência de perceber as crianças pesquisadas ..................... 70 TOP IV 82 4 AS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS CONSTITUINDO UMA IDENTIDADE INFANTIL EROTIZADA NA CONTEMPORANEIDADE ............ 4.1 Desce, sobe, empina e rebola: o corpo educado para sensualizar .............................. 82 4.2 “Curtindo um som” e borrando fronteiras de gerações ............................................... 77 82 93 PUXANDO OS FIOS DA REDE DISCURSIVA DO CONSUMO CULTURAL DAS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS ........................................... 105 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 110 APÊNDICES ................................................................................................................... 117 ANEXOS .......................................................................................................................... 120 14 SINTA A BATIDA DO PANCADÃO E OUÇA O QUE TENHO PARA LHE CONTAR... Em primeiro lugar, antes mesmo de começar a discutir e a problematizar as minhas inquietações em relação ao tema da dissertação, gostaria de justificar a composição da capa associada à escolha da epígrafe. Utilizo na composição da capa desta dissertação imagens de domínio público com personagens do universo infantil se comportando de maneira sensual e erotizada para chamar atenção do leitor, demarcando minha intenção de estudo: problematizar e investigar a constituição das identidades infantis operadas a partir dos discursos das músicas pop com conteúdos eróticos. Esta dissertação, ao fazer uso do poema de Manoel de Barros “O apanhador de desperdícios” como epígrafe, busca problematizar as imagens utilizadas na capa e muitas outras em circulação na mídia que colocam em evidência crianças, ainda muito pequenas, cantando e dançando determinadas músicas com conteúdos e movimentos eróticos. Talvez muitos pensem que essa capa só sirva para ser jogada no “lixo”, já que faz uso de imagens de ícones infantis para se remeter a algo vulgar, banal e erótico e, por isso, merece ser ignorada e desperdiçada. Sendo assim, muitos apontariam que o seu destino seria o lixo, mas eu escolho não jogá-la no lixo, escolho não desperdiçá-la, escolho agir como uma apanhadora de desperdícios. Diante do que expressam os versos de Manoel de Barros: “Dou mais respeito/ às que vivem de barriga no chão/ tipo água pedra sapo”, de igual modo ao autor, ao longo deste estudo, Dei mais respeito às questões que se referem ao processo de erotização precoce, considero importante que esse tema seja pensado, problematizado e investigado. Em segundo lugar, outra consideração necessária sobre esta pesquisa diz respeito à escolha do termo pop, já referido no título da dissertação, para se referir às músicas em questão, pois o termo pop o qual menciono ao longo desta dissertação refere-se ao sentido de popular, ou seja, músicas populares, frequentemente aparentes na mídia, que se tornam populares por apresentarem ou empregarem “elementos do gosto popular típico da cultura urbana ocidental da segunda metade do século XX” (FERREIRA, 2009, p. 1600). Esclareço também que o termo pop ao qual me refiro neste estudo não está relacionado à ideia de Música Popular Brasileira (MPB), nem ao gênero musical de origem inglesa ou americana. Em vez disso, uso o termo pop para mencionar as músicas populares com conteúdos eróticos que estão em evidência na cultura do povo contemporâneo no Brasil. Destaco, ainda, que não se trata de músicas que evidenciem a sensualidade ao dançá-las, como muitas danças africanas, mas músicas que na composição das suas letras têm conteúdos explícitos 15 relacionados à erotização e que os modos de dançá-las divulgados na mídia fazem referência à banalização das práticas sexuais. Destaco a visibilidade que as músicas pop recebem neste estudo, pois não se trata de música clássica, mas músicas populares com conteúdos eróticos, capazes de atingir um grande público, são as músicas mais ouvidas e aquelas que mais apareceram na mídia em termos de Brasil, durante os anos de 2014 e 2015. Geralmente as músicas mais populares têm um potencial de nos contagiar com ritmos atraentes que nos estimulam a dançar, a se mexer e se desestabilizar, às vezes sem percebermos. Acredito que a leitura de uma dissertação também pode possibilitar meios para que o leitor se sinta contagiado. De igual modo às músicas populares, pretendo contagiá-los através das teorizações, dos conceitos discutidos neste estudo e das interpretações realizadas que também são carregados de energias. Na escrita dessa dissertação, de certo modo, assumo o “ethos” das músicas pop com conteúdos eróticos e utilizo palavras que remetem ao universo musical como estratégia metodológica para compor a tessitura do texto. Não tenho a intenção de recriminar ou condenar a prática das crianças dançarem e cantarem músicas pop com conteúdos eróticos, mas propor uma reflexão sobre essa prática e convidá-los a sensibilizar-se com a potencialidade com que esse fenômeno vem se manifestando na contemporaneidade. Feitos esses esclarecimentos, recorro à afirmação de Bujes (2007, p. 16) para elucidar quanto ao início de um processo de pesquisa. A pesquisa nasce sempre de uma preocupação com alguma questão, ela provém, quase sempre, de uma insatisfação com respostas que já temos, com explicações das quais passamos a duvidar, com desconfortos mais ou menos profundos em relação a crenças que, em algum momento, julgamos inabaláveis. Ela se constitui na inquietação. É a partir das palavras de Bujes (2007) que expresso a minha inquietação como professora e pesquisadora da área da Educação e da infância, com o fato de que, na contemporaneidade, muitas crianças se vestem e se comportam como adultos, baseadas no consumo cultural de músicas pop com conteúdos eróticos. Músicas marcadas por batidas musicais contagiantes, danças com movimentos eróticos, compostos por coreografias com sensualidade exacerbada e acompanhados por uma linguagem musical erotizada. Guiada pelas vivências acadêmicas e pessoais passei a refletir sobre o modo como as crianças, imersas em contexto midiático avassalador, são capturadas para o consumo das 16 músicas pop com conteúdos eróticos. Ingressei no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e logo no início do curso me vi evolvida com as teorizações sobre o papel da Educação frente à formação do sujeito. Sob essa ótica, passei a pensar a educação e o sujeito infantil contemplando diferentes olhares e refletindo sobre questões como: O que é ser criança na contemporaneidade? Que tipo de infâncias são vividas na atualidade? São perguntas que me fizeram pensar sobre os modos de representação da infância e como as crianças vivem os seus momentos de lazer. Passei a me perguntar, por exemplo, sobre quais são as formas mais comuns de entretenimento das crianças na contemporaneidade. As teorizações sobre os conceitos de criança e de infância, estudados no curso de Pedagogia (UFRN), eram aproveitados por mim, principalmente para pensar o fenômeno da erotização infantil que estava tão presente na minha vida, através de comentários do tipo “- O que você pensa sobre a erotização infantil?” ou com um desabafo da minha prima que, angustiada diante da situação, exclamava: “- Fui chamada pela escola porque meu filho estava cantando músicas pop com conteúdos eróticos na sala de aula”. De fato, já havia notado que as músicas pop com conteúdos eróticos atingiam uma grande visibilidade na mídia, mas nunca tinha parado para pensar o quão forte elas são, capazes de fazer com que muitas crianças tenham a necessidade de dançá-las e cantá-las, dentro da escola. Trechos musicais como: Enfica, enfica, enfica/ O homem deitado, a mulher por cima/ Enfica, enfica, enfica2, foram cantados pelo filho da minha prima de apenas 5 anos, em um momento livre da rotina escolar. Essas vivências e outras experiências que tive nos estágios curriculares motivaram o interesse pelo tema de estudo. Os estágios obrigatórios do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que realizei em escolas da rede pública de Natal-RN, no âmbito da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, foram extremamente importantes, pois a partir das vivências nos estágios pude observar que há um forte atravessamento dos temas midiáticos, em especial as músicas, nos ambientes escolares. 2 O trecho musical refere-se à música “Enfica”, que fez muito sucesso no Rio Grande do Norte, ao som da Banda Grafith, no ano de 2012. Grafith é uma banda de música popular da cidade do Natal-RN, formada por quatro integrantes, que inclusive são irmãos, Kaká, Carlinhos, Joãozinho e Junior Grafth. Quero destacar que palavras as quais remetem a um universo erotizado e/ou sexualizado são frequentes nas músicas pop com conteúdos eróticos e que para compor essa dissertação não seria possível desconsiderá-las. Assim, este texto acaba por estar repleto de palavras desse gênero, embora seja um texto dissertativo do âmbito científico. 17 Durante os estágios, observei uma cena que me chamou atenção. Um grupo de meninas ensaiando (dançando e cantando) a música Quadradinho de oito3 na sala de aula durante o momento da aula. Esse ensaio consistia em treinar coreografias sensuais, que se assemelham às posições do Kama Sutra4, como propunha a música supracitada. A partir do entendimento de que vivemos em tempos de consumo, podemos dizer que as músicas e as coreografias que promovem a erotização infantil tem a intenção de fazer girar as engrenagens do complexo sistema capitalista e podem ser entendidas como práticas culturais que têm significações e que também educam. Embora seja uma educação distinta da educação escolarizada. Ainda na graduação me senti incomodada, pois pensava em como um trabalho que se propunha a estudar as “músicas massivamente ouvidas” poderia ser aceito na área da Educação. Mesmo com todas essas inquietações, não desisti deste possível objeto de estudo. Comecei a participar das discussões do Grupo de Estudos Culturais em Educação da UFRN, coordenado por professoras5da referida instituição e compostos por discentes da graduação, pós-graduação, especialização e outras pessoas que tinham interesse pela perspectiva de estudo. O grupo se propôs a estudar alguns aspectos dos Estudos Culturais em Educação em uma vertente pós-estruturalista mesclados com alguns pressupostos dos estudos foucaultianos numa perspectiva que contemple a: [...] investigação e produção de saberes acerca dos modos como os processos socioculturais estão implicados na construção de nossas concepções sobre o mundo, na fabricação de sujeitos, identidades, e formas de ser, viver e pensar a contemporaneidade. (KIRCHOF; WORTMAN; COSTA, 2015, p. 8). Ali, passei a pensar sobre o conceito de pedagogia cultural, que nos remete à ideia de que a pedagogia ocorre em todo lugar em que o conhecimento é produzido e os saberes decorrentes desse processo ultrapassam os muros escolares (GIROUX, 1995). Outros lugares, âmbitos e artefatos culturais também são pedagógicos, pois contribuem para a constituição das pessoas e disputam espaços no que se refere à formação de sentidos para os sujeitos. Muitos ensinamentos não partem de um currículo escolar, mas de um currículo cultural, que na maioria das vezes se mostram mais atraentes e sedutores. Nesse sentido, evidencio a noção de que as músicas pop com conteúdos eróticos têm um currículo cultural, e 3 Quadradinho de 8 trata-se de música de funk, cantada pelo grupo Bonde das Maravilhas, formado por meninas adolescentes. Tal funk fez muito sucesso no ano de 2013. 4 Texto sobre o comportamento sexual humano, no qual apresenta ilustrações de várias posições sexuais. 5 Prof.ª Dr.ª Karyne Dias Coutinho e Prof.ª Dr.ª Mariangela Momo. 18 por isso essas músicas podem ser problematizadas como textos que produzem sentidos, saberes, valores e significados e, assim, disputam os processos de constituição das identidades dos sujeitos. Essa trajetória durante o curso de graduação em Pedagogia me possibilitou a realização de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre essa temática com ênfase nas músicas pop. Então, foi a partir das questões incubadas e fecundadas no TCC, as quais buscavam dar sustância e aprofundamento às discussões que me inquietavam, que desenvolvi o projeto de pesquisa para o mestrado. Diante das percepções geradas no TCC, passei a me questionar sobre quais são os possíveis efeitos do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos na formação das identidades infantis? De que modo as crianças consomem esse estilo musical? Como aderem às representações veiculadas pelos discursos dessas letras nos seus modos de ser criança? À luz de tais questões, ressalto a necessidade de se pensar de forma articulada sobre a infância contemporânea, as questões da erotização infantil e a constituição das identidades infantis. Há inúmeros modos de ver, representar e significar as crianças e as infâncias. Nesse estudo, procuro discutir o caráter inventado da infância, sob a ótica do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. Concebo o meu objeto de estudo algo não linear, fechado, pronto e acabado, mas como um objeto imerso dentro de uma trama discursiva que a todo tempo nos enreda, nos dita e nos escapa. Assim, foi em busca de pontos de conexão que compõem uma determinada trama na constituição de determinadas identidades infantis que desenvolvi este estudo de modo a colocar em circulação outros significados sobre a infância. Nesse viés, percebi ser interessante fazer um estudo que tivesse como objeto a constituição de uma determinada identidade infantil – identidade infantil erotizada – a partir do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos e suas manifestações em uma escola de educação infantil do Natal-RN, já que a popularidade desse gênero musical veiculado pela mídia e seus possíveis efeitos na constituição das identidades infantis das crianças – desse contexto – revelam características próprias de determinada geração, que tem sua identidade cultural produzida, em certa medida, por essas músicas. Penso que para esclarecer algumas motivações que me levaram a escrever esta dissertação com esta temática, é importante relembrar algumas cenas da minha infância para justificar as possíveis aproximações com o objeto de estudo. Essas lembranças também são retomadas para evidenciar que a cultura da mídia na vida das crianças é um fenômeno que vem se processando pelo menos nas últimas duas ou três décadas, mas que se intensifica sem 19 precedentes na atualidade. Revivo as marcas do tempo e vejo sinais de uma infância caracterizada eventualmente por brincadeiras como imitar os artistas da mídia, em especial as dançarinas do grupo musical É o Tchan6. Relembro que, na infância, havia momentos em que eu dançava as coreografias do É o Tchan, com trechos musicais do tipo: Bota a mão no joelho/ Dá uma abaixadinha/ Vai mexendo gostoso/ balançando a bundinha7. Também me lembro de ter usado conjuntinhos de roupas, compostos por tops e shorts curtos bem colados, feitos com tecidos de malha, bem parecidos com as roupas das dançarinas do referido grupo. Esses artefatos culturais produziram provavelmente determinados efeitos em mim e também compuseram a minha constituição enquanto sujeito. Valho-me dessa pequena descrição para situar o leitor sobre a relevância de colocar essa temática em discussão. O fato das crianças consumirem músicas com conteúdos eróticos não é fenômeno oriundo da atualidade, como ficou evidente na exposição das cenas da minha infância. Esse consumo existe há, pelo menos, 20 anos. O que pretendo enfatizar neste estudo é que, na atualidade, esse consumo tomou outras proporções, potencializando-se de tal maneira que essas músicas têm promovido uma erotização cada vez mais precoce nas crianças. Esclareço que ambas são manifestações culturais contemporâneas, uma marcada, por exemplo, por danças do É o Tchan na década de 1990 e outra marcada pelos funks que apresentam conteúdos eróticos na composição da letra musical nos anos 2000. Busco diferenciar tais manifestações culturais a partir dos processos de rupturas e continuidades. A ruptura pode ser demarcada ao evidenciarmos a potencialidade desse fenômeno na atualidade e a continuidade refere-se ao fato de que há 20 anos já existiam condições de possibilidades para o desenvolvimento desse fenômeno. Os cantores e bandas das músicas pop se proliferaram, principalmente os que cantavam músicas de duplo sentido com teor erótico. Hoje, as músicas pop com conteúdos eróticos ganharam maiores proporções e se tornaram cada vez mais centrais na mídia nacional. Nas letras atuais das referidas músicas é possível observar o uso frequente de gírias e palavrões as músicas têm como principal tema as práticas sexuais, falam destas como algo instantâneo; tal prática, na maioria das vezes, denominada pelos verbos sentar e quicar; mulheres e homens vistos como produtos sexuais descartáveis; o homem é narrado como gostosão, pegador, puteiro, tendo os seus órgãos genitais denominados de piru, pica, pau, 6 O grupo de pagode É o Tchan foi muito popular na metade da década de 1990. Seus principais sucessos foram marcados por canções de teor erótico e com duplo sentido. 7 Trechos da música “Dança do bumbum” da banda É o Tchan. 20 brinquedo etc.; e as mulheres como novinhas, mina, cachorras, safadas, fuleiras, tendo seus órgãos genitais denominados de piriquita, boneca, perereca, etc. Pode parecer um tanto agressivo ou vulgar escrever essas palavras nesta dissertação, no entanto, não haveria a possibilidade de me eximir de escrever e problematizar sobre o que as crianças contemporâneas, mesmo as muito pequenas, cantam, dizem e repetem. Ainda que, em grande medida as crianças até possam não significar o conteúdo de tais palavras das letras das músicas do mesmo modo que nós adultos significamos. O fato é que essas palavras estão nas letras das músicas pop com conteúdos eróticos, estão na cultura, e as crianças facilmente têm acesso a elas. Na atualidade, as crianças se tornaram protagonistas, não apenas consomem as músicas pop com conteúdos eróticos como algo que está ali, presente na cultura, mas agenciam a indústria mercadológica dessas músicas8. A prática de cantar e dançar músicas com conteúdos eróticos está tão presente na nossa cultura que os(as) meninos(as) se tornaram, além de consumidores, agentes provedores dessas músicas. As crianças também são parte do espetáculo de marketing de divulgação, pois são elas, muitas vezes, as estrelas das canções erotizadas e das coreografias sensuais. Agora tais músicas passam a ser produzidas e divulgadas de criança para criança. Disso tudo, surgiu a questão de partida deste estudo: como o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos constitui uma identidade infantil erotizada? Partindo desse questionamento, este estudo não propõe demonstrar uma identidade infantil estereotipada, pura, inocente e ingênua, propõe mostrar que as identidades das crianças pesquisadas podem ser construídas na cultura e no interior das práticas discursivas (HALL, 1997). Assim, entende-se que estão em circulação no mundo contemporâneo múltiplas identidades infantis e, em minha pesquisa de mestrado, optei por me dedicar a estudar uma das identidades que me inquietava e ainda me inquieta: a identidade infantil erotizada. Ao mesmo tempo considero que este estudo acaba por não tratar somente de evidenciar e problematizar as identidades infantis erotizadas, mas discute os diferentes modos de ser criança na contemporaneidade. 8 Os Mcs mirins (Mc Melody, Mc Brinquedo, Mc Pedrinho e Mc Pikachu) são exemplos de crianças que cantam funk, com letras que apresentam conteúdos eróticos. Em outras palavras, crianças que agenciam esse tipo de músicas. Para maiores esclarecimentos ver QRcode 01- MCs Mirins. Acesso em: 03 set. 2015. 21 Reitero que questões sobre a infância e a identidade infantil são comumente debatidas nos trabalhos acadêmicos no campo da Educação. Então, por que todo esse acúmulo teórico não esgota a minha inquietação? Ressalto que ainda há uma hegemonia nos estudos os quais reafirmam a infância como um período marcado pela brincadeira e ludicidade, em paralelo, observa-se um caráter de “erotização” da criança na contemporaneidade, e esse enfoque ainda é incipiente em pesquisas no Brasil. Penso que os discursos diversos que circulam em nossa sociedade representam, majoritariamente, uma infância romântica, associada à ideia de crianças inocentes. Dessa forma, constitui-se em nossa sociedade uma forma natural de entender o que é ser criança. Assim, a partir desse entendimento, justifica-se o estranhamento da maneira erotizada como as crianças se comportam ao serem evocadas por músicas pop com conteúdos eróticos, pois essa maneira de ser criança se distancia da representação naturalizada posta em circulação na nossa sociedade. Sendo assim, as crianças não são apenas submetidas às imagens construídas pela sociedade, elas também constroem formas específicas (dentro da diversidade de ser criança) de serem sujeitos. Crianças são portadoras de desejos e de histórias, capazes de descobrir, entender e produzir o mundo, atribuindo sentido às suas relações com os outros e aos seus próprios modos de ser. Essas relações com o outro vão dizer a essa criança quem são os outros, quem é o mundo, produzindo, assim, culturas e identidades próprias. Entendo as músicas pop com conteúdos eróticos como um gênero musical e enquanto prática social e cultural (práticas que dão sentido ao consumo dessas músicas, como os momentos de ouvir, dançar, brincar e se divertir). Tais músicas são compreendidas como manifestações da nossa cultura. Um entendimento advindo da perspectiva dos Estudos Culturais que se afasta da noção de uma cultura unitária, homogênea e universal (como o ato de contemplar música clássica, artes plásticas, filosofia, literatura clássica, etc.) e problematiza a distinção entre alta e baixa cultura. Em vez disso, os Estudos Culturais entendem que a cultura abarca um modo de vida global de uma sociedade, integrado por ideias, atitudes, linguagens, práticas, instituições e estruturas de poder, toda gama de práticas culturais inclusive as produzidas em massa (NELSON; TREICHLER; GROSSBERG, 1995). Assim, o objetivo central desta pesquisa foi evidenciar e problematizar como o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos contribui na constituição de uma identidade infantil erotizada. Permito-me escrever o adjetivo erotizada no objetivo central desta dissertação, pois entendo que as identidades se aproximam da ideia de celebração móvel, apontada por Hall (2014b). De acordo com o autor, as identidades são constituídas na 22 cultura e possuem caráter transitório, sendo constantemente articuladas nos diversos espaços, tempos, lugares, grupos sociais e nas representações presentes na cultura. Partindo dessa ideia, cujo sujeito articula múltiplas identidades provisórias, a identidade erotizada é apenas uma identidade, entre tantas outras, que compõe a trama da identidade infantil contemporânea. Como uma Dj (no meu caso como uma pesquisadora) que vai compor uma música remixada (nesse caso o texto acadêmico), utilizando-se de letras variadas de canções, coreografias e melodias que se articulam e se sobrepõem para formar um todo harmonioso, eu também tentei fazer de minha pesquisa, por meio da bricolagem9, uma espécie de composição harmoniosa. Uma harmonia que não teve e não tem a intenção de promover uma hegemonia de pensamento, mas possibilitar que o leitor pense sobre uma das identidades infantis que estão presentes na vida das crianças no mundo de hoje, como já referi anteriormente, uma identidade infantil erotizada. Dessa maneira, utilizei o método qualitativo, lançando um olhar etnográfico sobre as crianças pesquisadas e desenvolvendo uma análise das letras das músicas e da fala das crianças inspirada na análise do discurso foucaultiano. Dito de outro modo, procurei articular modos investigativos com o objetivo de construir conhecimentos a partir de múltiplas vozes, com base nos discursos que atravessam as letras das canções e através das vozes das crianças pesquisadas. Assim, busquei compreender melhor o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos pelas crianças, seus hábitos, costumes, como ouvem essas músicas, o que pensam sobre elas, entre outros olhares, que me motivou a percorrer diferentes caminhos investigativos. Em consonância com as problemáticas apontadas acima, organizei o texto desta dissertação da seguinte forma: no Top I10, intitulado Armando uma perspectiva para ver, abordo, inspirada em Sarlo (2013), as problematizações teórico-metodológicas deste estudo a partir de saídas que favoreçam o ver, em vez de respostas que tentam encontrar guias para a ação; sugiro saídas alternativas para alcançar uma perspectiva para ver o objeto de estudo. Assim, explicito o campo teórico dos Estudos Culturais em Educação; discuto os principais conceitos ao qual lanço mão, entre eles, alguns dos estudos foucaultianos que me foram úteis; mostro alguns caminhos percorridos (incluindo, por exemplo, a escolha de quais autores 9 Com base em Neira e Lippi (2012) sugiro pensar a bricolagem como um modo de investigação que utiliza diferentes estratégias metodológicas para melhor entender o objeto de estudo. 10 Uso o termo Top, fazendo referência à lista de músicas mais tocadas nas rádios do Brasil, na qual “top” designa a seleção das músicas mais pedidas nas rádios. Assim, sugiro pensar as partes dessa dissertação como os pontos Top de discussão da pesquisa. 23 trabalhar); apresento a revisão bibliográfica das produções acadêmicas; discorro sobre a metodologia utilizada explicitando, até mesmo, os (des)caminhos que fui motivada a seguir. No Top II, intitulado As estratégias de poder-saber das músicas pop com conteúdos eróticos, procuro a princípio evidenciar as pedagogias culturais para pensar a infância contemporânea e as suas articulações com a mídia. No segundo momento, já em um movimento inicial de análise, reflito sobre o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. Em um terceiro momento, proponho uma problematização em relação aos modos de endereçamento das músicas pop com conteúdos eróticos, além de delinear a trama discursiva que compõe a erotização infantil no universo dessas músicas. Faço isso com a finalidade de entender como e porque essa categoria musical utiliza elementos próprios da infância acabando por atingir, de algum modo, as crianças. No Top III, intitulado Escola remixada, procuro mostrar como a cultura da mídia (referindo-me especificamente às músicas) atua subjetivando os sujeitos e compondo muitas das paisagens escolares do mundo contemporâneo. Reflito sobre a escola como palco das manifestações culturais de tais músicas e caracterizo a escola e os sujeitos pesquisados. No Top IV, intitulado As músicas pop com conteúdos eróticos constituindo uma identidade infantil erotizada na contemporaneidade, articulo focos de discussão que ajudam a justificar a constituição de uma identidade infantil erotizada. Para isso, realizo a análise de alguns discursos que atravessam as letras das músicas; as falas das crianças pesquisadas; cenas observadas na escola e materiais coletados no âmbito da cultura que fazem referência às músicas pop com conteúdos eróticos. Por fim, na última parte desta dissertação intitulada Puxando os fios da rede discursiva do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos, teço os comentários finais acerca desta pesquisa. Ressalto que com a intenção de prezar pelo rigor devo esclarecer que este estudo é apenas um olhar – processual, flexível e provisório – entre a diversidade de posições e interpretações possíveis sobre as identidades das crianças contemporâneas. Conforme o título deste primeiro capítulo sugere, ao som da batida do pancadão, convido a todos(as) a inquietar-se, desestabilizar-se, devanear-se e ir “mais, além” ao longo da leitura desta dissertação. 24 TOP I 1 ARMANDO UMA PERSPECTIVA PARA VER11 1.1 Usando as lentes teóricas dos Estudos Culturais em Educação e operando com os conceitos dos Estudos foucaultianos Para lançar um olhar crítico sobre o consumo cultural de músicas pop com conteúdos eróticos na constituição das identidades infantis, assumi um modo de fazer pesquisa fundamentado na vertente pós-estruturalista dos Estudos Culturais em Educação. Tal escolha justifica-se principalmente por me possibilitar uma reflexão acerca do caráter transitório da cultura, bem como compreender determinados aspectos das relações de poder, partindo da perspectiva foucaultiana12. O referido campo teórico-metodológico evita definições fechadas e acabadas, porém apresenta alguns critérios que precisam ser esclarecidos, e penso que serão ao longo deste capítulo, e justificam a pesquisa nesse campo. Minha proximidade com o campo dos Estudos Culturais em Educação em uma vertente pós-estruturalista se mostra bastante profícua para o desenvolvimento desta pesquisa pelo fato do campo ter me possibilitado reflexões e questionamentos, que para mim até então não existiam, sugerindo um modo de olhar para o objeto sem a intenção de buscar respostas, prontas, exatas e acabadas. Assim, foi possível organizar e reorganizar os caminhos investigativos sem estar presa à necessidade da busca por soluções definitivas. É importante destacar que cada objeto de estudo possui características específicas e trilha caminhos singulares, logo recorro a Gilles Deleuze em uma conversa com Foucault13, para dizer que “a teoria funciona como uma caixa de ferramentas” (FOUCAULT, 2014, p. 132). Nessa conversa, Deleuze lembra as palavras de Prost “Tratem os meus livros como óculos dirigidos para fora e, se eles não lhe servem, consigam outros, encontrem vocês mesmos seu instrumento” (FOUCAULT, 2014, p. 132). Nesta perspectiva, podemos dizer que cada pesquisador, ao desenvolver o seu estudo, trilha seu próprio caminho, sempre buscando alternativas que melhor expliquem os seus pontos de vistas. Assim, todo conhecimento construído possui metodologias específicas. 11 Expressão inspirada no livro Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte, videocultura na Argentina, com autoria de Beatriz Sarlo (2013). 12 Veiga-Neto (2014) realiza uma excelente discussão sobre articulação entre o campo dos Estudos Culturais e os conceitos da teoria de Michel Foucault (em especial o poder). 13 Refere-se ao capítulo IV, Os intelectuais e o poder, do livro Microfísica do poder (FOUCAULT, 2014). 25 Os Estudos Culturais nos possibilitam uma “abertura”, isto é, não propõe uma metodologia fechada e acabada, mas meios para construí-la, de forma significante para o entendimento do objeto de estudo proposto. Por outro lado, é preciso deixar bem claro que “os Estudos Culturais não podem ser qualquer coisa” (NELSON; TREICHLER; GROSSBERG, 1995, p. 11). Segundo Sadar e Van Loon (1988 apud COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 43), há pelo menos cinco condições para definir as pesquisas que se inserem dentro do campo teórico dos Estudos Culturais. O primeiro é que seu objetivo é mostrar as relações entre poder e práticas culturais; expor como o poder atua para modelar suas práticas. O segundo é que desenvolve os estudos da cultura de forma a tentar captar e compreender toda a sua complexidade no interior dos contextos sociais e políticos. O terceiro é que neles a cultura sempre tem dupla função: ela é, ao mesmo tempo, o objeto de estudo e o local da ação crítica política. O quarto é que os EC tentam reconciliar a divisão do conhecimento entre quem conhece e o que é conhecido. E o quinto, finalmente, refere-se ao compromisso dos EC com uma avaliação moral da sociedade moderna e com uma linha radical de ação política. (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 43). Dependendo do objeto de estudo, podemos utilizar as ferramentas adequadas de modo que não elimine ou substitua determinado conceito, mas lance um novo olhar sobre os conceitos já legitimados e que, a partir daí, perceba-se que existem outras possibilidades de analisar o objeto. “Os Estudos Culturais se aproveitam de quaisquer campos que forem necessários para produzir o conhecimento exigido por um meio particular” (NELSON; TREICHLER; GROSSBERG, 1995, p. 9). Em relação aos empréstimos transacionais das diferentes áreas, não quer dizer que se trate apenas de uma coletânea de definições de vários campos teóricos, mas de um atravessamento entre as áreas que possibilite perceber as relações mútuas entre os conceitos. Não se trata, por exemplo, de considerar apenas determinado aspecto da Psicologia para explicar o comportamento das crianças ao ouvir determinado tipo de música. Ou então refletir sobre os modos de se expressar – sensual e erotizado das crianças –, com base na Sociologia, visando explicar como as interações sociais estabelecem as relações do consumo da música na infância. Trata-se de propor uma versatilidade teórica, um processo amplo que visa constituir uma alquimia entre os vários campos teóricos. Entre as principais características dos estudos culturais está a “[...] sua abertura para a versatilidade teórica, seu espírito reflexivo, e especialmente a importância da crítica” (JOHNSON, 1999, p. 10). A metodologia dos estudos culturais é “ambígua desde o início, pode ser mais bem entendida como uma bricolage. Isto é, a escolha da prática é pragmática, estratégica e 26 autoreflexiva” (NELSON; TREICHLER; GROSSBERG, 1995, p. 9). Neste sentido, a complexidade e a flexibilidade da realidade não permite a sua apreensão numa perspectiva unilateral, na qual se filia a um determinismo teórico. E por tal, é necessário entrelaçar as dimensões constituídas em saberes heterogêneos, todavia não divergentes. Com adesão dessa perspectiva, um dos aspectos deste estudo é a busca por evidenciar as relações de poder no processo de constituição das identidades infantis. Para isso, é importante pensar a educação em suas práticas, isto é, refletir sobre as relações de poder e a produção dos sujeitos em meio às práticas culturais. Realizo essa afirmação ao considerar que: Os Estudos Culturais em Educação constituem uma ressignificação e/ou uma forma de abordagem do campo pedagógico em que questões como cultura, identidade, discurso e representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena pedagógica. (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 54). Desse modo, utilizo as lentes teóricas dos Estudos Culturais para refletir sobre a cultura como um atravessamento social que perpassa o que acontece nas nossas vidas, incluindo a vida das crianças mesmo as muito pequenas, e as representações que fazemos desses acontecimentos (HALL, 1997). Na contemporaneidade, é visível e gritante que o consumo cultural das músicas pop que apresentam conteúdos eróticos está cada vez mais presente no universo infantil. Ao acessar sites de vídeos como o YouTube14, percebemos como essas músicas, muitas vezes, se tornam uma brincadeira na vida das crianças, por meio de danças com coreografias sexys. Esses vídeos, de certo modo, acabam por colaborar no entendimento de que essas “brincadeiras” de dançar e cantar músicas pop com conteúdos eróticos e não outras músicas seriam parte da vida das crianças, como se fosse algo natural e inquestionável justamente por ser brincadeira. De acordo com Hall (1997), os sistemas de códigos que dão significados às nossas ações constituem culturas. O autor ressalta que todas as ações sociais expressam ou comunicam um significado, portanto são práticas de significações. Com base nesses argumentos, quando as crianças dançam, cantam, brincam e consomem essas músicas, estão 14 O vídeo a seguir exemplifica cenas da contemporaneidade de crianças dançando músicas pop com conteúdos eróticos. QRcode-02: Videoclipe de crianças dançando a música Teimosa. Acesso em: 21 jan. 2016. 27 constituindo práticas de significações e produzindo culturas. Ao investigar esse fenômeno sob essa ótica, reafirmo a relevância dos Estudos Culturais como: Um campo interdisciplinar, transdisciplinar e algumas vezes contradisciplinar que atua na tensão entre suas tendências para abranger tanto uma concepção ampla, antropológica, de cultura, quanto uma concepção estreitamente humanística de cultura. (NELSON; TREICHLER; GROSSBERG, 1995, p. 13). De acordo com a afirmação, compreendemos que os Estudos Culturais estão comprometidos em estudar todas as formas de produção cultural, por meio de elementos das diferentes abordagens através dos seus posicionamentos, muitas vezes interdisciplinar, transdisciplinar e algumas vezes contra disciplinar. Como ressalta Costa (2000), há um deslocamento do que se tem entendido por cultura ao longo da história dos Estudos Culturais. A autora argumenta que uma das primeiras concepções de cultura na perspectiva dos Estudos Culturais foi a partir do autor Williams15, este elencou a definição de cultura em três categorias: na primeira categoria a cultura é tomada como um ideal, pois busca o aperfeiçoamento de valores universais e absolutos; na segunda categoria a cultura é entendida como um “documentário”, como um conjunto da produção intelectual e criativa; e a terceira categoria compreende a cultura como uma descrição do modo de vida que expressa certos significados. Neste estudo percebo o conceito de cultura de acordo com Johnson (1999), como uma arena de disputa e lutas sociais. Cultura como produção de sentidos, isto é, a cultura pode ser entendida como uma produção de significados para as coisas já existentes ou para as que ainda serão inventadas. Significados, por exemplo, sobre os discursos e sobre os materiais culturais disponíveis aos sujeitos em seus contextos. Em outras palavras, cultura é tudo aquilo que se produz. Nesse sentido, ao lançar mão da ideia de cultura como um processo de significação requer enxergar o papel central da linguagem na construção dos significados. A cultura como um campo discursivo múltiplo e, neste sentido, o importante papel das pedagogias culturais na produção de determinados sentidos por meio de suas linguagens e na construção das identidades dos sujeitos. Com base em tais ferramentas teóricas, sugiro pensar a identidade de acordo com Hall (2014a, p. 11), que a concebe como fragmentada e construída por meio de discursos e práticas sociais. 15 Raymod Williams, professor de Língua Inglesa, crítico e literário que assumiu um papel central na fundação do Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de Birmingham. (SCHULMAN, 1999, p. 172). 28 A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Ao considerar o entendimento de identidade desse modo é possível dizer que as identidades são produzidas nas relações de poder existentes em cada tempo e lugar. Realizo essa afirmação ao considerar a aproximação dos Estudos Culturais com determinadas conceituações de Michel Foucault, que me possibilitam modos diferenciados para olhar o objeto de estudo desta pesquisa e analisar os artefatos culturais que tem relação direta com este objeto. Utilizo o conceito de relações de poder com base em Foucault (2013b) para entender como as relações de poder-saber constituem os sujeitos, constituem suas identidades e operam sobre o modo ser criança na contemporaneidade. Para Foucault, o poder é produtivo porque cria novos saberes. O que significa dizer que o saber é produzido por meio do exercício do poder em meio às práticas discursivas (PETERS, 2000). Operar com algumas ferramentas de Foucault significa assumir um posicionamento que evita o uso de metanarrativas e perguntas do tipo “o que é isso?”. Logo, em um estudo que contemple as teorizações foucaultianas “[...] muito mais interessante e produtivo é perguntarmos e examinarmos como as coisas funcionam e acontecem e ensinarmos alternativas para que elas venham a funcionar e acontecer de outras maneiras” (VEIGANETO, 2014, p. 19). Os estudos foucaultianos fornecem várias ferramentas para compreender, nesta pesquisa, aquilo que será chamado de identidade infantil erotizada. Nessa perspectiva, as músicas pop com conteúdos eróticos podem ser concebidas a partir do conceito de podersaber de Foucault, entendidas como práticas discursivas, nas quais o poder e o saber se cruzam e acabam por constituir/produzir formas particulares de identidades infantis. Com isso não estou afirmando que as músicas são produzidas de forma maquiavélica com determinada intencionalidade em relação as crianças. O que estou querendo dizer é que as músicas pop com conteúdos eróticos produzem identidades infantis na medida em que os discursos que atravessam essas músicas instituem determinadas práticas e determinados modos de compreender o que é ser criança no mundo de hoje. 29 Foucault propõe estudar “o poder enquanto elemento capaz de explicar como se produzem os saberes e como nos constituímos na articulação entre ambos” (VEIGA-NETO, 2014, p. 56). Ao considerar esse entendimento podemos dizer que o consumo desse tipo musical está fortemente envolvido naquilo que nós somos e naquilo que nos tornaremos. Em outras palavras, as relações de poder presentes nesse estilo musical acabam por produzir determinados saberes, no caso das crianças, acabam por ensinar saberes sobre uma determinada identidade infantil, uma identidade infantil erotizada. Assim, devemos considerar as relações de poder-saber como uma rede produtiva que atravessa as práticas sociais e culturais. Segundo Foucault (2013b, p. 287) as relações de poder podem ser entendidas como “um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas age sobre sua própria ação. Uma ação sobre a ação, sobre ações eventuais ou atuais, futuras ou presentes”. Ao longo deste estudo também me utilizei da noção de discurso de Foucault, diante do entendimento das práticas culturais de dançar e cantar as músicas pop com conteúdos eróticos como uma formação discursiva. Ou seja, essas práticas fazem parte de uma espécie de “rede” que compõe uma determinada formação discursiva que institui uma identidade infantil erotizada. Os discursos que atravessam essas músicas produzem efeitos na constituição das identidades dos sujeitos infantis. Serve, aqui, como exemplo, as inúmeras tentativas das crianças enquadrarem o seu corpo, explorando o seu lado sexy em um perfil adulto, marcado pela quebra de fronteiras entre meninas/meninos e mulheres/homens, tais como em imagens facilmente encontradas na internet, como as que seguem: Figura 01 - Menino dançando Lepo Lepo. Fonte: QRcode 03: Videoclipe do menino dançando Lepo Lepo Figura 02 - Mc Melody Fonte: QRcode 04: Fotografia da Mc Melody Acesso em: 15 jan. 2016. Acesso em: 15 jan. 2016. Figura 03 - Bebê dançando funk Fonte: QRcode 05: Videoclipe do bebê dançando funk Acesso em: 15 jan. 2016. 30 Estamos imersos em redes discursivas e muitas vezes não nos damos conta que esses discursos também estão nos constituindo. “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2013a, p. 10). Ao mesmo tempo, compreendo que os discursos explicitados nas letras das músicas pop com conteúdos eróticos não podem ser analisados isoladamente, existem relações com outros discursos que devem ser considerados. Por isso entendo o discurso que institui uma identidade infantil erotizada não apenas limitando-se às letras das canções, mas como um conjunto de práticas que constituem e regulam as identidades infantis erotizadas. Neste sentido, o referido conjunto de práticas me incita a discorrer, minimamente, sobre o que estou entendendo por erótico neste estudo. O erótico não se limita apenas ao exercício das práticas sexuais, mas pode ser entendido como um conjunto de práticas e estratégias que produz sentidos sobre as práticas sexuais. No caso deste estudo, sentidos que remetem ao entendimento de que as práticas sexuais são banais, que os prazeres relacionados ao sexo devem ser vividos intensamente por todos e de que a sensualidade é algo lascivo. É possível notar em nossa cultura contemporânea algumas dessas práticas que evidenciam processos de erotização. Por exemplo, a televisão brasileira é um dos principais meios de divulgação da sexualidade banalizada através da recorrência de cenas que mostram práticas sexuais lascivas em novelas, filmes e programas de entretenimento; divulgação de imagens na mídia que vulgarizam as práticas sexuais; valorização social das posturas de homens e mulheres hipersexualizados(as). Do mesmo modo, músicas pop com conteúdos de “duplo sentido” que sugerem falas, atitudes e gestos propositalmente ambíguos relacionados à erotização, entre outras práticas, acabam por criar e antecipar curiosidades em crianças e estimulam um processo de erotização precoce. Dito de outro modo, a produção dos sujeitos contemporâneos, incluindo as crianças, se faz em práticas culturais que educam por meio da mídia. Desse modo, pensar a educação em uma perspectiva foucaultiana implica em lançar um novo olhar sobre o processo de produção dos sujeitos, problematizando as práticas educativas, questionando o que está posto como naturalizado. Neste estudo, um dos principais conceitos a ser problematizado é o de infância, conceito no qual os primeiros registros de estudo referem-se às pesquisas desenvolvidas por Philipe Ariès (1981). Em seus registros o historiador evidenciou a concepção de infância ao longo da história e suas diferentes abordagens. As argumentações do autor foram em relação à “descoberta” do conceito “infância”, destacando quando e como se começou a pensar sobre a infância ao 31 longo do tempo. Em sua obra observamos aspectos sobre a história social da criança e da família, fazendo referência aos trajes das crianças, aos jogos e brincadeiras, entre outros aspectos. Para mim, a partir dos estudos foucaultianos e de outros nele inspirados me foi possível lançar um novo olhar sobre o conceito de infância. Pesquisas como a de Bujes (2001) evidencia que a infância é produzida culturalmente e fabricada pelos discursos institucionais e científicos. Com base nos estudos da autora é possível problematizar “algumas verdades” que estão postas como naturalizadas na contemporaneidade, como a ideia de que todas as crianças são ingênuas, puras e vivem uma infância lúdica, a ideia das crianças vistas como únicas e universais, como seres inacabados que não estão prontos para tomarem decisões16. Pode-se dizer que todos esses aspectos constituem um conjunto de regularidades discursivas para se construir uma “verdade” sobre a infância. Por verdade entende-se “um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e funcionamento dos enunciados” (FOUCAULT, 2014, p. 54). Com base nas argumentações de Foucault, podemos inferir que há uma luta pelo regime de verdade em nossa sociedade no que diz respeito aos entendimentos sobre a infância. Desse modo, é importante problematizarmos as descontinuidades desse conceito ao longo da história social e percebermos as rupturas em relação ao que está posto como verdade sobre a infância. Interessa para este estudo mostrar como as crianças na contemporaneidade estão sujeitas a discursos relacionados à erotização, no caso as músicas pop com conteúdos eróticos. Interessa também pensar em alguns dos possíveis efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos, tais efeitos podem ser entendidos neste contexto como mecanismo de poder que atua como um aparato, organizando formas e estratégias de poder-saber, estabelecendo efeitos na constituição das identidades infantis. É preciso compreender que os conceitos só têm sentido quando imersos em uma rede de significações, quando percebidos dentro de um contexto de relações que possam lhe dar sentido. Os conceitos evidenciados não correspondem a um modo real, fechado e inquestionável, mas apenas um modo, entre muitos existentes de enxergar o objeto de estudo. Portanto, é através das lentes dos Estudos Culturais em Educação, fundamentado numa vertente pós-estruturalista, que o objeto de estudo foi pensado e construído. Esse campo teórico possibilitou aproximações e conexões com os estudos foucaultianos, tendo como 16 Com base em Cambi (1999) tal pensamento é evidenciado em alguns estudos de pensadores modernos, como Rousseau. 32 finalidade perceber alguns efeitos do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos na constituição das identidades infantis na contemporaneidade. No entanto, realizar uma pesquisa com esse olhar no campo da educação não é simples, visto que a pesquisa não propõe achar soluções, mas problematizar aspectos da constituição das identidades infantis postos como naturalizados. Como já referido, a intenção deste estudo não é recriminar ou descriminar algumas práticas infantis ou de sugerir identidades “corretas”, mas de colocar em discussão um fenômeno que está tão expressivo na contemporaneidade. Assim, a seguir, faço um movimento de discussão que busca estabelecer diálogos com alguns trabalhos acadêmicos os quais fazem relação com o objeto deste estudo. 1.2 Troca de ideias: dialogando com as produções acadêmicas acerca do objeto de estudo e percebendo outros olhares O procedimento escolhido para iniciar este estudo foi uma investigação através do levantamento das pesquisas já desenvolvidas em âmbitos acadêmicos, isto é, desenvolvi o que muitos chamam de revisão da literatura, estado do conhecimento e que prefiro chamar de estado da arte. Tal procedimento torna-se crucial para o desenvolvimento de uma pesquisa científica, pois nos permite perceber o que já foi discutido sobre o assunto e quais aspectos ainda precisam ser investigados. Quando nos propomos a investigar uma temática temos a sensação de não sabermos nada sobre ela e de que nada sobre ela foi produzido, sendo assim, precisamos pesquisar e descobrir o que já foi publicado sobre o assunto. O desenvolvimento do estado da arte pode ser compreendido como um processo de “mão dupla”, ao mesmo tempo em que nos ajuda a sanar nossas dúvidas nos estimula a buscar e saber sempre mais sobre o tema investigado. As produções teóricas que buscam problematizar a constituição das identidades dos sujeitos infantis a partir do consumo cultural de músicas pop com conteúdos eróticos ainda são incipientes no Brasil. Realizei buscas por trabalhos já publicados no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior (CAPES); no acervo digital da biblioteca de Teses e Dissertações da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), no Repositório Digital de Teses e Dissertações Universidade Federal do Rio Grande do Sul (LUME), nos anais de trabalhos publicados da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)17; nos anais nos anais do Seminário Brasileiro 17 Procurei trabalhos que se concentravam no GT 23- Gênero, Sexualidade e Educação. A busca foi realizada com os trabalhos publicados da 27ª à 36ª Reunião Anual da ANPEd. 33 de Estudos Culturais e Educação/Seminário Internacional de Estudos Culturais e Educação (SBECE/ SIECE)18, além da pesquisa de artigos diversos publicados em revistas acadêmicas. Procurei realizar a busca baseada em dois grandes blocos temáticos, o primeiro que denominei: Consumo cultural de músicas e a constituição das identidades; o segundo bloco temático chamado Infâncias e erotização. No primeiro bloco temático busquei trabalhos que realizassem articulações entre consumo cultural de músicas e identidades. Nesta perspectiva, encontrei os trabalhos de Neiva (2008), Bortolazzo (2010) e Silva Cunha (2011). Os estudos acadêmicos nesse viés se concentram em pesquisar a constituição do sujeito e a relação com o consumo de músicas, enfatizando principalmente a identidade juvenil e identidade de gênero. Os estudos de Neiva (2008) evidenciaram o processo de constituição das identidades de gênero a partir do consumo cultural das músicas neo-forró. O referido trabalho procurou propor uma problematização sobre as práticas de consumo do neo-forró, por jovens entre 13 a 28 anos, destacando como as identidades de gênero podem ser representadas nas canções do referido ritmo musical. Para o desenvolvimento da sua dissertação, Neiva (2008) fundamentou-se nos Estudos Culturais e nos Estudos de Gênero. A autora reafirma as concepções de Giroux (1995), em que espaços onde o conhecimento é construído e difundido também podem ser pedagógicos, argumentando que existem outros espaços pedagógicos para além da escola que são extremamente atrativos, sedutores e que estão sempre ensinando algo a alguém. Dessa forma, a autora argumenta que as músicas do neo-forró são artefatos culturais que transmitem conhecimentos e que subjetivam os sujeitos jovens constituindo determinados tipos de identidade de gênero. Outra produção acadêmica que faz relação com o presente estudo é a pesquisa de doutorado desenvolvida por Silva Cunha (2011), neste estudo o autor articula questões sobre o currículo, música e gênero, mostrando como as músicas do forró eletrônico vêm regulando e produzindo os sujeitos nordestinos. Defende a ideia de que o currículo do forró eletrônico constitui e reforça estereótipos sobre o Nordeste e o seu povo. O autor buscou analisar os discursos das canções do forró eletrônico com inspirações nos estudos foucaultianos. Assim, foi possível perceber os diferentes mecanismos de produção do sujeito, destacando principalmente os modos de ser homem e ser mulher nos discursos das canções do forró eletrônico da contemporaneidade. 18 Procurei trabalhos que se concentravam no GT 02-Pedagogias Culturais e Mídia e no GT 05- Pedagogias, Corpo, Gênero e Sexualidade. A busca foi realizada com os trabalhos publicados no 3ª SBECE; 4ª e 5ª SBECE/ CIENCE. 34 Em meio à pesquisa do estado da arte, é possível fazer referência à dissertação de Bortolazzo (2010), no seu estudo o autor buscou investigar e mostrar as relações entre a cultura rave e a constituição dos sujeitos jovens que vivem no mundo pós-moderno. O referido autor buscou problematizar a constituição das identidades dos jovens a partir do atrelamento entre a cultura da mídia e o consumo, isto é, procurou compreender como a cultura rave está implicada na composição da identidade de vários jovens. Com base na pesquisa desenvolvida por Bortolazzo (2010), podemos refletir sobre os efeitos da música eletrônica na constituição dos novos modos de ser jovem na contemporaneidade. Entre essas pesquisas destaco alguns aspectos que se relacionam com o presente estudo. Um dos principais pontos que atravessam os estudos, inclusive este, é a constituição das identidades dos sujeitos quando são subjetivados pela música, independentemente do estilo musical (neo-forró, forró eletrônico, música eletrônica, músicas pop com conteúdos eróticos), os discursos dessas músicas atuam como pedagogias culturais que produzem sentidos sobre o mundo, na forma de ser/ agir/ ver as coisas/ ver os outros e a si mesmo. Em relação aos aspectos que diferenciam o presente estudo das outras pesquisas já desenvolvidas no âmbito acadêmico, é que os trabalhos anteriormente citados destacam questões relativas à constituição das identidades juvenis e identidade de gênero. No caso do presente estudo o foco está na constituição das identidades infantis. Partindo do pressuposto de que as crianças do mundo contemporâneo vivem infâncias de uma maneira que as diferenciam de outras posturas e práticas de crianças de outras épocas (MOMO, 2007). O presente estudo coloca em discussão a constituição das identidades infantis a partir de um olhar crítico sobre como os discursos dessas músicas pop com conteúdos eróticos atuam como uma maquinaria formando uma determina cultura infantil. No segundo bloco temático de busca chamado Infâncias e erotização, busquei trabalhos que fizessem referência, de algum modo, à erotização. Encontrei trabalhos como a tese de Beck (2012), artigos publicados em eventos como Tomazzoni (2008); Vargas (2013) e Vargas e Xavier (2013). Além de artigos publicados em revistas acadêmicas como Felipe e Guizzo (2003) e Walkerdine (1999). Tais trabalhos serão abordados a seguir em forma de breves resumos com objetivo de desenvolver um exercício de investigação-reflexão acerca do objeto de estudo. Com base nos estudos de Beck (2012) percebemos alguns aspectos que operam na constituição das identidades de gênero femininos a partir do processo da uniformização escolar. Tal estudo denominado: Com que roupa eu vou? Embelezamento e consumo na composição dos uniformes escolares, traz contribuições para entendermos melhor como as 35 práticas de composição dos uniformes escolares constituem modos de ser menina, estabelecem relações entre o consumo e embelezamento dos corpos, demarcando por dois processos decorrentes de tais práticas o pertencimento e a erotização autorizada. Chamo atenção neste estudo para a categoria de análise denomina de erotização autorizada. A partir desta categoria Beck (2012) problematiza como a escola possibilita meios para que as meninas invistam maciçamente em práticas de embelezamento, que decorrem em visuais infantis uniformizados marcados por uma imagem sensual e erotizada. Tomazzoni (2008)19 problematiza como as músicas midiáticas promovem o espetáculo das danças e nos chama atenção para percebermos como essas danças veiculadas pela mídia estão inseridas na nossa cultura contemporânea. O referido autor faz referência ao fato de muitos adolescentes pedirem ao professor de dança que trabalhe com o funk, com músicas do Bonde do Trigão20. Vale ressaltar que a maioria das coreografias do funk apresenta um caráter sensual e erótico. Os trabalhos de Vargas (2013)21 e Vargas e Xavier (2013)22 se complementam, pois tratam da compilação da tese de doutorado de Vargas (2015). Neste sentido, os trabalhos abordam questões sobre como as jovens (meninas) contemporâneas constituem as suas feminilidades frente aos discursos das músicas, elencadas por elas como suas preferidas e que são escutadas através de seus aparelhos celulares. Destaco que os trabalhos de Vargas (2013) e Vargas e Xavier (2013) abordam a mesma discussão, ambos os trabalhos propõem refletir sobre o fato de algumas garotas demonstrarem preferências por músicas de funk, que na maioria das vezes apresentam letras com expressões que fazem alusão ao próprio ato sexual, com conteúdos lascivos e eróticos. As autoras constataram algumas evidências de que essas músicas operaram na constituição da sexualidade feminina das meninas pesquisadas. Felipe e Guizzo (2003)23 desenvolveram um artigo no qual discutiram como as propagandas impressas, entendidas como artefatos culturais, operam instituindo alguns tipos de relações de gênero e sexualidades. Nesse estudo, Felipe e Guizzo (2003) fizeram uma discussão sobre os investimentos no corpo infantil demonstrando como este vem sendo alvo dos grandes veículos de comunicação de massa para promover o consumo. O corpo infantil 19 O trabalho foi publicado no 3º Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação (SBECE), em 2008. Grupo de funk carioca que obteve sucesso com músicas como Cerol na mão e Tchuthuca, em 2001. 21 O trabalho foi publicado no 5º Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação/ 2º Seminário Internacional de Estudos Culturais e Educação (SBECE-SIEC), em 2013. 22 O trabalho foi publicado na 36ª reunião da ANPEd, em 2013, é uma compilação da tese de doutorado da autora, concluída em 2015 e tratam, assim, da mesma discussão. 23 O artigo foi publicado na revista Pro-posições (UNICAMP). 20 36 vem sendo usado pela mídia de forma a colocar em evidência a “erótica infantil”, promovendo uma erotização da imagem da criança. Em seu estudo Walkerdine (1999)24 desenvolveu uma problematização sobre como a cultura popular tem efeitos na sexualidade de meninas pequenas e como as mesmas se tornam pequenas lolitas25 erotizadas na contemporaneidade. A autora traz discussões sobre a infância e a inocência, enfatizando o processo complexo da erotização das garotinhas, chama atenção, também para o desenvolvimento de uma feminilidade erotizada em garotinhas da classe trabalhadora. À luz das pesquisas mencionadas no segundo bloco temático de busca, percebemos que o tema infâncias e erotização nos possibilita um leque amplo de possibilidades de estudos. Cada pesquisa apresentou suas especificidades, mas o fio condutor que atravessou os estudos foi a erotização como uma categoria que produz efeitos na constituição dos sujeitos. Neste sentido, o presente estudo se aproxima dos estudos mencionados na medida em que propõe problematizar como as músicas pop com conteúdos eróticos tem potencializado a erotização de forma cada vez mais precoce nas crianças. Diante do exposto, podemos inferir que pesquisas na área da educação que fazem referência às pedagogias culturais, como as citadas anteriormente26, principalmente as pesquisas que discutem os efeitos de artefatos culturais midiáticos na constituição dos sujeitos, ainda são incipientes no Brasil. Há uma diferença enorme quando comparadas a outras temáticas, como avaliação, didática, formação docente, entre outras, que já constitui um número significativo de produções acadêmicas na área da Educação. Ressalto esse aspecto, chamando a atenção para o fato de as pesquisas que analisam artefatos culturais serem ainda mais incipientes na região Nordeste do país. Sendo assim, o desenvolvimento do presente estudo vai contribuir para o lançamento de novos olhares ao campo educacional, principalmente, na região Nordeste. Realizado o estado da arte que creio ter contribuído para a compreensão deste estudo a partir de um panorama geral e para esclarecer ainda mais o tema dessa pesquisa, a seção a seguir tratará dos caminhos investigativos que constituíram a metodologia deste estudo. 24 O artigo foi publicado na revista Educação & Realidade (UFRGS). O termo Lolita, neste caso, é utilizado para se referir a uma personagem feminina de um romance que virou filme e fez muito sucesso em Hollywood. Lolita representa a imagem de uma adolescente que seduz um homem mais velho. A menina expressa um ar de anjo, de aspecto inocente, ao mesmo tempo também é muito sedutora. 26 Refiro-me a todas as pesquisas citadas neste estado da arte, conforme explicitado nas tabelas 1, 2, 3, no apêndice A. 25 37 1.3 Caminhos investigativos Uma pesquisa inspirada na bricolagem nos permite desenvolver uma estratégia metodológica que possamos associar uma variedade de referenciais teóricos, métodos e instrumentos. Esta é uma forma de fazer pesquisa na qual podemos incorporar diferentes olhares a respeito de um mesmo fenômeno. Na bricolagem não se busca descobrir verdades, como se elas estivessem escondidas à espera de um investigador, o que se pretende é entender a sua construção e questionar como os diversos agentes sociais produzem e reproduzem o que é imposto pelos discursos hegemônicos. (NEIRA; LIPPI, 2012, p. 610). Dessa forma, o rigor dessa estratégia metodológica está em produzir conhecimento assumindo uma postura processual, reconhecendo e respeitando as diversas interpretações sobre o objeto estudado. Um pesquisador que pratica a bricolagem é chamado de bricoleur, este pode ser definido como um sujeito que confecciona colchas e que utiliza as ferramentas estéticas e materiais do seu ofício, usando efetivamente quaisquer estratégias, métodos ou materiais empíricos que estejam úteis (NEIRA; LIPPI, 2012). Partindo da concepção de que um pesquisador bricoleur tece os conhecimentos como se fosse uma cocha de retalhos, selecionando métodos e referenciais teóricos, escolhi associar algumas estratégias investigativas de pesquisa para melhor entender o objeto de estudo, tecendo articulações entre olhar etnográfico, grupo focal e análise do discurso de inspiração foucaultiana. Optei por lançar um olhar etnográfico sobre as crianças que estudaram em uma instituição de educação infantil na cidade do Natal/RN durante o ano de 2015, pois necessitava de uma imersão no cotidiano das crianças, sujeitos da pesquisa, para compreender aspectos que constituem suas identidades. Essa imersão possibilitou uma observação, apoiada em uma descrição detalhada dos ambientes, diálogos, depoimentos. “A etnografia é uma ‘lógica de investigação’, em que o/a pesquisador/a se apoia em teorias da cultura para orientar e planejar ‘as escolhas’ do que é relevante observar e registrar” (SALES, 2014, p. 116). Mais do que isso, possibilitou compreender como essas crianças estavam imersas em uma cultura que privilegiava os espetáculos das músicas pop com conteúdos eróticos. Essa compreensão se deu nas observações realizadas na escola, em vários momentos da rotina de uma turma de crianças com cinco anos de idade, entre os meses de março a junho de 2015, cerca de 20 38 observações. Mas, além dos espaços escolares observei as crianças em outros momentos e espaços, como em um passeio nas proximidades da escola, aniversários na escola e trajetos de caminhada no entorno da escola rumo a suas casas. A etnografia educacional pode ser entendida como uma aproximação entre a antropologia e a educação. Em seus estudos, Sales (2014) deixa claro que foi a partir da aproximação entre essas áreas que possibilitou as pesquisas de caráter etnográfico nas escolas. É importante esclarecer que a etnografia representa um método de coleta de dados originário da antropologia, mas que a área da Educação se inspirou e/ou se apropriou de tal forma que esta, cada vez mais, vem ocupando espaços nas pesquisas da área (SALES, 2014). Faço referência à minha pesquisa como sendo um estudo que propõe lançar um olhar etnográfico, isto é, de inspiração etnográfica. Como explica Sales (2014), ressalto que não se trata de fazer uma etnografia, mas de estudo do tipo etnográfico que pode enriquecer a compreensão do problema investigado. Segundo Fonseca (1998, p. 58), a etnografia tem como ponto de partida “a interação do pesquisador com seus objetos de estudo”. De acordo com a referida autora esse método é uma forma de evidenciar o cotidiano e o subjetivo, marcado por um modo “qualitativo” de fazer pesquisa. Diante do exposto, faz-se necessário evidenciar que o presente estudo se trata de uma pesquisa de cunho qualitativo que busca levantar opiniões e hábitos significativos nas palavras dos participantes da pesquisa. Pesquisa Qualitativa: considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. (KAUARK; MANHÃES; MEDEIROS; 2010, p. 26). Com base na afirmação dos autores, uma pesquisa qualitativa fundamenta-se no caráter subjetivo do sujeito. Sendo assim, a análise dos resultados refere-se aos processos de interpretação e significação, afastando-se da mensuração e das relações de causas. Nessa perspectiva, uma pesquisa de caráter etnográfico se configura como uma metodologia que possibilita as descrições complexas dos sujeitos e de suas práticas culturais. Nas pesquisas de caráter etnográfico o pesquisador/a assume um papel de observador da vida do grupo selecionado. Ao observar, o pesquisador captura momentos através das descrições das situações cotidianas, dando sentidos para elas. Dessa forma, o pesquisador participa diretamente das movimentações dos sujeitos da pesquisa. 39 A etnografia é o método que os antropólogos mais empregam para estudar as culturas exóticas. Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem. Neste sentido, por assim dizer, a etnografia envolve ‘tornar-se nativo’. (CORSARO, 2005, p. 446). Ancorada na afirmação do autor, percebe-se que a imersão no campo de investigação de inspirações etnográficas provoca uma “quebra” com as formas tradicionais de fazer pesquisa, já que leva a considerar o pesquisador como “nativo”, participante do contexto da pesquisa. Quanto à proximidade com o campo de investigação, destaco que a escola onde observei as crianças está localizada no bairro em que moro. Acredito que ser moradora do mesmo bairro das crianças pesquisadas e manter um bom relacionamento com a comunidade onde a escola está situada foram aspectos facilitadores para a realização desta investigação. Dessa forma, pude estar lá (GEERTZ, 1998) e observar as crianças na escola, a volta para casa e também caminhar pelas ruas do bairro Potengi (Natal/RN) com os meus aparatos27 de pesquisa, observando principalmente na paisagem sonora do bairro. Imersa nesse contexto, pude perceber a circulação frequente de carrinhos de som que vendem CDs e DVDs, sempre a divulgar, principalmente, as músicas pop com conteúdos eróticos. Assim, envolvida com os sujeitos e os espaços do campo investigativo pude construir meus dados empíricos por meio das experiências vivenciadas, do sentir a energia, perceber os sons, a paisagem sonora e os cheiros que compunham o referido campo investigativo e a própria vida das crianças. Além de lançar um olhar etnográfico sobre as crianças é importante destacar que considerei outros aspectos presentes no âmbito da cultura que também conformam as crianças em relação ao consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. Considerei artefatos culturais, como revistas, reportagens, notícias, considerando que também é possível lançar um olhar etnográfico sobre as manifestações culturais presentes em outros contextos, mas que de alguma forma estão articuladas às práticas sociais das crianças pesquisadas. Em suma o estar lá, proposto por Geertz (1998), refere-se à experiência de estar imerso no campo de investigação, envolvido com o lugar e os sujeitos pesquisados, no sentido de fazermos a leitura com um olhar mais sensível. E o estar aqui (GEERTZ, 1998), refere-se ao pesquisador imerso nos seus estudos, capaz de fazer com que as suas interpretações sejam lidas, publicadas, resenhadas e ensinadas. Conforme o pensamento do autor, as descrições 27 Os aparatos de pesquisa referem-se ao aparelho celular e a máquina digital que me permitiu gravar áudios, vídeos e fotografar. Além do caderno de anotações (diário de campo) para os registros das cenas que foram úteis para entender o objeto. Tais itens eram meus companheiros constantes durante o desenvolvimento da pesquisa de campo. 40 etnográficas são descrições de quem escreve (o pesquisador) e não de quem é descrito (no caso, as crianças). Nesse viés, podemos pensar que ao registrar o seu olhar etnográfico, o pesquisador “inscreve” suas interpretações, ao fazer isso, transforma um acontecimento passado, “que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, um relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente” (GEERTZ, 1989, p. 29). Ao longo da pesquisa de campo utilizei técnicas etnográficas como o diário de campo, concebido neste estudo como um suporte para registros dos olhares etnográficos lançados sobre as observações das crianças. Dessa forma, contei com os registros das observações do campo, além dos depoimentos, conversas, brincadeiras, formas de vestir-se das crianças e qualquer documento que pudesse colaborar na compreensão da presença das músicas pop com conteúdos eróticos no contexto escolar. Em relação ao diário de campo, Winkin (1998) diz que é indispensável que todo pesquisador tenha um diário de campo. É importante que no diário seja anotado tudo que chame atenção do pesquisador. “Num primeiro momento, o pesquisador anota tudo, depois já consegue fazer um procedimento mais analítico e, por fim, escreverá rapidamente” (WIINKIN, 1998, p. 139). Além do caderno de anotações, também foram feitos registros fotográficos, gravações em vídeos e áudios com a finalidade de capturar momentos que pudessem ajudar a entender o objeto de estudo. Quando trabalhamos com uma pesquisa que lança um olhar etnográfico, procuramos apreender as teias de significados. Neste caso, teias de significados de um grupo de crianças, e isso nos convidou a pensar a cultura como uma ciência irregular, plural, “não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado” (GEERTZ, 1989, p. 15). Neste sentido, precisamos estar atentos às incertezas que os estudos com as crianças nos proporcionam, sempre buscando compreender os sentidos que as crianças fazem do mundo em que vivem, propondo deslocar o eixo de “uma pesquisa sobre para uma pesquisa com crianças” (CORSARO, 2005, p. 445). Em relação ao uso de técnicas adequadas para desenvolver metodologias investigativas com crianças, Delgado e Müller (2008) argumentam que as técnicas devem ser compatíveis com as condições impostas pelas crianças, a partir de metodologias que busquem evidenciar modos de expressão das crianças (conversas, desenhos, textos livres), para que não prevaleça somente a visão do adulto. 41 É importante desenvolvermos uma pesquisa que evidencie as vozes das crianças, valorizando os seus posicionamentos e compreensões, respeitando os olhares que as crianças imprimem sobre o fenômeno estudado pelo pesquisador(a). A investigação com crianças exige que o pesquisador(a) seja ético, respeitando a criança como um sujeito de direitos, evidenciando-as como protagonistas do processo de investigação. Para isso, é necessário que as crianças nos concedam a permissão para participar da pesquisa, sempre respeitando as suas vontades. Em relação a esse consentimento, Corsaro (2005) afirma que a entrada no campo deve ser acompanha de uma aceitação da participação nos estudos etnográficos, visto que o processo de observação tem possíveis efeitos no fluxo normal da rotina e práticas culturais das crianças. Nesse sentido, a preocupação não é apenas em relação ao grau de participação, mas com os efeitos das práticas rotineiras das entrevistas informais, gravar, fotografar, anotar, etc. Dito isso, percebemos que uma entrada cuidadosa no campo de investigação, marcada pela aceitação e a sutileza são fatores cruciais para desenvolver uma coleta empírica significante. Diante do exposto, busquei nessa investigação escutar as crianças com cuidado, seriedade, através das suas falas, mas também de suas brincadeiras, suas variadas formas de expressões, modos de agir, dançar, suas imitações e conflitos, entre outras ações, que podem indicar para o pesquisador outros modos de ser criança e viver a infância na contemporaneidade. Outro procedimento metodológico utilizado que teve a intenção de captar, de algum modo, o olhar das crianças foi o grupo focal. Essa estratégia investigativa busca proporcionar, a partir de uma discussão direcionada, uma interação no grupo, este composto pelo pesquisador e os sujeitos participantes da pesquisa. O grupo focal “consiste na interação entre os participantes e o pesquisador, que objetiva colher dados a partir da discussão focada em tópicos específicos e diretivos” (LERVOLINO; PELICIONI, 2001, p. 116). Esse procedimento possibilitou que as crianças iniciassem discussões acerca da temática proposta, por meio da exposição de músicas e vídeos. Assim, após a exposição de uma música, de um conto infantil ou de um vídeo, durante dois encontros realizados, eu deixava que as crianças falassem o que quisessem e, aos poucos, eu também ia participando da conversa tendo como base um guia tópico de entrevista28. Isto é, uma lista de questões que orientaram as discussões, desenvolvendo o que chamo aqui de diálogos investigativos. 28 Os guias tópicos de entrevista utilizados nas conversas com as crianças podem ser consultados no Apêndice B. 42 Existem alguns critérios que precisam ser respeitados para o desenvolvimento do grupo focal. Segundo Lervolino e Pelicioni (2001) o grupo deve ser composto, em média, por 10 participantes com características comuns e o moderador do grupo (geralmente o pesquisador) deverá criar um ambiente propício que promova a discussão, sem a pretensão de chegar a um consenso. Durante a pesquisa de campo, essa técnica foi utilizada para coletar as percepções, opiniões e atitudes acerca do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos por parte das crianças. O local de realização das seções de diálogos investigativos (Grupo focal) foi a própria sala de aula das crianças pesquisadas que estudavam em uma escola de Educação Infantil da rede pública de Natal/RN. O grupo foi composto por crianças que tinham entre 5 e 6 anos de idade, estudantes de uma turma de nível IV da Educação Infantil, tal característica identifica o referido grupo como real. “Basicamente, pode-se dizer que os grupos reais preexistem à pesquisa; seus membros já se conhecem e possivelmente estão reunidos por um interesse comum que transcende os temas abordados pela pesquisa” (DAL’IGNA, 2014, p. 208). Entendo que as seções de diálogos investigativos que realizei ao longo da pesquisa assemelhavam-se a conversas. Minha intenção era possibilitar condições para que as crianças falassem e expressassem o que pensam sobre a temática específica. Para tanto, utilizei perguntas mais descritivas, tais como: “- Estes dias, eu ouvi vocês brincando de cantar e dançar a música “parará tibum”, o que acham dessa música?”. Também fiz perguntas mais diretas: “- Vocês gostam de cantar e dançar o funk “parará tibum”?29. Realizei duas seções de diálogos investigativos, as quais me proporcionaram desenvolver uma articulação com outros diálogos e cenas, estes foram registrados no diário de campo. As seções de diálogos investigativos foram marcadas pela utilização de alguns disparadores como um conto infantil, a Branca de Neve e os sete anões, e a exibição de um vídeo com algumas músicas pop com conteúdos eróticos, estas foram previamente selecionadas. Afirmo que a escolha de um disparador para iniciar as conversas com as crianças estava carregada de intencionalidades, pois buscava armar uma perspectiva para ver (SARLO, 2013) as músicas pop com conteúdos eróticos com as crianças e, assim, compreender melhor as significações das crianças em relação à temática investigada. Conforme mencionei nesta seção, o celular e a máquina digital, meus aparatos de pesquisas, foram utilizados como recursos para os registros das cenas e diálogos durante a 29 Diário de campo, 17 abr. 2015. 43 realização do grupo focal. As seções de diálogos investigativos e algumas cenas diversas foram gravadas e fotografadas. Fiz os registros com a intencionalidade de ampliar as possibilidades de descrições e interpretações sobre as crianças, tais registros concebidos como marcas da identidade infantil do grupo pesquisado. Ressalto que a utilização dos registros realizados sobre as crianças está amparada no termo de consentimento livre e esclarecido30, assinado pelos pais e incluindo o consentimento verbal das crianças durante toda a pesquisa. Tecidas essas considerações acerca da pesquisa utilizando a estratégia investigativa do grupo focal, destaco que essas estratégias anteriormente descritas forneceram material para o desenvolvimento da análise do discurso, inspirada nos estudos de Michel Foucault. As teorizações sobre a análise do discurso de Michel Foucault em uma perspectiva pós-estruturalista tornam-se relevantes para este estudo na medida em que possibilitam condições para compreender como a infância e as crianças são constituídas discursivamente pelas músicas pop com conteúdos eróticos. Uma constituição que atua produzindo significados e estabelecendo um tipo de identidade infantil, uma identidade infantil erotizada. Entendemos que os discursos das músicas pop com conteúdos eróticos não compõem apenas uma trama entre as palavras e as coisas, mas como um conjunto de “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (FOUCAULT, 2002, p. 56). Com base no pensamento do autor pode-se dizer que os discursos dessas músicas delineiam relações de poder que tem efeitos nos modos de identificação dos sujeitos infantis. “Essas relações caracterizam não a língua que o discurso utiliza, não as circunstâncias em que ele se desenvolve, mas o próprio discurso enquanto prática” (FOUCAULT, 2002, p. 53). Esse processo de identificação a partir das músicas termina por operar na constituição das diferentes identidades, incluindo as identidades infantis. Foi nesse sentido que problematizei e investiguei as músicas pop com conteúdos eróticos, como um artefato cultural na qual a sua discursividade cria uma teia de relações em que o poder e o saber se entrelaçam e delineiam formas particulares de compreensão sobre o que é viver a infância. Ao longo do estudo foram desenvolvidas análises de seis trechos de letras de músicas pop com conteúdos eróticos. Os critérios de seleção para a escolha das músicas foram: as mais citadas nas conversas informais e nas observações; e as mais veiculadas pela mídia de Natal/RN, no período em que foi desenvolvida a pesquisa, durante os anos 2014 e 2015. 30 Termo de consentimento livre e esclarecido pode se consultado no Anexo I. 44 A análise do discurso das letras das músicas pop foi realizada em uma perspectiva que não se limitou aos aspectos linguísticos, nem às descrições, mas uma análise que possibilitou perceber as práticas culturais em torno do consumo das músicas pop com conteúdos eróticos e seu envolvimento no interior das relações de poder presentes nos modos de ser criança na contemporaneidade. Logo, busquei analisar tais músicas como Foucault (2014) sugere, entendendo que os poderes, emergentes do consumo cultural desse tipo musical, não estão localizados em nenhum ponto específico, mas funcionam como uma rede de dispositivos que nada ou ninguém escapa. O poder não como uma propriedade que se detém, mas como práticas ou relações de poder. “O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada num lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social” (FOUCAULT, 2014, p. 17). Na análise das músicas não foi considerada apenas a letra, propriamente dita como um discurso, mas o ritmo, a melodia, a coreografia e todo um conjunto de fatores que as tornam práticas sociais. Dessa forma, as músicas também constituem os sujeitos, pois estão imbricadas numa trama de poder, afinal seus efeitos podem ser entendidos como “aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos” (FOUCAULT, 2014, p. 285). Em outras palavras, o indivíduo é um dos primeiros efeitos do poder. Foi observado nas letras das músicas a recorrência, as continuidades e as rupturas dos discursos tendo como foco o erótico. Afinal, tais músicas têm falado sobre sexo de uma forma leviana e explícita; tem falado da mulher extremamente sensual, sedutora e jovem (novinha); do homem galanteador e mulherengo; da ostentação e dos objetos de valor. Têm falado e evidenciado os corpos adequados, valorizando os órgãos sexuais no que se refere à sua eficiência e sensualidade. O presente trabalho investigativo tomou por base os discursos das músicas pop com conteúdos eróticos, nos limites de seus efeitos, “nesse nível não se trata de saber qual é o poder que age do exterior [...], mas que efeitos de poder circulam entre os enunciados” (FOUCAULT, 2014, p. 39). Desenvolver esse tipo de análise me possibilita perceber como esses discursos se configuram em meio às relações de poder e como os sujeitos infantis têm sido produzidos por essas músicas. Na busca por melhor entender o objeto de estudo, fiz escolhas metodológicas que definiram o meu caminho. Recorro às sábias palavras de Antonio Machado para reafirmar que 45 Caminante, no hay camino, se hace camino al andar31. Sugiro olhar para as pegadas que deixei ao andar, como uma possibilidade de identificar os meus dilemas, indagações e interpretações; busquem mergulhar no meio delas, não objetivando achar respostas, mas percebendo os diferentes olhares e os diferentes caminhos que podem ser percorridos de acordo com o seu olhar. Encerro este capítulo ressaltando que o caminho o qual percorri é marcado por percalços que justificam, muitas vezes, os ziguezagues das minhas pegadas, tentando articular e perceber os pontos que compõem a trama do objeto investigado. 31 Para mais informações ver: QRcode-06: Poesia “ Cantares” de Antonio Machado. Acesso em: 01 out. 2015. 46 TOP II 2 AS ESTRATÉGIAS DE PODER-SABER DAS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS 2.1 Pedagogias culturais, mídia e a reinvenção da infância: articulações necessárias Ao lançar um olhar sobre as práticas culturais que delineiam e operam as nossas identidades, podemos perceber que os grandes aparatos midiáticos e suas corporações empresariais têm um papel central na vida das pessoas na contemporaneidade, pelo menos das que vivem nos grandes centros urbanos. Em relação à infância ressalto que os efeitos dessas produções midiáticas podem ser “impactantes” na vida das crianças e na concepção que se tem de infância. Uma vez que a infância é uma construção cultural moldada, na era contemporânea, pelas forças desse tecnopoder catalisado pela mídia, torna-se imperiosa a necessidade por parte de pais, mães, professoras/as e líderes comunitários, de estudá-los. (KINCHELOE, 1997, p. 78). A partir das argumentações do autor percebemos a importância das discussões referentes aos processos pedagógicos que a mídia exerce. Com base no aporte teórico dos Estudos Culturais em Educação, compreendemos que a cultura traz consigo uma infinidade de discursos que operam na constituição dos sujeitos, ou seja, as práticas culturais expressam significações que produzem, de algum modo, os sujeitos (GIROUX, 1995). Esses discursos presentes na cultura como os artefatos culturais – músicas, cinema, revistas, etc. –, produzem conhecimentos. Nesse sentido, o conceito de pedagogias culturais fornece subsídios para compreender que a educação ocorre em diferentes âmbitos culturais. O termo ‘pedagogia cultural’ refere-se a ideia de que a educação ocorre numa variedade de locais, sociais, incluindo a escola, mas não se limitando a ela. Locais pedagógicos são aqueles onde o poder se organiza e se exercita, tais como bibliotecas, TV, filmes, jornais, revistas, brinquedos, anúncios, videogames, livros, esportes, etc. (STEINBERG, 1997, p. 101-102). A partir dessa compreensão, como desconsiderar os ensinamentos presentes nos discursos das músicas pop com conteúdos eróticos? Parto do entendimento de que as aprendizagens alteram as nossas identidades e considero as pedagogias culturais como 47 fundamentais no processo de constituição das identidades dos sujeitos. Compreendo o processo pedagógico como um aspecto que opera em nossos desejos e hábitos, isto é, opera em nossos modos de ser e estar no mundo. A seguir busco problematizar o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos e seus efeitos na construção de uma infância da maioria das crianças. O sucesso extraordinário que algumas músicas pop com conteúdos eróticos atingem fornece uma espécie de refúgio lúdico para as crianças que passam a privilegiar em suas brincadeiras as coreografias sexys expostas na mídia. Dessa forma, os sujeitos infantis acabam se transformando em consumidores da música pop com conteúdos eróticos, ao mesmo tempo em que, recursivamente, também são elas que exaltam e divulgam o sucesso de algumas dessas músicas. Dito de outro modo, devido à prática de cantar e dançar músicas pop com conteúdos eróticos ser tão forte, algumas crianças possibilitam a propagação dessas músicas. Crianças ainda muito pequenas demonstram cada vez mais um lado “sexy” e “erótico” desenvolvido e muitas dessas práticas acabam se tornando naturalizadas na contemporaneidade. Não há nada de oculto nas mensagens que são transmitidas às crianças através dessas canções com conteúdo erótico. Logo, as crianças da contemporaneidade não são apenas expectadoras passivas e ingênuas da mídia, são expectadoras ativas e produzem sentidos sobre os produtos midiáticos. Muitas das músicas não são voltadas diretamente para o público infantil, mas este acaba sendo bombardeado pelas produções das grandes corporações midiáticas que tem a intenção de atingir o maior número de consumidores. Não precisamos ir muito longe para lançar um olhar crítico sobre o fenômeno do consumo de músicas pop com conteúdos eróticos por meninos e meninas cada vez menores. Basta percebermos o entusiasmo de algumas crianças, ao cantarem e dançarem músicas com coreografias sexys. Ao travarem pequenas batalhas com os pais no momento em que escolhem roupas curtas, transparentes, saltos, maquiagem, entre outros artifícios que remetem à erotização, essas são apenas algumas cenas da vida real de muitas crianças na contemporaneidade. Além do mais, em alguns casos os próprios pais reproduzem e incentivam um estilo adultilizado e/ou erotizado. Uma das armadilhas culturais à infância se refere a questão de suas vestimentas. Na última década, a indústria de roupas infantis sofreu muitas mudanças. É flagrante que as crianças vestem, hoje, roupas praticamente iguais a dos adultos e adolescentes. (FRANCO, 2002, p. 33). 48 Em meio a essas argumentações, percebemos que há novas infâncias, com características sociais, históricas e culturais específicas que se reinventam na contemporaneidade e que têm as próprias crianças como colaboradoras desses processos. Essas infâncias podem ser percebidas a partir de algumas mudanças na sociedade. Na atualidade, vivemos uma explosão de informações na qual é tudo muito rápido, efêmero e instantâneo. Nesse sentido, as infâncias passam por constantes reformulações considerando que “A infância é um artefato social e histórico e não uma construção biológica” (STEINBERG, 1997, p. 98). Em cada contexto com características específicas existirá um discurso diferente sobre o conceito de infância. É válido refletir sobre o que é ser criança nos dias de hoje e entender a problematização sobre as descontinuidades e as rupturas relacionadas a esse conceito. Por isso, este estudo lança mão da ideia de infância como fruto do processo da descontinuidade (BUJES, 2001), um acontecimento que é marcado por intervalos, rupturas, reconstruções e construções. Um processo que não pode ser pensado como um ponto de vista fixo, acabado e fechado. A noção de descontinuidade toma um lugar importante nas disciplinas históricas. Para a história em sua forma clássica o descontínuo era, ao mesmo tempo, o dado e o impensável; o que se apresentava sob a natureza dos acontecimentos dispersos- decisões, acidentes, iniciativas descobertas- e o que deveria ser, pela análise contornado, reduzido e apagado, para que aparecesse a continuidade dos acontecimentos. [...] Ela se tornou, agora, um dos elementos fundamentais da análise histórica, onde aparece com um triplo papel. (FOUCAULT, 2002, p. 9). Complementando as argumentações acima e entendendo o historiador, assim como Foucault (2002), enquanto pesquisador, destaco alguns elementos fundamentais no conceito da descontinuidade: o primeiro é que esse conceito constitui uma operação deliberada do historiador, possibilitando enxergar os níveis de análise, isto é, todo o processo de uma pesquisa histórica. Em segundo lugar, o autor destaca que a descontinuidade também é um resultado das descrições históricas, mostrando a importância de não suprimi-la. E por último, Foucault (2002) argumenta que a descontinuidade é um conceito que o trabalho não pode deixar de especificar, pois ela não busca a substituição de uma técnica por outra, mas procura visibilizar nuances e curvas do processo. Sugiro pensar a infância a partir do conceito de descontinuidade, que nada tem a ver com a ideia de progresso, com substituição de um determinado conceito, mas entender a 49 infância como um processo de construção, como uma rede que pode ter continuidades, rupturas, reformulações que compõem uma trama. Nesse viés, ao pensar sobre o conceito de infância a partir da descontinuidade, é possível perceber como ocorreu a construção do seu processo e seus efeitos nos modos de ser criança ao longo da história social. Sobre a infância “até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia ou não tentava representá-la” (ARIÈS, 1981, p. 50). Esse processo de negação da infância pode ser justificado pelo fato de as crianças serem consideradas primeiramente como adultos em miniatura. De acordo com Cambi (1999), um dos marcos da invenção da infância foi a partir da Modernidade, quando a sociedade passou a interpretar características específicas das crianças, separando o mundo adulto do infantil atrelado a um conjunto de outras mudanças sociais e culturais. A infância passou a ser entendida como uma categoria diferenciada do gênero humano e as suas características particulares de vulnerabilidade passaram a ser consideradas. A concepção de infância não se manteve da mesma forma ao longo do tempo, passou por constantes reformulações. Por isso, é marcada pelas diferenças, de acordo com Derrida (1968 apud KOHAN, 2010, p. 133) “a diferença da diferença. A diferença que é condição de toda e qualquer diferença. Isso é a infância.”. A partir do conceito da descontinuidade e das cenas da vida cotidiana, lanço como premissa o entendimento de que no mundo contemporâneo há uma hibridização dos modos de ser criança com o de ser adulto. Sobretudo, enfatizo que nesta pesquisa foi possível perceber a incorporação de gestos, de falas e vestuários erotizados por crianças evidenciando o borramento de fronteiras entre mundo adulto e infantil. Com base nas argumentações de Steinberg (1997) a infância contemporânea é atravessada pela Kindercultura, isto é, tal conceito pode ser entendido a partir do atravessamento das chamadas indústrias culturais que produzem um conjunto de artefatos (cinema, televisão, rádio, internet, música, etc.), que podem ter efeitos nos modos de ser, pensar, consumir, falar das crianças. Em outras palavras, a autora nos impulsiona a refletir sobre as pedagogias culturais, sobre a ideia de que as crianças aprendem nos variados contextos culturais, podendo, assim, delinear suas próprias infâncias. Considerando que as concepções de infância variam de época para época, e que existem inúmeros modos de pensá-la e defini-la sob vários olhares, é importante deixar claro que isso não quer dizer que os processos de mudanças signifiquem uma melhoria e/ou progresso como estamos acostumados a pensar, mas de problematizar a infância como um acontecimento, como explica Larrosa (2001, p. 284): 50 A infância como acontecimento é capaz de apagar tanto o caráter de ‘meramente passado’ do passado, quanto o caráter meramente do ‘futuro do futuro’. [...] A criança não é antiga nem moderna, não está antes nem depois, mas agora, atual, presente. Seu tempo não é linear, nem evolutivo, nem genético, nem dialético, nem sequer narrativo. A criança é um presente inatual, intempestivo, uma figura do acontecimento. O acontecimento da infância na contemporaneidade pode ser caracterizado pelo que há de novo e inédito nos modos de ser criança e de conceber a infância. A noção do termo infâncias, no plural, permite uma visão mais ampla das variações histórico-culturais desse termo. Não no sentido de evolução, mas no sentido de que a infância seja percebida como um processo versátil e complexo. A ideia do termo “infâncias versáteis”, no curso em que o conceito de infância passou e ainda passa por constantes processos de mudanças/ressignificações, possibilita pensar que existem inúmeras infâncias, cada uma com características específicas, as quais se relacionam e formam uma trama. A infância compreendida como um processo em constante construção, isto é, sendo reinventada a cada novo acontecimento. Como argumenta Larrosa (2010), pensemos a infância como algo que sempre nos escapa, como algo que nunca poderemos “esgotar” inteiramente. No que se refere à complexidade do termo, podemos evidenciar a dificuldade de limitar a definição do conceito apenas a uma compreensão fechada e acabada. Por isso, utilizo a ideia de enigma da infância como propõe Larrosa (2010), de acordo com as suas argumentações a infância sempre nos revela uma face enigmática, complexa, difícil de ser entendida e que jamais poderemos encontrar uma “verdade” fixa e acabada. A verdade da infância não está no que dizemos dela, mas no que ela nos diz no próprio acontecimento de sua aparição entre nós, como algo novo. E além disso, tendo-se em conta que, ainda que a infância nos mostre uma face visível, conserva também um tesouro oculto de sentido, o que faz com que jamais possamos esgotá-la. (LARROSA, 2010, p. 195). Não existe uma infância singular e sim infâncias, devido às variações dos aspectos culturais, sociais e históricos que envolvem essa fase inicial da vida. Passamos a entender como as infâncias se reinventam na contemporaneidade e compreendemos a importância de perceber como as crianças são no presente e como vivem a infância nos tempos contemporâneos. 51 Na contemporaneidade não podemos olhar para a infância sem considerar suas diferentes dimensões: social, cultural, histórica, pois essas dimensões nos ajudam a pensar as “inúmeras infâncias que estão em constante processo de ressignificação/transformação. Seus significados podem variar de acordo com o tempo, a classe social, o gênero, a cultura em que as crianças estão inseridas” (FELIPE; GUIZZO, 2003, p. 121). Ampliando o olhar sobre a infância a partir das argumentações de Felipe e Guizzo (2003), percebemos que os significados da infância podem variar de acordo com uma série de aspectos, inclusive a cultura. Advindo das relações culturais entre os sujeitos, o consumo dos artefatos culturais midiáticos pode fabricar sujeitos e reinventar infâncias. Perceber a maneira como os sujeitos infantis se relacionam com a mídia é uma forma de compreender as diferentes infâncias na contemporaneidade. Neste sentido, torna-se interessante problematizar como o sujeito infantil é fabricado, representado, narrado, pelas grandes corporações das indústrias culturais. Neste estudo, compreendo a criança como um sujeito cultural que produz significados sobre os aparatos culturais da contemporaneidade. Os modos como as crianças se relacionam com os artefatos culturais, entre outros aspectos, caracterizam as infâncias contemporâneas. As músicas pop com conteúdos eróticos são apenas um tipo de artefato cultural que a mídia produz. Imersos nesse mundo tão efêmero e instantâneo, acaba nos restando pouco tempo para pensar em como as crianças e os adultos compartilham e vivenciam as mesmas informações. As músicas pop que apresentam conteúdos eróticos são um artefato cultural que os adultos consomem e as crianças também passaram a consumir, constituindo um determinado tipo de cultura infantil. Observamos na contemporaneidade que as infâncias estão sendo transformadas e/ou reinventadas através do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. Crianças pequenas consomem esse tipo de música e criam uma cultura infantil que sugere uma infância erotizada, caracterizada por práticas discursivas que estabelecem um jogo de disciplinamento, definindo modos de ser criança, de ser menino e de ser menina. Walkerdine (1999) problematiza a ideia de que a infância e a “natureza da criança” não são descobertas, mas são produzidas por regimes de verdades presentes nas práticas discursivas. A autora critica “os discursos da infância natural que se baseiam num modelo de racionalidade que ocorreria naturalmente, reforçando a ideia de infância como um estado inocente e imaculado, livre da interferência dos adultos” (WALKERDINE, 1999, p. 78). Dessa forma, os discursos eróticos presentes nas canções pop produzem “verdades” que 52 introduzem aspectos da sexualidade adulta na vida das crianças, desencadeando um processo complexo que delineia as reinvenções da infância contemporânea. Nessa esteira de pensamento, é possível dizer que os significados da infância “variam com o tempo, com a autoridade de quem fala, variam também segundo a classe social de quem enuncia e de quem é o objeto da fala. [...] O assim chamado sentimento de infância é um fenômeno cultural próprio do nosso tempo” (BUJES, 2001, p. 26). Vivenciamos hoje uma infância que, de modo geral, vive sob a égide de uma sociedade marcada pelas configurações culturais da mídia e do consumo. Com base nessas problematizações acerca da infância e sua articulação com a mídia e as pedagogias culturais, e tentando compreender as práticas culturais que sustentam a concepção de infâncias reinventadas, passemos a pensar sobre outro aspecto que se tornou fundamental para este estudo: o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. E é, justamente, sobre este aspecto que trata a seção a seguir. 2.2 Um convite ao espetáculo: a mídia promovendo o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos A mídia apresenta um grande potencial em produzir artefatos culturais que seduzem os sujeitos a consumir. Nessa seção, discutirei sobre como a mídia atua lançando estratégias para propagação e estímulo do consumo das músicas pop com conteúdos eróticos. Em um primeiro momento poderíamos pensar que o consumo ao qual me refiro aqui se trata apenas da aquisição de bens materiais, mas o entendimento o qual proponho é também o do consumo de estilos de vida. Referindo-me ao consumo “de significados, de formas, de representação, de modos de ser e agir” (MOMO, 2015, p. 103). Consumir também é delinear práticas culturais, pensar e agir com o que a sociedade produz. Na contemporaneidade, podese dizer que o sujeito se torna objeto do consumo, na medida em que responde aos encantamentos da mídia em uma sociedade que promove o espetáculo. “Nesse sentido, vale a pena deixar ressoar infinitamente a pergunta: como estamos nos transformando em quem somos?” (MOMO; CAMOZZATO, 2009, p. 40). Os estímulos sedutores que a mídia exerce incentivam o consumo e, para que este se torne eficaz, esses estímulos devem ser dirigidos a todos, em várias direções, sem precedentes. Dessa forma, a mídia amplia a possibilidade de (con)formar os sujeitos e impulsiona uma parcela significativa da sociedade a consumir. O objetivo dessas grandes corporações midiáticas é a expansão do lucro, logo se criam necessidades efêmeras as quais 53 nunca serão saciadas para poder alimentar o próprio ciclo de uma sociedade capitalista e consumista. De acordo com Canclini (2006) o consumo tem efeitos sobre as nossas referências de pertencimento, não afeta apenas as nossas identificações como hábitos culturais, mas vai além, também age sobre nossas práticas como cidadãos. Para o autor, grande parte das práticas de cidadania tem estado atreladas a práticas de consumo. Na sociedade contemporânea se tornou hegemônica uma cultura do consumo, em que todo o conjunto da sociedade é incentivado a saciar as suas necessidades no mercado. Neste sentido, observa-se que na contemporaneidade os meios de comunicação de massa, em especial a TV, propagam o consumo de modo demasiado. Dessa forma, passamos a consumir cada vez mais imagens, referências, significações, modos de ser e agir. As músicas pop com conteúdos eróticos são produzidas por uma indústria cultural32 que objetiva atingir as massas. De acordo com essa linha de raciocínio, percebemos dois objetivos dessa indústria cultural que se complementam: por um lado temos a produção das músicas pop com conteúdos eróticos como um produto do capitalismo e por outro temos o consumidor que consome, sem refletir muito, sobre os efeitos dessa prática. É através da mídia que o público tem acesso aos discursos que colocam os elementos “eróticos” das músicas pop em foco, possibilitando a propagação do caráter leviano das práticas sexuais e da sexualidade. Então, cabe questionar: como acontece o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos nos espaços micro33? Tal consumo se constitui através das práticas culturais, muitas vezes desinteressadas, de ouvir músicas nas rádios; dançar coreografias que excitam as práticas sexuais; comprar um CD e/ou DVD de músicas com conteúdos eróticos, assistir vídeos e clipes dessas músicas em iphone ou tablets com hits que estão em voga na mídia, essas são algumas práticas que representam o consumo cultural de músicas pop com conteúdos eróticos na contemporaneidade. Entretanto, tal processo não se dá apenas quando o sujeito se dispõe a “apreciá-las”, pois existe um conjunto de fatores provenientes da mídia que se articulam, de forma que nos restam poucos caminhos para fugir do consumo dessas músicas e muitas vezes estamos a ouvi-las sem nem mesmo perceber. É como se fosse um labirinto que nos cerca e nos impulsiona a consumir as músicas pop com conteúdos eróticos. Quando, por exemplo, os sujeitos circulam nos espaços onde 32 A indústria cultural se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas, da forma contemporânea de arte popular (ADORNO, 1977, p. 287). 33 Fundamentada nas argumentações de VEIGA- NETO (2014, p. 116), considero que as relações de poder imersas nas malhas do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos se exerce também nos espaços micro, “onde se manifesta na forma de micropoder, poder molecular que se distribui capilarmente”, isto é, de forma sutil. 54 essas músicas são difundidas ou até mesmo quando ligam a TV. Nesses momentos, a mídia captura, convoca e seduz os sujeitos para o consumo. Essa prática acontece, por exemplo, através da recorrência na apresentação dessas músicas que estão na moda, nos programas de entretenimento da TV. Dessa forma, a mídia possibilita que os sujeitos consumam os sentidos das músicas pop com conteúdos eróticos, mesmo que momentaneamente, e assim opera para que os sujeitos se sintam incluídos, de alguma forma, nesse fenômeno cultural. Compreender a rede de relações que se estabelece entre o consumo cultural de músicas pop com conteúdos eróticos e a constituição das identidades infantis – como a identidade infantil erotizada – significa articular pontos de uma rede que tem como base as cenas da vida real que nutre, sustenta e constitui as práticas culturais. A cena descrita a seguir nos ajuda a entender como ocorre esse fenômeno na infância. #No horário do parque, algumas meninas brincavam de cantar e dançar um funk que tem como trecho da letra “eu vou / eu vou / sentar agora vou / parara tibum / parara tibum”. Uma das meninas ensinava a coreografia e as outras tentavam aprender. A que ensinava dizia: “olha, é assim oh...”. (Colocou as mãos no joelho e empinou o quadril para trás, fazendo movimentos quadriculares de acordo com o ritmo da música cantada). As outras meninas repetiam os movimentos, sempre tentando entrar em sintonia. (Diário de campo, 05 maio 2015). As aprendizagens evidenciadas nessa cena nos mostram como o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos, de sucesso massivo, chega à escola. Momo (2007) em sua tese comprova como uma variedade de artefatos culturais, associados à mídia, está presente nas escolas contemporâneas. Além disso, essa cena nos faz refletir também sobre a constituição das identidades infantis em meio a esse fenômeno cultural. Não se trata de classificar as músicas em uma perspectiva elitista (essa música é boa/ruim), mas de percebermos os efeitos dessa prática cultural e pensarmos nas condições que possibilitaram a prática massificada de ouvir e dançar músicas pop com conteúdos eróticos. A mídia se coloca hoje como um novo referencial e um espaço privilegiado de circulação de muitas danças que não tinham visibilidade nessa proporção ou não eram experimentadas dessa forma. Esse fato merece uma reflexão cuidadosa como cenário midiático contemporâneo está estabelecendo novos 55 usos, sentidos, práticas e pedagogias de dança. (TOMAZZONI, 2009a, p. 143). Com base na afirmação do autor podemos pensar sobre como a mídia aciona o consumo das músicas pop com conteúdos eróticos, tal consumo marcado pela proliferação das danças. Lançar um olhar mais atento às novas configurações culturais nos permite perceber a constituição de um espaço pedagógico, organizado pela mídia. Sobre esse aspecto Tomazzoni (2009a) argumenta que a televisão, sites, blogs, comunidades na internet, bem como os espaços dos jogos eletrônicos, como o Pum It Up (máquina de dançar) no shopping, são espaços pedagógicos que atuam como pedagogias culturais que orientam, prescrevem, suscitam, provocam, proíbem e promovem o consumo de determinadas músicas e formas de dançar. Para problematizar a noção de espaço pedagógico, apontada por Tomazzoni (2009a) ressalto que os sujeitos são constituídos nos espaços por meio dos saberes produzidos nesses contextos. Por exemplo, quando os sujeitos escutam com regularidade as músicas pop com conteúdos eróticos se familiarizam, interagem com os refrãos, danças e estilos, vão participando de uma estratégia de relações de poder34 que coloca em prática uma cadeia de saberes e enunciados que acaba por colaborar nos processos de constituição dos sujeitos, na maioria das vezes, de uma forma prazerosa. A mídia promove o consumo dessas músicas e faz com que o poder se mantenha e seja aceito, evidenciando que “ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato permeia, produz coisas, induz o prazer, forma saber, produz discurso” (FOUCAULT, 2014, p. 45). Com a finalidade de esclarecer um pouco mais o que eu quero dizer quando me refiro ao consumo de imagens, representações e significados em meio à sociedade contemporânea do espetáculo, escolhi duas imagens para exemplificar como o consumo articulado as malhas da cultura opera na con(formação) das identidades dos sujeitos. Tendo em vista que a mídia ao qual me refiro, sugere inúmeras possibilidades do consumo de imagens, por meio da TV, da publicidade, da internet, do cinema, dos celulares, dos tablets, dos DVD, etc., todos esses artefatos culturais nos instigam a consumir valores e representações. Um consumo, muitas vezes promovido por meio da cultura visual uma vez que o consumo das imagens se torna central em meio às relações dos sujeitos com o mundo na atualidade. Sendo assim, convido a todos(as) a fazer um exercício de reflexão a partir das imagens expostas, a seguir: 34 Utilizo o conceito de poder baseada em Foucault (2014, p. 284) como algo que se exerce, não se possui, isto é, o poder “não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente”. 56 Figura 04 - Anitta, a Mulher Maravilha Fonte: QRcode-07: Fotografia de Anitta de Mulher Maravilha. Figura 05 - Aluna dançando funk. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. Acesso em: 02 out. 2015. Ao lançar nosso olhar para as imagens, podemos suscitar uma infinidade de interpretações, mas chamo atenção para como o consumo das músicas pop com conteúdos eróticos tem revelado um grande potencial pedagógico na constituição de padrões e de referências sociais. Especialmente em relação às danças, que geralmente se transformam em “febres”, muitas vezes passageiras, mas intensamente arrebatadoras. Tais danças podem estar presentes nos diferentes momentos e espaços da escola, nos corredores, no recreio (como evidencia a figura de nº 5), nos aniversários e até mesmo na sala de aula. A primeira imagem esboça a representação de uma cantora brasileira famosa que expõe seu lado sedutor e sexy. Na segunda imagem, observamos uma criança que também adotou o estilo da cantora, ao dançar, expondo o quadril e reproduzindo os trejeitos sensuais da cantora, em uma coreografia na qual a sensualidade toma a cena. A mídia tem investido, cada vez mais, na valorização da imagem da mulher como símbolo sexual. Imagem como essa, da cantora Anitta35, são propagadas pela mídia e as crianças as consomem frequentemente. Além disso, é preciso considerar que a forma como a cantora está representada está atrelada à noção de sucesso, de ser celebridade ou ser uma 35 Nome artístico da cantora Larissa de Macedo Machado. Tal artista também é compositora, atriz e dançarina brasileira de música pop. 57 cantora famosa. Tais formas de representação invadem e dominam o imaginário de muitas crianças. Dessa forma, a noção de felicidade passa a estar associada ao glamour e à fama, cada vez mais enfatizados na sociedade contemporânea do espetáculo. Em decorrência disso, outras possibilidades de felicidades e projetos de vida são vistos, provavelmente, como secundários. Instigada pelas problematizações e visando compreender as interfaces embutidas na prática cultural de consumir imagens propagadas pela mídia, aproximei-me dos estudos de Costa (2006) para entender como as crianças são capturadas pelas malhas do mercado globalizado e pelas redes de mercantilização e consumo. “Parece que crianças e jovens têm sido as presas mais fáceis dessa imensa teia saturada de imagens, de cintilações sedutoras, que fascinam, interpelam, convocam e, por fim, subjetivam, regulam e governam” (COSTA, 2006, p. 181). Feitas essas considerações a respeito do consumo de discursos e imagens pelas crianças e partindo de cenas que ocorreram no espaço micro, no caso a escola investigada, podemos pensar as novas configurações da sociedade contemporânea, descrita por Debord (1997) como a Sociedade do Espetáculo. De acordo com o referido autor nada escapa da lógica espetacular do consumo, tal processo reconhecido como um supermercado que condiciona os gostos, divulga estilos de vida e conduz as prioridades e desejos das pessoas. Se o consumo for aqui entendido imerso na sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997), a música pop com conteúdos eróticos não é um mero produto escolhido sem intencionalidades, mas um produto carregado de normas de “cidadania” que organiza relações sociais, aciona valores e conduz as opções de identidades dos sujeitos, principalmente as identidades infantis. Quando Canclini (2006) argumenta que ser cidadão na contemporaneidade requer consumir ele aborda que o sentimento de inclusão, participação e pertencimento está atrelado, muitas vezes, a capacidade de consumo. Nesse sentido é que me referi ao entendimento de cidadania em relação às músicas pop com conteúdos eróticos. Muitas vezes se sentir incluído em um determinado contexto requer conhecer, cantar e dançar essas músicas e isso tem sido evidente em muitos contextos infantis. Ao seduzir os(as) consumidores(as) a mídia estabelece relações de poder que condicionam as pessoas a consumir de modo impensado. Bauman (2008) faz uma análise da sociedade atual e a concebe como a sociedade de consumidores, mostrando que ela deixou de ser uma sociedade de produtores para se tornar uma sociedade de consumidores, na qual “[...] todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação [...]. Nessa sociedade o consumo visto e tratado como vocação é ao mesmo tempo um direito e um dever 58 humano universal que não conhece exceção” (BAUMAN, 2008, p. 73). Isso talvez nos ajude a entender, parcialmente, as práticas culturais do consumo feito pelas crianças, principalmente quando se trata do consumo de discursos e imagens, ambos carregados de significados, sentidos e percepções. As discussões acionadas nesta seção nos estimulam a pensar que estamos imersos em uma sociedade contemporânea do espetáculo, em que tanto os discursos quanto as imagens são faces do consumo que produzem as identidades dos sujeitos. A seguir, passo a apresentar e discutir com mais detalhes os modos de endereçamento das músicas pop com conteúdos eróticos, além de delinear a trama discursiva dessas músicas. Já adianto que os discursos de tais músicas se apropriam de alguns elementos específicos da cultura infantil em busca do sucesso. Em decorrência disso, algumas significações que produzem a erotização se imiscuem ao mundo infantil, o que possibilita um borramento de fronteiras entre adultos e crianças. 2.3 Trama discursiva: os contos de fadas infantis nas músicas pop com conteúdos eróticos Na contemporaneidade, é muito comum ouvir músicas pop com conteúdos eróticos que fazem analogia às canções presentes nos contos de fadas. Essas músicas lançam uma nova roupagem às canções infantis, agora apresentando um caráter leviano e de banalização do sexo. Quando as crianças dançam, cantam, brincam e consomem essas músicas, estão constituindo práticas de significações e produzindo culturas. É nesse sentido que o conceito de modo de endereçamento, tal como abordado por Ellsworth (2001), fornece subsídios para entender a diversificação do público consumidor dessas músicas e como estas atuam de forma eficaz através da transmissão de ideias, valores e atitudes, na formação das identidades dos sujeitos. Ellsworth (2001), com base nos estudos de filmes, explica que tal conceito está baseado na noção de direcionar as experiências e as interpretações dos espectadores quando em contato com os filmes. De acordo com a autora os modos de endereçamento dizem respeito às intenções e/ou aos pressupostos que um filme tem, sobre quem é, ou imagina ser o seu público. Tais intenções têm determinados efeitos na experiência de ver o filme, assim como, no caso desta pesquisa, nas experiências de ouvir uma música pop com conteúdos eróticos. As músicas, as novelas, as propagandas da TV, são feitos para atingir determinado público. As grandes indústrias midiáticas escolhem determinados públicos reais (como os 59 jovens ou as crianças, por exemplo) para endereçar determinados programas. Entretanto existe a possibilidade desses mesmos artefatos culturais serem pensados para atrair o maior número de pessoas possível, isto é, um público de massa. Quando isso acontece “o espectador ou a espectadora nunca é, apenas ou totalmente, quem o filme pensa que ele ou ela é”. (ELLSWORTH, 2001, p. 20). Nestes casos, o modo de endereçamento pode errar o alvo e acabar atingindo outros públicos. No caso das músicas pop com conteúdos eróticos, seus espectadores podem ser caracterizados por um público bastante diversificado, mas acredito que tais músicas foram pensadas para um público adulto, entretanto as crianças consomem tais músicas sem precedentes. Esclareço que não estou interessada em julgar os modos de endereçamento bem ou malsucedidos das músicas pop com conteúdos eróticos, mas procuro mostrar como o caráter de sedução dessas músicas pode estruturar uma “projeção de tipos particulares de relações entre o eu e o eu, bem como entre o eu e os outros, o conhecimento e o poder” (ELLSWORTH, 2001, p. 19). A experiência de fazer e ver um filme ou de fazer e ouvir uma música, bem como os sentidos que atribuímos a eles, é uma experiência que se dá em meio às relações de poder, projetada na seguinte pergunta: “- Quem este filme pensa que você é?” (ELLSWORTH, 2001, p. 13). Logo, quando se quer saber os efeitos das estratégias de endereçamento das músicas pop com conteúdos eróticos, torna-se mais relevante refletir sobre a seguintes pergunta: “Quem esta música pensa que você é?”, somada à pergunta “- Quem esta música quer que você seja?”. A partir de tais questões, podemos pensar sobre o fato da maior parte das músicas pop com conteúdos eróticos oferecerem, de forma repetida, uma gama estreita de posições de sujeitos. No caso específico dessas músicas, a recorrência do discurso está em mostrar e endeusar um sujeito erotizado com atitudes vulgares que valoriza o sexo banal. Essa gama estreita do discurso exclui todo tipo de outras perspectivas de posições de sujeitos. Assim, as músicas pop com conteúdos eróticos “podem contribuir para relações desiguais de poder e para a formação inconsciente” de identidades específicas. (ELLSWORTH, 2001, p. 26). Com base nas argumentações em relação aos modos de endereçamento, busco captar as relações de poder que possibilitaram às crianças se tornarem ouvintes das músicas pop com conteúdos eróticos, isto é, tornar-se um público sujeito dessa categoria musical. Para tanto, problematizei os investimentos discursivos, através dos modos de endereçamentos das músicas aqui pesquisadas na produção de sujeitos infantis com identidades erotizadas. A seguir, tais endereçamentos são analisados a partir dos trocadilhos entre os conteúdos das músicas pop com conteúdos eróticos e as canções dos contos de fadas infantis. Quando tais 60 canções (músicas de contos infantis com músicas pop com conteúdos eróticos) se embaralham, estabelece-se um jogo de palavras parecidas no som, mas diferentes nos sentidos. Podemos perceber os principais pontos de articulações entre os discursos de ambas as músicas, analisando as letras das canções a seguir: Eu vou36 Branca de Neve e os sete anões Pra casa agora eu vou Parara-tim-bum Parara-tim-bum Eu vou Eu vou (...) A letra exposta acima se refere a uma canção do conto infantil da Branca de Neve e os sete anões, tal canção obteve sucesso mundial por meio do filme de animação Branca de Neve e os sete anões, com produção cinematográfica da Disney. Este é um clássico entre os contos de fadas infantis que esteve e continua presente na infância de muitas crianças, devido o caráter lúdico da narrativa na perspectiva dos Irmãos Grimm37. A seguir passamos a problematizar uma música pop com conteúdos eróticos, de caráter massivo, que faz analogia à canção da Branca de Neve e utiliza os jogos de palavras para lançar novos sentidos à canção. A música no ritmo de funk fez muito sucesso entre o biênio 2014-2015. Na contemporaneidade, é perceptível o sucesso extraordinário desse ritmo, em meio a um mundo mágico e espetaculoso da mídia. As músicas de funk acabam instituindo discursos que também (con)formam modos de ser e de viver a infância. Na música a seguir poderemos perceber o cruzamento entre os discursos de uma música infantil e uma música pop com conteúdos eróticos. 36 QRcode-08: Canção dos anõezinhos da Branca de Neve. Letra da canção disponível no site: Acesso em: 13 abr. 2015. 37 QRcode-09: Site sobre os contos dos Irmãos Grimm: Acesso em: 13 abr. 2015. 61 Parara Tibum38 Mc Tati Zaqui (...) Eu vou, eu vou, eu vou Sentar agora eu vou Eu vou, eu vou, eu vou Sentar agora eu vou Parara tibum, parara tibum Eu vou, eu vou Deixa, senta Menino não se esqueça Mexer com essa novinha Vai te dar dor de cabeça Deixa, deixa Mostrar como ela faz Depois de alguns dias Tu vai ta pedindo mais Senta, senta, senta (...) Com o propósito de problematizar os sentidos eróticos acionados pela música da cantora Mc Tati Zaqui39, realizei uma análise crítica das músicas. No primeiro trecho musical é evidente a menção ao ato sexual, através do verbo “sentar”. A utilização intencional da frase eu vou somada à melodia da música, nos permite uma associação imediata à música dos anõezinhos da Branca de Neve. Nesta canção a mulher impera uma relação de poder quando o que se está em questão é a prática sexual. A letra da música reforça uma imagem diabolizada da mulher com uma “[...] noção de uma natureza sexuada, selvagem, rebelde, má” (FOLLADOR, 2009, p. 7). Tal posicionamento evidenciado pelo trecho: mexer com essa novinha /vai te dar dor de cabeça. A mulher posta como capaz de levar o homem para o mau caminho. 38 QRcode-10: Música Para Tibum: Acesso em: 13 abr. 2015. 39 QRcode-11: Site com informações sobre Mc Tati Zaqui. A cantora de funk Mc Tati Zaqui, com 20 anos de idade, atingiu o auge do seu sucesso no verão 2015 com o hit Parara Tibum. Informações disponíveis no site: Acesso em: 13 abr. 2015. 62 Já o termo “novinha” nos remete à ideia de uma menina, provavelmente menor de idade. Esse trecho musical remete a uma interpretação que evidencia um estímulo à pedofilia. Ao longo do discurso da letra da canção, a mulher é vista como um objeto sexual, capaz de suprir com as necessidades sexuais do homem. O enunciador da canção deixa bem claro que a mulher tem um bom desempenho sexual, por isso, o homem vai estar sempre “pedindo mais”. Logo, a música também expressa relações de gênero, segundo Scott (1995), “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e [...] é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86). A música com conteúdos eróticos pode não estar endereçada ao público infantil, mas ao jovem e/ou adulto. Porém, o mundo mágico e prazeroso da mídia institui um conjunto de fatores que a criança não tem como ficar alheia a todas essas novas configurações culturais. Além disso, outro fator que poderia ser destacado é a identificação do público infantil com a melodia da música, afinal as melodias são originalmente dedicadas às crianças. Chamo atenção para pensarmos acerca da constituição da infância e de suas interfaces com a erotização. As canções pop com conteúdos eróticos que utilizam as melodias das canções infantis nos fornecem bases para pensar as infâncias na contemporaneidade. Recorro aos estudos de Walkerdine (1999) para compreender o que significa para uma garotinha de seis anos de idade cantar versos com conteúdos altamente eróticos. De acordo com a referida autora “poder-se-ia argumentar que temos aqui uma intrusão da sexualidade adulta no mundo inocente da criança.” (Walkerdine, 1999, p. 76). Porém, em seus estudos a autora deixa claro que não é apenas o fato de corromper a inocência da infância, mas um conjunto de fatores que torna a erotização das meninas pequenas um fenômeno cultural complexo. O fenômeno cultural que implica na erotização infantil através das músicas pop com conteúdos eróticos não pode ser compreendido apenas pelo viés da “violência” à cultura inocente das crianças, mas como um fenômeno extremamente complexo que se tece em meio às relações de poder-saber. Veiga-Neto (2014), fundamentado nos estudos de Foucault argumenta que há diferenças entre uma ação violenta e uma ação de poder-saber. “Enquanto uma ação violenta age apenas sobre um corpo, age diretamente sobre uma coisa, submetendoa e a destruindo, o poder é uma ação sobre as ações. Ele age de modo que aquele que se submete à sua ação o receba, aceite e tome como natural, necessário” (VEIGA-NETO, 2014, p. 117). Com base nas argumentações do autor percebemos que o fenômeno da erotização infantil, a partir do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos, é um 63 fenômeno complexo e imerso em relações de poder-saber. Neste sentido, torna-se extremamente relevante pensar sobre esse fenômeno que já está sendo aceito e posto como naturalizado na sociedade contemporânea. Ainda com base nas músicas citadas anteriormente, sugiro pensar sobre a produção de uma identidade infantil erotizada. Para isso, além de outros exercícios analíticos, considero a invasão do consumo das músicas pop com conteúdos eróticos na vida das crianças e suas manifestações na escola, a partir de uma cena vivenciada na escola pesquisada. Trata-se da situação em que em um momento de leitura livre cada criança poderia escolher a melhor forma de apreciar os livros. Nesse momento, uma criança pediu para eu ler um livro que ela havia escolhido. Atendi ao seu pedido e quando comecei a ler, percebi que não só a criança que havia feito o pedido, mas as outras crianças começaram a prestar atenção na leitura. Tratava-se do livro Delícias e gostosuras, da Ana Maria Machado, que reproduzo em parte na imagem de nº 6. Em um certo momento da leitura, o livro fez referência à história da Branca de Neve e os sete anões, utilizando trechos da música dos anõezinhos: vou para casa/ agora eu vou. Figura 06 - Livro Delícias e Gostosuras. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. Como um clique imediato na mente das crianças, no momento em que li a frase: vou para casa, agora eu vou, elas interromperam imediatamente a leitura e algumas começaram a cantar o funk da Mc Tati (Parara Tibum), outras cantam a música original do conto de fadas. Percebam como os discursos das músicas pop com conteúdos eróticos estão presentes de forma imbricada na mente das crianças. Se as crianças sentiram a necessidade de cantar o funk e a música do conto, é porque aquilo fazia algum sentido para elas. Não foi por acaso que a música de funk veio imediatamente à mente de algumas crianças. Talvez pelo sucesso 64 extraordinário que tal música estava fazendo no momento da pesquisa, tal sucesso podia ser identificado principalmente no universo infantil. Se tal fato tivesse ocorrido em outros contextos e em outras épocas, essa relação poderia passar despercebida. Desse modo, sublinho que estamos todos (crianças, jovens, adultos, idosos) sujeitos aos mesmos discursos. Nesse contexto, a infância cada vez mais é “definida” pelos discursos que a ela são oferecidos, como ficou claro nas narrativas anteriormente descritas, tanto do conto infantil quanto das músicas pop com conteúdos eróticos. Instigada por tal narrativa (desta música pop com conteúdos eróticos), me aventurei a identificar e a discutir em quais outras músicas estava presente a explícita relação entre os contos de fadas ou personagens infantis e as músicas pop com conteúdos eróticos. Busquei identificar na trama discursiva de tais músicas a recorrência e a homogeneidade dos discursos nas letras das canções, ao se referirem a personagens próprios da cultura infantil para divulgar/incorporar ideias sobre a erotização. A seguir podemos observar a letra da música Lobo mau, da cantora Ivete Sangalo, uma das cantoras mais famosas do Brasil, cujas músicas são bastante requisitadas nas rádios nacionais. Lobo mau40 Eu sou o lobo mau, au, au (BIS) E o que você vai fazer? Vou te comer, vou te comer, vou te comer (BIS) Chapeuzinho pra onde você vai, diz aí menina que eu vou atrás (BIS) Pra que você quer saber? Eu sou o lobo mau, au, au (BIS) Eu sou o lobo mau E o que você vai fazer? Vou te comer, vou te comer, vou te comer (BIS) Merenda boa, bem gotosinha. Quem preparou foi a vovozinha. Êta danada, êta! [...] 40 QRcode-12: Música Lobo mau. Composição Indisponível. Letra disponível em: Acesso em: 19 out. 2015. 65 A música Lobo mau faz referência ao conto da Chapeuzinho Vermelho. O eu lírico associa o personagem da Chapeuzinho Vermelho a uma menina inocente (coerente com a personagem do conto) e o lobo mau, podemos interpretar, como um homem idealizado, galanteador, sedutor ou até mesmo um pedófilo. Outra característica típica em relação aos conteúdos eróticos presentes nas letras das canções é a necessidade constante de menção aos atos sexuais, como fica evidente no trecho: Vou te comer/ Vou te comer/ Vou te comer- tema bastante recorrente nas letras das canções pop com conteúdos eróticos. Além dos personagens protagonistas dos contos de fadas existem outros personagens símbolos do universo infantil que as músicas pop com conteúdos eróticos se apropriam com a finalidade de propagar a erotização, como a Mulher Maravilha, o Homem Aranha41, a Mulher Gato42, o Kiko43, entre outros. As canções utilizam palavras de “duplo sentido” e com sons parecidos, com a finalidade de apresentar o amor e o sexo, no qual o segundo é estimulado de forma desproporcional (em quantidade). Liga da justiça44 41 Refiro-me a música Homem Aranha. Composição Indisponível. Sucesso a nível regional da Banda Grafith. Letra disponível em QRcode -13: Acesso em: 20 out. 2015. 42 Refiro-me a música Joga a teia puxa e panha. Composição Indisponível. Sucesso a nível regional da Banda Grafith. Letra disponível em QRcode-14: Acesso em: 20 out. 2015. 43 Refiro-me a música Kiko. Composição Indisponível. Sucesso a nível regional da Banda Grafith. Letra da música disponível em QRcode-15: Acesso em: 20 out. 2015. 44 Música Liga da justiça. Composição Indisponível. Sucesso nacional da banda Parangolé e Leva Nóiz. Sucesso a nível regional da Banda Grafith. Essa música foi inspirada no desenho animado transmitido em canal aberto. Os principais personagens são: Super-Homem, Batman, Mulher Maravilha, Flash, Lanterna Verde, Ajax e Aquaman. Letra disponível em QRcod-16: Acesso em: 19 out. 2015. 66 ‘É melhor chamarmos os outros Super-Amigos antes que chegue toda a Legião do mal.’ Super-Man ficou fraco, O Pingüim jogou kriptonita Lex Luthor e Coringa roubou laço da Mulher Maravilha (Bis) Liga da Justiça toda dominada, Agora só tem uma saída! Foge! Foge Mulher Maravilha. Foge! Foge! Com Super-Man. (8x) Você é minha Maravilha e eu sou seu Super-Man, No swing aqui do Leva eu quero ver você meu bem! (Bis) Liga da Justiça toda dominada, Agora só tem uma saída! Foge! Foge Mulher Maravilha. Foge! Foge! Com Super-Man. (8x) [...] A música Liga da justiça nos dá a impressão de que não há conteúdos eróticos na composição da letra propriamente dita, entretanto fica evidente o jogo de palavras, no qual o enunciador (cantor) da música explora vantagens da melodia e da sonoridade da palavra foge. A maneira como a referida música é cantada, associada à batida rápida da música e a coreografia, são as bases para a palavra foge perder o sentido. Neste momento, fica evidente a palavra “fode”, palavra essa que faz referência aos atos sexuais, dessa forma explicita o teor erótico da música. Como podemos observar no trecho: Foge! Foge! Com Super-Man. Destaco ainda que, tal trecho musical é repetido 16 vezes ao longo da música, de forma proposital, para nos apropriarmos dos sentidos da música, bem como para ajustar um discurso posto de acordo com um determinado regime de verdade45. Ao analisar as letras de tais músicas estive atenta ao fato de que o sujeito ocupa “sempre uma posição numa rede discursiva de modo a ser constantemente ‘bombardeado’, interpelado, por séries discursivas cujos enunciados encadeiam-se a muitos e muitos outros enunciados” (VEIGA-NETO, 2000, p. 57). Esse “bombardeio” ocorre de forma sutil, no qual os discursos nos impõem verdades que se tornam naturais e necessárias, como apresentado nas letras das músicas citadas. Cabe ressaltar, portanto, que a constituição das identidades infantis na trama discursiva das músicas aqui pesquisadas não consiste em um ato isolado, mas em um processo 45 Regime de verdade entendido aqui como “constituídos por séries discursivas, família cujos enunciados (verdadeiros e não-verdadeiros) estabelecem o pensável como campo de possibilidades fora do qual nada faz sentido – pelo menos até que aí se estabeleça um outro regime de verdade” (VEIGA-NETO, 2000, p. 56-57). 67 que se delineia em meio às redes de saberes que ocorrem em distintas e variadas instâncias sociais. A recorrência e a homogeneidade dos discursos das músicas pop com conteúdos eróticos são entendidas aqui como “regularidades muito específicas, muito particulares, que formam uma rede única de necessidades na, pela, e sobre a qual se engendram as percepções e os conhecimentos: os saberes” (VEIGA-NETO, 2014, p. 48). É nesse viés que sugiro a noção de teia da rede discursiva, expressa inclusive na imagem da capa desta dissertação, para pensar o entrelaçamento dos discursos das músicas pop com conteúdos eróticos com outros discursos, vejo tal entrelaçamento como um mecanismo que instaura campos de poder-saber. Quero dizer com isso que tais saberes moldam nossas maneiras de compreender e constituir o mundo, já o “poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou bem. O poder funciona e se exerce em rede.” (FOUCAULT, 2014, p. 284). Ainda que, nesse processo de entrelaçamento se instaure diferentes ações de podersaber, essas são interligadas por um mesmo aspecto, como no caso da melodia da música dos anõezinhos da Branca de Neve, que compõe a mesma grade de inteligibilidade. Como ilustro na figura a seguir: 68 Figura 07 - Teia da rede discursiva das músicas pop com conteúdos eróticosFonte: (Montagem de17: autoria da pesquisadora) QRcode Acesso em: 10 out. 2015. É em decorrência desse entendimento que a erotização pode ser pensada por meio da noção de rede. É importante deixar claro que a figura de nº 7 não explicita todos os elementos da rede da erotização, nem essa foi a minha intenção. Trouxe a figura de nº 7 como um exercício dinâmico do olhar que nos ajuda a pensar a constituição de uma rede de inteligibilidade, evidenciando que existem vários pontos interligados como uma trama que constitui uma identidade infantil erotizada. Com a finalidade de aprofundar os estudos sobre os possíveis efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos na constituição das identidades infantis, chamo a atenção no capítulo seguinte deste texto para os desafios da educação escolar na sociedade contemporânea. Desafios configurados pela própria condição da sociedade contemporânea marcada acentualmente pelos novos arranjos sociais, pela reinvenção dos espaços-tempos em meio a uma lógica regida pelas manifestações culturais contemporâneas. Tais manifestações nos intrigam cada vez mais e nos remetem às cenas pedagógicas e paisagens escolares, nas quais os efeitos da mídia são nítidos. Por isso, no próximo capítulo, as manifestações culturais das músicas pop com conteúdos eróticos nos cenários escolares serão analisadas como efeitos das novas configurações culturais e suas implicações na produção de uma identidade infantil 69 erotizada. O desafio do capítulo seguinte consiste em desencadear uma reflexão acerca das configurações atuais da escola contemporânea no que diz respeito a uma identidade infantil erotizada em meio às manifestações culturais das músicas pop com conteúdos eróticos. 70 TOP III 3 ESCOLA REMIXADA 3.1 A escola como palco das manifestações do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos Esta seção apresenta um breve apanhado de acontecimentos que foram marcantes para o entendimento dos cenários escolares no mundo contemporâneo em meio às manifestações do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. Busquei a imagem da escola como palco para mostrar que esta vem se transformando em um local cada vez mais plurifacetado, onde se datam os acontecimentos do tempo em que vivemos. Pensar a escola como palco das manifestações culturais nos ajuda a definir esse lugar central que a cultura vem assumindo e ajuda a compreender também a identidade dos sujeitos, no caso das crianças, que lá estão. Assim, tentei perceber as dimensões que a escola vem ocupando na contemporaneidade no que diz respeito as músicas pop com conteúdos eróticos. Hall (1997) argumenta que a “centralidade da cultura”, indica a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea. Coerente com essa linha de raciocínio, destaco que tal condição de centralidade aparece também de maneira nítida em relação às manifestações culturais das músicas pop com conteúdos eróticos somadas às coreografias sensuais. Os espaços nos quais tais músicas e coreografias acontecem extrapolam os espaços usualmente destinados ao entretenimento, como as festas. Um olhar mais atento nos possibilita perceber que tal prática cultural vem assumindo um papel central na formação de muitos sujeitos. Assim, observa-se uma reconfiguração nas paisagens escolares que implica na presença contingente das referidas músicas e coreografias. A escola se configura como um espaço interessante para observação das relações entre as crianças e suas práticas culturais. A partir dos estudos de Momo (2007) foi possível perceber que na escola há uma presença explícita de brinquedos, roupas, utensílios, sapatos, materiais escolares que fazem referência aos artefatos culturais da mídia. Basta observar atentamente quando as crianças levam para a escola brinquedos com personagens de filmes, roupas e calçados com os desenhos animados, ou quando mostram suas preferências pelas produções dos artistas veiculados pela mídia ao dançarem e cantarem determinadas músicas de sucesso massivo. Com efeito, as relações decorrentes do consumo desses artefatos culturais 71 midiáticos podem instituir diferentes processos de aprendizagens, produzindo conhecimento e saberes que excedem os muros escolares (GIROUX, 1995). Nesse viés, é importante considerarmos as músicas que a crianças levam diariamente para a escola para compreender a complexidade dessas músicas e refletir sobre qual tipo de experiência é essa, capaz de fazer com que os alunos balancem os seus corpos de modo erótico e cantarolem músicas com conteúdos que fazem referência, por exemplo, a práticas sexuais. No entanto, parece-me que há muitas dúvidas e dificuldades dos professores em lidar com o universo musical que os alunos trazem/vivem na escola. Este foi o caso de uma professora do distrito de Samambaia no Distrito Federal, como se pode perceber na reportagem a seguir: Figura 08 - Funk na escola. Fonte: Revista Nova Escola, n. 272, maio 2014. Diante da angústia da professora que pede ajuda à revista Nova Escola para lidar com esse fenômeno cultural complexo, podemos pensar a educação e a escola contemporânea contemplando diferentes olhares e refletindo sobre questões como: os estudantes das escolas contemporâneas são diferentes dos estudantes de outras épocas? As escolas preservam currículos inadequados, obsoletos que não acompanham a re(invenção) dos estudantes contemporâneos? Esses questionamentos nos servem como pano de fundo para pensarmos a emergência sobre qual aluno (no caso dessa pesquisa aluno criança) frequenta a escola na 72 contemporaneidade. Em particular, estou interessada em desenvolver uma reflexão que ajude a compreender melhor esse fenômeno da expressão cultural, em especial os que se referem às músicas pop com conteúdos eróticos, cada vez mais visível nos cenários escolares. As músicas em voga na mídia que fazem parte da vida das crianças se manifestam no ambiente escolar de variadas formas, como foi possível identificar na escola pesquisada: elas cantam em grupo durante o desenvolvimento das atividades; cantam em coro para que todos acompanhem; cantam sozinhas, muitas vezes baixinho; cantam e dançam em frente ao espelho e/ou na sala de aula; levam CD e DVDs para a escola; imaginam em suas brincadeiras que são os cantores das músicas. Esses exemplos nos fazem pensar sobre as experiências culturais das crianças alunos e como essas músicas borram fronteiras e constituem novos grupos identitários. Macedo (2009) nos chama atenção para refletirmos que as músicas não se manifestam na escola apenas quando são cantadas ou dançadas, mas quando os alunos estampam ícones de bandas nas roupas que estão por baixo do uniforme, ou os estampam em itens do material escolar (Figura 9), nos brinquedos e álbuns de figurinhas. Figura 09- Material escolar do Luan Santana Fonte: QRcode-18: Acesso em: 27 out. 2015. Em geral, o que as crianças levam para a escola são bens carregados de significações inscritos em uma cultura midiática. Nesse contexto, os materiais escolares se tornam mais “valorizados” quando apresentam algum personagem em voga na mídia. No caso da figura de nº 9, há a representação de um cantor famoso que faz muito sucesso entre o público infanto- 73 juvenil, isto é, público teen, como os próprios jovens preferem chamar. Apesar do referido cantor não ser definido como um cantor de música pop com conteúdo erótico, esse tipo de música atinge um sucesso extraordinário que os cantores de outros estilos musicais acabam cantando-as e propagando-as46. Há também a presença “não autorizada” das referidas músicas nas escolas. Nesses casos, as músicas não são facilmente identificadas porque ainda não movimentam um mercado de produtos infantis. Durante as observações na escola, percebi que muitas crianças (principalmente as maiores, com cinco anos de idade) sabem e gostam das músicas pop com conteúdos eróticos, só que nem sempre cantam, pois já entendem que são impróprias para o ambiente escolar ou para serem cantadas na frente dos adultos que trabalham na escola. Deixa tia, eu ver o vídeo do Mc Gui no seu celular! (Mc Aline47, cinco anos, Diário de campo, 5 maio 2015). Certamente, a fala da criança nos mostra outra forma pela qual conseguimos identificar a presença das músicas aqui pesquisadas compondo os cenários escolares. Nesse novo cenário, as músicas aparecem através dos aparelhos tecnológicos, como celulares e tablets. Assim, estamos sujeitos a uma sociedade marcada pela informação e pela tecnologia no qual as próprias crianças têm tentado se inserir e viver nesse mundo tecnológico. Em outra perspectiva, se não for suficiente com ajuda dos aparelhos tecnológicos ter acesso às grandes produções artríticas, como clipes e shows no YouTube, é possível com aparelho celular produzir o seu próprio show, a sua própria coreografia para serem apreciados por outros públicos, como na fala que segue: Tia me grava no seu celular, eu cantando a música das poderosas48 da Anitta! (Mc Vera, cinco anos, Diário de campo, 7 abr. 2015). Fazer parte do universo tecnológico e midiático é uma forma que as crianças encontram para alcançar prestígio, uma maneira de promover o seu reconhecimento, assim como fazem os grandes artistas famosos do momento. Na atualidade, dentro do contexto brasileiro, a cantora Anitta ocupa o centro das atenções entre crianças e jovens, tal centralidade faz com que ela esteja presente também nos 46 Refiro-me ao fato do cantor Luan Santana apresentar em seu repertório músicas com conteúdos eróticos, como por exemplo, Lepo lepo, tal música foi cantada por Luan Santana junto a banda Psirico no festival de verão de Salvador - BA. Como é possível evidenciar no seguinte QRcode-19: Acesso em: 29 out. 2015. 47 Os nomes utilizados para identificar as falas dos alunos são fictícios e fazem referência ao próprio universo das músicas pop com conteúdos eróticos. 48 Refere-se à música Show das Poderosas da Anitta, lançada em 2013. 74 ambientes escolares, como ficou claro na fala da aluna exemplificada anteriormente. Por ter se tornado um desses sucessos extraordinários e inexplicáveis de endereçamento, como nos fala Ellsworth (2001), a referida cantora teve centenas de CDs vendidos, numa época em que a pirataria impera no mercado informal, além de acionar o consumo de vários outros produtos como roupas, perfumes, cadernos, etc. As crianças desde muito cedo, principalmente as que apresentam entre quatro e cinco anos, já incentivam os professores a criar espaços e motivações para que possam compartilhar, dançar, cantar e ouvirem músicas da Anitta e de outros cantores em voga na mídia. Tais aspectos mexem tanto com as crianças que elas mesmas criam possibilidades e espaços para que possam conversar entre si, sobre os cantores que gostam e, assim, sanar as suas próprias tensões e ansiedades, como fica claro na figura a seguir: Figura 10 - Escrevendo o nome “Anita” com alfabeto móvel. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. No contexto da foto as crianças cantavam a música Na batida, da cantora Anitta e aproveitando o momento que estavam brincando com o alfabeto móvel, decidiram escrever o nome da referida cantora. Notei que algumas vezes as paisagens e os cenários escolares - no que se referem às músicas pop com conteúdos eróticos – constituem-se de maneira bem suave e sutil, como se tais músicas fizessem parte de uma trama em que se destacam micropoderes, como pode ser pensado a partir da foto acima. “O efeito desse micropoder é a produção de almas, produção de ideias, de saber, de moral” (EWALD, 1993 apud VEIGA-NETO, 2014, p. 116). Confesso que se não estivesse na condição de pesquisadora não entenderia a riqueza que uma cena como essa poderia proporcionar para a compreensão das crianças desse grupo. 75 De fato, não podemos ignorar o sucesso popular que alguns cantores e determinadas bandas atingem. Com isso em mente, destaco que são tantos os efeitos do consumo das músicas pop com conteúdos eróticos na vida das crianças que em algumas situações os professores acabam por oferecer parte da sua aula, ou desenvolvem estratégias para que possam contemplar essa diversidade da expressão cultural dos alunos. Tal aspecto pode ser evidenciado em uma Escola Estadual do Rio Grande do Norte49, com a finalidade de acalmar os ânimos e reduzir as tensões dos alunos em relação ao sucesso de uma banda local, pela qual os alunos eram fãs, desenvolveu um projeto junto com o Programa Institucional de Bolsa e Iniciação à Docência (PIBID/UFRN). O projeto buscava associar as necessidades dos alunos a outras possibilidades formativas. Para tanto, essa escola decidiu abrir as portas para a Banda Grafith, tal iniciativa teve como projeto final “O jornal na escola”. Independentemente do objetivo da escola, o fato é que a escola abriu suas portas para uma banda cuja marca principal é a música de duplo sentido, com teor erótico. Sem o objetivo de julgar determinas decisões tomadas pela escola, busco mostrar situações relacionadas ao consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos nas escolas contemporâneas. 49 Esclareço que não desenvolvi a pesquisa que constitui essa dissertação na Escola Estadual que cito nesta seção. Apenas destaco um episódio ocorrido na referida escola, pois tal acontecimento ajudou a justificar e exemplificar a composição dos cenários escolares a partir dos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos. 76 Figura 11 - Jornal da Banda Grafith. Fonte: QRcode-20: Jornal - 1ª Edição do Jornal da E. E. Luis Antonio (Banda Grafith). Acesso em: 28 out. 2015. Nesse sentido, se inicialmente alguns artefatos culturais invadiam e adentravam os muros da escola sutilmente, atualmente são as próprias escolas que “de algum modo” abrem as portas e invocam meios para que esses artefatos culturais sanem as necessidades dos alunos, como é o caso da escola citada anteriormente. Se antes as manifestações culturais a partir do consumo de artefatos culturais eram observadas nos pequenos detalhes, quase ocultos, minuciosos e reprimidos, hoje não é mais assim, tais manifestações se impõem e reinventam novas situações dentro da escola, abalam a ordem e criam novas cenas e, assim, produzem novos sujeitos com novas necessidades. Utilizo-me das teorizações de Tomazzoni (2009b) para fazer algumas considerações em relação à reinvenção dos cenários escolares a partir do consumo das músicas aqui pesquisadas. De acordo com o autor, a mídia atua como uma pedagogia cultural que nos ensina lições de dança. Busquei associar os ensinamentos das músicas pop com conteúdos eróticos à Lição 3 da tese de Tomazzoni (2009b). Esclareço que essas músicas são entendidas 77 aqui como pedagogias culturais que operam estratégias pedagógicas e constituem os sujeitos. A Lição 3 da tese de Tomazzoni (2009b) nos ensina que “Você pode dançar a toda hora e em todo lugar”. Partindo desse pressuposto, porque não dançar e cantar música pop com conteúdos eróticos na escola? Neste sentido, a escola também pode servir de cenário para as coreografias sensuais e os cantos com conteúdos eróticos. De acordo com Tomazzoni (2009b) a mídia que nos convida a dançar a toda hora e em todo lugar não respeita território e pode inclusive embaralhá-los. “Não é preciso distinguir onde nem quando, mas sim acreditar na possibilidade dançante” (TOMAZZONI, 2009b, p. 182). A partir dessa breve relação com os estudos de Tomazzoni (2009b), minha intenção foi mostrar que os cenários escolares podem se configurar como um espaço que aciona as pedagogias culturais decorrentes das músicas pop com conteúdos eróticos. Cabe sublinhar que as manifestações culturais das músicas pop com conteúdos eróticos não se dão de maneira homogênea em todas as escolas, isto é, da mesma forma, a partir das mesmas situações apontadas nesta secção. Contudo, de uma maneira ou de outra, esse tipo de expressão cultural chega à maioria delas. O que continua a me motivar e a me inquietar é o caráter plurifacetado das escolas e as formas particulares de como os sujeitos infantis se constituem a partir da interpelação das músicas pop com conteúdos eróticos. Dessa forma, com uma condição de pesquisa de inspiração etnográfica e com o objetivo de sanar tais inquietações, na próxima seção descrevo em linhas gerais as principais características da escola e dos sujeitos com que realizei a pesquisa. 3.2 Estar lá na escola e a experiência de perceber as crianças pesquisadas ‘Estar lá’ autoralmente, palpavelmente na página, é de qualquer forma um truque tão difícil de realizar quanto ‘estar lá’ pessoalmente, o que, afinal, dificilmente demanda mais do que uma reserva de viagem e a permissão de desembarque, uma vontade de enfrentar uma certa quantidade de solidão, invasão de privacidade e desconforto físico, um estilo relaxado frente aos tumores esquisitos e febres inexplicáveis, uma capacidade de permanecer calmo frente aos insultos artísticos, e o tipo de paciência que possibilite suportar uma busca interminável de agulhas invisíveis em infinitos palheiros. (GEERTZ, 1998, p. 220). Com base na afirmação de Geertz (1998), o termo “estar lá” foi utilizado por ele para escrever sobre os desafios de uma pesquisa etnográfica. Estar presente ativamente na pesquisa significa, entre outras questões, a capacidade de superar os obstáculos que surgem ao longo da 78 pesquisa. O autor cita o termo “paciência” para se referir à disponibilidade de busca “interminável de agulhas invisíveis em infinitos palheiros”. Corroboro com as ideias de Geertz (1998) e considero tal busca como um processo difícil e complexo. Associo o palheiro aos sujeitos e aos cenários da pesquisa e as agulhas entendidas como os saberes que cada pesquisador produz a partir dos dados que interpreta dos sujeitos, dos espaços sociais que investiga. A seguir procuro justificar o local em que foi desenvolvida a pesquisa, bem como caracterizo as crianças pesquisadas. Antes de iniciar a caracterização, gostaria de evidenciar algumas considerações a respeito do local em que foi realizada a pesquisa de campo, a escola. Assim, justificar porque esta pesquisa foi desenvolvida na escola e não em outro lugar. A escola tem um papel fundamental nos primeiros processos de socialização do sujeito, é por meio dela que a maioria das crianças têm a oportunidade de se relacionar com outras crianças. Sobre o processo de escolarização, Louro (2002, p. 128) argumenta: [...] é no dia-a-dia comum, nas ações rotineiras e aparentemente banais, que a escola produz e reproduz os sujeitos nas suas diversidades e desigualdades. É também nesses espaços cotidianos que os sujeitos constroem suas respostas, suas resistências e adesões, fazendo-se a si mesmos. Desde a Modernidade a família e a escola passam a ter um papel fundamental no desenvolvimento das experiências centrais educativas dos sujeitos, pois “A ambas é delegado um papel cada vez mais definido e mais incisivo, de tal modo que elas se carregam cada vez mais de uma identidade educativa” (CAMBI, 1999, p. 203). Entretanto, na contemporaneidade, o caráter educativo e pedagógico de formação dos sujeitos deixa de ser exclusivo da família e da escola, passa a romper fronteiras e estar presente em todos os âmbitos culturais. Embora a escola venha perdendo o seu caráter de “exclusividade” de formadora, ainda assim, desempenha um papel fundamental quando o que se está em questão é a formação do sujeito. Algumas intenções da pesquisa foram fundamentais para elencar os critérios de escolha da escola, partindo do pressuposto que há uma maior incidência do consumo das músicas pop com conteúdos eróticos nos bairros populares da cidade do Natal. Assim, desenvolvi a pesquisa de campo de acordo com os seguintes critérios: ser uma escola pública; que contemplasse a Educação Infantil; pertencente a uma comunidade popular e acessível à pesquisadora. 79 A escolha de uma escola pública para a realização da pesquisa de campo se deve ao fato dessas escolas possibilitarem uma maior abertura para compreender os diferentes processos de socialização dos sujeitos. No caso das escolas privadas, suas especificidades viabilizam maneiras próprias e/ou autônomas de socialização. Outro aspecto importante é que há um conjunto de possibilidades que viabilizam e incentivam os pesquisadores provenientes das universidades federais brasileiras a realizarem pesquisas em instituições públicas. Ao mesmo tempo, é válido ressaltar que o consumo dessas músicas não é restrito aos alunos das escolas públicas, pois atinge a um público em geral. Poderíamos indagar: porque o foco dessa pesquisa está em crianças da Educação Infantil? Considerar os sentidos e as experiências das crianças pequenas em relação ao consumo das músicas pop com conteúdos eróticos nos propõe uma reflexão sobre como esses sujeitos infantis estão sendo constituídos através das suas práticas culturais num espaço e tempo definidos por suas vivências. Quando os professores assumem o compromisso de lidar com a formação das crianças pequenas, devem considerar que estas também interagem com o outro, com a cultura e com o mundo. Outro aspecto que me inquietou é o fato de crianças tão pequenas consumirem e se apropriarem dos discursos das músicas pop com conteúdos eróticos. Evidencio ainda, que estou entendendo e tratando a infância como um período cada vez mais “comprimido” seja no tempo vivido pelas crianças, seja na existência de novos conceitos, como a pré-adolescência. Ressalto ainda que, na Educação Infantil, os processos de interações se potencializam e fluem de tal forma que as crianças se tornam protagonistas das suas vidas no contexto escolar, diferente de outras etapas da educação onde, muitas vezes, os protagonistas são os professores. Em relação ao critério ser acessível à pesquisadora ele foi elencado para que as frequentes visitas à escola fossem feitas com mais facilidade. Já o critério ser uma escola pertencente a um bairro popular foi escolhido ao se partir do pressuposto de que nesses bairros há uma maior incidência das músicas pop com conteúdos eróticos. Tal pressuposto justifica-se a partir da minha inquietação enquanto moradora do bairro Potengi, onde a referida escola está localizada, observo que há uma intensificação da circulação das músicas pop com conteúdos eróticos no bairro. Existe uma frequência de carrinhos de som que circulam pelas ruas, tocando, na maioria das vezes, músicas com conteúdos eróticos. Destaco apenas um exemplo, entre muitos, para chamar atenção da “paisagem sonora” do bairro que age como um dispositivo de estímulo ao consumo e, aí, as crianças ficam sujeitas a essas situações e disponíveis ao consumo dessas músicas. 80 Todos esses fatores conduziram-me a desenvolver essa pesquisa com os alunos no ano de 2015, de uma turma de crianças do nível IV (Matutino), em um Centro Municipal de Educação Infantil de Natal - Rio Grande do Norte. As observações ocorreram no período de março a junho de 2015, realizando em média duas visitas por semana. Feitas essas considerações sobre a escola, pretendo agora caracterizar os sujeitos da pesquisa. As observações foram feitas com alunos que apresentam entre cinco e seis anos de idade, pois estes conseguem se expressar com mais propriedade, levando em consideração estudos relacionados ao desenvolvimento humano na Psicologia50, as crianças nessa faixa etária são mais propícias a falar e a desenvolver argumentações. Em relação ao número de alunos e alunas do nível IV, havia 11 meninos e 9 meninas, oriundos do bairro onde está localiza a escola e suas adjacências. Nas observações fiquei atenta, principalmente, aos momentos livres da rotina, as brincadeiras no pátio e parque. Partindo-se do pressuposto de que são nesses momentos mais livres que as crianças se sentem à vontade para cantar e dançar músicas pop com conteúdos eróticos. Nesses momentos (representados pelas figuras 12 e 13), pude perceber alguns aspetos fundamentais para melhor compreender como essas músicas operam na constituição das identidades das crianças sujeitos da pesquisa. Figura 12 - Crianças brincando no parque. Figura 13 - Crianças dançando na escola. Fonte: Arquivo Pessoal da Pesquisadora. Fonte: Arquivo Pessoal da Pesquisadora. As crianças observadas apresentavam comportamentos diversificados. Enquanto algumas eram mais introspectivas outras eram mais comunicativas, gostavam de falar sempre expondo o que pensavam. Durante a observação pude notar que enquanto algumas crianças 50 Felipe (2001) baseado nas teorias psicogenéticas de Wallon argumenta que no estágio sensório- motor (um a três anos de idade aproximadamente) a criança já iniciou o processo de simbolização e a partir do segundo ano esse processo pode ser marcado pela fala. Assim, as crianças de cinco anos já passaram por essa fase e conseguem sistematizar suas argumentações com mais propriedade. 81 gostavam de cantar músicas pop com conteúdos eróticos e dançar as coreografias sensuais expostas na mídia, outras eram mais retraídas. Assim, é importante considerar as particularidades de cada criança e seus específicos processos identitários, sem querer enquadrá-las em uma teoria linear que define que os comportamentos das crianças devem ser semelhantes, levando em consideração apenas a faixa etária. A maior parte das crianças demonstrou ser interpelada pelo consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos, pude perceber isso ao observar conversas entre as próprias crianças, em momentos coletivos ou quando brincavam livremente, e também ao analisar os desenhos que eles(as) faziam e me presenteavam, entre outras situações. É interessante notar que muitas das crianças que observei têm pais jovens, quase todos com média de trinta anos. O que nos revela que são pais frutos dessa geração que tem como marca a efemeridade e a fluidez dos acontecimentos, na qual as músicas aqui pesquisadas se propagam e seduzem os sujeitos a consumi-las. Embora não seja um dos objetivos dessa dissertação, é importante problematizar: “- Por que as músicas pop com conteúdos eróticos fazem tanto sucesso entre o público jovem? E por que tais músicas se repetem com tanta frequência nas periferias e nos bairros populares? Os inúmeros atravessamentos, culturais, sociais, midiáticos, entre outros, operam de maneiras específicas na constituição das identidades infantis. Quando as crianças cantam ou dançam músicas pop com conteúdos eróticos, podem ser julgadas como “diferentes”, “anormais”, com frases do tipo “isso não é música para criança”. Portanto, as identidades “normais” só podem ser entendidas em relação às “diferentes”. Nesse sentido, Silva (2014, p. 76) argumenta que “a identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas de um mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais”. É necessário esclarecer que esta pesquisa não se trata de um estudo de recepção das músicas pop com conteúdos eróticos. Mas julguei necessário fazer alguns questionamentos e convidei as crianças a falar acerca de tais músicas, como nas situações do grupo focal, com a finalidade de fornecer indícios sobre como somos constituídos em meio às relações culturais e sociais. Outras observações e demais informações referentes ao cotidiano das crianças, principalmente em relação às suas posturas, quando o que está em questão são as músicas pop com conteúdos eróticos poderão ser identificadas ao longo das análises no Top IV desta dissertação. 82 TOP IV 4 AS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS CONSTITUINDO UMA IDENTIDADE INFANTIL EROTIZADA NA CONTEMPORANEIDADE 4.1 Desce, sobe, empina e rebola51: o corpo educado para sensualizar Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a imagem que dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os sentidos que nele se incorporam, os silêncios que por ele falam, os vestígios que nele se exibem, a educação de seus gestos... enfim, é um sem limite de possibilidades sempre reinventada e a serem descobertas. (GOELLNER, 2007, p. 29). Inicio este capítulo citando Silvana Vilodre Goellner, pois ela nos faz pensar sobre como o corpo é construído a partir dos significados culturais, sociais e históricos que a ele se atribui. Pensar o corpo nessa perspectiva significa desconstruir um olhar naturalista e perceber que o mesmo também é constituído “na” e “pela” cultura (GOELLNER, 2007). Assim, nesta seção sugiro pensar o corpo, a cultura e a identidade de forma articulada, pois estes podem ser considerados como pontos de uma rede que estão fundamentalmente imbricados na constituição dos sujeitos. A centralidade cultural que o corpo vem assumindo na sociedade contemporânea nos faz refletir sobre os processos de constituição das identidades. Pensar sobre as significações do corpo, seus gestos, sua estética, seus sentidos representados pelas roupas e acessórios, também é pensar sobre as identidades. Desse modo, observamos como a cultura assume uma posição de destaque ao criar discursos que constituem e reproduzem os corpos. Esse modo de pensar nos leva a perceber que o corpo imprime marcas que definem as nossas identidades. “A cultura molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar entre as várias identidades possíveis” (WOODWARD, 2014, p. 19). Entendo que as músicas pop com conteúdos eróticos, amplamente veiculadas pela mídia, constituem identidades específicas. Tais músicas atuam como pedagogias culturais ensinando aos corpos infantis e adultos modos de se comportar e principalmente de sensualizar. A sensualidade pode ser entendida neste estudo como estratégias, imersas nas 51 Expressão inspirada na música “Toda gostosa” do Mc Leozinho. 83 relações de saber-poder, as quais regulam os corpos ensinando modos de ser sexy, isto é, de saber seduzir, de como ser sensual, de como ter e conduzir um corpo erótico. Observamos na televisão, na internet em sites como YouTube, na publicidade, nos shows, nas ruas e até mesmo nas escolas as formas de funcionamento dessa engrenagem que estimula estratégias de sensualidade e erotização sobre o corpo. Com isso quero dizer que os corpos que ganham destaque para dançar/cantar as músicas pop com conteúdos eróticos são caracterizados, principalmente, pelos músculos sarados, corpos siliconados, fortes, gostosos (saliente, exuberante, que se destacam pelas curvas que possui) enfim, “corpo do pecado”, tal expressão popularmente usada na sociedade contemporânea para se referir ao corpo que seduz e causa atração. Dito isso, chamo atenção para a fabricação do corpo infantil. As crianças estão constantemente aprendendo a produzir os seus corpos de diversas formas, a partir das relações sociais e culturais e também na interação com o outro – a família, os amigos, os ídolos (apresentados pela mídia de modo geral). Na atualidade, desde muito cedo muitas crianças se preocupam com as construções, modificações e a reinvenção dos seus corpos. “O corpo, tal como a vida, está em constante mutação. As aparências físicas demonstram de modo exemplar esta tendência: elas nunca estão prontas, embora jamais estejam no rascunho” (SANT’ANNA, 2000, p. 50). Tal preocupação com a aparência física e a intensa necessidade de mutação tem angustiado não só os adultos, mas também as crianças, principalmente as meninas. A seguir descrevo uma cena que foi observada na escola pesquisada, a qual nos permite refletir sobre essas práticas de construção do corpo infantil erotizado. # No horário que antecede a refeição do almoço, alguns alunos da turma do Nível II, crianças entre 2 e 3 anos, estavam sentados esperando a vez da turma para ir ao refeitório. Neste momento, um dos alunos começou a cantar, em alto e bom som, uma música pop com conteúdos eróticos de sucesso local. No instante que o referido aluno começou a cantar a música, os demais alunos da turma acompanharam o seu colega, e em coro cantaram trechos musicais como: Liga pro samu!/ Well, well, well/ Chama o samu!/ Well, well, well/ Ela bebeu demais/ Vai tomar glicose no bumbum [...] Aplica, aplica/ Aplica no bumbum[...]. Concomitantemente, a aluna Mc Mary, contagiada pela energia da turma, intensificada pelo canto da canção, sentiu a necessidade de dançar a coreografia da música. Especialmente coreografando o refrão: “Aplica, aplica/ Aplica no bumbum”. Logo em seguida a professora da turma exclamou: Professora A: – Acho que a Mc Mary vai querer ser dançarina quando crescer. Mc Mary: – Quando eu crescer eu vou querer ir pra academia, malhar bumbum! (Diário de campo, 12 maio 2015). 84 Com base na cena descrita, podemos perceber que na contemporaneidade há uma preocupação excessiva com a construção dos corpos. De modo geral, as crianças do nosso tempo também tentam se apropriar de certas marcas identitárias, evidentes na cultura em que vivem, para se adequar a um “estilo” de produção corporal. No que se refere à menina citada, percebemos a excessiva preocupação com a modelagem do bumbum “ideal”. A necessidade de frequentar uma academia de ginástica o mais cedo possível, amplia a noção de atividades físicas para crianças apenas como um momento prazeroso de recreação. É importante ressaltar que associados ao posicionamento da garota que gostaria de se ocupar na produção de um corpo “fitness”, há um conjunto de aspectos culturais complexos que reforça o seu posicionamento. Cito como exemplo os maciços investimentos, principalmente das brasileiras, nos corpos com a finalidade de construí-los dentro dos padrões culturais legitimados que reforçam a visão de um corpo sensual e erotizado, evidenciando partes do corpo como bumbum, pernas e barriga. Vale ressaltar que a preocupação com a dança, e consequentemente com o corpo que dança as músicas pop com conteúdos eróticos, demanda outras necessidades de cuidados com a imagem, por exemplo, o uso de roupas curtas e justas com o corpo excessivamente à mostra. Entre as roupas e os acessórios que circulam no universo das músicas pop com conteúdos eróticos destacam-se os shorts curtos, as blusas top, as blusas com bojo, as correntes com medalhões (ostentação), os piercings, os bonés, etc. A cena a seguir mostra-nos que, quando as crianças são interpeladas pelas músicas pop com conteúdos eróticos, elas se apropriam de um visual sensual e erotizado que os ídolos de tais músicas costumam usar. # Pesquisadora: – Existe um modo de se vestir apropriado para dançar essas músicas que assistimos no vídeo? Qual? Mc Juju: – Anitta veste short curto. Pesquisadora: – Vocês gostam da maneira como ela se veste? Mc Flor e Mc Alice: – Sim! Pesquisadora: – Por que vocês gostam da maneira que ela se veste? Mc Flor: – Porque ela é a mais linda, neh Mc Alice? (Grupo focal 2, 16 jun. 2015). Não tenho a pretensão de julgar tais posicionamentos culturais, mas busco evidenciar e problematizar o borramento de fronteiras entre adultos e crianças no que diz respeito à 85 constituição do corpo. Toda essa ênfase que implica na produção de corpos infantis cada vez mais “adultizados”, marcados pelos efeitos da mídia, têm estimulado o desenvolvimento de estudos e problematizações acerca da “erotização dos corpos infantis” (FELIPE, 2007; FELIPE; GUIZZO, 2003; BECK, 2012). Assim, de igual modo às autoras citadas, lancei um olhar capilar sobre esse fenômeno que implica na constituição de um modelo de corpo admirado, desejado, atraente, sedutor e erotizado. Vale ressaltar ainda que a preocupação em busca de um corpo “ideal” parece acontecer de forma exacerbada em nossa sociedade, destacando-se principalmente uma cultura que produz imagens erotizadas dos sujeitos. Os corpos vêm sendo instigados a uma crescente erotização, amplamente veiculada através da TV, do cinema, da música, dos jornais, das revistas, das propagandas, outdoors, e, mais recentemente, da internet, tem sido possível vivenciar novas modalidades de exploração dos corpos e a sexualidade. (FELIPE, 2007, p. 56). A autora nos leva a pensar sobre a construção cultural do corpo atrelada ao consumo de artefatos culturais midiáticos como músicas, revistas, propagandas, entre outros; chamando atenção para o processo de erotização. Instigada pela afirmação da autora busco apontar algumas estratégias de investimentos em relação às formas de construção identitária do corpo com base no consumo das músicas pop com conteúdos eróticos. Um exemplo que nos ajuda a perceber algumas questões sobre a produção dos corpos atrelada às referidas músicas pode ser vislumbrado na cena a seguir: # Em um momento livre, na hora do parque, uma das meninas chamou um grupo de amigas para ensaiar. Enquanto observava tal cena, perguntei por que elas precisavam ensaiar, pois imaginava que poderia se tratar de alguma apresentação e/ou evento que aconteceria na escola. Uma das meninas respondeu que elas precisavam ensaiar a coreografia do Show das poderosas, pois se apresentariam no Programa do Raul Gil. Logo em seguida, observei a seguinte discussão: Mc Mariana:– Ela não quer ensaiar! (Expressão de surpresa). Mc Amanda: – O pastor briga se a gente ficar balançando a bunda com short curto para todo lado. Mc Mariana: – Ela não quer ensaiar, fica me achando com cara de palhaça! Por um acaso você é “santa”? (Diário de campo, 26 maio 2015). Utilizo-me dessa cena para problematizar a constituição das identidades infantis erotizadas, bem como evidenciar alguns marcadores dessa identidade. Neste sentido, 86 considero interessante iniciar a análise dessa cena destacando que a “imitação” de atos, estilos e comportamentos dos artistas que cantam as músicas pop com conteúdos eróticos e dançam as coreografias sensuais, tem uma valorização muito significativa para as crianças da contemporaneidade. Tal “imitação” entendida aqui como um momento espontâneo e lúdico, que permite o desenvolvimento do imaginário das crianças. Para Mc Mariana o ato de imitar a cantora e suas bailarinas era tão significativo que a mesma demonstra bastante indignação ao perceber que uma de suas colegas recusou o seu convite para ensaiar a música Show das poderosas. O posicionamento da Mc Amanda, optando por não ensaiar, pois não queria expor seu corpo, nos estimula a pensar sobre a íntima relação entre o corpo e o consumo. De acordo com Andrade (2007, p. 113) “A construção e a negociação das diferentes identidades passam hoje, necessariamente, pelo corpo e são associadas ao consumo”. Nesse viés, o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos implica em posicionamentos corporais que definem identidades específicas. Com a finalidade de exemplificar essa íntima relação entre o corpo e o consumo recorro à fala da Mc Amanda, ao mencionar: O pastor briga se a gente ficar balançando a bunda com short curto para todo lado. A partir dessa fala, percebemos que estão em jogo três fatores distintos, mas intimamente imbricados: o consumo das músicas pop com conteúdos eróticos; as marcas desse consumo no corpo; e a constituição das identidades. Dito de outro modo, podemos evidenciar o consumo cultural da música ao colocar o ensaio como uma condição da “brincadeira”: as marcas desse consumo no corpo ao perceber os efeitos decorrentes desse consumo, como o uso de short curto e o movimento coreográfico evidenciando o bumbum. E por fim, como um ponto que atravessa esses aspectos destaco a constituição da identidade. A partir dessas reflexões corroboro com as ideias de Andrade (2007, p. 120) ao afirmar que “há um mundo na cultura de commodities capaz de identificar, de tornar visíveis os grupos de acordo com as escolhas que cada um faz, marcando no corpo as pertenças, os lugares que ocupamos, as identidades que construímos”. Outro aspecto que suscita reflexões acerca da constituição da identidade se configura a partir da seguinte fala da Mc Mariana: ela não quer ensaiar, fica me achando com cara de palhaça! Por um acaso você é “santa”? A referida garota parece não se importar com a exposição do seu corpo ao dançar a música Show das poderosas. Além disso, Mc Mariana repreende o posicionamento da sua colega colocando em jogo outros valores, saberes e discursos que implicam em um modo de ser específico, ao exclamar: Por um acaso você é “santa”? Pode-se entender, nesse registro, que a construção de significados se faz no âmbito 87 das práticas discursivas, da linguagem que implica na construção de diferentes modos de pensar. A própria palavra “santa”, neste contexto, adquire intencionalidades que compõem um conjunto de estratégias de controle e regulação de práticas voltadas para a educação da gestualidade do corpo. A ideia da “santidade” relaciona-se muito mais à religião, neste caso a cristã, cujos pressupostos de controle do corpo são voltados para a regulação da conduta. Com base no que foi dito pela Mc Mariana, só seria aceitável uma justificativa para a recusa dos ensaios das danças sensuais se a Mc Amanda tivesse “um corpo santo”. O controle do corpo não se refere apenas a questões pessoais e/ou individuais, mas esse tema envolve outras instâncias que também implicam na educação dos corpos dos sujeitos. Conforme aponta Weeks (2013, p. 39): Embora se possa argumentar que as questões relativas aos corpos e ao comportamento sexual têm estado, muito tempo, no centro das preocupações ocidentais, elas eram, em geral, até o século XIX, preocupações da religião e da filosofia moral. Desde então, elas têm se tornado a preocupação generalizada de especialistas, da medicina e de profissionais e reformadores morais. (Destaques meus). Diante da afirmação do autor, até o século XIX as preocupações com o corpo se concentravam na religião e na filosofia moral. Apesar de outras instâncias passarem a se preocupar com a referida temática, ainda assim, a religião desempenha um papel fundamental na produção e controle dos corpos, como ficou claro na fala da criança quando se referiu ao pastor, por exemplo. É interessante mostrar ainda como fio condutor outro aspecto de todas essas questões sobre o controle, vigilância, modelação e produção do corpo. Passemos agora a problematizar e a indagar sobre quais são os significados, valores e saberes que estão em jogo para a construção de uma aparência corporal erotizada no que diz respeito as músicas pop com conteúdos eróticos. Partindo desse entendimento, é importante termos em mente que as marcas corporais só fazem sentido se compreendidas dentro do contexto de uma cultura. Neste caso, devemos pensar em como as músicas pop com conteúdos eróticos imprimem “marcas definidoras” nos corpos, buscando torná-los mais sensuais. Ao enfocar essa temática do corpo construído culturalmente, Louro (2000, p. 61) destaca: 88 Na concepção de muitos, o corpo é ‘dado’ ao nascer; ele é um legado que carrega ‘naturalmente’ certas características, que traz uma determinada forma, que possui algumas ‘marcas’ distintivas. Para outros, no entanto, é impossível separar as duas dimensões. Nessa perspectiva, o corpo não é ‘dado’, mas sim produzido - cultural e discursivamente - e, nesse processo, ele adquire as "marcas" da cultura, tornando-se distinto. (Destaques meus). Não podemos, porém, falar apenas em uma construção naturalista do corpo, pois este como a própria autora enfatiza, não é algo “dado” e fixo, mas construído culturalmente, maleável e que pode escapar das convenções sociais legitimadas. Sendo assim, enredados por uma cultura em que as músicas pop com conteúdos eróticos se destacam, poderíamos começar pensando sobre quais são essas marcas corporais que constituem as identidades infantis erotizadas? E o que elas, supostamente, nos indicam? Penso as marcas corporais tentando compreender as identidades, como ressalta Woodward (2014, p. 40) “A identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença”. De igual modo às identidades, as marcas corporais só passam a existir a partir da diferença. É importante frisar que compreendo que essas marcas não são os únicos aspectos definidores das identidades, mas utilizo-me dessa característica para melhor compreender as identidades infantis erotizadas. De acordo com Hall (2014a) as sociedades da modernidade tardia são caracterizadas pela “diferença”, tais sociedades são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem variadas “posições de sujeitos”, isto é, identidades. Sendo assim, podemos tecer novas articulações na medida em que existe a construção de novas identidades e a produção de novos sujeitos. Se imaginarmos como é visto o corpo de uma criança, supostamente associaríamos a um corpo puro, meigo e dócil que caracteriza uma identidade infantil legitimada. No caso das crianças que consomem culturalmente as músicas pop com conteúdos eróticos, estas se apropriam de marcas corporais que definem identidades infantis erotizadas e que terminam por escapar das convenções sociais legitimadas. Um exemplo disso é o fascínio das crianças por determinadas posições e coreografias popularizadas através das músicas pop com conteúdos eróticos. Isso fica claro quando as meninas escolheram expressões faciais e poses que ressaltam as suas sensualidades para posar para a foto. As bocas que fazem “biquinho” e a mão sob o queixo como mostra na figura 14, nos remetem a trechos de músicas como “até você vai ficar babando” (Música Show das poderosas - Anitta), bem como o jeito de se portar ao inclinar um pouco o quadril, tentando mostrar as curvas do corpo; além de todas essas 89 características também é possível observar as caras e bocas expressando os olhares sedutores. Esses aspectos são marcas corporais definidoras de uma identidade infantil erotizada. Figura 14- Fazendo “biquinho”. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. Minhas observações como pesquisadora me permitiram compreender que, apesar das músicas pop com conteúdos eróticos serem dirigidas para o público em geral, as crianças, principalmente as meninas, evidenciam muito mais o lado sensual ao ter contato com essas músicas. São elas que demonstram mais interesse em sensualizar, dançar de um jeito sexy e se mostram mais engajadas em uso de acessórios e adereços que ressaltam a sensualidade. Cabe aqui lembrar que as marcas corporais provenientes dos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos, no caso específico dos meninos, permite a visualização de um corpo sensual ao ressaltar os órgãos genitais masculinos quando dançam/cantam esse tipo de música. Neste caso, o homem, na maioria das vezes, é representado discursivamente por essas músicas como um ser másculo, viril e potente sexualmente. Pensar sobre o corpo e os efeitos de poder das músicas pop com conteúdos eróticos sobre ele é um processo extremamente complexo, pelo qual somos instigados a entender como as crianças investem e constituem os seus corpos através do que é “ditado” por essas músicas, pelos cantores, dançarinos, clips, de forma a se comportar, se expressar, se vestir, e andar, sensualmente e eroticamente. Entre uma gama de possibilidades existentes na cultura, utilizo uma sequência de imagens, retiradas de um vídeo que obteve milhões de acesso na internet, para exemplificar como as peças que compõem as identidades infantis erotizadas estão dispostas sutilmente, exercendo uma forma de micropoderes em nosso cotidiano. 90 No vídeo, um garoto de apenas 6 anos de idade dança a música Lepo Lepo52 da banda Psirico. Na letra da referida música há um forte apelo à erotização, tanto no conteúdo da letra quanto nos movimentos utilizados para dançar, apresentando trechos como: “Eu não tenho carro, não tenho teto/ E se ficar comigo é porque gosta/ Do meu rá rá rá rá rá rá rá o lepo lepo/ É tão gostoso quando eu rá rá rá rá rá rá rá o lepo lepo”. O termo “Lepo Lepo”, neste caso, refere-se às variadas formas de práticas sexuais existentes. A coreografia da música é marcada por gestos que lembram posições sexuais e articulações com o corpo que enfatizam os órgãos genitais. Como podemos observar nas imagens a seguir: Vídeo 01 - Sequência do Menino dançando Lepo Lepo. Fonte: QRcode-22. Acesso em: 21 dez. 2015. A propagação e o consumo de imagens como essas produzem novas culturas, novos corpos e novos padrões de sensualidade. Não são raras as vezes que as crianças aparecem de forma erotizadas nos vídeos divulgados na internet, nos quais os seus corpos são estimulados a se portarem de forma sedutora. Se antes não era tão comum às crianças se comportarem de maneira sexy, na contemporaneidade encontramos com frequência tal comportamento. Para 52 Música Lepo Lepo. Letra disponível em QRcode 21: Acesso em: 21 dez. 2015. 91 Foucault (2014), as formas do poder se exercer sobre o corpo vem mudando sutilmente. Se antes existia uma vigilância do corpo baseada no controle-repressão, agora podemos perceber um investimento no corpo fundamentado no controle-estimulação, como se a vigilância e a valorização do corpo fossem lados da mesma moeda. Nas palavras de Foucault (2014, p. 236): O corpo se tornou aquilo que está em jogo numa luta entre os filhos e os pais, entre a criança e as instâncias de controle. A revolta do corpo sexual é o contra efeito dessa ofensiva. Como é que o poder responde? Por meio de uma exploração econômica (e talvez ideológica) da erotização, desde os produtos para bronzear até os filmes pornográficos... Como resposta a revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle- estimulação: ‘Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!’. (Destaques meus). A expressão que finaliza a afirmação acima de Foucault (2014) Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!, nos instiga a pensar sobre os processos de controle-estimulação do corpo como pontos de articulação da mesma rede. Ao mesmo tempo em que se é estimulado a ficar nu..., existe um conjunto de condições que regulam a produção e a exposição dos corpos. Processo parecido ocorre quando pensamos no consumo das músicas pop com conteúdos eróticos pelas crianças. Ao mesmo tempo em que há uma enorme preocupação com o limite do “permitido” e do “não permitido” para as crianças, no que se referem às falas, atitudes e gestos ambíguos e erotizados, vive-se uma cultura na qual as crianças são estimuladas e convocadas a se portarem de maneira sensual, como pode ser visto nos vídeos que são divulgados e supervalorizados na internet. Tais vídeos divulgam imagens de crianças erotizadas, seus corpos são representados de maneira sexy ao dançarem e cantarem as músicas pop com conteúdos eróticos. Assim, podemos inferir que os discursos interessados na produção dos corpos são plurifacetados, contraditórios e conflitantes. Poderia registrar aqui muitas cenas que reafirmam alguns efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos na produção dos corpos infantis. Um dos discursos recorrentes nessas músicas é a ênfase no apelativo que ditam para pessoas: Sejam sensuais! Tal apelativo impulsiona uma precoce erotização das crianças, expressa através dos insinuantes movimentos corporais utilizados para dançar as músicas pop com conteúdos eróticos. Ao consumir essas músicas as crianças aprendem qual atitude se espera delas, isto é, espera-se uma atitude sensual/sexy e erótica, tornando-se menina-mulher e menino-homem cada vez mais precocemente. 92 Durante o período de observação presenciei cenas que remetem principalmente à produção de um corpo sensual, cito aqui trechos musicais que foram cantados pelas crianças para se referir ao próprio corpo: Sou um gordinho gostoso, gordinho gostoso53 (Mc Diego, 5 anos, Diário de campo, 14 abr. 2015). Tal trecho musical foi cantado por uma criança acima do peso. A referida expressão reforça a ideia de que ser gordinho não o impede de ser sensual. Outro trecho musical cantado por uma das crianças pesquisadas para se referir ao seu próprio corpo como bonito e atraente foi o seguinte: Normal, mamãe passou açúcar em mim54 (Mc Marcos, 5 anos, Diário de campo, 10 abr. 2015). Trago as falas das crianças para dizer que um dos modos possíveis de entender como elas constroem as suas identidades é lançando um olhar para os seus processos de identificação, isto é, perceber que práticas de identificação estão sendo produzidas pelas crianças na contemporaneidade. Neste caso, as crianças se identificaram com os trechos musicais citados e ao cantá-los com a finalidade de se autodefinir, reafirmaram as suas identidades. Com base nesse raciocínio, Hall (2014a, p. 24-25) nos chama atenção para o fato de que: Em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar em identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. Com base nas argumentações apontadas pelo autor sobre os processos de identificação, podemos inferir que a identidade está sempre em processo de formação, esta é constituída por vários processos de identificação. E para compreender como a identidade infantil erotizada é constituída sugiro pensar nos processos de identificação dos sujeitos infantis com as músicas pop com conteúdos eróticos. Tais músicas podem ser encontradas em diversos locais como rádio, televisão, internet, shows, bares, festas de aniversários, carrinhos de som que circulam pelas ruas, etc. A variedade de locais que propagam as músicas pop com conteúdos eróticos e a repetição dessas músicas de forma demasiada na mídia promovem um fácil processo identificação. Dessa forma, as crianças consomem principalmente os significados das músicas pop com conteúdos eróticos, conhecem as músicas, cantam, dançam e se identificam com as 53 54 Refere-se à música Gordinho gostoso do cantor Neto LX. Refere-se à música Normal, mamãe passou açúcar em mim do Mc Duduzinho. 93 celebridades que representam essas músicas. Esse processo de identificação e pertencimento faz com que as crianças disciplinem seus corpos de acordo com os padrões de espetacularização das músicas pop com conteúdos eróticos, no qual o corpo pode ser entendido como um texto anunciador de aspectos culturais, neste caso, esse tipo musical através das marcas de identificação anuncia um estilo de corpo sensual e erotizado. Recorro às palavras de Woodward (2014, p. 15), já que a autora assinala que “o corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem nós somos, servindo de fundamento para a identidade”. Nota-se que muitas são as evidências da construção de um corpo sensual e erotizado, influenciado pelos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos na infância. Destaquei alguns exemplos em especial, mas reafirmo que são apenas alguns pontos de discussão que compõem a trama da identidade infantil erotizada. Na próxima seção tratarei de modo mais intenso sobre o borramento entre fronteiras de gerações proporcionado por tais músicas, com a finalidade de melhor entender a infância contemporânea e principalmente a identidade infantil em questão: identidade infantil erotizada. 4.2 “Curtindo um som” e borrando fronteiras de gerações A palavra “fronteira” suscita muitas reflexões, em especial nesta pesquisa, que se ocupa em problematizar a constituição da identidade infantil erotizada a partir do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. Demarcar fronteiras é algo que requer estabelecer limites, faixa, divisão, separação, linha, etc. No entanto, quando pensamos em “curtir” uma música, isto é, viver momentos efervescentes de prazer ao som de uma música que dura alguns instantes, existe a possibilidade de demarcar fronteiras? Principalmente quando as letras dessas músicas apresentam sentidos dúbios com ênfase em uma conotação sexual e que também sugere coreografias erotizadas e sedutoras que podem ser imitadas por adultos e crianças. Parece uma tarefa difícil, considerando o contexto da sociedade contemporânea, em que a mistura e a ambivalência é marca crucial. As possibilidades de classificação e separação perdem a evidência, pois a condição de multiplicidade prevalece. De acordo com Bauman (1999, p. 23) a “ambivalência é o próprio refugo da modernidade”. Neste sentido, ressalto que vivemos em um tempo em que por mais que se tente separar as coisas em caixinhas, as ideias múltiplas existirão mutualmente, estabelecendo um incessante embate. 94 Se pensarmos em relação à infância e às músicas pop com conteúdos eróticos, destacando o fato destas músicas não serem destinadas às crianças, percebemos que as fronteiras que demarcam essas diferenças estão cada vez mais “borradas”. Pensemos nesse borramento de fronteiras como efeito dos aspectos sociais e culturais. Por mais que essas músicas não sejam destinadas ao público infantil, este a consome. Esse consumo pode, em alguma medida, despertar nas crianças uma intensa necessidade de tornarem-se adultos. Neste contexto, há um borramento de fronteiras de gerações, tanto por parte das crianças que buscam se vestir e se comportar como adultos ao cantarem e dançarem as referidas músicas, como por parte dos adultos que desejam permanecer sempre jovem, ao apelarem por procedimentos estéticos que ajudam a realçar as suas sensualidades. Na contemporaneidade está se tornando cada vez mais comum as crianças pequenas comportando-se como se fossem adultos ou adolescentes/jovens. Fundamentando-se nos estudos de Sarlo (2013), posso dizer que essa necessidade de se tornar e/ou permanecer jovem refere-se à ideia de que a juventude comportaria um estado de felicidade com a vantagem de trazer à cena a sexualidade e, ao mesmo tempo, não arcar com as responsabilidades de uma vida adulta. Assim, a juventude se torna um estado almejado tanto pelas crianças quanto pelos adultos. “A infância quase desapareceu, encurralada por uma adolescência precocíssima. A primeira juventude se prolonga até depois dos 30 anos. Um terço da vida se desenvolve sob o rótulo de juventude, tão convencional quanto quaisquer outros rótulos” (SARLO, 2013, p. 4950). Os meios de comunicação, muitas vezes, reforçam essa ideia de “igualdade de gerações”, adultos e crianças praticamente vivenciam as mesmas experiências e compartilham as mesmas informações. Um exemplo disso é o agenciamento da carreira de algumas crianças no mercado musical pop. Na oferta de diversão e entretenimento, o mercado musical brasileiro com o suporte de divulgação da internet percebeu uma oportunidade, o posicionamento de crianças e jovens no comando de bailes funks. Os MCs mirins se tornaram uma estratégia de consumo que faz muito sucesso na contemporaneidade. O protagonismo desses MCs estimula o consumo do funk pesadão55 por crianças, além de lançar um novo modo de ser criança e viver a infância. Os MCs mirins se preocupam com o estilo de roupa que irão vestir, baseados em grandes produções, com muitos acessórios (correntes grossas/ostentação, bonés, saltos altos, blusas com bojo, cabelos coloridos); se comportam e se expressam de maneira adulta, com uma linguagem em que 55 Funks que apresentam conteúdos eróticos em sua composição. 95 prevalecem os palavrões e as gírias; escolhem o que vão consumir e terminam por convencer as outras crianças que aquele modo de ser deve ser o ideal para elas. Nessas condições, as crianças estão se tornando cada vez mais indistinguíveis dos adultos. Momo (2007, p. 327) ressalta que a cultura da mídia e do consumo atribuem formas para as crianças e para a infância que “são constantemente modificadas, substituídas, datadas, descartadas, potencializadas, reinventadas, ressignificadas [...]”. Imagens como estas a seguir (figura 15) circulam na mídia o tempo todo, constituindo identidades infantis erotizadas em potencial. Figura 15 - MC Brinquedo, MC Melody e MC Pikachu. Fonte: QRcode-23 Acesso em: 06 jan. 2016. Na imagem observada é possível identificar que na atualidade as crianças se apropriam do comportamento, gosto e preferências adultas. O MC Brinquedo, a MC Melody e o MC Pikachu fazem parte de um grupo de crianças que chama atenção na mídia porque a sociedade contemporânea supervaloriza a ideia de um adulto em miniatura, crianças prodígio, “engraçadinho o jeito que cantam e dançam”. Neste sentido, destaco que na contemporaneidade a criança se tornou um espetáculo para os adultos, passamos a utilizar a ideia de crianças entendidas como “adulto em miniatura” evidenciada por Ariès (1981) se 96 referindo às crianças da modernidade, no “caminho inverso”. Se antes não se consideravam as peculiaridades das crianças, tratando-as da mesma maneira que os adultos, na contemporaneidade vivemos um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se reconhecem as especificidades das crianças, elas são expostas na mídia valorizando e reforçando a ideia de “adulto em miniatura”, pois as crianças adultizadas, desde que erotizadas, despertam o público, dão dinheiro e lucro para o mercado. Vale lembrar que todas essas posturas estão carregadas de significações que atribuímos à infância e que não se trata apenas de evidenciar uma linha divisória entre crianças e adultos, mas de um processo muito mais complexo que promove a erotização precoce. Segundo Beck (2012, p. 181): Os reflexos desse fenômeno da erotização e da pedofilização são vistos nas práticas culturais hoje disseminadas no espectro social. Assistimos crianças buscando parecer mais à frente do seu tempo, envoltas num processo de ‘adultização precoce’ em que a avidez e a pressa sinalizam os caminhos a serem tomados pelas próprias crianças. A partir da afirmação da autora retomo a questão de que “pressa” em relação ao processo de formação das crianças implica em uma série de fatores que não respeitam as especificidades infantis. Por outro lado, viver numa sociedade marcada pela efemeridade e flexibilidade, em que tudo muda rapidamente, é difícil resistir, por exemplo, aos efeitos de um estilo musical que devido à sua popularidade penetra em cada recanto social e cultural. Na cena a seguir é possível perceber como as crianças estão imbricadas nessa trama cultural, em que restam poucos caminhos alternativos para resistir aos efeitos da mídia, em especial, aos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos. 97 # Na hora da roda inicial, momento em que a professora se reúne em círculo com os alunos para cumprimentá-los, conversar (partilhar ideias), explicar as atividades do dia, cantar músicas infantis, etc. Naquele dia a professora decidiu fazer uma dinâmica diferente, em vez de escolher a música que cantaria para os seus alunos na roda, sugeriu que os próprios alunos escolhessem. Assim, a professora colocou as mãos sobre os olhos, impedindo a sua visão, e apontou para um aluno aleatoriamente. Em seguida, a professora perguntou: Professora B:–Qual música você gostaria que cantássemos na roda, MC Roberto? MC Roberto:–Só pode ser o “Bonde passou”. Professora B:–Qual é essa música? Eu não conheço... ( expressão surpresa). Alunos:–É a do MC Gui (alunos gritaram em coro). MC Roberto:– É aquela “O bonde passou, as novinhas observou/Estilo panicat, gosta do seu Facebook/Faz vídeo do Mc Gui, pra posta no YouTube [...]”. MC Mariana: – Tia, eu conheço outros MCs, MC Pikachu, MC Brinquedo, MC Biel... Professora B: – Pessoal, qual música cantaremos na roda? Mc Paulo: – A música da viola... Eu tirei um Dó da minha viola, da minha viola eu tirei um dó... Todos: [...]da minha viola eu tirei um dó... (Diário de campo, 26 maio 2015). Essa cena, em especial, fez com que eu me lembrasse das cantigas de roda que cantava na escola quando criança. É importante pontuar que eram outros tempos, com outros contextos sociais, culturais e históricos, mas para além de todas essas especificações, o que me intriga é o fato das cantigas de rodas e das brincadeiras tradicionais estarem perdendo lugar para as novas produções midiáticas. Trata-se de uma cena cada vez mais comum nos cenários escolares contemporâneos. A autora Subtil (2005) realizou uma pesquisa com crianças que apresentavam entre 9 a 11 anos de idade, e identificou que cada vez mais as músicas infantis estão perdendo terreno paras as letras e coreografias destinadas ao público adulto. Compreender quais músicas são essas, compartilhadas por adultos e crianças no cotidiano de uma instituição de educação infantil nos ajuda a entender como as crianças constroem as suas identidades a partir das novas configurações culturais. São incontestavelmente músicas de sucesso massivo, popularmente conhecidas por estarem na moda. E o que é o sucesso, senão o consumo estimulado pela mídia? Olhar para o que as crianças gostam e contemplam na contemporaneidade nos estimula a pensar porque “este” tipo de música e não outras? 98 Olhemos para essa cena, compreendendo que estamos imersos em uma sociedade ambivalente, na qual tudo está misturado e que, de alguma forma, a “distância” entre as gerações diminuiu. Então, o borramento de fronteira de gerações fica explícito quando o aluno se depara com a possibilidade de “escolher” a música a ser cantada pela turma. Neste instante, aluno não hesitou em escolher um funk para compor a dinâmica da roda. Observemos, ainda, que as crianças da contemporaneidade estão acostumadas a agir com mais independência, como explica Steinberg (1997, p. 125) “as crianças pós-modernas não estão acostumadas a pensar e a agir como pequenos símiles que precisam da permissão adulta para agir”. Neste caso, a professora havia permitido que o aluno escolhesse a música, ampliando ainda mais as suas possibilidades de ação. Na concepção do aluno nada poderia ser melhor do que uma música que fizesse parte do seu universo cultural. A escolha da música foi apoiada pelos demais alunos, já que praticamente todos os alunos sabiam de que música se tratava. A professora não imaginava que um dos alunos apresentasse o interesse e/ou desejo de cantar um funk na hora da roda, já que as músicas comumente cantadas são cantigas de roda, rimas ou músicas relacionadas ao universo infantil. A música escolhida e que em seguida foi cantada pelo referido aluno apresenta trechos como: O bonde passou, as novinhas observou/Estilo panicat, gosta do seu Facebook/Faz vídeo do Mc Gui, pra posta no YouTube [...]. O bonde, nessa letra musical, é uma gíria utilizada geralmente por cariocas para se referir a um grupo de amigos. O eu lírico da música representa um garoto jovem de apenas 15 anos que chama atenção das garotas por ser MC. O termo novinhas refere-se às meninas, fãs do MC Gui e provavelmente menor de idade. Outro aspecto que nos ajuda a entender discursivamente a letra dessa música é quando o eu lírico faz referência a uma garota estilo panicat, estas são meninas extremamente sensuais que apresentam um corpo sarado, popularmente conhecidas como “garotas gostosas”. Esclarecidos alguns sentidos sobre a letra da canção, podemos pensar sobre a situação complicada em que se encontrava a professora naquele momento. Algumas pessoas defendem que tais estilos musicais não deveriam entrar na escola, devido à sua conotação sexual, outras argumentam que as crianças têm acesso a essas informações numa variedade de locais, por isso, não adiantaria a proibição na escola. Como um caminho alternativo optou-se por cantar a música da viola, naquele momento. É interessante que os professores passem a refletir e a perceber que “agora o acesso à informação adulta não pode ser contido; as crianças agora veem o mundo como ele é (ou ao menos como ele é descrito pelos produtores da informação corporativa)” (STEINBERG, 1997, p. 125). 99 O acesso das crianças à informação adulta ocorre, muitas vezes, através das novas tecnologias. As crianças da contemporaneidade não só têm acesso aos smartphones e tablets, como muitas vezes são consideradas naturalmente mais aptas que os adultos diante da facilidade em lidar com essa nova tecnologia. “Em 2013, tais aparelhos que permitem o acesso à internet através da conexão sem fio, não somente estão presentes no cotidiano das pessoas, como também fazem parte dos brinquedos eletrônicos preferidos entre as crianças brasileiras” (PRESTES, 2014, p. 42). Assim, orientadas por esses artefatos culturais (smartphones e tablet), as crianças da contemporaneidade desenvolvem uma nova forma de vida, tornando-se mais adaptadas à tecnologia do que muitos adultos. Através desses aparelhos as crianças têm acesso a sites como YouTube, no qual as músicas pop com conteúdos eróticos são amplamente divulgadas. Chamo atenção para as imagens e ícones que as crianças têm acesso ao visitarem sites como o YouTube para assistir aos vídeos das músicas pop com conteúdos eróticos em voga na mídia, ou quando assistem na TV, local onde as imagens associadas a essas músicas também são expostas de forma demasiada. Podemos perceber como o consumo de imagens é marcante na vida das crianças analisando a cena a seguir: # Era o meu último dia de observação na escola e a professora explicou para turma que a partir daquele dia eu não estaria mais presente na sala aula para fazer as observações e pediu para que todos os alunos se despedissem de mim. No final da aula, antes de ir embora, um aluno específico me deu um desenho de presente. Em seguida perguntei o que havia desenhado, ele me respondeu que desenhou a música que mais gostava naquele momento. O aluno descreveu o seu desenho e comentou que ali estava representado o Rei da Cacimbinha cantando a música da Muriçoca. (Diário de campo, 16 jun. 2015) Durante as observações na escola percebi que essa música, Muriçoca (Rei da Cacimbinha), era comumente cantarolada por alguns alunos. A referida música apresenta trechos como: E a muriçoca çoca çoca çoca çoca çoca çoca/ E a muriçoca pica pica pica pica pica pica [...]. As repetições dos termos “çoca” e “ pica” faz analogia ao órgão genital masculino, com uma conotação sexual que se refere às práticas sexuais. O que mais me impressionou não foi a escolha da música, visto que já havia percebido que, de alguma forma, os alunos eram interpelados por esse tipo de música, mas demonstro a minha perplexidade ao perceber que o aluno desenhou a muriçoca representando fielmente as imagens que circulam na mídia. 100 As imagens expostas na mídia para se referir à música Muriçoca, representam a muriçoca como um mosquito que apresenta um bico grande, comprido, roliço e pontudo, propositalmente para fazer analogia ao órgão genital masculino. Percebam como as características das imagens da mídia ficam marcadas na mente das crianças, ao observar as semelhanças entre a imagem da mídia e o desenho feito pela criança nas figuras a seguir: Figura 16 - Muriçoca - Mídia Fonte: QRcode-24 Figura 17 - Rei da Cacimbinha e a Muriçoca (Mc Mário, 5 anos). Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. Acesso em: 08 jan.2016. A sensação que tive ao comparar as duas imagens é que o borramento de fronteira de gerações acontece principalmente na esfera da erotização. Tais imagens expostas na mídia, acompanhas do artefato cultural que a representa, neste caso, as músicas pop com conteúdos eróticos, têm o poder de auxiliar na constituição das identidades infantis erotizadas. Hall (2014b, p. 111) relata em seus estudos que a identidade é construída ao longo de discursos, em suas palavras: Utilizo o termo ‘identidade’ para significar o ponto de encontro, o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as práticas que tentam nos ‘interpelar’, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como sujeitos sociais de discursos particulares [...] As identidades são, pois, pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós. 101 Se a nossa identidade é constituída, em alguma medida, pelos efeitos dos discursos que nos interpelam, o fato das crianças consumirem culturalmente as músicas pop com conteúdos eróticos e se apropriarem dos modos de se vestir, se comportar, se expressar, decorrentes dos efeitos dessas músicas, podemos inferir que todos esses fatores contribuem para a constituição de uma identidade infantil erotizada. Cabe aqui considerar que as identidades infantis erotizadas seriam as formas pelas quais os sujeitos infantis se identificam com os discursos das músicas pop com conteúdos eróticos, desenvolvendo posições de sujeito marcadas pela sensualidade e erotização. Esse tipo de identidade tem construído um modo de ser criança e uma infância que implica na dissolução de fronteiras de gerações. A sequência de imagens que trago a seguir (vídeo 02- Sequência 1 e 2) é decorrente da gravação de um vídeo feito durante as observações na escola pesquisada. Essas imagens são um indicativo para pensar como as crianças da contemporaneidade vêm transgredindo padrões, subvertendo a ordem e mostrando um modo ser criança adultizado, sensual e erótico. Reparem nos movimentos que a garota do lado esquerdo utiliza para dançar a coreografia da música Sou a Barbie Girl da Kelly Key. Apesar dessa música não apresentar conteúdos eróticos na letra propriamente dita, a garota demonstra uma coreografia sexy e utiliza o parapeito da casinha do parque para dar um “ar” mais erótico à cena. Vídeo 02 - Sequência 1 “Sou a Barbie Girl” Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora 102 Vídeo 02 - Sequência 2 “Sou a Barbie Girl” Fonte: Arquivo Pessoal da pesquisadora. Nas imagens é possível observar que o parapeito da casinha do parque foi utilizado como suporte para a dança na maioria das cenas. O modo como o parapeito foi utilizado assemelha-se com a representação de uma cadeira, como é comum em danças/shows sensuais. As coreografias que utilizam a cadeira como suporte são chamadas de chair-dance56. Com base no teor sensual e nos movimentos ousados que a garota utilizou para dançar, podemos inferir que a mesma desenvolveu uma coreografia que se aproxima da chair-dance, só que utilizou como apoio o parapeito da casinha do parque em vez da cadeira. Notem, também, que a garota inclina o quadril para o lado (segunda imagem - vídeo 02 - sequência 1), tentando mostrar as curvas do seu corpo; em seguida desliza a sua mão sobre o corpo, no movimento de baixo para cima que evidencia a área periférica do corpo e sobe até os seios (terceira imagem - vídeo 02 - sequência 1); logo depois, a garota desce até o chão da casinha do parque, com as pernas abertas e fazendo caras e bocas (primeira imagem - vídeo 02 sequência 2). Por fim, é possível observar na segunda imagem (vídeo 02 - sequência 2) que a garota coloca a mão sob o queixo e deixa a boca entreaberta para insinuar um ar sensual, finaliza a coreografia colocando a mão na cintura. 56 Refere-se a um tipo de dança sensual utilizando a cadeira. Para mais informações acessar o QRcode-25: Acesso em: 12 jan. 2016. 103 Posturas como a dessa criança estão carregadas de significações, decorrentes de inúmeros artefatos culturais, veiculados principalmente pela mídia. Esses mecanismos valorizam a representação de mulheres hipersexualizadas. Os reflexos desse entendimento podem ser visualizados nos estudos de Felipe (2006, 2007) que tem nos instigado a pensar sobre o processo de erotização dos corpos infantis e a pedofilização como prática social contemporânea. Segundo a autora, ao mesmo tempo em que se criam leis de proteção à infância para combater o abuso infantil, incentiva-se a exibição de corpos infantis como estratégia de desejo e sedução. Assim, podemos pensar que atrelado ao processo de erotização precoce, há um estímulo ao exercício da sexualidade cada vez mais cedo. Hoje, vivemos dois extremos: por um lado nos deparamos com o processo de adultização precoce, processo esse que venho evidenciando ao longo desta secção; por outro lado observamos práticas de infantilização dos adultos. Em meio às manifestações culturais da mídia e da vida cotidiana, destaco que muitos adultos da contemporaneidade estão envoltos em práticas que remetem ao universo infantil. Entre algumas questões, friso em primeiro lugar um aspecto que já foi apontado em outra seção desta dissertação, como as práticas de infantilização das músicas pop com conteúdos eróticos, ao recorrer a histórias e personagens de contos de fadas para compor as letras das referidas músicas. Além dos adultos consumirem tal estilo de música com essas características, eles se fantasiam com roupas sensuais e eróticas relacionadas a personagens infantis. De acordo com Rossi (2007), os adultos que consomem produtos destinados ao público infantil são chamados por um termo específico, elas seriam os Kidults. O consumo de tais produtos vem transformando os gostos, sentidos e desejos dos adultos, constituindo, também, novas formas de ser adulto. Com a finalidade de detalhar um pouco mais sobre essa conturbada relação, na qual os adultos se parecem cada vez mais com as crianças e vice-versa, trago a questão da efemeridade no que diz respeito à aparência física. A maioria dos adultos, principalmente as mulheres, recorrem a procedimentos estéticos para preservar a juventude. Os discursos das músicas pop com conteúdos eróticos, em especial o funk, representam a mulher como novinha. Com a finalidade de se adequar ao padrão estético imposto pelos discursos dessas músicas, as mulheres adultas buscam alternativas para preservar uma espécie de essência infantil. O termo novinha, presente nos discursos das referidas músicas, faz alusão a garotas jovens, provavelmente menor de idade. Há um borramento de gerações retroativo quando as mulheres adultas apelam, tentando parecer que deixou de ser criança e que está em pleno vigor da sua adolecência. Roupas e acessórios 104 (tiaras com lacinho, blusas baby look com estampas do universo infantil) são utilzados por mulheres adultas na tentativa de transmitir uma ideia de mescla entre a inocência e sedução. Nesse sentido, observamos na contemporaneidade um borramento de fronteiras que estabelece uma proposta de mulheres-meninas, ou melhor, mulheres-novinhas. Para finalizar esta seção, considero que vivemos um processo de hibridização de gerações, por isso está cada vez mais difícil demarcar fronteiras no que diz respeito às experiências culturais vividas pelos sujeitos. Com esse entendimento passei a perceber que o caráter de ambivalência da sociedade contemporânea ajuda a promover a construção de identidades mutantes, em mudanças permanentes. Como aponta Hall (2014b, p. 108) : As identidades não são, nunca, sigulares, mas mutiplamente construídas ao longo dos discursos, práticas e posições que podem se cruzar e ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. Nesse sentido, podemos pensar na constituição da identidade infantil, não como uma identidade unificada e estável, mas como uma identidade marcada pela fragmentação, composta “não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas” (HALL, 2014a, p. 11). Consequentemente, a identidade infantil erotizada evidenciada ao longo desta dissertação demonstra um fragmento de uma identidade infantil, provisória, variável e que está em constante mutação. 105 PUXANDO OS FIOS DA REDE DISCURSIVA DO CONSUMO CULTURAL DAS MÚSICAS POP COM CONTEÚDOS ERÓTICOS A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio. (NIETZSCHE apud DIAS, 1994, p.11). As palavras de Nietzsche nos inspiram a pensar o quanto as músicas podem nos maravilhar diante das nossas vidas. De fato, o que seria de nossas vidas sem música? Ela nos proporciona, mesmo que por alguns segundos, momentos de prazer. Há muito mais da música do que está ao nosso alcance. Problematizei apenas um ponto, dentre uma imensidão de pontos que compõem a rede da vida atrelada à música. Essa foi a minha primeira experiência como DJ, tentando compor uma música remixada (texto acadêmico) que pudesse gerar novas interpretações, significações, problematizações, questionamentos em relação às crianças contemporâneas e as suas infinitas formas de viver a infância. Procurei lançar um olhar para as crianças e suas infâncias, bem como para os processos de constituição das identidades infantis me dedicando a uma identidade específica – a identidade infantil erotizada – a partir dos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos na contemporaneidade. Só me dei conta da complexidade e da relevância temática da minha dissertação ao me dispor a pensar a infância contemporânea a partir das novas configurações culturais. Observando as crianças, a maneira como elas dançavam com coreografias erotizadas, preocupadas em expor as suas sensualidades, investindo em práticas corporais que evidenciasse um corpo “gostoso”, desde tão pequenas, é que passei a perceber como o processo de erotização estava cada vez mais precoce na vida das crianças. Os distintos modos de se vestir, com roupas curtas, transparentes, sensuais, com acessórios que fazem referência à ostentação, a maneira de se expressarem com um vocabulário marcado por usos de gírias e palavrões, entre outros questionamentos, dúvidas e indagações propuseram o desenvolvimento desta investigação. Imersa em um contexto em que a cultura nos enreda e nas provocações que as crianças contemporâneas me traziam, os primeiros apontamentos da minha pesquisa foram surgindo, os caminhos foram se delineando e a minha dissertação foi ganhando forma. Tais apontamentos investigativos posicionaram o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos e a constituição da identidade infantil erotizada numa intrínseca relação, na qual as marcas dessa identidade são atravessadas e delineadas pelos discursos das referidas músicas. Ao longo desta dissertação, sustentada pelo campo teórico dos Estudos Culturais em 106 Educação numa vertente pós-estruturalista, me propus a investigar as crianças e suas infâncias, destacando em especial, as significações e as pedagogias culturais em torno do consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. Essa maneira de olhar para o objeto me fez perceber alguns marcadores (a maneira sensual de se portar das crianças, por exemplo) que se vinculam a identidade infantil erotizada. Dessa maneira, os recortes evidenciados na minha pesquisa não tiveram a pretensão de desvelar verdades únicas sobre as crianças pesquisadas, muito menos de comprovar meus escritos como se fosse uma relação de causa e consequência direta entre as músicas pop com conteúdos eróticos e as crianças. Contudo, os meus registros escritos me foram úteis, pois me proporcionaram novos modos de pensar essa infância contemporânea, entendida como múltipla, fluída, instável, que a todo tempo nos escapa, e a evidenciar a constituição de uma identidade infantil erotizada. Sendo assim, o meu principal foco de estudo foi: como o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos constitui uma identidade infantil erotizada? Para dar conta dessa questão de partida, passei a perceber a complexidade que se opera na cultura. Lancei um olhar mais atento sobre as crianças em seus atos sensuais e eróticos ao consumirem as músicas pop com conteúdos eróticos. Além disso, obtive um interesse em problematizar como o consumo cultural dessas músicas passou a ser central e tão presente na constituição do mundo contemporâneo. Outra estratégia utilizada para dar conta da pesquisa foi o fato de considerar as pedagogias culturais e suas ações educativas, em especial aquelas promovidas pelo artefato cultural músicas pop com conteúdos eróticos. Artefatos como processos que ensinam o que é ser criança hoje, independentemente das ações pedagógicas da escola e de outras instituições formadoras. Como foi possível perceber, devido à abrangência e à complexidade temática da dissertação, recorri a elementos próprios da cultura contemporânea associados aos discursos das crianças e aos discursos das músicas pop com conteúdos eróticos para o desenvolvimento das análises. Dito isto, gostaria de ressaltar como foi crucial o desenvolvimento da pesquisa com as crianças, não se limitando à realização de uma pesquisa sobre elas. A minha inserção na escola proporcionou o desenvolvimento de conversas com as crianças e a estratégia metodológica de ouvi-las permitiu que eu pudesse perceber as suas opiniões, sentidos e posicionamentos em relação ao consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos. É interessante ressaltar que o diário de campo representou um instrumento metodológico de grande valia e indispensável para o desenvolvimento deste estudo. Foram registrados no 107 diário de campo situações, conversas, cenas ocorridas no ambiente escolar, fotografias, desenhos e impressões coletadas na escola pesquisada. Observar as brincadeiras das crianças ao imitarem os seus ídolos pop, cantando as músicas pop com conteúdos eróticos ou imitando os jeitos dos artistas, quando cantarolavam as músicas no meio das atividades, ou até mesmo quando requisitavam que esse tipo de música fosse cantado na roda, entre outras situações, foi uma experiência extremamente rica, no entanto desafiadora. Dito de outra forma, a experiência de estar lá, desenvolvendo uma pesquisa com as crianças foi uma experiência de grande aprendizado para mim. É importante registrar os percalços que surgiram ao longo do caminho metodológico, tais percalços ou desvios de caminhos me possibilitaram outros olhares e ensinamentos em relação ao estudo. Nas minhas primeiras interações com as crianças foi possível perceber as várias rupturas e continuidades do caminho metodológico, em algumas circunstâncias sentia a necessidade de realizar o mais rápido possível as conversas direcionadas (grupo focal) com a finalidade de coletar “dados relevantes para o estudo”, ou quando não presenciava cenas que pudessem ser problematizadas em relação aos aspectos dos estudos, tais circunstâncias despertavam em mim um sentimento de angústia e ansiedade que me acompanharam ao longo do estudo. Aos poucos, fui percebendo que os “fatos mais interessantes” estavam nas atitudes mais sutis, nas conversas mais espontâneas e nos comportamentos aparentemente “naturais/banais” que, muitas vezes, passam despercebidos por quem não lança o olhar com as lentes teóricas que utilizei. Minhas análises evidenciam que crianças ainda muito pequenas manifestam preocupações com um corpo, muitas vezes inimagináveis, como no caso da menina que demonstrou bastante preocupação em busca de um bumbum ideal, adequado a um “padrão erótico”. Além disso, a infância parece ser “alvo” dos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos, de alguma forma as crianças, pelo menos as que vivem nos grandes centros urbanos, acabam sendo “atingidas” por esse fenômeno cultural que termina por formar identidades infantis erotizadas em potencial. A escola, vista como palco das manifestações culturais das músicas pop com conteúdos eróticos, em alguns casos, promove e possibilita o desenvolvimento dessas práticas. Ao tentar estabelecer uma relação entre as práticas de consumo (ouvir, dançar, cantar) das músicas pop com conteúdos eróticos e as significações produzidas pelas crianças, observei que as músicas de duplo sentido que sugerem coreografias erotizadas são percebidas pelas crianças como algo que serve para diversão, dançar, cantar, brincar, fruir, deleitar-se com a batida do pancadão. Algumas crianças demonstraram um posicionamento crítico em 108 relação aos conteúdos e algumas coreografias das músicas aqui pesquisadas. Embora, muitas vezes, em outros contextos/momentos, demonstravam estar entremeadas na rede que compõe as músicas pop com conteúdos eróticos. Os efeitos de tais músicas sobre nós se dão através de uma ação prazerosa que nos contagia em meio a um ritmo envolvente, ficamos encantados com essa ação em troca de alguns instantes de prazer. Diante das reflexões desenvolvidas a partir da pesquisa, à medida que analisava cada cena, expressão, fala ou algum material previamente selecionado no âmbito da cultura e me aproximava dos estudos que fundamentam essa dissertação, sentia que se tratava de um estudo desafiador, posto que deveria lançar um olhar cauteloso sobre os dados, pois o processo da constituição da identidade infantil erotizada a partir dos efeitos das músicas pop com conteúdos eróticos é um processo complexo, polêmico e intrigante. Assim, estava atenta a “enxergar uma infância pós-moderna que, em certa medida é uma nova infância. Uma nova infância, não porque provenha especificamente das crianças, [...] mas porque assim é fabricada pela cultura contemporânea governada pela mídia e pelo consumo” (MOMO, 2007, p. 324). É importante deixar claro que a pesquisa aqui desenvolvida não objetivou julgar as possíveis negatividades ou converter qualquer julgamento de valor em relação às músicas pop com conteúdos eróticos. Não foi meu interesse recriminar a cultura representada pelas danças populares, nem classificar as culturas e consequentemente as referidas músicas em uma perspectiva elitista (boa/ruim). Do mesmo modo, não tive a pretensão de apontar erros na constituição das identidades erotizadas das crianças pesquisadas, muito menos de propor a constituição de uma identidade infantil ideal. Este estudo não se preocupou em problematizar algo que estava obscuro e oculto, mas uma condição cultural que passou a se fazer presente diante dos nossos olhos em meio às novas configurações culturais. Trata-se de um estudo que buscou compreender como o consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos contribui na constituição de uma identidade infantil erotizada, destacando principalmente as formas como as crianças foram interpeladas por essas músicas. Logo, quando pensamos no processo de aprendizado das crianças, considerando que estão envolvidas nas mais variadas formas de ensinamentos a partir das diferentes pedagogias culturais, em especial as decorrentes do artefato cultural músicas pop com conteúdos eróticos, chamo atenção para o fato de simplesmente vitimarmos as crianças como se elas apenas sofressem uma ação de poder sem que houvesse resistências. Ressalto que as crianças reagem aos ensinamentos dessas pedagogias, sendo assim, elas, em alguma medida, adequam e delineiam as suas identidades. Por isso, em vez de julgarmos as crianças como apenas 109 inocentes, puras, sem malícia, precisamos compreender esses sujeitos imbricados nas novas configurações e que elas precisam aprender a lidar com isso. Em outras palavras, isso quer dizer que podemos apresentar outros repertórios culturais. Almejo com essa pesquisa poder contribuir para o campo da educação, no sentido de possibilitar que os professores(as), as crianças e seus familiares percebam as diversas práticas educativas decorrentes das distintas pedagogias culturais. Utilizo como exemplo os ensinamentos decorrentes do artefato cultural músicas pop com conteúdos eróticos, neste caso, não adianta impedir que as crianças cantem ou dancem esse tipo de música dentro da escola, mas devemos desenvolver um trabalho pedagógico que auxilie no posicionamento crítico das crianças, além de apresentarmos outros repertórios musicais. Espero que esta pesquisa seja útil para outros(as) pesquisadores(as), especialmente para pesquisas desenvolvidas no campo dos Estudos Culturais em Educação, contribuindo e somando a outras pesquisas que têm a infância como o seu fio condutor. Na condição de professora e pesquisadora da criança e da infância pretendo continuar desenvolvendo estudos na área, agora assumindo novos rumos e engajando-me em outras lutas e parcerias, no sentido de aprofundar os estudos já realizados. Pretendo em um próximo momento, desenvolver um estudo baseado nessa temática, tentando associar os Estudos Culturais e os Estudos da Cultura Visual. Problematizar como os artefatos visuais (imagens) atravessam a vida cotidiana, constituindo determinados tipos de padrão e de conduta dos sujeitos, é uma interessante possibilidade de estudo que pretendo desenvolver nos próximos anos. Diante dessas considerações, escrever as palavras finais que delimitam este estudo soa quase como um paradoxo, já que há muito a ser dito, a ser problematizado, apontado e tantos fios a serem puxados. Dentro dos limites desta dissertação procurei problematizar e evidenciar um tipo de identidade infantil erotizada que está posta em meio às novas configurações culturais do mundo contemporâneo. Penso que este estudo poderá desenvolver outras práticas, privilegiando e respeitando o sujeito infantil e suas especificidades. 110 REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Editora USP, 1977. p. 287-295. ANDRADE, Sandra dos Santos. Mídia impressa e educação dos corpos femininos. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. p. 108-123. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1981. BARROS, Manoel. Memórias inventadas. São Paulo: Planeta, 2003. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. 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BORTOLAZZO, Sandro Faccin. 2010. Dissertação-ULBRA Identidades de gênero e sexualidade no consumo cultural do Neo-forró: reflexões desde os Estudos Culturais em Educação. NEIVA, Luciana Franco de Oliveira. 2008. Dissertação-ULBRA Currículo, gênero e nordestinidade: o que ensina o forró eletrônico? SILVA CUNHA, Marlécio Maknamara da.2011. Tese- UFMG Com que roupa eu vou? Embelezamento e consumo na composição dos uniformes escolares infantis BECK, Dinah Quesada. Tese-UFRGS Tabela 1: Teses e Dissertações. APÊNDICE A- Tabela 2: Trabalhos publicados em eventos. 118 Tabela 3: Artigos publicados em revistas. 119 Apêndice B - Guia Tópico para as seções de Diálogos Investigativos Grupo Focal I Estímulo: Leitura do conto Branca de Neve e os 7 anões. 1.Vocês acharam a melodia da música dos anõezinhos da Branca de Neve parecida com o funk “parara tibum”? 2.O que vocês acharam parecido? 3.O que vocês acharam dessa mistura de músicas (Branca de Neve e o funk “parara tibum”? 4.Quem sabe cantar e/ou dançar o funk “parará tibum” que acabamos de ouvir aqui? 5.Alguém já ouviu e/ou dançou músicas pop, como funk, swingueira, axé, entre outras? Como foi essa experiência? 6. Vocês conhecem os cantores desse tipo musical? Grupo Focal II Estímulo: Exibição de um vídeo 1. O que vocês acharam das músicas que foram apresentadas no vídeo? 2. Vocês já ouviram e/ou cantaram esses estilos musicais (funk, arrocha)? 3. Alguém sabe cantar e/ou dançar essas músicas pop, ou outras músicas (funk, arrocha, forró, swingueira) parecidas com essas que foram apresentadas no vídeo que acabamos de assistir? Como aprenderam? 4. Vocês conhecem os cantores dessas músicas apresentadas no vídeo? O que acham deles? (Se citarem outros cantores e outras músicas pop com conteúdos eróticos na pergunta anterior- Pedir para a criança falar sobre). 5. O que vocês acham das coreografias (modo de dançar) dessas músicas? 6. Existe um modo de se vestir apropriado para dançar essas músicas? Qual? 7. Se vocês pudessem escolher, qual dessas músicas você ouviria e/ou dançaria em uma festa de aniversário? Por quê? 120 Anexo A – Termo de consentimento livre e esclarecido UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Esclarecimentos Estamos solicitando a você a autorização para que o menor pelo qual você é responsável participe da pesquisa: O consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos: constituindo identidades infantis na contemporaneidade, que tem como pesquisadora responsável a mestranda Clara Beatriz Santos Pereira da Silva. Esta pesquisa pretende analisar e problematizar como o consumo cultural das músicas pop (populares) contribui na constituição de identidades infantis erotizadas. O motivo que nos conduz a realização deste estudo justifica-se essencialmente pelas necessidades de se discutir as transformações no conceito de infância e sua educação, considerando que os ensinamentos veiculados nas músicas pop com conteúdos eróticos constituem identidades infantis e também ensinam certos modos de ser criança e viver a infância. Caso você decida autorizar, com o devido consentimento da direção e coordenação da escola, a criança será submetida aos seguintes procedimentos de coleta de dados: observação participativa do cotidiano escolar; acompanhamento de atividades pedagógicas; conversas realizadas com a professora e com as crianças a partir de alguns disparadores como um conto infantil e a exibição de vídeos de algumas músicas pop que apresentam conteúdos eróticos previamente selecionados; realização de registros por escrito e audiovisuais (fotografias e pequenas filmagens) de situações e brincadeiras em diferentes momentos da rotina escolar. Durante a realização da pesquisa empírica, a previsão de riscos é mínima, ou seja, alterações na rotina diária da turma, que serão minimizados através das seguintes 121 providências: inserção processual ao campo de pesquisa, bem como o respeito ético aos sujeitos partícipes e suas especificidades. Os benefícios ao participar da pesquisa serão a sistematização de conhecimentos que possam contribuir para reflexões acerca do caráter pedagógico das músicas pop com conteúdos eróticos e como as crianças têm sido constituídas na contemporaneidade a partir de seus ensinamentos. Bem como, servir de inspiração e/ou referência para ações e práticas de professores/as com crianças pequenas em instituições de Educação Infantil. Você tem o direito de recusar sua autorização, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você e para ele(a). Os dados que ele(a) irá nos fornecer, assim como imagens capturadas pela pesquisadora, serão confidenciais e serão divulgados(as) apenas em congressos ou publicações científicas não havendo divulgação de nenhum dado que possa identificá-lo(a). Esses dados serão guardados pela pesquisadora responsável por essa pesquisa em local seguro e por um período de 5 anos. Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a pesquisadora responsável Clara Beatriz Santos Pereira da Silva. Durante todo o período da pesquisa, ou quando julgar necessário, você poderá esclarecer suas dúvidas ligando para Clara Beatriz Santos Pereira da Silva, através do telefone (84) 98878-0474 ou pelo endereço eletrônico [email protected] Consentimento Livre e Esclarecido Eu,____________________________________________________________, representante legal do menor ____________________________________________, autorizo sua participação na pesquisa O consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos: constituindo identidades infantis na contemporaneidade. Esta autorização foi concedida após os esclarecimentos que recebi sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão coletados, por ter entendido os riscos, desconfortos e benefícios que essa pesquisa pode trazer para ele(a) e também por ter compreendido todos os direitos que ele(a) terá como participante e eu como seu representante legal. 122 Autorizo, ainda, a publicação das informações fornecidas por ele(a) em congressos e/ou publicações científicas, desde que os dados apresentados não possam identificá-lo(a). Natal/RN, ____ de _________ de 2015. _______________________________________ Assinatura do representante legal Impressão datiloscópica do representante legal Declaração da pesquisadora responsável Como pesquisadora responsável pelo estudo O consumo cultural das músicas pop com conteúdos eróticos: constituindo identidades infantis na contemporaneidade, declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo e confidencialidade sobre a identidade do mesmo. Natal/RN, ____ de ___________de 2015. ______________________________________ Pesquisadora responsável