Um diagnóstico inicial para a proposição de políticas linguísticas adequadas à fronteira de Pedro Juan Caballero/Paraguai e Ponta Porã/Brasil Lilian Cristina do Amaral Martines (UEPG) [email protected] Letícia Fraga (UEPG) [email protected] Resumo: Esta pesquisa, realizada na fronteira entre Ponta Porã, cidade situada a oeste do estado de Mato Grosso do Sul, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, tem como objetivo principal fazer um levantamento das crenças e atitudes linguísticas que brasileiros e paraguaios manifestam em relação às línguas portuguesa e espanhola, levando em consideração não só a divisa entre os dois municípios, mas a divisa social que se estabelece entre Brasil e Paraguai. Partimos da concepção de que crença é (BARCELOS, 2006, p. 18.) “como uma forma de pensamento, como construção da realidade. (...) Como tal, crenças são sociais (mas também individuais)”. Concordamos ainda com a perspectiva de Preston (2002, p.40), segundo a qual as atitudes em relação à(s) língua(s) parecem estar ligadas a atitudes em relação a grupos de pessoas; isto é, quando há o julgamento de uma língua, há uma relação direta entre as características atribuídas a ele, ou seja, se acreditamos que um grupo é tranquilo, romântico, imprudente etc., atribuímos essas características à língua ou à variedade linguística utilizada pelo grupo; se pensarmos que um grupo é insensível, antipático e desinteressado, o mesmo pensamos de sua língua ou variedade linguística e assim por diante. E, conhecer a realidade linguística entre esses dois países é de suma importância para a comunidade escolar, já que uma pesquisa como essa poderá mostrar a necessidade de implantação de políticas que possam melhorar essa realidade. Como a evasão escolar pode, muitas vezes, ter motivações linguísticas, a implantação de políticas educacionais adequadas pode contribuir para melhorar a qualidade de ensino. Palavras chave: prestígio/ desprestígio, cultura, crenças e atitudes linguísticas An Initial Diagnosis for the Political Linguisticses Proposition Adequate to the Border of Pedro Juan Caballero/Paraguay and Ponta Porã/Brazil Abstract This research, performed in the border between Ponta Porã, city located in Mato Grosso do Sul west side, and Pedro Juan Caballero, in Paraguay, has the main goal of doing a rising about the beliefs and attitudes linguistics that Brazilian and Paraguayan manifest regarding the Portuguese and Spaniard tongues, considering not even the border between both municipal district, but the social emblem that is established between Brazil and Paraguay. We start of the conception that the belief is (BARCELOS, 2006, p. 18.) “like a thought form, like the reality construction. (...) As such, beliefs are socials (but also individual)”. We also agree with the Preston perspective (2002, p. 40), according to which the attitudes towards the tongues seem to be tied to attitudes in relation the people, which is, when there is a judgment about the language, exist a straight relation between attributed characteristics to him, which is, we believe that a group is tranquil, romantic, imprudent, etc, we attributed these characteristics or to the language or to the varieties linguistics used by the group; if we think that a group is insensitive, averse, disinterested, we also think about its language or variety language. And, know the linguistic reality between these both countries is extremely important to the school community, since a research as this can show the implantation importance of political that can improve this reality. With the school evasion, many times, have motivation linguistics, adequate educational politicses implantation can contribute to improve the quality in the teaching. Key words: prestige / disreputation, culture, believes and linguistics attitudes. 1 Introdução A partir de suas colocações, este trabalho pretende depreender os julgamentos e as atitudes sociolinguísticas manifestadas pelos moradores da fronteira entre Ponta Porã/Brasil e Pedro Juan Caballero/ Paraguai, diante do uso das línguas portuguesa e espanhola (e suas respectivas variedades faladas na região), de modo que se possa, a partir desse diagnóstico, pensar políticas linguísticas adequadas à realidade da região. Os estudos foram desenvolvidos a partir da perspectiva da Sociolinguística, que estuda a língua relacionada a questões sociais e tem como objeto as representações da língua e de suas variedades perante a sociedade. Portanto essa pesquisa pretende divulgar se os fronteiriços manifestam preferência e/ou atitudes positivas em relação a uma língua em detrimento da outra. Pretende ainda contribuir para os estudos sobre crenças e atitudes, acrescentando novos dados às pesquisas realizadas nessa área, com a finalidade de colaborar com a expansão da pesquisa sociolinguística no Brasil. Em termos metodológicos, trata-se de uma pesquisa etnográfica, com perspectiva qualitativa, por entender que estamos lidando com questões delicadas, que envolvem juízos de valor. Assim, optamos por tentar “captar” as crenças e atitudes dos sujeitos participantes desta pesquisa (moradores da faixa de fronteira entre as duas cidades) por meio de entrevistas, a partir de roteiro que continha questões que envolvem seu dia a dia e questões relativas ao conhecimento implícito que têm sobre a(s) língua(s) que falam. 2. Referencial Teórico Estudos relacionados a crenças e atitudes linguísticas trazem uma discussão bem ampla sobre a influência das crenças nas ações e vice-versa. Autores como Woods (2003) e Richardson (1996 apud BARCELOS, 2006) têm se dedicado a essa discussão. Para Woods (2003), “as crenças exercem grande influência nas ações, mas as ações também podem influenciar as crenças”. Da mesma forma Richardson (1996, p.104), acredita que não só as crenças influenciam as ações “nas as experiências e reflexões sobre as ações também podem influenciar a mudança nas e/ou formação de novas crenças”. Quanto à não distinção entre crenças e atitudes, segundo Santos (1996, p. 8) ela é comum entre especialistas: os dois termos podem ser usados, alternando-se como sinônimo, ou é empregado apenas Atitude. Neste último caso, juntam-se no termo atitude três componentes: Afetivo (que responde pela avaliação- positiva, negativa, ou neutra- de uma determinada situação, pessoa ou coisa); cognitivo (as idéias sobre as causas e as implicações do objeto em foco); conativo (as convicções sobre a maneira de agir em relação ao objeto) (SANTOS, 1996, p. 8). Segundo o autor, cada pessoa terá sempre uma atitude, seja ela positiva, negativa ou neutra. A atitude será sempre a resposta dessa pessoa em relação ao objeto ou conceito, que tende variar no grau de intensidade. Ressalta ainda que a atitude não deve ser mais vista necesariamente como manifestação da crença pois, Todo o indivíduo pode não somente avaliar um conceito, mas também pode crer ou não na existência do conceito, ou seja, pode não apenas achar o conceito “bom” ou “mau”, mas simultaneamente considerá-lo “existente” ou “improvável”, etc. (SANTOS, 1996, p. 10). Nessa mesma perspectiva, o autor acrescenta que se o indivíduo crê ou não em algo, pouca ou nenhuma diferença isso trará para mostrar sua posição a “respeito da posição em que ele coloca o objeto dentro da dimensão avaliativa”, ou seja, “tal crença não é sintoma apreciável de atitude”. No entanto, a nossa visão sobre crenças se enquadra na perspectiva de Barcelos, que entende crenças semelhantemente a Dewey (1933), como uma forma de pensamento, como construção da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co- construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas e paradoxais (BARCELOS, 2006, p. 18). Deixamos bem claro ainda que apesar de estudos passados apontarem para uma interferência da crença nas atitudes do indivíduo, assumimos a posição de que nem sempre a crença será fator decisivo ou único para definir suas atitudes. 3. Resultados Parciais O trabalho encontra-se em andamento, sendo que até o momento foram entrevistadas 18 pessoas, tanto do sexo feminino como do sexo masculino, com idade de 18 a 50 anos. Os sujeitos participantes da pesquisa são moradores da faixa de fronteira entre as duas cidades (Ponta Porã/Brasil e Pedro Juan Caballero/Paraguai). Os dados foram obtidos através de entrevistas. Para essa apresentação foram selecionados 8 participantes, os quais 4 possuem ensino superior incompleto e 4 superior completo. 3.1 Grupo com ensino superior completo 3.1.1 Participante 1-MN O participante MN é brasileiro, tem 42 anos, é filho de mãe paraguaia, é do sexo masculino e é político. MN é trilíngue: fala português, espanhol e guarani. Durante a entrevista, o participante disse ser bastante apaixonado pela região da fronteira. Quando perguntado sobre que língua considerava mais importante, MN respondeu que tanto português quanto espanhol são importantes para a região. O participante também diz que é comum que os brasileiros façam piadas em relação ao modo de falar do paraguaio. Se o contrário acontece, ele desconhece. Pode-se dizer que, no entanto, essas “brincadeiras” são indício de preconceito, o que contradiz a primeira fala do participante de que a região é muito unida. Ainda segundo ele, o paraguaio, na fronteira, fala portunhol e não castelhano. Subentende-se que a designação portunhol refere-se tanto a um espanhol de menor qualidade, em relação a outras variedades de espanhol, quanto à presença de elementos (lexicais principalmente) da língua portuguesa na língua espanhola. Outro fator que contribui para que esse espanhol da fronteira seja tão ruim é o fato de que ele não é puro (como o espanhol da Espanha?) e, sim, uma mistura dessa língua com o guarani. Essa é a opinião unânime dos quatro participantes analisados: Eu acho que ele faz... na realidade, ele não fala muito o castelhano, [ou] o espanhol, como queira, né? É, de forma... pura, porque existe a mistura, como eu já disse, do espanhol com o guarani nas regiões que são interiorana. Fala-se muito bem e mais puro o espanhol na capital, que é Assunção. Agora nas regiões... igual eu falei pra você, existe o jopará. O cara fala o idioma misturado com o guarani, que é nativo, indígena (MN). De acordo com MN, o português é mais fácil que o espanhol, mas o portunhol é a língua mais agradável. Olha, a língua mais agradável de se ouvir é o portunhol. Que é uma mistura, é, das duas, desses dois países. Eu acho isso fantástico. É praticamente num lugar, por exemplo, Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, existe uma linha divisória, a gente chama de linha que une. Você ter a facilidade de falar dois idiomas ao mesmo tempo e ser entendido e se fazer entender, eu acho que isso é fantástico (MN). Em meio à entrevista, o participante afirma que não pode falar com neutralidade sobre a integração que existe na região da fronteira já que é diretamente envolvido com esta situação: Olha, eu fui vereador três mandato. Eu sou suspeito [para] falar em integração porque eu tenho um livro lançado que se chama PARLIM. É um parlamento que nós criamos unindo a câmara de Pedro Juan Caballero e a câmara de Ponta Porã e a gente se reunia com frequência para discutir os problema e assuntos inerentes a fronteira. Então é, é lógico que eu acho, eu sou, realmente eu sou bailista. Ponta Porã é uma cidade fantástica é única no mundo, entendeu? É, é interessante essa integração (MN). De acordo com o entrevistado, não existem preconceitos entres brasileiros e paraguaios. O que existe, segundo ele, são traduções do idioma que acabaram virando piadas, o que não significa muita coisa, não é muito grave. Mas para quem isso não é muito grave? Para o ofendido ou somente para quem ofende? Enfim, o entrevistado termina dizendo que brasileiros e paraguaios são iguais, que existe apenas diferença de língua. Ele se diz incapaz de enxergar diferenças entre os dois povos. Nós somos iguais, não dá pra, eu realmente não sei se há diferença. Acho, se você for, oh, quem não conhece Ponta Porã e falar na semelhança visual, se você for atravessar, se alguém não falar pra você onde é a linha divisória daqui, você não sabe. Você atravessa uma rua, você está dentro do Paraguai, você olha para as placa, a maioria das placas estão aportuguesada, né, ou seja, não tem muita coisa do lado que... defina o lado brasileiro. Acho que nenhuma. Acho que nós somos iguais (MN). 3.1.2 Participante 2 – WR O participante WR é paraguaio, tem 27 anos, é filho de pais paraguaios, é do sexo masculino e é administrador de empresas. WR é bilíngue: fala português e espanhol. Nasceu e viveu até seus dois anos em Pedro Juan, mudando-se para Ponta Porã em seguida. Trabalha no Brasil, na área de saúde. A princípio, ao responder à primeira pergunta o participante afirma não existirem rivalidades entre os dois países da fronteira, mas na sequência diz que existe muita perseguição e “tiração de sarro” por parte dos brasileiros em relação aos paraguaios, especialmente em relação ao português que estes (mal) falam, o que não deixa de ser um indício de conflito. Não, o que existem certas vezes são, é... Vamos dizer assim... Não rivalidades, assim perseguições né... muitas vezes, as pessoas não entendem o lado contr...., o lado adv.... [adversário?] (perdão), o lado de Pedro Juan né, a cultura fronteiriça. Então muitas vezes o que acontece é aquela, vamos dizer assim, aquela tiração de sarro. Paraguaios que vem moram pra cá falam o, o português errado, então fica aquela coisa meio... (WR) Ao longo da entrevista o participante vai se “soltando” um pouco mais, mas o tom em geral é de muito nervosismo, já que ele gagueja bastante durante as respostas e não conclui raciocínios. Para WR, tanto português quanto espanhol são línguas importantes na região, não se pode dizer que uma é mais importante do que a outra. O participante justifica a importância atribuída à língua espanhola dizendo que, se os brasileiros aprendessem o idioma, todos poderiam viver mais harmoniosamente. Ou seja, mais uma vez WR deixa subentendido que existe conflito na fronteira, talvez um conflito de natureza linguística, já que uma das maneiras de resolver esse impasse seria que um aprendesse a língua – e a cultura – do outro. Nós, que nem eu te disse, nós estamos numa fronteira, entendeu? E se a gente quiser realmente viver harmoniosamente, se entenderem em outras coisas eu acho que ambos os dois lados deviam saber da cultura de cada um (WR). De acordo com WR, o brasileiro não fala espanhol e, sim, portunhol, que é uma mistura de português e espanhol. Segundo ele, o espanhol é difícil para os brasileiros e, para os paraguaios, o português não é difícil, mas é complicado. Parece que, para este participante, o espanhol deve ser difícil já que, em comparação ao número de paraguaios que falam português, existem poucos brasileiros que aprendem espanhol. Por outro lado, como há muitos paraguaios que falam português, esse é um idioma fácil, mas ao mesmo tempo difícil, já que não é raro que eles falem mal essa língua. Em seguida, quando perguntado sobre seu idioma de preferência, o participante admite sua preferência pelo espanhol. Eu... Olha, eu vejo isso assim: para o brasileiro, o espanhol seria um pouco mais difícil e para o paraguaio, digamos assim, o português não é tão difícil, mas ele é um pouco complicado (WR). Eu gosto do espanhol. O espanhol em si falado é muito bonito (WR). WR considera que a língua espanhola é uma língua pura sem interferências de outras línguas, ao passo que o português é uma língua com muitas gírias. Não fica claro em sua fala o que o participante entende por língua espanhola (um todo homogêneo?). Provavelmente o participante se refere ao espanhol da Espanha ou ao espanhol de Assunção (que são variedades puras?), em oposição ao espanhol da fronteira, que é misturado com o português ou como o guarani, ou mesmo com essas duas línguas. Em um depoimento anterior, o mesmo participante afirmou que paraguaios e brasileiros falam o portunhol e não espanhol ou castelhano. Segundo WR, ele adquiriu primeiro a língua portuguesa (seria esta a sua língua materna?), no meio familiar e escolar. Quando ele era pequeno, seus pais não falavam espanhol com ele em sua casa, falavam somente português (entre si? Com a criança? Que variedade de língua portuguesa, se os pais são paraguaios?). Somente quando eles tiveram a certeza de que o filho tinha aprendido a língua portuguesa é que começaram falar espanhol com ele. A crença dos pais de que o português é uma língua melhor e mais importante em relação ao espanhol (e de que aprender espanhol primeiro faz com que se fale português mal) ainda que inconscientemente, levou o casal a (atitude de) não ensinar sua língua materna ao filho. Segundo o participante, ele sempre falou português com seus primos e na escola, já que estuda no Brasil desde os 5 anos de idade. Isso fez com que ele obtivesse bastante fluência no português que se tornou a língua majoritária em seu dia-a-dia. O português, eu falava o português. Comigo, sim. Aí quando eu tive uma formação um pouco mais da língua portuguesa, a gente já misturava um pouco, às vezes português, às vezes espanhol (WR). Segundo ele, a língua portuguesa é a língua mais fluente na fronteira, talvez porque o espanhol da fronteira não seja um espanhol legítimo, a língua falada na fronteira não é pura, pois contém palavras e sotaques de outras línguas. O castelhano, que nem eu te disse, ela, assim, é uma língua muito bonita, o castelhano em si, falado, hoje aqui na fronteira, é muito difícil você escutar o castelhano, o espanhol, vamos dizer assim, porque o fronteiriço, ele mistura muito as palavras, né, se você andar no centro do Paraguai, você vai ver paraguaios falando o espanhol, mas misturando com o guarani, entende? Então mais assim, o espanhol é muito lindo pelo seguinte: pelo sotaque, por poucas influências que ele tem com outras línguas, mas em si é uma língua linda mesmo (WR). 3.1.3 Participante 3 – CMB A participante CB tem 27 anos, é filha de pais paraguaios, é do sexo feminino e é advogada – mora no Brasil e trabalha no Paraguai. CB é bilíngue: fala português e espanhol. Em relação à importância das línguas faladas na região, a participante afirmou que cada uma tem seu lugar: português, no Brasil e espanhol, no Paraguai. Segundo a participante, esta nunca foi vítima de piadas por parte de paraguaios, mesmo sendo filha de paraguaios. Na sua opinião, como nasceu no Brasil e não falava espanhol (?), não apresentava sotaque nenhum, e o sotaque é que parece provocar reações de hostilidade. Mas afirmou ouvir piadas que brasileiros faziam sobre os paraguaios. Os paraguaios, na opinião de CB, se esforçam para aprender o português, apesar de ser um povo, assim como o argentino, concentrado em si mesmo, de modo que parece não ter interesse em aprender outros idiomas. Apesar de este não ser o foco deste trabalho (mas pretendemos que seja o de trabalhos futuros), é importante destacar a oscilação da participante em relação a sua própria identidade, ora se referindo ao povo brasileiro como um outro, ora como a um nós, ou seja, um grupo do qual ela faz parte. Acho que o brasileiro por si só, a gente é uma raça, um país que, como os argentinos “concentrados em si mesmos”. Então a gente fica tão aquela coisa de Brasil, só brasileiro, que a gente não se esforça em aprender outras coisas. Agora o paraguaio, não. Ele procura (CMB). Mesmo sendo filha de paraguaios, a participante afirma que a língua espanhola é mais difícil que o português e que teve muitas dificuldades para aprendê-la. Segundo CB, ela aprendeu o espanhol somente mais tarde, com sua ida à Assunção, onde estudou jornalismo. Somente a partir daí é que aprendeu o espanhol (depois dos 18 anos?). Alega ainda que as leituras que fez em espanhol também a ajudaram a aprender a língua. Na sua opinião, esses foram os motivos determinantes para a sua fluência em espanhol, que é sua segunda língua, uma vez que o português é sua língua materna. Eu, como estudei mesmo o idioma, estudei jornalismo, então eu tenho mesmo, tenho facilidade, eu leio muito, sou advogada, então tenho que ler muito (CMB). Sobre a variedade de português que fala, CB faz questão de chamar a atenção para o fato de que não apresenta sotaque de espanhol em português. Por outro lado, admite que, quando está falando espanhol no Paraguai, coloca algumas palavras de português na sua fala. 3.1.4 Participante 4 – PC O participante PC é brasileiro, tem 23 anos, é filho de brasileiros, é do sexo masculino e é advogado. PC é monolíngue: fala somente português. Para o jovem a fronteira é praticamente uma cidade só e que uma depende da outra. Considera que a língua espanhola é mais importante na América Latina, mas admite que, em se tratando da fronteira, o português é mais importante, já que os paraguaios precisam aprender o português para atender os brasileiros que vêm comprar no Paraguai. ...pela aplicação no resto da América Latina, o espanhol é muito mais importante, né? Só que aqui, como os brasileiro que vão compra lá, eles acabam falando português pra atender a gente, né? Só que o espanhol é muito mais importante, né? (PC) Assim como os demais, PC faz menção à presença de um sotaque diferenciado no idioma da fronteira, em relação ao espanhol de outros países. Mais adiante admite que o paraguaio fala melhor o português do que o brasileiro espanhol, dizendo ainda que o brasileiro fala o portunhol,que segundo ele é uma coisa horrível. Dos quatro componentes desse grupo PC, foi o único que admitiu claramente o portunhol como uma língua ruim, inferior. Eu acho que é o... tem muita influência do guarani né.Um sotaque diferente que a gente vê em outros lugares.É diferente do espanhol de outros lugares.Eles falam, como vou dizer... tem uma carga de guarani bem forte, o espanhol deles (PC). Segundo ele a língua portuguesa é mais difícil e mais bonita, mas que não acha nada feio no espanhol, com exceção do sotaque, da influencia do guarani. Quando lhe é perguntado sobre a existência de apelidos para se referir aos paraguaios, o participante diz que geralmente os chamam de índios, mas que isso não se refere ao povo paraguaio em si (?). A língua portuguesa, de acordo com a percepção de PC, é mais importante já que o poder econômico está do lado do Brasil. Comenta ainda se viesse morar na região de fronteira aprenderia o português, mas se viesse apenas para aprender um idioma aprenderia o espanhol (?). No decorrer da entrevista, o participante fala que o paraguaio fala mais o português do que o brasileiro o espanhol talvez porque o brasileiro compra e o paraguaio vende. Ah! Bem mais. Aqui sim, eu não sei em outras fronteiras como Foz. Foz eu acho que por causa do comércio. Na fronteira do Uruguai não sei se tem essa influência tão grande do Brasil na língua deles né. Mas aqui é muito né. O brasileiro tem preguiça de aprender, prefere chegar lá e falar o português mesmo (PC). 3.2 Grupo com ensino superior incompleto 3.2.1 Participante 1-WMS O participante WMS é brasileiro, tem 21 anos, é do sexo masculino, é caixa de uma loja e é monolíngue: fala somente o português. Logo no começo da entrevista, WMS declarou que existem desentendimentos na fronteira. Segundo ele, existe rivalidade entre brasileiro que não gosta de paraguaio, paraguaio que não gosta de brasileiro. Considera a língua espanhola mais importante que o português, porque tem muitos países que usam, ou seja, é importante porque outros países falam não porque o país vizinho fala. Quando lhe é perguntado sobre a existência de piadas, diz existirem muitas em relação ao povo paraguaio, o que revela um indício de preconceito. WMS considera o português a língua mais fácil e explica dizendo que acha mais fácil porque é a língua que ele fala a língua do seu país. A... sei lá , acho que eu sou brasileiro, só falo português eu não sei fala o espanhol deve se por isso (WMS). O entrevistado não fala o espanhol fluente, mas diz falar um basicão, ou seja, o suficiente para se comunicar com os paraguaios. Segundo ele, tem amigos paraguaios e em geral os conheceram no serviço e na escola. Quanto à convivência com esses amigos diz ser boa já que ele trabalha e estuda com paraguaio, então tem que ser boa. Boa. Eu trabalho com paraguaios, estudo com paraguaio, tem que conviver bem (WMS). No entanto, acha importante falar espanhol (?), porque a gente morando na fronteira aqui tem que se comunicar com os paraguaios então é importante conhece o espanhol. O fato de morar na fronteira com o Paraguai já incomodou WMS, já que tem muito paraguaio que não gosta dos brasileiros, tipo si a gente vai no, compra alguma coisa no Paraguai eles te trata mal, assim. De acordo com WMS, a língua espanhola não é muito bonita e, quando lhe é perguntado sobre uma possível implantação daquela língua no seu país, diz ser um absurdo. Termina dizendo que os paraguaios são diferentes dos brasileiros. São do jeito de ser deles... (WMS) A... Sei lá nos costumes deles, as tradições deles tem muita coisa diferente da nossa (WMS). Conclui-se que a relação entre brasileiros e paraguaios não é muito serena, pelo menos a relação de WMS com o país vizinho não seja muito boa. 3.2.2 Participante 2 – SI O participante SI tem 19 anos, filho de mãe brasileira e pai paraguaio, bilíngue: fala português e espanhol e trabalha como ajudante de depósito na cidade de Ponta Porã (Brasil). Segundo o participante existe rivalidade entre os dois países e que já vivenciou um ato de rivalidade. De acordo com SI, as rivalidades são visíveis em festas e que também a mão de obra estrangeira (paraguaia) é menos valorizada. Em festas principalmente. Festas tanto como trabalho, mão de obra estrangeira é... Bem mais em conta que a nossa mesma, no serviço tipo autônomo, carreto? E tanto como na região né? Porque o guarani influencia muito, né? Tanto que o nosso, a nossa moeda tem o valor bem superior a deles né? Isso, isso transgride a ele uma inferioridade e uma valorização né? Ele busca aqui novas melhorias. Então ele pode trabalha a baixo custo que ele vai consegui vive bem no país dele (SI). É importante destacar, levando em conta a origem do participante (mãe brasileira e pai paraguaio), a forma como ele rejeita sua origem paraguaia (do pai) e assume identidade brasileira, a ponto de sempre dizer: nossa moeda, a ele (referindo ao paraguaio). SI considera a língua espanhola mais importante já que em sua opinião é a segunda língua mais falada no mundo. E que saber falar mais de uma língua hoje é indispensável para uma ascensão econômica. Me diz hoje, uma empresa que você vai trabalha, grandes, se você não fala o espanhol ou inglês? Pra você progredi você precisa fala três línguas: o nosso, né, que é o português, o espanhol e a segunda língua o inglês. Si então você não vai pra frente (SI). Ele admite que já fez piadas sobre paraguaios, mas que não seria de bom grato citar, pois segundo SI são piadas não muito aconselháveis. O participante segue dizendo que os paraguaios não assumem sua verdadeira língua que “segundo ele” é o guarani, fala ainda que os paraguaios eles num gosta de fala a língua deles mesmo que é o guarani, eles menosprezam o guarani. Tentam fala o castelhano pra... Se iguala talvez a outros países como a Espanha, né?Dá-se a impressão que ele considera o espanhol uma língua muito importante e que os paraguaios não são dignos dessa língua. A língua mais fácil para SI é o português pela facilidade, pelo... que ela não tem um sotaque, que você não precisa de, de um termo linguístico assim pra você, tua fala fica mais normal né (?). E, apesar de achar a língua portuguesa mais fácil não considera a espanhola difícil. Possui dois amigos paraguaios e que seu relacionamento com eles é normal já que os mesmos falam muito bem o português. Diz ainda que fala uma língua intermediaria e que só se obriga a falar espanhol quando vai para Assunção. Pois na fronteira, na opinião de SI não precisa falar espanhol. Quando eu vou no outro país pra frente né? Tirando região de fronteira, você subindo mais para o lado de Assunção. Aí você é obrigado à fala (SI). O fato de morar na fronteira já incomodou o entrevistado, já que em sua opinião o país é mal visto no restante do país (Brasil). Quando lhe perguntado sobre a suposta implantação do espanhol em toda a fronteira, assim como o primeiro participante, não aceita. E diz mais, fala que se considera um brasileiro protestante. Eu não. Tipo, ao lado dessas pessoas que, existe o brasileiro que é considerado muito cauteloso né? E existe o que são os protestantes. Então eu sou do lado protestante da causa. E existe aqueles que só fica em cima do muro, vai conforme ta a maioria e que são a maioria do país né?Por isso que vários políticos se elegem ainda (SI). Assim como o WMS, SI tem uma positiva negativa em relação aos paraguaios, logo em relação à língua espanhola. Pois, mesmo dizendo que ela seja importante, ele se nega em falar o espanhol, falando essa língua somente em casos de suma necessidade. Observou-se ainda a preferência de SI pela identidade brasileira, ainda que muitas vezes de forma implícita. E apesar de ser filho de pai paraguaio se nota certo desprezo pela nacionalidade do pai. 3.2.3 Participante 3 – COS A participante COS tem 23 anos, é do sexo feminino, brasileira, trabalha no financeiro de uma loja e é monolíngue: fala somente o português. Na opinião de COS existe rivalidade entre os dois países, pois quando o time de futebol brasileiro está jogando o país vizinho (Paraguai) torce pelo time contrário ao brasileiro. No caso do brasileiro, segundo COS, expressa sua rivalidade através do fato de algumas empresas brasileiras não aceitarem a mão de obra paraguaia. Olha... São vários. Vamos supor assim, que nem quando tem o jogo do Brasil, às vezes eles lá quando... Um, um time ao contrário faz um gol, eles pega e joga... soltam fogos lá né? É um, eu acho que isso já é uma realidade né? É, outra coisa aqui no nosso caso é a concorrência vamos supor por emprego mesmo, aqui no Brasil algumas empresas aceitam, né, outras já não (COS). COS diz nunca ter feito piadas com o modo de falar paraguaio (?), mas diz achar engraçada o sotaque dos moradores do país vizinho. Pois, eles falam bastante coisa, bastante palavras errada né , eles procura do máximo fala certo mais eles confundem algumas palavras, no modo da escrita também tem algumas... Quanto às línguas, diz serem importantes as duas: espanhol e português. Na medida em que ambas são usadas na fronteira. Considera o português mais fácil, na medida em que ela seja sua língua, a língua que COS fala. Segue dizendo ainda que o castelhano não é difícil, tem que ter uma convivência (?). Anteriormente, COS afirma que a razão pela qual acha que o castelhano seja mais difícil é a falta de convivência, no entanto mais adiante diz ter amigos paraguaios na loja em que trabalha e que tem vizinhos paraguaios (?). Tenho aqui na loja tem pessoas que são paraguaios também (COS). (...) na conivência, trabalhar juntas, né, outras são vizinhas né pessoas que são próximas mesmas (COS). COS diz não falar espanhol, que estudou, mas não aprendeu. Acha importante aprender essa língua na medida em que, a maioria dos países, é pra fora do Brasil falam essa língua né, eu acho, considero importante. Diz ainda que, a língua estrangeira que se aprende nas escolas em Ponta Porã é o espanhol, mas costume de falar o espanhol, não tem. Termina dizendo que o paraguaio é um povo diferente do brasileiro tanto na feição como na língua. 3.2.4 Participante 4 – FMG FMG tem 25 anos, é do sexo feminino, reside na cidade de Ponta Porá há 23 anos, é estudante de psicologia na cidade de Pedro Juan Caballero/ Paraguai e, apesar de estudar no país vizinho, diz-se monolíngue em português. Já no início da entrevista, a participante afirma que existem conflitos na fronteira entre brasileiros e paraguaios e alega que a principal razão seria por causa da nacionalidade. (...) na minha faculdade mesmo, né? Eu faço faculdade no Paraguai né? E muitas vezes as paraguaias, elas querem discrimina as brasileiras né?E muitas vezes as brasileiras também né?Querem discrimina as paraguaias, então sempre há assim um desentendimento. Agora até que não, mas no primeiro ano sim. Porque eu já vou pro quarto ano então já... Começa conhecer melhor um e outro então... Mas no começo foi bem difícil bem complicado (FMG). A participante foi a única do grupo que considera que há aspectos positivos no fato de morar na região de fronteira, pois cursa psicologia no país vizinho e vê o Paraguai como mais campo de trabalho. Porque eu morando aqui na fronteira, eu achei que seria uma boa assim pra mim, até pra mim trabalhar né?Mesmo sabendo que fica mais complicado eu transferir a faculdade do Paraguai aqui para o Brasil eu do... eu pretendo conseguir, correr atrás né? E pra mim transferir para o Brasil e tudo, mas mesmo assim se eu não conseguir eu posso trabalhar no Paraguai né?(FMG) Segundo a participante, o espanhol, assim como o português, é uma língua importante (...) ainda mais eu que faço faculdade no Paraguai né? Eu tenho que saber né? Tenho que entender o espanhol. Mas afirma que não sabe falar o espanhol (?), mesmo estudando há quatro anos no Paraguai. Quando questionada sobre o motivo pelo qual não aprendeu o espanhol, diz: (...) por vergonha porque assim, pra quem não sabe tentar falar você, você, você erra né?Você começa a falar, às vezes você quer falar alguma coisa assim e fala errado. Então com medo de ser criticada e coisa ou outra você já não fala (FMG). FMG acha muito bonito um paraguaio falando castelhano, mas, segundo ela, quando eles falam português (...) se confundem muito, falam tudo errado. Em sua opinião, a língua portuguesa é mais fácil que o castelhano. Para ela, o mais difícil é o espanhol por eu ser brasileira (...). Acrescenta ainda que o português é a língua mais agradável de ouvir e considera que os paraguaios transformam o castelhano em uma língua irônica, difícil de entender. Ah, o que eu não gosto muitas vezes, assim é a ironia com que eles falam, ainda mais se eles sabem que o brasileiro não entende aí sim que eles procuram falar, sabe, falar o castelhano mais enrolado mais difícil de entender. E também eles procuram falar muito o guarani sabe (FMG). A participante, como a maioria dos entrevistados, acha importante aprender a falar o espanhol, mas por motivos diversos não aprendeu. Nesse caso, se vê a necessidade de a participante aprender essa língua, pois estuda no Paraguai, mas mesmo assim não aprendeu. Isso se dá pela facilidade que os brasileiros encontram de se comunicar em português no país vizinho, já que nem a universidade paraguaia exige o espanhol dos acadêmicos brasileiros. (...). É porque nós como somos brasileiros não precisa assim, agente apresenta trabalho em espanhol né? Pelo fato da gente não saber falar, não saber se expressar. Então a gente apresenta em português, né? Então pra nós, já facilita muito isso. Então e elas falam: mesmo que vocês não precisem apresentar em espanhol, seria bom vocês aprenderem a falar e se expor, né? Porque agora na nossa monografia a gente vai ter que apresentar, e daí... (FMG) 4. Considerações finais Até o momento, percebeu-se uma supervalorização em relação à língua portuguesa, pondo-a em contraste com o espanhol da fronteira que, pela maioria, é chamada de portunhol, uma língua inferior ao “verdadeiro espanhol”. Em relação ao convívio, não parece assim tão amigável entre os fronteiriços, já que no decorrer das entrevistas aparecem várias denúncias da presença de piadas entre os países (forte indício de preconceito). No grupo de Ensino Superior incompleto obteve-se um dado exclusivo da participante FMG, foi a única até o presente momento que viu o lado positivo em morar na região de fronteira, vendo o país vizinho como mais um campo de trabalho. O preconceito existente pela lingua, neste caso o espanhol, mesmo que de forma indireta representa o preconceito existente em relação ao falante dessa língua. Brasileiros e Paraguaios convivem juntos diarimente nas regiões fronteiriças, tanto nas escolas como em outros setores. O que mostra a necessidade de diálogo entre essas culturas, tendo como ponto de partida a língua. Declarando a língua como um instrumento que une, mas que, sem politicas educacionais adequadas pode ser um grande instrumento de separação e de declaração de preconceitos éticos e culturais. Fatores que podem interferir com grande peso no rendimento ou fracasso escolar. Referências BARCELOS, Ana Maria F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M.H.(Org.) Crenças e Ensino de Línguas:foco no professor, no aluno e a formação de professores. Campinas: Pontes, 2006. PRESTON, R, Dennis. Language with an attitude. In: CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, P.; SCHILLING-ESTES, N. (Orgs.) The handbook of language variation and change Malden/Oxford: Blakwel, 2002. SANTOS, Emmanoel dos. Certo ou Errado? Atitudes e Crenças no Ensino da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Graphia,1996.