Texto Completo - Instituto de Física / UFRJ

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Instituto de Física
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física
Mestrado Profissional em Ensino de Física
Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica
de buracos negros e às temperaturas absolutas negativas
Rodrigo Rodrigues Machado
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Física, Instituto de Física,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Ensino de Física.
Orientador: Alexandre Carlos Tort
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica
de buracos negros e às temperaturas absolutas negativas
Rodrigo Rodrigues Machado
Orientador: Alexandre Carlos Tort
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Física, Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física.
Aprovada por:
Prof. Alexandre Carlos Tort (Presidente)
Prof. Carlos Eduardo Magalhães Aguiar
Prof. Sérgio Eduardo Silva Duarte
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
FICHA CATALOGRÁFICA
M149i
Machado, Rodrigo Rodrigues
Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica de buracos negros e às temperaturas negativas / Rodrigo
Rodrigues Machado. – Rio de Janeiro: UFRJ/IF, 2016.
cxxv, 125 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Alexandre Carlos Tort.
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Instituto de Física / Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física, 2016.
Referências Bibliográficas: f. 112-114.
1. Ensino de Física. 2. Ciclos térmicos quânticos. 3. Termodinâmica de buracos negros. 4. Temperaturas absolutas negativas.I. Tort,Alexandre Carlos. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Física, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física. III. Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos,
à termodinâmica de buracos negros e às temperaturas negativas.
iii
À minha família
iv
Agradecimentos
À minha família pelo apoio e dedicação prestados no decorrer do mestrado.
A todos os amigos e companheiros do mestrado profissional em ensino de física:
Artur Gomes, Fausto Ferreira, Jonatas Lago, Lucas Porto Alegre, Marcos Moura,
Mariana Francisquini, Paulo Henrique e Samuel Ximenes.
Em especial à Mariana Francisquini por toda a ajuda e apoio durante toda a graduação e mestrado.
À Débora M. Tort pelas ilustrações feitas na dissertação.
À Dilma Conceição dos Santos por toda a sua ajuda e presteza.
A todo o corpo docente do Mestrado Profissional em Ensino de Física.
Ao professor Sergio Duarte por ter aceitado gentilmente o convite para participar
da banca.
Ao professor Carlos Eduardo Aguiar por toda a ajuda e sugestões no presente
trabalho.
Ao meu orientador Alexandre Carlos Tort pela sabedoria na orientação e ajuda no
decorrer da tese.
v
RESUMO
Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica
de buracos negros e às temperaturas absolutas negativas
Rodrigo Rodrigues Machado
Orientador: Alexandre Carlos Tort
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Física, Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Ensino de Física.
A quantidade de problemas interessantes que podem ser abordados por meio
da termodinâmica clássica é surpreendente. Entretanto, existem temas que transcendem uma abordagem unicamente clássica, porém, um conhecimento de termodinâmica é fundamental para o entendimento dos mesmos. No presente trabalho
desenvolveremos três temas que julgamos ser de grande interesse: ciclos térmicos
quâticos, a termodinâmica de buracos negros e temperaturas absolutas negativas.
Estes temas nos permitem explorar uma riqueza de conceitos físicos interessantes
e nos mostram uma conexão entre algumas teorias físicas e a termodinâmica clássica. Apesar do grau de complexidade dos temas tratados, nosso objetivo é tornar
tais temas mais inteligíveis para alunos universitários e professores.
Palavras chave: Ensino de Física, Ciclos térmicos quânticos, Termodinâmica de
buracos negros, Temperaturas absolutas negativas.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
vi
ABSTRACT
An introduction to quantum thermal cycles, to black holes
thermodynamics and to negative absolute temperatures
Rodrigo Rodrigues Machado
Supervisor: Alexandre Carlos Tort
Abstract of master’s thesis submitted to Programa de Pós-Graduação em Ensino
de Física, Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, in partial
fulfillment of the requirements for the degree Mestre em Ensino de Física.
There are a great deal of interesting problems which can be approached with
the methods of classical thermodynamics. Nonetheless, there are a few problems
that go beyond an entirely classical treatment. However, some knowledge of thermodynamical concepts is fundamental to the understanding of these problems.
In the present work, we will study three examples of non–usual thermodynamical systems: quantum thermal cycles, black holes thermodynamics and negative
absolute temperatures. These themes allow us to exploit interesting physical concepts which show us connections between modern physical theories and classical
thermodynamics. Even though there is a great degree of complexity regarding
these examples, our main goal is to turn them into intelligible themes to college
students and their instructors.
Keywords: Physics education, Quantum thermal cycles, Black holes thermodynamics, Negative absolute temperatures.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
vii
Sumário
1
Introdução
1
2
Ciclos termodinâmicos quânticos
2.1 O poço quadrado infinito . . . . . . . . . . . . . .
2.2 Processos termodinâmicos quânticos . . . . . . . .
2.2.1 O processo isotérmico quântico . . . . . .
2.2.2 O processo adiabático quântico . . . . . .
2.2.3 O processo isovolumétrico quântico . . . .
2.2.4 O processo isobárico quântico . . . . . . .
2.3 O ciclo de Carnot quântico . . . . . . . . . . . . .
2.3.1 Construindo a máquina de Carnot quântica
2.4 O ciclo de Brayton quântico . . . . . . . . . . . .
2.4.1 Construindo a máquina de Brayton quântica
2.5 Calor e trabalho do ponto de vista microscópico . .
2.6 Simulação das máquinas de Carnot e Brayton . . .
.
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4
4
7
7
8
9
10
11
11
19
19
25
27
3
Introdução à termodinâmica de buracos Negros
3.1 Anãs brancas, estrelas de nêutrons e buracos negros . . . . . . . .
3.2 O buraco negro de Schwarzschild . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3 As leis da termodinâmica dos buracos negros . . . . . . . . . . .
3.3.1 Efeitos quânticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.4 A radiação Hawking . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.4.1 Um modelo simples para entender a radiação de Hawking
3.5 Buracos negros evaporam! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.6 A entropia associada com o buraco negro de Schwarzschild . . . .
3.7 Capacidade térmica e buracos negros . . . . . . . . . . . . . . . .
3.8 É possível verificar experimentalmente a radiação de Hawking? .
30
30
36
40
42
43
45
47
50
55
56
4
Temperaturas absolutas negativas
58
4.1 Leis da termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
4.2 Entropia na visão de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
viii
.
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4.3
4.4
4.5
4.6
4.7
5
Temperaturas negativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O fluxo de calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Leis da termodinâmica com a inclusão de temperaturas absolutas
negativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Verificação experimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Considerações sobre a validade das temperaturas negativas . . .
Conclusão
. 60
. 64
. 70
. 71
. 71
73
A Os níveis de energia do poço infinito: uma dedução simples
76
A.1 Dedução dos níveis de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
B Trabalho no ciclo de Brayton quântico
78
C Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos
80
C.1 Considerações iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
C.2 Ciclo de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
C.3 Ciclo de Brayton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
D A estrela negra de John Michell
86
D.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
E A estrela negra de Laplace
97
F Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild
103
G A métrica de Eddington–Finkelstein
108
Referências bibliográficas
114
ix
Capítulo 1
Introdução
A termodinâmica clássica, sem elementos estatísticos, é manifestamente um
dos ramos mais bem-sucedidos da física. A precisão e simplicidade das suas leis
e modelos chama a atenção pela enorme quantidade de fenômenos aos quais estas
leis podem ser aplicadas. No entanto, há um certo números de fenômenos que não
podem ser analisados unicamente sob a ótica da termodinâmica clássica. Assuntos
como ciclos térmicos quânticos, termodinâmica de buracos negros e temperaturas
negativas são alguns exemplos que fogem à abordagem unicamente clássica e, nos
permitem explorar uma série de aspectos interessantes na física. Estes temas despertam a curiosidade tanto de alunos quanto de professores. Desta forma, neste
trabalho exploraremos tais temas a fim de fornecer a alunos universitários e professores de ensino médio e universitário uma introdução física e matematicamente
precisa a estes assuntos que, a nosso ver, são interessantíssimos. Este é o objetivo
principal deste trabalho.
A apresentação a cada um destes assuntos está estruturada da seguinte maneira:
No capítulo 2 será discutido, primeiramente, o poço quadrado infinito que nos
dará subsídios para construirmos uma analogia quântica de processos termodinâmicos clássicos conhecidos, como os processos isotérmicos, adiabáticos, isovolumétricos e isobáricos. A abordagem deste capítulo segue em grande parte a
referência [1]. Em seguida, nós apresentaremos dois ciclos quânticos, a saber: o
ciclo de Carnot quântico e o ciclo de Brayton quântico. Além disso, nós ainda
1
Capítulo 1. Introdução
tentaremos fazer uma comparação entre a definição de calor e trabalho do ponto
de vista clássico e quântico. Ainda nesta sequência, introduziremos uma simulação computacional desenvolvida por nós no software Geogebra para facilitar a
compreensão da analogia entre o processo clássico e o processo quântico.
No capítulo 3, forneceremos uma pequena introdução à termodinâmica de buracos negros a partir de alguns postulados necessários. Em seguida, citaremos um
modelo simples para a compreensão da radiação Hawking concernente a esse estudo. Após esta etapa, mostraremos que buracos negros têm tempo de vida finito
por meio de alguns cálculos simples, além de mostrarmos uma peculiaridade dos
buracos negros acerca de sua capacidade térmica. Finalmente, será discutida a
possibilidade da verificação experimental da radiação Hawking.
No capítulo 4, abordaremos o tema, muito presente nas mídias ultimamente,
das temperaturas negativas. Inicialmente, faremos uma breve discussão acerca da
segunda lei da termodinâmica. Em seguida, iremos analisar um problema simples
que nos leva aos sistemas a temperaturas negativas. Além disso, iremos analisar
a eficiência de máquinas térmicas operando com temperaturas negativas. Com
base na discussão anterior, iremos incluir as temperaturas negativas nas leis da
termodinâmica clássica. Por fim, iremos comentar brevemente a validade deste
tipo de sistema.
No apêndice A nós faremos uma dedução simples para os níveis de energia do
poço infinitos.
No apêndice B deduziremos a expressão para o trabalho no ciclo de Brayton
quântico.
No apêndice C faremos um breve descrição dos ciclos de Carnot e Brayton
clássicos. Após essa descrição iremos calcular as suas respectivas eficiências.
No apêndice D e E comentaremos a ideia da estrela escura proposta por John
Michell e Laplace, bem como os cálculos reallizados pelos mesmos.
No apêndice F analisaremos uma solução Heurística da métrica de Schwarzschild.
No apêndice G analisaremos a métrica de Eddington–Finkelstein.
Os produtos dessa dissertação estão dispostos da seguinte maneira:
No capítulo 2, a seção 2.6, contém a parte destinada a simulação da máquina
de Carnot e Brayton quânticas. Nesta seção fazemos uma descrição sobre como
2
Capítulo 1. Introdução
usar a simulação e o endereço online onde a mesma pode ser encontrada, além, é
claro, do CD-ROM que acompanha a dissertação com as respectivas simulações.
Os apêndices D e E - a estrela negra de John Michell e a estrela negra de
Laplace- constituem outro produto da dissertação. Nestes apêndices nós descrevemos uma das primeiras ideias relacionadas a buracos negros. Estas ideias foram propostas por Michell e Laplace, o mesmos usavam em suas deduções apenas
ideias newtonianas para tratar este problema.
No apêndice F , nós utlizamos uma maneira simples para descrever a métrica
de Schwarzschild. Através de uma abordagem heurística, obtemos de maneira
menos rigorosa a mesma solução obtida por Schwarzschild.
No apêndice G, nós mostramos como analisar a métrica de Schwarzchild para
uma região interior ao horizonte dos eventos através de uma mudança de coordenadas e analisamos que após qualquer objeto atravessar o horizonte dos eventos,
o mesmo não pode retornar.
3
Capítulo 2
Ciclos termodinâmicos quânticos
Neste capítulo discutiremos analogias entre processos termodinâmicos reversíveis como transformações isotérmicas, adiabáticas e isovolumétricas e a mecânica quântica não-relativística de uma partícula sem spin presa em um poço de
potencial de largura finita L, mas altura V0 → ∞, isto é, o poço quadrado infinito. No entanto, permitiremos que as “paredes” do poço possam mover-se. A
largura variável do poço fará o papel do volume e a partícula quântica, o de substância de trabalho. Mostraremos também que deste modo é possível construir
análogos quânticos dos ciclos de Carnot e Brayton. Além disso, discutiremos tentativamente o que representam as interações calor e trabalho do ponto de vista
microscópico. Grande parte da nossa abordagem segue a referência [1].
2.1
O poço quadrado infinito
Começaremos revisando a mecânica quântica de uma única partícula quântica
de spin zero e massa m presa em um poço de potencial quadrado unidimensional de altura infinita, [Figura 2.1]. A equação de Schrödinger unidimensional
dependente do tempo se escreve:
~2 ∂ 2 Ψ(x, t)
∂Ψ(x,t)
=−
+ V (x,t)Ψ(x,t),
(2.1)
∂t
2m ∂x2
onde ~ é a constante de Planck reduzida, h/(2π), e m é a massa da partícula. Se
supusermos que o potencial V é independente do tempo, isto é: V (x,t) → V (x),
i~
4
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Figura 2.1: Poço quadrado infinito.
podemos escrever
Ψ(x,t) = ψ(x) exp (−iEt/~) ,
(2.2)
onde E é uma constante a ser determinada. Substituindo esta solução-tentativa na
equação de Schrödinger dependente do tempo, obtemos a equação de Schrödinger
independente do tempo
−
~2 d2 ψ(x)
+ V (x)ψ(x) = Eψ(x).
2m dx2
(2.3)
O potencial V (x) particular que queremos estudar é dado por
(
V (x) =
0,
0<x<L
∞, caso contrário.
(2.4)
No intervalo: 0 < x < L, podemos rescrever a equação (2.3) na forma
d2 ψ
+ k 2 ψ = 0,
2
dx
5
(2.5)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
onde definimos k =
escrita como
p
2mE/~2 . A solução1 geral da equação (2.5) pode ser
ψ(x) = A cos kx + B sen kx,
(2.6)
onde A e B são constantes que podem ser determinadas fazendo uso das condições
de contorno que no nosso caso são dadas por: ψ(0) = ψ(L) = 0. Fazendo isto,
obtemos
ψn (x) = Bn sin kn x,
(2.7)
onde kn = nπ/L e n ∈ N. A partir da definição de k segue que
En =
π 2 ~2 n2
,
2mL2
(2.8)
que representa os autovalores da energia dos autoestados do sistema. As autofunções ψn (x) podem ser normalizadas, isto é, podemos impor a condição
Z
L
ψn∗ (x)ψn (x) dx = 1,
(2.9)
0
p
segue então que, a menos de uma fase, Bn = 2/L. A solução geral é dada pela
combinação linear das autofunções normalizadas2 , ou seja
Ψ(x,t) =
∞
X
r
an
n=1
Como a condição de normalização
segue que
nπx 2
sen
exp (−iEn t/~) .
L
L
RL
0
∞
X
(2.10)
Ψ∗ (x,t)Ψ(x,t) dx = 1 deve ser obedecida,
|an |2 = 1.
(2.11)
n=1
Todas as informações físicas sobre o sistema estão associadas com a função Ψ(x,t).
Por exemplo, o valor esperado da energia no caso do poço infinito é dada por
1
A equação (2.5) é analoga à equação do oscilador harmônico simples, cuja solução é bastante
discutida nos livros de física básica.
2
O conjunto de autofunções ψn formam uma base para o espaço de soluções, logo gostaríamos
que esta base fosse ortonormal. A condição de ortogonalidade é completamente satisfeita por ψn ,
entretanto precisamos normalizar as funções ψn para que a mesma tenha módulo igual a unidade.
6
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Z
E=
0
L
∞
X
~2 ∂ 2
Ψ (x,t) −
Ψ(x,t)
dx
=
|an |2 En ,
2m ∂x2
n=1
∗
(2.12)
2
~ ∂
onde o termo − 2m
representa o operador associado à energia do sistema. Uma
∂x2
abordagem alternativa e mais simples é apresentada no apêndice B.
2.2
Processos termodinâmicos quânticos
Para construir os análogos quânticos dos processos termodinâmicos clássicos
é necessário introduzir algumas definições. Podemos diferenciar a equação (2.12)
e obter a seguinte relação
dE =
∞
X
2
d(|an | )En +
∞
X
|an |2 dEn .
(2.13)
n=1
n=1
Podemos, então, definir a força F (L), que desempenhará o papel de análgo da
pressão, como a derivada em relação a L do segundo termo da equação anterior,
ou seja,
∞
X
dEn
.
(2.14)
|an |2
F (L) = −
dL
n=1
Faremos, tentativamente, uma interpretação dos termos que compõem a equação (2.13) posteriormente. Utilizando L, E(L) e F (L), desenvolvermos pouco a
pouco as analogias quânticas dos processos termodinâmicos clássicos.
2.2.1
O processo isotérmico quântico
Para um gás ideal que realiza um processo isotérmico, sabemos que o produto
pressão-volume é uma constante. Denotando esta constante por C,temos
P V = C.
(2.15)
Neste caso, sabemos que a energia interna é somente uma função da temperatura.
Assim, um processo à temperatura constante também é um processo à energia
7
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
constante. Para nosso processo isotérmico quântico, o valor médio da energia
será mantido constante. Neste processo, será permitido que a parede do poço em
x = L possa se movimentar. Por meio dos resultados obtidos na seção anterior
vemos que à medida que a parede do poço se move, a energia varia; pois a energia
média é uma função de L e cai com o inverso do quadrado da largura do poço,
isto é:
∞
∞
X
X
π 2 ~2 n2
2
E(L) =
|an | En =
|an |2
.
(2.16)
2
2mL
n=1
n=1
Já que, por definição, no processo isotérmico a energia média deve ser constante
devemos fornecer energia para a partícula quântica – a substância de trabalho
P
2
– de modo a manter o produto ∞
n=1 |an | En constante. Esse tipo de energia
necessária para manter a energia média constante vem de uma fonte externa e varia
unicamente o termo an . Mais adiante mostraremos como calcular esta quantidade.
A força F (L) se escreve,
F (L) = −
∞
X
2 dEn
|an |
n=1
dL
=
∞
X
|an |2 π 2 ~2 n2
n=1
mL3
,
(2.17)
ou, reescrevendo convenientemente a expressão acima,
F (L) =
Como o produto
P∞
n=1
∞
X
2
|an |2 En .
L
n=1
(2.18)
|an |2 En é constante, vemos que
F (L)L = C,
(2.19)
onde C é uma constante. Esta relação é o análogo quântico da relação pressão ×
volume = constante, válida para o gás ideal e é a nossa primeira analogia quântica
de um processo termodinâmico.
2.2.2
O processo adiabático quântico
Para um gás ideal que realiza um processo adiabático, sabemos que o produto
pressão-volume elevado à razão entre o calor específico a pressão contante, cP , e
8
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
o calor específico a volume constante, cV , é também uma constante, isto é:
P V γ = C,
(2.20)
onde γ = cP /cV , e C é uma constante. Assim, como foi feito anteriormente,
permitiremos que a parede do poço possa movimentar-se. No processo adiabático,
o valor médio da energia não é mais constante. No entanto, se o processo for
realizado lentamente, ou seja, no regime quase-estático, os valores absolutos do
coeficiente de expansão |an | permanecerão constantes [1]. Então, o valor de E(L)
variará de acordo com a variação de L. A partir da equação (2.17) podemos
escrever
F (L)L3 = C,
(2.21)
onde C é uma constante.
Temos a segunda analogia quântica de um processo termodinâmico, no caso o
processo adiabático. Curiosamente o expoente 3 pode ser entendido da seguinte
forma: para cada grau de liberdade sabemos que podemos atribuir ao calor específico cV a quantidade 1/2R, onde R é a constante dos gases. Por outro lado, temos
a relação clássica entre cP e cV :
cP − cV = R.
(2.22)
Supondo-a válida, fazemos cV → cL = (1/2)R, temos cP → cF = (1/2)R + R =
(3/2)R. Portanto,
(3/2)R
cF
=
= γquântico = 3.
cL
(1/2)R
(2.23)
Assim, poderíamos escrever também:
F (L)Lγquântico = constante.
2.2.3
(2.24)
O processo isovolumétrico quântico
Para um gás ideal que realiza um processo a volume constante, sabemos que a
razão entre a pressão P e a temperatura T é uma constante, isto é:
9
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
P
= C.
(2.25)
T
No processo isovolumétrico quântico a largura do poço, L, deve ser mantida constante. O valor médio da energia é dado pela equação (2.16) e o valor da força F (L)
pela equação (2.17). Rescrevendo F (L) em termos de E(L) e L temos
2E(L)
.
L
Como neste processo, por definição, L é constante, segue que
F (L) =
(2.26)
F (L)
2
= ,
E(L)
L
(2.27)
F (L)
= C,
E(L)
(2.28)
ou ainda,
onde C é uma constante. Esta relação representa o análogo quântico do processo
isovolumétrico clássico. Observe que E(L) faz o papel de temperatura.
2.2.4
O processo isobárico quântico
Para um gás ideal que realiza um processo isobárico, sabemos que a razão
entre o volume V e a temperatura T é uma constante:
V
= C.
(2.29)
T
Portanto, na analogia quântica, o valor de F (L) deve ser uma constante. Podemos mostrar, procedendo como anteriormente, que a razão E(L)/L deve ser uma
constante, isto é:
E(L)
= C.
L
Esta relação representa a nossa quarta analogia.
10
(2.30)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
2.3
O ciclo de Carnot quântico
Os quatro processos quânticos que discutimos são os análogos de processos
termodinâmicos clássicos. Por meio desses processos podemos construir ciclos
quânticos análogos aos ciclos termodinâmicos clássicos. O primeiro que estudaremos será o ciclo de Carnot quântico.
2.3.1
Construindo a máquina de Carnot quântica
O ciclo de Carnot clássico é composto por quatro processos reversíveis: uma
expansão isotérmica seguida de uma expansão adiabática, uma compressão isotérmica e, finalmente, uma compressão adiabática que leva a máquina térmica ao
estado inicial - uma discussão sobre o ciclo de Carnot clássico pode ser encontrada na seção C2 do apêndice C. No caso quântico, devemos construir as versões
quânticas de cada processo. Mas, por simplicidade, restringiremos os estados da
partícula quântica a apenas dois, isto é: a dois níveis de energia, a saber:
π 2 ~2
2mL2
que representa o estado fundamental do átomo (n = 1) e
E1 =
E2 =
4π 2 ~2
2mL2
(2.31)
(2.32)
que representa o primeiro estado excitado (n = 2). A restrição a dois estados
permite que os cálculos sejam simples. Vejamos agora em detalhe cada etapa do
processo.
Etapa 1: A expansão isotérmica quântica
Iremos supor que inicialmente a partícula esteja no estado fundamental (n =
1) e que a largura inicial do poço seja L1 . Como vimos anteriormente, na expansão isotérmica quântica, a energia deve manter-se constante. Esta condição
é o equivalente quântico da condição de temperatura constante no processo isotérmico clássico. Portanto, em um ponto qualquer sobre a “isoterma” podemos
escrever
11
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
E(L) =
2 2
2 2
π 2 ~2
2 π ~
2 4π ~
=
|a
|
+
|a
|
,
1
2
2mL21
2mL2
2mL2
(2.33)
já que para manter a energia média constante (temperatura) durante a expansão
precisamos excitar o estado n = 2 fornecendo energia ao sistema quântico. A
energia que devemos fornecer é o equivalente quântico do calor no processo análogo clássico. Fazendo uso da condição de normalização, ver equação (2.11),
podemos reescrever a equação (2.33) na forma
4
|a1 |2
1
2
=
+
1
−
|a
|
.
1
2
L1
L2
L2
(2.34)
L2 = L21 4 − 3|a1 |2 .
(2.35)
Ou ainda
Desta última equação vemos que o máximo valor possível de L para que ainda
tenhamos um sistema de dois níveis de energia, ocorre quando |a1 | = 0. Logo, a
largura máxima permitida pela expansão isotérmica quântica é
L2 := L = 2L1 .
(2.36)
Podemos também visualizar a dedução acima de maneira gráfica [Figura 2.2].
Inicialmente, o poço de potencial tem uma largura L1 e a partícula quântica está
no estado fundamental n = 1 correspondente ao valor inicial de L. À medida que
o poço expande, o estado n = 2, primeiro estado excitado, deve ser excitado. Isto
deve ser feito fornecendo energia ao sistema, de modo a manter a energia média
constante, já E1 diminui com a expansão do poço. Entretanto, essa expansão não
pode ser feita indefinidamente, pois vemos que existe um valor máximo permitido
para a largura do poço (L2 ). Esse valor ocorre quando o valor da energia média
atinge o valor E(L) = E20 . Caso, o poço continuasse expandindo, teríamos de
continuar fornecendo energia ao átomo e excitar o próximo nível, n = 3, para a
manter a energia constante.
12
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Figura 2.2: Expansão isotérmica quasi-estática quântica e seu efeito sobre os níveis de energia.
O valor da constante C para o processo isotérmico quântico pode ser calculado
da seguinte forma. O valor de F (L), durante a expansão, é dado por
2 2
π 2 ~2
2 4π ~
+
|a
|
, L1 ≤ L ≤ 2L1 .
(2.37)
2
mL3
mL3
Com a condição de normalização (2.11) podemos reescrever a equação acima
como
F (L) = |a1 |2
π 2 ~2
F (L) =
(4 − 3|a1 |2 ),
3
mL
Já que
L1 ≤ L ≤ 2L1 .
(2.38)
L2
= 4 − 3|a1 |2 , segue então
L21
F (L) =
π 2 ~2
,
mL21 L
L1 ≤ L ≤ 2L1 .
13
(2.39)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Para L = L1 podemos escrever
π 2 ~2
F (L1 )L1 =
.
mL21
(2.40)
Portanto,
C=
π 2 ~2
.
mL21
(2.41)
Observe que para L = L2 , temos
F (L2 ) =
π 2 ~2
,
mL21 L2
(2.42)
π 2 ~2
.
mL21
(2.43)
ou
F (L2 )L2 =
Ou seja, de acordo com a equação (2.18) o resultado obtido para C é consistente.
Etapa 2: A expansão adiabática quântica
Na seção (2.2.2) vimos que no processo adiabático a seguinte equação era
válida
F (L)L3 = C
Neste processo, a partícula quântica mantém seu respectivo autoestado, ou
seja, um átomo no primeiro estado excitado fica durante toda a expansão neste
estado. Uma maneira de tentarmos compreender essa afirmação é pensar que
nesse caso só há trabalho sendo realizado, isto é, os níveis de energia mudam,
pois o poço se expande. Entretanto, os níveis de ocupação (an ) são mantidos
constantes, pois nenhuma energia externa (calor) é fornecida à partícula quântica.
Essa interação que afeta a ocupação dos níveis de energia chamamos de calor.
Ao final do processo anterior (processo isotérmico) a partícula quântica estará no
primeiro estado excitado (n = 2). Assim, durante a expansão adiabática a energia
média fica
2π 2 ~2
E2 = E(L) = |a22 |
.
(2.44)
mL2
14
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Pela normalização vemos que |a2 |2 = 1.
Deixaremos que o poço agora se expanda de L2 até um valor L3 , então
E(L3 ) =
2π 2 ~2
.
mL23
(2.45)
Podemos também calcular o valor de C na expansão adiabática F (L)L3 = C.
Pela equação (2.20)
4π 2 ~2
.
(2.46)
F (L)L3 = C =
m
Etapa 3: A compressão isotérmica
De maneira análoga à feita na expansão isotérmica, comprimiremos o poço de
L3 até L4 , com L4 < L3 . O valor da energia média nesse processo é dado por
E(L3 ) =
2π 2 ~2
.
mL23
(2.47)
Durante a compressão, a energia média se escreve
2 2
π 2 ~2
2 2π ~
+ |a2 |
.
E(L) = |a1 |
2mL2
mL2
2
(2.48)
A energia média deve manter-se constante, logo
2 2
2 2
2π 2 ~2
2 π ~
2 2π ~
=
|a
|
+
|a
|
.
1
2
mL23
2mL2
mL2
(2.49)
Usando uma vez mais a condição de normalização – equação (2.11) – temos
L2 =
L23
(4 − 3|a1 |2 ).
4
(2.50)
Agora ocorre o processo inverso. A largura do poço diminui, e a energia média
tende a aumentar, logo, para impedir que isto ocorra, devemos retirar energia do
sistema. De modo análogo ao caso da expansão isotérmica, há um limite para a
compressão e neste caso procuramos um valor mínimo. Este valor mínimo para L
ocorre quando |a1 | = 1, e |a2 | = 0. Portanto,
15
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
L4 =
L3
.
2
(2.51)
A energia média será:
E(L4 ) =
2π 2 ~2
π 2 ~2
=
,
2mL24
mL23
(2.52)
logo, consistentemente, E(L3 ) = E(L4 ).
Etapa 4: A compressão adiabática quântica
Ao final da compressão isotérmica a partícula quântica estará no estado fundamental (n=1) dado pela equação (2.52). Como o processo adiabático quântico é
um processo no qual a partícula se mantém no seu autoestado de energia, a energia
média sobre a adiabática na compressão adiabática se escreve
π 2 ~2
E(L) =
.
2mL2
(2.53)
Comprimiremos o poço até o ponto L = L1 , fechando assim o ciclo. Ou seja, ao
completar o ciclo teremos
E(L1 ) =
π 2 ~2
.
2mL21
(2.54)
A Figura 2.3 mostra o diagrama F − L para ciclo de Carnot quântico, análogo ao
ciclo clássico do Apêndice D.
A eficiência do ciclo de Carnot quântico
Agora estamos em condições de discutir a eficiência da máquina de Carnot
quântica. Faremos a suposição que o trabalho realizado pelo sistema quântico em
um ciclo completo possa ser calculado com a seguinte expressão:
I
W =
F (L)dL,
C
16
(2.55)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Figura 2.3: Diagrama F − L da máquina de Carnot quântica: nos trechos a → b
e c → d, a energia média é constante; nos trechos b → c e d → a, o autoestado da
partícula quântica é constante. O diagrama é ilustrativo e está fora de escala.
onde a área fechada do gráfico representa o trabalho realizado no nosso ciclo de
Carnot quântico. Expandindo a equação acima, escrevemos
Z
2L1
W =
L3
Z
F dL +
Z
L3
2
F dL.
L3
2
L3
2L1
L1
F dL +
F dL +
L1
Z
Utilizando os valores de F calculados anteriormente obtemos
π 2 ~2 1
4
W =
−
ln 2.
m
L21 L23
(2.56)
(2.57)
A energia (calor) necessária para manter a energia média E(L) constante durante
a expansão isotérmica é
Z
2L1
Qa→b =
F (L)dL =
L1
17
π 2 ~2
ln 2.
L21 m
(2.58)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Da mesma forma, na compressão isotérmica a energia rejeitada3 necessária para
manter a energia média constante é dada por
Z
L3
2
Qc→b =
F (L)dL
L3
Z
L3
2
=
L3
4π 2 ~2 1
4π 2 ~2
dL
=
ln
mL23 L
mL23
L3
2L3
=−
4π 2 ~2
ln 2. (2.59)
mL23
Fazendo uso de mais uma analogia com a termodinâmica clássica, definimos a
eficiência da máquina de Carnot quântica por
ηCarnot =
W
,
|Qa→b |
(2.60)
onde W é o trabalho realizado pela máquina em um ciclo completo e |Qa→b | é o
calor fornecido pela “fonte quente” . Pela primeira lei da termodinâmica, podemos
rescrever a equação acima como
ηCarnot = 1 −
|Qc→d |
,
|Qa→b |
(2.61)
pois W = |Qa→b | − |Qc→d |, onde −|Qc→d | é o calor rejeitado para a “fonte fria”.
Agora podemos fazer uso das expressões que obtivemos para o trabalho no ciclo
de Carnot quântico, e para os calores cedido e rejeitado para calcular a eficiência.
O resultado é
ηCarnot = 1 −
4L21
.
L23
(2.62)
Podemos ainda, rescrever a equação acima em termos da energia média
ηCarnot = 1 − 4
π 2 ~2
E(L3 )m
.
,
2mE(L1 ) 2π 2 ~2
(2.63)
E(L3 )
.
E(L1 )
(2.64)
ou seja,
ηCarnot = 1 −
3
Precisamos agora rejeitar uma quantidade de energia para manter a energia constante.
18
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Em outras palavras, a energia média E(L1 ) é a versão quântica da temperatura
da fonte quente na termodinâmica clássica, e a energia média E(L3 ) é a versão
quântica da temperatura da fonte fria, e a equação (2.64) é o análogo quântico da
relação clássica:
ηCarnot = 1 −
Tfonte fria
.
Tfonte quente
(2.65)
Os resultados acima foram obtidos escolhendo somente dois dos infinitos níveis de energia possíveis para a partícula presa no poço de potencial. No entanto,
é possível mostrar que as deduções acima podem ser feitas selecionando n > 2
estados [1]. Esta escolha torna os cálculos muito complicados e não implica necessariamente em um entendimento conceitual mais profundo.
2.4
O ciclo de Brayton quântico
Nosso segundo exemplo de ciclo quântico é o ciclo de Brayton. Para introduzir
a versão quântica do ciclo de Brayton, como antes, por simplicidade, consideraremos apenas dois níveis de energia do poço infinito, o estado fundamental, n = 1,
e o primeiro estado excitado, n = 2.
2.4.1
Construindo a máquina de Brayton quântica
O ciclo de Brayton clássico é composto por quatro processos reversíveis: expansão isobárica, expansão adiabática, compressão isobárica e compressão adiabática - ilustrado no apêndice C. Analogamente ao feito anteriormente, iremos
utilizar um sistema com dois níveis de energia:
E1 =
π 2 ~2
mL2
(2.66)
E2 =
4π 2 ~2
mL2
(2.67)
e
19
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Etapa 1: A expansão isobárica quântica
No processo isobárico quântico a seguinte equação é válida:
F (L) = C,
(2.68)
ou, em termos da energia média e da largura do poço:
E(L)
= C.
L
(2.69)
Se supusermos que o estado inicial (antes da expansão) da partícula quântica seja
o fundamental, isto é: n = 1, então,
E(L1 ) = E1 =
π 2 ~2
,
2mL21
(2.70)
onde L1 representa a largura inicial do poço. O valor da energia média durante a
expansão isobárica é dado por
2 2
π~2
2 4π ~
+
|a
|
,
2
2mL2
2mL3
Para L = L1 , o valor de F (L) é
E(L) = |a1 |2
π 2 ~2
F (L1 ) =
,
mL31
L 1 ≤ L ≤ L2 .
(2.71)
(2.72)
mas, durante a expansão isobárica, F (L) é dada por
2 2
π 2 ~2
2 4π ~
+
|a
|
,
L1 ≤ L ≤ L2 .
(2.73)
2
mL3
mL3
Fazendo uso da equação (2.72) e da condição de normalização, equação (2.11),
temos:
F (L) = |a1 |2
1
1
= 3 (4 − 3|a1 |2 ),
2
L1
L
(2.74)
L3 = L31 (4 − 3|a1 |2 ).
(2.75)
ou ainda,
20
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
O valor mínimo permitido de L ocorre quando |a1 | = 1, e o valor máximo máximo
quando |a1 | = 0, logo, o valor máximo é dado por
1
L2 = (4) 3 L1 .
(2.76)
Portanto, no ponto b do diagrama mostrado na Figura 2.4, |a1 | = 0, |a2 | = 1, e a
energia média é
2π 2 ~2
mL22
= 22/3 E(L1 )
E(L2 ) =
= 22/3 E1 ,
(2.77)
onde fizemos uso da relação entre L2 e L1 deduzida acima.
Etapa 2: A expansão adiabática quântica
Como no caso do ciclo de Carnot quântico, ao final do processo anterior, isto
é: da expansão isobárica, a partícula quântica estará no primeiro estado excitado
(n = 2) que é dado pela equação (2.77). Deixaremos agora que o sistema evolua
ao longo da curva adiabática bc e passe do ponto b para o ponto c, [Figura 2.4].
A largura do poço variará de L2 até L3 , e durante a expansão adiabática a energia
média pode ser escrita como
2π 2 ~2
,
L 2 ≤ L ≤ L3 .
mL2
A força durante este processo será dada por
E(L) =
4π 2 ~2
,
F (L) =
mL3
L 2 ≤ L ≤ L3 .
(2.78)
(2.79)
Etapa 3: A compressão isobárica quântica
Ao final da expansão adiabática, o valor de E será
E(L3 ) =
21
2π 2 ~2
,
mL23
(2.80)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
e o valor de F será
4π 2 ~2
F (L3 ) =
.
mL33
(2.81)
Como no processo isobárico F (L) é constante, segue que F (L3 ) = F (L), onde
F (L) é dado por
F (L) = |a1 |2
2 2
π 2 ~2
2 4π ~
+
|a
|
,
2
mL3
mL3
L4 ≤ L ≤ L3 .
(2.82)
Portanto, podemos escrever
2 2
2 2
4π 2 ~2
2 π ~
2 4π ~
=
|a
|
+
|a
|
.
1
2
mL33
mL3
mL3
(2.83)
Impondo a condição de normalização, equação (2.11), e escrevendo L em função
de L3
L33
(1 + 3|a2 |2 ),
L4 ≤ L ≤ L3 .
(2.84)
4
Portanto, neste intervalo, L tem seu valor máximo (L3 ) quando |a2 | = 1, e mínimo
(L4 ) quando |a2 | = 0, isto é:
L3 =
L4 =
L3
.
(2.85)
π 2 ~2
4π 2 ~2
=
= F (L3 ).
mL34
mL33
(2.86)
1
43
Logo, no ponto d, devemos ter
F (L4 ) =
Por outro lado, como na compressão isobárica c → d
2 2
π~2
2 4π ~
E(L) = |a1 |
+ |a2 |
,
2mL2
2mL3
e no ponto d, |a2 | = 0, temos
2
E(L4 ) =
22
π~2
.
2mL24
L 4 ≤ L ≤ L3 ,
(2.87)
(2.88)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Figura 2.4: Diagrama F − L da máquina de Brayton quântica: nos trechos a → b
e c → d, a força é constante; nos trechos b → c e d → a, o autoestado da partícula
quântica é constante.
Etapa 4: A compressão adiabática quântica
Como na compressão adiabática os coeficientes |a1 | e |a2 | não podem ser alterados, pois não há fornecimento de energia externa (calor), isto é |a1 | = 1 e
|a2 | = 0 no processo d → a, temos
E(L) =
π 2 ~2
,
2mL2
L1 ≤ L ≤ L4 ,
(2.89)
e
π 2 ~2
F (L) =
,
L 1 ≤ L ≤ L4 .
mL3
Agora, basta comprimir o poço até L = L1 para completar o ciclo.
23
(2.90)
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
A eficiência do ciclo de Brayton quântico
A Figura 2.4 mostra o diagrama F − L do ciclo de Brayton quântico. Com
a equação (2.55) podemos calcular o trabalho realizado no ciclo de Brayton, obtendo o seguinte resultado
3
3
W = F (L1 ) (L2 − L1 ) + F (L3 ) (L4 − L3 ) .
(2.91)
2
2
O cálculo explícito do resultado acima está no apêndice [B]. Se fizermos uso
da versão da Primeira Lei da Termodinâmica adaptada às máquinas de Carnot
e Brayton quânticas, a quantidade de energia (calor) fornecida durante o desenvolvimento do processo a → b pode ser escrita como
Qa→b = E(L2 ) − E(L1 ) + Wa→b .
(2.92)
As energias E(L1 ) e E(L2 ) podem ser rescritas em termos de F (L1 ) e F (L2 ):
E(L1 ) =
π 2 ~2 L1
L1
π 2 ~2
L
=
2
×
= F (L1 ) ;
3 1
3
2mL1
2mL1 2
2
(2.93)
E(L2 ) =
2π 2 ~2
2π 2 ~2 L2
L2
L
=
2
×
= F (L2 ) .
2
3
3
mL2
2mL2 2
2
(2.94)
e
Portanto, lembrando que no processo a → b, a força (pressão) é constante, isto é:
F (L2 ) = F (L1 ), podemos escrever
Qa→b = F (L1 )
L2
L1
− F (L1 )
+ F (L1 )(L2 − L1 )
2
2
(2.95)
ou ainda
3
Qa→b = F (L1 ) (L2 − L1 )
2
O mesmo vale para a energia ou calor rejeitado no processo (c → d)
Qc→d = E(L4 ) − E(L3 ) + F (L3 )(L4 − L3 ).
(2.96)
(2.97)
Procedendo como antes, reescrevemos a equação acima em termos de F (L3 ) e
24
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
lembrando que F (L4 ) = F (L3 ) obtemos
3
Qc→d = F (L3 )(L4 − L3 ).
(2.98)
2
Como L4 < L3 , vemos que Qc→d < 0, em acordo com a convenção para o calor
rejeitado. A eficiência do ciclo de Brayton se escreve
ηBrayton = 1 −
|Qc→d |
(L3 − L4 )F (L3 )
=1−
.
|Qa→b |
(L2 − L1 )F (L1 )
(2.99)
Podemos reescrever a equação acima observando que os processos d → a e b → c
estão ligados pelas seguintes equações
L21 F (L1 ) = L34 F (L4 ),
(2.100)
L32 F (L2 ) = L33 F (L3 ).
(2.101)
e
Subtraindo as equações anteriores e lembrando que F (L2 ) = F (L1 ) e F (L4 ) =
F (L3 ) e rearranjando os termos segue que
L2 − L1
=
L3 − L4
F (L3 )
F (L1 )
13
.
(2.102)
Levando a expressão acima na equação (3.83) temos
ηBrayton = 1 −
1− 1
F (L3 ) ( 3 )
.
F (L1 )
(2.103)
A expressão acima é análoga à expressão para a eficiência do ciclo de Brayton
clássico. Outros ciclos clássicos, por exemplo, o ciclo de Otto, podem ser transformados em máquinas térmicas quânticas e analisados, [2], e métodos mais sofisticados podem ser aplicados a essas análises [3].
2.5
Calor e trabalho do ponto de vista microscópico
O trabalho em termodinâmica clássica é uma extensão do conceito abordado
em mecânica clássica e inclui processos onde não necessariamente há desloca25
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Figura 2.5: Aparato experimental de Joule para medir o equivalente mecânico do
calor. (Imagem Wikipedia).
mentos envolvidos ou algum tipo de força. A definição mais abrangente de trabalho pode ser feita da seguinte maneira:
• Um sistema realiza trabalho sobre a sua vizinhança se o único efeito sobre
tudo externo ao sistema puder ser o levantamento de um peso no campo
gravitacional.
A partir da definição acima, podemos também definir o conceito de calor da seguinte maneira
• Calor é toda a interação entre um sistema e sua vizinhança que não é trabalho.
Na termodinâmica dos ciclos de Carnot e Brayton quânticos fomos levados a considerar dois processos distintos de transferência de energia. No primeiro processo,
a transferência de energia envolve um alteração das probabilidades |an |2 de ocupação do estado n de energia. No segundo, esses números permanecem fixos e
temos somente alterações nas dimensões do sistema. Percebemos então que do
ponto de vista microscópico adotado aqui, calor e trabalho são duas interações
completamente diferentes. Podemos escrever a primeira lei da termodinâmica na
versão quântica [2] da seguinte forma: se E é o estado de energia do sistema
quântico, então,
26
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
E=
∞
X
2
|an | En =
n=1
logo,
∞
X
pn En ,
∞
∞
∞
X
X
X
dE = d(
pn En ) =
En dpn +
pn dEn .
n=1
n=1
Fazendo as identificações:
dQ
¯ =
(2.104)
n=1
∞
X
(2.105)
n=1
En dpn ,
(2.106)
pn dEn ,
(2.107)
n=1
e
dW
¯ =
∞
X
n=1
Assim, a versão da primeira lei da termodinâmica quântica pode ser escrita em
uma forma análoga à forma clássica
dE = dQ
¯ + dW.
¯
2.6
(2.108)
Simulação das máquinas de Carnot e Brayton
Os ciclos de Carnot e Brayton nas suas versões quânticas foram simulados por
nós em um programa de geometria dinâmica que permite construir animações.
O programa utilizado foi o Geogebra, que é gratuito e tem versões compatíveis
com os principais sistemas operacionais utilizados hoje em dia (Windows, Linux e
Mac). O programa pode ser baixado do endereço https://www.geogebra.
org/download. Nas Figuras (2.6) e (2.7) dois quadros fixos são apresentados. As animações completas podem ser acessadas no link: http://www.if.
ufrj.br/~pef/producao_academica/dissertacoes/2016_Rodrigo_
Machado/ .
Ambas as simulações foram feitas utilizando valores arbitrários de energias.
Para a utilização das simulações, é necessário a instalação do programa Geogebra.
Na simulação, existem três botões, a saber: iniciar, pausar e reiniciar. O início da
27
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
Figura 2.6: Quadro fixo do ciclo de Carnot.
Figura 2.7: Quadro fixo do ciclo Brayton.
28
Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos
simulação ocorre ao pressionar-se o botão iniciar. A simulação pode ser pausada
e, caso o leitor queira recomeçar a simulação o botão reiniciar é utilizado. Durante
as simulações, em cada processo quântico, são mostradas as expressões análogas
quânticas de processos termodinâmicos clássicos. Ao completar o ciclo (término
da simulação) o valor da eficiência é calculado. Por fim, notamos que na simulação apresentada, os processos não são realizados de maneira quase-estática como
é feito neste capítulo. Entretanto, a simulação é apenas uma maneira visualizar os
processos descritos no decorrer do texto.
29
Capítulo 3
Introdução à termodinâmica de
buracos Negros
3.1
Anãs brancas, estrelas de nêutrons e buracos negros
Buracos negros são regiões do universo nas quais os efeitos da curvatura do
espaço-tempo são tão intensos que qualquer corpo material ou forma de radiação
fica impedida de sair dali [4, 5]. A história dos buracos negros começa no século
18 quando o reverendo, astronômo e sismólogo inglês, John Michell (1724-1793),
e o grande físico matemático francês Pierre Simon, Marquês de Laplace (17491827), chamaram a atenção para a possibilidade de que a atração gravitacional de
uma estrela pudesse ser tão intensa que nem mesmo a luz poderia escapar-lhe [6].
Michell, partidário da teoria newtoniana corpuscular da luz, supôs que as partículas de luz pudessem interagir gravitacionalmente com uma estrela negra, na
terminologia da época. A atração da estrela poderia ser tão forte que a velocidade
de escape seria maior do que a celeridade da luz. Treze anos mais tarde, Pierre
Simon Laplace (1749–1827), publicou sua versão, também newtoniana de uma
estrela negra [7, 8]. Como problemas de mecânica newtoniana, as estrelas negras
de Michell e Laplace são muito interessantes e nos apêndices D e E desenvolvemos uma discussão detalhada dessas duas abordagens pioneiras que acreditamos
possam ser de utilidade nos cursos de mecânica.
30
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Figura 3.1: Evolução esquemática do Sol no diagrama H-R: Em 1 e 2, o Sol evolui
como uma proto-estrela e entra na sequência principal, 3. No início do estágio
final sai sequência principal para a região das gigantes vermelhas, 4, e finalmente
chega ao seu destino final como anã branca, 5. (Ilustração D.M.T.)
O conceito moderno de buraco negro começou a ser formado em decorrência dos estudos sobre os estágios finais de certos tipos de estrelas ditas estrelas
compactas: as anãs brancas e as estrelas de nêutrons. Estrelas comuns como o
nosso Sol nascem da condensação de uma nebulosa provocada pela interação gravitacional. A condensação acende a fornalha nuclear e a estrela entra e começa a
evoluir ao longo sequência principal do diagrama de Hertzspurng-Russel ou H-R.
A Figura 3.1 mostra de modo esquemático a trajetória do Sol no diagrama H-R.
Em uma dada etapa de sua vida de aproximadamente 10 bilhões de anos, o combustível nuclear primário fica quase esgotado e o Sol, procurando conter o colapso
gravitacional aumenta a taxa de reações nucleares aumentando a pressão interna.
O resultado é um aumento de tamanho e transformação em uma gigante vermelha.
Esgotada esta etapa começa o processo de contração no qual o Sol termina ejetando massa e dando origem a uma nebulosa planetária. O núcleo solar remanescente fica reduzido a uma bola compacta de bárions (prótons e nêutrons) e elétrons
31
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
que os astrofísicos denominam uma anã branca. A anã branca se mantém estável
porque a pressão de Fermi contrabalança a pressão gravitacional impedindo que
o Sol imploda.
Na física das estrelas compactas, a pressão de Fermi ou pressão de degenerescência é um efeito quântico que aparece quando a matéria bariônica (prótons
e nêutrons) e os elétrons ficam confinados em um espaço relativamente pequeno
em razão da enorme pressão gravitacional da estrela. Os férmions – partículas de
spin semi-inteiro – devem obedecer ao Princípio de Exclusão de Pauli e isto dá
origem a uma contrapressão não-térmica, isto é: que não envolve a temperatura
da anã branca, que sob certas condições pode dar equilíbrio mecânico à estrela.
Para velocidades não-relativísticas podemos mostrar com argumentos simples que
a pressão de Fermi dos elétrons, exceto por um fator multiplicativo, é dada por:
PFermi
~2
∝
melétron
ρ
2mbárion
5/3
onde ~ é a constante de Planck reduzida e ρ é a densidade de massa da anã branca.
Os bárions remanescentes também exercem uma pressão de Fermi e para levá-la
em conta bastaria trocar melétron na equação acima por mbárions , mas a massa de um
bárion é 2 000 vezes maior do que a massa do elétron e, consequentemente, sua
contribuição à pressão de Fermi efetiva seria 1 000 vezes menor do que a contribuição dos elétrons. Convém salientar que a anã branca ainda tem uma pressão
térmica, mas esta também é muito menor do que a pressão de Fermi dos elétrons
e não influi no equilíbrio mecânico da anã branca. Nosso Sol, por exemplo, depois de ter se transformado em uma anã branca finalmente esfriará e tornar-se-á
uma anã negra, uma estrela fria equilibrada pela pressão de Fermi. A Figura 3.2
mostra a evolução final de duas estrelas de massas distintas, o Sol e Sirius B, em
termos da razão entre a massa das estrelas e a massa do sol ( M ) em função do
raio R.
Se a massa final da anã branca for suficientemente grande, a pressão gravitacional será de tal forma intensa que os elétrons atingirão velocidades relativísticas,
isto é, v ≈ c. Neste caso, a pressão de Fermi deve ser recalculada e o resultado é
32
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Figura 3.2: Se uma estrela estiver na região sob a curva sólida, ela explodirá
porque a pressão de Fermi é maior do que a pressão gravitacional. Por outro lado,
se ela estiver fora dessa região implodirá porque a pressão gravitacional é maior
do que a pressão de Fermi. As anãs brancas estáveis, como um dia o nosso Sol
será, localizam-se sobre a curva sólida que separa as duas regiões. Por outro lado,
Sirius B está fadada a tornar-se uma estrela de nêutrons.
PFermi
~2
∝
melétron
ρ
2mbárion
4/3
Este resultado foi obtido pelo físico indiano Subrahmanyan Chandrasekhar
(1910–1995). Chandrasekhar descobriu também que há um limite para a massa
da anã branca gerada no processo, este limite é chamado limite de Chandrasekhar.
O limite de Chandrasekhar vale aproximadamente 1, 44 massas solares. Os resultados do então jovem teórico indiano foram apresentados em 11 de janeiro de 1935
em uma reunião da Royal Astronomical Society e inicialmente enfrentaram uma
forte resistência por parte da comunidade dos astrofísicos liderada na época por
Arthur S. Eddington (1882 – 1944), o mais respeitado astrofísico do seu tempo.
Com o decorrer do tempo foram aceitos, menos por Eddington.
33
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Se a massa inicial de uma estrela for muito grande, sua evolução será, grosso
modo, similar à evolução de uma estrela comum, mas seu destino final será diferente. A estrela ejetará suas camadas externas em uma explosão espetacular
dando origem a uma supernova do tipo IIa, o núcleo remanescente formará uma
anã branca com uma massa superior ao limite de 1,44 massas solares, a pressão
de Fermi relativística não será capaz de equilibrar a pressão gravitacional e a anã
branca se transformará em uma estrela de nêutrons ou um buraco negro1 estelar
[Figura 3.3].
Estrelas de nêutrons foram propostas nos anos 1930 por Franz Zwicky (1898 –
1974) e Walter Baade (1895 – 1960) como uma tentativa de explicar o mecanismo
de geração da enorme energia envolvida nas explosões das supernovas. Consideremos uma estrela cuja massa inicial é da ordem de 4 a 8 massas solares, a estrela
evoluirá até transformar-se em uma supergigante vermelha, depois entrará em colapso até ejetar suas camadas externas em uma explosão espetacular criando uma
supernova. O núcleo remanescente da estrela continuará a implodir gerando uma
pressão gravitacional tal que os prótons (p+ ) e elétrons (e− ) com um suprimento
de energia fornecida pelo campo gravitacional da estrela em colapso, reagirão
entre si formando nêutrons (n) e antineutrinos (ν̄e ) de acordo com a equação:
p+ + e− + 1,36 MeV → n + ν̄e .
Em um dado momento, os nêutrons formarão uma esfera densa que interromperá
o colapso. Uma estrela de nêutrons sustentada pela pressão de Fermi acaba de
nascer. A pressão de Fermi neste caso é dada por
PFermi
~2
∝
mnêutron
ρ
mnêutron
5/3
,
Mas qual o limite para a massa M de uma estrela de nêutrons? O que acontece
se este limite for ultrapassado? Em princípio o valor da massa limite deve ser
único. Mas o cálculo do valor deste limite envolve a teoria relativística da gravitação e modelos do interior da estrela. O resultado final é o limite de Tolman1
O termo buraco negro foi cunhado pelo importante físico teórico americano John Archibald
Wheeler em 1968.
34
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Figura 3.3: Os três modos pelos quais a vida de uma estrela pode terminar.
(Ilustração D.M.T.)
Oppenheimer-Volkof : se a massa da estrela de nêutrons resultante ultrapassar o
limite de Tolman-Oppenheimer-Volkof que estabelece valores máximos entre 1,5
e 3 massas solares para uma estrela deste tipo, está implodirá formando um buraco
negro [Figura 3.4].
35
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Figura 3.4: Qual o limite para a massa de uma estrela de nêutrons? A resposta
depende da curva limite correta.
3.2
O buraco negro de Schwarzschild
Em 1926, Karl Schwarzschild (1873–1916) obteve uma solução para as equações da Relatividade Geral que descrevem a gravitação como uma manifestação
da geometria do espaço–tempo. A solução de Schwarzschild nos dá a quantidade
fundamental da Relatividade Geral : a métrica, isto é: o quadrado da distância
entre dois eventos A e B no espaço–tempo quadridimensional determinado pela
distribuição de matéria e energia. A métrica de Schwarzschild descreve a geometria do espaço–tempo em torno de uma massa M que apresenta simetria esférica,
não tem momento angular e é eletricamente neutra. A métrica de Schwarzschild
é dada por [4, 5, 9]:
1
2GM
2 2
2
2
2
2
2
c
dt
+
dr
+
r
dθ
+
sen
θ
dφ
,
ds = − 1 −
2GM
rc2
1−
rc2
(3.1)
onde r é definido pelo perímetro da circunferência (= 2πr), e φ e θ são os ângulos azimutal e polar, respectivamente, associados com as coordenadas esféricas
usuais. Não é imediatamente óbvio que a métrica de Schwarzschild leve ao con2
36
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
ceito de buraco negro. Na verdade, Schwarzschild nunca fez tal afirmação. Foi
mais tarde com a reinterpretação desta solução que esta possibilidade teórica surgiu. A reinterpretação vem da análise dos problemas encontrados na solução de
Schwarzschild pelo físico americano David Finkelstein [10]. A existência de uma
singularidade na métrica em r = 2GM/c2 e outra em r = 0, assim como a inversão do sinal podem ser defeitos da escolha das coordenadas ou representar algo
mais sério. Em outras palavras: a métrica só vale para a r > 2GM/c2 . A ampla liberdade de escolha de coordenadas que temos na Relatividade Geral permite
utilizar coordenadas mais adequadas e transformar a métrica de Schwarzschild na
métrica de Eddington–Finkelstein:
2M G
dv 2 + 2dvdr + r2 dΩ2 .
ds = − 1 − 2
cr
2
(3.2)
onde agora v é a coordenada temporal, veja o Apêndice G para os detalhes. Nesta
nova métrica, podemos analisar a trajetória da luz no espaço–tempo em torno da
singualridade essencial em r = 0. Podemos ver também que a singularidade em
G
, o raio de Schwarzschild, deixa de existir, isto é: ela é uma sinr = RS = 2M
c2
gularidade removível e não há inversão de sinal na métrica. E, mais importante:
podemos provar que a radiação e matéria não podem escapar através de uma fronteira hipotética chamada horizonte dos eventos. Em suma, a Relatividade Geral
permite a existência de buracos negros. No Apêndice G discutimos com detalhes
estes aspectos. Com o decorrer do tempo outras soluções capazes de descrever
buracos negros que têm momento angular diferente de zero e/ou que podem ser
eletricamente carregados foram descobertas. Em 1961, foram descobertas as primeiras evidências experimentais da existência de um buraco negro estelar. Hoje
em dia, o número de evidências experimentais é considerável.
Em principio, a massa de um buraco negro estelar é arbitrária, mas do ponto de
vista do astrofísico as massas finais dos buracos negros estelares estão entre 3 e 30
massas solares (3 − 30 M ). Buracos negros galácticos têm massas que variam
desde bilhões até trilhões de massas solares (106 − 109 M ) e localizam-se nos
centros das galáxias. Seus processos de formação ainda não estão bem estabelecidos, embora uma explicação viável seria a formação pela fusão de dois ou mais
37
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
buracos negros. Há um terceiro tipo de buraco negro: o buraco negro primordial
que teria sido criado no início do universo em razão das flutações quânticas do
campo gravitacional. Aqui, nós discutiremos apenas os buracos negros estelares,
em particular, o buraco negro de Schwarzschild.
Buracos negros são caracterizados por três propriedades fundamentais:
(a)
MASSA
(M),
(b)
CARGA
(Q)
(c)
MOMENTO ANGULAR
(J).
Estas três propriedades nos dão quatro variantes de buraco negro mostradas na Tabela 3.1. Essas três propriedades são também as únicas informações que um observador distante terá acesso ao estudar a geometria do espaço–tempo na presença
de um buraco negro. Um buraco negro com essas três propriedades é chamado
buraco negro de Newman-Kerr, porém, os astrofísicos ainda não encontraram nenhum indício da existência de buracos negros carregados. Há indícios fortes da
existência de buracos negros girantes, isto é: com massa e momento angular nãonulo, tais buracos negros são chamados buracos negros de Kerr. Aqui, concentraremos nossa atenção no mais simples dos modelos teóricos desse objeto, o buraco
negro de Schwarzschild.
Essencialmente, o buraco negro de Schwarzschild é um ponto chamado singularidade que concentra toda a massa M do buraco negro, é eletricamente neutro,
isto é, sua carga Q é nula, não gira, o momento angular J é nulo e é envolvido por
uma superfície esférica invisível de raio Rs , o raio de Schwarzschild [Figura 3.5],
definido por:
Massa (M )
Sim
Sim
Sim
Sim
Mto. angular (J)
Não
Sim
Sim
Não
Carga (Q)
Não
Não
Sim
Sim
Nomenclatura
Schwarzschild
Kerr
Kerr-Newman
Reissner-Nordström
Tabela 3.1: Classificação de buracos negros.
38
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
2GM
,
(3.3)
c2
onde G é a constante de gravitação universal de Newton e c é o módulo da velocidade da luz.
RS =
O raio de Schwarzschild determina uma fronteira que se chama horizonte dos
eventos. Qualquer corpo (inclusive o fóton) que passe da região exterior r > RS
para a região interior r < RS através do horizonte dos eventos não poderá voltar
ao meio exterior.
Figura 3.5: Buraco negro de Schwarzschild. A distância entre a singularidade e
o horizonte dos eventos é igual ao raio de Schwrzschild do buraco negro.
Um buraco negro clássico, isto é, que obedece às leis da física clássica (a teoria
geral da relatividade ou gravitação einsteiniana é uma teoria clássica) só pode ser
percebido pelos efeitos que provoca no seu entorno, como por exemplo, a radiação
dos gases que fazem parte do disco de accreção emitem enquanto abandonam o
nosso universo mergulhando no horizonte dos eventos. Exceto pelas propriedades
39
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
fundamentais, o buraco negro propriamente dito, isto é: a região interior ao horizonte dos eventos e a singularidade, permanece inacessível às nossas observações
diretas. Se supusermos que um buraco negro é um corpo isolado no universo e
cairmos em queda livre em direção a ele, não perceberíamos nossa passagem pelo
horizonte dos eventos e a presença da singularidade seria percebida pela ação de
fortíssimas forças gravitacionais de maré. Uma nave espacial e seus astronautas,
como corpos extensos que são, poderiam ser literalmente despedaçados por essas
forças, um processo que muitas vezes é eufemisticamente chamado de ‘espaguetificação’. Para o observador distante, nossa queda nas proximidades do horizonte
dos eventos seria cada vez mais lenta e ao final ficaria congelada. O observador
distante vê uma ilusão. Mas, por outro lado, se quiséssemos, poderíamos estabelecer uma estação espacial em uma órbita estável a uma distância confortável e
segura do horizonte dos eventos.
3.3
As leis da termodinâmica dos buracos negros
Neste capítulo estaremos interessados em estudar alguns aspectos da termodinâmica do buraco negro, e para isto convém enunciar suas leis. Estas leis foram
estabelecidas no início e meados dos anos 1970 quando a analogia entre a área
associada com o horizonte dos eventos e a entropia clássica sugerida por Jacob
Bekenstein [11, 12], foi comprovada por Stephen Hawking [13–15]. Eis os enunciados na versão clara e didática de Raine e Thomas [5]:
Seja M , a massa do buraco negro; κs sua gravidade superficial2 ; A, a área
associada com o horizonte dos eventos; Ω, a sua velocidade angular; J , a magnitude do seu momento angular; Φ, seu potencial eletrostático e Q, sua carga
elétrica. Então as leis gerais da mecânica dos buracos negros são:
LEI ZERO
A gravidade superficial κs de um buraco negro no horizonte dos eventos é
constante.
2
Para um buraco negro de Schwarzschild a gravidade superficial pode ser interpretada como o
valor da aceleração da gravidade medida por um obserdor distante do horizonte dos eventos.
40
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
PRIMEIRA LEI
d(M c2 ) =
~κs
dA + Ω dJ + Φ dQ.
8πG
SEGUNDA LEI
No caso dos buracos negros clássicos nos quais efeitos quânticos não são levados em conta, a área do horizonte dos eventos não pode diminuir.
TERCEIRA LEI
A gravidade superficial ks no horizonte dos eventos não pode ser reduzida a
zero por meio de um número finito de processos.
As leis gerais da mecânica dos buracos negros assemelham-se às leis da termodinâmica clássica e isto seria mais do que uma coinciência se pudéssemos associar
uma temperatura ao buraco negro e este emitisse radiação, o que não é possível
para um buraco negro clássico. No entanto, se levarmos em conta os efeitos quânticos nas proximidades do horizonte dos eventos, o buraco negro emitirá radiação
e poderemos falar em leis da termodinâmica do buraco negro.
As leis da termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild
No caso do buraco negro de Schwarzschild, é possível mostrar que há uma
relação simples entre a temperatura T e a gravidade superficial κs :
T =
~κs
,
2πkB c
onde
κs =
GM
.
Rs2
E, como veremos nas páginas seguintes, também é possível mostrar que a entropia
S é um multíplo simples da área A do horizonte dos eventos:
dS =
1 kB c3
kB dA
dA =
,
4 ~G
4 `2P
41
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
onde `P é o comprimento de Planck definido por
r
`P =
~G
.
c3
Portanto, para o buraco negro de Schwarzschild, ks e dA podem ser substituídos
por T e dS e as quatro leis rescritas na forma:
LEI ZERO
A temperatura T de um buraco negro de Schwarzschild no horizonte dos eventos é constante.
PRIMEIRA LEI
d(M c2 ) = T dS.
SEGUNDA LEI
No caso de um buraco negro de Schwarzschild clássico para os quais os efeitos
quânticos não são levados em conta
∆Sburaco negro ≥ 0.
TERCEIRA LEI
A temperatura do horizonte dos eventos de um buraco negro de Schwarzschild não pode ser reduzida a zero por meio de um número finito de processos.
(Formulação de Nernst).
3.3.1
Efeitos quânticos
Finalmente, se efeitos quânticos nas proximidades do horizonte dos eventos
forem levados em conta, a segunda lei deve ser generalizada da seguinte forma:
A entropia de um buraco negro de qualquer tipo e de seu meio exterior não
pode diminuir, isto é:
42
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
∆Smeio exterior + ∆Sburaco negro ≥ 0.
3.4
A radiação Hawking
Como já mencionamos, um buraco negro clássico não permite que matéria
e/ou radiação escape dele, porém, se alguns aspectos quânticos da sua física perto
do horizonte dos eventos forem levados em conta haverá exceções.
Foi Stephen Hawking, Professor Lucasiano Emérito, cátedra ocupada por Newton, Paul Dirac e Charles Babbage na Universidade de Cambridge, quem mostrou
que este cenário não é necessariamente verdadeiro [13–15]. Aplicando os métodos da teoria quântica de campos em espaços curvos na região próxima ao
horizonte dos eventos, Hawking mostrou que um buraco negro emite radiação, a
radiação Hawking, e o espectro desta radiação é similar ao de um corpo negro a
uma temperatura T , dada por
T =
~ c3
,
8πGM κB
(3.4)
onde ~ = h/2π é a constante de Planck reduzida e κB é a constante de Boltzmann.
Observe a presença das três constantes que caracterizam a mecânica quântica, a
gravitação e a relatividade: ~, G, c e ainda da constante de Boltzmann κB sempre
associada com os fenômenos termo-estatísticos. Isto significa que efeitos quânticos, gravitacionais e termo-estatísticos estão envolvidos no fenômeno. Veja mais
adiante uma discussão um pouco mais detalhada. Fazendo uso da definição do
raio de Schwarzschild, a equação (3.4) pode também ser escrita na forma
κB T ≡ T ∗ =
onde
κs =
~κs
,
2πc
GM
,
RS2
(3.5)
(3.6)
é o valor da aceleração gravitacional no horizonte dos eventos ou aceleração superficial. Esta forma de escrever a temperatura será útil na discussão de um dos
43
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
modelos heurísticos da emissão da radiação Hawking. Se a massa do buraco negro for expressa em quilogramas e a temperatura em graus kelvin, então podemos
escrever também,
1,23 × 1023
T =
K.
(3.7)
M [kg]
Seja qual for a forma com que a expressemos, esta temperatura é muitas vezes
conhecida como temperatura Hawking ou temperatura Bekenstein-Hawking, já
que os resultados de Hawking confirmam resultados anteriores de J. Bekenstein
[11, 12], um dos pioneiros no estudo da termodinâmica dos buracos negros3 .
Vejamos agora um modo alternativo de obtermos a temperatura de Bekenstein–
Hawking: a área correspondente ao raio de Schwarzschild é dada por
AS =
4πRs2
16πG2 M 2
4G2 M 2
=
.
= 4π
c4
c4
Portanto,
dAS =
32πG2 M dM
c4
(3.8)
(3.9)
ou
c4 dAS
(3.10)
32πG2 M
A energia interna do buraco negro é dada por U = M c2 , logo, uma variação dM
na sua massa leva à variação
dM =
dU = dM c2 =
c6 dAS
.
32πG2 M
(3.11)
Pela primeira lei da termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild:
dS =
dU
c6 dAS
=
,
T
32πG2 T M
(3.12)
onde fizemos uso do fato de que o buraco negro de Schwarzschild não tem rotação
e é eletricamente neutro. De um outro ponto de vista que está fora do alcance de
nossa discussão aqui – este é o ponto fraco da dedução –, o ponto de vista da teoria
3
Em particular, Hawking obtém a mesma expressão obtida por Bekenstein para a entropia de
um buraco negro.
44
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
quântica de campos em espaços curvos, a entropia do buraco negro é dada pela
expressão
c3 dAs
.
(3.13)
~G 4
Igualando as equações (6) e (7) uma à outra obtemos o resultado de Hawking
dS ≈ κB
T =
3.4.1
~ c3
.
8πGM κB
Um modelo simples para entender a radiação de Hawking
A radiação Hawking consiste de fótons, neutrinos e, em menor grau, de todos
os tipos de partículas massivas. Isto significa que o buraco negro pode ser “visto”?
Para responder a esta pergunta temos de entender o mecanismo por trás da radiação de Hawking e para isto seguimos o modelo simples das referências [15, 16].
O termo vácuo na teoria quântica de campos, a versão quanto-mecânica da
teoria de campos clássica, não significa ausência completa de matéria e radiação.
Vácuo na teoria quântica de campos significa estado de energia mais baixa possível [18]. Neste estado, dito estado de vácuo, há uma atividade intensa causada
pelas flutuações do vácuo quântico. Tais flutuações geram pares de partículas–
antipartículas ditas virtuais por não serem observáveis. Estes pares aparecem e
desaparecem continuamente e a distância entre elas é arbitrária. Para um observador em queda livre nas proximidades do horizonte dos eventos, o forte campo de
maré do buraco negro pode ocasionalmente separar os pares virtuais impedindo
a aniquilação mútua e atraindo uma das partículas do par para o seu interior em
quanto a outra, sem seu parceiro virtual e com a energia fornecida pelo campo
gravitacional, transforma-se em uma partícula real [Figura 3.6].
Vejamos qual o balanço de energia envolvido. Considere, por exemplo, pares
de elétrons e posítrons. A energia inicial é a energia do buraco negro e se escreve
Ei = M c 2 .
45
(3.14)
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Suponha que o elétron virtual mergulhe no horizonte dos eventos. Sem seu parceiro virtual, o posítron transforma-se em uma partícula real com uma energia
igual a me c2 (e carga +e). Se escrevermos
Ef = M c2 + 2me c2 ,
(3.15)
estaremos violando o princípio da conservação da energia. A saída é supor que
o elétron ao ultrapassar o horizonte dos eventos tem uma energia negativa igual
−me c2 , note bem: energia negativa, não massa, e logo
Ef0 = (M − me ) c2 + me c2 .
(3.16)
Deste modo, o princípio da conservação da energia fica satisfeito. Podemos interpretar este resultado da seguinte forma: a energia para materializar a partícula
virtual, no caso, um posítron, é fornecida pelo campo gravitacional do buraco negro nas proximidades do horizonte dos eventos que perde o equivalente em massa
inercial. Observe que o buraco negro ganha uma carga igual a −e, pois o princípio
da conservação da carga também deve ser satisfeito. Mas, a partícula que ultrapassa o horizonte dos eventos poderia ser o posítron e a emitida seria o elétron.
A carga adquirida pelo buraco negro seria +e. Como não há motivos para que
o buraco negro prefira uma em detrimento da outra, na média, a carga adquirida
por este é nula. Fótons também passam pelo mesmo processo, mas os fótons não
têm carga e a antipartícula de um fóton é o próprio fóton. É a massa do buraco
negro que determina os tipos de partículas emitidas e as respectivas contribuições
percentuais. Para um buraco negro de Schwarzschild com M > 1014 kg, uma
estimativa é de 81,4% de neutrinos (νe , ν̄e , νµ , ν̄µ ), 16,7% de fótons (γ) e 1,9% de
grávitons (g). Para 1014 kg < M < 5 × 1011 kg, 45% de elétrons (e− ) e posítrons
(e+ ), , 45% de neutrinos (νe , ν̄e , νµ , ν̄µ ), 9% de fótons (γ) e 1% de grávitons (g).
Finalmente, Para 1011 kg < M < 1010.5 kg, 12% de nucleons a antinucleons (N
e N̄ ), 28% de elétrons (e− ) e posítrons (e+ ), , 48% de neutrinos (νe , ν̄e , νµ , ν̄µ ),
11% de fótons (γ) e 1% de grávitons (g) [17].
46
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Figura 3.6: Radiação de Hawking percebida por um observador que está em
queda livre em direção ao ao horizonte dos eventos do buraco negro. A energia
para a criação do posítron vem do forte campo de maré gerado pelo buraco negro
nas proximidades do horizonte dos eventos [16].
3.5
Buracos negros evaporam!
Como o buraco negro emite radiação, ele evapora. É possível mostrar que o
tempo de vida de um buraco negro é dado pela expressão:
67
T = 2,09 × 10
M
M
3
anos,
(3.17)
onde M é a massa solar. Um buraco negro de dez massas solares (10 M ) dura
aproximadamente 2 × 1070 anos, uma duração maior do que a duração do nosso
universo.
Para obter este resultado, basta lembrar que o buraco negro comporta-se como
um corpo negro a uma temperatura T , e um observador distante pode calcular o
seu tempo de vida usando a lei de Stefan-Boltzmann para a energia por unidade
de área e unidade de tempo u da radiação emitida
47
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
u = σ T 4,
(3.18)
onde
π 2 κ4B
,
(3.19)
60~3 c2
é a constante de Stefan-Boltzmann. A luminosidade do buraco negro, L, é a
densidade superficial de energia por unidade de tempo multiplicada pela área de
Schwarzschild
σ=
L = AS u = AS σT 4 .
(3.20)
onde T é a temperatura de Bekenstein-Hawking. Lembrando que AS = 4πRS2 , e
fazendo uso das expressões para σ e T , obtemos
~ c6
.
(3.21)
15 360 πG2 M 2
Mas a luminosidade é também uma perda de energia/massa por unidade de tempo
L=
L=−
dU
dM
= c2
.
dt
dt
(3.22)
Segue que
~ c4
dM
=
.
dt
15 360 πG2 M 2
Esta equação pode ser facilmente integrada:
−
Z
0
T
15 360 πG2
dt = −
~ c4
Z
(3.23)
0
M 02 dM 02 .
(3.24)
M
Calculando as duas integrais obtemos finalmente
5 120 π G2 M 3
T=
.
(3.25)
~ c4
Multiplicando e dividindo pela massa do Sol, M = 1,99 × 1030 kg e substituindo
os valores de G, ~ e c obtemos o resultado dado pela equação (3.17).
48
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Figura 3.7: Radiação Hawking e o efeito Unruh–Davies.
Um segundo modelo simples para entender a radiação Hawking
Um segundo modelo simples para a radiação Hawking está relacionado com
o efeito Unruh–Davies [18] e é descrito em [16]. Vejamos primeiro de que trata o
efeito Unruh–Davies.
Se um observador move-se no vácuo com aceleração própria constante, perceberá que se encontra imerso em um banho térmico a uma temperatura T ∗ dada
por:
κB T = T ∗ =
~a
,
2πc
(3.26)
onde a é a aceleração própria4 . Este resultado surprendente – o efeito Unruh–
Davies –mostra-nos que o efeito da aceleração é transformar as flutuações do vá4
A aceleração própria é a aceleração medida no referencial do observador acelerado.
49
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
cuo quântico em partículas reais. Observe que a equação (3.26) apresenta uma
semelhança notável com a equação (3.5). O efeito Unruh-Davies pode ser utilizado para entender o efeito Hawking se imaginarmos um observador que paira
acima do horizonte dos eventos do buraco negro. Para que isto aconteça e ele
não seja sugado pelo buraco negro terá que acionar seus retrofoguetes e ajustá-los
para que sua aceleração própria a seja igual a kS . Do ponto de vista da relatividade geral, ele não é um observador inercial no sentido einsteniano, isto é em
queda livre e movendo-se ao longo de uma geodésica, e estando submetido à forças não-gravitacionais não segue uma geodésica do espaço–tempo de Schwarzschild. Então, este observador concluirá que os pares virtuais nas proximidades do
horizonte de eventos são partículas reais. Algumas dessas partículas desaparecem
atravessando o horizonte dos eventos desaparecendo do nosso universo enquanto
seus respectivos pares escapam e em princípio dão ao buraco negro um brilho
tênue.
3.6
A entropia associada com o buraco negro de Schwarzschild
A quantidade fundamental na descrição de um buraco negro de Schwarzschild
é a sua entropia. O ponto de partida é a percepção de que a área do horizonte dos
eventos de um buraco negro, como a entropia clássica, não pode diminuir. Aqui
discutiremos este aspecto da termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild de
um modo simples. Vejamos como as leis da termodinâmica dos buracos negros se
aplicam ao buraco negro de Schwarzschild. Da primeira lei temos:
dU = T dS,
(3.27)
pois o buraco negro de Schwarzschild não tem momento angular e não é electricamente carregado. A variação infinitesimal da energia interna se escreve dU =
dM c2 , logo
dS =
dM c2
dU
=
.
T
T
50
(3.28)
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
A variação finita de entropia será dada por
Z
M
dM 0 c2
.
T
S − S0 =
0
(3.29)
Substituindo a equação (3.4) no integrando acima temos
8π G κB
S − S0 =
~c
Z
M
M 0 dM 0 .
(3.30)
0
Segue que
4π G M 2 κB
,
(3.31)
~c
onde fizemos uso da condição S = 0 quando M → 0. Esta é a entropia do
buraco negro. Multiplicando e dividindo este resultado pelo raio de Schwarzschild
e lembrando que o comprimento de Planck é dado por
S=
r
~G
,
c3
podemos escrever o resultado final de modo mais compacto:
`P =
S=
1 κB AS
4πRS2 G M 2 κB
=
,
2
~ c RS
4 `2P
(3.32)
(3.33)
onde AS = 4πRS2 é a área da superfície correspondente ao horizonte dos eventos.
Portanto, a entropia de um buraco negro de Schwarzschild é proporcional à área
determinada pelo raio de Schwarzschild
Observe que para chegar a este resultado começamos com a temperatura de
Bekenstein-Hawking e a partir dela obtivemos a expressão para a entropia do buraco negro. O procedimento de Hawking é o inverso: calculando a entropia do
buraco negro com os métodos da teoria de campos em espaços curvos, ele obtém
a temperatura.
51
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Um exemplo: entropia associada com a coalescência de dois buracos negros
Do ponto de vista teórico, nada impede que dois buracos negros possam coalescer formando um único buraco negro. O que acontecerá com a entropia neste
caso? Para fixar melhor as idéias, suponhamos que dois buracos negros coalesçam. Suponhamos também por simplicidade que um dos buracos negros tenha
uma massa M e o outro 2M . As áreas correspondentes ao seus respectivos horizontes dos eventos são:
AM = 4π
2GM
c2
e
A2 M
2G(2M )
= 4π
c2
2
,
(3.34)
2
= 4 AM .
(3.35)
Consideremos agora dois modelos de coalescência [4]:
(a) a massa do buraco negro final é a soma das massas dos buracos negros iniciais,
Mf = M + 2M = 3M ;
Figura 3.8: Modelo para a massa final do buraco negro no processo (b).
52
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
(b) a massa do buraco negro final é igual á raíz quadrada da soma dos quadrados
p
√
das massas dos buracos negros iniciais, Mf = M 2 + (2M )2 = 5 M .
O segundo modelo leva em conta a perda de energia por radiação gravitacional,
isto é: o processo de coalescência leva à produção de ondas gravitacionais. Vejamos agora o que acontece com a área associada com o horizonte dos eventos. No
primeiro caso, o novo raio de Schwarszchild se escreve:
2(3M )G
= 3 RS .
c2
A nova área associada com o horizonte dos eventos é
RS0 =
A3M = 4πRS0 2 = 4π(3RS )2 = 9AM .
(3.36)
(3.37)
No segundo caso, o novo raio de Schwarszchild vale
RS00
√
2( 5M )G √
= 5 RS .
=
c2
(3.38)
A área agora é dada por
√
A√5M = 4πRS00 2 = 4π( 5RS )2 = 5AM.
(3.39)
Em ambos os casos, a área associada com o horizonte dos eventos aumenta, mas
não necessariamente a entropia. Calculemos a entropia do estado inicial, que é
o mesma para ambos os processos. Como a entropia é uma quantidade aditiva
escrevemos
Sinicial = SM + S2M ;
(3.40)
onde
1 κB
AM ;
4 `2P
(3.41)
1 κB
1 κB
A2M = 4 ×
AM = 4SM .
2
4 `P
4 `2P
(3.42)
SM =
e
S2M =
53
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Portanto, a entropia do estado inicial é:
Sinicial = SM + 4SM = 5SM .
(3.43)
Para o primeiro processo, a entropia do estado final se escreve:
Sfinal; processo (a) =
1 κB
1 κB
A3M = 9 ×
AM = 9 S M .
2
4 `P
4 `2P
(3.44)
Portanto, a variação de entropia ao final do processo é
∆S = Sfinal; processo (a) − Sinicial = 5SM > 0.
(3.45)
No segundo processo, a entropia do estado final é
Sfinal; processo (b) =
1 κB
1 κB √
A
AM = 5 SM .
=
5
×
5
M
4 `2P
4 `2P
(3.46)
Portanto, no segundo processo a variação de entropia do buraco negro é nula:
∆S = Sfinal; processo (b) − Sinicial = 0.
(3.47)
O resultado é surprendente, mas pode ser aceitável se a segunda lei da termodinâmica aplicado ao buraco negro for modificada escrevendo:
∆Sexterior + ∆Sburaco negro > 0,
(3.48)
onde ∆Sexterior representa a variação de entropia no lado de fora do buraco negro
gerado pelo processo de coalescência.
A entropia calculado com a relação acima é a entropia dos físicos-químicos –
observe a presença da constante de Boltzmann – e não deve ser confundida com o
conceito de entropia da informação. A entropia de um buraco negro de Schwarzschild é enorme e está associada com os diferentes modos pelos quais a matéria e
radiação pode acomodar-se em seu interior. Para um buraco negro de massa igual
a 10 massas solares obtemos S = 1.45 × 1056 J/K. A questão ainda em aberto
é: qual o significado da entropia de um buraco negro? Há muitas possibilidades
de interpretação. Uma delas é que esta entropia esteja associada com o número
54
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
de configurações interiores distintas para um buraco negro de massa final M (ou
M , Q e J). Mas para provar isto é necessário aprender a contar o número dessas
configurações e relacionar o resultado com a entropia termodinâmica, uma tarefa
difí cil e ainda em andamento.
3.7
Capacidade térmica e buracos negros
A capacidade térmica de um buraco negro de Schwarzschild, a quantidade de
energia dQ
¯ que devemos fornecer a ele para obter uma variação de temperatura
dT , tem um comportamento não–usual. Se U representa a energia interna de um
sistema termodinâmico e T , sua temperatura, a capacidade térmica C é definida
por:
dU
.
(3.49)
dT
Como de acordo com a primeira lei da termodinâmica dos buracos negros aplicada
ao buraco negro de Schwarzschild: dU = dQ
¯ = T dS, como a entropia depende
da área A do horizonte dos eventos, podemos escrever
C=
C=
dA dU
,
dT dA
(3.50)
ou ainda,
dA dS
,
(3.51)
dT dA
onde T deve ser identificada com a temperatura de Bekenstein–Hawking, equação
(3.4). Multiplicando e dividindo a temperatura de Bekenstein-Hawking, pelo raio
de Schwarzschild e rearranjando um pouco o resultado obtemos:
C=T
T =
2M c2 `2P
.
κB A
(3.52)
Segue desta expressão que
dA
2M c2 `2P
=−
.
dT
κB T 2
55
(3.53)
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Fazendo uso dessas expressões para T e dA/dt, e ainda da expressão para a entropia do buraco negro, equação (3.33), obtemos finalmente,
M c2
< 0.
(3.54)
2T
Buracos negros têm capacidade térmica negativa. Isto significa que se o buraco
negro absorver massa e energia sua temperatura diminuirá e se perder massa sua
temperatura aumentará. Capacidade térmica negativa é observada em outros sistemas termodinâmicos, por exemplo, estrelas e galáxias e é sinal de instabilidade
termodinâmica.
C=−
3.8
É possível verificar experimentalmente a radiação de Hawking?
Buracos negros astrofísicos estão cercadas por matéria ionizada que circunda
o entorno deles antes de desaparecer definitivamente do nosso Universo [ Figura
3.9]. Esta matéria ionizada emite radiação eletromagnética e se constitui em um
dos fortes idícios da existência desses objetos. Estas emissões tendem em obliterar
a radiação de Hawking tornando-a difícilima de ser percebida experimentalmente.
Mas, suponha que um buraco negro seja de algum modo encontrado em uma região do Universo em que possa ser considerado como isolado. Sua temperatura
será igual à temperatura de Bekenstein–Hawking. Se esta for maior do que a temperatura da radiação cósmica de fundo, poderíamos observar um brilho fraco ao
seu redor, mas se a temperatura de Bekenstein–Hawking fosse menor do que a
temperatura da radiação cósmica de fundo, as leis da termodinâmica clássica impediriam que a radiação Hawking pudesse ser observada. Uma possibilidade de
observação da radiação Hawking seria encontrar buracos negros primordiais nos
últimos momentos de suas existências. Para este tipo de buraco negro, a temperatura de Bekenstein–Hawking seria alta o suficiente para permitir a detecção da
radiação Hawking, mas até o momento os resultados são frustrantes. Entretanto,
uma simulação em laboratório com laseres que faz uso de pulsos filamentares
ultra-curtos parece confirmar as previsões teóricas [20].
56
Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros
Figura 3.9: Aparência predita por O. Straub, F.H. Vincent, M.A. Abramowicz,
E. Gourgoulhon e T. Paumard, em [21] de um buraco negro de Schwarzschild
com um anel toroidal de matéria ionizada. O modelo descreve Sagitário A∗ . A
assimetria da radiação é provocada pela forte influência do efeito Doppler, pois a
matéria ionizada deve circular em torno do buraco negro com velocidade orbital
muito alta para compensar a enorme atração gravitacional. (Imagem Wikipedia)
57
Capítulo 4
Temperaturas absolutas negativas
Neste capítulo, nós abordaremos um tema que causa estranheza na maioria dos
professores e estudantes, a saber: temperaturas absolutas negativas. Em seguida
discutiremos como as temperaturas podem ser incluídas na formulação das leis da
termodinâmica. Comentaremos também alguns experimentos relacionados com
o tema. E por fim, comentaremos brevemente sobre a validade da existência de
temperaturas negativas.
4.1
Leis da termodinâmica
Sabemos que qualquer sistema macroscópico deve obedecer às quatro leis da
termodinâmica. Faremos aqui uma brevíssima revisão das mesmas.
L EI ZERO
Dois sistemas termodinâmicos A e B em equilíbrio térmico com um terceiro
sistema C estão em equilíbrio térmico entre si.
P RIMEIRA L EI - A primeira lei trata do princípio da conservação da energia. Podemos enunciá-la da seguinte forma:
A energia de um sistema isolado é constante.
Podemos ainda escrever a primeira lei da termodinâmica na forma diferencial
dU = dQ
¯ − dW,
¯
58
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
onde dQ
¯ e dW
¯ representam diferenciais inexatas.
S EGUNDA L EI - A segunda lei da termodinâmica pode ser escrita na forma dos
enunciados de Kelvin e Clausius
Enunciado de Clausius: O calor não pode ser transferido de um sistema que
se encontra a uma temperatura mais baixa para um sistema que se encontra a uma
temperatura mais alta sem que este processo seja acompanhado por alterações na
vizinhança.
Enunciado de Kelvin: Não há processo cíclico por meio do qual o calor cedido
por uma fonte é integralmente convertido em trabalho.
Os enunciados acima parecem distintos, em princípio, mas podemos mostrar que
os mesmos são equivalentes. Ou seja, um processo ou ciclo que viole o enunciado
de Clausius também viola o enunciado de Kelvin e vice-versa.
Podemos também escrever a segunda lei da termodinâmica em termos do conceito de entropia. A entropia de um sistema isolado se mantém constante se somente processos reversíveis estiverem presentes, mas aumenta se processos irreversíveis acontecem. Ou seja,
∆S ≥ 0.
Algumas vezes, consideramos o sistema isolado como a soma do sistema com
a sua respectiva vizinhança. Assim, podemos reescrever a equação acima como
∆Suniverso = ∆Ssistema + ∆Svizinhana ≥ 0.
T ERCEIRA L EI - A terceira lei pode ser enunciada na sua forma fenomenológica
da seguinte forma
Nenhuma sequência finita de processos cíclicos pode levar um sistema ao zero
absoluto (0K).
59
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
4.2
Entropia na visão de Boltzmann
Podemos ainda, a partir de métodos de mecânica estatística escrever a segunda
lei de outra maneira, em termos do número de microestados acessíveis ao sistema.
Podemos escrever a entropia através da relação de Boltzmann
S = kB ln(Ω),
(4.1)
onde kB representa a constante de Boltzmann e Ω representa o número de microestados acessíveis.
Diversas discussões tem sido feitas recentemente sobre a correta definição de
entropia. Colocando inclusive, para determinados casos, a equação (4.1) em dúvida. Iremos comentar de maneira breve essa questão posteriormente – após apresentar a formulação e discussão do problema de temperaturas negativas.
4.3
Temperaturas negativas
Consideremos um sistema fechado e isolado com um número N (>> 1) de
partículas que não interagem entre si. Uma segunda restrição é feita, nosso sistema
de partículas pode apenas ocupar dois níveis de energia, a saber: 0 e 1 [26]. Por
simplicidade, faremos o menor nível de energia 0 = 0 e o maior nível de energia
1 = . O número de partículas que ocupam o nível mais baixo e o mais alto de
energia são dados por n0 e n1 , respectivamente. O número total de partículas N e
a energia total do sistema U são dados pelas seguintes expressões
N = n0 + n1
(4.2)
U = n1 1 + n0 0 = n1 .
(4.3)
e
É importante notar que o sistema descrito acima não é um sistema termodinâmico usual. Um sistema termodinâmico usual (como um gás contido em um
pistão) possui energia U que varia continuamente, pois a energia cinética das partículas que constituem o gás varia de modo contínuo. No entanto, nosso sistema
60
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
descrito anteriormente tem níveis discretos de energia (dois níveis) com um limite
superior dado por 1 .
Então, para nosso sistema de dois níveis de energia, o número de microestados acessíveis, isto é, o número de maneiras diferentes de arranjos disponíveis as
partículas satisfazendo as condições dadas pelas equações (4.2) e (4.3) é
Ω=
N!
.
n0 !n1 !
(4.4)
Entretanto, como as condições impostas pelas equações (4.2) e (4.3) influenciam o número de microestados? Iremos exemplificar tal situação com um número
reduzido de partículas para que possamos observar como isso se aplica. Sejam,
por exemplo, N = 3 e U = 1 , ou seja, nosso sistema é composto por três partículas e possui uma partícula com energia 1 enquanto as demais possuem energia
0 . O número de configurações possíveis pode ser visto na figura 4.1.
Figura 4.1: Configurações possíveis para N = 3 e U = 1 .
Observamos que o número de configurações possíveis é igual a 3, isto é, Ω =
3. Entretanto, isso só é verdade devido a essa condição particular em que só temos
uma partícula com energia 1 ! Levando a equação 4.4 na relação de Boltzmann
(4.1) temos
S = kB ln(Ω) = kB ln
N!
,
n0 !n1 !
usando algumas propriedades de logaritmo obtemos
61
(4.5)
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
S
= ln N ! − ln (n0 !n1 !)) = ln N ! − ln n0 ! − ln n1 !.
kB
(4.6)
Utlilizando a aproximação de Stirling (N >> 1)
ln N ! = N ln N − N.
(4.7)
Aplicando (4.7) em (4.6) escrevemos
S
= N ln N − N − n0 ln n0 + n0 + n1 − n1 ln n1 ,
kB
(4.8)
como N = n0 + n1 segue que
S
= N ln N − n0 ln n0 − n1 ln n1
kB
(4.9)
Podemos reescrever a equação acima e colocar-la em função de U e N . Então,
S
U
U
U U
= N ln N − N −
ln N −
− ln .
kB
(4.10)
Pode-se mostrar que
1
=
T
∂S
∂U
.
(4.11)
N
Levando a relação (4.10) em (4.11) e reordenando alguns termos segue que
kB T
= ln
N
−1 .
U
(4.12)
A existência de temperaturas negativas ocorre quando
ln
N
− 1 < 0,
U
(4.13)
Para percebemos em quais de situações esse fato ocorre, vamos reescrever a equação (4.13) em termos de n0 e n1
kB T
= ln
n0
= ln n0 − ln n1 .
n1
(4.14)
Analisando a equação acima, percebemos que a existência de temperaturas nega62
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
tivas ocorre quando n1 > n0 . Podemos reescrever essa condição como,
N
.
(4.15)
2
Podemos utilizar um gráfico para ilustrar melhor essa questão [figura 4.2]. Utilizaremos N = 50 e representaremos os gráficos adimensionalisados das seguintes equações y1 , y2 e y3 que representam o inverso de temperatura, a temperatura
e a entropia, respectivamente.
n0 <
Figura 4.2: Gráfico para N = 50.
(4.16)
kB T
1
=
;
ln x − ln(N − x)
(4.17)
S
= N ln N − x ln x − (N − x) ln(N − x).
kB
(4.18)
y2 :=
e
y3 :=
= ln x − ln(N − x);
y1 :=
kB T
onde x := n0 .
Percebemos que a entropia y3 se anula nos pontos x = 0 e x = 50 quando
todas as partículas estão no mesmo estado, isto é Ω = 1. A entropia atinge um
63
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
máximo em x = 25. A medida que x diminui percebemos que a energia aumenta,
pois mais partículas estarão com energia 1 , já que x = n0 . A transição entre a
temperatura negativa e positiva ocorre em x = 25. Notamos também que a temperatura apresenta uma descontinuidade em x = 25, o que mostra a inatingibilidade
do zero absoluto. Um fato curioso aparece ao analisarmos com cuidado o gráfico
da figura 4.2 ou a equação 4.14. Percebemos que sistemas a temperaturas negativas são mais energéticos que sistemas a temperaturas positivas. Ao diminuirmos
x = n0 estamos aumentando o número de partículas com energia 1 (> 0 ). Na
próxima seção exploraremos as implicações desse fato.
4.4
O fluxo de calor
Consideremos dois sistemas termodinâmicos análogos aos descritos anteriormente. Um sistema está à temperatura negativa −T enquanto o outro está à
temperatura positiva +T . Suponha ainda que o conjunto está isolado por paredes
adiabáticas do meio exterior (vizinhança). O que acontece se colocarmos os sistemas a temperatura negativa e positiva em contato térmico? O primeiro fato que
notamos é que como o processo é irreversível, a variação de entropia do conjunto
deve ser positiva, como S é uma grandeza extensiva, podemos escrever a variação
total de entropia como a variação de entropia do sistema a temperatura positiva
mais a variação de entropia do sistema à temperatura negativa, isto é
dS = dS− + dS+ > 0.
(4.19)
Iremos utilizar os índices ” − ” e ” + ” para designar os sistemas a temperatura
negativa e positiva respectivamente. Utilizando a expressão da termodinâmica
clássica para a entropia podemos reescrever a equação acima como
¯ +
dQ
¯ − dQ
+
.
(4.20)
−T
T
Supomos, inicialmente, que o calor flui do sistema a temperatura positiva para
o sistema a temperatura negativa. Assim, dQ
¯ − = +|dQ|
¯ e dQ
¯ + = −|dQ|
¯ 1 , logo
dS =
1
Quando calor entra no sistema escrevemos +|dQ|
¯ e quando calor sai do sistema escrevemos
−|dQ|
¯
64
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
+|dQ|
¯
−|dQ|
¯
|dQ|
¯
+
= −2
<0
(4.21)
−T
T
T
A equação acima viola a segunda lei da termodinâmica, ou seja, o processo disdS =
Figura 4.3: Sistemas à temperatura negativa e positiva em contato térmico.
cutido acima não é factível.
Agora, examinaremos o processo inverso, isto é: o calor flui espontaneamente
do sistema à temperatura negativa para o sistema à temperatura positiva [figura
4.3]. Assim, dQ
¯ − = −|dQ|
¯ e dQ
¯ + = +|dQ|,
¯ então
¯ +
−|dQ|
¯
|dQ|
¯
|dQ|
¯
dQ
¯ − dQ
+
=−
+
=2
> 0.
(4.22)
−T
T
−T
T
T
Portanto, a segunda lei da termodinâmica é obedecida quando o calor flui da fonte
à temperatura negativa para a fonte à temperatura positiva. Sistemas com temperaturas negativas são mais "quentes"do que sistemas a temperaturas positivas. Essa
afirmação pode causar estranheza em professores e estudantes. Mas, como vimos
no final da seção (4.2), sistemas à temperaturas negativas possuem uma energia
maior (lembrando a condição de temperatura negativa n1 > n0 ) que sistemas à
temperatura positiva. E, como mostramos, é o único processo que não é proibido
pela segunda lei da termodinâmica.
A escala de temperaturas absolutas deve ser estendida de modo a incluir as
temperaturas negativas. Como vimos anteriormente, sistemas que estão as temperaturas negativas são mais energéticos do que os sistemas a temperatura positiva.
dS =
65
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
Assim, podemos escrever que dadas duas temperaturas de mesmo sinal, a mais
quente será a que for algebricamente a maior entre as duas [34]. Então, podemos
fazer uma escala do "mais frio"para o "mais quente", a saber
0+ K, ..., +300 K, ..., +∞ K, −∞ K, ..., −300 K, ..., −0− K .
As leis da termodinâmica não levam em conta a inclusão das temperaturas
negativas na sua formulação. De que maneira ,então, podemos "acomodar"as
temperaturas negativas nas leis da termodinâmica? Antes de respondermos a pergunta acima, examinaremos quatro situações referentes às máquinas térmicas das
inúmeras possíveis [33] utilizando uma combinação das fontes térmicas a temperatura positiva e negativa.
Situação 1 : Fonte quente e fria com temperaturas positivas, onde temos que
a máquina térmica executa um ciclo Carnot.
Figura 4.4: Máquina térmica a temperatura positiva.
Examinaremos a situação dada na figura 4.4. Calculando a variação de entropia da fonte quente (f q) a temperatura T e da fonte fria (f f ) a temperatura T 0
respectivamente temos
∆Sf q =
Qf q
Q
=− <0
Tf q
T
(4.23)
∆Sf f =
Qf f
Q0
= 0 > 0.
Tf f
T
(4.24)
e
66
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
Pela primeira lei da termodinâmica, o trabalho realizado pela máquina de Carnot
é:
W = Q − Q0 .
(4.25)
A eficiência de uma máquina térmica é dada por
η=
W
Q0
T 0 ∆Sf f
=1−
=1+
.
Qf q
Q
T ∆Sf q
(4.26)
A entropia total é dada por,
∆S = ∆Smaq + ∆Sf q + ∆Sf f ,
(4.27)
como a máquina térmica dada pela figura 4.4 realiza um ciclo termodinâmico
temos que ∆Smaq = 0. Como a máquina de Carnot é reversível temos ∆S = 0,
logo, ∆Sf q = −∆Sf f , então
η =1−
T0
< 1.
T
(4.28)
Situação 2: Fonte quente a temperatura negativa e fonte fria a temperatura
positiva.
Figura 4.5: Máquina térmica a temperatura positiva e negativa.
Na situação 2 temos agora a fonte quente à temperatura negativa −T e a fonte
fria à temperatura positiva T 0 - ver figura 4.5. Realizando os mesmos passos feitos
anteriormente iremos calcular a eficiência dessa máquina térmica. A variação de
67
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
entropia da fonte quente e da fonte fria é respectivamente
∆Sf q =
∆Qf q
−Q
Q
=
=
>0
Tf q
−T
T
(4.29)
Qf f
Q0
= − 0.
Tf f
T
(4.30)
e
∆Sf f =
O trabalho realizado pela máquina de Carnot é dado por
W = Q + Q0 ,
(4.31)
observamos que tanto a fonte fria quanto a fonte quente cedem calor para a máquina de Carnot [figura 4.5].
A eficiência é dada por
η=
Q + Q0
Q0
T 0 ∆Sf f
W
=
=1+
=1−
.
Qf q
Q
Q
T ∆Sf q
(4.32)
Se fizermos ∆S = 0 temos ∆Sf q = ∆Sf f então
T0
> 1.
(4.33)
T
Esse fato também é discutido por P. Atkins [32] Vemos que a energia que torna
possível um rendimento superior à unidade vem da fonte fria! Percebemos uma incompatibilidade entre o resultado anterior com o enunciado de Kelvin da segunda
lei da termodinâmica. A primeira e a segunda lei na formulação de Clausius ou
de entropia são obedecidas, não há qualquer violação.
Ao compararmos as situações 1 e 2 percebemos que estas apresentam uma
diferença crucial entre si. No caso em que ambas as temperaturas são positivas
[figura 4.4], a fonte quente fornece uma quantidade de energia à máquina térmica.
A mesma em uma dada etapa do ciclo rejeita uma quantidade de energia e transfere via interação calor para a fonte fria. A fonte quente comporta-se como uma
fonte e a fonte fria como um sumidouro. No caso apresentado [figura 4.5], a fonte
quente está a uma temperatura negativa e a fonte fria a uma temperatura positiva.
Notamos que ambas as fontes fornecem energia a máquina térmica durante o ciη =1+
68
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
clo. Nesse caso não há sumidouros. Os calores cedidos a máquina são totalmente
convertidos em trabalho. No caso de repetirmos a situação mostrada na figura 4.5
com ambas as temperaturas positivas [figura 4.6] estaríamos violando os enunciados de Clausius e Kelvin. Além, é claro, de produzir uma diminuição da entropia
do universo (sistema + vizinhança).
Figura 4.6: Máquina térmica a temperatura positiva.
Situação 3 : Fonte quente com temperatura negativa e fonte fria com temperatura positiva II
Essa situação difere da situação 2 vista anteriormente, pois agora a fonte à
temperatura positiva recebe calor rejeitado pela máquina térmica [figura 4.7] .
Neste caso temos fonte e sumidouro.
Figura 4.7: Máquina térmica a temperatura positiva.
A variação de entropia da fonte quente à temperatura −T e da fonte fria à
temperatura T é respectivamente
∆Sf q =
Qf q
−Q
Q
=
=
>0
Tf q
−T
T
e
69
(4.34)
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
∆Sf f =
Qf f
Q0
= 0 > 0.
Tf f
T
(4.35)
Pela primeira lei , o trabalho realizado pela máquina de Carnot é
W = Q − Q0
(4.36)
A eficiência da máquina de Carnot é
η=
Q − Q0
Q0
T 0 ∆Sf f
W
=
=1−
=1−
.
Qf q
Q
Q
T ∆Sf q
(4.37)
Notamos que ∆Sf q e ∆Sf f são grandezas positivas. Então, ∆S = ∆Sf q +
∆Sf f > 0 e assim temos que η < 1. Tal máquina não é reversível pois ∆S > 0.
Analisando as três situações acima percebemos que algumas modificações nas
leis da termodinâmica precisam ser feitas para que seja possível introduzir as temperaturas negativas.
4.5
Leis da termodinâmica com a inclusão de temperaturas absolutas negativas
Que modificações são necessárias às leis da termodinâmica para introduzirmos as temperaturas negativas? As leis da termodinâmica são modelos baseados
em resultados empíricos. Processos que envolvem temperaturas negativas não
são processos termodinâmicos usuais. Porém, as leis da termodinâmica podem
acomodar bem a inclusão das temperaturas negativas, entretanto algumas modificações precisam ser feitas.
L EI ZERO E PRIMEIRA LEI: não necessitam de modificações.
S EGUNDA LEI:
Analisando a situação 2 [figura 4.5] mostramos que o rendimento de uma
máquina térmica realizando um ciclo termodinâmico com a fonte quente a temperatura negativa e a fonte fria a temperatura positiva possui rendimento maior que
a unidade
70
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
η =1+
Tf f
T0
=1+ .
Tf q
T
Baseado no resultado acima, notamos que o enunciado de Kelvin precisa ser reescrito da seguinte forma:
Não há processo cíclico por meio do qual o calor cedido por uma fonte quente
a temperatura positiva é inteiramente convertido em trabalho.
A segunda lei na formulação de Clausius ou de entropia não necessita modificações. Mas, na presença de temperaturas negativas o enunciado de Kelvin e
Clausius deixam de ser equivalentes.
A TERCEIRA LEI - a inatingibilidade do zero absoluto, deve ser enunciada da
seguinte forma:
Nenhuma sequência finita de processos cíclicos ou não pode levar um sistema
inicialmente a uma temperatura T > 0 ao zero absoluto 0+ K. Da mesma forma,
nenhuma sequência finita de processos cíclicos ou não pode levar um sistema
inicialmente a uma temperatura T < 0 ao zero absoluto 0− K.
Modificações mais sofisticadas e formais podem ser encontradas em [33, 35].
4.6
Verificação experimental
Sistemas físicos a temperaturas negativas são consequência das leis da mecânica quântica aplicadas a sistemas com um limite superior para a energia e da
interpretação da mecânica estatística da entropia.. Experimentalmente, tais sistemas foram obtidos primeiramente por Purcell e Pound [36] e posteriormente por
Braun et al [37].
4.7
Considerações sobre a validade das temperaturas negativas
Recentemente, o conceito de temperatura negativa foi posto em dúvida por
Dunkel e Hilbert [38]. Estes autores alegaram inconsistências ao se utilizar a en71
Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas
tropia de Boltzmann para o cálculo da entropia de sistemas que possuem um limite
superior para os níveis de energia. A fonte da diferença apresentada por Dunkel
e Hilbert está em considerar uma formulação proposta por Gibbs para a entropia. Nesta análise, os autores mostraram que a temperatura absoluta permanece
positiva.
Entretanto, Swendsen e Wang [39] apontaram algumas inconsistências nos
trabalhos desenvolvidos por Dunkel e Hilbert. Assim, os mesmos mostraram que
a entropia de Gibbs é incompatível com os postulados da termodinâmica. A partir destes resultados, Swendsen e Wang provam que o conceito de temperatura
absoluta negativa permanece válido.
72
Capítulo 5
Conclusão
Neste trabalho, nós esperamos ter desenvolvido um texto claro e objetivo para
professores e alunos universitários. Enfatizamos no decorrer do texto a riqueza de
teorias físicas envolvidas nos temas apresentados. Os ciclos quânticos nos mostraram uma analogia entre duas teorias de grande relevância dentro da física, a saber:
a mecânica quântica e a termodinâmica clássica. Este tema tem se mostrado de
grande importância e, como mencionado anteriormente, tem sido tema de pesquisas em física. A termodinâmica de buracos negros nos mostrou fatos surpreendentes de alguns conceitos históricos sobre a origem dos buracos negros. Além
disso, dentro de um certo limite, foram apresentados diversos pontos interessantes sobre o estudo de buracos negros bem como a radiação Hawking que tanto
estiveram em destaque na mídias televisivas.Tornando o tema atrativo a professores e estudantes, mas talvez pouco compreendido. O último tema nos mostrou
as implicações de sistemas que podem atingir uma temperatura absoluta negativa.
Através dessa análise, podemos mostrar que temperaturas absolutas negativas são
mais "quentes"que sistemas a temperaturas positivas. Portanto, esperamos que o
trabalho, bem como as referências citadas sirvam de base para uma leitura mais
aprofundada dos temas.
No capítulo 2, nós desenvolvemos analogias quânticas de processos termodinâmicos clássicos. Essas analogias foram desenvolvidas por meio de uma partícula presa em um poço de potencial. A "parede"do poço tinha a liberdade de
se movimentar. Grande parte da discussão feita seguiu a referência [1]. Com o
73
Capítulo 5. Conclusão
auxílio do software Geogebra nós fizemos uma simples animação. Com o auxílio
do software podemos visualizar a relação entre os níveis de energia do sistema e
a largura do poço, além de visualizar as curvas geradas nos processos.
No capítulo 3, nós apresentamos uma breve introdução sobre evoluções de estrelas. Em seguida, descrevemos as propriedades fundamentais que caracterizam
buracos negros, e, na sequência, descrevemos o buraco negro de Schwarzschild.
Analisamos as leis da termodinâmica do buraco negro e a Radiação Hawking, assim, pudemos calcular a entropia associada ao buraco negro de Schwarzschild.
Por fim, destacamos algumas dificuldades para a verificação experimental da Radiação Hawking.
No capítulo 4, abordamos um tema de grande repercussão acerca de temperaturas negativas. Inicialmente, nós fizemos uma breve discussão em relação à
segunda lei da termodinâmica. Posteriormente, analisamos um problema simples
que nos leva em sistemas a temperaturas negativas. Além disso, calculamos a
eficiência de máquinas térmicas operando com temperaturas negativas. Com base
na discussão anterior, analisamos as temperaturas negativas nas leis da termodinâmica clássica. Por fim, comentamos brevemente a validade deste tipo de sistema.
Esperamos, assim, que essa dissertação forneça uma modesta contribuição a
alunos e professores materiais que possibilitem uma análise mais profunda para
um melhor entendimento dos temas tratados aqui.
Sobre os ciclos termodinâmicos quânticos, poderíamos, ainda, abordar assuntos relacionados a entropia das máquinas quânticas e, por exemplo, analisar como
o princípio da incerteza poderia ser aplicaria. Esses assuntos podem ser desenvolvidos posteriormente.
Já sobre o capítulo relacionado à termodinâmica dos buracos negros, existem
diversos aspectos que podem ser analisados. Um tema, em particular, que pode
ser tratado como uma sequência natural deste trabalho está relacionado ao estudo
sobre a produção de ondas gravitacionais devido a coalescência de dois buracos
negros. Esse tema foi verificado recentemente pelo LIGO (Laser Interferometer
Gravitational Wave Observatory).
Sobre as temperaturas negativas, fatos relacionados sobre a existência das
mesmas deve ser visto de modo mais detlhado. Assim, um estudo mais profundo
sobre os argumentos apresentados pelos autores [38,39] deve ser analisado e pode
74
Capítulo 5. Conclusão
representar uma continuação deste trabalho.
Por fim, cabe destacar que trabalhar com esses temas foi bastante enriquecedor
do ponto de vista acadêmico. Logicamente, que durante a redação desta dissertação houve algumas dificuldades relacionadas à escolha de como apresentar os
três temas de maneira didática com abordagem voltada para o ensino. Além, é
claro, da dificuldade na busca de bibliografias apropriadas para tratar estes temas
que apresentam um elevado grau de complexidade. Como estes temas podem ser
inseridos em uma atividade, por exemplo, em um curso de licenciatura em física,
é algo a ser pensado e refletido como uma maneira de ampliar as presentes discussões.
75
Apêndice A
Os níveis de energia do poço infinito:
uma dedução simples
Na abordagem feita no capítulo 2, nós utilizamos a equação de Schrödinger
independente do tempo para obter os níveis de energia do poço quadrado infinito. Entretanto, essa abordagem é voltada para professores e alunos universitários. Mas, de modo a tornar essa demonstração mais acessível a estudantes que
não possuem ainda o conhecimento para a resolução da equação de Schrödinger,
iremos adotar a abordagem dada por [22].
A.1
Dedução dos níveis de energia
Seja m a massa da partícula e L a largura do poço quadrado, vimos que os
níveis de energia estavam associados com os autoestados do sistema. Esses autoestados (ψn (x)), eram análogos aos modos normais de vibração de uma onda
estacionária com extremos fixos. Podemos, então, fazer uma associação entre o
comprimento de onda da partícula (princípio de de Broglie1 ) com o comprimento
do poço.
L=
nλ
2
1
(A.1)
Podemos resumir o princípio de de Broglie da seguinte forma: para uma dada partícula com
massa arbitrária, e com velocidade v, podemos associar um comprimento de onda a mesma, esse
comprimento de onda é conhecido como comprimento de onda de de Broglie
76
Apêndice A. Os níveis de energia do poço infinito: uma dedução simples
Supondo que a partícula tenha uma velocidade v, podemos calcular o comprimento de onda dessa partícula usando a relação entre momento linear e comprimento de onda proposto por de Broglie
p=
h
,
λ
(A.2)
onde h é a constante de Planck.
Pela equação (A.1), podemos reescrever a equação acima como
nh
.
2L
Isolando a velocidade (vn ) da partícula temos
mvn =
(A.3)
nh
.
(A.4)
2mL
Dentro do poço, a partícula está livre e, assim, a mesma terá apenas energia cinética
vn =
mvn2
1 n2 h2
=
.
2
8 mL2
Reescrevendo a equação acima segue que
En =
(A.5)
π 2 ~2 n2
(A.6)
2mL2
Dessa forma, vemos que a expressão acima corresponde a equação (2.8) deduzida no capítulo 2.
En =
77
Apêndice B
Trabalho no ciclo de Brayton
quântico
O trabalho para uma máquina quântica foi definido no capítulo 2 e é dado pela
seguinte expressão
I
W =
F (L)dL.
(B.1)
Ou, expandindo a equação acima obtemos
Z
L2
W =
L3
Z
F (L)dL +
Z
L4
F (L)dL +
L1
L1
Z
F (L)dL +
L2
L3
F (L)dL.
(B.2)
L4
Mas, pelas equações (2.71), (2.78), (2.80) e (2.89) temos
Z
L2
W =
L1
π 2 ~2
dL +
mL31
Z
L3
L2
4π 2 ~2
dL +
mL3
Z
L4
L3
4π 2 ~2
dL +
mL33
Z
L1
L4
π 2 ~2
dL. (B.3)
mL3
Resolvendo a equação anterior decorre que
π 2 ~2
4π 2 ~2 1
1
4π 2 ~2
π 2 ~2 1
1
(L
−L
)−
(
−
)+
(L
−L
)−
( 2 − 2)
2
1
4
3
3
2
2
3
mL1
m 2L3 2L2
mL3
m 2L1 2L4
(B.4)
π 2 ~2
4π 2 ~2
Como F (L1 ) = mL3 e F (L3 ) = mL3 , segue que
W =
1
3
78
Apêndice B. Trabalho no ciclo de Brayton quântico
π 2 ~2
W = F (L1 )(L2 − L1 ) + F (L3 )(L4 − L3 ) +
m
4
4
1
1
.
−
+
−
2L23 2L22 2L21 2L24
(B.5)
Separando o terceiro termo do lado esquerdo da equação anterior em termos de
L1 , L2 e L3 , L4 temos
2 2
π ~
1
4
4
1
−
.
−
−
2L21 2L22
m
2L23 2L24
(B.6)
Reescrevendo a equação acima, novamente, em termos de F (L1 ) e F (L3 ) segue
que
π 2 ~2
W = F (L1 )(L2 −L1 )+F (L3 )(L4 −L3 )−
m
L1 4L31
L33
L3
W = F (L1 )(L2 −L1 )+F (L3 )(L4 −L3 )−F (L1 )
− 2 −F (L3 )
− 2 .
2
2L2
2
8L4
(B.7)
L3
Pelas relações (2.76) e (2.85) temos que L31 = 42 e L33 = 4L34 , portanto o trabalho
no ciclo de Brayton quântico é dado por,
3
3
W = F (L1 )(L2 − L1 ) + F (L3 )(L4 − L3 ).
2
2
79
(B.8)
Apêndice C
Eficiência dos ciclos de Carnot e
Brayton clássicos
C.1
Considerações iniciais
Iremos calcular a eficiência do ciclo de Carnot e Brayton clássicos. Para isso,
utilizaremos 1 mol de gás ideal monoatômico. A eficiência de uma máquina térmica é dada pela seguinte expressão,
η=
W
,
Qh
(C.1)
onde W é o trabalho líquido e Qh o calor fornecido ao sistema. Podemos, a partir
da primeira lei da termodinâmica, ainda encontrar uma maneira equivalente para
calcular a eficiência de uma máquina térmica,
η =1−
Qc
,
Qh
(C.2)
onde Qc representa o calor rejeitado pelo sistema. As duas expressões acima
podem ser utilizadas, pois são maneiras equivalentes de se calcular a eficiência.
80
Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos
C.2
Ciclo de Carnot
O ciclo de Carnot consiste de quatro processos reversíveis: expansão isotérmica, expansão adiabática, compressão isotérmica e compressão adiabática [figura C.1].
Figura C.1: Ciclo de Carnot.
Expansão isotérmica
No processo a - b: O trabalho realizado pelo sistema e o calor fornecido ao
sistema são dados por
Z
W =
pdV.
(C.3)
Utilizando a equação dos gases ideais pV = RT ( 1 mol), onde R é a constante
dos gases ideais, temos
Z
Vb
W =
Va
RTh
dV.
V
(C.4)
Segue que,
W = RTh ln
81
Vb
Va
.
(C.5)
Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos
Pela primeira lei da termodinâmica, podemos calcular Qa→b observando que ∆U =
0 , pois a energia interna é função apenas da temperatura para um gás ideal,
Qa→b = RTh ln
Vb
Va
.
(C.6)
Expansão adiabática
No processp b - c: O trabalho na expansão adiabática é dado pela seguinte
expressão
Wb→c =
Pc Vc − Pb Vb
R(Th − Tc )
=
.
γ−1
γ−1
(C.7)
No processo adiabático, não há troca de calor, então temos que
Qb→c = 0.
(C.8)
Compressão isotérmica
No processo c - d: Analogamente, temos que o trabalho e calor na compressão
isotérmica são dados por,
Wc→d = −RTc ln
e
Qc→d = RTc ln
Vd
Vc
Vd
Vc
(C.9)
.
(C.10)
Compressão adiabática
No processo d-a: Da mesma forma que no processo b - c temos
Wd→a =
−R(Th − Tc )
γ−1
(C.11)
e
Qd→a = 0.
82
(C.12)
Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos
Eficiência do ciclo de Carnot
O trabalho líquido realizado no ciclo é dado por,
W = Wa→b + Wb→c + Wc→d + Wd→a .
(C.13)
E, o calor fornecido ao sistema é dado por,
Qh = Qa→b .
(C.14)
A eficiência pela relação (D.1) fica
W
η=
=
Qh
RTh ln
Vb
Va
− RTc ln
RTh ln VVab
Vd
Vc
.
(C.15)
Rearranjando a expressão anterior temos
Vd
ln
Vc
Tc
.
η =1−
Th ln Vb
(C.16)
Va
Como
Vb
Va
=
Vc
Vd
segue que,
η =1−
C.3
Tc
.
Th
(C.17)
Ciclo de Brayton
O ciclo Brayton clássico é composto por quatro processos reversíveis: expansão isobárica, expansão adiabática, compressão adiabática e compressão isobárica
[figura C.2].
Expansão isobárica
No processo a-b: O trabalho na expansão isobárica é dado por,
Wa→b = p1 (Vb − Va ).
83
(C.18)
Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos
Figura C.2: Ciclo de Brayton.
Pela primeira lei da termodinâmica, lembrando que ∆U = 23 R∆T , o calor fornecido ao sistema é
3
3
Qa→b = R(Tb − Ta ) + p1 (Vb − Va ) = p1 (Vb − Va ) + p1 (Vb − Va ).
2
2
(C.19)
Expansão adiabática
No processo b-c: O trabalho na expansão adiabática, como visto anteriormente, é
Wb→c =
p2 Vc − p1 Vb
γ−1
(C.20)
e
Qb→c = 0.
(C.21)
Compressão isobárica
Analogamente ao feito anteriormente temos
Wc→d = −p2 (Vc − Vd )
84
(C.22)
Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos
e
3
Qc→d = − p2 (Vc − Vd ) − p2 (Vc − Vd ).
2
(C.23)
Compressão adiabática
Da mesma forma, o trabalho e calor ficam
Wd→a =
p1 V a − p2 V d
γ−1
(C.24)
e
Qd→a = 0.
(C.25)
Eficiência do ciclo Brayton
A partir dos valores Qh e Qc calculados anteriormente, nós podemos por meio
da relação (C.2) calcular a eficiência do ciclo Brayton,
η =1−
|Qc→d |
p2 (Vc − Vd )
=1−
,
|Qa→b |
p1 (Vb − Va
(C.26)
Mas, em um processo adiabático, as seguintes relações são válidas
p1 Vbγ = p2 Vcγ
(C.27)
p1 Vaγ = p2 Vdγ .
(C.28)
e
Manipulando as relações acima, nós obtemos
Vb − Va
=
Vc − Vd
p2
p1
γ1
.
(C.29)
.
(C.30)
Portanto, a eficiência do ciclo Brayton é
η =1−
p2
p1
85
1− γ1
Apêndice D
A estrela negra de John Michell
D.1
Introdução
O conceito moderno de buraco negro como uma região do espaço–tempo da
qual a luz não pode escapar tem suas origens no século 18 com o reverendo inglês
John Michell (1724–1793) que propôs a existência de estrelas invisíveis para o
observador – estrelas negras– porque a luz não poderia escapar da atração gravitacional gerada por elas. A sugestão de Michell está em um trabalho apresentado
perante a Royal Society de Londres por Henry Cavendish (1731–1810) em três
sessões distintas: 11 e 18 de dezembro de 1783 e 15 de janeiro de 1784 [23, 24]
e publicado em 1784 nas atas da Royal Society [6]. Cavendish era considerado o
mais importante cientista teórico e experimental do Reino Unido em seu tempo
e a apresentação e leitura pública dos resultados de Michell atesta a afinidade científica entre os dois filósofos naturais, ambos newtonianos convictos e adeptos
da aplicação da teoria à obtenção de resultados concretos aplicáveis às observações experimentais. Ambos também eram adeptos do modelo corpuscular da luz.
A importância dos trabalhos científicos de Michell como astronômo e sismólogo
com contribuições importantes para estas áreas da ciência só recentemente começou a ser reconhecida [23, 25].
Aqui descreveremos a parte do trabalho de Michell de 1784 concernente à
possibilidade da existência de estrelas de estrelas negras Para facilitar a com-
86
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
preensão, a linguagem newtoniana essencialmente geométrica do original1 será
traduzida para a linguagem dos textos modernos de cálculo e mecânica clássica
como sugerido em [24].
A estrela negra de Michell e a velocidade de escape
No diagrama que acompanha o trabalho original de Michell – ver Figura D.1
– O círculo de raio R = |CD| representa uma estrela de massa M , a semirreta vertical AdC representa a distância radial r ao centro da estrela, ponto C,
e os segmentos de reta horizontais representam o módulo da força gravitacional F (r) ou da aceleração gravitacional a(r)2 . Por exemplo, como o comprimento do segmento de reta dr é menor do que o comprimento de DR, a intensidade da força/aceleração gravitacional em r = |Cd| é menor do que em
r = R = |CD|. Em linguagem moderna, o diagrama de Michell representa o
gráfico da força/aceleração gravitacional como função da distância radial ao centro da estrela.
A idéia de Michell é calcular a velocidade radial terminal de um corpo de massa
m que parte com velocidade inicial nula de uma distância radial r tal que r R,
quando este atinge a superfície da estrela em r = R. Esta velocidade será igual
à velocidade de escape no problema do movimento inverso, isto é: ela será a
resposta à pergunta: com que velocidade deve ser lançado um corpo se quisermos
que ele chegue ao infinito com velocidade nula?
A velocidade radial em um ponto da reta AC, digamos d, pode ser calculada
com a Proposição 39 dos Principia de Newton [40] pela qual fica demonstrado que
o quadrado da velocidade do corpo em d é igual ao dobro da área do retângulo
rdC, e como rdC é a quadratura de BAdr, também é igual ao dobro da área
BAdr, isto é:
1
“Mesmo o estilo geométrico de raciocínio de Michell é profundamente newtoniano” , W. Israel em [23]
2
Newton, logo, Michell, sabia que a massa inercial e a massa gravitacional do corpo de prova
eram equivalentes.
87
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
Figura D.1: Figura original do trabalho de 1784 de J. Michell.
v 2 = 2 × rdC = 2 × BAdr.
(D.1)
A demonstração deste resultado em notação moderna será vista posteriormente.
Por outro lado, a área do retângulo rdC é igual a
GM
GM
×
r
=
.
r2
r
Na superfície da estrela, r = R, a área do retângulo CDR será igual a
rdC =
GM
,
R
que por sua vez é igual à área sob a curva BADR. Segue então que
CDR =
v 2 = 2 × BADR =
88
2GM
.
R
(D.2)
(D.3)
(D.4)
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
De um ponto de vista moderno, este resultado segue do teorema trabalhoenergia cinética:
mv2 mv02
W = ∆K =
−
,
(D.5)
2
2
onde
Z r
GM m 0
W =−
dr ,
(D.6)
r02
∞
Como no caso a velocidade inicial é nula, obtemos para um r arbitrário:
v2 =
2GM
.
r
(D.7)
Voltemos à abordagem de Michell e suponhamos agora que a estrela tenha
uma densidade uniforme ρ, isto é: ρ = 3M/4πR3 . Então, para um r arbitrário, a
velocidade radial se escreve,
R3
,
(D.8)
v 2 = γρ
r
onde
8π
γ≡
G.
(D.9)
3
Na superfície da estrela, a velocidade radial terminal é
v 2 = γρ R2 .
(D.10)
Para completar o cálculo da velocidade terminal é preciso reescrevê-la em termos de quantidades mais convenientes à observação astronômica. Michell sabia
que a velocidade radial terminal de um corpo em queda livre a partir do repouso e
de uma altura infinita é igual àquela que ele teria em uma órbita parabólica osculante à superfície do Sol no ponto de retorno, o ponto no qual a velocidade radial
é zero. De fato, a energia de um corpúsculo de massa m no problema de Kepler
se escreve [27]:
mṙ2
`2
GM m
+
−
,
E=
2
2
2mr
r
onde supusemos que m M e
89
(D.11)
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
` = mr2 θ̇,
(D.12)
é o momento angular do corpúsculo em relação ao centro geométrico do Sol.
Aqui θ é o ângulo entre o vetor posição do corpúsculo com origem no centro
de força e o eixo principal de simetria da órbita – Figura D.2. A solução do
problema de Kepler é dada por três famílias de órbitas conhecidas coletivamente
como cônicas, a elipse, a parábola e a hipérbole. A órbita circular é um caso
particular da elipse. Para uma órbita parabólica, o corpúsculo parte do repouso de
uma distância inicial r muito maior do que o raio do Sol, i.e.: podemos tomar o
limite r → ∞ na equação para a energia. Mas observe que na órbita parabólica,
o momento angular ` não pode ser nulo, logo devemos impor a condição θ̇ → 0
no limite r → ∞ de tal modo que o produto r2 θ̇ seja constante. Como na órbita
parabólica, a energia mecânica inicial E é nula e como a atração gravitacional
newtoniana é uma força conservativa, a energia mecânica será nula durante todo o
movimento, e mais ainda, como no ponto em que a parábola tangencia a superfície
do Sol, a velocidade radial é nula, podemos escrever
− GM +
(Rθ̇)2
= 0.
2R
(D.13)
Mas, Rθ̇ é a velocidade tangencial V do corpo no ponto de retorno, logo
2GM
,
(D.14)
R
isto é, a mesma que teria em queda livre a partir do repouso ao atingir a superfície
do Sol! Portanto, V = v.
V2 =
Michell a seguir relaciona a velocidade radial terminal do corpo em queda
livre com a velocidade tangencial da Terra em sua órbita ao redor do Sol. Isto
pode ser feito da seguinte forma: considere a órbita aproximadamente circular3
de raio D da Terra em torno do Sol. A força sobre a Terra é fornecida pela força
de atração gravitacional, logo
3
A excentricidade da órbita da Terra em torno do Sol é muito pequena: ε = 0.00335, a aproximação de órbita circular funciona muito bem no que diz respeito aos aspectos pedagógicos.
90
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
Figura D.2: Órbita parabólica que roça a superfície do Sol no ponto de retorno.
V⊕2
GM
=
,
D2
D
onde V⊕ é a velocidade tangencial da Terra em torno do Sol. Portanto,
(D.15)
GM
.
(D.16)
D
O raio da órbita da Terra pode ser escrito como um múltiplo simples do raio do
Sol, isto é: D = λR, onde λ = 214,64, logo, podemos escrever:
V⊕2 =
V⊕2
GM
2 × GM
v2
=
=
=
.
λR
(2λ) × R
2λ
Segue que:
91
(D.17)
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
v 2 = 429, 28 V⊕2 ,
(D.18)
ou, extraindo a raíz quadrada de ambos os lados desta equação:
v = 20,72 V⊕ .
(D.19)
Michell sabia que a velocidade da luz c era igual a 10 310 vezes a velocidade
tangencial da Terra em torno do Sol4 isto é:
c = 10 310 V⊕ .
(D.20)
10 310
c
=
≈ 498.
v
20,72
(D.21)
Segue que
Suponha agora que c seja a velocidade terminal de um corpúsculo de luz que
atinge a superfície de uma estrela de raio R 0 que tem a mesma densidade que o
Sol. Então, podemos escrever:
c2 = γρ R 0 2 .
(D.22)
Segue que
R0
c
=
= 498,
(D.23)
v
R
isto é, se uma estrela tiver um raio igual a 498 vezes o raio do Sol, a sua velocidade
de escape será igual a velocidade da luz! Nas palavras de Michell:
.. se o semi-diâmetro de uma esfera com a mesma densidade do Sol
excedesse o semi-diâmetro do Sol na proporção de 500 para 1, um
corpo que caísse de uma altura infinita em direção a ela [a esfera]
teria na sua superfície uma velocidade maior do que a velocidade
4
A velocidade da luz foi medida por James Bradley (1693–1762) em 1728. Bradley usou o
método da aberração estelar (descoberta por ele) e obteve o valor: c = 301 000 km/s. Este valor
significa que a velocidade tangencial da Terra é: 29 195 km/s. O valor moderno da velocidade
tangencial média (velocidade orbital) é 29,78 km/s.
92
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
da luz, e consequentemente, supondo que a luz fosse atraída pela
mesma força em proporção com sua vis inertiae [massa], como outros
corpos, toda a luz emitida por tal corpo [a esfera] retornaria a ele
em razão da sua própria gravidade [6].
A estrela negra de Michell é a versão newtoniana dos buracos negros previstos
pela teoria relativística da gravitação de Einstein.
A massa da estrela negra de Michell
De acordo com a descrição de Michell, uma estrela com um raio aproximadamente igual a 500 vezes o raio do Sol e mesma densidade (ρ = 1,41 ×
103 kg/m3 ) terá uma massa igual a
Mestrela negra = (500)3 M = 1.25 × 108 M ,
(D.24)
onde M = 1,99 × 1030 kg é a massa do Sol. Como comparação tenhamos
em mente que um buraco negro estelar tem uma massa entre 5 e 30 massas solares. A estrela negra de Michel tem uma massa da ordem de um buraco negro
supermassivo cuja massa está entre 106 e 109 massas solares.
O cálculo pioneiro de John Michell nos mostra que para uma estrela com densidade igual à densidade do Sol, mas raio 500 vezes maior, a velocidade de escape
ígual à velocidade da luz, logo, é capaz de aprisionar a luz. Tal estrela seria invísivel aos observadores aqui na Terra o que levou Michell a ponderar sobre a
existência de muitas delas:
Se na Natureza existem realmente corpos cuja densidade não é menor do que a [densidade] do Sol, e cujos diâmetros5 [raios] são 500
vezes maiores do que o diâmetro [raio] do Sol, como sua luz não poderia chegar até nós; ou se existem outros corpos de menor tamanho
que são naturalmente não–luminosos, sobre suas existências nessas
circuntâncias não poderíamos ter informações provindas da luz [emitida]; ainda assim, se outros corpos luminosos revolvessem em torno
5
Pelo exposto antes, no contexto, o termo diâmetro deve ser interpretado como o raio
93
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
Figura D.3: Versão simplificada do diagrama que acompanha a Proposição 29.
deles. poderíamos talvez a partir do movimento revolvente desses
corpos inferir a existência dos corpos centrais com um certo grau de
probabilidade, já que isto poderia dar uma pista para algumas das
irregularidades dos corpos revolventes, as quais não poderiam ser
explicadas facilmente com outras hipóteses... [6].
Complemento: a proposição 39
Na Proposição 39, Newton considera o movimento retilíneo sob a ação de uma
força centrípeta (central) arbitrária. Eis a proposição 39 na tradução dos autores:
Supondo [a existência de] uma força centrípeta de qualquer tipo e
assegurando as [existências das] quadraturas [integrais] das figuras
curvilíneas, pede-se encontrar a velocidade de um corpo, ascendente
ou descendente sobre a linha reta nos vários pontos pelos quais [o
94
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
corpo] passa; assim como o [instante de] tempo nos quais chegará
em qualquer ponto [sobre a linha reta]; e vice versa.
Aqui apresentamos uma versão simplificada em notação moderna ao longo
das linhas sugeridas por Chandrasekhar em [41] da parte da demonstração desta
proposição que é relevante para o cálculo de Michell.
Considere a Figura D.3 que mostra uma versão simplificada do diagrama que
acompanha a demonstração de Newton, pois nele vemos apenas os elementos geométricos que estão diretamente relacionados com o resultado que Michell utilizou,
isto é: a primeira parte da Proposição 39. A semirreta AEC representa a coordenada radial r que cresce no sentido de C para A. A semirreta AB representa
a intensidade da aceleração centrípeta como função da coordenada radial, a(r).
Portanto, a curva BF G é o gráfico de a(r). Segue que
DF GE = a(E) ∆E;
mas
∆E = v(E) ∆t;
logo,
DF GE = a(E) v(E)∆t;
De acordo com a Segunda Lei de Newton:
a(E)∆t = ∆[v(E)] =
1
∆[v 2 (E)].
2
logo,
1
∆[v 2 (E)].
2
Portanto, a área ABGE pode ser calculada integrando o resultado acima, isto é:
DF GE = v(E)∆v(E) =
Z
ABGE =
Segue então que
95
DF GE.
Apêndice D. A estrela negra de John Michell
ABGE =
1 2
[v (E)],
2
ou ainda,
v 2 (E) = 2 × ABGE,
que é o resultado que se queria demonstrar.
96
Apêndice E
A estrela negra de Laplace
Doze anos após o trabalho de Michell ter sido apresentado por Cavendish
perante a Royal Society e publicado nas suas atas [6], Laplace em 1796 [7] escreve
sem demonstrar:
A atração gravitacional de uma estrela com um diâmetro de 250 vezes o diâmetro do Sol e comparável em densidade com a [densidade]
da Terra seria tão grande que a luz não poderia escapar da sua superfície. Os maiores corpos do Universo poderiam ser invisíveis por
causa da sua magnitude [da velocidade de escape] .
Em 1799, atendendo ao pedido do editor de uma revista geográfica alemã, Laplace
publica sua demonstração [8]. E eis aqui uma versão do cálculo de Laplace ao
longo das linhas esboçadas em [24]. Seja m a massa do corpúsculo de luz1 . Por
simplicidade, consideremos apenas o seu movimento radial. Fazendo uso da lei
newtoniana do movimento escrevemos:
dr dv
dv
dv
=m
= mv ;
dt
dt dr
dr
Mas, como o corpúsculo está sujeito à lei de atração universal, o lado esquerdo da
equação acima se escreve:
F =m
1
Laplace, como Michell, adota o modelo corpuscular para a luz. Mais tarde, como consequência dos experimentos de Young abandonaria o modelo corpuscular e retiraria o cálculo da velocidade de escape discutido aqui da sua obra.
97
Apêndice E. A estrela negra de Laplace
GM m
.
r2
O sinal negativo indica que a força gravitacional atua no sentido oposto ao movimento radial do corpúsculo de luz. Portanto, podemos escrever
F =−
GM
dr = v dv.
r2
Integrando ambos os lados desta equação:
−
2GM
+ 2C = v 2 ,
r
onde C é uma constante de integração a ser determinada. Suponha agora que c
seja o módulo da velocidade da luz na superfície da estrela cujo raio é R, isto é:
2GM
+ 2C = c2 ,
R
logo,
2GM
.
R
e a velocidade radial em função de r se escreve:
2C = c2 −
v 2 = c2 −
2GM
2GM
+
.
R
r
Considere uma segunda estrela de massa M 0 = αM , onde α é um número real
maior do que a unidade. Suponhamos que o corpúsculo de luz tenha a mesma
velocidade radial inicial que no caso anterior. Então é fácil ver que podemos
escrever,
2GαM
2GαM
+
,
0
R
r0
onde R 0 é o raio da segunda estrela. Suponhamos agora que r 0 → ∞, então:
v 0 2 = c2 −
v 0 2 = c2 −
98
2GαM
.
R0
Apêndice E. A estrela negra de Laplace
Agora façamos a suposição adicional que para a segunda estrela, a atração gravitacional seja tão forte que quando r → ∞, o corpúsculo de luz tenha velocidade
radial nula, isto é: v 0 = 0. Segue que
2GαM
.
R0
Agora vejamos o ponto crucial do argumento de Laplace: a determinação de α.
Se supusermos que as estrelas têm densidade uniforme podemos escrever:
c2 =
ρ R3
M
=
,
M0
ρ 0R 0 3
onde ρ e ρ 0 são as densidades da primeira e da segunda estrela, respectivamente.
Laplace agora faz uso da suposição apresentada na primeira parte de [7]: o raio da
segunda estrela é 250 vezes maior do que o raio da primeira, isto é: R 0 = 250R.
Segue que:
ρ
1
=
,
α
(250)3 ρ 0
ou
α = (250)3
ρ0
.
ρ
Substituindo este resultado na equação para c2 obtemos:
ρ0
c2 R
=
.
ρ
2(250)2 M
Observe que a densidade relativa da segunda estrela depende da massa e do raio da
primeira, o que sugere a escolha de uma estrela conhecida para a determinação da
densidade da segunda estrela, a estrela negra. Laplace escolhe então o Sol como
a primeira estrela, isto é: R = R e M = M . A seguir, Laplace relaciona c com
as observações relativas ao movimento da Terra em torno do Sol. Do diagrama 1
da Figura E.1, podemos escrever
GM M⊕
V2
=
M
,
⊕
D2
D
99
Apêndice E. A estrela negra de Laplace
onde D é a distância média entre o Sol e a Terra e V é a velocidade tangencial
desta última. Segue que a massa do Sol pode ser escrita como
M = V 2 D.
Substituindo na expressão para a densidade relativa temos finalmente:
a 2 R ρ0
8
≡ ρrel ao Sol =
.
2
ρ
(1000)
V
D
Desprezando os efeitos gravitacionais que o Sol exerce sobre o corpúsculo lu-
Figura E.1: Diagramas para o cálculo de Laplace.
minoso, Laplace faz uso das medidas conhecidas na época da aberração da luz
solar
c
1
=
.
V
tan 20,2500
Por outro lado, do diagrama 2 da Figura E.1, e usando os resultados observacionais
da época:
100
Apêndice E. A estrela negra de Laplace
R
= tan 16 0 2 00 .
D
Portanto, a densidade da segunda estrela – a estrela negra – é
8 tan 16 0 2 00
≈ 4.
(1000 tan 20,2500 )2
ρrel ao Sol =
Este valor está próximo ao valor da densidade da Terra, isto é ρrel Terra/ Sol = 5 513/1 420 ≈
4. Portanto, a estrela escura deve ter um diâmetro 500 vezes maior do que o diâmetro do Sol e uma densidade igual a densidade média da Terra. Em termos de
massas solares, a massa dessa estrela seria:
Mestrela negra = 4 ×
M
3
× (250)3 R
= 6,25 × 107 M .
3
R
Este valor é 10 vezes menor do que o valor obtido por Michell: 1,25 × 108 M .
Como curiosidade, podemos obter o valor da velocidade da luz usada por Laplace e compará-la com o valor moderno. A expressão para c2 pode ser rescrita
na forma:
c2 =
2 (250)2 GM ρrel ao Sol
.
R
Dividindo ambos os lados pelo quadrado do valor aceito para o módulo da velocidade da luz, identificando o raio de Schwarzschild do Sol, extraindo a raíz
quadrada e inserindo o valor 4 para a densidade relativa ao Sol da estrela escura,
temos:
s
c
catual
= 500 ×
RS
,
R
Como para o Sol: RS = 2,95 km, e R = 696 000 km, obtemos:
c = 1.029 catual .
Este é o módulo da velocidade limite. Para um valor infinitesimalmente inferior
a este limite a luz não consegue escapar da atração gravitacional da estrela negra,
101
Apêndice E. A estrela negra de Laplace
isto não significa necessariamente que o corpúsculo de luz não possa ser emitido
da superfície da estrela, mas acabará por ser atraído e voltará. Um observador
distante não perceberia a radiação e a estrela para ele seria escura.
102
Apêndice F
Uma dedução heurística da métrica
de Schwarzschild
Neste Apêndice, obteremos a métrica de Schwarzschild por meio de uma abordagem heurística, entretanto, convém ter sempre em mente que o método heurístico nos dá uma abordagem prática e objetiva, porém necessariamente limitada,
de um resultado teórico ou experimental.
Na gravitação newtoniana, a interação entre duas massas é dada pela Lei da
Gravitação Universal. Suponhamos a existência de duas massas M e m isoladas.
Suponhamos também, por simplicidade, que M m. A interação gravitacional
entre elas é descrita por
GM m
F (r) = − 2 .
r
A força é instantânea e o sinal negativo indica que M exerce uma força atrativa
sobre m. Podemos considerar, por exemplo, M como a massa do Sol e m como
a massa de um planeta. Combinando as leis do movimento de Newton com a Lei
da Gravitação Universal obteremos as órbitas elípticas dos planetas do Sistema
Solar. Correções que levam em conta perturbações devidas a vários fatores, por
exemplo: a oblaticidade do Sol, podem posteriormente ser adicionadas. Com a
excecão de uma pequena correção adicional à precessão de Mercúrio, a gravitação
newtoniana explica perfeitamente a mecânica do Sistema Solar.
A gravitação newtoniana, porém, por questões envolvendo a instantaneidade,
103
Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild
a simultaneidade e outras questões, é incompatível com a Teoria de Relatividade
Restrita (TRR) e as tentativas de formular uma teoria da gravitação que satisfizesse seus postulados não prosperaram, ver [29]. Na Teoria da Relatividade Geral
(TRG), as massas não interagem por meio de uma força, em outras palavras: não
há força gravitacional. O que acontece é que m descreve uma trajetória extremante
(um máximo ou um mínimo) entre dois eventos do espaço–tempo cuja geometria
(curvatura) é determinada por M , no caso em que M m. Esta trajetória extrema é chamada geodésica. Assim do ponto de vista da Teoria da Gravitação
Relativística ou Teoria Geral da Relatividade, a massa m segue uma geodésica na
geometria determinada por M . A Figura F.1 ilustra a diferença fundamental entre
as duas teorias.
Uma das grandezas mais importantes na TRR e na TRG é o intervalo infinitesimal elevado ao quadrado ou simplesmente intervalo, ds2 , que descreve a
separação entre dois eventos no espaço–tempo quadridimensional. Lembremos
que um evento é o equivalente de um ponto no espaço ordinário. O intervalo ds2 é
um invariante de Lorentz na TRR, isto é: tem o mesmo valor para dois observadores inerciais conectados por um transformação de Lorentz. Na TGR, o intervalo é
um invariante não importa qual o estado de movimento do observador.
O espaço–tempo da TRR – o espaço de Minkowski – é plano e o intervalo ao
quadrado infinitesimal invariante entre dois eventos é dado por
ds2 = −c2 dt2 + dx2 + dy 2 + dz 2
= −c2 dt2 + dr2 + r2 dθ2 + r2 sen2 θ dφ2 ,
onde na segunda linha escrevemos a parte espacial em coordenadas polares esféricas. Note que o uso de coordenadas curvilíneas não implica necessariamente
em espaço–tempo curvo. Por outro lado, o intervalo infinitesimal ao quadrado
do espaço–tempo associado uma massa puntiforme isolada, isto é: a métrica de
Schwarzschild, é dado por [29]:
−1
2GM
2GM
2 2
c dt + 1 − 2 2
+ r2 dΩ2 ,
ds = − 1 − 2 2
cr
cr
2
104
Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild
Figura F.1: Na gravitação newtoniana m descreve uma órbita em torno de M m determinada pela Lei da Gravitação Universal e pelas condições iniciais. Na
gravitação einsteniana, m segue uma geodésica na geometria do espaço–tempo
determinada por M . (Ilustração em cores Wikipedia). Apud [30].
onde
dΩ2 = dθ2 + sen2 θ dφ2
A obtenção deste resultado requer que resolvamos as equações de Einstein o que
está fora do escopo deste trabalho. Entretanto, um argumento heurístico simples que se deve a Blinder [30] permite obter este resultado do seguinte modo:
considere uma massa de prova m em queda livre a partir do infinito no campo
gravitacional de uma massa M m que apresenta simetria esférica. Em relação
ao observador distante, o observador suficientemente afastado para que os efei105
Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild
tos gravitacionais sobre ele sejam desprezíveis, a velocidade radial instantânea
da massa de prova é v. Considere um referencial de Lorentz co-móvel com m.
Nesse referencial, a massa m está instantaneamente em repouso. e um observador
co-móvel com m, isto é, também em queda livre, escreverá a métrica localmente
plana
ds2 = −c2 dt∗ 2 + dr∗ 2 .
Este é o Princípio da Equivalência. Para o observador distante, as distâncias infinitesimais dr∗ medidas pelo observador co-móvel com réguas instantaneamente
em repouso sofrem contração de Lorentz, isto é:
dr∗
=
dr =
γ
r
1−
v2 ∗
dr ,
c2
e os relógios do observador co–móvel que marcam intervalos de tempo infinitesimais dt∗ sofrem dilatação temporal:
dt = γ dt∗ = r
dt∗
v2
1− 2
c
.
Portanto, o observador distante descreve a métrica local na forma:
v2
ds = − 1 − 2
c
2
−1
v2
c dt + 1 − 2
dr2 .
c
2
2
Suponha agora que a massa de prova em queda livre desde o infinito tenha uma
energia mecânica E nula. A uma distância radial r de M , para o observador
distante sua energia se escreve:
mv 2 GM m
−
= 0,
2
r
segue que
v2 =
2GM
.
r
Definindo o raio de Schwarzschild por:
106
Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild
GM
,
c2
e substituindo esta definição na métrica do observador distante temos:
RS =
−1
RS
RS
2 2
ds = − 1 −
c dt + 1 −
dr2 + r2 dΩ2 ,
r
r
2
que é a métrica de Schwarzschild nas coordendadas do observador distante. Observe que no final acrescentamos a parte espacial angular. Observe também que
no limite r → ∞ recuperamos a métrica de Minkowski.
Naturalmente, a abordagem heurística não substitui a abordagem via TGR,
mas seu uso aqui justifica-se pela simplicidade, pelo resultado final, o qual está
em concordância com o obtido de modo rigoroso por Schwarzchild em 1916 [31],
e pelo público–alvo para o qual este trabalho está voltado.
107
Apêndice G
A métrica de Eddington–Finkelstein
Neste Apêndice, usaremos unidades geométricas G = 1 e c = 1 de tal modo
que
GM
→ M.
c2
Nessas unidades, a massa do Sol, por exemplo, vale M = 1.5 × 103 m, e a massa
da Terra M⊕ = 0.444 cm. Para efetuar a transformação inversa, basta multiplicar
2
a massa em unidades de comprimento pelo fator cG ≈ 1.35 × 1027 [kg/m].
A métrica que descreve o espaço–tempo em torno de uma distribuição de
massa esférica é a métrica de Schwarzschild:
2M
1
dr2 + r2 dΩ2 ,
ds = − 1 −
dt2 + 2M
r
1−
r
2
onde
dΩ2 = dθ2 + sen2 θ dφ2 .
As coordenadas t, r, θ e φ são as coordenadas do observador distante. No limite
r → ∞, a métrica de Schwarzschild reproduz a métrica de Minkowski do espaço–
tempo plano:
ds2 = −dt2 + dr2 + r2 dΩ2 = −dt2 + d`2 .
onde
d`2 = dr2 + r2 dΩ2 = dx2 + dy 2 + dz 2 .
108
Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein
A métrica de Schwarzschild descreve o espaço-tempo vazio em torno de uma estrela como o Sol desde que ignoremos a sua rotação. Descreve também o espaço–
tempo exterior (vazio!) de uma estrela em colapso ou uma estrela pulsante desde
que a massa da estrela e a sua simetria esférica sejam mantidas. De fato, é possível
mostrar que dada uma distribuição esférica arbitrária, o espaço-tempo externo à
distribuição tem uma métrica estática (teorema de Birkhof).
A métrica Schwarzschild tem alguns problemas. O primeiro é que em r =
2M , o coeficiente de dr2 apresenta uma singularidade. Há uma singularidade
também no coeficiente de dt2 em r = 0. Outro problema é a inversão de sinal
quando r < 2M . Em outros dizeres, a métrica de Schwarzschild funciona bem
somente para r > 2M . O raio crítico:
rS = 2M,
é chamado raio de Schwarzschild e define uma esfera imaginária dita horizonte
dos eventos que separa duas regiões distintas do espaço–tempo: a região exterior
ao horizonte dos eventos e a região interior. A métrica de Schwarzschild não vale
para a região interior. Mas cuidado: o raio de Schwarzschild do Sol, por exemplo,
vale aproximadamente 3 km, mas isto não significa que podemos estender a aplicação da métrica de Schwarzschild até quase o centro do Sol, pois para r < R
encontramos matéria e energia, e a métrica de Schwarzschild só vale na ausência
destas.
A teoria da relatividade geral permite a utilização de um amplo repertório de
coordenadas para descrever o espaço–tempo. Para contornar o problema da métrica de Schwarzschild em r = 2M e a inversão de sinal podemos introduzir uma
transformação de coordenadas e obter uma métrica mais adequada. Considere a
transformação de Eddington–Finkelstein:
r
− 1 .
t = v − r − 2M ln 2M
Para r/2M > 1, podemos escrever:
109
(G.1)
Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein
t = v − r − 2M ln
r
−1 ,
2M
e para 0 ≤ r/2M < 1,
r .
t = v − r − 2M ln 1 −
2M
Consideremos inicialmente o primeiro caso. Como
t = t(v,r),
dt =
∂t
∂t
dv +
dr.
∂v
∂r
Segue que
dt = dv − dr +
dr
dr
r = dv −
2M
1−
1
−
2M
r
Portanto,
dt2 = dv 2 −
dr2
2dvdr
+
2 .
2M
2M
1−
1−
r
r
(G.2)
Substituindo este resultado na métrica de Schwarzschild e fazendo as simplificações necessárias, obtemos finalmente
2M
ds = − 1 −
dv 2 + 2dvdr + r2 dΩ2 .
r
2
(G.3)
Esta é a métrica de Eddington-Finkelstein. Observe que v assume a papel de
tempo coordenado. Se considerarmos o segundo caso e seguirmos o mesmo procedimento, obteremos o mesmo resultado final, logo, a métrica de EddingtonFinkelstein vale para 0 < r < ∞! Isto é: ela descreve todo o espaço-tempo sem
inverter o sinal e sem a singularidade em r = 2M . Este tipo de singularidade que
surge em um conjunto de coordenadas, mas não em outro, é dita removível. Já a
singularidade na origem r = 0 permanece, pois é uma singularidade essencial.
110
Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein
As linhas de mundo do tipo luz na métrica de Eddington–Finkelstein
Para entender o comportamento da luz na métrica de Eddington–Finkelstein
façamos ds2 = 0 e consideremos apenas o movimento radial. Então
2M
1−
dv 2 + 2dvdr = 0.
r
ou, ainda,
2M
1−
dv + 2dr dv = 0.
r
(G.4)
Há três soluções para esta equação.
P RIMEIRA SOLUÇÃO : v = constante, isto é: dv = 0. Neste caso, da transformação de Eddington–Finkelstein, vemos que para v constante e t crescente, r deve
diminuir, Um fóton segue uma linha de mundo retilínea com origem no infinito
e término na singulariade. Introduzindo a variável t∗ = v − r, vemos que podemos desenhar a família de semirretas paralelas (uma semirreta para cada valor da
constante) mostrada na Figura G.1 definidas por:
t∗ = C − r.
(G.5)
A cada semirreta corresponde um valor de C.
S EGUNDA SOLUÇÃO; integrando a equação diferencial entre colchetes obtemos
r
v = C + 2 r + 2M ln − 1
2M
onde C é uma constante arbitrária. Segue que
r
t∗ = v − r = C + r + 4M ln − 1 ,
2M
Como antes, se r/2M > 1, escrevemos:
t∗ = v − r = C + r + 4M ln
r
− 1 , 2M < r < ∞,
2M
Se, por outro lado, r/2M < 1, escrevemos:
111
(G.6)
Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein
r t∗ = v − r = C + r + 4M ln 1 −
, 0 < r < 2M.
2M
(G.7)
A terceira solução é r = 2M , isto é dr = 0. Neste caso, a
solução é a reta paralela ao eixo t∗ . A equação t∗ = v − r é simplesmente uma
identidade.
TERCEIRA SOLUÇÃO
A Figura G.1 mostra um esboço gráfico das três soluções. Como a coordenada
t deve ser crescente no intervalo 0 < r < ∞, as linhas de mundo do tipo luz e
do tipo tempo convergem para a singularidade em r = 0 quando r < 2M . Para
r > 2M , as linhas de mundo do tipo luz dadas pela equação (G.6) afastam-se do
horizonte dos eventos. Em cada ponto do diagrama t∗ × r, duas linhas de mundo
se interceptam formando o cone de luz. No interior do buraco negro, r < 2M ,
radiação e matéria colapsam na singulariade.
∗
112
Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein
Figura G.1: Linhas de mundo do tipo luz para o movimento radial de um fóton.
Observe que para r < 2M , as linhas de mundo convergem para a singularidade
em r = 0. O vértice do cone de luz segue a linha de mundo tipo tempo de uma
parícula com massa.
113
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