UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Instituto de Física Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física Mestrado Profissional em Ensino de Física Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica de buracos negros e às temperaturas absolutas negativas Rodrigo Rodrigues Machado Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física, Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física. Orientador: Alexandre Carlos Tort Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica de buracos negros e às temperaturas absolutas negativas Rodrigo Rodrigues Machado Orientador: Alexandre Carlos Tort Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física, Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física. Aprovada por: Prof. Alexandre Carlos Tort (Presidente) Prof. Carlos Eduardo Magalhães Aguiar Prof. Sérgio Eduardo Silva Duarte Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 FICHA CATALOGRÁFICA M149i Machado, Rodrigo Rodrigues Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica de buracos negros e às temperaturas negativas / Rodrigo Rodrigues Machado. – Rio de Janeiro: UFRJ/IF, 2016. cxxv, 125 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Alexandre Carlos Tort. Dissertação (mestrado) – UFRJ / Instituto de Física / Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física, 2016. Referências Bibliográficas: f. 112-114. 1. Ensino de Física. 2. Ciclos térmicos quânticos. 3. Termodinâmica de buracos negros. 4. Temperaturas absolutas negativas.I. Tort,Alexandre Carlos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Física, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física. III. Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica de buracos negros e às temperaturas negativas. iii À minha família iv Agradecimentos À minha família pelo apoio e dedicação prestados no decorrer do mestrado. A todos os amigos e companheiros do mestrado profissional em ensino de física: Artur Gomes, Fausto Ferreira, Jonatas Lago, Lucas Porto Alegre, Marcos Moura, Mariana Francisquini, Paulo Henrique e Samuel Ximenes. Em especial à Mariana Francisquini por toda a ajuda e apoio durante toda a graduação e mestrado. À Débora M. Tort pelas ilustrações feitas na dissertação. À Dilma Conceição dos Santos por toda a sua ajuda e presteza. A todo o corpo docente do Mestrado Profissional em Ensino de Física. Ao professor Sergio Duarte por ter aceitado gentilmente o convite para participar da banca. Ao professor Carlos Eduardo Aguiar por toda a ajuda e sugestões no presente trabalho. Ao meu orientador Alexandre Carlos Tort pela sabedoria na orientação e ajuda no decorrer da tese. v RESUMO Uma introdução aos ciclos térmicos quânticos, à termodinâmica de buracos negros e às temperaturas absolutas negativas Rodrigo Rodrigues Machado Orientador: Alexandre Carlos Tort Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física, Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física. A quantidade de problemas interessantes que podem ser abordados por meio da termodinâmica clássica é surpreendente. Entretanto, existem temas que transcendem uma abordagem unicamente clássica, porém, um conhecimento de termodinâmica é fundamental para o entendimento dos mesmos. No presente trabalho desenvolveremos três temas que julgamos ser de grande interesse: ciclos térmicos quâticos, a termodinâmica de buracos negros e temperaturas absolutas negativas. Estes temas nos permitem explorar uma riqueza de conceitos físicos interessantes e nos mostram uma conexão entre algumas teorias físicas e a termodinâmica clássica. Apesar do grau de complexidade dos temas tratados, nosso objetivo é tornar tais temas mais inteligíveis para alunos universitários e professores. Palavras chave: Ensino de Física, Ciclos térmicos quânticos, Termodinâmica de buracos negros, Temperaturas absolutas negativas. Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 vi ABSTRACT An introduction to quantum thermal cycles, to black holes thermodynamics and to negative absolute temperatures Rodrigo Rodrigues Machado Supervisor: Alexandre Carlos Tort Abstract of master’s thesis submitted to Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física, Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, in partial fulfillment of the requirements for the degree Mestre em Ensino de Física. There are a great deal of interesting problems which can be approached with the methods of classical thermodynamics. Nonetheless, there are a few problems that go beyond an entirely classical treatment. However, some knowledge of thermodynamical concepts is fundamental to the understanding of these problems. In the present work, we will study three examples of non–usual thermodynamical systems: quantum thermal cycles, black holes thermodynamics and negative absolute temperatures. These themes allow us to exploit interesting physical concepts which show us connections between modern physical theories and classical thermodynamics. Even though there is a great degree of complexity regarding these examples, our main goal is to turn them into intelligible themes to college students and their instructors. Keywords: Physics education, Quantum thermal cycles, Black holes thermodynamics, Negative absolute temperatures. Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 vii Sumário 1 Introdução 1 2 Ciclos termodinâmicos quânticos 2.1 O poço quadrado infinito . . . . . . . . . . . . . . 2.2 Processos termodinâmicos quânticos . . . . . . . . 2.2.1 O processo isotérmico quântico . . . . . . 2.2.2 O processo adiabático quântico . . . . . . 2.2.3 O processo isovolumétrico quântico . . . . 2.2.4 O processo isobárico quântico . . . . . . . 2.3 O ciclo de Carnot quântico . . . . . . . . . . . . . 2.3.1 Construindo a máquina de Carnot quântica 2.4 O ciclo de Brayton quântico . . . . . . . . . . . . 2.4.1 Construindo a máquina de Brayton quântica 2.5 Calor e trabalho do ponto de vista microscópico . . 2.6 Simulação das máquinas de Carnot e Brayton . . . . . . . . . . . . . . . 4 4 7 7 8 9 10 11 11 19 19 25 27 3 Introdução à termodinâmica de buracos Negros 3.1 Anãs brancas, estrelas de nêutrons e buracos negros . . . . . . . . 3.2 O buraco negro de Schwarzschild . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3 As leis da termodinâmica dos buracos negros . . . . . . . . . . . 3.3.1 Efeitos quânticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.4 A radiação Hawking . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.4.1 Um modelo simples para entender a radiação de Hawking 3.5 Buracos negros evaporam! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.6 A entropia associada com o buraco negro de Schwarzschild . . . . 3.7 Capacidade térmica e buracos negros . . . . . . . . . . . . . . . . 3.8 É possível verificar experimentalmente a radiação de Hawking? . 30 30 36 40 42 43 45 47 50 55 56 4 Temperaturas absolutas negativas 58 4.1 Leis da termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 4.2 Entropia na visão de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 viii . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 5 Temperaturas negativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O fluxo de calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Leis da termodinâmica com a inclusão de temperaturas absolutas negativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Verificação experimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Considerações sobre a validade das temperaturas negativas . . . Conclusão . 60 . 64 . 70 . 71 . 71 73 A Os níveis de energia do poço infinito: uma dedução simples 76 A.1 Dedução dos níveis de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 B Trabalho no ciclo de Brayton quântico 78 C Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos 80 C.1 Considerações iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 C.2 Ciclo de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 C.3 Ciclo de Brayton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 D A estrela negra de John Michell 86 D.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 E A estrela negra de Laplace 97 F Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild 103 G A métrica de Eddington–Finkelstein 108 Referências bibliográficas 114 ix Capítulo 1 Introdução A termodinâmica clássica, sem elementos estatísticos, é manifestamente um dos ramos mais bem-sucedidos da física. A precisão e simplicidade das suas leis e modelos chama a atenção pela enorme quantidade de fenômenos aos quais estas leis podem ser aplicadas. No entanto, há um certo números de fenômenos que não podem ser analisados unicamente sob a ótica da termodinâmica clássica. Assuntos como ciclos térmicos quânticos, termodinâmica de buracos negros e temperaturas negativas são alguns exemplos que fogem à abordagem unicamente clássica e, nos permitem explorar uma série de aspectos interessantes na física. Estes temas despertam a curiosidade tanto de alunos quanto de professores. Desta forma, neste trabalho exploraremos tais temas a fim de fornecer a alunos universitários e professores de ensino médio e universitário uma introdução física e matematicamente precisa a estes assuntos que, a nosso ver, são interessantíssimos. Este é o objetivo principal deste trabalho. A apresentação a cada um destes assuntos está estruturada da seguinte maneira: No capítulo 2 será discutido, primeiramente, o poço quadrado infinito que nos dará subsídios para construirmos uma analogia quântica de processos termodinâmicos clássicos conhecidos, como os processos isotérmicos, adiabáticos, isovolumétricos e isobáricos. A abordagem deste capítulo segue em grande parte a referência [1]. Em seguida, nós apresentaremos dois ciclos quânticos, a saber: o ciclo de Carnot quântico e o ciclo de Brayton quântico. Além disso, nós ainda 1 Capítulo 1. Introdução tentaremos fazer uma comparação entre a definição de calor e trabalho do ponto de vista clássico e quântico. Ainda nesta sequência, introduziremos uma simulação computacional desenvolvida por nós no software Geogebra para facilitar a compreensão da analogia entre o processo clássico e o processo quântico. No capítulo 3, forneceremos uma pequena introdução à termodinâmica de buracos negros a partir de alguns postulados necessários. Em seguida, citaremos um modelo simples para a compreensão da radiação Hawking concernente a esse estudo. Após esta etapa, mostraremos que buracos negros têm tempo de vida finito por meio de alguns cálculos simples, além de mostrarmos uma peculiaridade dos buracos negros acerca de sua capacidade térmica. Finalmente, será discutida a possibilidade da verificação experimental da radiação Hawking. No capítulo 4, abordaremos o tema, muito presente nas mídias ultimamente, das temperaturas negativas. Inicialmente, faremos uma breve discussão acerca da segunda lei da termodinâmica. Em seguida, iremos analisar um problema simples que nos leva aos sistemas a temperaturas negativas. Além disso, iremos analisar a eficiência de máquinas térmicas operando com temperaturas negativas. Com base na discussão anterior, iremos incluir as temperaturas negativas nas leis da termodinâmica clássica. Por fim, iremos comentar brevemente a validade deste tipo de sistema. No apêndice A nós faremos uma dedução simples para os níveis de energia do poço infinitos. No apêndice B deduziremos a expressão para o trabalho no ciclo de Brayton quântico. No apêndice C faremos um breve descrição dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos. Após essa descrição iremos calcular as suas respectivas eficiências. No apêndice D e E comentaremos a ideia da estrela escura proposta por John Michell e Laplace, bem como os cálculos reallizados pelos mesmos. No apêndice F analisaremos uma solução Heurística da métrica de Schwarzschild. No apêndice G analisaremos a métrica de Eddington–Finkelstein. Os produtos dessa dissertação estão dispostos da seguinte maneira: No capítulo 2, a seção 2.6, contém a parte destinada a simulação da máquina de Carnot e Brayton quânticas. Nesta seção fazemos uma descrição sobre como 2 Capítulo 1. Introdução usar a simulação e o endereço online onde a mesma pode ser encontrada, além, é claro, do CD-ROM que acompanha a dissertação com as respectivas simulações. Os apêndices D e E - a estrela negra de John Michell e a estrela negra de Laplace- constituem outro produto da dissertação. Nestes apêndices nós descrevemos uma das primeiras ideias relacionadas a buracos negros. Estas ideias foram propostas por Michell e Laplace, o mesmos usavam em suas deduções apenas ideias newtonianas para tratar este problema. No apêndice F , nós utlizamos uma maneira simples para descrever a métrica de Schwarzschild. Através de uma abordagem heurística, obtemos de maneira menos rigorosa a mesma solução obtida por Schwarzschild. No apêndice G, nós mostramos como analisar a métrica de Schwarzchild para uma região interior ao horizonte dos eventos através de uma mudança de coordenadas e analisamos que após qualquer objeto atravessar o horizonte dos eventos, o mesmo não pode retornar. 3 Capítulo 2 Ciclos termodinâmicos quânticos Neste capítulo discutiremos analogias entre processos termodinâmicos reversíveis como transformações isotérmicas, adiabáticas e isovolumétricas e a mecânica quântica não-relativística de uma partícula sem spin presa em um poço de potencial de largura finita L, mas altura V0 → ∞, isto é, o poço quadrado infinito. No entanto, permitiremos que as “paredes” do poço possam mover-se. A largura variável do poço fará o papel do volume e a partícula quântica, o de substância de trabalho. Mostraremos também que deste modo é possível construir análogos quânticos dos ciclos de Carnot e Brayton. Além disso, discutiremos tentativamente o que representam as interações calor e trabalho do ponto de vista microscópico. Grande parte da nossa abordagem segue a referência [1]. 2.1 O poço quadrado infinito Começaremos revisando a mecânica quântica de uma única partícula quântica de spin zero e massa m presa em um poço de potencial quadrado unidimensional de altura infinita, [Figura 2.1]. A equação de Schrödinger unidimensional dependente do tempo se escreve: ~2 ∂ 2 Ψ(x, t) ∂Ψ(x,t) =− + V (x,t)Ψ(x,t), (2.1) ∂t 2m ∂x2 onde ~ é a constante de Planck reduzida, h/(2π), e m é a massa da partícula. Se supusermos que o potencial V é independente do tempo, isto é: V (x,t) → V (x), i~ 4 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Figura 2.1: Poço quadrado infinito. podemos escrever Ψ(x,t) = ψ(x) exp (−iEt/~) , (2.2) onde E é uma constante a ser determinada. Substituindo esta solução-tentativa na equação de Schrödinger dependente do tempo, obtemos a equação de Schrödinger independente do tempo − ~2 d2 ψ(x) + V (x)ψ(x) = Eψ(x). 2m dx2 (2.3) O potencial V (x) particular que queremos estudar é dado por ( V (x) = 0, 0<x<L ∞, caso contrário. (2.4) No intervalo: 0 < x < L, podemos rescrever a equação (2.3) na forma d2 ψ + k 2 ψ = 0, 2 dx 5 (2.5) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos onde definimos k = escrita como p 2mE/~2 . A solução1 geral da equação (2.5) pode ser ψ(x) = A cos kx + B sen kx, (2.6) onde A e B são constantes que podem ser determinadas fazendo uso das condições de contorno que no nosso caso são dadas por: ψ(0) = ψ(L) = 0. Fazendo isto, obtemos ψn (x) = Bn sin kn x, (2.7) onde kn = nπ/L e n ∈ N. A partir da definição de k segue que En = π 2 ~2 n2 , 2mL2 (2.8) que representa os autovalores da energia dos autoestados do sistema. As autofunções ψn (x) podem ser normalizadas, isto é, podemos impor a condição Z L ψn∗ (x)ψn (x) dx = 1, (2.9) 0 p segue então que, a menos de uma fase, Bn = 2/L. A solução geral é dada pela combinação linear das autofunções normalizadas2 , ou seja Ψ(x,t) = ∞ X r an n=1 Como a condição de normalização segue que nπx 2 sen exp (−iEn t/~) . L L RL 0 ∞ X (2.10) Ψ∗ (x,t)Ψ(x,t) dx = 1 deve ser obedecida, |an |2 = 1. (2.11) n=1 Todas as informações físicas sobre o sistema estão associadas com a função Ψ(x,t). Por exemplo, o valor esperado da energia no caso do poço infinito é dada por 1 A equação (2.5) é analoga à equação do oscilador harmônico simples, cuja solução é bastante discutida nos livros de física básica. 2 O conjunto de autofunções ψn formam uma base para o espaço de soluções, logo gostaríamos que esta base fosse ortonormal. A condição de ortogonalidade é completamente satisfeita por ψn , entretanto precisamos normalizar as funções ψn para que a mesma tenha módulo igual a unidade. 6 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Z E= 0 L ∞ X ~2 ∂ 2 Ψ (x,t) − Ψ(x,t) dx = |an |2 En , 2m ∂x2 n=1 ∗ (2.12) 2 ~ ∂ onde o termo − 2m representa o operador associado à energia do sistema. Uma ∂x2 abordagem alternativa e mais simples é apresentada no apêndice B. 2.2 Processos termodinâmicos quânticos Para construir os análogos quânticos dos processos termodinâmicos clássicos é necessário introduzir algumas definições. Podemos diferenciar a equação (2.12) e obter a seguinte relação dE = ∞ X 2 d(|an | )En + ∞ X |an |2 dEn . (2.13) n=1 n=1 Podemos, então, definir a força F (L), que desempenhará o papel de análgo da pressão, como a derivada em relação a L do segundo termo da equação anterior, ou seja, ∞ X dEn . (2.14) |an |2 F (L) = − dL n=1 Faremos, tentativamente, uma interpretação dos termos que compõem a equação (2.13) posteriormente. Utilizando L, E(L) e F (L), desenvolvermos pouco a pouco as analogias quânticas dos processos termodinâmicos clássicos. 2.2.1 O processo isotérmico quântico Para um gás ideal que realiza um processo isotérmico, sabemos que o produto pressão-volume é uma constante. Denotando esta constante por C,temos P V = C. (2.15) Neste caso, sabemos que a energia interna é somente uma função da temperatura. Assim, um processo à temperatura constante também é um processo à energia 7 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos constante. Para nosso processo isotérmico quântico, o valor médio da energia será mantido constante. Neste processo, será permitido que a parede do poço em x = L possa se movimentar. Por meio dos resultados obtidos na seção anterior vemos que à medida que a parede do poço se move, a energia varia; pois a energia média é uma função de L e cai com o inverso do quadrado da largura do poço, isto é: ∞ ∞ X X π 2 ~2 n2 2 E(L) = |an | En = |an |2 . (2.16) 2 2mL n=1 n=1 Já que, por definição, no processo isotérmico a energia média deve ser constante devemos fornecer energia para a partícula quântica – a substância de trabalho P 2 – de modo a manter o produto ∞ n=1 |an | En constante. Esse tipo de energia necessária para manter a energia média constante vem de uma fonte externa e varia unicamente o termo an . Mais adiante mostraremos como calcular esta quantidade. A força F (L) se escreve, F (L) = − ∞ X 2 dEn |an | n=1 dL = ∞ X |an |2 π 2 ~2 n2 n=1 mL3 , (2.17) ou, reescrevendo convenientemente a expressão acima, F (L) = Como o produto P∞ n=1 ∞ X 2 |an |2 En . L n=1 (2.18) |an |2 En é constante, vemos que F (L)L = C, (2.19) onde C é uma constante. Esta relação é o análogo quântico da relação pressão × volume = constante, válida para o gás ideal e é a nossa primeira analogia quântica de um processo termodinâmico. 2.2.2 O processo adiabático quântico Para um gás ideal que realiza um processo adiabático, sabemos que o produto pressão-volume elevado à razão entre o calor específico a pressão contante, cP , e 8 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos o calor específico a volume constante, cV , é também uma constante, isto é: P V γ = C, (2.20) onde γ = cP /cV , e C é uma constante. Assim, como foi feito anteriormente, permitiremos que a parede do poço possa movimentar-se. No processo adiabático, o valor médio da energia não é mais constante. No entanto, se o processo for realizado lentamente, ou seja, no regime quase-estático, os valores absolutos do coeficiente de expansão |an | permanecerão constantes [1]. Então, o valor de E(L) variará de acordo com a variação de L. A partir da equação (2.17) podemos escrever F (L)L3 = C, (2.21) onde C é uma constante. Temos a segunda analogia quântica de um processo termodinâmico, no caso o processo adiabático. Curiosamente o expoente 3 pode ser entendido da seguinte forma: para cada grau de liberdade sabemos que podemos atribuir ao calor específico cV a quantidade 1/2R, onde R é a constante dos gases. Por outro lado, temos a relação clássica entre cP e cV : cP − cV = R. (2.22) Supondo-a válida, fazemos cV → cL = (1/2)R, temos cP → cF = (1/2)R + R = (3/2)R. Portanto, (3/2)R cF = = γquântico = 3. cL (1/2)R (2.23) Assim, poderíamos escrever também: F (L)Lγquântico = constante. 2.2.3 (2.24) O processo isovolumétrico quântico Para um gás ideal que realiza um processo a volume constante, sabemos que a razão entre a pressão P e a temperatura T é uma constante, isto é: 9 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos P = C. (2.25) T No processo isovolumétrico quântico a largura do poço, L, deve ser mantida constante. O valor médio da energia é dado pela equação (2.16) e o valor da força F (L) pela equação (2.17). Rescrevendo F (L) em termos de E(L) e L temos 2E(L) . L Como neste processo, por definição, L é constante, segue que F (L) = (2.26) F (L) 2 = , E(L) L (2.27) F (L) = C, E(L) (2.28) ou ainda, onde C é uma constante. Esta relação representa o análogo quântico do processo isovolumétrico clássico. Observe que E(L) faz o papel de temperatura. 2.2.4 O processo isobárico quântico Para um gás ideal que realiza um processo isobárico, sabemos que a razão entre o volume V e a temperatura T é uma constante: V = C. (2.29) T Portanto, na analogia quântica, o valor de F (L) deve ser uma constante. Podemos mostrar, procedendo como anteriormente, que a razão E(L)/L deve ser uma constante, isto é: E(L) = C. L Esta relação representa a nossa quarta analogia. 10 (2.30) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos 2.3 O ciclo de Carnot quântico Os quatro processos quânticos que discutimos são os análogos de processos termodinâmicos clássicos. Por meio desses processos podemos construir ciclos quânticos análogos aos ciclos termodinâmicos clássicos. O primeiro que estudaremos será o ciclo de Carnot quântico. 2.3.1 Construindo a máquina de Carnot quântica O ciclo de Carnot clássico é composto por quatro processos reversíveis: uma expansão isotérmica seguida de uma expansão adiabática, uma compressão isotérmica e, finalmente, uma compressão adiabática que leva a máquina térmica ao estado inicial - uma discussão sobre o ciclo de Carnot clássico pode ser encontrada na seção C2 do apêndice C. No caso quântico, devemos construir as versões quânticas de cada processo. Mas, por simplicidade, restringiremos os estados da partícula quântica a apenas dois, isto é: a dois níveis de energia, a saber: π 2 ~2 2mL2 que representa o estado fundamental do átomo (n = 1) e E1 = E2 = 4π 2 ~2 2mL2 (2.31) (2.32) que representa o primeiro estado excitado (n = 2). A restrição a dois estados permite que os cálculos sejam simples. Vejamos agora em detalhe cada etapa do processo. Etapa 1: A expansão isotérmica quântica Iremos supor que inicialmente a partícula esteja no estado fundamental (n = 1) e que a largura inicial do poço seja L1 . Como vimos anteriormente, na expansão isotérmica quântica, a energia deve manter-se constante. Esta condição é o equivalente quântico da condição de temperatura constante no processo isotérmico clássico. Portanto, em um ponto qualquer sobre a “isoterma” podemos escrever 11 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos E(L) = 2 2 2 2 π 2 ~2 2 π ~ 2 4π ~ = |a | + |a | , 1 2 2mL21 2mL2 2mL2 (2.33) já que para manter a energia média constante (temperatura) durante a expansão precisamos excitar o estado n = 2 fornecendo energia ao sistema quântico. A energia que devemos fornecer é o equivalente quântico do calor no processo análogo clássico. Fazendo uso da condição de normalização, ver equação (2.11), podemos reescrever a equação (2.33) na forma 4 |a1 |2 1 2 = + 1 − |a | . 1 2 L1 L2 L2 (2.34) L2 = L21 4 − 3|a1 |2 . (2.35) Ou ainda Desta última equação vemos que o máximo valor possível de L para que ainda tenhamos um sistema de dois níveis de energia, ocorre quando |a1 | = 0. Logo, a largura máxima permitida pela expansão isotérmica quântica é L2 := L = 2L1 . (2.36) Podemos também visualizar a dedução acima de maneira gráfica [Figura 2.2]. Inicialmente, o poço de potencial tem uma largura L1 e a partícula quântica está no estado fundamental n = 1 correspondente ao valor inicial de L. À medida que o poço expande, o estado n = 2, primeiro estado excitado, deve ser excitado. Isto deve ser feito fornecendo energia ao sistema, de modo a manter a energia média constante, já E1 diminui com a expansão do poço. Entretanto, essa expansão não pode ser feita indefinidamente, pois vemos que existe um valor máximo permitido para a largura do poço (L2 ). Esse valor ocorre quando o valor da energia média atinge o valor E(L) = E20 . Caso, o poço continuasse expandindo, teríamos de continuar fornecendo energia ao átomo e excitar o próximo nível, n = 3, para a manter a energia constante. 12 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Figura 2.2: Expansão isotérmica quasi-estática quântica e seu efeito sobre os níveis de energia. O valor da constante C para o processo isotérmico quântico pode ser calculado da seguinte forma. O valor de F (L), durante a expansão, é dado por 2 2 π 2 ~2 2 4π ~ + |a | , L1 ≤ L ≤ 2L1 . (2.37) 2 mL3 mL3 Com a condição de normalização (2.11) podemos reescrever a equação acima como F (L) = |a1 |2 π 2 ~2 F (L) = (4 − 3|a1 |2 ), 3 mL Já que L1 ≤ L ≤ 2L1 . (2.38) L2 = 4 − 3|a1 |2 , segue então L21 F (L) = π 2 ~2 , mL21 L L1 ≤ L ≤ 2L1 . 13 (2.39) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Para L = L1 podemos escrever π 2 ~2 F (L1 )L1 = . mL21 (2.40) Portanto, C= π 2 ~2 . mL21 (2.41) Observe que para L = L2 , temos F (L2 ) = π 2 ~2 , mL21 L2 (2.42) π 2 ~2 . mL21 (2.43) ou F (L2 )L2 = Ou seja, de acordo com a equação (2.18) o resultado obtido para C é consistente. Etapa 2: A expansão adiabática quântica Na seção (2.2.2) vimos que no processo adiabático a seguinte equação era válida F (L)L3 = C Neste processo, a partícula quântica mantém seu respectivo autoestado, ou seja, um átomo no primeiro estado excitado fica durante toda a expansão neste estado. Uma maneira de tentarmos compreender essa afirmação é pensar que nesse caso só há trabalho sendo realizado, isto é, os níveis de energia mudam, pois o poço se expande. Entretanto, os níveis de ocupação (an ) são mantidos constantes, pois nenhuma energia externa (calor) é fornecida à partícula quântica. Essa interação que afeta a ocupação dos níveis de energia chamamos de calor. Ao final do processo anterior (processo isotérmico) a partícula quântica estará no primeiro estado excitado (n = 2). Assim, durante a expansão adiabática a energia média fica 2π 2 ~2 E2 = E(L) = |a22 | . (2.44) mL2 14 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Pela normalização vemos que |a2 |2 = 1. Deixaremos que o poço agora se expanda de L2 até um valor L3 , então E(L3 ) = 2π 2 ~2 . mL23 (2.45) Podemos também calcular o valor de C na expansão adiabática F (L)L3 = C. Pela equação (2.20) 4π 2 ~2 . (2.46) F (L)L3 = C = m Etapa 3: A compressão isotérmica De maneira análoga à feita na expansão isotérmica, comprimiremos o poço de L3 até L4 , com L4 < L3 . O valor da energia média nesse processo é dado por E(L3 ) = 2π 2 ~2 . mL23 (2.47) Durante a compressão, a energia média se escreve 2 2 π 2 ~2 2 2π ~ + |a2 | . E(L) = |a1 | 2mL2 mL2 2 (2.48) A energia média deve manter-se constante, logo 2 2 2 2 2π 2 ~2 2 π ~ 2 2π ~ = |a | + |a | . 1 2 mL23 2mL2 mL2 (2.49) Usando uma vez mais a condição de normalização – equação (2.11) – temos L2 = L23 (4 − 3|a1 |2 ). 4 (2.50) Agora ocorre o processo inverso. A largura do poço diminui, e a energia média tende a aumentar, logo, para impedir que isto ocorra, devemos retirar energia do sistema. De modo análogo ao caso da expansão isotérmica, há um limite para a compressão e neste caso procuramos um valor mínimo. Este valor mínimo para L ocorre quando |a1 | = 1, e |a2 | = 0. Portanto, 15 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos L4 = L3 . 2 (2.51) A energia média será: E(L4 ) = 2π 2 ~2 π 2 ~2 = , 2mL24 mL23 (2.52) logo, consistentemente, E(L3 ) = E(L4 ). Etapa 4: A compressão adiabática quântica Ao final da compressão isotérmica a partícula quântica estará no estado fundamental (n=1) dado pela equação (2.52). Como o processo adiabático quântico é um processo no qual a partícula se mantém no seu autoestado de energia, a energia média sobre a adiabática na compressão adiabática se escreve π 2 ~2 E(L) = . 2mL2 (2.53) Comprimiremos o poço até o ponto L = L1 , fechando assim o ciclo. Ou seja, ao completar o ciclo teremos E(L1 ) = π 2 ~2 . 2mL21 (2.54) A Figura 2.3 mostra o diagrama F − L para ciclo de Carnot quântico, análogo ao ciclo clássico do Apêndice D. A eficiência do ciclo de Carnot quântico Agora estamos em condições de discutir a eficiência da máquina de Carnot quântica. Faremos a suposição que o trabalho realizado pelo sistema quântico em um ciclo completo possa ser calculado com a seguinte expressão: I W = F (L)dL, C 16 (2.55) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Figura 2.3: Diagrama F − L da máquina de Carnot quântica: nos trechos a → b e c → d, a energia média é constante; nos trechos b → c e d → a, o autoestado da partícula quântica é constante. O diagrama é ilustrativo e está fora de escala. onde a área fechada do gráfico representa o trabalho realizado no nosso ciclo de Carnot quântico. Expandindo a equação acima, escrevemos Z 2L1 W = L3 Z F dL + Z L3 2 F dL. L3 2 L3 2L1 L1 F dL + F dL + L1 Z Utilizando os valores de F calculados anteriormente obtemos π 2 ~2 1 4 W = − ln 2. m L21 L23 (2.56) (2.57) A energia (calor) necessária para manter a energia média E(L) constante durante a expansão isotérmica é Z 2L1 Qa→b = F (L)dL = L1 17 π 2 ~2 ln 2. L21 m (2.58) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Da mesma forma, na compressão isotérmica a energia rejeitada3 necessária para manter a energia média constante é dada por Z L3 2 Qc→b = F (L)dL L3 Z L3 2 = L3 4π 2 ~2 1 4π 2 ~2 dL = ln mL23 L mL23 L3 2L3 =− 4π 2 ~2 ln 2. (2.59) mL23 Fazendo uso de mais uma analogia com a termodinâmica clássica, definimos a eficiência da máquina de Carnot quântica por ηCarnot = W , |Qa→b | (2.60) onde W é o trabalho realizado pela máquina em um ciclo completo e |Qa→b | é o calor fornecido pela “fonte quente” . Pela primeira lei da termodinâmica, podemos rescrever a equação acima como ηCarnot = 1 − |Qc→d | , |Qa→b | (2.61) pois W = |Qa→b | − |Qc→d |, onde −|Qc→d | é o calor rejeitado para a “fonte fria”. Agora podemos fazer uso das expressões que obtivemos para o trabalho no ciclo de Carnot quântico, e para os calores cedido e rejeitado para calcular a eficiência. O resultado é ηCarnot = 1 − 4L21 . L23 (2.62) Podemos ainda, rescrever a equação acima em termos da energia média ηCarnot = 1 − 4 π 2 ~2 E(L3 )m . , 2mE(L1 ) 2π 2 ~2 (2.63) E(L3 ) . E(L1 ) (2.64) ou seja, ηCarnot = 1 − 3 Precisamos agora rejeitar uma quantidade de energia para manter a energia constante. 18 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Em outras palavras, a energia média E(L1 ) é a versão quântica da temperatura da fonte quente na termodinâmica clássica, e a energia média E(L3 ) é a versão quântica da temperatura da fonte fria, e a equação (2.64) é o análogo quântico da relação clássica: ηCarnot = 1 − Tfonte fria . Tfonte quente (2.65) Os resultados acima foram obtidos escolhendo somente dois dos infinitos níveis de energia possíveis para a partícula presa no poço de potencial. No entanto, é possível mostrar que as deduções acima podem ser feitas selecionando n > 2 estados [1]. Esta escolha torna os cálculos muito complicados e não implica necessariamente em um entendimento conceitual mais profundo. 2.4 O ciclo de Brayton quântico Nosso segundo exemplo de ciclo quântico é o ciclo de Brayton. Para introduzir a versão quântica do ciclo de Brayton, como antes, por simplicidade, consideraremos apenas dois níveis de energia do poço infinito, o estado fundamental, n = 1, e o primeiro estado excitado, n = 2. 2.4.1 Construindo a máquina de Brayton quântica O ciclo de Brayton clássico é composto por quatro processos reversíveis: expansão isobárica, expansão adiabática, compressão isobárica e compressão adiabática - ilustrado no apêndice C. Analogamente ao feito anteriormente, iremos utilizar um sistema com dois níveis de energia: E1 = π 2 ~2 mL2 (2.66) E2 = 4π 2 ~2 mL2 (2.67) e 19 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Etapa 1: A expansão isobárica quântica No processo isobárico quântico a seguinte equação é válida: F (L) = C, (2.68) ou, em termos da energia média e da largura do poço: E(L) = C. L (2.69) Se supusermos que o estado inicial (antes da expansão) da partícula quântica seja o fundamental, isto é: n = 1, então, E(L1 ) = E1 = π 2 ~2 , 2mL21 (2.70) onde L1 representa a largura inicial do poço. O valor da energia média durante a expansão isobárica é dado por 2 2 π~2 2 4π ~ + |a | , 2 2mL2 2mL3 Para L = L1 , o valor de F (L) é E(L) = |a1 |2 π 2 ~2 F (L1 ) = , mL31 L 1 ≤ L ≤ L2 . (2.71) (2.72) mas, durante a expansão isobárica, F (L) é dada por 2 2 π 2 ~2 2 4π ~ + |a | , L1 ≤ L ≤ L2 . (2.73) 2 mL3 mL3 Fazendo uso da equação (2.72) e da condição de normalização, equação (2.11), temos: F (L) = |a1 |2 1 1 = 3 (4 − 3|a1 |2 ), 2 L1 L (2.74) L3 = L31 (4 − 3|a1 |2 ). (2.75) ou ainda, 20 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos O valor mínimo permitido de L ocorre quando |a1 | = 1, e o valor máximo máximo quando |a1 | = 0, logo, o valor máximo é dado por 1 L2 = (4) 3 L1 . (2.76) Portanto, no ponto b do diagrama mostrado na Figura 2.4, |a1 | = 0, |a2 | = 1, e a energia média é 2π 2 ~2 mL22 = 22/3 E(L1 ) E(L2 ) = = 22/3 E1 , (2.77) onde fizemos uso da relação entre L2 e L1 deduzida acima. Etapa 2: A expansão adiabática quântica Como no caso do ciclo de Carnot quântico, ao final do processo anterior, isto é: da expansão isobárica, a partícula quântica estará no primeiro estado excitado (n = 2) que é dado pela equação (2.77). Deixaremos agora que o sistema evolua ao longo da curva adiabática bc e passe do ponto b para o ponto c, [Figura 2.4]. A largura do poço variará de L2 até L3 , e durante a expansão adiabática a energia média pode ser escrita como 2π 2 ~2 , L 2 ≤ L ≤ L3 . mL2 A força durante este processo será dada por E(L) = 4π 2 ~2 , F (L) = mL3 L 2 ≤ L ≤ L3 . (2.78) (2.79) Etapa 3: A compressão isobárica quântica Ao final da expansão adiabática, o valor de E será E(L3 ) = 21 2π 2 ~2 , mL23 (2.80) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos e o valor de F será 4π 2 ~2 F (L3 ) = . mL33 (2.81) Como no processo isobárico F (L) é constante, segue que F (L3 ) = F (L), onde F (L) é dado por F (L) = |a1 |2 2 2 π 2 ~2 2 4π ~ + |a | , 2 mL3 mL3 L4 ≤ L ≤ L3 . (2.82) Portanto, podemos escrever 2 2 2 2 4π 2 ~2 2 π ~ 2 4π ~ = |a | + |a | . 1 2 mL33 mL3 mL3 (2.83) Impondo a condição de normalização, equação (2.11), e escrevendo L em função de L3 L33 (1 + 3|a2 |2 ), L4 ≤ L ≤ L3 . (2.84) 4 Portanto, neste intervalo, L tem seu valor máximo (L3 ) quando |a2 | = 1, e mínimo (L4 ) quando |a2 | = 0, isto é: L3 = L4 = L3 . (2.85) π 2 ~2 4π 2 ~2 = = F (L3 ). mL34 mL33 (2.86) 1 43 Logo, no ponto d, devemos ter F (L4 ) = Por outro lado, como na compressão isobárica c → d 2 2 π~2 2 4π ~ E(L) = |a1 | + |a2 | , 2mL2 2mL3 e no ponto d, |a2 | = 0, temos 2 E(L4 ) = 22 π~2 . 2mL24 L 4 ≤ L ≤ L3 , (2.87) (2.88) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Figura 2.4: Diagrama F − L da máquina de Brayton quântica: nos trechos a → b e c → d, a força é constante; nos trechos b → c e d → a, o autoestado da partícula quântica é constante. Etapa 4: A compressão adiabática quântica Como na compressão adiabática os coeficientes |a1 | e |a2 | não podem ser alterados, pois não há fornecimento de energia externa (calor), isto é |a1 | = 1 e |a2 | = 0 no processo d → a, temos E(L) = π 2 ~2 , 2mL2 L1 ≤ L ≤ L4 , (2.89) e π 2 ~2 F (L) = , L 1 ≤ L ≤ L4 . mL3 Agora, basta comprimir o poço até L = L1 para completar o ciclo. 23 (2.90) Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos A eficiência do ciclo de Brayton quântico A Figura 2.4 mostra o diagrama F − L do ciclo de Brayton quântico. Com a equação (2.55) podemos calcular o trabalho realizado no ciclo de Brayton, obtendo o seguinte resultado 3 3 W = F (L1 ) (L2 − L1 ) + F (L3 ) (L4 − L3 ) . (2.91) 2 2 O cálculo explícito do resultado acima está no apêndice [B]. Se fizermos uso da versão da Primeira Lei da Termodinâmica adaptada às máquinas de Carnot e Brayton quânticas, a quantidade de energia (calor) fornecida durante o desenvolvimento do processo a → b pode ser escrita como Qa→b = E(L2 ) − E(L1 ) + Wa→b . (2.92) As energias E(L1 ) e E(L2 ) podem ser rescritas em termos de F (L1 ) e F (L2 ): E(L1 ) = π 2 ~2 L1 L1 π 2 ~2 L = 2 × = F (L1 ) ; 3 1 3 2mL1 2mL1 2 2 (2.93) E(L2 ) = 2π 2 ~2 2π 2 ~2 L2 L2 L = 2 × = F (L2 ) . 2 3 3 mL2 2mL2 2 2 (2.94) e Portanto, lembrando que no processo a → b, a força (pressão) é constante, isto é: F (L2 ) = F (L1 ), podemos escrever Qa→b = F (L1 ) L2 L1 − F (L1 ) + F (L1 )(L2 − L1 ) 2 2 (2.95) ou ainda 3 Qa→b = F (L1 ) (L2 − L1 ) 2 O mesmo vale para a energia ou calor rejeitado no processo (c → d) Qc→d = E(L4 ) − E(L3 ) + F (L3 )(L4 − L3 ). (2.96) (2.97) Procedendo como antes, reescrevemos a equação acima em termos de F (L3 ) e 24 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos lembrando que F (L4 ) = F (L3 ) obtemos 3 Qc→d = F (L3 )(L4 − L3 ). (2.98) 2 Como L4 < L3 , vemos que Qc→d < 0, em acordo com a convenção para o calor rejeitado. A eficiência do ciclo de Brayton se escreve ηBrayton = 1 − |Qc→d | (L3 − L4 )F (L3 ) =1− . |Qa→b | (L2 − L1 )F (L1 ) (2.99) Podemos reescrever a equação acima observando que os processos d → a e b → c estão ligados pelas seguintes equações L21 F (L1 ) = L34 F (L4 ), (2.100) L32 F (L2 ) = L33 F (L3 ). (2.101) e Subtraindo as equações anteriores e lembrando que F (L2 ) = F (L1 ) e F (L4 ) = F (L3 ) e rearranjando os termos segue que L2 − L1 = L3 − L4 F (L3 ) F (L1 ) 13 . (2.102) Levando a expressão acima na equação (3.83) temos ηBrayton = 1 − 1− 1 F (L3 ) ( 3 ) . F (L1 ) (2.103) A expressão acima é análoga à expressão para a eficiência do ciclo de Brayton clássico. Outros ciclos clássicos, por exemplo, o ciclo de Otto, podem ser transformados em máquinas térmicas quânticas e analisados, [2], e métodos mais sofisticados podem ser aplicados a essas análises [3]. 2.5 Calor e trabalho do ponto de vista microscópico O trabalho em termodinâmica clássica é uma extensão do conceito abordado em mecânica clássica e inclui processos onde não necessariamente há desloca25 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Figura 2.5: Aparato experimental de Joule para medir o equivalente mecânico do calor. (Imagem Wikipedia). mentos envolvidos ou algum tipo de força. A definição mais abrangente de trabalho pode ser feita da seguinte maneira: • Um sistema realiza trabalho sobre a sua vizinhança se o único efeito sobre tudo externo ao sistema puder ser o levantamento de um peso no campo gravitacional. A partir da definição acima, podemos também definir o conceito de calor da seguinte maneira • Calor é toda a interação entre um sistema e sua vizinhança que não é trabalho. Na termodinâmica dos ciclos de Carnot e Brayton quânticos fomos levados a considerar dois processos distintos de transferência de energia. No primeiro processo, a transferência de energia envolve um alteração das probabilidades |an |2 de ocupação do estado n de energia. No segundo, esses números permanecem fixos e temos somente alterações nas dimensões do sistema. Percebemos então que do ponto de vista microscópico adotado aqui, calor e trabalho são duas interações completamente diferentes. Podemos escrever a primeira lei da termodinâmica na versão quântica [2] da seguinte forma: se E é o estado de energia do sistema quântico, então, 26 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos E= ∞ X 2 |an | En = n=1 logo, ∞ X pn En , ∞ ∞ ∞ X X X dE = d( pn En ) = En dpn + pn dEn . n=1 n=1 Fazendo as identificações: dQ ¯ = (2.104) n=1 ∞ X (2.105) n=1 En dpn , (2.106) pn dEn , (2.107) n=1 e dW ¯ = ∞ X n=1 Assim, a versão da primeira lei da termodinâmica quântica pode ser escrita em uma forma análoga à forma clássica dE = dQ ¯ + dW. ¯ 2.6 (2.108) Simulação das máquinas de Carnot e Brayton Os ciclos de Carnot e Brayton nas suas versões quânticas foram simulados por nós em um programa de geometria dinâmica que permite construir animações. O programa utilizado foi o Geogebra, que é gratuito e tem versões compatíveis com os principais sistemas operacionais utilizados hoje em dia (Windows, Linux e Mac). O programa pode ser baixado do endereço https://www.geogebra. org/download. Nas Figuras (2.6) e (2.7) dois quadros fixos são apresentados. As animações completas podem ser acessadas no link: http://www.if. ufrj.br/~pef/producao_academica/dissertacoes/2016_Rodrigo_ Machado/ . Ambas as simulações foram feitas utilizando valores arbitrários de energias. Para a utilização das simulações, é necessário a instalação do programa Geogebra. Na simulação, existem três botões, a saber: iniciar, pausar e reiniciar. O início da 27 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos Figura 2.6: Quadro fixo do ciclo de Carnot. Figura 2.7: Quadro fixo do ciclo Brayton. 28 Capítulo 2. Ciclos termodinâmicos quânticos simulação ocorre ao pressionar-se o botão iniciar. A simulação pode ser pausada e, caso o leitor queira recomeçar a simulação o botão reiniciar é utilizado. Durante as simulações, em cada processo quântico, são mostradas as expressões análogas quânticas de processos termodinâmicos clássicos. Ao completar o ciclo (término da simulação) o valor da eficiência é calculado. Por fim, notamos que na simulação apresentada, os processos não são realizados de maneira quase-estática como é feito neste capítulo. Entretanto, a simulação é apenas uma maneira visualizar os processos descritos no decorrer do texto. 29 Capítulo 3 Introdução à termodinâmica de buracos Negros 3.1 Anãs brancas, estrelas de nêutrons e buracos negros Buracos negros são regiões do universo nas quais os efeitos da curvatura do espaço-tempo são tão intensos que qualquer corpo material ou forma de radiação fica impedida de sair dali [4, 5]. A história dos buracos negros começa no século 18 quando o reverendo, astronômo e sismólogo inglês, John Michell (1724-1793), e o grande físico matemático francês Pierre Simon, Marquês de Laplace (17491827), chamaram a atenção para a possibilidade de que a atração gravitacional de uma estrela pudesse ser tão intensa que nem mesmo a luz poderia escapar-lhe [6]. Michell, partidário da teoria newtoniana corpuscular da luz, supôs que as partículas de luz pudessem interagir gravitacionalmente com uma estrela negra, na terminologia da época. A atração da estrela poderia ser tão forte que a velocidade de escape seria maior do que a celeridade da luz. Treze anos mais tarde, Pierre Simon Laplace (1749–1827), publicou sua versão, também newtoniana de uma estrela negra [7, 8]. Como problemas de mecânica newtoniana, as estrelas negras de Michell e Laplace são muito interessantes e nos apêndices D e E desenvolvemos uma discussão detalhada dessas duas abordagens pioneiras que acreditamos possam ser de utilidade nos cursos de mecânica. 30 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Figura 3.1: Evolução esquemática do Sol no diagrama H-R: Em 1 e 2, o Sol evolui como uma proto-estrela e entra na sequência principal, 3. No início do estágio final sai sequência principal para a região das gigantes vermelhas, 4, e finalmente chega ao seu destino final como anã branca, 5. (Ilustração D.M.T.) O conceito moderno de buraco negro começou a ser formado em decorrência dos estudos sobre os estágios finais de certos tipos de estrelas ditas estrelas compactas: as anãs brancas e as estrelas de nêutrons. Estrelas comuns como o nosso Sol nascem da condensação de uma nebulosa provocada pela interação gravitacional. A condensação acende a fornalha nuclear e a estrela entra e começa a evoluir ao longo sequência principal do diagrama de Hertzspurng-Russel ou H-R. A Figura 3.1 mostra de modo esquemático a trajetória do Sol no diagrama H-R. Em uma dada etapa de sua vida de aproximadamente 10 bilhões de anos, o combustível nuclear primário fica quase esgotado e o Sol, procurando conter o colapso gravitacional aumenta a taxa de reações nucleares aumentando a pressão interna. O resultado é um aumento de tamanho e transformação em uma gigante vermelha. Esgotada esta etapa começa o processo de contração no qual o Sol termina ejetando massa e dando origem a uma nebulosa planetária. O núcleo solar remanescente fica reduzido a uma bola compacta de bárions (prótons e nêutrons) e elétrons 31 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros que os astrofísicos denominam uma anã branca. A anã branca se mantém estável porque a pressão de Fermi contrabalança a pressão gravitacional impedindo que o Sol imploda. Na física das estrelas compactas, a pressão de Fermi ou pressão de degenerescência é um efeito quântico que aparece quando a matéria bariônica (prótons e nêutrons) e os elétrons ficam confinados em um espaço relativamente pequeno em razão da enorme pressão gravitacional da estrela. Os férmions – partículas de spin semi-inteiro – devem obedecer ao Princípio de Exclusão de Pauli e isto dá origem a uma contrapressão não-térmica, isto é: que não envolve a temperatura da anã branca, que sob certas condições pode dar equilíbrio mecânico à estrela. Para velocidades não-relativísticas podemos mostrar com argumentos simples que a pressão de Fermi dos elétrons, exceto por um fator multiplicativo, é dada por: PFermi ~2 ∝ melétron ρ 2mbárion 5/3 onde ~ é a constante de Planck reduzida e ρ é a densidade de massa da anã branca. Os bárions remanescentes também exercem uma pressão de Fermi e para levá-la em conta bastaria trocar melétron na equação acima por mbárions , mas a massa de um bárion é 2 000 vezes maior do que a massa do elétron e, consequentemente, sua contribuição à pressão de Fermi efetiva seria 1 000 vezes menor do que a contribuição dos elétrons. Convém salientar que a anã branca ainda tem uma pressão térmica, mas esta também é muito menor do que a pressão de Fermi dos elétrons e não influi no equilíbrio mecânico da anã branca. Nosso Sol, por exemplo, depois de ter se transformado em uma anã branca finalmente esfriará e tornar-se-á uma anã negra, uma estrela fria equilibrada pela pressão de Fermi. A Figura 3.2 mostra a evolução final de duas estrelas de massas distintas, o Sol e Sirius B, em termos da razão entre a massa das estrelas e a massa do sol ( M ) em função do raio R. Se a massa final da anã branca for suficientemente grande, a pressão gravitacional será de tal forma intensa que os elétrons atingirão velocidades relativísticas, isto é, v ≈ c. Neste caso, a pressão de Fermi deve ser recalculada e o resultado é 32 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Figura 3.2: Se uma estrela estiver na região sob a curva sólida, ela explodirá porque a pressão de Fermi é maior do que a pressão gravitacional. Por outro lado, se ela estiver fora dessa região implodirá porque a pressão gravitacional é maior do que a pressão de Fermi. As anãs brancas estáveis, como um dia o nosso Sol será, localizam-se sobre a curva sólida que separa as duas regiões. Por outro lado, Sirius B está fadada a tornar-se uma estrela de nêutrons. PFermi ~2 ∝ melétron ρ 2mbárion 4/3 Este resultado foi obtido pelo físico indiano Subrahmanyan Chandrasekhar (1910–1995). Chandrasekhar descobriu também que há um limite para a massa da anã branca gerada no processo, este limite é chamado limite de Chandrasekhar. O limite de Chandrasekhar vale aproximadamente 1, 44 massas solares. Os resultados do então jovem teórico indiano foram apresentados em 11 de janeiro de 1935 em uma reunião da Royal Astronomical Society e inicialmente enfrentaram uma forte resistência por parte da comunidade dos astrofísicos liderada na época por Arthur S. Eddington (1882 – 1944), o mais respeitado astrofísico do seu tempo. Com o decorrer do tempo foram aceitos, menos por Eddington. 33 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Se a massa inicial de uma estrela for muito grande, sua evolução será, grosso modo, similar à evolução de uma estrela comum, mas seu destino final será diferente. A estrela ejetará suas camadas externas em uma explosão espetacular dando origem a uma supernova do tipo IIa, o núcleo remanescente formará uma anã branca com uma massa superior ao limite de 1,44 massas solares, a pressão de Fermi relativística não será capaz de equilibrar a pressão gravitacional e a anã branca se transformará em uma estrela de nêutrons ou um buraco negro1 estelar [Figura 3.3]. Estrelas de nêutrons foram propostas nos anos 1930 por Franz Zwicky (1898 – 1974) e Walter Baade (1895 – 1960) como uma tentativa de explicar o mecanismo de geração da enorme energia envolvida nas explosões das supernovas. Consideremos uma estrela cuja massa inicial é da ordem de 4 a 8 massas solares, a estrela evoluirá até transformar-se em uma supergigante vermelha, depois entrará em colapso até ejetar suas camadas externas em uma explosão espetacular criando uma supernova. O núcleo remanescente da estrela continuará a implodir gerando uma pressão gravitacional tal que os prótons (p+ ) e elétrons (e− ) com um suprimento de energia fornecida pelo campo gravitacional da estrela em colapso, reagirão entre si formando nêutrons (n) e antineutrinos (ν̄e ) de acordo com a equação: p+ + e− + 1,36 MeV → n + ν̄e . Em um dado momento, os nêutrons formarão uma esfera densa que interromperá o colapso. Uma estrela de nêutrons sustentada pela pressão de Fermi acaba de nascer. A pressão de Fermi neste caso é dada por PFermi ~2 ∝ mnêutron ρ mnêutron 5/3 , Mas qual o limite para a massa M de uma estrela de nêutrons? O que acontece se este limite for ultrapassado? Em princípio o valor da massa limite deve ser único. Mas o cálculo do valor deste limite envolve a teoria relativística da gravitação e modelos do interior da estrela. O resultado final é o limite de Tolman1 O termo buraco negro foi cunhado pelo importante físico teórico americano John Archibald Wheeler em 1968. 34 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Figura 3.3: Os três modos pelos quais a vida de uma estrela pode terminar. (Ilustração D.M.T.) Oppenheimer-Volkof : se a massa da estrela de nêutrons resultante ultrapassar o limite de Tolman-Oppenheimer-Volkof que estabelece valores máximos entre 1,5 e 3 massas solares para uma estrela deste tipo, está implodirá formando um buraco negro [Figura 3.4]. 35 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Figura 3.4: Qual o limite para a massa de uma estrela de nêutrons? A resposta depende da curva limite correta. 3.2 O buraco negro de Schwarzschild Em 1926, Karl Schwarzschild (1873–1916) obteve uma solução para as equações da Relatividade Geral que descrevem a gravitação como uma manifestação da geometria do espaço–tempo. A solução de Schwarzschild nos dá a quantidade fundamental da Relatividade Geral : a métrica, isto é: o quadrado da distância entre dois eventos A e B no espaço–tempo quadridimensional determinado pela distribuição de matéria e energia. A métrica de Schwarzschild descreve a geometria do espaço–tempo em torno de uma massa M que apresenta simetria esférica, não tem momento angular e é eletricamente neutra. A métrica de Schwarzschild é dada por [4, 5, 9]: 1 2GM 2 2 2 2 2 2 2 c dt + dr + r dθ + sen θ dφ , ds = − 1 − 2GM rc2 1− rc2 (3.1) onde r é definido pelo perímetro da circunferência (= 2πr), e φ e θ são os ângulos azimutal e polar, respectivamente, associados com as coordenadas esféricas usuais. Não é imediatamente óbvio que a métrica de Schwarzschild leve ao con2 36 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros ceito de buraco negro. Na verdade, Schwarzschild nunca fez tal afirmação. Foi mais tarde com a reinterpretação desta solução que esta possibilidade teórica surgiu. A reinterpretação vem da análise dos problemas encontrados na solução de Schwarzschild pelo físico americano David Finkelstein [10]. A existência de uma singularidade na métrica em r = 2GM/c2 e outra em r = 0, assim como a inversão do sinal podem ser defeitos da escolha das coordenadas ou representar algo mais sério. Em outras palavras: a métrica só vale para a r > 2GM/c2 . A ampla liberdade de escolha de coordenadas que temos na Relatividade Geral permite utilizar coordenadas mais adequadas e transformar a métrica de Schwarzschild na métrica de Eddington–Finkelstein: 2M G dv 2 + 2dvdr + r2 dΩ2 . ds = − 1 − 2 cr 2 (3.2) onde agora v é a coordenada temporal, veja o Apêndice G para os detalhes. Nesta nova métrica, podemos analisar a trajetória da luz no espaço–tempo em torno da singualridade essencial em r = 0. Podemos ver também que a singularidade em G , o raio de Schwarzschild, deixa de existir, isto é: ela é uma sinr = RS = 2M c2 gularidade removível e não há inversão de sinal na métrica. E, mais importante: podemos provar que a radiação e matéria não podem escapar através de uma fronteira hipotética chamada horizonte dos eventos. Em suma, a Relatividade Geral permite a existência de buracos negros. No Apêndice G discutimos com detalhes estes aspectos. Com o decorrer do tempo outras soluções capazes de descrever buracos negros que têm momento angular diferente de zero e/ou que podem ser eletricamente carregados foram descobertas. Em 1961, foram descobertas as primeiras evidências experimentais da existência de um buraco negro estelar. Hoje em dia, o número de evidências experimentais é considerável. Em principio, a massa de um buraco negro estelar é arbitrária, mas do ponto de vista do astrofísico as massas finais dos buracos negros estelares estão entre 3 e 30 massas solares (3 − 30 M ). Buracos negros galácticos têm massas que variam desde bilhões até trilhões de massas solares (106 − 109 M ) e localizam-se nos centros das galáxias. Seus processos de formação ainda não estão bem estabelecidos, embora uma explicação viável seria a formação pela fusão de dois ou mais 37 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros buracos negros. Há um terceiro tipo de buraco negro: o buraco negro primordial que teria sido criado no início do universo em razão das flutações quânticas do campo gravitacional. Aqui, nós discutiremos apenas os buracos negros estelares, em particular, o buraco negro de Schwarzschild. Buracos negros são caracterizados por três propriedades fundamentais: (a) MASSA (M), (b) CARGA (Q) (c) MOMENTO ANGULAR (J). Estas três propriedades nos dão quatro variantes de buraco negro mostradas na Tabela 3.1. Essas três propriedades são também as únicas informações que um observador distante terá acesso ao estudar a geometria do espaço–tempo na presença de um buraco negro. Um buraco negro com essas três propriedades é chamado buraco negro de Newman-Kerr, porém, os astrofísicos ainda não encontraram nenhum indício da existência de buracos negros carregados. Há indícios fortes da existência de buracos negros girantes, isto é: com massa e momento angular nãonulo, tais buracos negros são chamados buracos negros de Kerr. Aqui, concentraremos nossa atenção no mais simples dos modelos teóricos desse objeto, o buraco negro de Schwarzschild. Essencialmente, o buraco negro de Schwarzschild é um ponto chamado singularidade que concentra toda a massa M do buraco negro, é eletricamente neutro, isto é, sua carga Q é nula, não gira, o momento angular J é nulo e é envolvido por uma superfície esférica invisível de raio Rs , o raio de Schwarzschild [Figura 3.5], definido por: Massa (M ) Sim Sim Sim Sim Mto. angular (J) Não Sim Sim Não Carga (Q) Não Não Sim Sim Nomenclatura Schwarzschild Kerr Kerr-Newman Reissner-Nordström Tabela 3.1: Classificação de buracos negros. 38 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros 2GM , (3.3) c2 onde G é a constante de gravitação universal de Newton e c é o módulo da velocidade da luz. RS = O raio de Schwarzschild determina uma fronteira que se chama horizonte dos eventos. Qualquer corpo (inclusive o fóton) que passe da região exterior r > RS para a região interior r < RS através do horizonte dos eventos não poderá voltar ao meio exterior. Figura 3.5: Buraco negro de Schwarzschild. A distância entre a singularidade e o horizonte dos eventos é igual ao raio de Schwrzschild do buraco negro. Um buraco negro clássico, isto é, que obedece às leis da física clássica (a teoria geral da relatividade ou gravitação einsteiniana é uma teoria clássica) só pode ser percebido pelos efeitos que provoca no seu entorno, como por exemplo, a radiação dos gases que fazem parte do disco de accreção emitem enquanto abandonam o nosso universo mergulhando no horizonte dos eventos. Exceto pelas propriedades 39 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros fundamentais, o buraco negro propriamente dito, isto é: a região interior ao horizonte dos eventos e a singularidade, permanece inacessível às nossas observações diretas. Se supusermos que um buraco negro é um corpo isolado no universo e cairmos em queda livre em direção a ele, não perceberíamos nossa passagem pelo horizonte dos eventos e a presença da singularidade seria percebida pela ação de fortíssimas forças gravitacionais de maré. Uma nave espacial e seus astronautas, como corpos extensos que são, poderiam ser literalmente despedaçados por essas forças, um processo que muitas vezes é eufemisticamente chamado de ‘espaguetificação’. Para o observador distante, nossa queda nas proximidades do horizonte dos eventos seria cada vez mais lenta e ao final ficaria congelada. O observador distante vê uma ilusão. Mas, por outro lado, se quiséssemos, poderíamos estabelecer uma estação espacial em uma órbita estável a uma distância confortável e segura do horizonte dos eventos. 3.3 As leis da termodinâmica dos buracos negros Neste capítulo estaremos interessados em estudar alguns aspectos da termodinâmica do buraco negro, e para isto convém enunciar suas leis. Estas leis foram estabelecidas no início e meados dos anos 1970 quando a analogia entre a área associada com o horizonte dos eventos e a entropia clássica sugerida por Jacob Bekenstein [11, 12], foi comprovada por Stephen Hawking [13–15]. Eis os enunciados na versão clara e didática de Raine e Thomas [5]: Seja M , a massa do buraco negro; κs sua gravidade superficial2 ; A, a área associada com o horizonte dos eventos; Ω, a sua velocidade angular; J , a magnitude do seu momento angular; Φ, seu potencial eletrostático e Q, sua carga elétrica. Então as leis gerais da mecânica dos buracos negros são: LEI ZERO A gravidade superficial κs de um buraco negro no horizonte dos eventos é constante. 2 Para um buraco negro de Schwarzschild a gravidade superficial pode ser interpretada como o valor da aceleração da gravidade medida por um obserdor distante do horizonte dos eventos. 40 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros PRIMEIRA LEI d(M c2 ) = ~κs dA + Ω dJ + Φ dQ. 8πG SEGUNDA LEI No caso dos buracos negros clássicos nos quais efeitos quânticos não são levados em conta, a área do horizonte dos eventos não pode diminuir. TERCEIRA LEI A gravidade superficial ks no horizonte dos eventos não pode ser reduzida a zero por meio de um número finito de processos. As leis gerais da mecânica dos buracos negros assemelham-se às leis da termodinâmica clássica e isto seria mais do que uma coinciência se pudéssemos associar uma temperatura ao buraco negro e este emitisse radiação, o que não é possível para um buraco negro clássico. No entanto, se levarmos em conta os efeitos quânticos nas proximidades do horizonte dos eventos, o buraco negro emitirá radiação e poderemos falar em leis da termodinâmica do buraco negro. As leis da termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild No caso do buraco negro de Schwarzschild, é possível mostrar que há uma relação simples entre a temperatura T e a gravidade superficial κs : T = ~κs , 2πkB c onde κs = GM . Rs2 E, como veremos nas páginas seguintes, também é possível mostrar que a entropia S é um multíplo simples da área A do horizonte dos eventos: dS = 1 kB c3 kB dA dA = , 4 ~G 4 `2P 41 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros onde `P é o comprimento de Planck definido por r `P = ~G . c3 Portanto, para o buraco negro de Schwarzschild, ks e dA podem ser substituídos por T e dS e as quatro leis rescritas na forma: LEI ZERO A temperatura T de um buraco negro de Schwarzschild no horizonte dos eventos é constante. PRIMEIRA LEI d(M c2 ) = T dS. SEGUNDA LEI No caso de um buraco negro de Schwarzschild clássico para os quais os efeitos quânticos não são levados em conta ∆Sburaco negro ≥ 0. TERCEIRA LEI A temperatura do horizonte dos eventos de um buraco negro de Schwarzschild não pode ser reduzida a zero por meio de um número finito de processos. (Formulação de Nernst). 3.3.1 Efeitos quânticos Finalmente, se efeitos quânticos nas proximidades do horizonte dos eventos forem levados em conta, a segunda lei deve ser generalizada da seguinte forma: A entropia de um buraco negro de qualquer tipo e de seu meio exterior não pode diminuir, isto é: 42 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros ∆Smeio exterior + ∆Sburaco negro ≥ 0. 3.4 A radiação Hawking Como já mencionamos, um buraco negro clássico não permite que matéria e/ou radiação escape dele, porém, se alguns aspectos quânticos da sua física perto do horizonte dos eventos forem levados em conta haverá exceções. Foi Stephen Hawking, Professor Lucasiano Emérito, cátedra ocupada por Newton, Paul Dirac e Charles Babbage na Universidade de Cambridge, quem mostrou que este cenário não é necessariamente verdadeiro [13–15]. Aplicando os métodos da teoria quântica de campos em espaços curvos na região próxima ao horizonte dos eventos, Hawking mostrou que um buraco negro emite radiação, a radiação Hawking, e o espectro desta radiação é similar ao de um corpo negro a uma temperatura T , dada por T = ~ c3 , 8πGM κB (3.4) onde ~ = h/2π é a constante de Planck reduzida e κB é a constante de Boltzmann. Observe a presença das três constantes que caracterizam a mecânica quântica, a gravitação e a relatividade: ~, G, c e ainda da constante de Boltzmann κB sempre associada com os fenômenos termo-estatísticos. Isto significa que efeitos quânticos, gravitacionais e termo-estatísticos estão envolvidos no fenômeno. Veja mais adiante uma discussão um pouco mais detalhada. Fazendo uso da definição do raio de Schwarzschild, a equação (3.4) pode também ser escrita na forma κB T ≡ T ∗ = onde κs = ~κs , 2πc GM , RS2 (3.5) (3.6) é o valor da aceleração gravitacional no horizonte dos eventos ou aceleração superficial. Esta forma de escrever a temperatura será útil na discussão de um dos 43 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros modelos heurísticos da emissão da radiação Hawking. Se a massa do buraco negro for expressa em quilogramas e a temperatura em graus kelvin, então podemos escrever também, 1,23 × 1023 T = K. (3.7) M [kg] Seja qual for a forma com que a expressemos, esta temperatura é muitas vezes conhecida como temperatura Hawking ou temperatura Bekenstein-Hawking, já que os resultados de Hawking confirmam resultados anteriores de J. Bekenstein [11, 12], um dos pioneiros no estudo da termodinâmica dos buracos negros3 . Vejamos agora um modo alternativo de obtermos a temperatura de Bekenstein– Hawking: a área correspondente ao raio de Schwarzschild é dada por AS = 4πRs2 16πG2 M 2 4G2 M 2 = . = 4π c4 c4 Portanto, dAS = 32πG2 M dM c4 (3.8) (3.9) ou c4 dAS (3.10) 32πG2 M A energia interna do buraco negro é dada por U = M c2 , logo, uma variação dM na sua massa leva à variação dM = dU = dM c2 = c6 dAS . 32πG2 M (3.11) Pela primeira lei da termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild: dS = dU c6 dAS = , T 32πG2 T M (3.12) onde fizemos uso do fato de que o buraco negro de Schwarzschild não tem rotação e é eletricamente neutro. De um outro ponto de vista que está fora do alcance de nossa discussão aqui – este é o ponto fraco da dedução –, o ponto de vista da teoria 3 Em particular, Hawking obtém a mesma expressão obtida por Bekenstein para a entropia de um buraco negro. 44 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros quântica de campos em espaços curvos, a entropia do buraco negro é dada pela expressão c3 dAs . (3.13) ~G 4 Igualando as equações (6) e (7) uma à outra obtemos o resultado de Hawking dS ≈ κB T = 3.4.1 ~ c3 . 8πGM κB Um modelo simples para entender a radiação de Hawking A radiação Hawking consiste de fótons, neutrinos e, em menor grau, de todos os tipos de partículas massivas. Isto significa que o buraco negro pode ser “visto”? Para responder a esta pergunta temos de entender o mecanismo por trás da radiação de Hawking e para isto seguimos o modelo simples das referências [15, 16]. O termo vácuo na teoria quântica de campos, a versão quanto-mecânica da teoria de campos clássica, não significa ausência completa de matéria e radiação. Vácuo na teoria quântica de campos significa estado de energia mais baixa possível [18]. Neste estado, dito estado de vácuo, há uma atividade intensa causada pelas flutuações do vácuo quântico. Tais flutuações geram pares de partículas– antipartículas ditas virtuais por não serem observáveis. Estes pares aparecem e desaparecem continuamente e a distância entre elas é arbitrária. Para um observador em queda livre nas proximidades do horizonte dos eventos, o forte campo de maré do buraco negro pode ocasionalmente separar os pares virtuais impedindo a aniquilação mútua e atraindo uma das partículas do par para o seu interior em quanto a outra, sem seu parceiro virtual e com a energia fornecida pelo campo gravitacional, transforma-se em uma partícula real [Figura 3.6]. Vejamos qual o balanço de energia envolvido. Considere, por exemplo, pares de elétrons e posítrons. A energia inicial é a energia do buraco negro e se escreve Ei = M c 2 . 45 (3.14) Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Suponha que o elétron virtual mergulhe no horizonte dos eventos. Sem seu parceiro virtual, o posítron transforma-se em uma partícula real com uma energia igual a me c2 (e carga +e). Se escrevermos Ef = M c2 + 2me c2 , (3.15) estaremos violando o princípio da conservação da energia. A saída é supor que o elétron ao ultrapassar o horizonte dos eventos tem uma energia negativa igual −me c2 , note bem: energia negativa, não massa, e logo Ef0 = (M − me ) c2 + me c2 . (3.16) Deste modo, o princípio da conservação da energia fica satisfeito. Podemos interpretar este resultado da seguinte forma: a energia para materializar a partícula virtual, no caso, um posítron, é fornecida pelo campo gravitacional do buraco negro nas proximidades do horizonte dos eventos que perde o equivalente em massa inercial. Observe que o buraco negro ganha uma carga igual a −e, pois o princípio da conservação da carga também deve ser satisfeito. Mas, a partícula que ultrapassa o horizonte dos eventos poderia ser o posítron e a emitida seria o elétron. A carga adquirida pelo buraco negro seria +e. Como não há motivos para que o buraco negro prefira uma em detrimento da outra, na média, a carga adquirida por este é nula. Fótons também passam pelo mesmo processo, mas os fótons não têm carga e a antipartícula de um fóton é o próprio fóton. É a massa do buraco negro que determina os tipos de partículas emitidas e as respectivas contribuições percentuais. Para um buraco negro de Schwarzschild com M > 1014 kg, uma estimativa é de 81,4% de neutrinos (νe , ν̄e , νµ , ν̄µ ), 16,7% de fótons (γ) e 1,9% de grávitons (g). Para 1014 kg < M < 5 × 1011 kg, 45% de elétrons (e− ) e posítrons (e+ ), , 45% de neutrinos (νe , ν̄e , νµ , ν̄µ ), 9% de fótons (γ) e 1% de grávitons (g). Finalmente, Para 1011 kg < M < 1010.5 kg, 12% de nucleons a antinucleons (N e N̄ ), 28% de elétrons (e− ) e posítrons (e+ ), , 48% de neutrinos (νe , ν̄e , νµ , ν̄µ ), 11% de fótons (γ) e 1% de grávitons (g) [17]. 46 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Figura 3.6: Radiação de Hawking percebida por um observador que está em queda livre em direção ao ao horizonte dos eventos do buraco negro. A energia para a criação do posítron vem do forte campo de maré gerado pelo buraco negro nas proximidades do horizonte dos eventos [16]. 3.5 Buracos negros evaporam! Como o buraco negro emite radiação, ele evapora. É possível mostrar que o tempo de vida de um buraco negro é dado pela expressão: 67 T = 2,09 × 10 M M 3 anos, (3.17) onde M é a massa solar. Um buraco negro de dez massas solares (10 M ) dura aproximadamente 2 × 1070 anos, uma duração maior do que a duração do nosso universo. Para obter este resultado, basta lembrar que o buraco negro comporta-se como um corpo negro a uma temperatura T , e um observador distante pode calcular o seu tempo de vida usando a lei de Stefan-Boltzmann para a energia por unidade de área e unidade de tempo u da radiação emitida 47 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros u = σ T 4, (3.18) onde π 2 κ4B , (3.19) 60~3 c2 é a constante de Stefan-Boltzmann. A luminosidade do buraco negro, L, é a densidade superficial de energia por unidade de tempo multiplicada pela área de Schwarzschild σ= L = AS u = AS σT 4 . (3.20) onde T é a temperatura de Bekenstein-Hawking. Lembrando que AS = 4πRS2 , e fazendo uso das expressões para σ e T , obtemos ~ c6 . (3.21) 15 360 πG2 M 2 Mas a luminosidade é também uma perda de energia/massa por unidade de tempo L= L=− dU dM = c2 . dt dt (3.22) Segue que ~ c4 dM = . dt 15 360 πG2 M 2 Esta equação pode ser facilmente integrada: − Z 0 T 15 360 πG2 dt = − ~ c4 Z (3.23) 0 M 02 dM 02 . (3.24) M Calculando as duas integrais obtemos finalmente 5 120 π G2 M 3 T= . (3.25) ~ c4 Multiplicando e dividindo pela massa do Sol, M = 1,99 × 1030 kg e substituindo os valores de G, ~ e c obtemos o resultado dado pela equação (3.17). 48 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Figura 3.7: Radiação Hawking e o efeito Unruh–Davies. Um segundo modelo simples para entender a radiação Hawking Um segundo modelo simples para a radiação Hawking está relacionado com o efeito Unruh–Davies [18] e é descrito em [16]. Vejamos primeiro de que trata o efeito Unruh–Davies. Se um observador move-se no vácuo com aceleração própria constante, perceberá que se encontra imerso em um banho térmico a uma temperatura T ∗ dada por: κB T = T ∗ = ~a , 2πc (3.26) onde a é a aceleração própria4 . Este resultado surprendente – o efeito Unruh– Davies –mostra-nos que o efeito da aceleração é transformar as flutuações do vá4 A aceleração própria é a aceleração medida no referencial do observador acelerado. 49 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros cuo quântico em partículas reais. Observe que a equação (3.26) apresenta uma semelhança notável com a equação (3.5). O efeito Unruh-Davies pode ser utilizado para entender o efeito Hawking se imaginarmos um observador que paira acima do horizonte dos eventos do buraco negro. Para que isto aconteça e ele não seja sugado pelo buraco negro terá que acionar seus retrofoguetes e ajustá-los para que sua aceleração própria a seja igual a kS . Do ponto de vista da relatividade geral, ele não é um observador inercial no sentido einsteniano, isto é em queda livre e movendo-se ao longo de uma geodésica, e estando submetido à forças não-gravitacionais não segue uma geodésica do espaço–tempo de Schwarzschild. Então, este observador concluirá que os pares virtuais nas proximidades do horizonte de eventos são partículas reais. Algumas dessas partículas desaparecem atravessando o horizonte dos eventos desaparecendo do nosso universo enquanto seus respectivos pares escapam e em princípio dão ao buraco negro um brilho tênue. 3.6 A entropia associada com o buraco negro de Schwarzschild A quantidade fundamental na descrição de um buraco negro de Schwarzschild é a sua entropia. O ponto de partida é a percepção de que a área do horizonte dos eventos de um buraco negro, como a entropia clássica, não pode diminuir. Aqui discutiremos este aspecto da termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild de um modo simples. Vejamos como as leis da termodinâmica dos buracos negros se aplicam ao buraco negro de Schwarzschild. Da primeira lei temos: dU = T dS, (3.27) pois o buraco negro de Schwarzschild não tem momento angular e não é electricamente carregado. A variação infinitesimal da energia interna se escreve dU = dM c2 , logo dS = dM c2 dU = . T T 50 (3.28) Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros A variação finita de entropia será dada por Z M dM 0 c2 . T S − S0 = 0 (3.29) Substituindo a equação (3.4) no integrando acima temos 8π G κB S − S0 = ~c Z M M 0 dM 0 . (3.30) 0 Segue que 4π G M 2 κB , (3.31) ~c onde fizemos uso da condição S = 0 quando M → 0. Esta é a entropia do buraco negro. Multiplicando e dividindo este resultado pelo raio de Schwarzschild e lembrando que o comprimento de Planck é dado por S= r ~G , c3 podemos escrever o resultado final de modo mais compacto: `P = S= 1 κB AS 4πRS2 G M 2 κB = , 2 ~ c RS 4 `2P (3.32) (3.33) onde AS = 4πRS2 é a área da superfície correspondente ao horizonte dos eventos. Portanto, a entropia de um buraco negro de Schwarzschild é proporcional à área determinada pelo raio de Schwarzschild Observe que para chegar a este resultado começamos com a temperatura de Bekenstein-Hawking e a partir dela obtivemos a expressão para a entropia do buraco negro. O procedimento de Hawking é o inverso: calculando a entropia do buraco negro com os métodos da teoria de campos em espaços curvos, ele obtém a temperatura. 51 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Um exemplo: entropia associada com a coalescência de dois buracos negros Do ponto de vista teórico, nada impede que dois buracos negros possam coalescer formando um único buraco negro. O que acontecerá com a entropia neste caso? Para fixar melhor as idéias, suponhamos que dois buracos negros coalesçam. Suponhamos também por simplicidade que um dos buracos negros tenha uma massa M e o outro 2M . As áreas correspondentes ao seus respectivos horizontes dos eventos são: AM = 4π 2GM c2 e A2 M 2G(2M ) = 4π c2 2 , (3.34) 2 = 4 AM . (3.35) Consideremos agora dois modelos de coalescência [4]: (a) a massa do buraco negro final é a soma das massas dos buracos negros iniciais, Mf = M + 2M = 3M ; Figura 3.8: Modelo para a massa final do buraco negro no processo (b). 52 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros (b) a massa do buraco negro final é igual á raíz quadrada da soma dos quadrados p √ das massas dos buracos negros iniciais, Mf = M 2 + (2M )2 = 5 M . O segundo modelo leva em conta a perda de energia por radiação gravitacional, isto é: o processo de coalescência leva à produção de ondas gravitacionais. Vejamos agora o que acontece com a área associada com o horizonte dos eventos. No primeiro caso, o novo raio de Schwarszchild se escreve: 2(3M )G = 3 RS . c2 A nova área associada com o horizonte dos eventos é RS0 = A3M = 4πRS0 2 = 4π(3RS )2 = 9AM . (3.36) (3.37) No segundo caso, o novo raio de Schwarszchild vale RS00 √ 2( 5M )G √ = 5 RS . = c2 (3.38) A área agora é dada por √ A√5M = 4πRS00 2 = 4π( 5RS )2 = 5AM. (3.39) Em ambos os casos, a área associada com o horizonte dos eventos aumenta, mas não necessariamente a entropia. Calculemos a entropia do estado inicial, que é o mesma para ambos os processos. Como a entropia é uma quantidade aditiva escrevemos Sinicial = SM + S2M ; (3.40) onde 1 κB AM ; 4 `2P (3.41) 1 κB 1 κB A2M = 4 × AM = 4SM . 2 4 `P 4 `2P (3.42) SM = e S2M = 53 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Portanto, a entropia do estado inicial é: Sinicial = SM + 4SM = 5SM . (3.43) Para o primeiro processo, a entropia do estado final se escreve: Sfinal; processo (a) = 1 κB 1 κB A3M = 9 × AM = 9 S M . 2 4 `P 4 `2P (3.44) Portanto, a variação de entropia ao final do processo é ∆S = Sfinal; processo (a) − Sinicial = 5SM > 0. (3.45) No segundo processo, a entropia do estado final é Sfinal; processo (b) = 1 κB 1 κB √ A AM = 5 SM . = 5 × 5 M 4 `2P 4 `2P (3.46) Portanto, no segundo processo a variação de entropia do buraco negro é nula: ∆S = Sfinal; processo (b) − Sinicial = 0. (3.47) O resultado é surprendente, mas pode ser aceitável se a segunda lei da termodinâmica aplicado ao buraco negro for modificada escrevendo: ∆Sexterior + ∆Sburaco negro > 0, (3.48) onde ∆Sexterior representa a variação de entropia no lado de fora do buraco negro gerado pelo processo de coalescência. A entropia calculado com a relação acima é a entropia dos físicos-químicos – observe a presença da constante de Boltzmann – e não deve ser confundida com o conceito de entropia da informação. A entropia de um buraco negro de Schwarzschild é enorme e está associada com os diferentes modos pelos quais a matéria e radiação pode acomodar-se em seu interior. Para um buraco negro de massa igual a 10 massas solares obtemos S = 1.45 × 1056 J/K. A questão ainda em aberto é: qual o significado da entropia de um buraco negro? Há muitas possibilidades de interpretação. Uma delas é que esta entropia esteja associada com o número 54 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros de configurações interiores distintas para um buraco negro de massa final M (ou M , Q e J). Mas para provar isto é necessário aprender a contar o número dessas configurações e relacionar o resultado com a entropia termodinâmica, uma tarefa difí cil e ainda em andamento. 3.7 Capacidade térmica e buracos negros A capacidade térmica de um buraco negro de Schwarzschild, a quantidade de energia dQ ¯ que devemos fornecer a ele para obter uma variação de temperatura dT , tem um comportamento não–usual. Se U representa a energia interna de um sistema termodinâmico e T , sua temperatura, a capacidade térmica C é definida por: dU . (3.49) dT Como de acordo com a primeira lei da termodinâmica dos buracos negros aplicada ao buraco negro de Schwarzschild: dU = dQ ¯ = T dS, como a entropia depende da área A do horizonte dos eventos, podemos escrever C= C= dA dU , dT dA (3.50) ou ainda, dA dS , (3.51) dT dA onde T deve ser identificada com a temperatura de Bekenstein–Hawking, equação (3.4). Multiplicando e dividindo a temperatura de Bekenstein-Hawking, pelo raio de Schwarzschild e rearranjando um pouco o resultado obtemos: C=T T = 2M c2 `2P . κB A (3.52) Segue desta expressão que dA 2M c2 `2P =− . dT κB T 2 55 (3.53) Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Fazendo uso dessas expressões para T e dA/dt, e ainda da expressão para a entropia do buraco negro, equação (3.33), obtemos finalmente, M c2 < 0. (3.54) 2T Buracos negros têm capacidade térmica negativa. Isto significa que se o buraco negro absorver massa e energia sua temperatura diminuirá e se perder massa sua temperatura aumentará. Capacidade térmica negativa é observada em outros sistemas termodinâmicos, por exemplo, estrelas e galáxias e é sinal de instabilidade termodinâmica. C=− 3.8 É possível verificar experimentalmente a radiação de Hawking? Buracos negros astrofísicos estão cercadas por matéria ionizada que circunda o entorno deles antes de desaparecer definitivamente do nosso Universo [ Figura 3.9]. Esta matéria ionizada emite radiação eletromagnética e se constitui em um dos fortes idícios da existência desses objetos. Estas emissões tendem em obliterar a radiação de Hawking tornando-a difícilima de ser percebida experimentalmente. Mas, suponha que um buraco negro seja de algum modo encontrado em uma região do Universo em que possa ser considerado como isolado. Sua temperatura será igual à temperatura de Bekenstein–Hawking. Se esta for maior do que a temperatura da radiação cósmica de fundo, poderíamos observar um brilho fraco ao seu redor, mas se a temperatura de Bekenstein–Hawking fosse menor do que a temperatura da radiação cósmica de fundo, as leis da termodinâmica clássica impediriam que a radiação Hawking pudesse ser observada. Uma possibilidade de observação da radiação Hawking seria encontrar buracos negros primordiais nos últimos momentos de suas existências. Para este tipo de buraco negro, a temperatura de Bekenstein–Hawking seria alta o suficiente para permitir a detecção da radiação Hawking, mas até o momento os resultados são frustrantes. Entretanto, uma simulação em laboratório com laseres que faz uso de pulsos filamentares ultra-curtos parece confirmar as previsões teóricas [20]. 56 Capítulo 3. Introdução à termodinâmica de buracos Negros Figura 3.9: Aparência predita por O. Straub, F.H. Vincent, M.A. Abramowicz, E. Gourgoulhon e T. Paumard, em [21] de um buraco negro de Schwarzschild com um anel toroidal de matéria ionizada. O modelo descreve Sagitário A∗ . A assimetria da radiação é provocada pela forte influência do efeito Doppler, pois a matéria ionizada deve circular em torno do buraco negro com velocidade orbital muito alta para compensar a enorme atração gravitacional. (Imagem Wikipedia) 57 Capítulo 4 Temperaturas absolutas negativas Neste capítulo, nós abordaremos um tema que causa estranheza na maioria dos professores e estudantes, a saber: temperaturas absolutas negativas. Em seguida discutiremos como as temperaturas podem ser incluídas na formulação das leis da termodinâmica. Comentaremos também alguns experimentos relacionados com o tema. E por fim, comentaremos brevemente sobre a validade da existência de temperaturas negativas. 4.1 Leis da termodinâmica Sabemos que qualquer sistema macroscópico deve obedecer às quatro leis da termodinâmica. Faremos aqui uma brevíssima revisão das mesmas. L EI ZERO Dois sistemas termodinâmicos A e B em equilíbrio térmico com um terceiro sistema C estão em equilíbrio térmico entre si. P RIMEIRA L EI - A primeira lei trata do princípio da conservação da energia. Podemos enunciá-la da seguinte forma: A energia de um sistema isolado é constante. Podemos ainda escrever a primeira lei da termodinâmica na forma diferencial dU = dQ ¯ − dW, ¯ 58 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas onde dQ ¯ e dW ¯ representam diferenciais inexatas. S EGUNDA L EI - A segunda lei da termodinâmica pode ser escrita na forma dos enunciados de Kelvin e Clausius Enunciado de Clausius: O calor não pode ser transferido de um sistema que se encontra a uma temperatura mais baixa para um sistema que se encontra a uma temperatura mais alta sem que este processo seja acompanhado por alterações na vizinhança. Enunciado de Kelvin: Não há processo cíclico por meio do qual o calor cedido por uma fonte é integralmente convertido em trabalho. Os enunciados acima parecem distintos, em princípio, mas podemos mostrar que os mesmos são equivalentes. Ou seja, um processo ou ciclo que viole o enunciado de Clausius também viola o enunciado de Kelvin e vice-versa. Podemos também escrever a segunda lei da termodinâmica em termos do conceito de entropia. A entropia de um sistema isolado se mantém constante se somente processos reversíveis estiverem presentes, mas aumenta se processos irreversíveis acontecem. Ou seja, ∆S ≥ 0. Algumas vezes, consideramos o sistema isolado como a soma do sistema com a sua respectiva vizinhança. Assim, podemos reescrever a equação acima como ∆Suniverso = ∆Ssistema + ∆Svizinhana ≥ 0. T ERCEIRA L EI - A terceira lei pode ser enunciada na sua forma fenomenológica da seguinte forma Nenhuma sequência finita de processos cíclicos pode levar um sistema ao zero absoluto (0K). 59 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas 4.2 Entropia na visão de Boltzmann Podemos ainda, a partir de métodos de mecânica estatística escrever a segunda lei de outra maneira, em termos do número de microestados acessíveis ao sistema. Podemos escrever a entropia através da relação de Boltzmann S = kB ln(Ω), (4.1) onde kB representa a constante de Boltzmann e Ω representa o número de microestados acessíveis. Diversas discussões tem sido feitas recentemente sobre a correta definição de entropia. Colocando inclusive, para determinados casos, a equação (4.1) em dúvida. Iremos comentar de maneira breve essa questão posteriormente – após apresentar a formulação e discussão do problema de temperaturas negativas. 4.3 Temperaturas negativas Consideremos um sistema fechado e isolado com um número N (>> 1) de partículas que não interagem entre si. Uma segunda restrição é feita, nosso sistema de partículas pode apenas ocupar dois níveis de energia, a saber: 0 e 1 [26]. Por simplicidade, faremos o menor nível de energia 0 = 0 e o maior nível de energia 1 = . O número de partículas que ocupam o nível mais baixo e o mais alto de energia são dados por n0 e n1 , respectivamente. O número total de partículas N e a energia total do sistema U são dados pelas seguintes expressões N = n0 + n1 (4.2) U = n1 1 + n0 0 = n1 . (4.3) e É importante notar que o sistema descrito acima não é um sistema termodinâmico usual. Um sistema termodinâmico usual (como um gás contido em um pistão) possui energia U que varia continuamente, pois a energia cinética das partículas que constituem o gás varia de modo contínuo. No entanto, nosso sistema 60 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas descrito anteriormente tem níveis discretos de energia (dois níveis) com um limite superior dado por 1 . Então, para nosso sistema de dois níveis de energia, o número de microestados acessíveis, isto é, o número de maneiras diferentes de arranjos disponíveis as partículas satisfazendo as condições dadas pelas equações (4.2) e (4.3) é Ω= N! . n0 !n1 ! (4.4) Entretanto, como as condições impostas pelas equações (4.2) e (4.3) influenciam o número de microestados? Iremos exemplificar tal situação com um número reduzido de partículas para que possamos observar como isso se aplica. Sejam, por exemplo, N = 3 e U = 1 , ou seja, nosso sistema é composto por três partículas e possui uma partícula com energia 1 enquanto as demais possuem energia 0 . O número de configurações possíveis pode ser visto na figura 4.1. Figura 4.1: Configurações possíveis para N = 3 e U = 1 . Observamos que o número de configurações possíveis é igual a 3, isto é, Ω = 3. Entretanto, isso só é verdade devido a essa condição particular em que só temos uma partícula com energia 1 ! Levando a equação 4.4 na relação de Boltzmann (4.1) temos S = kB ln(Ω) = kB ln N! , n0 !n1 ! usando algumas propriedades de logaritmo obtemos 61 (4.5) Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas S = ln N ! − ln (n0 !n1 !)) = ln N ! − ln n0 ! − ln n1 !. kB (4.6) Utlilizando a aproximação de Stirling (N >> 1) ln N ! = N ln N − N. (4.7) Aplicando (4.7) em (4.6) escrevemos S = N ln N − N − n0 ln n0 + n0 + n1 − n1 ln n1 , kB (4.8) como N = n0 + n1 segue que S = N ln N − n0 ln n0 − n1 ln n1 kB (4.9) Podemos reescrever a equação acima e colocar-la em função de U e N . Então, S U U U U = N ln N − N − ln N − − ln . kB (4.10) Pode-se mostrar que 1 = T ∂S ∂U . (4.11) N Levando a relação (4.10) em (4.11) e reordenando alguns termos segue que kB T = ln N −1 . U (4.12) A existência de temperaturas negativas ocorre quando ln N − 1 < 0, U (4.13) Para percebemos em quais de situações esse fato ocorre, vamos reescrever a equação (4.13) em termos de n0 e n1 kB T = ln n0 = ln n0 − ln n1 . n1 (4.14) Analisando a equação acima, percebemos que a existência de temperaturas nega62 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas tivas ocorre quando n1 > n0 . Podemos reescrever essa condição como, N . (4.15) 2 Podemos utilizar um gráfico para ilustrar melhor essa questão [figura 4.2]. Utilizaremos N = 50 e representaremos os gráficos adimensionalisados das seguintes equações y1 , y2 e y3 que representam o inverso de temperatura, a temperatura e a entropia, respectivamente. n0 < Figura 4.2: Gráfico para N = 50. (4.16) kB T 1 = ; ln x − ln(N − x) (4.17) S = N ln N − x ln x − (N − x) ln(N − x). kB (4.18) y2 := e y3 := = ln x − ln(N − x); y1 := kB T onde x := n0 . Percebemos que a entropia y3 se anula nos pontos x = 0 e x = 50 quando todas as partículas estão no mesmo estado, isto é Ω = 1. A entropia atinge um 63 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas máximo em x = 25. A medida que x diminui percebemos que a energia aumenta, pois mais partículas estarão com energia 1 , já que x = n0 . A transição entre a temperatura negativa e positiva ocorre em x = 25. Notamos também que a temperatura apresenta uma descontinuidade em x = 25, o que mostra a inatingibilidade do zero absoluto. Um fato curioso aparece ao analisarmos com cuidado o gráfico da figura 4.2 ou a equação 4.14. Percebemos que sistemas a temperaturas negativas são mais energéticos que sistemas a temperaturas positivas. Ao diminuirmos x = n0 estamos aumentando o número de partículas com energia 1 (> 0 ). Na próxima seção exploraremos as implicações desse fato. 4.4 O fluxo de calor Consideremos dois sistemas termodinâmicos análogos aos descritos anteriormente. Um sistema está à temperatura negativa −T enquanto o outro está à temperatura positiva +T . Suponha ainda que o conjunto está isolado por paredes adiabáticas do meio exterior (vizinhança). O que acontece se colocarmos os sistemas a temperatura negativa e positiva em contato térmico? O primeiro fato que notamos é que como o processo é irreversível, a variação de entropia do conjunto deve ser positiva, como S é uma grandeza extensiva, podemos escrever a variação total de entropia como a variação de entropia do sistema a temperatura positiva mais a variação de entropia do sistema à temperatura negativa, isto é dS = dS− + dS+ > 0. (4.19) Iremos utilizar os índices ” − ” e ” + ” para designar os sistemas a temperatura negativa e positiva respectivamente. Utilizando a expressão da termodinâmica clássica para a entropia podemos reescrever a equação acima como ¯ + dQ ¯ − dQ + . (4.20) −T T Supomos, inicialmente, que o calor flui do sistema a temperatura positiva para o sistema a temperatura negativa. Assim, dQ ¯ − = +|dQ| ¯ e dQ ¯ + = −|dQ| ¯ 1 , logo dS = 1 Quando calor entra no sistema escrevemos +|dQ| ¯ e quando calor sai do sistema escrevemos −|dQ| ¯ 64 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas +|dQ| ¯ −|dQ| ¯ |dQ| ¯ + = −2 <0 (4.21) −T T T A equação acima viola a segunda lei da termodinâmica, ou seja, o processo disdS = Figura 4.3: Sistemas à temperatura negativa e positiva em contato térmico. cutido acima não é factível. Agora, examinaremos o processo inverso, isto é: o calor flui espontaneamente do sistema à temperatura negativa para o sistema à temperatura positiva [figura 4.3]. Assim, dQ ¯ − = −|dQ| ¯ e dQ ¯ + = +|dQ|, ¯ então ¯ + −|dQ| ¯ |dQ| ¯ |dQ| ¯ dQ ¯ − dQ + =− + =2 > 0. (4.22) −T T −T T T Portanto, a segunda lei da termodinâmica é obedecida quando o calor flui da fonte à temperatura negativa para a fonte à temperatura positiva. Sistemas com temperaturas negativas são mais "quentes"do que sistemas a temperaturas positivas. Essa afirmação pode causar estranheza em professores e estudantes. Mas, como vimos no final da seção (4.2), sistemas à temperaturas negativas possuem uma energia maior (lembrando a condição de temperatura negativa n1 > n0 ) que sistemas à temperatura positiva. E, como mostramos, é o único processo que não é proibido pela segunda lei da termodinâmica. A escala de temperaturas absolutas deve ser estendida de modo a incluir as temperaturas negativas. Como vimos anteriormente, sistemas que estão as temperaturas negativas são mais energéticos do que os sistemas a temperatura positiva. dS = 65 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas Assim, podemos escrever que dadas duas temperaturas de mesmo sinal, a mais quente será a que for algebricamente a maior entre as duas [34]. Então, podemos fazer uma escala do "mais frio"para o "mais quente", a saber 0+ K, ..., +300 K, ..., +∞ K, −∞ K, ..., −300 K, ..., −0− K . As leis da termodinâmica não levam em conta a inclusão das temperaturas negativas na sua formulação. De que maneira ,então, podemos "acomodar"as temperaturas negativas nas leis da termodinâmica? Antes de respondermos a pergunta acima, examinaremos quatro situações referentes às máquinas térmicas das inúmeras possíveis [33] utilizando uma combinação das fontes térmicas a temperatura positiva e negativa. Situação 1 : Fonte quente e fria com temperaturas positivas, onde temos que a máquina térmica executa um ciclo Carnot. Figura 4.4: Máquina térmica a temperatura positiva. Examinaremos a situação dada na figura 4.4. Calculando a variação de entropia da fonte quente (f q) a temperatura T e da fonte fria (f f ) a temperatura T 0 respectivamente temos ∆Sf q = Qf q Q =− <0 Tf q T (4.23) ∆Sf f = Qf f Q0 = 0 > 0. Tf f T (4.24) e 66 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas Pela primeira lei da termodinâmica, o trabalho realizado pela máquina de Carnot é: W = Q − Q0 . (4.25) A eficiência de uma máquina térmica é dada por η= W Q0 T 0 ∆Sf f =1− =1+ . Qf q Q T ∆Sf q (4.26) A entropia total é dada por, ∆S = ∆Smaq + ∆Sf q + ∆Sf f , (4.27) como a máquina térmica dada pela figura 4.4 realiza um ciclo termodinâmico temos que ∆Smaq = 0. Como a máquina de Carnot é reversível temos ∆S = 0, logo, ∆Sf q = −∆Sf f , então η =1− T0 < 1. T (4.28) Situação 2: Fonte quente a temperatura negativa e fonte fria a temperatura positiva. Figura 4.5: Máquina térmica a temperatura positiva e negativa. Na situação 2 temos agora a fonte quente à temperatura negativa −T e a fonte fria à temperatura positiva T 0 - ver figura 4.5. Realizando os mesmos passos feitos anteriormente iremos calcular a eficiência dessa máquina térmica. A variação de 67 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas entropia da fonte quente e da fonte fria é respectivamente ∆Sf q = ∆Qf q −Q Q = = >0 Tf q −T T (4.29) Qf f Q0 = − 0. Tf f T (4.30) e ∆Sf f = O trabalho realizado pela máquina de Carnot é dado por W = Q + Q0 , (4.31) observamos que tanto a fonte fria quanto a fonte quente cedem calor para a máquina de Carnot [figura 4.5]. A eficiência é dada por η= Q + Q0 Q0 T 0 ∆Sf f W = =1+ =1− . Qf q Q Q T ∆Sf q (4.32) Se fizermos ∆S = 0 temos ∆Sf q = ∆Sf f então T0 > 1. (4.33) T Esse fato também é discutido por P. Atkins [32] Vemos que a energia que torna possível um rendimento superior à unidade vem da fonte fria! Percebemos uma incompatibilidade entre o resultado anterior com o enunciado de Kelvin da segunda lei da termodinâmica. A primeira e a segunda lei na formulação de Clausius ou de entropia são obedecidas, não há qualquer violação. Ao compararmos as situações 1 e 2 percebemos que estas apresentam uma diferença crucial entre si. No caso em que ambas as temperaturas são positivas [figura 4.4], a fonte quente fornece uma quantidade de energia à máquina térmica. A mesma em uma dada etapa do ciclo rejeita uma quantidade de energia e transfere via interação calor para a fonte fria. A fonte quente comporta-se como uma fonte e a fonte fria como um sumidouro. No caso apresentado [figura 4.5], a fonte quente está a uma temperatura negativa e a fonte fria a uma temperatura positiva. Notamos que ambas as fontes fornecem energia a máquina térmica durante o ciη =1+ 68 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas clo. Nesse caso não há sumidouros. Os calores cedidos a máquina são totalmente convertidos em trabalho. No caso de repetirmos a situação mostrada na figura 4.5 com ambas as temperaturas positivas [figura 4.6] estaríamos violando os enunciados de Clausius e Kelvin. Além, é claro, de produzir uma diminuição da entropia do universo (sistema + vizinhança). Figura 4.6: Máquina térmica a temperatura positiva. Situação 3 : Fonte quente com temperatura negativa e fonte fria com temperatura positiva II Essa situação difere da situação 2 vista anteriormente, pois agora a fonte à temperatura positiva recebe calor rejeitado pela máquina térmica [figura 4.7] . Neste caso temos fonte e sumidouro. Figura 4.7: Máquina térmica a temperatura positiva. A variação de entropia da fonte quente à temperatura −T e da fonte fria à temperatura T é respectivamente ∆Sf q = Qf q −Q Q = = >0 Tf q −T T e 69 (4.34) Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas ∆Sf f = Qf f Q0 = 0 > 0. Tf f T (4.35) Pela primeira lei , o trabalho realizado pela máquina de Carnot é W = Q − Q0 (4.36) A eficiência da máquina de Carnot é η= Q − Q0 Q0 T 0 ∆Sf f W = =1− =1− . Qf q Q Q T ∆Sf q (4.37) Notamos que ∆Sf q e ∆Sf f são grandezas positivas. Então, ∆S = ∆Sf q + ∆Sf f > 0 e assim temos que η < 1. Tal máquina não é reversível pois ∆S > 0. Analisando as três situações acima percebemos que algumas modificações nas leis da termodinâmica precisam ser feitas para que seja possível introduzir as temperaturas negativas. 4.5 Leis da termodinâmica com a inclusão de temperaturas absolutas negativas Que modificações são necessárias às leis da termodinâmica para introduzirmos as temperaturas negativas? As leis da termodinâmica são modelos baseados em resultados empíricos. Processos que envolvem temperaturas negativas não são processos termodinâmicos usuais. Porém, as leis da termodinâmica podem acomodar bem a inclusão das temperaturas negativas, entretanto algumas modificações precisam ser feitas. L EI ZERO E PRIMEIRA LEI: não necessitam de modificações. S EGUNDA LEI: Analisando a situação 2 [figura 4.5] mostramos que o rendimento de uma máquina térmica realizando um ciclo termodinâmico com a fonte quente a temperatura negativa e a fonte fria a temperatura positiva possui rendimento maior que a unidade 70 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas η =1+ Tf f T0 =1+ . Tf q T Baseado no resultado acima, notamos que o enunciado de Kelvin precisa ser reescrito da seguinte forma: Não há processo cíclico por meio do qual o calor cedido por uma fonte quente a temperatura positiva é inteiramente convertido em trabalho. A segunda lei na formulação de Clausius ou de entropia não necessita modificações. Mas, na presença de temperaturas negativas o enunciado de Kelvin e Clausius deixam de ser equivalentes. A TERCEIRA LEI - a inatingibilidade do zero absoluto, deve ser enunciada da seguinte forma: Nenhuma sequência finita de processos cíclicos ou não pode levar um sistema inicialmente a uma temperatura T > 0 ao zero absoluto 0+ K. Da mesma forma, nenhuma sequência finita de processos cíclicos ou não pode levar um sistema inicialmente a uma temperatura T < 0 ao zero absoluto 0− K. Modificações mais sofisticadas e formais podem ser encontradas em [33, 35]. 4.6 Verificação experimental Sistemas físicos a temperaturas negativas são consequência das leis da mecânica quântica aplicadas a sistemas com um limite superior para a energia e da interpretação da mecânica estatística da entropia.. Experimentalmente, tais sistemas foram obtidos primeiramente por Purcell e Pound [36] e posteriormente por Braun et al [37]. 4.7 Considerações sobre a validade das temperaturas negativas Recentemente, o conceito de temperatura negativa foi posto em dúvida por Dunkel e Hilbert [38]. Estes autores alegaram inconsistências ao se utilizar a en71 Capítulo 4. Temperaturas absolutas negativas tropia de Boltzmann para o cálculo da entropia de sistemas que possuem um limite superior para os níveis de energia. A fonte da diferença apresentada por Dunkel e Hilbert está em considerar uma formulação proposta por Gibbs para a entropia. Nesta análise, os autores mostraram que a temperatura absoluta permanece positiva. Entretanto, Swendsen e Wang [39] apontaram algumas inconsistências nos trabalhos desenvolvidos por Dunkel e Hilbert. Assim, os mesmos mostraram que a entropia de Gibbs é incompatível com os postulados da termodinâmica. A partir destes resultados, Swendsen e Wang provam que o conceito de temperatura absoluta negativa permanece válido. 72 Capítulo 5 Conclusão Neste trabalho, nós esperamos ter desenvolvido um texto claro e objetivo para professores e alunos universitários. Enfatizamos no decorrer do texto a riqueza de teorias físicas envolvidas nos temas apresentados. Os ciclos quânticos nos mostraram uma analogia entre duas teorias de grande relevância dentro da física, a saber: a mecânica quântica e a termodinâmica clássica. Este tema tem se mostrado de grande importância e, como mencionado anteriormente, tem sido tema de pesquisas em física. A termodinâmica de buracos negros nos mostrou fatos surpreendentes de alguns conceitos históricos sobre a origem dos buracos negros. Além disso, dentro de um certo limite, foram apresentados diversos pontos interessantes sobre o estudo de buracos negros bem como a radiação Hawking que tanto estiveram em destaque na mídias televisivas.Tornando o tema atrativo a professores e estudantes, mas talvez pouco compreendido. O último tema nos mostrou as implicações de sistemas que podem atingir uma temperatura absoluta negativa. Através dessa análise, podemos mostrar que temperaturas absolutas negativas são mais "quentes"que sistemas a temperaturas positivas. Portanto, esperamos que o trabalho, bem como as referências citadas sirvam de base para uma leitura mais aprofundada dos temas. No capítulo 2, nós desenvolvemos analogias quânticas de processos termodinâmicos clássicos. Essas analogias foram desenvolvidas por meio de uma partícula presa em um poço de potencial. A "parede"do poço tinha a liberdade de se movimentar. Grande parte da discussão feita seguiu a referência [1]. Com o 73 Capítulo 5. Conclusão auxílio do software Geogebra nós fizemos uma simples animação. Com o auxílio do software podemos visualizar a relação entre os níveis de energia do sistema e a largura do poço, além de visualizar as curvas geradas nos processos. No capítulo 3, nós apresentamos uma breve introdução sobre evoluções de estrelas. Em seguida, descrevemos as propriedades fundamentais que caracterizam buracos negros, e, na sequência, descrevemos o buraco negro de Schwarzschild. Analisamos as leis da termodinâmica do buraco negro e a Radiação Hawking, assim, pudemos calcular a entropia associada ao buraco negro de Schwarzschild. Por fim, destacamos algumas dificuldades para a verificação experimental da Radiação Hawking. No capítulo 4, abordamos um tema de grande repercussão acerca de temperaturas negativas. Inicialmente, nós fizemos uma breve discussão em relação à segunda lei da termodinâmica. Posteriormente, analisamos um problema simples que nos leva em sistemas a temperaturas negativas. Além disso, calculamos a eficiência de máquinas térmicas operando com temperaturas negativas. Com base na discussão anterior, analisamos as temperaturas negativas nas leis da termodinâmica clássica. Por fim, comentamos brevemente a validade deste tipo de sistema. Esperamos, assim, que essa dissertação forneça uma modesta contribuição a alunos e professores materiais que possibilitem uma análise mais profunda para um melhor entendimento dos temas tratados aqui. Sobre os ciclos termodinâmicos quânticos, poderíamos, ainda, abordar assuntos relacionados a entropia das máquinas quânticas e, por exemplo, analisar como o princípio da incerteza poderia ser aplicaria. Esses assuntos podem ser desenvolvidos posteriormente. Já sobre o capítulo relacionado à termodinâmica dos buracos negros, existem diversos aspectos que podem ser analisados. Um tema, em particular, que pode ser tratado como uma sequência natural deste trabalho está relacionado ao estudo sobre a produção de ondas gravitacionais devido a coalescência de dois buracos negros. Esse tema foi verificado recentemente pelo LIGO (Laser Interferometer Gravitational Wave Observatory). Sobre as temperaturas negativas, fatos relacionados sobre a existência das mesmas deve ser visto de modo mais detlhado. Assim, um estudo mais profundo sobre os argumentos apresentados pelos autores [38,39] deve ser analisado e pode 74 Capítulo 5. Conclusão representar uma continuação deste trabalho. Por fim, cabe destacar que trabalhar com esses temas foi bastante enriquecedor do ponto de vista acadêmico. Logicamente, que durante a redação desta dissertação houve algumas dificuldades relacionadas à escolha de como apresentar os três temas de maneira didática com abordagem voltada para o ensino. Além, é claro, da dificuldade na busca de bibliografias apropriadas para tratar estes temas que apresentam um elevado grau de complexidade. Como estes temas podem ser inseridos em uma atividade, por exemplo, em um curso de licenciatura em física, é algo a ser pensado e refletido como uma maneira de ampliar as presentes discussões. 75 Apêndice A Os níveis de energia do poço infinito: uma dedução simples Na abordagem feita no capítulo 2, nós utilizamos a equação de Schrödinger independente do tempo para obter os níveis de energia do poço quadrado infinito. Entretanto, essa abordagem é voltada para professores e alunos universitários. Mas, de modo a tornar essa demonstração mais acessível a estudantes que não possuem ainda o conhecimento para a resolução da equação de Schrödinger, iremos adotar a abordagem dada por [22]. A.1 Dedução dos níveis de energia Seja m a massa da partícula e L a largura do poço quadrado, vimos que os níveis de energia estavam associados com os autoestados do sistema. Esses autoestados (ψn (x)), eram análogos aos modos normais de vibração de uma onda estacionária com extremos fixos. Podemos, então, fazer uma associação entre o comprimento de onda da partícula (princípio de de Broglie1 ) com o comprimento do poço. L= nλ 2 1 (A.1) Podemos resumir o princípio de de Broglie da seguinte forma: para uma dada partícula com massa arbitrária, e com velocidade v, podemos associar um comprimento de onda a mesma, esse comprimento de onda é conhecido como comprimento de onda de de Broglie 76 Apêndice A. Os níveis de energia do poço infinito: uma dedução simples Supondo que a partícula tenha uma velocidade v, podemos calcular o comprimento de onda dessa partícula usando a relação entre momento linear e comprimento de onda proposto por de Broglie p= h , λ (A.2) onde h é a constante de Planck. Pela equação (A.1), podemos reescrever a equação acima como nh . 2L Isolando a velocidade (vn ) da partícula temos mvn = (A.3) nh . (A.4) 2mL Dentro do poço, a partícula está livre e, assim, a mesma terá apenas energia cinética vn = mvn2 1 n2 h2 = . 2 8 mL2 Reescrevendo a equação acima segue que En = (A.5) π 2 ~2 n2 (A.6) 2mL2 Dessa forma, vemos que a expressão acima corresponde a equação (2.8) deduzida no capítulo 2. En = 77 Apêndice B Trabalho no ciclo de Brayton quântico O trabalho para uma máquina quântica foi definido no capítulo 2 e é dado pela seguinte expressão I W = F (L)dL. (B.1) Ou, expandindo a equação acima obtemos Z L2 W = L3 Z F (L)dL + Z L4 F (L)dL + L1 L1 Z F (L)dL + L2 L3 F (L)dL. (B.2) L4 Mas, pelas equações (2.71), (2.78), (2.80) e (2.89) temos Z L2 W = L1 π 2 ~2 dL + mL31 Z L3 L2 4π 2 ~2 dL + mL3 Z L4 L3 4π 2 ~2 dL + mL33 Z L1 L4 π 2 ~2 dL. (B.3) mL3 Resolvendo a equação anterior decorre que π 2 ~2 4π 2 ~2 1 1 4π 2 ~2 π 2 ~2 1 1 (L −L )− ( − )+ (L −L )− ( 2 − 2) 2 1 4 3 3 2 2 3 mL1 m 2L3 2L2 mL3 m 2L1 2L4 (B.4) π 2 ~2 4π 2 ~2 Como F (L1 ) = mL3 e F (L3 ) = mL3 , segue que W = 1 3 78 Apêndice B. Trabalho no ciclo de Brayton quântico π 2 ~2 W = F (L1 )(L2 − L1 ) + F (L3 )(L4 − L3 ) + m 4 4 1 1 . − + − 2L23 2L22 2L21 2L24 (B.5) Separando o terceiro termo do lado esquerdo da equação anterior em termos de L1 , L2 e L3 , L4 temos 2 2 π ~ 1 4 4 1 − . − − 2L21 2L22 m 2L23 2L24 (B.6) Reescrevendo a equação acima, novamente, em termos de F (L1 ) e F (L3 ) segue que π 2 ~2 W = F (L1 )(L2 −L1 )+F (L3 )(L4 −L3 )− m L1 4L31 L33 L3 W = F (L1 )(L2 −L1 )+F (L3 )(L4 −L3 )−F (L1 ) − 2 −F (L3 ) − 2 . 2 2L2 2 8L4 (B.7) L3 Pelas relações (2.76) e (2.85) temos que L31 = 42 e L33 = 4L34 , portanto o trabalho no ciclo de Brayton quântico é dado por, 3 3 W = F (L1 )(L2 − L1 ) + F (L3 )(L4 − L3 ). 2 2 79 (B.8) Apêndice C Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos C.1 Considerações iniciais Iremos calcular a eficiência do ciclo de Carnot e Brayton clássicos. Para isso, utilizaremos 1 mol de gás ideal monoatômico. A eficiência de uma máquina térmica é dada pela seguinte expressão, η= W , Qh (C.1) onde W é o trabalho líquido e Qh o calor fornecido ao sistema. Podemos, a partir da primeira lei da termodinâmica, ainda encontrar uma maneira equivalente para calcular a eficiência de uma máquina térmica, η =1− Qc , Qh (C.2) onde Qc representa o calor rejeitado pelo sistema. As duas expressões acima podem ser utilizadas, pois são maneiras equivalentes de se calcular a eficiência. 80 Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos C.2 Ciclo de Carnot O ciclo de Carnot consiste de quatro processos reversíveis: expansão isotérmica, expansão adiabática, compressão isotérmica e compressão adiabática [figura C.1]. Figura C.1: Ciclo de Carnot. Expansão isotérmica No processo a - b: O trabalho realizado pelo sistema e o calor fornecido ao sistema são dados por Z W = pdV. (C.3) Utilizando a equação dos gases ideais pV = RT ( 1 mol), onde R é a constante dos gases ideais, temos Z Vb W = Va RTh dV. V (C.4) Segue que, W = RTh ln 81 Vb Va . (C.5) Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos Pela primeira lei da termodinâmica, podemos calcular Qa→b observando que ∆U = 0 , pois a energia interna é função apenas da temperatura para um gás ideal, Qa→b = RTh ln Vb Va . (C.6) Expansão adiabática No processp b - c: O trabalho na expansão adiabática é dado pela seguinte expressão Wb→c = Pc Vc − Pb Vb R(Th − Tc ) = . γ−1 γ−1 (C.7) No processo adiabático, não há troca de calor, então temos que Qb→c = 0. (C.8) Compressão isotérmica No processo c - d: Analogamente, temos que o trabalho e calor na compressão isotérmica são dados por, Wc→d = −RTc ln e Qc→d = RTc ln Vd Vc Vd Vc (C.9) . (C.10) Compressão adiabática No processo d-a: Da mesma forma que no processo b - c temos Wd→a = −R(Th − Tc ) γ−1 (C.11) e Qd→a = 0. 82 (C.12) Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos Eficiência do ciclo de Carnot O trabalho líquido realizado no ciclo é dado por, W = Wa→b + Wb→c + Wc→d + Wd→a . (C.13) E, o calor fornecido ao sistema é dado por, Qh = Qa→b . (C.14) A eficiência pela relação (D.1) fica W η= = Qh RTh ln Vb Va − RTc ln RTh ln VVab Vd Vc . (C.15) Rearranjando a expressão anterior temos Vd ln Vc Tc . η =1− Th ln Vb (C.16) Va Como Vb Va = Vc Vd segue que, η =1− C.3 Tc . Th (C.17) Ciclo de Brayton O ciclo Brayton clássico é composto por quatro processos reversíveis: expansão isobárica, expansão adiabática, compressão adiabática e compressão isobárica [figura C.2]. Expansão isobárica No processo a-b: O trabalho na expansão isobárica é dado por, Wa→b = p1 (Vb − Va ). 83 (C.18) Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos Figura C.2: Ciclo de Brayton. Pela primeira lei da termodinâmica, lembrando que ∆U = 23 R∆T , o calor fornecido ao sistema é 3 3 Qa→b = R(Tb − Ta ) + p1 (Vb − Va ) = p1 (Vb − Va ) + p1 (Vb − Va ). 2 2 (C.19) Expansão adiabática No processo b-c: O trabalho na expansão adiabática, como visto anteriormente, é Wb→c = p2 Vc − p1 Vb γ−1 (C.20) e Qb→c = 0. (C.21) Compressão isobárica Analogamente ao feito anteriormente temos Wc→d = −p2 (Vc − Vd ) 84 (C.22) Apêndice C. Eficiência dos ciclos de Carnot e Brayton clássicos e 3 Qc→d = − p2 (Vc − Vd ) − p2 (Vc − Vd ). 2 (C.23) Compressão adiabática Da mesma forma, o trabalho e calor ficam Wd→a = p1 V a − p2 V d γ−1 (C.24) e Qd→a = 0. (C.25) Eficiência do ciclo Brayton A partir dos valores Qh e Qc calculados anteriormente, nós podemos por meio da relação (C.2) calcular a eficiência do ciclo Brayton, η =1− |Qc→d | p2 (Vc − Vd ) =1− , |Qa→b | p1 (Vb − Va (C.26) Mas, em um processo adiabático, as seguintes relações são válidas p1 Vbγ = p2 Vcγ (C.27) p1 Vaγ = p2 Vdγ . (C.28) e Manipulando as relações acima, nós obtemos Vb − Va = Vc − Vd p2 p1 γ1 . (C.29) . (C.30) Portanto, a eficiência do ciclo Brayton é η =1− p2 p1 85 1− γ1 Apêndice D A estrela negra de John Michell D.1 Introdução O conceito moderno de buraco negro como uma região do espaço–tempo da qual a luz não pode escapar tem suas origens no século 18 com o reverendo inglês John Michell (1724–1793) que propôs a existência de estrelas invisíveis para o observador – estrelas negras– porque a luz não poderia escapar da atração gravitacional gerada por elas. A sugestão de Michell está em um trabalho apresentado perante a Royal Society de Londres por Henry Cavendish (1731–1810) em três sessões distintas: 11 e 18 de dezembro de 1783 e 15 de janeiro de 1784 [23, 24] e publicado em 1784 nas atas da Royal Society [6]. Cavendish era considerado o mais importante cientista teórico e experimental do Reino Unido em seu tempo e a apresentação e leitura pública dos resultados de Michell atesta a afinidade científica entre os dois filósofos naturais, ambos newtonianos convictos e adeptos da aplicação da teoria à obtenção de resultados concretos aplicáveis às observações experimentais. Ambos também eram adeptos do modelo corpuscular da luz. A importância dos trabalhos científicos de Michell como astronômo e sismólogo com contribuições importantes para estas áreas da ciência só recentemente começou a ser reconhecida [23, 25]. Aqui descreveremos a parte do trabalho de Michell de 1784 concernente à possibilidade da existência de estrelas de estrelas negras Para facilitar a com- 86 Apêndice D. A estrela negra de John Michell preensão, a linguagem newtoniana essencialmente geométrica do original1 será traduzida para a linguagem dos textos modernos de cálculo e mecânica clássica como sugerido em [24]. A estrela negra de Michell e a velocidade de escape No diagrama que acompanha o trabalho original de Michell – ver Figura D.1 – O círculo de raio R = |CD| representa uma estrela de massa M , a semirreta vertical AdC representa a distância radial r ao centro da estrela, ponto C, e os segmentos de reta horizontais representam o módulo da força gravitacional F (r) ou da aceleração gravitacional a(r)2 . Por exemplo, como o comprimento do segmento de reta dr é menor do que o comprimento de DR, a intensidade da força/aceleração gravitacional em r = |Cd| é menor do que em r = R = |CD|. Em linguagem moderna, o diagrama de Michell representa o gráfico da força/aceleração gravitacional como função da distância radial ao centro da estrela. A idéia de Michell é calcular a velocidade radial terminal de um corpo de massa m que parte com velocidade inicial nula de uma distância radial r tal que r R, quando este atinge a superfície da estrela em r = R. Esta velocidade será igual à velocidade de escape no problema do movimento inverso, isto é: ela será a resposta à pergunta: com que velocidade deve ser lançado um corpo se quisermos que ele chegue ao infinito com velocidade nula? A velocidade radial em um ponto da reta AC, digamos d, pode ser calculada com a Proposição 39 dos Principia de Newton [40] pela qual fica demonstrado que o quadrado da velocidade do corpo em d é igual ao dobro da área do retângulo rdC, e como rdC é a quadratura de BAdr, também é igual ao dobro da área BAdr, isto é: 1 “Mesmo o estilo geométrico de raciocínio de Michell é profundamente newtoniano” , W. Israel em [23] 2 Newton, logo, Michell, sabia que a massa inercial e a massa gravitacional do corpo de prova eram equivalentes. 87 Apêndice D. A estrela negra de John Michell Figura D.1: Figura original do trabalho de 1784 de J. Michell. v 2 = 2 × rdC = 2 × BAdr. (D.1) A demonstração deste resultado em notação moderna será vista posteriormente. Por outro lado, a área do retângulo rdC é igual a GM GM × r = . r2 r Na superfície da estrela, r = R, a área do retângulo CDR será igual a rdC = GM , R que por sua vez é igual à área sob a curva BADR. Segue então que CDR = v 2 = 2 × BADR = 88 2GM . R (D.2) (D.3) (D.4) Apêndice D. A estrela negra de John Michell De um ponto de vista moderno, este resultado segue do teorema trabalhoenergia cinética: mv2 mv02 W = ∆K = − , (D.5) 2 2 onde Z r GM m 0 W =− dr , (D.6) r02 ∞ Como no caso a velocidade inicial é nula, obtemos para um r arbitrário: v2 = 2GM . r (D.7) Voltemos à abordagem de Michell e suponhamos agora que a estrela tenha uma densidade uniforme ρ, isto é: ρ = 3M/4πR3 . Então, para um r arbitrário, a velocidade radial se escreve, R3 , (D.8) v 2 = γρ r onde 8π γ≡ G. (D.9) 3 Na superfície da estrela, a velocidade radial terminal é v 2 = γρ R2 . (D.10) Para completar o cálculo da velocidade terminal é preciso reescrevê-la em termos de quantidades mais convenientes à observação astronômica. Michell sabia que a velocidade radial terminal de um corpo em queda livre a partir do repouso e de uma altura infinita é igual àquela que ele teria em uma órbita parabólica osculante à superfície do Sol no ponto de retorno, o ponto no qual a velocidade radial é zero. De fato, a energia de um corpúsculo de massa m no problema de Kepler se escreve [27]: mṙ2 `2 GM m + − , E= 2 2 2mr r onde supusemos que m M e 89 (D.11) Apêndice D. A estrela negra de John Michell ` = mr2 θ̇, (D.12) é o momento angular do corpúsculo em relação ao centro geométrico do Sol. Aqui θ é o ângulo entre o vetor posição do corpúsculo com origem no centro de força e o eixo principal de simetria da órbita – Figura D.2. A solução do problema de Kepler é dada por três famílias de órbitas conhecidas coletivamente como cônicas, a elipse, a parábola e a hipérbole. A órbita circular é um caso particular da elipse. Para uma órbita parabólica, o corpúsculo parte do repouso de uma distância inicial r muito maior do que o raio do Sol, i.e.: podemos tomar o limite r → ∞ na equação para a energia. Mas observe que na órbita parabólica, o momento angular ` não pode ser nulo, logo devemos impor a condição θ̇ → 0 no limite r → ∞ de tal modo que o produto r2 θ̇ seja constante. Como na órbita parabólica, a energia mecânica inicial E é nula e como a atração gravitacional newtoniana é uma força conservativa, a energia mecânica será nula durante todo o movimento, e mais ainda, como no ponto em que a parábola tangencia a superfície do Sol, a velocidade radial é nula, podemos escrever − GM + (Rθ̇)2 = 0. 2R (D.13) Mas, Rθ̇ é a velocidade tangencial V do corpo no ponto de retorno, logo 2GM , (D.14) R isto é, a mesma que teria em queda livre a partir do repouso ao atingir a superfície do Sol! Portanto, V = v. V2 = Michell a seguir relaciona a velocidade radial terminal do corpo em queda livre com a velocidade tangencial da Terra em sua órbita ao redor do Sol. Isto pode ser feito da seguinte forma: considere a órbita aproximadamente circular3 de raio D da Terra em torno do Sol. A força sobre a Terra é fornecida pela força de atração gravitacional, logo 3 A excentricidade da órbita da Terra em torno do Sol é muito pequena: ε = 0.00335, a aproximação de órbita circular funciona muito bem no que diz respeito aos aspectos pedagógicos. 90 Apêndice D. A estrela negra de John Michell Figura D.2: Órbita parabólica que roça a superfície do Sol no ponto de retorno. V⊕2 GM = , D2 D onde V⊕ é a velocidade tangencial da Terra em torno do Sol. Portanto, (D.15) GM . (D.16) D O raio da órbita da Terra pode ser escrito como um múltiplo simples do raio do Sol, isto é: D = λR, onde λ = 214,64, logo, podemos escrever: V⊕2 = V⊕2 GM 2 × GM v2 = = = . λR (2λ) × R 2λ Segue que: 91 (D.17) Apêndice D. A estrela negra de John Michell v 2 = 429, 28 V⊕2 , (D.18) ou, extraindo a raíz quadrada de ambos os lados desta equação: v = 20,72 V⊕ . (D.19) Michell sabia que a velocidade da luz c era igual a 10 310 vezes a velocidade tangencial da Terra em torno do Sol4 isto é: c = 10 310 V⊕ . (D.20) 10 310 c = ≈ 498. v 20,72 (D.21) Segue que Suponha agora que c seja a velocidade terminal de um corpúsculo de luz que atinge a superfície de uma estrela de raio R 0 que tem a mesma densidade que o Sol. Então, podemos escrever: c2 = γρ R 0 2 . (D.22) Segue que R0 c = = 498, (D.23) v R isto é, se uma estrela tiver um raio igual a 498 vezes o raio do Sol, a sua velocidade de escape será igual a velocidade da luz! Nas palavras de Michell: .. se o semi-diâmetro de uma esfera com a mesma densidade do Sol excedesse o semi-diâmetro do Sol na proporção de 500 para 1, um corpo que caísse de uma altura infinita em direção a ela [a esfera] teria na sua superfície uma velocidade maior do que a velocidade 4 A velocidade da luz foi medida por James Bradley (1693–1762) em 1728. Bradley usou o método da aberração estelar (descoberta por ele) e obteve o valor: c = 301 000 km/s. Este valor significa que a velocidade tangencial da Terra é: 29 195 km/s. O valor moderno da velocidade tangencial média (velocidade orbital) é 29,78 km/s. 92 Apêndice D. A estrela negra de John Michell da luz, e consequentemente, supondo que a luz fosse atraída pela mesma força em proporção com sua vis inertiae [massa], como outros corpos, toda a luz emitida por tal corpo [a esfera] retornaria a ele em razão da sua própria gravidade [6]. A estrela negra de Michell é a versão newtoniana dos buracos negros previstos pela teoria relativística da gravitação de Einstein. A massa da estrela negra de Michell De acordo com a descrição de Michell, uma estrela com um raio aproximadamente igual a 500 vezes o raio do Sol e mesma densidade (ρ = 1,41 × 103 kg/m3 ) terá uma massa igual a Mestrela negra = (500)3 M = 1.25 × 108 M , (D.24) onde M = 1,99 × 1030 kg é a massa do Sol. Como comparação tenhamos em mente que um buraco negro estelar tem uma massa entre 5 e 30 massas solares. A estrela negra de Michel tem uma massa da ordem de um buraco negro supermassivo cuja massa está entre 106 e 109 massas solares. O cálculo pioneiro de John Michell nos mostra que para uma estrela com densidade igual à densidade do Sol, mas raio 500 vezes maior, a velocidade de escape ígual à velocidade da luz, logo, é capaz de aprisionar a luz. Tal estrela seria invísivel aos observadores aqui na Terra o que levou Michell a ponderar sobre a existência de muitas delas: Se na Natureza existem realmente corpos cuja densidade não é menor do que a [densidade] do Sol, e cujos diâmetros5 [raios] são 500 vezes maiores do que o diâmetro [raio] do Sol, como sua luz não poderia chegar até nós; ou se existem outros corpos de menor tamanho que são naturalmente não–luminosos, sobre suas existências nessas circuntâncias não poderíamos ter informações provindas da luz [emitida]; ainda assim, se outros corpos luminosos revolvessem em torno 5 Pelo exposto antes, no contexto, o termo diâmetro deve ser interpretado como o raio 93 Apêndice D. A estrela negra de John Michell Figura D.3: Versão simplificada do diagrama que acompanha a Proposição 29. deles. poderíamos talvez a partir do movimento revolvente desses corpos inferir a existência dos corpos centrais com um certo grau de probabilidade, já que isto poderia dar uma pista para algumas das irregularidades dos corpos revolventes, as quais não poderiam ser explicadas facilmente com outras hipóteses... [6]. Complemento: a proposição 39 Na Proposição 39, Newton considera o movimento retilíneo sob a ação de uma força centrípeta (central) arbitrária. Eis a proposição 39 na tradução dos autores: Supondo [a existência de] uma força centrípeta de qualquer tipo e assegurando as [existências das] quadraturas [integrais] das figuras curvilíneas, pede-se encontrar a velocidade de um corpo, ascendente ou descendente sobre a linha reta nos vários pontos pelos quais [o 94 Apêndice D. A estrela negra de John Michell corpo] passa; assim como o [instante de] tempo nos quais chegará em qualquer ponto [sobre a linha reta]; e vice versa. Aqui apresentamos uma versão simplificada em notação moderna ao longo das linhas sugeridas por Chandrasekhar em [41] da parte da demonstração desta proposição que é relevante para o cálculo de Michell. Considere a Figura D.3 que mostra uma versão simplificada do diagrama que acompanha a demonstração de Newton, pois nele vemos apenas os elementos geométricos que estão diretamente relacionados com o resultado que Michell utilizou, isto é: a primeira parte da Proposição 39. A semirreta AEC representa a coordenada radial r que cresce no sentido de C para A. A semirreta AB representa a intensidade da aceleração centrípeta como função da coordenada radial, a(r). Portanto, a curva BF G é o gráfico de a(r). Segue que DF GE = a(E) ∆E; mas ∆E = v(E) ∆t; logo, DF GE = a(E) v(E)∆t; De acordo com a Segunda Lei de Newton: a(E)∆t = ∆[v(E)] = 1 ∆[v 2 (E)]. 2 logo, 1 ∆[v 2 (E)]. 2 Portanto, a área ABGE pode ser calculada integrando o resultado acima, isto é: DF GE = v(E)∆v(E) = Z ABGE = Segue então que 95 DF GE. Apêndice D. A estrela negra de John Michell ABGE = 1 2 [v (E)], 2 ou ainda, v 2 (E) = 2 × ABGE, que é o resultado que se queria demonstrar. 96 Apêndice E A estrela negra de Laplace Doze anos após o trabalho de Michell ter sido apresentado por Cavendish perante a Royal Society e publicado nas suas atas [6], Laplace em 1796 [7] escreve sem demonstrar: A atração gravitacional de uma estrela com um diâmetro de 250 vezes o diâmetro do Sol e comparável em densidade com a [densidade] da Terra seria tão grande que a luz não poderia escapar da sua superfície. Os maiores corpos do Universo poderiam ser invisíveis por causa da sua magnitude [da velocidade de escape] . Em 1799, atendendo ao pedido do editor de uma revista geográfica alemã, Laplace publica sua demonstração [8]. E eis aqui uma versão do cálculo de Laplace ao longo das linhas esboçadas em [24]. Seja m a massa do corpúsculo de luz1 . Por simplicidade, consideremos apenas o seu movimento radial. Fazendo uso da lei newtoniana do movimento escrevemos: dr dv dv dv =m = mv ; dt dt dr dr Mas, como o corpúsculo está sujeito à lei de atração universal, o lado esquerdo da equação acima se escreve: F =m 1 Laplace, como Michell, adota o modelo corpuscular para a luz. Mais tarde, como consequência dos experimentos de Young abandonaria o modelo corpuscular e retiraria o cálculo da velocidade de escape discutido aqui da sua obra. 97 Apêndice E. A estrela negra de Laplace GM m . r2 O sinal negativo indica que a força gravitacional atua no sentido oposto ao movimento radial do corpúsculo de luz. Portanto, podemos escrever F =− GM dr = v dv. r2 Integrando ambos os lados desta equação: − 2GM + 2C = v 2 , r onde C é uma constante de integração a ser determinada. Suponha agora que c seja o módulo da velocidade da luz na superfície da estrela cujo raio é R, isto é: 2GM + 2C = c2 , R logo, 2GM . R e a velocidade radial em função de r se escreve: 2C = c2 − v 2 = c2 − 2GM 2GM + . R r Considere uma segunda estrela de massa M 0 = αM , onde α é um número real maior do que a unidade. Suponhamos que o corpúsculo de luz tenha a mesma velocidade radial inicial que no caso anterior. Então é fácil ver que podemos escrever, 2GαM 2GαM + , 0 R r0 onde R 0 é o raio da segunda estrela. Suponhamos agora que r 0 → ∞, então: v 0 2 = c2 − v 0 2 = c2 − 98 2GαM . R0 Apêndice E. A estrela negra de Laplace Agora façamos a suposição adicional que para a segunda estrela, a atração gravitacional seja tão forte que quando r → ∞, o corpúsculo de luz tenha velocidade radial nula, isto é: v 0 = 0. Segue que 2GαM . R0 Agora vejamos o ponto crucial do argumento de Laplace: a determinação de α. Se supusermos que as estrelas têm densidade uniforme podemos escrever: c2 = ρ R3 M = , M0 ρ 0R 0 3 onde ρ e ρ 0 são as densidades da primeira e da segunda estrela, respectivamente. Laplace agora faz uso da suposição apresentada na primeira parte de [7]: o raio da segunda estrela é 250 vezes maior do que o raio da primeira, isto é: R 0 = 250R. Segue que: ρ 1 = , α (250)3 ρ 0 ou α = (250)3 ρ0 . ρ Substituindo este resultado na equação para c2 obtemos: ρ0 c2 R = . ρ 2(250)2 M Observe que a densidade relativa da segunda estrela depende da massa e do raio da primeira, o que sugere a escolha de uma estrela conhecida para a determinação da densidade da segunda estrela, a estrela negra. Laplace escolhe então o Sol como a primeira estrela, isto é: R = R e M = M . A seguir, Laplace relaciona c com as observações relativas ao movimento da Terra em torno do Sol. Do diagrama 1 da Figura E.1, podemos escrever GM M⊕ V2 = M , ⊕ D2 D 99 Apêndice E. A estrela negra de Laplace onde D é a distância média entre o Sol e a Terra e V é a velocidade tangencial desta última. Segue que a massa do Sol pode ser escrita como M = V 2 D. Substituindo na expressão para a densidade relativa temos finalmente: a 2 R ρ0 8 ≡ ρrel ao Sol = . 2 ρ (1000) V D Desprezando os efeitos gravitacionais que o Sol exerce sobre o corpúsculo lu- Figura E.1: Diagramas para o cálculo de Laplace. minoso, Laplace faz uso das medidas conhecidas na época da aberração da luz solar c 1 = . V tan 20,2500 Por outro lado, do diagrama 2 da Figura E.1, e usando os resultados observacionais da época: 100 Apêndice E. A estrela negra de Laplace R = tan 16 0 2 00 . D Portanto, a densidade da segunda estrela – a estrela negra – é 8 tan 16 0 2 00 ≈ 4. (1000 tan 20,2500 )2 ρrel ao Sol = Este valor está próximo ao valor da densidade da Terra, isto é ρrel Terra/ Sol = 5 513/1 420 ≈ 4. Portanto, a estrela escura deve ter um diâmetro 500 vezes maior do que o diâmetro do Sol e uma densidade igual a densidade média da Terra. Em termos de massas solares, a massa dessa estrela seria: Mestrela negra = 4 × M 3 × (250)3 R = 6,25 × 107 M . 3 R Este valor é 10 vezes menor do que o valor obtido por Michell: 1,25 × 108 M . Como curiosidade, podemos obter o valor da velocidade da luz usada por Laplace e compará-la com o valor moderno. A expressão para c2 pode ser rescrita na forma: c2 = 2 (250)2 GM ρrel ao Sol . R Dividindo ambos os lados pelo quadrado do valor aceito para o módulo da velocidade da luz, identificando o raio de Schwarzschild do Sol, extraindo a raíz quadrada e inserindo o valor 4 para a densidade relativa ao Sol da estrela escura, temos: s c catual = 500 × RS , R Como para o Sol: RS = 2,95 km, e R = 696 000 km, obtemos: c = 1.029 catual . Este é o módulo da velocidade limite. Para um valor infinitesimalmente inferior a este limite a luz não consegue escapar da atração gravitacional da estrela negra, 101 Apêndice E. A estrela negra de Laplace isto não significa necessariamente que o corpúsculo de luz não possa ser emitido da superfície da estrela, mas acabará por ser atraído e voltará. Um observador distante não perceberia a radiação e a estrela para ele seria escura. 102 Apêndice F Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild Neste Apêndice, obteremos a métrica de Schwarzschild por meio de uma abordagem heurística, entretanto, convém ter sempre em mente que o método heurístico nos dá uma abordagem prática e objetiva, porém necessariamente limitada, de um resultado teórico ou experimental. Na gravitação newtoniana, a interação entre duas massas é dada pela Lei da Gravitação Universal. Suponhamos a existência de duas massas M e m isoladas. Suponhamos também, por simplicidade, que M m. A interação gravitacional entre elas é descrita por GM m F (r) = − 2 . r A força é instantânea e o sinal negativo indica que M exerce uma força atrativa sobre m. Podemos considerar, por exemplo, M como a massa do Sol e m como a massa de um planeta. Combinando as leis do movimento de Newton com a Lei da Gravitação Universal obteremos as órbitas elípticas dos planetas do Sistema Solar. Correções que levam em conta perturbações devidas a vários fatores, por exemplo: a oblaticidade do Sol, podem posteriormente ser adicionadas. Com a excecão de uma pequena correção adicional à precessão de Mercúrio, a gravitação newtoniana explica perfeitamente a mecânica do Sistema Solar. A gravitação newtoniana, porém, por questões envolvendo a instantaneidade, 103 Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild a simultaneidade e outras questões, é incompatível com a Teoria de Relatividade Restrita (TRR) e as tentativas de formular uma teoria da gravitação que satisfizesse seus postulados não prosperaram, ver [29]. Na Teoria da Relatividade Geral (TRG), as massas não interagem por meio de uma força, em outras palavras: não há força gravitacional. O que acontece é que m descreve uma trajetória extremante (um máximo ou um mínimo) entre dois eventos do espaço–tempo cuja geometria (curvatura) é determinada por M , no caso em que M m. Esta trajetória extrema é chamada geodésica. Assim do ponto de vista da Teoria da Gravitação Relativística ou Teoria Geral da Relatividade, a massa m segue uma geodésica na geometria determinada por M . A Figura F.1 ilustra a diferença fundamental entre as duas teorias. Uma das grandezas mais importantes na TRR e na TRG é o intervalo infinitesimal elevado ao quadrado ou simplesmente intervalo, ds2 , que descreve a separação entre dois eventos no espaço–tempo quadridimensional. Lembremos que um evento é o equivalente de um ponto no espaço ordinário. O intervalo ds2 é um invariante de Lorentz na TRR, isto é: tem o mesmo valor para dois observadores inerciais conectados por um transformação de Lorentz. Na TGR, o intervalo é um invariante não importa qual o estado de movimento do observador. O espaço–tempo da TRR – o espaço de Minkowski – é plano e o intervalo ao quadrado infinitesimal invariante entre dois eventos é dado por ds2 = −c2 dt2 + dx2 + dy 2 + dz 2 = −c2 dt2 + dr2 + r2 dθ2 + r2 sen2 θ dφ2 , onde na segunda linha escrevemos a parte espacial em coordenadas polares esféricas. Note que o uso de coordenadas curvilíneas não implica necessariamente em espaço–tempo curvo. Por outro lado, o intervalo infinitesimal ao quadrado do espaço–tempo associado uma massa puntiforme isolada, isto é: a métrica de Schwarzschild, é dado por [29]: −1 2GM 2GM 2 2 c dt + 1 − 2 2 + r2 dΩ2 , ds = − 1 − 2 2 cr cr 2 104 Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild Figura F.1: Na gravitação newtoniana m descreve uma órbita em torno de M m determinada pela Lei da Gravitação Universal e pelas condições iniciais. Na gravitação einsteniana, m segue uma geodésica na geometria do espaço–tempo determinada por M . (Ilustração em cores Wikipedia). Apud [30]. onde dΩ2 = dθ2 + sen2 θ dφ2 A obtenção deste resultado requer que resolvamos as equações de Einstein o que está fora do escopo deste trabalho. Entretanto, um argumento heurístico simples que se deve a Blinder [30] permite obter este resultado do seguinte modo: considere uma massa de prova m em queda livre a partir do infinito no campo gravitacional de uma massa M m que apresenta simetria esférica. Em relação ao observador distante, o observador suficientemente afastado para que os efei105 Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild tos gravitacionais sobre ele sejam desprezíveis, a velocidade radial instantânea da massa de prova é v. Considere um referencial de Lorentz co-móvel com m. Nesse referencial, a massa m está instantaneamente em repouso. e um observador co-móvel com m, isto é, também em queda livre, escreverá a métrica localmente plana ds2 = −c2 dt∗ 2 + dr∗ 2 . Este é o Princípio da Equivalência. Para o observador distante, as distâncias infinitesimais dr∗ medidas pelo observador co-móvel com réguas instantaneamente em repouso sofrem contração de Lorentz, isto é: dr∗ = dr = γ r 1− v2 ∗ dr , c2 e os relógios do observador co–móvel que marcam intervalos de tempo infinitesimais dt∗ sofrem dilatação temporal: dt = γ dt∗ = r dt∗ v2 1− 2 c . Portanto, o observador distante descreve a métrica local na forma: v2 ds = − 1 − 2 c 2 −1 v2 c dt + 1 − 2 dr2 . c 2 2 Suponha agora que a massa de prova em queda livre desde o infinito tenha uma energia mecânica E nula. A uma distância radial r de M , para o observador distante sua energia se escreve: mv 2 GM m − = 0, 2 r segue que v2 = 2GM . r Definindo o raio de Schwarzschild por: 106 Apêndice F. Uma dedução heurística da métrica de Schwarzschild GM , c2 e substituindo esta definição na métrica do observador distante temos: RS = −1 RS RS 2 2 ds = − 1 − c dt + 1 − dr2 + r2 dΩ2 , r r 2 que é a métrica de Schwarzschild nas coordendadas do observador distante. Observe que no final acrescentamos a parte espacial angular. Observe também que no limite r → ∞ recuperamos a métrica de Minkowski. Naturalmente, a abordagem heurística não substitui a abordagem via TGR, mas seu uso aqui justifica-se pela simplicidade, pelo resultado final, o qual está em concordância com o obtido de modo rigoroso por Schwarzchild em 1916 [31], e pelo público–alvo para o qual este trabalho está voltado. 107 Apêndice G A métrica de Eddington–Finkelstein Neste Apêndice, usaremos unidades geométricas G = 1 e c = 1 de tal modo que GM → M. c2 Nessas unidades, a massa do Sol, por exemplo, vale M = 1.5 × 103 m, e a massa da Terra M⊕ = 0.444 cm. Para efetuar a transformação inversa, basta multiplicar 2 a massa em unidades de comprimento pelo fator cG ≈ 1.35 × 1027 [kg/m]. A métrica que descreve o espaço–tempo em torno de uma distribuição de massa esférica é a métrica de Schwarzschild: 2M 1 dr2 + r2 dΩ2 , ds = − 1 − dt2 + 2M r 1− r 2 onde dΩ2 = dθ2 + sen2 θ dφ2 . As coordenadas t, r, θ e φ são as coordenadas do observador distante. No limite r → ∞, a métrica de Schwarzschild reproduz a métrica de Minkowski do espaço– tempo plano: ds2 = −dt2 + dr2 + r2 dΩ2 = −dt2 + d`2 . onde d`2 = dr2 + r2 dΩ2 = dx2 + dy 2 + dz 2 . 108 Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein A métrica de Schwarzschild descreve o espaço-tempo vazio em torno de uma estrela como o Sol desde que ignoremos a sua rotação. Descreve também o espaço– tempo exterior (vazio!) de uma estrela em colapso ou uma estrela pulsante desde que a massa da estrela e a sua simetria esférica sejam mantidas. De fato, é possível mostrar que dada uma distribuição esférica arbitrária, o espaço-tempo externo à distribuição tem uma métrica estática (teorema de Birkhof). A métrica Schwarzschild tem alguns problemas. O primeiro é que em r = 2M , o coeficiente de dr2 apresenta uma singularidade. Há uma singularidade também no coeficiente de dt2 em r = 0. Outro problema é a inversão de sinal quando r < 2M . Em outros dizeres, a métrica de Schwarzschild funciona bem somente para r > 2M . O raio crítico: rS = 2M, é chamado raio de Schwarzschild e define uma esfera imaginária dita horizonte dos eventos que separa duas regiões distintas do espaço–tempo: a região exterior ao horizonte dos eventos e a região interior. A métrica de Schwarzschild não vale para a região interior. Mas cuidado: o raio de Schwarzschild do Sol, por exemplo, vale aproximadamente 3 km, mas isto não significa que podemos estender a aplicação da métrica de Schwarzschild até quase o centro do Sol, pois para r < R encontramos matéria e energia, e a métrica de Schwarzschild só vale na ausência destas. A teoria da relatividade geral permite a utilização de um amplo repertório de coordenadas para descrever o espaço–tempo. Para contornar o problema da métrica de Schwarzschild em r = 2M e a inversão de sinal podemos introduzir uma transformação de coordenadas e obter uma métrica mais adequada. Considere a transformação de Eddington–Finkelstein: r − 1 . t = v − r − 2M ln 2M Para r/2M > 1, podemos escrever: 109 (G.1) Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein t = v − r − 2M ln r −1 , 2M e para 0 ≤ r/2M < 1, r . t = v − r − 2M ln 1 − 2M Consideremos inicialmente o primeiro caso. Como t = t(v,r), dt = ∂t ∂t dv + dr. ∂v ∂r Segue que dt = dv − dr + dr dr r = dv − 2M 1− 1 − 2M r Portanto, dt2 = dv 2 − dr2 2dvdr + 2 . 2M 2M 1− 1− r r (G.2) Substituindo este resultado na métrica de Schwarzschild e fazendo as simplificações necessárias, obtemos finalmente 2M ds = − 1 − dv 2 + 2dvdr + r2 dΩ2 . r 2 (G.3) Esta é a métrica de Eddington-Finkelstein. Observe que v assume a papel de tempo coordenado. Se considerarmos o segundo caso e seguirmos o mesmo procedimento, obteremos o mesmo resultado final, logo, a métrica de EddingtonFinkelstein vale para 0 < r < ∞! Isto é: ela descreve todo o espaço-tempo sem inverter o sinal e sem a singularidade em r = 2M . Este tipo de singularidade que surge em um conjunto de coordenadas, mas não em outro, é dita removível. Já a singularidade na origem r = 0 permanece, pois é uma singularidade essencial. 110 Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein As linhas de mundo do tipo luz na métrica de Eddington–Finkelstein Para entender o comportamento da luz na métrica de Eddington–Finkelstein façamos ds2 = 0 e consideremos apenas o movimento radial. Então 2M 1− dv 2 + 2dvdr = 0. r ou, ainda, 2M 1− dv + 2dr dv = 0. r (G.4) Há três soluções para esta equação. P RIMEIRA SOLUÇÃO : v = constante, isto é: dv = 0. Neste caso, da transformação de Eddington–Finkelstein, vemos que para v constante e t crescente, r deve diminuir, Um fóton segue uma linha de mundo retilínea com origem no infinito e término na singulariade. Introduzindo a variável t∗ = v − r, vemos que podemos desenhar a família de semirretas paralelas (uma semirreta para cada valor da constante) mostrada na Figura G.1 definidas por: t∗ = C − r. (G.5) A cada semirreta corresponde um valor de C. S EGUNDA SOLUÇÃO; integrando a equação diferencial entre colchetes obtemos r v = C + 2 r + 2M ln − 1 2M onde C é uma constante arbitrária. Segue que r t∗ = v − r = C + r + 4M ln − 1 , 2M Como antes, se r/2M > 1, escrevemos: t∗ = v − r = C + r + 4M ln r − 1 , 2M < r < ∞, 2M Se, por outro lado, r/2M < 1, escrevemos: 111 (G.6) Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein r t∗ = v − r = C + r + 4M ln 1 − , 0 < r < 2M. 2M (G.7) A terceira solução é r = 2M , isto é dr = 0. Neste caso, a solução é a reta paralela ao eixo t∗ . A equação t∗ = v − r é simplesmente uma identidade. TERCEIRA SOLUÇÃO A Figura G.1 mostra um esboço gráfico das três soluções. Como a coordenada t deve ser crescente no intervalo 0 < r < ∞, as linhas de mundo do tipo luz e do tipo tempo convergem para a singularidade em r = 0 quando r < 2M . Para r > 2M , as linhas de mundo do tipo luz dadas pela equação (G.6) afastam-se do horizonte dos eventos. Em cada ponto do diagrama t∗ × r, duas linhas de mundo se interceptam formando o cone de luz. No interior do buraco negro, r < 2M , radiação e matéria colapsam na singulariade. ∗ 112 Apêndice G. A métrica de Eddington–Finkelstein Figura G.1: Linhas de mundo do tipo luz para o movimento radial de um fóton. Observe que para r < 2M , as linhas de mundo convergem para a singularidade em r = 0. O vértice do cone de luz segue a linha de mundo tipo tempo de uma parícula com massa. 113 Referências Bibliográficas [1] C. M. Bender, D. C. Brody e B. K. Meister, Quantum mechanical Carnot engine, J. Phys. A: Math. Gen. 33 4427 –4436 (2000). [2] J. Wang, Y. Ma e J. He, Quantum-mechanical engine models and their efficiencies, arXiv: 1302.0469v1 [cond-mat.stat-mech] 3 Feb (2013). [3] H. T. Quan, Yu-xi Liu, C. P. Sun e F. Nori, Quantum thermodynamics cycles and quantum heat engines, Phys. Rev. E 76 031105 (2007). [4] E. F. Taylor & J. A. 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