gênero e novas configurações familiares

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III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO
UNISALESIANO
Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de
pesquisadores
Lins, 17 – 21 de outubro de 2011
GÊNERO E NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES
Mariana Rosa Cavalli Domingues
[email protected]
UNISALESIANO – Centro Universitário Católico Salesiano
Auxilium de Lins
Taciano Luiz Coimbra Domingues
[email protected]
UNESP – Universidade Estadual de São Paulo
RESUMO
Este artigo é fruto de pesquisa bibliográfica sobre as formações de gênero nas
novas configurações familiares e suas conseqüências psíquicas. A teoria
psicanalítica tem influenciado os posicionamentos de psicólogos sobre o tema. Esta
teoria tem como ponto central a experiência do Complexo de Édipo, marcada pela
proibição do incesto e pela oferta de modelos de identificação de gênero masculino
e feminino. Com as novas configurações familiares e a ampliação dos papéis
femininos e masculinos uma nova área de pesquisa se faz necessária. Foram
encontrados autores que mostram cautela e preocupações quanto à liberdade
sexual sem reservas.
Palavras-chave: Gênero; estruturação mental; Complexo de Édipo e sexualidade.
INTRODUÇÃO
O complexo de Édipo é um conceito central para a psicanálise na
estruturação da escolha de gênero e do próprio psiquismo. Diante de tantas
mudanças sociais e das novas configurações familiares, pode-se levantar um
questionamento quanto à formação e à dissolução do complexo de Édipo na
contemporaneidade, especificamente aquelas que cresceram em ambiente diferente
da chamada família nuclear burguesa. Alguns autores da psicanálise de abordagem
francesa mostraram-se receosos quanto ao destino pulsional e as inclinações de
gênero na contemporaneidade, pois acreditam que mais do que liberdade de
expressão estaríamos rompendo com pilares estruturais que anteriormente definiam
a sociedade e o próprio psiquismo. Estas concepções parecem cercar-se de um ar
conservador e até preconceituoso, mas estão embasadas nas concepções teóricas
de que a dissolução do complexo de Édipo funda o chamado superego e dá início
estruturação mais organizada da mente. Este processo está intimamente ligado a
percepção e compreensão da diferença anatômica entre os sexos. Esta comparação
biológica é inevitável e imutável, porém as significações que delas faremos é
fortemente influenciada pelos valores sociais vigentes.
Trata-se de tema polêmico, uma vez que a psicologia como área do saber e
profissão tem se posicionado como defensora da liberdade sexual e de expressão
das manifestações de corpo entrecortado pelo social. Assim é necessária séria
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reflexão sobre o tema de forma profunda e sem melindres, afinal o campo da ciência
permite e cobra esta postura de seus atores.
A teoria psicanalítica sempre privilegiou o papel feminino e masculino
contidos num casal familiar. Mesmo quando teóricos permitem-se ampliar o domínio
psicanalítico com os conceitos de função materna e função paterna, continuam
mantendo um referencial sexual de gênero ligado a uma diferença anatômica. Com
uma sociedade que passa por tantas transformações na instituição familiar é
importante estudarmos a relevância das teorias psicanalíticas e possibilitar material
consistente capaz do orientar a atuação de psicólogos inseridos em trabalhos com
famílias.
METODOLOGIA
O discurso psicanalítico surgiu a partir da prática clínica de Freud. Suas
publicações deram início a um intenso movimento a cerca de suas teorias e
análises. O conhecimento psicanalítico causou certo constrangimento para alguns,
encantamento para outros, e ao longo dos anos ganhou credibilidade e uma legião
de seguidores por todo o mundo. No entanto, nas últimas décadas sofreu o impacto
das teorias cognitivas e das saídas medicamentosas, perdeu profissionais e
pacientes com pressa e as promessas de cura de outras áreas “psi” (ROUDINESCO,
2000) . Tantas mudanças em seu destino também afetaram a produção deste saber.
Se antigamente os trabalhos psicanalíticos estavam vinculados necessariamente à
Sociedade Brasileira de Psicanálise, observa-se que no âmbito acadêmico, o
número de pesquisadores e de produção bibliográfica cresceu significativamente,
assim como de cursos de profissionalização em psicanálise que estão se
desenvolvendo em faculdades sem necessariamente estarem vinculados à formação
tradicional (MEZAN, 2002). Desta forma, o presente artigo é fruto de pesquisa
bibliográfica de abordagem psicanalítica.
Nos estudos acadêmicos que utilizam a teoria psicanalítica encontram-se
análises clínicas, mas também trabalhos que descrevem e analisam manifestações
culturais e sociais. Segundo Rosa (2004) os grandes desafios da pesquisa
psicanalítica encontram-se no fato de utilizar conceitos que nasceram na clínica e
que não são facilmente transferidos para outros contextos. A segunda dificuldade
encontra-se no fato de que nem todas as pessoas podem ser submetidas ao método
psicanalítico. A autora acrescenta que o trabalho com o inconsciente é mais
desafiador quando se tratam de relatos movidos por discurso consciente como em
entrevistas. Mesmo assim, Rosa (2004) ressalta que o inconsciente pode manifestarse em pequenos atos cotidianos como foi descrito por Freud (1901) em
“Psicopatologia da vida cotidiana”.
Também se destaca que, apesar da utilização deste corpo teórico, os
objetivos da pesquisa são diferentes, pois não buscam a cura e podem colaborar
com a emergência de significados submersos que o objeto de estudo carrega
consigo.
Na pesquisa com método e referencial teórico psicanalítico, a interpretação
nos coloca em contato com o pathos do observado, não no sentido de
doença, mas de exposição de seu inconsciente, de seus desejos, de seus
mecanismos de defesa. Nesse contato, aprendemos com a experiência e, na
busca pela verdade, crescemos. (PAZIAN e MATTIOLI, 2007,p. 129-130)
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Segundo Pazian e Mattioli (2007), Hermann afirma que o método psicanalítico
é essencialmente interpretativo e que permite análises que vão além de pesquisas
baseadas em protocolos, questionários e dados quantitativos
No caso do presente artigo, o objetivo proposto aborda uma questão que
atinge o contexto social, que está permeado pelas crenças e pelas mudanças no
comportamento sexual e familiar. Segundo Pimenta, Damasceno e Valente (2007) a
pesquisa em psicanálise abordará as relações familiares e sua teia de processos
inconscientes por meio dos relatos verbais.
Foram realizadas pesquisas de artigos publicados na “Scientific Electronic
Library Online” (Scielo) e na “Biblioteca Virtual da Saúde” (BVS) que tinham como
palavras-chave: complexo de Édipo, família contemporânea, família nuclear,
bissexualidade original, gênero e psicanálise, separação e Édipo. Os resultados
desta busca evidenciam poucas publicações sobre o problema exposto neste
projeto. Essa constatação reforça ainda mais a importância da realização desse
estudo.
RESULTADOS
Desenvolvimento psicossexual na obra de Freud
Quando se trata de gênero, a psicanálise relaciona concepções sociais e
culturais com as determinações corporais e anatômicas. Para Freud (1905) o ser
humano nasce com um quantun pulsional que vai erotizando o corpo do bebê dentro
das fases (oral, anal e fálica). O autor estabelece com clareza que a sexualidade não
está pré-definida, mas é marcada pelas vivências de cada um no contato com o
Outro. Por isso defende a idéia de que qualquer ser humano pode desenvolver uma
sexualidade feminina ou masculina independente de sua constituição biológica.
Desta forma surge a concepção de que todo ser humano em sua origem é bissexual.
Em 1932 Freud busca compreender como a mulher se forma, dentro dos
parâmetros de sua época, já que nasceu dotada de disposição bissexual, assim
como os homens. Freud considera que esta constituição inclui diversos conflitos e
que existem pontos decisivos que se mostram completos antes da puberdade.
Na obra freudiana, a feminilidade é conceituada como um fenômeno que diz
respeito à mulher e ao homem, pois revela sua conexão com a castração e o
obscuro (FREUD, 1937). Porém, a feminilidade também tem sido relacionada àquilo
que temos de criativo e inovador, como se da ausência, característica da castração,
fosse possível o surgimento de algo novo (BIRMAN, 2001).
A castração, portanto, torna-se tema central nos debates psicanalíticos e é
desenvolvido plenamente no texto “Algumas conseqüências psíquicas da distinção
anatômica entre os sexos” (FREUD, 1925). Este conceito surge da percepção da
criança diante da compreensão dos genitais. Tanto o menino quanto a menina
passam por um período de sua vida, a fase fálica, em que investigam as diferenças
entre os sexos e buscam entender o que é ser menino e ser menina. É neste
período que fazem algumas ligações entre as percepções visuais do sexo e a
compreensão dos papéis de cada um: homem ou mulher... Segundo Freud os
meninos sentem-se vangloriados por possuir um pênis e deduzem que todas as
pessoas também o têm. As meninas ao conhecer o genital masculino podem
acreditar que um dia também desenvolverão o órgão ou que alguém o tomou. A
idéia de que algo falta às meninas, ou que foram roubadas é a base da sensação de
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castração, que também afetará o sexo masculino pelo viés do medo de perder. A
verdadeira compreensão da sexualidade e dos próprios genitais femininos só
ocorrerá posteriormente, na adolescência.
O assunto ganha força quando Freud pesquisa a feminilidade nos textos:
“Conferência XXXIII” (1931), intitulada “Feminilidade” (1932). Nestes, escreve sobre
as peculiaridades do desenvolvimento libidinal nas meninas, incluindo uma versão
específica do complexo de Édipo para elas. Sobre este assunto, descreve que as
meninas, tais como os meninos, possuem uma primeira fase de postura ativa e
fálica. O que deve ser frustrado e superado por uma posição mais passiva de
aceitação da castração física, do deslizamento do falo/pênis para o bebê/falo. E
afirma que o primeiro objeto de desejo das meninas não é o pai, mas, a mãe. A
passagem para o pai só ocorre com o complexo de Édipo propriamente dito, iniciado
pelo complexo de castração. Ocorre que as mulheres passariam por um período préedípico muito importante e revelador. Este período é marcado pelos sentimentos
amorosos da menina para com sua mãe – tal como o menino. A genitora ficaria num
lugar de objeto de desejo da criança. Com o início do complexo de castração,
marcado pela frustração com a figura feminina castrada, também começa o
complexo de Édipo, no qual o pai é colocado como objeto de desejo. A mãe passa a
ser um tipo muito especial de rival, pois nunca a menina deixa completamente de
investir-lhe libidinalmente. Além disso, Freud (1931, 1932) afirma que a forma com
que as mulheres lentamente finalizam o complexo de Édipo, marca sua posição
sexual e seu posicionamento para com a vida. Desta forma, define as seguintes
saídas edípicas: a) inibição da sexualidade ou neurose, b) modificação do caráter no
sentido de um complexo de masculinização e c) feminilidade normal.
Outro aspecto polêmico é a colocação de Freud (1932) no final da
“Conferência XXXIII”, na qual ele descreve as mulheres como débeis em relação aos
interesses sociais e com menor capacidade de sublimar os instintos, o que já havia
dito anteriormente em “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica
entre os sexos” (FREUD, 1925), “Sexualidade Feminina” (FREUD, 1931) e até em
“Mal-estar na civilização” (FREUD, 1930). Isto está relacionado ao fato das mulheres
nunca abandonarem completamente o complexo de Édipo, mas desistirem de seu
intuito de forma gradual.
A passagem deste período pelos meninos (FREUD, 1905) é vivenciada com
bastante angústia, mas as transformações são menores, pois não é necessário
alterar seu primeiro objeto de desejo: a mãe. O apego desenvolvido por ela ao longo
dos cuidados iniciais é muito forte e gera no menino um amor genuíno que também
se torna erotizado neste período em que descobre os genitais. Isso ocorre por volta
dos 3 aos 5 anos de idade. Com o tempo o garoto entende que a mãe não pode ser
alvo de seus impulsos libidinais e vivencia a importante proibição do incesto. Neste
ponto a figura paterna é essencial, serve como referencial de masculinidade e
colabora na interdição do corpo da mãe. Geralmente a relação com o pai reveste-se
de caráter ambíguo, pois o menino além de admiração e modelo a ser almejado, o
pai também é tido como um rival que possui a mãe.
Todo este processo tem o nome de Complexo de Édipo, pois realmente
envolve uma série de detalhes e marca definições psíquicas importantes (FREUD,
1924) tais como: o superego, com suas normas morais e valores sociais; e o ideal de
ego, que define concepções de gênero e ideais a serem perseguidos pela vida a
fora. O fato é que estas estruturas são fundamentais para a formação organizada do
sujeito neurótico. Alguns pesquisadores de abordagem lacaniana chegam a falar da
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importância da diferenciação dos sexos na estruturação da personalidade e da
diferenciação do sujeito neurótico e psicótico (CABAS, 1988).
Da bissexualidade original a escolha de gênero em Freud
Pensando na clínica dos nossos dias, no trabalho psicanalítico e psicológico
com crianças e adolescentes, é possível perceber como as definições de gênero
passaram por transformações. O rigor do papel feminino como o descrito em Freud
não ocorre mais. A bissexualidade originária parece não encontrar entraves que
definam o destino libidinal de forma resoluta. Na adolescência, com a explosão da
sexualidade, os adolescentes buscam o prazer sexual. Freud (1908) afirma que esta
descoberta não é espontânea ou programada geneticamente, mas marcada pela
educação sexual a qual o sujeito foi e continua sendo submetido.
Freud (1908) aborda a questão deste período tão delicado na vida do ser
humano, pois explica que as questões edípicas são reformuladas cabendo ou não
alguma ratificação. Por este viés, pode-se pensar que os adolescentes retomam as
questões edípicas e suas definições quanto à sexualidade e à posição fálica. Há
redefinição dos papéis dos pais e colocação do próprio modo de satisfação.
Segundo Roudinesco (2004) as mudanças culturais na estrutura familiar e a
liberdade sexual mudaram em muitos pontos a forma de estruturação da
sexualidade, principalmente no que se refere à mulher. De modo que os apelos à
maternidade e à família perderam espaço para o incentivo ao crescimento
profissional e à manutenção de padrões estéticos rigorosos e de consumo. No
ambiente privado, muitas meninas crescem com o modelo paterno e materno
bastante diferente do encontrado na obra freudiana, ou mesmo com a ausência
destes modelos.
Freud (1905, 1920) considera que a bissexualidade é própria do ser humano
e a escolha de objeto sexual, que determinaria o gênero, se trata apenas de uma
tendência e não de escolha fechada. Ou seja, mesmo nos heterossexuais é possível
identificar o processo de bissexualidade que foi moldado no convívio com as normas
e condutas sociais e familiares no caminho a uma possível definição de gênero. Ele
considera as determinações biológicas, fisiológicas em conjunto com as influencias
sociais principalmente vivenciadas nas relações edípicas.
De acordo com Butler (2003) na psicanálise, a bissexualidade e a
homossexualidade são predisposições libidinais primárias e a heterossexualidade é
uma construção laboriosa que se baseia em recalcamento gradual. Neste sentido,
esta autora desenvolve estudos sobre os limites discursivos do sexo e da
reformulação da materialidade dos corpos, além de desenvolver o conceito de
abjeto, em que descreve uma verdadeira oposição a objeto, ou seja, uma posição
anterior à formação do eu e do psiquismo. Relaciona, portanto, a indiferenciação
entre os sexos com uma abjeção. Neste ponto sua teoria é muito semelhante ao que
Birman (2001) afirmou sobre a feminilidade originária.
O ser humano desenvolve sua sexualidade de formas diferentes conforme
sua interação com o outro, com a sociedade e cultura que está inserido. Gay (1999a,
1999b) descreve que na época de Freud havia um clima contraditório de liberdade e
repressão, isso explica a aparição de tantos casos de histeria. Atualmente, pode-se
afirmar que a cultura ocidental passou por fortes transformações em relação à
sexualidade e à instituição familiar. Os modelos familiares se configuram de forma
bem diferenciada e isso não é, por si só, ponto problemático. Mas, a questão se
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torna mais séria quando Freud associa a repressão da sexualidade e a normatização
da satisfação com a estruturação das neuroses, o que para Lacan (1999) é
delimitado pela inscrição do Nome-do-pai no fenômeno edípico.
As contribuições de Foucault para a análise da sexualidade
Historicamente, a psicologia participou como produtora de verdades e de
julgamentos quanto à moralidade. Muitas teorias psicológicas participaram de um
movimento normatizador, que Foucault (2001) classifica como regulador,
especialmente quando se ligaram ao projeto higienista tendo como base o discurso
da saúde e do bem-estar. Segundo este autor, a psicanálise foi uma destas teorias
que contribuiu com a configuração da família burguesa como um modelo que
proporcionava o bom desenvolvimento do sujeito, pois forneceria figuras de
identificação femininas e masculinas para suas crianças. Segundo Birman (2001) a
psicanálise não pode ser considerada um corpo teórico homogêneo que colaborou
para o estabelecimento de um bio-poder, já que Freud também pôde se livrar de
amarras importantes de seu tempo. Este pesquisador acredita que Freud foi
inovador e permitiu que as mulheres se libertassem de amarras sociais fortemente
estabelecidas na época ao afirmar que as histéricas respondiam corporalmente à
repressão sexual e à derrocada de seu sujeito psíquico.
As mudanças na estrutura familiar e o papel do psicólogo
Nos dias de hoje, os profissionais da psicologia têm sido convocados a se
manifestar quanto às mudanças na estruturação familiar, pois as crianças têm sido
criadas por: apenas um genitor, um avô, homoafetivos etc.
Neste sentido é importante lembrar que, se Freud esteve muito ligado ao
modelo familiar de sua época, autores pós-freudianos ampliaram suas análises e
definiram o conceito de função paterna e função materna. Estes estudos podem ser
encontrados em autores consagrados como: Klein (1981), Winnicott (1980), Lacan
(1999) e Dolto (1996). Quando se fala em função paterna e função materna a figura
material da mãe não é essencial, mas sim alguém que realiza sua função. Esta
teoria tranquiliza famílias que não contam com os dois genitores.
Outro fenômeno importante, quando se fala em família, é o complexo de
Édipo. O seu estabelecimento é considerado estruturante e norteador da formação
de um sujeito psíquico, pautado na diferenciação entre os sexos. Lacan (1999)
destaca a importância do referencial fálico para a constituição do sujeito. Não é sem
motivos que justamente psicanalistas franceses manifestam questionamentos sobre
a liberdade sexual na medida em que esta liberdade coloca em risco o
estabelecimento da diferenciação entre masculino e feminino (BRANDÃO, 2010).
À luz de manifestações da sexualidade e das alianças conjugais e familiares
contemporâneas, existe uma forte tendência de psicanalistas que no debate
público se apóiam no Édipo como condição fundante da subjetividade
humana e terminam por situá-lo enquanto contraponto à barbárie
(BRANDÂO, 2010, p. 17)
Na França, estas questões foram acirradas pelo Pacto Civil de Solidariedade
(PACS) em 1999, que reconhecia os direitos dos homossexuais ao casamento, à
adoção e à procriação. Neste momento, muitos psicanalistas posicionaram-se como
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contrários a esta medida e até mesmo previram um futuro apocalíptico para as
futuras gerações que cresceram no meio de tanta liberdade sexual (BRANDÃO,
2010). Como a medida afrontava os pilares da família nuclear e heterossexual houve
resistência (ROUDINESCO, 2003). Autores como Legendrem, Moulin-Lemerle e
Jean-Jacques Rassial mostram-se plenamente contrários a tamanha transformação
na estruturação familiar vivida e autorizada legalmente em nossos tempos.
O que significam esses grandes defensores da família e da filiação em que
se tornaram os homossexuais? Isto é ligado à pós modernidade no sentido
de que a diferença sexual não é mais uma diferença essencial, não é mais o
que nos organiza. ... consegue-se pensar o gozo do outro e é uma maneira
notável de economizar a castração. Economiza-se o risco e também a
beleza da castração, ou seja, a diferença sexual – uma vez que a castração
afeta os dois sexos (RASSIAL, J. apud BRANDÃO 2010, p. 22)
Para Arán (2003) o assunto não é simples, pois envolve a mudança de uma
organização social. Quando todo tipo de sexualidade e de configuração familiar é
aceita, os gêneros feminino e masculino deixam de ser ponto universal. Se gênero é
um efeito performático de subjetivação ou uma produção de subjetividade, é
possível observar que os corpos nunca obedecem completamente às normas pelas
quais sua materialidade é fabricada. A familiar nuclear burguesa tinha como
referencial o casal parental e oferecia a seus filhos referenciais maternos (femininos)
e paternos (masculinos).
Outra formação bastante recorrente é a de casais que se separam e que os
filhos passam a ser criadas por apenas um dos genitores: são as chamadas famílias
monoparentais. Dolto (1989) pesquisou sobre o desenvolvimento das crianças e as
relações para com seus pais quando separados. Analisou respostas defensivas que
a criança desenvolve para conviver com as situações de visitas e adaptação da
rotina. Também comenta que a guarda compartilhada proporciona a manutenção
dos laços familiares e de seus referencias de gênero. Ressaltou como o complexo
de Édipo interrompido por uma separação pode gerar sentimentos de culpa nas
crianças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das leituras realizadas é possível constatar que as alterações nos
modelos familiares e nos papéis sociais femininos e masculinos são muitas. Muitas
vezes se têm a sensação de que a própria diferença entre os sexos está cada vez
mais tênue, tornando difícil separar suas funções. Pensando na liberdade sexual e
na igualdade de direitos, homens e mulheres caminham para uma sociedade sem
gêneros. Esta perspectiva amplia os horizontes da humanidade e ameniza
preconceitos fortemente estabelecidos até os dias de hoje. Tantas alterações
provocam receios em muitos teóricos da psicanálise. Verificou-se quais argumentos
são utilizados para temer que a indiferenciação de gênero possa alterar a
constituição do psiquismo. Porém os profissionais que trabalham com esta teoria
mostram-se dispostos a compreender estes novos fenômenos sociais que refletem o
anseio por uma civilização menos estratificada.
Ser homem e ser mulher era uma questão do século passado, atualmente
vivemos com uma multiplicidade de gêneros e possibilidades de vivência do prazer
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sexual. As crianças que estão nascendo neste mundo atual convivem com esta
realidade todos os dias. O fato é que por mais que a ciência psicológica nos dê
informações e parâmetros para avaliar a situação, é impossível prever plenamente
quais influências estas mudanças sociais irão gerar. Portanto, pensamentos
catastróficos de que uma sociedade sem diferenças de gênero levará a um maior
número de pessoas com estruturação perversa ou psicótica; não podem ser
simplesmente apoiados sem maiores questionamentos. Por outro lado, imaginar que
estas alterações em nada vão afetar a humanidade é, da mesma forma, um
raciocínio ingênuo.
A igualdade entre as pessoas como princípio ético é defendida pela
psicanálise desde sua ênfase na responsabilização do sujeito e na liberdade de suas
escolhas. Mas um ponto que sempre foi ressaltado, desde Freud, é que não se deve
negar as diferenças pessoais, as falhas e a castração como algo intrínseco ao ser
humano.
Pensar numa sociedade andrógena, portanto, significa igualdade, talvez até
mesmo evolução; mas a diferença anatômica entre os sexos é patente, real. O fato é
que até mesmo este “pilar” da teoria freudiana está sendo superado também no real,
por meio das cirurgias de transformação de sexo. Ser menino ou ser menina nunca
foi algo pré-determinado. A psicanálise foi uma das primeiras teorias a respeitar e
debater este fato, mas a despolarização dos gêneros, com a criação de uma gama
infindável entre o masculino e o feminino, também não elimina o fato biológico do ser
humano (possuir dois sexos) dentro de uma cadeia evolutiva de milhões de anos.
Neste breve artigo é possível ao menos concluir que não se tem certeza do
futuro, e que estudar a contemporaneidade é sempre uma tarefa que pode levar a
equívocos. Mesmo assim, o assunto convoca os estudiosos da mente à pesquisar.
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