III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 GÊNERO E NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES Mariana Rosa Cavalli Domingues [email protected] UNISALESIANO – Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium de Lins Taciano Luiz Coimbra Domingues [email protected] UNESP – Universidade Estadual de São Paulo RESUMO Este artigo é fruto de pesquisa bibliográfica sobre as formações de gênero nas novas configurações familiares e suas conseqüências psíquicas. A teoria psicanalítica tem influenciado os posicionamentos de psicólogos sobre o tema. Esta teoria tem como ponto central a experiência do Complexo de Édipo, marcada pela proibição do incesto e pela oferta de modelos de identificação de gênero masculino e feminino. Com as novas configurações familiares e a ampliação dos papéis femininos e masculinos uma nova área de pesquisa se faz necessária. Foram encontrados autores que mostram cautela e preocupações quanto à liberdade sexual sem reservas. Palavras-chave: Gênero; estruturação mental; Complexo de Édipo e sexualidade. INTRODUÇÃO O complexo de Édipo é um conceito central para a psicanálise na estruturação da escolha de gênero e do próprio psiquismo. Diante de tantas mudanças sociais e das novas configurações familiares, pode-se levantar um questionamento quanto à formação e à dissolução do complexo de Édipo na contemporaneidade, especificamente aquelas que cresceram em ambiente diferente da chamada família nuclear burguesa. Alguns autores da psicanálise de abordagem francesa mostraram-se receosos quanto ao destino pulsional e as inclinações de gênero na contemporaneidade, pois acreditam que mais do que liberdade de expressão estaríamos rompendo com pilares estruturais que anteriormente definiam a sociedade e o próprio psiquismo. Estas concepções parecem cercar-se de um ar conservador e até preconceituoso, mas estão embasadas nas concepções teóricas de que a dissolução do complexo de Édipo funda o chamado superego e dá início estruturação mais organizada da mente. Este processo está intimamente ligado a percepção e compreensão da diferença anatômica entre os sexos. Esta comparação biológica é inevitável e imutável, porém as significações que delas faremos é fortemente influenciada pelos valores sociais vigentes. Trata-se de tema polêmico, uma vez que a psicologia como área do saber e profissão tem se posicionado como defensora da liberdade sexual e de expressão das manifestações de corpo entrecortado pelo social. Assim é necessária séria 1/10 III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 reflexão sobre o tema de forma profunda e sem melindres, afinal o campo da ciência permite e cobra esta postura de seus atores. A teoria psicanalítica sempre privilegiou o papel feminino e masculino contidos num casal familiar. Mesmo quando teóricos permitem-se ampliar o domínio psicanalítico com os conceitos de função materna e função paterna, continuam mantendo um referencial sexual de gênero ligado a uma diferença anatômica. Com uma sociedade que passa por tantas transformações na instituição familiar é importante estudarmos a relevância das teorias psicanalíticas e possibilitar material consistente capaz do orientar a atuação de psicólogos inseridos em trabalhos com famílias. METODOLOGIA O discurso psicanalítico surgiu a partir da prática clínica de Freud. Suas publicações deram início a um intenso movimento a cerca de suas teorias e análises. O conhecimento psicanalítico causou certo constrangimento para alguns, encantamento para outros, e ao longo dos anos ganhou credibilidade e uma legião de seguidores por todo o mundo. No entanto, nas últimas décadas sofreu o impacto das teorias cognitivas e das saídas medicamentosas, perdeu profissionais e pacientes com pressa e as promessas de cura de outras áreas “psi” (ROUDINESCO, 2000) . Tantas mudanças em seu destino também afetaram a produção deste saber. Se antigamente os trabalhos psicanalíticos estavam vinculados necessariamente à Sociedade Brasileira de Psicanálise, observa-se que no âmbito acadêmico, o número de pesquisadores e de produção bibliográfica cresceu significativamente, assim como de cursos de profissionalização em psicanálise que estão se desenvolvendo em faculdades sem necessariamente estarem vinculados à formação tradicional (MEZAN, 2002). Desta forma, o presente artigo é fruto de pesquisa bibliográfica de abordagem psicanalítica. Nos estudos acadêmicos que utilizam a teoria psicanalítica encontram-se análises clínicas, mas também trabalhos que descrevem e analisam manifestações culturais e sociais. Segundo Rosa (2004) os grandes desafios da pesquisa psicanalítica encontram-se no fato de utilizar conceitos que nasceram na clínica e que não são facilmente transferidos para outros contextos. A segunda dificuldade encontra-se no fato de que nem todas as pessoas podem ser submetidas ao método psicanalítico. A autora acrescenta que o trabalho com o inconsciente é mais desafiador quando se tratam de relatos movidos por discurso consciente como em entrevistas. Mesmo assim, Rosa (2004) ressalta que o inconsciente pode manifestarse em pequenos atos cotidianos como foi descrito por Freud (1901) em “Psicopatologia da vida cotidiana”. Também se destaca que, apesar da utilização deste corpo teórico, os objetivos da pesquisa são diferentes, pois não buscam a cura e podem colaborar com a emergência de significados submersos que o objeto de estudo carrega consigo. Na pesquisa com método e referencial teórico psicanalítico, a interpretação nos coloca em contato com o pathos do observado, não no sentido de doença, mas de exposição de seu inconsciente, de seus desejos, de seus mecanismos de defesa. Nesse contato, aprendemos com a experiência e, na busca pela verdade, crescemos. (PAZIAN e MATTIOLI, 2007,p. 129-130) 2/10 III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 Segundo Pazian e Mattioli (2007), Hermann afirma que o método psicanalítico é essencialmente interpretativo e que permite análises que vão além de pesquisas baseadas em protocolos, questionários e dados quantitativos No caso do presente artigo, o objetivo proposto aborda uma questão que atinge o contexto social, que está permeado pelas crenças e pelas mudanças no comportamento sexual e familiar. Segundo Pimenta, Damasceno e Valente (2007) a pesquisa em psicanálise abordará as relações familiares e sua teia de processos inconscientes por meio dos relatos verbais. Foram realizadas pesquisas de artigos publicados na “Scientific Electronic Library Online” (Scielo) e na “Biblioteca Virtual da Saúde” (BVS) que tinham como palavras-chave: complexo de Édipo, família contemporânea, família nuclear, bissexualidade original, gênero e psicanálise, separação e Édipo. Os resultados desta busca evidenciam poucas publicações sobre o problema exposto neste projeto. Essa constatação reforça ainda mais a importância da realização desse estudo. RESULTADOS Desenvolvimento psicossexual na obra de Freud Quando se trata de gênero, a psicanálise relaciona concepções sociais e culturais com as determinações corporais e anatômicas. Para Freud (1905) o ser humano nasce com um quantun pulsional que vai erotizando o corpo do bebê dentro das fases (oral, anal e fálica). O autor estabelece com clareza que a sexualidade não está pré-definida, mas é marcada pelas vivências de cada um no contato com o Outro. Por isso defende a idéia de que qualquer ser humano pode desenvolver uma sexualidade feminina ou masculina independente de sua constituição biológica. Desta forma surge a concepção de que todo ser humano em sua origem é bissexual. Em 1932 Freud busca compreender como a mulher se forma, dentro dos parâmetros de sua época, já que nasceu dotada de disposição bissexual, assim como os homens. Freud considera que esta constituição inclui diversos conflitos e que existem pontos decisivos que se mostram completos antes da puberdade. Na obra freudiana, a feminilidade é conceituada como um fenômeno que diz respeito à mulher e ao homem, pois revela sua conexão com a castração e o obscuro (FREUD, 1937). Porém, a feminilidade também tem sido relacionada àquilo que temos de criativo e inovador, como se da ausência, característica da castração, fosse possível o surgimento de algo novo (BIRMAN, 2001). A castração, portanto, torna-se tema central nos debates psicanalíticos e é desenvolvido plenamente no texto “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (FREUD, 1925). Este conceito surge da percepção da criança diante da compreensão dos genitais. Tanto o menino quanto a menina passam por um período de sua vida, a fase fálica, em que investigam as diferenças entre os sexos e buscam entender o que é ser menino e ser menina. É neste período que fazem algumas ligações entre as percepções visuais do sexo e a compreensão dos papéis de cada um: homem ou mulher... Segundo Freud os meninos sentem-se vangloriados por possuir um pênis e deduzem que todas as pessoas também o têm. As meninas ao conhecer o genital masculino podem acreditar que um dia também desenvolverão o órgão ou que alguém o tomou. A idéia de que algo falta às meninas, ou que foram roubadas é a base da sensação de 3/10 III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 castração, que também afetará o sexo masculino pelo viés do medo de perder. A verdadeira compreensão da sexualidade e dos próprios genitais femininos só ocorrerá posteriormente, na adolescência. O assunto ganha força quando Freud pesquisa a feminilidade nos textos: “Conferência XXXIII” (1931), intitulada “Feminilidade” (1932). Nestes, escreve sobre as peculiaridades do desenvolvimento libidinal nas meninas, incluindo uma versão específica do complexo de Édipo para elas. Sobre este assunto, descreve que as meninas, tais como os meninos, possuem uma primeira fase de postura ativa e fálica. O que deve ser frustrado e superado por uma posição mais passiva de aceitação da castração física, do deslizamento do falo/pênis para o bebê/falo. E afirma que o primeiro objeto de desejo das meninas não é o pai, mas, a mãe. A passagem para o pai só ocorre com o complexo de Édipo propriamente dito, iniciado pelo complexo de castração. Ocorre que as mulheres passariam por um período préedípico muito importante e revelador. Este período é marcado pelos sentimentos amorosos da menina para com sua mãe – tal como o menino. A genitora ficaria num lugar de objeto de desejo da criança. Com o início do complexo de castração, marcado pela frustração com a figura feminina castrada, também começa o complexo de Édipo, no qual o pai é colocado como objeto de desejo. A mãe passa a ser um tipo muito especial de rival, pois nunca a menina deixa completamente de investir-lhe libidinalmente. Além disso, Freud (1931, 1932) afirma que a forma com que as mulheres lentamente finalizam o complexo de Édipo, marca sua posição sexual e seu posicionamento para com a vida. Desta forma, define as seguintes saídas edípicas: a) inibição da sexualidade ou neurose, b) modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinização e c) feminilidade normal. Outro aspecto polêmico é a colocação de Freud (1932) no final da “Conferência XXXIII”, na qual ele descreve as mulheres como débeis em relação aos interesses sociais e com menor capacidade de sublimar os instintos, o que já havia dito anteriormente em “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (FREUD, 1925), “Sexualidade Feminina” (FREUD, 1931) e até em “Mal-estar na civilização” (FREUD, 1930). Isto está relacionado ao fato das mulheres nunca abandonarem completamente o complexo de Édipo, mas desistirem de seu intuito de forma gradual. A passagem deste período pelos meninos (FREUD, 1905) é vivenciada com bastante angústia, mas as transformações são menores, pois não é necessário alterar seu primeiro objeto de desejo: a mãe. O apego desenvolvido por ela ao longo dos cuidados iniciais é muito forte e gera no menino um amor genuíno que também se torna erotizado neste período em que descobre os genitais. Isso ocorre por volta dos 3 aos 5 anos de idade. Com o tempo o garoto entende que a mãe não pode ser alvo de seus impulsos libidinais e vivencia a importante proibição do incesto. Neste ponto a figura paterna é essencial, serve como referencial de masculinidade e colabora na interdição do corpo da mãe. Geralmente a relação com o pai reveste-se de caráter ambíguo, pois o menino além de admiração e modelo a ser almejado, o pai também é tido como um rival que possui a mãe. Todo este processo tem o nome de Complexo de Édipo, pois realmente envolve uma série de detalhes e marca definições psíquicas importantes (FREUD, 1924) tais como: o superego, com suas normas morais e valores sociais; e o ideal de ego, que define concepções de gênero e ideais a serem perseguidos pela vida a fora. O fato é que estas estruturas são fundamentais para a formação organizada do sujeito neurótico. Alguns pesquisadores de abordagem lacaniana chegam a falar da 4/10 III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 importância da diferenciação dos sexos na estruturação da personalidade e da diferenciação do sujeito neurótico e psicótico (CABAS, 1988). Da bissexualidade original a escolha de gênero em Freud Pensando na clínica dos nossos dias, no trabalho psicanalítico e psicológico com crianças e adolescentes, é possível perceber como as definições de gênero passaram por transformações. O rigor do papel feminino como o descrito em Freud não ocorre mais. A bissexualidade originária parece não encontrar entraves que definam o destino libidinal de forma resoluta. Na adolescência, com a explosão da sexualidade, os adolescentes buscam o prazer sexual. Freud (1908) afirma que esta descoberta não é espontânea ou programada geneticamente, mas marcada pela educação sexual a qual o sujeito foi e continua sendo submetido. Freud (1908) aborda a questão deste período tão delicado na vida do ser humano, pois explica que as questões edípicas são reformuladas cabendo ou não alguma ratificação. Por este viés, pode-se pensar que os adolescentes retomam as questões edípicas e suas definições quanto à sexualidade e à posição fálica. Há redefinição dos papéis dos pais e colocação do próprio modo de satisfação. Segundo Roudinesco (2004) as mudanças culturais na estrutura familiar e a liberdade sexual mudaram em muitos pontos a forma de estruturação da sexualidade, principalmente no que se refere à mulher. De modo que os apelos à maternidade e à família perderam espaço para o incentivo ao crescimento profissional e à manutenção de padrões estéticos rigorosos e de consumo. No ambiente privado, muitas meninas crescem com o modelo paterno e materno bastante diferente do encontrado na obra freudiana, ou mesmo com a ausência destes modelos. Freud (1905, 1920) considera que a bissexualidade é própria do ser humano e a escolha de objeto sexual, que determinaria o gênero, se trata apenas de uma tendência e não de escolha fechada. Ou seja, mesmo nos heterossexuais é possível identificar o processo de bissexualidade que foi moldado no convívio com as normas e condutas sociais e familiares no caminho a uma possível definição de gênero. Ele considera as determinações biológicas, fisiológicas em conjunto com as influencias sociais principalmente vivenciadas nas relações edípicas. De acordo com Butler (2003) na psicanálise, a bissexualidade e a homossexualidade são predisposições libidinais primárias e a heterossexualidade é uma construção laboriosa que se baseia em recalcamento gradual. Neste sentido, esta autora desenvolve estudos sobre os limites discursivos do sexo e da reformulação da materialidade dos corpos, além de desenvolver o conceito de abjeto, em que descreve uma verdadeira oposição a objeto, ou seja, uma posição anterior à formação do eu e do psiquismo. Relaciona, portanto, a indiferenciação entre os sexos com uma abjeção. Neste ponto sua teoria é muito semelhante ao que Birman (2001) afirmou sobre a feminilidade originária. O ser humano desenvolve sua sexualidade de formas diferentes conforme sua interação com o outro, com a sociedade e cultura que está inserido. Gay (1999a, 1999b) descreve que na época de Freud havia um clima contraditório de liberdade e repressão, isso explica a aparição de tantos casos de histeria. Atualmente, pode-se afirmar que a cultura ocidental passou por fortes transformações em relação à sexualidade e à instituição familiar. Os modelos familiares se configuram de forma bem diferenciada e isso não é, por si só, ponto problemático. Mas, a questão se 5/10 III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 torna mais séria quando Freud associa a repressão da sexualidade e a normatização da satisfação com a estruturação das neuroses, o que para Lacan (1999) é delimitado pela inscrição do Nome-do-pai no fenômeno edípico. As contribuições de Foucault para a análise da sexualidade Historicamente, a psicologia participou como produtora de verdades e de julgamentos quanto à moralidade. Muitas teorias psicológicas participaram de um movimento normatizador, que Foucault (2001) classifica como regulador, especialmente quando se ligaram ao projeto higienista tendo como base o discurso da saúde e do bem-estar. Segundo este autor, a psicanálise foi uma destas teorias que contribuiu com a configuração da família burguesa como um modelo que proporcionava o bom desenvolvimento do sujeito, pois forneceria figuras de identificação femininas e masculinas para suas crianças. Segundo Birman (2001) a psicanálise não pode ser considerada um corpo teórico homogêneo que colaborou para o estabelecimento de um bio-poder, já que Freud também pôde se livrar de amarras importantes de seu tempo. Este pesquisador acredita que Freud foi inovador e permitiu que as mulheres se libertassem de amarras sociais fortemente estabelecidas na época ao afirmar que as histéricas respondiam corporalmente à repressão sexual e à derrocada de seu sujeito psíquico. As mudanças na estrutura familiar e o papel do psicólogo Nos dias de hoje, os profissionais da psicologia têm sido convocados a se manifestar quanto às mudanças na estruturação familiar, pois as crianças têm sido criadas por: apenas um genitor, um avô, homoafetivos etc. Neste sentido é importante lembrar que, se Freud esteve muito ligado ao modelo familiar de sua época, autores pós-freudianos ampliaram suas análises e definiram o conceito de função paterna e função materna. Estes estudos podem ser encontrados em autores consagrados como: Klein (1981), Winnicott (1980), Lacan (1999) e Dolto (1996). Quando se fala em função paterna e função materna a figura material da mãe não é essencial, mas sim alguém que realiza sua função. Esta teoria tranquiliza famílias que não contam com os dois genitores. Outro fenômeno importante, quando se fala em família, é o complexo de Édipo. O seu estabelecimento é considerado estruturante e norteador da formação de um sujeito psíquico, pautado na diferenciação entre os sexos. Lacan (1999) destaca a importância do referencial fálico para a constituição do sujeito. Não é sem motivos que justamente psicanalistas franceses manifestam questionamentos sobre a liberdade sexual na medida em que esta liberdade coloca em risco o estabelecimento da diferenciação entre masculino e feminino (BRANDÃO, 2010). À luz de manifestações da sexualidade e das alianças conjugais e familiares contemporâneas, existe uma forte tendência de psicanalistas que no debate público se apóiam no Édipo como condição fundante da subjetividade humana e terminam por situá-lo enquanto contraponto à barbárie (BRANDÂO, 2010, p. 17) Na França, estas questões foram acirradas pelo Pacto Civil de Solidariedade (PACS) em 1999, que reconhecia os direitos dos homossexuais ao casamento, à adoção e à procriação. Neste momento, muitos psicanalistas posicionaram-se como 6/10 III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 contrários a esta medida e até mesmo previram um futuro apocalíptico para as futuras gerações que cresceram no meio de tanta liberdade sexual (BRANDÃO, 2010). Como a medida afrontava os pilares da família nuclear e heterossexual houve resistência (ROUDINESCO, 2003). Autores como Legendrem, Moulin-Lemerle e Jean-Jacques Rassial mostram-se plenamente contrários a tamanha transformação na estruturação familiar vivida e autorizada legalmente em nossos tempos. O que significam esses grandes defensores da família e da filiação em que se tornaram os homossexuais? Isto é ligado à pós modernidade no sentido de que a diferença sexual não é mais uma diferença essencial, não é mais o que nos organiza. ... consegue-se pensar o gozo do outro e é uma maneira notável de economizar a castração. Economiza-se o risco e também a beleza da castração, ou seja, a diferença sexual – uma vez que a castração afeta os dois sexos (RASSIAL, J. apud BRANDÃO 2010, p. 22) Para Arán (2003) o assunto não é simples, pois envolve a mudança de uma organização social. Quando todo tipo de sexualidade e de configuração familiar é aceita, os gêneros feminino e masculino deixam de ser ponto universal. Se gênero é um efeito performático de subjetivação ou uma produção de subjetividade, é possível observar que os corpos nunca obedecem completamente às normas pelas quais sua materialidade é fabricada. A familiar nuclear burguesa tinha como referencial o casal parental e oferecia a seus filhos referenciais maternos (femininos) e paternos (masculinos). Outra formação bastante recorrente é a de casais que se separam e que os filhos passam a ser criadas por apenas um dos genitores: são as chamadas famílias monoparentais. Dolto (1989) pesquisou sobre o desenvolvimento das crianças e as relações para com seus pais quando separados. Analisou respostas defensivas que a criança desenvolve para conviver com as situações de visitas e adaptação da rotina. Também comenta que a guarda compartilhada proporciona a manutenção dos laços familiares e de seus referencias de gênero. Ressaltou como o complexo de Édipo interrompido por uma separação pode gerar sentimentos de culpa nas crianças. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das leituras realizadas é possível constatar que as alterações nos modelos familiares e nos papéis sociais femininos e masculinos são muitas. Muitas vezes se têm a sensação de que a própria diferença entre os sexos está cada vez mais tênue, tornando difícil separar suas funções. Pensando na liberdade sexual e na igualdade de direitos, homens e mulheres caminham para uma sociedade sem gêneros. Esta perspectiva amplia os horizontes da humanidade e ameniza preconceitos fortemente estabelecidos até os dias de hoje. Tantas alterações provocam receios em muitos teóricos da psicanálise. Verificou-se quais argumentos são utilizados para temer que a indiferenciação de gênero possa alterar a constituição do psiquismo. Porém os profissionais que trabalham com esta teoria mostram-se dispostos a compreender estes novos fenômenos sociais que refletem o anseio por uma civilização menos estratificada. Ser homem e ser mulher era uma questão do século passado, atualmente vivemos com uma multiplicidade de gêneros e possibilidades de vivência do prazer 7/10 III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores Lins, 17 – 21 de outubro de 2011 sexual. As crianças que estão nascendo neste mundo atual convivem com esta realidade todos os dias. O fato é que por mais que a ciência psicológica nos dê informações e parâmetros para avaliar a situação, é impossível prever plenamente quais influências estas mudanças sociais irão gerar. Portanto, pensamentos catastróficos de que uma sociedade sem diferenças de gênero levará a um maior número de pessoas com estruturação perversa ou psicótica; não podem ser simplesmente apoiados sem maiores questionamentos. Por outro lado, imaginar que estas alterações em nada vão afetar a humanidade é, da mesma forma, um raciocínio ingênuo. A igualdade entre as pessoas como princípio ético é defendida pela psicanálise desde sua ênfase na responsabilização do sujeito e na liberdade de suas escolhas. Mas um ponto que sempre foi ressaltado, desde Freud, é que não se deve negar as diferenças pessoais, as falhas e a castração como algo intrínseco ao ser humano. Pensar numa sociedade andrógena, portanto, significa igualdade, talvez até mesmo evolução; mas a diferença anatômica entre os sexos é patente, real. O fato é que até mesmo este “pilar” da teoria freudiana está sendo superado também no real, por meio das cirurgias de transformação de sexo. Ser menino ou ser menina nunca foi algo pré-determinado. A psicanálise foi uma das primeiras teorias a respeitar e debater este fato, mas a despolarização dos gêneros, com a criação de uma gama infindável entre o masculino e o feminino, também não elimina o fato biológico do ser humano (possuir dois sexos) dentro de uma cadeia evolutiva de milhões de anos. Neste breve artigo é possível ao menos concluir que não se tem certeza do futuro, e que estudar a contemporaneidade é sempre uma tarefa que pode levar a equívocos. Mesmo assim, o assunto convoca os estudiosos da mente à pesquisar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARÁN, M. A sexualidade feminina e a crise da idéia de identidade. In Alter. 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