APRENDIZAGEM DO SOM: DESENVOLVENDO HABILIDADES AUDITIVAS EM DEFICIÊNTES MENTAIS Reginalva Juscelina da Luz Corrêa 1 RESUMO: Este projeto se desenvolveu em uma escola de educação especial de Maringá no primeiro semestre do ano letivo de 2008, que buscou através da concretização de atividades sonoras, melhorar a percepção auditiva de deficientes mentais com grave comprometimento. Fundamentada nas teorias de desenvolvimento de Piaget e sonora de Wuensche descrevemos uma forma de aprendizagem do som que visa à exploração de objetos e instrumentos musicais de uma maneira concreta. Dar significado aos sons e relacioná-lo com o real possibilita a formação de imagens mentais que levam o individuo a entender o som e o seu significado. O projeto proporcionou aos alunos a exploração, classificação e discriminação sonora através de brincadeiras de forma livre e dirigida sendo utilizadas figuras de apoio. Tiveram também oportunidade de vivenciar experiências únicas como criar uma sonoridade a partir de um objeto simples desenvolvendo assim a criatividade e a iniciativa. Todas essas tarefas possibilitaram não somente a aprendizagem sonora em relação aos instrumentos musicais como também melhorou a percepção de mundo e a qualidade de vida desses indivíduos. Com a percepção auditiva aguçada começaram a entender alguns sons do cotidiano e relacioná-los com a ação que deveria executar. Isso levou os professores a utilizar a sonoridade como apoio para melhorar a compreensão dos alunos em relação as suas tarefas diárias. Palavras-Chave: deficiência mental; habilidades auditivas, aprendizagem do som INTRODUÇÃO Esta pesquisa está vinculada à área de deficiência mental, fonoaudiologia e música no que se refere à sonorização, onde se pretende produzir dados relevantes a respeito da aprendizagem da percepção sonora. Considerando que o individuo com deficiência mental possui características próprias necessitando estar em contato com atividades concretas para a aquisição de suas habilidades cognitivas e sendo a percepção a primeira fase da aprendizagem, é possível desenvolver em indivíduos com deficiência mental a aquisição do conhecimento das características sonoras? Um parâmetro importante sobre a percepção do som e que ela se dá pela audição e que, portanto os indivíduos com ou sem deficiência mental ouvem os sons que lhe são transmitidos através das ondas sonoras que se propagam pelo ar, pela parede, pelo chão, pela água (SCHILICHTA, 2004). 1 e-mail: [email protected] Essa capacidade de ouvir possibilita a compreensão do mundo sonoro e segundo Borges e Hugnuinim (2006), é fundamental para o entendimento dos sons que nos rodeiam e suas funções como também compreender a fala e poder se comunicar. Ouvir é um processo complexo que se divide em três porções, orelha externa, orelha média e orelha interna. As duas primeiras são responsáveis em conduzir o som até o ouvido interno. Este último de acordo com Dangelo e Fantini (1995) é responsável pelo som. É no ouvido interno que os sons são transformados em impulsos elétricos que através das terminações nervosas são conduzidos até os centros auditivos localizados no tronco encefálico onde são definidas as características acústicas destes sons de acordo com a freqüência, intensidade e fonte sonora. É através do processo auditivo central (PAC) que o individuo lida com as discriminações sonoras, entendendo e analisando os sons e suas funções. Borges e Hugnuinim (2006) relatam que, todo esse processo de ouvir, interpretar e entender os sons são mecanismos que se aprende e de acordo com Siegler (1991) depende de suas experiências vividas. Portanto para conhecer um som basta ouvir, visualizar sua fonte sonora e perceber sua função. Todo som possui características próprias e é cheio de significados. Entender as características acústicas dos mais variados sons a nossa volta é a base para o desenvolvimento da percepção auditiva (BORGES e HUGNUINIM, 2006). Wuensche (1998) diz que para o aprendizado das características acústicas do som é necessário que se trabalhe um som de cada vez, iniciando a discriminação pelo timbre. O timbre está sempre ligado a um objeto, isso faz com que a atividade se torne concreta. O individuo mental é visto, na maioria das vezes, com acentuada dificuldade de aprendizagem, mas o seu desenvolvimento de acordo com SEESP (1997) depende da situação em que ele está envolvido, isto é, se é estimulado, se dispõe de um espaço propicio para a aprendizagem, se há modelo para imitação, se é motivado, entre tantos, e principalmente se as atividades condizem com o seu nível de maturação mental (SOUZA, MARTINS, MENDES, org., 2003). Todo individuo é capaz de aprender, tendo ou não deficiência e Fonseca, 1995, nos deixam clara essa idéia quando diz que é possível mudar a estrutura cognitiva do deficiente e que não há nem pode haver deficientes ineducáveis. A aprendizagem irá depender das intervenções do mediador perante o individuo, que nesse caso além das mediações existe a necessidade de atividades concretas, pois segundo Piaget (aput DOLLE, 1995) considera que a aprendizagem acontece quando o individuo está em conta to com o real (objetos e acontecimentos). Tocar, ver, sentir, cheirar, conhecer as características do objeto é parte fundamental que antecede a abstração e isso é imprescindível para a compreensão do processo da aprendizagem para o deficiente mental (BORGES, 1995). Conhecer o processo de aprendizagem do individuo com deficiência mental é fundamental para compreender a forma como ele aprende e assim poder diagnosticar causa possíveis da dificuldade de sua aprendizagem. Assim como também conhecer o nível de desenvolvimento em que ele se encontra para poder elaborar a proposta de trabalho de acordo com sua maturação mental. Por ser a percepção sonora fator importante para a classificação do som de acordo com suas qualidades, se faz necessário uma proposta educacional no campo da música que favoreça a aprendizagem sonora de acordo com as especificidades de cada individuo. Este projeto tem como objetivo descrever uma forma de atividade que favoreça o desenvolvimento de habilidades auditivas em deficientes mentais com acentuado grau de comprometimento, visando melhorar sua qualidade de vida. MATERIAL E MÉTODO Este projeto se desenvolveu em uma escola de educação especial de Maringá com onze alunos que apresentam acentuado grau de deficiência mental associados a outras características como conduta típica e microcefalia e que não possuem perda auditiva com idade entre doze e catorze anos. A aquisição do valor sonoro foi avaliada com base nas teorias de Piaget e Wuensche. Para aplicação do projeto foram utilizadas atividades de exploração, percepção, identificação e classificação dos sons, sendo usados para isso, objetos sonoros e instrumentos musicais. Inicialmente fizemos a revisão bibliográfica em duas bibliotecas da cidade de também na base de dados Google, por existir uma carência de material escrito sobre assunto. Em seguida foram escolhidos os sujeitos para fazerem parte do projeto, estes por sua vez possuem acentuado grau de comprometimento mental e não apresentam perda auditiva. O local para a realização do projeto foi a escola onde os indivíduos são atendidos. Após escolhidos os sujeitos fizemos uma analise das teorias do conhecimento e desenvolvimento de Piaget e do som de Wuensche para formular e seqüênciar a aplicabilidade das atividades sonoras. Depois de elaborada a proposta, a mesma foi desenvolvida na sala de música da escola de educação especial de Maringá com um grupo de onze adolescentes de doze a catorze anos em sessões de cinqüenta minutos semanais. A aplicante do projeto explicava de uma forma prática e concreta as atividades para em seguida realizar com o grupo. Quando necessário, foram feitas mediações para auxiliar os indivíduos no entendimento da execução da tarefa. O registro foi individual, após cada sessão contendo o avanço, a dificuldade, a mediação, a intervenção utilizada, a flexibilização e a aceitação e motivação do individuo ao executar a tarefa. Foram realizadas doze sessões organizadas em três partes. A primeira foi destinada à exploração e organização de acordo com o timbre. A segunda foi destinada à organização e classificação dos objetos de acordo com altura. A terceira e última foi destinada à organização e classificação de acordo com a intensidade. Depois de realizada a coletas de dados eles foram organizados e encaminhados para análise e discussão direcionando para a conclusão e redação final do projeto. Essa seqüência de atividades proporcionou aos indivíduos um desenvolvimento significativo na parte auditiva e cognitiva, pois à medida que foram entendendo, analisando e classificando os sons foram melhorando a compreensão de mundo. Começaram a tomar iniciativa e foram motivados a participar ativamente das aulas. Na primeira sessão já foi possível notar a diferença no entendimento dos indivíduos em relação ao que se pretendia realizar. Ao ser disponibilizado quatro latas pequenas, duas com pedrinhas e duas vazias, e sendo as mesmas sacudidas para produzir som e depois de todos terem explorado a professora pediu que fossem separadas somente as que produzissem som. Um dos alunos ficou surpreso ao ver que duas das latas não produziam som algum, ele ficou olhando, mexendo até que começou a tocar na lata com sua mão. Ao ouvir o som produzido ele olhou para o grupo e sorriu. Foi um momento de grande aprendizado tanto para os alunos como para a professora. A expectativa e as surpresas trazidas pelos objetos e instrumentos musicais que eles não conheciam foram motivadores da participação coletiva do grupo. Primeiro eles exploravam todos os instrumentos disponíveis e depois era colocado para tocar em CD o som de um desses instrumentos, eles deveriam mostrar então qual instrumento estava tocando. Essa atividade foi realizada utilizando os instrumentos tambor, pandeiro, chocalho, corneta, violão e teclado. Dois dos alunos com maior comprometimento mental tiveram dificuldade em realizar a tarefa, pois mesmo parecendo fácil, eles deveriam ouvir, discriminar o som e relacioná-lo com seu objeto (sua fonte sonora). Isso para quem já possui dificuldade de compreensão é uma tarefa de grande porte. Foi necessário então realizar algumas adaptações para eles. Colocamos o som do violão tocando no Cd e em seguida pegamos o violão e começamos a tocar, chamando a atenção dos alunos para ouvirem os sons, que eram iguais. Cada um dos alunos explorou os sons do violão ouvindo o Cd. Após a atividade foi colocado novamente o Cd e pedido aos alunos que pegassem o instrumento com o mesmo som para acompanhar a música. Dessa forma, explorando um instrumento de cada vez todos realizaram a tarefa com sucesso. Após conhecer o som que provem de cada instrumento explorado os alunos deverão classificar o som desses instrumentos de acordo com a altura. Como eles já estão familiarizados com o som dos instrumentos fica mais fácil perceber a diferença sonora de cada um. O grave foi associado a figura geométrica círculo cheia de bolinhas dentro, onde usamos a palavra cheio para determinarmos o som grave. Dessa maneira os alunos foram pouco a pouco estabelecendo relação com o som grave. Da mesma forma fizemos com o som agudo onde foi utilizada a figura geométrica retângulo estreito. Assim estabelecemos a relação de som agudo com a idéia de fino. Os instrumentos foram sendo explorado um de cada vez e sendo chamada a atenção para a qualidade do som como se fosse uma brincadeira a cada som agudo o aluno deveria ficar em pé e no som grave deveria agachar ou deitar no chão. Foi uma atividade bem divertida, sendo os alunos auxiliados no inicio depois fizeram sozinhos. Começaram a parti daqui a entender o significado de alguns sons do cotidiano, como por exemplo, o som da campainha que indica a hora do lanche. Alguns dos alunos ao ouvi-la soar se levantam e vão até a pia no intuito de lavar as mãos para irem lanchar. A professora regente dessa sala notou mudanças no comportamento de seus alunos, ela utiliza sons junto com as figuras para solicitar que o aluno realize determinada tarefa. Quando ela quer que o aluno vá ao banheiro ela mostra a figura do banheiro e faz o som chuá. Dessa forma os alunos estão melhorando a compreensão do mundo a sua volta, tendo uma melhor qualidade de vida. Trabalhar com a intensidade foi tarefa fácil. Depois de oito sessões estimulando a audição dos alunos eles se mostraram um pouco mais sensíveis na percepção da diferença sonora e sem muita dificuldade relacionaram os sons fortes e os sons fracos. Sendo necessário constantemente chamar a atenção dos alunos para a atividade, ou melhor, para o que se pretendia realizar. A maior dificuldade encontrada foi em relação a explicação da tarefa. Os alunos não possuíam nenhum problema auditivo, portanto tinham toda a possibilidade de compreensão e distinção dos sons. A deficiência intelectual é que dificultava a compreensão na hora de executar a tarefa por esse motivo houve a necessidade de concretizar as tarefas relacionando sempre o som com um objeto ou uma figura. Essa metodologia de ensino trouxe ótimos resultados, pois compreendendo o significado e as qualidades dos sons os alunos começam a ampliar os seus conhecimentos e estimular o raciocínio. CONCLUSÃO Entendemos que a compreensão parte de atividades em que o aluno entra em contato com o que é real e daí segue para a abstração. Ouvir um som a princípio é uma tarefa abstrata, mas a partir do momento em que damos a ele significado ele começa a se formar em torno de imagens mentais. Essas imagens mentais são possíveis de serem elaboradas à medida que forem aumentando as experiências vividas do individuo. A aprendizagem sonora e fundamental para o desenvolvimento intelectual de indivíduos com grave comprometimento mental. Pois e ouvindo que ele ira compreender o mundo a sua volta, já que ele não possui nenhum problema auditivo e vive em um mundo completamente sonoro. Cabe aos profissionais da área proporcionar atividades compatíveis a maturação mental do individuo fazendo as adaptações necessárias para que ocorra a aprendizagem significativa. Referências BORGES, M. L. X.: A Educação dos Deficientes Mentais. Elementos para uma psicopedagogia. Livraria Francisco Alves. Editora S>A. Rio de Janeiro. R. J. 1975. BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Deficiência Mental/ organizado por Erenice Natalia Soares Carvalho – Brasília: SEESP, 1997. DANGELO, J.G.; FATTINI, C.A. Anatomia humana básica. São Paulo: Atheneu, 1995. DI NINNO, C. Q M. S. et al. O conhecimento de profissionais da área da saúde sobre a fissura labiopalatina. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. V. 9, n.2, 2004. DOLLE, J. M. Essas crianças que não aprendem: diagnósticos e terapias cognitivas/ Jean-Marie Dolle, Denis Bellano: tradução Cláudio João Paulo Saltini/ revisão conceitual Lia Leme Zaia, Sandra Maria Freire - Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. FONSECA, V. da: Educação Especial: Programa de Estimulação Precoce – Uma Introdução as Idéias de Feuerstein/ Vitor da Fonseca. 2 ed. Porto Alegre: Artes médicas, 1995. Schlichta, C. A. B. D. Artes visuais e música/ Consuelo Alcione Borba Duarte Schlichta e Isis Moura Tavares – Curitiba: Iesde, 2004. STEINER, L . Processamento auditivo central. Porto Alegre: Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica - CEFAC, 1999. SOUZA, M. H; MARTINS, MENDES, M. A. (org) Psicologia e desenvolvimento. Curitiba. IESDE, 2003.