- Aids.gov.br

Propaganda
17/1/2-S4
Editorial
UMA PUBLICAÇÃO DA Associação Médica
de Minas Gerais – AMMG • Conselho Regional
de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG •
Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda.
– Coopmed • Faculdade de Ciências Médicas
de Minas Gerais – FCMMG • Faculdade de
Medicina da UFMG – FM/UFMG • Federação
Nacional das Cooperativas Médicas – Fencom
• Secretaria de Estado da Saúde de Minas
Gerais – SES/MG • Secretaria Municipal de
Saúde de Belo Horizonte – SMSa/BH •
Sindicato dos Médicos do Estado de Minas
Gerais – Sinmed-MG • Unimed-BH Cooperativa
de Trabalho Médico Ltda – Unimed-BH.
Diretoria Executiva do Conselho Gestor
Francisco José Penna - Presidente •
Helton Freitas - Diretor Financeiro •
Helvécio Miranda Magalhães Júnior - Diretor
de Relações Institucionais
Conselho Gestor
Amélia Maria Fernandes Pessôa (Sinmed-MG) •
Ciro José Buldrini Filogônio (Fencom) •
Cláudio de Souza (CRM-MG) • Epotamênides
Maria Good God (AMMG) • Francisco José
Penna (FM/UFMG) • Helton Freitas (UNIMEDBH) • Helvécio Miranda Magalhães Júnior
(SMSa-BH) • Ludércio Rocha de Oliveira
(FCMMG) • Nery Vital Cunha (SES/MG) •
Victor Hugo de Melo (Coopmed)
Editor Administrativo
Paulo Caramelli
Secretária
Suzana Maria de Moraes Miranda
Normalização Bibliográfica
Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite
Projeto gráfico: José Augusto Barros
Produção Editorial: Folium
Tiragem: 2.000 exemplares
Correspondências e artigos
Revista Médica de Minas Gerais
Faculdade de Medicina da UFMG
Av. Prof. Alfredo Balena, 190 – Sala 12.
30130-100 – Belo Horizonte. MG.Brasil
Telefone: (31) 3409-9796
Email: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S229 - S317
Com prazer apresentamos o terceiro número do Suplemento de Saúde
Coletiva da Revista Médica de Minas Gerais, justamente num momento em
que esta Revista passa por profundas reformulações decorrentes de investimentos integrados das mais diferentes instituições de Saúde do nosso meio,
formadoras e prestadoras de cuidados. Compartilhamos desse esforço e
nos colocamos a serviço dele. Esse é o tom desse novo número; com esse
espírito, procuramos ampliar a abrangência da Revista a partir da participação de mais autores vinculados a várias instituições, envolvendo diferentes
perfis metodológicos e diferentes áreas e objetos de conhecimento da Saúde
Coletiva.
Assim, o primeiro artigo desse número, intitulado Infância em Perigo, de
autoria de Faustina de Miranda e de Giovanno de Castro Iannotti, respectivamente, professora e doutorando da Universidade Nacional de Córdoba/
Argentina, aborda um tema atual e de relevância em todo o mundo, a violência contra crianças.
Em seguida, apresentamos quatro artigos de epidemiologia. O primeiro
intitulado Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção
às doenças sexualmente transmissíveis no contexto do Projeto Pessoas, de
Ana Paula Souto Melo, Francisco de Assis Acúrcio, Mariângela Leal Cherchiglia, Carolina Crosland Guimarães Veloso, Mark Drew Crosland Guimarães,
sendo a primeira e o último autor, respectivamente, doutoranda e professor
orientador do Programa de Pós-Graduação de Saúde Pública/FM/UFMG.
O segundo, intitulado Situação epidemiológica das meningites em Minas
Gerais, 1990-2006; incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico, de
Patrícia Passos Botelho, Maria da Conceição Juste Werneck Côrtes, Salete
Maria Novaes Diniz, Gilmar José Coelho Rodrigues, é fruto de parceria do
Departamento de Medicina Preventiva e Social com a Secretaria de Estado
de Saúde de Minas Gerais. O terceiro artigo, Registro Diário de Medicamentos:
adequado para medir adesão em estudos epidemiológicos? de Juliana Álvares;
Francisco A Acúrcio; Palmira de Fátima Bonolo; Mark D.C. Guimarães, traz
na sua autoria professores e profissionais do Departamento de Farmácia
Social da Faculdade de Farmácia da UFMG e do Departamento de Medicina
Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Por fim, o quarto
artigo: Condições de moradia e de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores do setor extrativista vegetal da região do
Vale do Aço, Minas Gerais, de Olívia Maria de Paula Alves Bezerra, Cláudia
Aparecida Marlière de Lima, Roney Luiz de Carvalho Nicollato, José Geraldo
Sabioni, todos professores da Universidade Federal de Ouro Preto.
Seguem-se dois artigos que são frutos de pesquisa qualitativa: Os cuidadores familiares de idosos: um olhar sobre as relações trabalho-saúde, de Márcia
Colamarco Ferreira Resende e Elizabeth Costa Dias, professoras da PUC
Minas e da UFMG, respectivamente; Homeopatia no SUS em Belo Horizonte:
um estudo de caso, de Thaís Corrêa de Novaes e Paulo Sérgio Carneiro Miranda, professores do Centro Universitário Newton
Paiva e da Universidade Federal de Minas Gerais, respectivamente.
Os próximos quatro artigos são de natureza predominantemente teórica. O primeiro, intitulado A morfologia urbana e
a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime, é de autoria de Maria Helena Rocha; José
Eustáquio Machado de Paiva; Maria de Lourdes Dolabela Luciano Pereira, respectivamente, doutoranda do Programa de
Pós-Graduação de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/FAFICH/UFMG e professores orientadores
da FAFICH/UFMG e da Faculdade de Arquitetura/UFMG. O segundo, A cultura homeopática de paz na saúde, tem como
autores Antonio Carlos Gonçalves da Cruz; Mônica Beier; Giovano de Castro Iannotti; Kerlane Ferreira da Costa Gouveia,
todos vinculados ao Instituto Mineiro de Homeopatia. Os outros dois, Absenteísmo no trabalho em saúde, de Geraldo Majela
Garcia Primo, Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro e Emília Sakurai, e Reflexões sobre a Intersetorialidade e sua relação com o
Programa Saúde da Família, de Ana Maria Ribeiro de Almeida e Elza Machado de Melo, envolvem mestrandos e respectivos
orientadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública/FM/UFMG.
Os relatos de caso são três. Reação adversa ao látex: relato de caso, de Andréa Maria Silveira, Ricardo José dos Reis,
Geraldo da Silva Avelar, trata de experiência do Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador-SAST/UFMG. Projeto Cathivar:
o desafio de enfrentar a finitude humana, de Rosa Maria Quadros Nehmy; Sara Monteiro de Moraes; Thaís Costa Drumond,
relata a experiência de professors e alunos do Departamento de Medicina Preventiva e Social no Projeto Cathivar. Cefaléia
termossensível relacionada ao trabalho: relato de caso, de Claudia Vasques Chiavegatto; Ana Beatriz Araújo Neves; Marcela
Sousa Nascimento; Andréa Maria Silveira, retrata experiência na Residência de Medicina do Trabalho/HC/UFMG.
Por fim, um artigo de natureza histórica, O associativismo médico em Minas Gerais, de Regina Célia Nunes dos Santos e
Délcio da Fonseca Sobrinho, resultante de dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da
Faculdade de Medicina da UFMG, da primeira autora com a orientação do segundo.
Reiteramos, com o presente número, nosso compromisso com a produção de saúde de qualidade para toda nossa população e esperamos, com ele, contribuir com a formação e informação de profissionais que têm de levar a cabo, dia a dia,
esse objetivo.
A comissão editorial
Comissão Editorial deste número
Elza Machado de Melo – coordenação
Maria Conceição Juste Werneck Côrtes
Andréa Maria Silveira
Elizabeth Costa Dias
Rosa Maria Quadros Nehmy
Giovano de Castro Iannotti
17/1/2-S4
sumário
233 • Infância em perigo:
violência institucional
Childhood in danger: institutional violence
Faustina Dehatri Miranda,
Giovano de Castro Iannotti
240 • Avaliação de serviços de saúde mental:
assistência e prevenção
às doenças sexualmente transmissíveis no
contexto do Projeto
Pessoas
Evaluation of mental health
services: care and prevention
of sexually transmitted diseases within PESSOAS Project
context
Ana Paula Souto Melo,
Francisco de Assis Acúrcio,
Mariângela Leal Cherchiglia,
Carolina Crosland Guimarães
Veloso, Mark Drew Crosland
Guimarães
249 • Situação epidemiológica das meningites no
estado de Minas Gerais,
1990 a 2006: incidência,
etiologia, letalidade e
critério diagnóstico
Meningitis: epidemiological
features in Minas Gerais, Brazil,
1990-2006: incidence and case
fatality rates, diagnostic criteria
Patrícia Passos Botelho, Maria
da Conceição Juste Werneck
Côrtes, Salete Maria Novaes
Diniz, Gilmar José Coelho
Rodrigues
258 • Condições de
moradia, saneamento
básico e prevalência de
parasitoses intestinais
entre trabalhadores do
setor extrativista vegetal da região do Vale do
Aço, Minas Gerais
Housing and basic sanitation
conditions and prevalence of
intestinal parasite infection
among employees of extractive
sector of the Steel Vale Region,
Minas Gerais
Olívia Maria de Paula Alves
Bezerra; Cláudia Aparecida
Marlière de Lima; Roney Luiz
de Carvalho Nicollato; José
Geraldo Sabioni
265 • Registro diário de
medicamentos: adequado para medir adesão
em estudos epidemiológicos?
Drug Diary: is it suitable to
measure adherence in epidemiological studies?
Juliana Álvares; Francisco A
Acúrcio; Palmira de Fátima
Bonolo; Mark D C Guimarães
272 • A morfologia
urbana e a desorganização do espaço como
condição favorável à
exarcebação do crime
Falta título em inglês
@@@@@@@@@@@@@@
Maria Helena Rocha; José
Eustáquio Machado de Paiva;
Maria de Lourdes Dolabela
Luciano Pereira
281 • Homeopatia no
SUS em Belo Horizonte:
um estudo de caso
Homeopathy in the Public
Health System of Belo Hori-
zonte: a case study
Thaís Corrêa de Novaes; Paulo
Sérgio Carneiro Miranda
288 • Os cuidadores familiares de idosos: um
novo agente de saúde
no SUS: o olhar da saúde do trabalhador
317 • Reação adversa
ao látex: relato de caso
Adverse reaction to latex: a
case report
Andréa Maria Silveira; Ricardo
José dos Reis; Geraldo da Silva
Avelar
321 • Projeto Cativar: o
Caregivers of aging people
- a new health agent in the
national health system: a
workers`heatlh approach
desafio de enfrentar a
finitude humana
Márcia Colamarco Ferreira;
Resende, Elizabeth Costa Dias
Rosa Maria Quadros Nehmy;
Sara Monteiro de Moraes;
Thaís Costa Drumond
294• Absenteísmo no
trabalho em saúde:
fatores relacionados
Absenteeism at work in health:
related factors
Geraldo Majela Garcia Primo,
Tarcísio Márcio Magalhães
Pinheiro, Emília Sakurai
303 • A cultura homeopática de paz na saúde
The homeopathic culture of
peace in health
Antonio Carlos Gonçalves da
Cruz; Giovano de Castro Iannotti; Kerlane Ferreira da Costa
Gouveia; Mônica Beier
310 • Reflexões sobre a
intersetorialidade e sua
relação com o Programa
Saúde da Família
Intersectoriality and Family
Health Program Speech
Ana Maria Ribeiro de Almeida,
Elza Machado de Melo
Cathivar project: the challenge
if facing human finitude
327 • Cefaléia termossensível: relato de caso
relacionado ao trabalho
Climate-related migraine: occupational case report
Claudia Vasques Chiavegatto;
Ana Beatriz Araújo Neves; Marcela Sousa Nascimento; Andréa
Maria Silveira
3@@ • O associativismo
médico em Minas Gerais
@@@@@@@@@@@@@@@
Regina Célia Nunes dos
Santos; Délcio da Fonseca
Sobrinho
3@@ • Normas de
Publicação
ARTIGO ORIGINAL
Infância em perigo: violência institucional
Childhood in danger: institutional violence
Faustina Dehatri Miranda1; Giovano de Castro Iannotti2
Resumo
Partindo de uma perspectiva institucional, foram investigados fatores de risco e de
proteção para a ocorrência de maltrato infantil, que confluem no sistema educacional. A
amostra foi estratificada entre escolas públicas de educação infantil e de ensino básico,
selecionadas por lugar geográfico e por classe social predominante (média, média baixa
e baixa), de Córdoba, Argentina. O estudo descritivo correlacional associou vários instrumentos metodológicos: pesquisas, entrevistas, grupos focais, cartilhas de observação.
Não foi possível destacar fatores isolados de risco de violência, porque eles se sobrepõem e se inter-relacionam. Foram encontrados aspectos de violência social, institucional e entre pares, tanto real como simbólica, em função das várias situações de risco
das quais as crianças participam direta ou indiretamente e cujas conseqüências recaem
sobre elas. Tais violências se coacervam num jogo de violência social, institucional e
individual. Foram também encontradas, ainda que muito poucas, situações de proteção.
1
Médica, especialista em Psiquiatria.
Profesora Universitária – Cátedra de Medicina Preventiva
y Social
Facultad de Ciencias Médicas – Universidad Nacional de
Córdoba – Argentina
Membro do Núcleo de Promoção Saúde e Paz – Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil
Membro do Nucleo de Promoción Salud y Paz – Córdoba,
Argentina
2
Médico Homeopata
Doutorando – Universidad Nacional de Córdoba –
Argentina
Professor – Instituto Mineiro de Homeopatia – Brasil
Membro do Núcleo de Promoção Saúde e Paz – Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil
Palavras-chave: Maus-tratos infantis. Violência doméstica. Argentina.
Abstract
This work investigates factors of risk and protection related to the occurrences of child
abuse which concour to the educational system, viewed from an institutional perspective.
The sample has been stratified amongst public high and elementary schools in the city of
Cordoba, Argentina. The schools have been selected per geographic area, as well as per
its dominant social class of the pupils (being those middle class, lower middle class and
low). Many methodologies have been cross used in the descriptive and correlational study:
research, interviews, focal groups, observational studies. During the period of the work, it
was impossible to isolate the violence risk factors, being those risks perceived as inter-related
and superposed. Aspects of both social and institutional violence have been found, as well
as violence amongst peers (symbolic and real violence, as well), and it has been attributed
to the many possible risk situations experienced by the children, either direct or indirectly,
but whose consequences would befall them. Therefore, those many kinds of violence have
been perceived to accumulate in a sort of ‘game’, that mixes social, instutional and individual
violence. There has also been found, although in a smaller amount, situations of protection.
Key words: Child abuse. Domestic violence. Argentina.
INTRODUÇÃO
Instituição:
Cátedra de Medicina Preventiva y Social – Facultad de
Ciencias Médicas
Universidad Nacional de Córdoba - Argentina
O presente trabalho versa sobre parte dos resultados de uma pesquisa sobre violência infantil, consideradas crianças de zero a 10 anos, em uma perspectiva institucional.
Essa pesquisa é creditada à Cátedra de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Nacional de Córdoba, em uma articulação dos prin-
Correspondência:
Cátedra de Medicina Preventiva y Social, Facultad de
Ciencias Médicas, UNC
Pabellón Argentina, 1º Piso, Ciudad Universitaria, Las
Hayas S/N
Córdoba, República Argentina
[email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S233-S239
233
Infância em perigo: violência institucional
cípios da docência, extensão e pesquisa e foi realizada
no Distrito Capital da Província de Córdoba, Argentina.
O estudo descritivo correlacional teve como objetivo
pesquisar fatores de risco e fatores protetores relacionados à violência, bem como seus determinantes, significados e representações no marco da chamada “nova
questão social”1 que é enfrentada pela Argentina, a fim
de se conseguir um diagnóstico atualizado e adequado
do problema que sirva de base no momento de se elaborarem programas de prevenção ou avaliar diferentes
programas de intervenção e/ou prevenção.2-5
Um notável aumento da violência é percebido na
Argentina, há vários anos, seja essa violência real ou
simbólica, manifesta ou latente e se expressa tanto
como violência institucional como social.
As crianças têm um marco de proteção legal (Convenção Internacional dos Direitos da Criança, cujo correlato legal na Argentina é a Lei 26.061; e na Província
de Córdoba, a Lei 9.283) que lhes garante o direito à
vida, à saúde, à educação, aos bens culturais, à liberdade e às instituições. Entre outras, as “instituições educacionais” têm a responsabilidade de “velar por seus
direitos e garantir sua proteção integral”.6-8 Segundo
Bellamy9, “favorecer o desenvolvimento intelectual da
infância mediante um investimento eficiente em saúde, nutrição, educação e cuidados com os miúdos é
um imperativo moral e uma decisão econômica adequada: a pobreza na infância é insidiosa e imoral”. As
populações minoritárias e/ou marginalizadas, especialmente as crianças, carregam os efeitos mais profundos da indigência e o conseqüente aumento na taxa de
mortalidade. Na contramão da tendência mundial, que
é de queda dessa taxa, na Argentina a mortalidade infantil passou de 16,3 por mil em 2001 para 16,8 por mil
em 2002. Em Córdoba, em 2001, a mortalidade infantil
foi superior à média nacional, 16,8 por mil, caindo para
16,5 em 2002. A Directora General de Atención Médica
do Ministerio de Salud de la Provincia afirma que em
2001 morreram 32% das crianças de um a quatro anos
por traumatismos e outras causas acidentais¸ o que as
colocou em primeiro lugar; “são acidentes domésticos,
por descuido, negligência e outros tipos de maus-tratos”. Outro aspecto da violência social e do abandono por parte do Estado de suas funções precípuas é o
trabalho infantil, que entre 1997 e 2002 aumentou 26
pontos nos conglomerados urbanos entre os menores
de 15 anos, alcançando, segundo um informe, 31% do
total de 1.939.288 crianças.10
O último relatório da UNICEF assevera que na Argentina seis de cada 10 menores de 18 anos, ou seja,
234
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S233-S239
62,7% (3.689.588 crianças) encontram-se abaixo da linha de pobreza. Entre os indigentes, quase a metade
não recebe nenhum tipo de subsídio ou ajuda social
(isso significa que os programas sociais não chegam
a 48,9% dos mais pobres). Existe também mais “risco
educacional”, já que alta proporção de crianças de cinco anos não tem acesso à educação.11
É imprescindível questionar o vínculo da escola
com a realidade social complexa e conflituosa, na
qual se fazem presentes em cada espaço, em cada
âmbito: a imposição dos modelos neoliberais, o ceticismo com a perda de credibilidade nos poderes do
Estado e seus valores éticos e morais, a exclusão, a intolerância, a discriminação, o grande desemprego e o
subemprego, com lamentável deterioração dos indicadores de saúde e de educação, isolamento, ausência
de horizonte e de expectativas que levam à vulnerabilidade e à precariedade dos vínculos e das redes humanas. As violências se diversificam, alimentando-se
a si mesmas do medo, da incerteza, da desesperança
e, especialmente, da dissolução do vínculo social”.12
Todavia, pensar no fenômeno da violência nas escolas situando-as em seu contexto não implica afirmar
que se trata de um conflito de determinados atores ou
de determinadas classes sociais. A violência não é problema da pobreza; simplificar essas análises é um obstáculo para conseguir avançar na busca de ferramentas
que permitam trabalhar o problema.
Perspectivas e abordagens
O conceito de violência nesse contexto é complexo. Freqüentemente, refere-se às condutas
agressivas das crianças entre si ou dirigidas aos
professores e, sobretudo, à existência de condutas
caracterizadas como bullying.13-16 Alguns estudos
abordam o problema a partir do conceito de agressão17 e outros tentam um olhar mais social da violência do sistema reproduzida na instituição educacional.18,19 Existe vasta bibliografia sobre o assunto,
sendo um dos pioneiros o norueguês Dan Olweus
(1978 a 1993). Assim, algumas pesquisas incluem
abordagens a partir da ótica da violência familiar,
especificamente do maltrato infantil,20 outros da
situação das crianças maltratadas no âmbito escolar21 e há o enfoque dos efeitos dos maus-tratos
sobre a escolarização das vítimas, abordado por
diversos autores.22,23 Sem embargo, isso pode ser
reducionista, se é levada em consideração a com-
Infância em perigo: violência institucional
plexa situação que a Argentina atravessa tanto institucional como socialmente, como anteriormente
assertamos. Esses determinantes influenciam o aumento dos fatores de risco de desenvolvimento de
condutas inadequadas; além disso, o sistema educacional e a instituição escola, como reprodutores
do sistema social, apresentam problemas próprios
em sua estrutura e funcionamento.
O fito do presente estudo é o problema da violência na instituição educacional e o questionamento
dos múltiplos determinantes que influenciam sua
produção, abarcando as dimensões individuais,
familiares, institucionais, sociais, econômicas e
culturais, a fim de conseguir-se um primeiro olhar
ampliado na sua complexidade. Também é fundamental a aplicação de diferentes metodologias de
abordagem para produzir o conhecimento válido
e que abranja o fenômeno em toda a sua diversidade, renunciando à visão reducionista da situação.
MÉTODOS
A pesquisa é descritiva, de natureza quali-quantitativa24 e associa vários procedimentos metodológicos para a melhor abordagem de uma realidade
tão complexa.
População e amostra: trabalhou-se com uma
amostra representativa e estratificada de escolas
públicas de níveis inicial e primário do Distrito
Córdoba Capital (Córdoba é capital da província
homônima). Os critérios de seleção amostral foram setores geográficos e perfis socioeconômicos,
estabelecimentos escolares onde predominava
a classe econômica baixa, média-baixa e classe
média. Em cada setor com essas características,
selecionaram-se aleatoriamente escolas iniciais e
primárias. A amostra tem 95% de confiança e margem de erro de 5%.
Utilizaram-se quatro tipos de instrumentos:
■
questionário semi-estruturado para docentes, autoaplicável, anônimo e voluntário. Esse instrumento
foi previamente submetido à prova-piloto para avaliar sua compreensão, a forma de sua aplicação e
o tempo de realização, por ser uma adaptação à
cultura local de outros questionários.
■
questionário de entrevista para autoridades
escolares (diretor(a) e/ou vice), voluntário, realizado por um entrevistador e um secretário
que registrava e gravava a entrevista. Esse ins-
■
■
trumento foi elaborado pela equipe de pesquisa
e também foi submetido à prova-piloto.
guia para formação de grupos focais (cuja participação também foi voluntária) para docentes, elaborado pela equipe de pesquisa, sendo
um por turno de cada escola inicial e primária
que participou do projeto, a cargo de um coordenador, um observador e um secretário que
registrava a informação.
cartilha de observação: instrumento para o
levantamento das características estruturais,
ambientais e pedagógicas em classe e extraclasse. Utilizaram-se planilhas pré-elaboradas
como guias de observação e registro de dados,
as quais foram criadas pela equipe de pesquisa
e foram utilizadas a partir da primeira visita a
cada instituição educacional.
A informação foi obtida no terreno por estudantes do último ano do curso de Medicina que participaram voluntariamente do projeto, sendo selecionados e treinados para tal fim pela equipe de pesquisa
que também os coordenou. A metodologia de trabalho foi participativa, com visitas a cada uma das
instituições de ensino da amostra, para a assinatura
de uma carta-compromisso, na qual cada parte assumia suas responsabilidades e também se assentava a agenda de trabalho. Após essa primeira fase,
passou-se à coleta de dados; para tanto, formaramse cinco equipes, cada uma com três alunos-pesquisadores, um tutor e um pesquisador responsável.
Os dados de natureza quantitativa foram processados pelo programa SPSS® e os dados qualitativos segundo a hermenêutica dialética.
A fase de retorno para a comunidade está prevista para depois de finalizado o projeto de pesquisa, ainda em execução. Essa fase, que será de intervenção propriamente dita, visará à construção de
uma rede de proteção com função de identificar,
notificar, atender e prevenir a violência.
Análise e discussão dos resultados
1) Dos resultados quantitativos
Foram analisadas 223 pesquisas; o questionário de
12 perguntas semi-estruturadas incluiu perguntas com
respostas de múltipla escolha e se agruparam em quatro categorias, para sua melhor compreensão.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S233-S239
235
Infância em perigo: violência institucional
a) Sobre identificação, notificação, denúncia e seguimento. Vantagens e desvantagens. Propostas de melhoria.
Dos docentes, 80,6% (175) expressaram ter conhecimento de algum caso de maltrato e 50,9%
(109), abuso sexual infantil; 48,4% (89) comunicaram o problema e pediram assessoramento, sendo
que 49,4% (82) obtiveram respostas as quais foram
satisfatórias somente para 57,3% (47). Só 26,5% (59)
deles acompanharam as famílias no seguimento.
Sobre se conhecem a Dirección de Asistencia a
la Víctima del Delito y la Violencia Familiar, 90,5%
(201) dos docentes afirmaram que sim; 43,1% (93)
conhecem seu funcionamento; e somente 16,9%
(36) estiveram nesse local alguma vez. Desse grupo
de docentes, 16,9% (36) concordaram que suas denúncias fossem atendidas e que o seguimento fosse
realizado. As dificuldades encontradas: 33,3% (12)
mencionaram que ao testemunharem receberam
represálias vindas das famílias denunciadas; 27,8%
(10) consideraram lentos os passos seguintes após as
denúncias; 27,8% (10) disseram que as famílias mudam de endereço, o que impossibilita o seguimento;
e 11,1% (4) identificaram falhas no atendimento por
falta de pessoal. As propostas apresentadas para
melhora da situação foram as seguintes: 55,6% (20)
propuseram melhorar a organização, agilizá-la e ter
equipes técnicas mais sensíveis; 19,4% (7) consideraram necessário ter departamentos especializados
nas escolas para lidar com o problema de maneira
conjunta; 16,7% (6) sugeriram que houvesse palestras nas escolas sobre as atividades que realizam;
5,6% (2) viram o trabalho em rede como um caminho e os 2,8% restantes (1) não fizeram sugestões.
conteúdos em sala de aula, 61% afirmaram fazê-lo
de forma transversal e de forma concreta, 49,8%
tanto com os alunos como com as famílias, 38,6%
realizam planificação modular e 6,3%14 dependem
da disposição do docente e o fazem somente com
os alunos. Argüidos sobre como abordariam o assunto desde o desenho e planificação até a prática
na sala, apesar de que 73% (163) dos docentes consideram esses assuntos indispensáveis para a saúde psicofísica das crianças, na hora de opinarem
somente responderam 68,2% (152), dos quais 81,6%
(124) o fariam com mais capacitação e com projetos institucionais; 11,2% (17) de forma transversal;
3,9% (6) em conjunto com outros profissionais; 2%
(3) com introduções na grade curricular e 1,3% (2)
trabalhariam o tema em forma de rede. Sobre o desenvolvimento prático na sala, 96,7% (147) disseram que utilizariam palestras com profissionais da
área e com os pais e, 3,3% (5), transversalmente.
c) Sobre a formação do docente
Não obstante 90,1% (201) dos professores terem
afirmado que receberam algum tipo de formação
sobre educação sexual, maltrato e abuso infantil, é
relevante destacar que essa capacitação para 80,8%
(126) é insuficiente e que isso se deveria ao fato de
que os custos da formação é elevado. Contudo isso,
19,2% (30) acham que têm formação suficiente.
Para que se conhecesse mais sobre sua formação,
foram indagados se em sua prática cotidiana eram
tratados assuntos como respeito, auto-estima, empatia, polidez, habilidades sociais em geral, direitos
e deveres e 92,8% (207) responderam que sim, porque seriam necessários para a formação das crianças e para sua integração à sociedade.
b) Sobre a grade curricular
Perguntou-se se na instituição pesquisada a grade curricular abordava os seguintes temas: direitos
da infância, educação em saúde, educação sexual e prevenção do abuso infantil. Ao todo, 98,2%
responderam que os dois primeiros itens estavam
contemplados, 46,9% trabalhavam a educação sexual e 25,5% a prevenção de abuso sexual infantil.
Tais abordagens são realizadas como parte do projeto curricular em 65% dos casos, projeto institucional em 58,3%, projeto educacional em 52 e 13,9%
como forma de projetos de aulas, dependentes de
cada docente. Em relação ao desenvolvimento dos
236
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S233-S239
d) Sobre as perspectivas de abordagem.
Programas comunitários de incentivo
Assuntos como educação sexual, abuso infantil
e outras formas de maus-tratos deveriam ser abordados, para 85,7% (191) dos entrevistados, pela escola;
para 83,9% (187), pela família; para 77,1% (172), pela
comunidade e para 72,6% (162), por outras instituições. Ante o questionamento se deveriam trabalhar
em conjunto escola, família, outras instituições e
outros profissionais, 95,6% (196) responderam que,
com a formação e o apoio técnico suficientes, as instituições de ensino deveriam colaborar com progra-
Infância em perigo: violência institucional
mas preventivos comunitários, nos quais a escola seria um elo a mais que atuaria em coordenação com
outras instituições e setores, porque “trabalhando
em rede, obter-se-iam melhores resultados”.
Das observações, depreende-se o seguinte: de
20,2% (45) dos entrevistados que fizeram observações,
42,2% (19) afirmaram que deveriam existir políticas
sérias que tratassem do tema e deveria ser considerada a possibilidade de se trabalhar em rede com diferentes instituições; 22,2% (10) disseram que deveria
existir uma equipe multidisciplinar em cada escola;
15,6% (7) ressaltaram que é útil esse tipo de trabalho
(a pesquisa realizada) para se ter consciência sobre o
assunto; 11,1% (5) opinaram que é necessário ter mais
capacitação; 4,4% (2) responderam que as famílias,
ao não educarem como deveriam, delegam toda a
responsabilidade à escola; 2,2% (1) manifestaram que
a sexualidade é um assunto diário, que as crianças
desde pequenas têm relações entre elas, bem como
jogos sexuais; e 2,2% (1) mencionaram que a falta de
seguimento, a “re-vitimização” e a excessiva burocracia para poder denunciar (dar queixa) desestimulam
e não ajudam a resolver o problema.
2) Dos resultados qualitativos
Os resultados sobre o risco e sua interpretação
foram obtidos com base na análise e na avaliação
dos fatores de risco ou condições que tornam provável a ocorrência de violências, mas vê-se que
eles se inter-relacionam e se sobrepõem. Por isso
é muito difícil conhecer o peso específico de cada
um deles separadamente. Destarte, trabalhou-se
na análise qualitativa sobre eixos que representavam não somente diferentes níveis de análise, mas
também os conteúdos relevantes em que os mesmos se cruzavam. A evidência empírica demonstra
que a violência na instituição de ensino ocorre de
forma associada e responde em grande medida a
um mesmo conjunto de determinantes. A maioria
das autoridades, ao ser interpelada sobre os casos
de maltrato infantil e abuso sexual em suas instituições, expressou-se sobre os assuntos com evidente interesse mais em resguardar o prestígio das
instituições do que em reconhecer sua relevância;
chegando até, em alguns casos, a negar abertamente a possibilidade de sua existência.
Quando relataram casos de denúncias, insistiram na possibilidade de represálias por parte do
agressor e sua família contra o denunciante, que
vão desde violências verbais a físicas, motivo pelo
qual preferiram não denunciar. Consideraram não
estar capacitados para abordar corretamente esses problemas, sentiam-se desamparados e sem
respaldo. Achou-se uma tendência sistemática a
depositar nos outros e no contexto social as causas da violência. O mal-estar dos docentes foi um
dos aspectos convergentes nos diferentes níveis sociais, ainda que por causas diferentes. Problemas
de infra-estrutura das construções, dificuldades na
comunicação entre docentes, docentes e autoridades e com os pais, sobrecarga na função docente
e ausência de prestígio, problemas econômicos,
entre outros, foram indicados como os principais
causadores. Além disso, expressaram-se os inconvenientes derivados da crise social, a diversidade
cultural dos alunos e das famílias, os problemas de
aprendizagem e fracasso escolar. Em nível institucional, foi evidente certa rigidez diante das propostas de mudança, em particular em dedicar tempo e
esforço a programas de intervenção.
Segundo uma diretora de educação infantil:
É difícil encarar os assuntos porque não estamos
preparados, não temos formação específica e também não se podem dizer coisas que as crianças
não entendem ou que as assustem. Além do fato
de que cada professora tem uma visão diferente
da realidade e de como deveriam comportar-se os
pais com os filhos. Eu assisti a uma palestra de
uma psicóloga, organizada pelo Centro de Saúde, que eu gostei muito; aprendi algo de como detectar violência nas crianças, mas considero que
não são suficientes duas horas de palestra para
saber como abordar as diferentes situações.
Em geral, a participação nos grupos focais foi pobre. Em algumas instituições observou-se uma mensagem implícita das equipes de condução de obrigatoriedade ou conveniência para que se participasse
desses encontros. Abordaram-se temas vinculados
aos problemas da violência escolar, a partir das experiências e das vivências pessoais. Os conteúdos emergentes que foram se desenvolvendo versaram sobre
maltrato infantil, abuso sexual, negligência, violência
conjugal, alcance do papel de professor, responsabilidade da escola na detecção de situações de maustratos de crianças, posição do docente como vítima
de maltrato na escola, relação dos professores com
os pais, professores com alunos, alunos com alunos,
violência institucional, mal-estar docente.25
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S233-S239
237
Infância em perigo: violência institucional
Foi difícil conseguir que eles mesmos encontrassem soluções criativas para sua realidade cotidiana. A tendência era procurar, junto à coordenação,
uma série de receitas mágicas que resolvessem os
conflitos. Tentou-se reverter essa atitude passiva
incentivando a reflexão e oferecendo elementos
teóricos que lhes permitissem abordar diferentes
situações problemáticas que se apresentam no cotidiano: “nossa zona é a zona vermelha na questão
do maltrato e abuso sexual de crianças”; “dizem que
não é papel da escola fazer algo por esse assunto e
por tudo”; ”uma companheira fez uma denúncia que
supostamente seria anônima, mas teve problemas
no final, porque teve que dar vários depoimentos. Ai
ficou uma má predisposição para denunciar, porque
não queremos ter problemas”; “o 102 (número para
denúncia anônima) é um problema e ninguém quer
se meter nisso. Preferimos não fazer nada porque
muitas vezes fomos ameaçadas pelos familiares do
denunciado, quando souberam quem deu queixa”;
“não estamos preparadas para detectar nem para
abordar o assunto de queixas, denúncias e de outros procedimentos”; “necessitamos de acolhimento
por parte do governo quando temos que denunciar,
estamos sós para poder cumprir com nosso dever”.
A partir das interações coercitivas que convergem
no sistema educacional, quer se referir àquelas que
aparecem como “violência naturalizada”, como forma de reflexão sobre este trabalho. São as práticas e
discursos que, agora, registram-se como violentos e
que passavam despercebidos ou, pior ainda, estavam
legitimados social e culturalmente, como algo normal que ao ser visto dessa maneira se retroalimenta e
se perpetua.26 A escola, como estrutura organizativa
estável e rígida, elabora argumentos para justificar a
opressão e utiliza medidas disciplinares para assegurá-la.27 Assim, a violência adquire características
devastadoras quando o ato de violência é “re-etiquetado” na frase “isto não é violência, é educação”. A
pessoa é negada como sujeito social e é tratada como
objeto social. Isso não só sucede com as crianças-alunas, mas também faz padecer os adultos-professores
presos e submetidos a uma rede de hierarquias.
O docente está socializado em uma sacralização,
uma idealização do método educacional e está excluído da elaboração dos planos, está alienado de
suas próprias necessidades; há um discurso do poder
que engendra um ideal para o docente. Dessa forma,
vai ritualizando e rotinizando suas práticas, executando instruções que por outros foram elaboradas,
238
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S233-S239
não tomando decisões sobre o próprio trabalho e
afastando-se de um vínculo mais criativo e autônimo
do conhecimento. Ao não participar do desenho do
trabalho, ao ser rompida a relação entre produtor e
produto, a matriz da aprendizagem que se configura é
estereotipada, passiva e pobre, instalando-se a dissociação entre pensamento e ação. Ai é onde começa a
perda de sentido e motivação sobre o que se faz, aparecendo o sofrimento. Por outro lado, infra-estrutura
pouco acolhedora, as más condições de trabalho
(baixos salários, salas superlotadas, necessidade de
se levar trabalho para casa, tarefas burocráticas, etc.)
e as carências materiais também geram violência.
“Um professor que não tem apoio não pode apoiar os
demais”.28 O ato de ensinar está submetido a pressões
e tensões que exigem o emprego de capacidades e
habilidades para as quais os professores não foram
treinados em sua formação inicial, repetindo um modelo homogeneizador e disciplinador que é incapaz
de lidar com uma realidade tão dinâmica. Isso leva
a situações frustrantes que conduzem os docentes a
níveis de tensão que se transformam em estresse, o
qual se relaciona com situações enfrentadas que são
objetivamente mais difíceis e mais complexas do que
se pode resolver, o que, por sua vez, tem a ver com
os níveis de formação. Quando crônico, o estresse se
chama burnout (sensação de estar esgotado, falido
ou de haver colapsado) e sobrevém a perda de sentido e de significado e o trabalho é realizado sem a
força e a convicção necessárias, surgindo sentimentos de angústia, desproteção e desamparo. Esse tipo
de sofrimento não deve ser obturado ou negado, mas
sim escutado e acolhido.
Ao analisar as anotações colhidas no campo,
visualizaram-se os mecanismos violentos mais antigos e arcaicos que continuam vigentes na escola:
a desqualificação, a discriminação e a exclusão.
CONCLUSÃO
Identificaram-se mais fatores de risco ou condições de risco produtores de violência do que fatores
protetores. Nas diferentes atividades levadas a cabo
nas escolas foi possível confirmar cotidianamente a
presença de um conjunto de fenômenos violentos
que respondiam a causas múltiplas. Não obstante
as diferenças de modos e causas, estão expostos a
condições de risco tanto a criança-aluna, como o
adulto-professor. O peso da violência social sobre a
Infância em perigo: violência institucional
educação, a escola, as autoridades, os docentes as
crianças e as famílias faz-se sentir fortemente.
Em geral, houve consenso em que a maioria das
autoridades e dos professores não está consciente
nem preparada para abordar os assuntos relacionados com os diferentes tipos de maltrato infantil.
Poucas autoridades e docentes estão dedicados
em suas comunidades à luta por uma cultura de
saúde e paz em suas comunidades. Ao menos em
tese, a escola deveria oferecer condições idôneas
para o desenho e a aplicação dos programas de
intervenção dirigidos à construção de uma rede de
proteção ao menor; além disso, apresenta-se como
o contexto mais adequado para detectar de forma
precoce a aparição de comportamentos violentos
ou evitar que estes se agravem. Os encarregados
das tarefas educacionais podem ser formados nas
matérias específicas que se pretende abordar e,
em todo caso, na escola poder-se-ia obter a colaboração de outras instituições e de pessoas necessárias para a aplicação desses programas.
10. Banco Mundial. Informe sobre desarrollo humano mundial 2000-2001. Rev Foro (Chile) 2002 En-Feb.; (10):10.
11. UNICEF. Sobre el estado mundial de la Infancia.Buenos Aires: UNICEF; 2004.
12. Gutiérrez D.Violencias y miedos In: Violencia, medios y
miedos. Los sentidos de las violencias. Peligro, niños en
la escuela. Buenos Aires: Novedades Educativas; 2005.
13. Lapetra Coderque P.La comunidad escolar y el maltrato
infantil. Primeras jornadas sobre infancia maltratada: el
maltrato institucional.Vitoria, España: Asociación Vasca
para la Ayuda a la Infancia Maltratada,; 1994.
14. Cantón Duarte J, Cortés Arboleda MR. Malos tratos y
abuso sexual infantil: causas, consecuencias e intervención. Madrid: Editorial SIGLO XXI; 1997.
15. López, F La inocencia rota. Barcelona: Océano; 2000.
16. Olweus, DA. Bullying at school Basic Facts and Effects
of a School Based Intervention Program. J Child
Psychol Psychiatry. 1994; 35 (7): 1171-90.
17. Cerezo Ramírez F. Conductas agresivas en edad escolar. Madrid: Ed.Pirámide; 1999.
18. Izaguirre I.Violencia social y derechos humanos. Wasnhington: OMS; 1998.
19. López F, Etxebarría I, Fuentes MJ, Ortiz, MJ. Desarrollo
afectivo y social. Madrid: Editorial Pirámide; 1999.
REFERÊNCIAS
20. Bringiotti MI. Maltrato y abandono infantil: el impacto de los cambios ocurridos en los últimos
años en argentina. Protecc Inf. 1998; (2): 35-59.
1. Rodríguez Larreta H, Robredo G. El desafío de la igualdad. San Martin: Fundación Grupo Sophia; 1999. 24p.
21. Bringiotti MI. La escuela ante los niños maltratados.
Buenos Ayres: Paidós; 2000.
2. López F. La prevención de los abusos sexuales y la
educación sexual. Salamanca: Amaru; 1995.
22. Pino JM, Herruzo J. Consecuencias de los malos tratos
sobre el desarrollo psicológico. Rev Latinoam Psicol.
Colombia; 2000; (2): 253-75.
3. Lopez Sanchez, F. La prevención de los abusos sexuales. Bienestar Prot Inf. 1997; 1: 6-30.
4. López F, Del Campo A. Programa de prevención de los
abusos sexuales: Padres, Educadores, Infantil, Primaria y Secundaria. Salamanca: Amaru y Ministerio de
Asuntos Sociales; 1997.
5. Pere Amorós M, Fuertes Zurita J. La adopció hoy. In:
Pere Amorós M, Ayerbe Echeberria, P. Intervención
educativa en inadaptación social Espanha: Síntesis;
2000. p. 167-96.
6. Organização das Nações Unidas. Convención sobre
los Derechos del Niño art. 28 y art. 29º en relación con
la educación del niño. Madri: ONU; 1994.
7. Argentina. Gobierno Del Chaco. Comision Interminsterial de Derchos Humanos. Ley Nacional Nº 26.061.
[Citado em out. 2007]. Disponivel em: www. gobierno.
chaco.gov.ar/portal/hgxpp001.aspx.
8. Argentina. Província de Córdoba. Ley Nº 9283. Ley de
la Violencia Familiar. Cap. III, art. 13, en relación Institución Educativa.Córdoba: Poder Judicial de la Provincia de Córdoba, 2006.
23. Gracia Fuster E, Musitu Ochoa G. El maltrato infantil:
un análisis ecológico de los factores de riesgo. Madrid: Ministerio de Asuntos Sociales; 1993.
24. Taylor S, Bogdan R. Introducción a los métodos cualitativos de investigación. La búsqueda de significados.
Buenos Ayres: Paidós; 1986.
25. Cordié A. Malestar en el docente, Buenos Ayres: Nueva Visión; 1998.
26. Badiou A. La violencia simbólica: su rango de ampliación. In: Badiou A. La cuestión del otro. Buenos Aires:
Instituto Hannah Arendt; 2004.
27. Foucault M.Vigilar y castigar. Mexico: Siglo XXI; 1993.
28. Davini MC. La formación docente en cuestión: política y pedagogía. Buenos Ayres: Paidós; 1995.
29. Zaffaroni RE. Algunos supuestos teóricos sobre discriminación. En Discriminación de género y educación en la Argentina contemporánea. Buenos Ayres:
INADI-UNICEF; 1999.
30. Atilio A. Pluralidad agonista. Rev Int Filos Politoca.
(Madrid) 1996; (8)
9. Bellamy C. OMS: 51º sesión, Comité Regional Europeo.
Madrid; OMS; Sept. 2001.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S233-S239
239
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação de serviços de saúde mental:
assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis no contexto do
Projeto PESSOAS(*)
Evaluation of mental health services: care and prevention of sexually transmitted diseases within PESSOAS(*)
Project context
Ana Paula Souto Melo1,2; Francisco de Assis Acúrcio2,3; Mariângela Leal Cherchiglia2,4; Carolina Crosland Guimarães Veloso2,5; Mark Drew Crosland Guimarães2,6
RESUMO
1
Preceptora do Hospital Escola Raul Soares. Doutoranda
em Saúde Pública, Programa de Pós-Graduação em Saúde
Pública, Faculdade de Medicina-UFMG.
2
Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em
Saúde (GPEAS), Departamento de Medicina Preventiva e
Social, Faculdade de Medicina, UFMG.
3
Professor Associado do Departamento de Farmácia
Social. Faculdade de Farmácia, UFMG. Titulação: Doutor
e Pós-Doutor.
4
Professora Associada do Departamento de Medicina
Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, UFMG:
Titulação: Doutora.
5
Bolsista Iniciação Científica FAPEMIG, Departamento
de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina,
UFMG.
6
Professor Associado do Departamento de Medicina
Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, UFMG.
Titulação: Doutor e Pós-Doutor.
Objetivos: avaliar os serviços de saúde mental participantes do Projeto PESSOAS (Pesquisa em Soroprevalência de AIDS na Saúde Mental) por meio de indicadores de estrutura e
processo de atenção no contexto da assistência e prevenção às DST/AIDS. Métodos: estudo de corte transversal multicêntrico em amostra representativa nacional de usuários de
serviços de saúde mental. Foram selecionados aleatoriamente 11 hospitais psiquiátricos e
15 CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em todas as regiões do país. Um questionário
de avaliação de serviços de saúde mental foi aplicado pelo supervisor local da pesquisa para avaliar descritivamente indicadores selecionados de estrutura e de processo.
Resultados: a avaliação indicou que tanto os hospitais psiquiátricos como os CAPS
apresentam dificuldades no atendimento da demanda de suporte clínico aos pacientes.
Apenas 19,2% dos serviços consideraram que o sistema de referência e contra-referência
estava totalmente estruturado, evidenciando uma precária interlocução entre os serviços
de saúde. Além disso, há uma fragilidade de recursos humanos e materiais nos CAPS,
assim como menos disponibilidade de medicamentos para as urgências clínicas. Poucos
serviços tinham programas de educação sexual ou distribuição de preservativos, apesar
da existência de pacientes sabidamente infectados pelo HIV. Conclusão: os indicadores
avaliados permitiram mais conhecimento da realidade e particularidades desses serviços
no contexto do Projeto PESSOAS, fornecendo subsídios para orientar políticas públicas direcionadas para a melhoria da assistência clínica e diminuição da disseminação das DST/
HIV entre as pessoas com transtornos mentais graves. Contudo, a integralidade de ações
nesses serviços ainda se mantêm como um desafio para os gestores.
Palavras-chave: Avaliação de serviços de saúde. Serviços de saúde mental. Doenças sexualmente transmissíveis. Aids. Pesquisa sobre serviços de saúde. Qualidade da assistência à saúde.
ABSTRACT
Objective: To evaluate mental health services participanting in PESSOAS Project (HIV
seroprevalence in Mental Health Institutions in Brazil: A national multicenter study), using
structure and medical care indicators within the context of treatment and prevention of STD/
AIDS. Method: Representative national multicenter cross-sectional study of mental health
patients attending public outpatient and inpatient units. Eleven psychiatric hospitals and 15
CAPS (Psychosocial Care Centers) were randomly selected throughout the country. The local research supervisor applied a mental health service evaluation questionnaire to descriptively measure selected structure and process indicators. Results: The analysis revealed that
Endereço para correspondência:
Ana Paula Souto Melo
Rua Espírito Santo 2.727/104 – Lourdes.
Belo Horizonte, MG – CEP 30160-032
Email: [email protected]
240
* Projeto PESSOAS- “Estudo de soroprevalência da infecção pelo HIV, sífilis, hepatite B e C em instituições públicas de atenção
em saúde mental: um estudo multicêntrico nacional”. Projeto PESSOAS (Pesquisa em Soroprevalência de Aids na Saúde Mental)
*PESSOAS Project (HIV seroprevalence in Mental Health Institutions in Brazil: A national multicenter study)
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
both, psychiatric hospitals and CAPS, reported difficulties
to meet non-psychiatric medical support demanded by patients. Only 19.2% of these health units considered that the
referral and counter-referral systems were fully structured,
indicatin a poor coordination among health services.
Furthermore, material and human resources are deficient
in the CAPS while emergency medication also poorly
available. Few mental health services had any sexual
education or condom distribution programs, regardless
of the existence of HIV-positive patients. Conclusion: The
indicators assessed in this study are important additional
information within PESSOAS Project context. This knowledge may provide the basis for guiding public policies
aimed at improving medical assistance and reducing
STD/HIV dissemination in patients with severe mental
disorders. However, the integrality of such actions among
these services remains a challenge.
Key Words: Health services evalutation. Mental health
services. Sexually transmitted diseases. Aids. Health
services research. Quality of health care.
INTRODUÇÃO
O tema avaliação de serviços de saúde vem ganhando relevância na literatura a partir da década
de 80, apesar de ainda ser uma área incipiente no
Brasil, o que revela nossa limitada “cultura avaliativa”1. A situação não é diferente quando se avaliam
os serviços de saúde mental. Há pouca produção
científica sobre o assunto, tornando escassos os
parâmetros de qualidade da assistência prestada
por esses serviços. A qualidade do cuidado pode
ser avaliada por meio de indicadores de estrutura
(e.g. recursos materiais, humanos, arranjos organizacionais), de processo (e.g. atividades inerentes à
atenção à saúde incluindo a interação entre profissionais de saúde e a população assistida) e de resultados (e.g. mudanças no estado de saúde da população promovidas pelos cuidados recebidos).2,3
Nas últimas décadas, o Brasil vem promovendo
mudanças significativas no modelo de atenção em
saúde mental que, até a década de 70, era centrado
exclusivamente na assistência prestada pelos hospitais psiquiátricos. Nas décadas seguintes, com o
avanço da reforma psiquiátrica, observou-se a abertura de serviços de atenção ambulatorial denominados CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). A
implantação desses serviços buscava a construção
de alternativas ao modelo hospitalocêntrico e, coerentemente com o movimento da reforma sanitária,
foram introduzidas noções como regionalização,
territorialização, diversificação e complexificação
do modelo. Ademais, a mudança do paradigma que
orienta as práticas em saúde mental inclui outras dimensões além da assistência, tais como a reinserção
social, o lazer, a hospitalidade e a oportunidade de
trabalho para os portadores de sofrimento mental.4
Essas mudanças estão voltadas para a assistência integral aos portadores de sofrimento mental,
mais expostos a situações de risco que resultam
na maior vulnerabilidade de seu estado de saúde,
já que apresentam mais morbimortalidade por doenças crônicas quando comparados à população
geral.5 Pacientes com esquizofrenia reportaram
menos espontaneamente os seus sintomas físicos,
em função dos déficits cognitivos associados à
doença, de alta tolerância à dor, ou graças à reduzida sensibilidade à dor associada ao uso de
antipsicóticos.6-9
Dentre as várias situações de vulnerabilidade vivenciadas pelos indivíduos com sofrimento mental,
ressaltam-se os riscos aumentados para as infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs). Dificuldades cognitivas e de habilidades sociais para negociar sexo seguro, o uso de drogas ilícitas e problemas sociais tais
como mais alto grau de pobreza e ausência de moradia fixa são fatores que aumentam a vulnerabilidade
para as DSTs.10 As proporções de positividade de HIV
entre esses pacientes variam de 0 a 23%, dependendo
da população estudada e da metodologia adotada,
sendo que apenas 15 a 50% dos pacientes HIV positivo
tinham conhecimento da sua situação sorológica.11-13
Tais dados corroboram as necessidades de cuidados
clínicos especiais para esses indivíduos, mas pouco
se conhece sobre a saúde dos portadores de sofrimento mental fora da abordagem psíquica desses
transtornos. Mesmo antes da epidemia de HIV, cerca
de 50% das desordens físicas sérias não eram detectados entre os pacientes com problemas mentais graves
que recebiam tratamento psiquiátrico.14
Assim, é pertinente investigar se a atual atenção em saúde mental prestada no Brasil tem sido
capaz de oferecer assistência integral ao indivíduo
com transtorno mental e se os serviços de saúde
mental estão adequadamente habilitados na prestação dessa assistência, principalmente em suas
necessidades de suporte clínico. É nesse contexto
que o projeto PESSOAS (Estudo da Soroprevalência da infecção pelo HIV, Sífilis, Hepatite B e C em
instituições públicas de atenção em saúde mental:
um estudo multicêntrico nacional) foi planejado e
conduzido pelo Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde (GPEAS/FM/UFMG) em
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
241
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
parceira com o Programa Nacional de DST/AIDS e
Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da
Saúde. Os principais objetivos do Projeto PESSOAS
foram determinar a prevalência da infecção pelo
HIV, sífilis, hepatite B e C, avaliar os fatores associados à positividade das mesmas e descrever os
indicadores de estrutura e processo relacionados
à qualidade da atenção nos serviços participantes
em amostra representativa nacional.15 Este artigo
apresenta, especificamente, os resultados descritivos do componente avaliação das 26 instituições
de saúde mental participantes do projeto no âmbito da assistência e prevenção às DST/AIDS.
MÉTODOS
Desenho: foi realizado estudo de corte transversal para determinar as prevalências da infecção
pelo HIV, sífilis, hepatite B e C entre os pacientes internados em 11 hospitais psiquiátricos ou em atendimento nos 15 CAPS selecionados aleatoriamente. Informações sobre a atenção à saúde, incluindo
os aspectos clínicos, o perfil sociodemográfico e
as características dos serviços, foram coletadas retrospectivamente. A pesquisa foi iniciada em julho
de 2005 e encerrada em junho de 2007.
População e amostra: a seleção dos centros foi
aleatória e proporcional ao número de casos de
AIDS notificados no Brasil por região e tipo de serviço (hospital ou CAPS). O plano amostral foi constituído de cinco etapas: a) cálculo amostral para o
qual se estimou serem necessários 3.362 pacientes,
considerando-se perda de 40%, precisão de 0,2% e
nível de confiança de 0,0516; b) distribuição da amostra de acordo com os estratos hospitais e CAPS, considerando dados disponibilizados pela Área Técnica
de Saúde Mental/MS, até dezembro de 2003; c) ponderação de cada estrato de acordo com as regiões e
distribuição dos casos de Aids notificados no Brasil
até dezembro de 2003; d) Seleção aleatória dos 11
hospitais e 15 CAPS necessários para atingir-se o
número desejado de pacientes; e) seleção aleatória
dos pacientes dentro de cada unidade.15
Avaliação de serviços: foi elaborado um instrumento específico contendo indicadores de estrutura e processo de atenção destinado a avaliar
a qualidade dos serviços selecionados, adaptado
de instrumento previamente utilizado e disponibilizado em http://saudepublica.medicina.ufmg.br/
242
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
instrumentos.htm. Após ter sido testado e avaliado
durante o estudo preliminar do projeto PESSOAS, o
questionário foi aplicado no período de investigação pelo supervisor local da pesquisa, juntamente
com o diretor clínico nos hospitais psiquiátricos e
gerentes nos CAPS. A avaliação foi realizada por
meio do levantamento de informações em 14 seções do questionário, que incluíam a identificação
da unidade, as características do serviço, capacidade instalada de atendimento, recursos humanos,
disponibilidade de exames laboratoriais, biossegurança, equipamentos e instrumentos, disponibilidade de documentos normativos e técnicos, sistema
de informação, medicamentos, sistema de referência e contra-referência, avaliação do desempenho
do serviço em relação às DSTs, garantia dos direitos individuais do paciente e avaliação da obtenção das informações para o questionário
Análise: os questionários foram verificados, digitados em banco de dados (Paradox Windows®) e
processados para análise. Foram criados filtros de validação visando a aprimorar a qualidade dos dados.
As análises descritivas foram feitas de forma agregada
e incluíram distribuições de freqüências das variáveis
para a caracterização do perfil dos serviços selecionados por meio dos softwares SAS® e Epi-info®.
Aspectos éticos: o projeto foi aprovado pelos
serviços participantes, pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais
(COEP/UFMG, Etic 125/05) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).15
RESULTADOS
A lista dos serviços selecionados com a distribuição do tamanho amostral pode ser vista na Tabela
1. A maioria desses serviços era de natureza pública (80,9%), sendo 19,1% classificados como privados, todos estes hospitais psiquiátricos (Tabela 2).
Todos os CAPS eram vinculados ao município e os
hospitais psiquiátricos públicos eram estaduais. Todos os hospitais psiquiátricos funcionavam 24 horas/dia e a maioria dos CAPS entre oito e 12 horas/
dia de segunda à sexta-feira. Em relação aos tipos
de assistência prestada aos pacientes, destaca-se
que o atendimento familiar e oficinas terapêuticas
eram atividades realizadas por todos os CAPS. Por
outro lado, todos os hospitais ofereciam internações e atividade de reuniões com pacientes.
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
Tabela 1 - Centros participantes de acordo com o tamanho amostra final, Projeto PESSOAS 2007
Centro
CAPS Assis
CAPS Cantagalo
CAPS Carmo
CAPS Formiga
CAPS Francisco Morato
CAPS II José Foster Jr.
Município
UF
Amostra estimada
Assis
SP
100
Cantagalo
RJ
165
Carmo
RJ
165
Formiga
MG
165
Franco da Rocha
SP
100
Santos
SP
120
Morada Nova
CE
183
CAPS Nossa Casa
Santiago
RS
171
CAPS Paraíso
Paraíso
TO
44
Montes Claros
MG
190
S. J. do Rio Pardo
SP
165
Anápolis
GO
96
Capão do Leão
RS
170
Betim
MG
165
Goiânia
GO
58
Divinópolis
MG
110
Manaus
AM
26
Natal
RN
111
Belo Horizonte
MG
149
Maringá
PR
206
CAPS Morada Nova
CAPS Policlínica Dr. Hélio Sales
CAPS São José do Rio Pardo
CAPS Vidativa
Casa Vida
CERSAM César Campos
Clínica Isabela
Clínica São Bento Menni
Hospital Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro
Hospital Colônia Dr. João Machado
Hospital Galba Veloso
Hospital Psiquiátrico de Maringá
Hospital Psiquiátrico Vera Cruz Sociedade Civil Ltda
Instituto Raul Soares
Mental Medicina Especializada Sociedade Civil Ltda
Núcleo de Atenção Psicossocial Renascer
SES/SP - Departamento de Psiquiatria II - Franco da Rocha
SPSES - Hospital Clemente Ferreira
O número de profissionais que compõem
a equipe foi considerado suficiente em apenas
34,6% das instituições. Houve mais relatos de insuficiência de profissionais nos CAPS (80%) em
comparação com os hospitais (45,5%). O principal motivo para esta insuficiência foi o aumento da demanda de atendimento, indicada como
excessiva por algumas instituições. Também foi
relatada a falta de recursos financeiros para ampliar o quadro de profissionais, além da escassez
de oferta de algumas categorias, como médicos
psiquiatras, em 19,5% das instituições, ou mesmo
de outros profissionais que possibilitassem o funcionamento da instituição em horário integral. Os
CAPS ofereceram menor número de capacitação
aos profissionais no último ano (60,0%), enquan-
Sorocaba
SP
112
Belo Horizonte
MG
149
Sorocaba
SP
113
Ribeirão das Neves
MG
120
São Paulo
SP
118
Lins
SP
92
to os hospitais ofereceram capacitação em 81,8%
dos serviços.
Os principais problemas encontrados em relação à disponibilidade de exames laboratoriais
foram o número insuficiente de cotas, a demora
para a autorização e realização dos exames, assim
como para o recebimento dos resultados. Além
disto, havia menção à dificuldade com o transporte de pacientes e impedimentos para a realização
de exames de alta complexidade. Apenas 11,5%
dos serviços manifestaram não apresentar problemas com a disponibilidade de exames, sendo que
um alegou que não há procura.
Os hospitais estão mais bem equipados que os
CAPS, sendo relevante a informação de que a quase totalidade dos CAPS não possuía equipamentos
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
243
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
para atendimento de urgências clínicas, e.g. ambu,
laringoscópio e balão de oxigênio (Tabela 2). Além
disto, para os CAPS, 33,4% consideraram o estado
de conservação desses equipamentos como mui-
to ruim e regular, enquanto que todos os hospitais
os consideraram bons. Somente os hospitais, em
27,3%, relataram possuir o equipamento de eletroconvulsoterapia (ECT) .
Tabela 2 - Características descritivas do funcionamento dos serviços de saúde mental participantes, Projeto
PESSOAS 2007
Características
CAPs
n=15(%)
n=26(%)
Tipo de serviço
Hospital
CAPS
11 (100)
0 (- )
0 (- )
15 (100)
11 (42,3)
15 (57,7)
Natureza jurídica
Público Estadual
Público Municipal
Privado Lucrativo
Filantrópico
6 (54,4)
0 (- )
4 (36,6)
1 (9,0)
0 (- )
15 (100)
0 (- )
0 (- )
6 (23,2)
15 (57,7)
4 (15,3)
1 (3,8)
Assistências
prestadas
Internação
Urgência psiquiátrica
Leito de observação diurno
Leito de observação noturno
Atendimento ambulatorial
Atendimento domiciliar
Atividade de recreação
Oficinas terapêuticas
Atendimento familiar
Reunião com pacientes
Relação com associação de usuário
Cooperativa de trabalho solidário
11 (100)
7 (63,6)
5 (45,5)
5 (45,5)
8 (72,7)
1 (9,1)
10 (90,9)
9 (81,8)
9 (81,8)
11 (100)
6(54,5)
1 (9,0)
2 (13,3)
6 (40,0)
9 (60,0)
0 (- )
12 (80,0)
12 (80,0)
12 (80,0)
15 (100)
15 (100)
13 (86,7)
8(53,3)
6 (40,0)
13 (50,0)
13 (50,0)
14 (53,8)
5 (19,2)
20 (76,9)
13 (50,0)
22 (84,6)
24 (92,3)
24 (92,3)
24 (92,3)
14(53,8)
7 (26,9)
5 (45,5)
165
17 (65,4)
11 (100)
11 (100)
10(91,0)
11 (100)
9 (81,9)
11 (100)
11 (100)
11 (100)
11 (100)
3(27,3)
13 (86,6)
13 (86,6)
1 (6,6)
13 (86,6)
2 (13,4)
13 (86,6)
1 (6,6)
0 (- )
2 (20,0)
0( - )
24 (92,3)
24 (92,3)
11 (42,3)
24 (92,3)
11 (42,3)
24 (92,3)
12 (46,1)
11 (42,3)
13 (50,0)
3(11,3)
9(82,0)
9(60,0)
18(69,2)
Profissionais Insuficiente
Equipamentos
Esfignomanômetro
Estetoscópio
Lanterna
Luvas
Otoscópio
Termômetro
Balão de oxigênio
Laringoscópio
Ambú
ECT
Arquivo médico e estatístico
Serviço
informatizado
Parcialmente
Não
9(81,8)
2(18,2)
10(66,6)
5(33,4)
19(73,1)
7(26,9)
Medicamentos
Saúde Mental Insuficiente
Urgências Clínicas Insuficiente/Muito insuficiente
1( 9,0)
2(18,0)
4(26,7)
9( 60,0)
5(19,2)
11(42,3)
1( 9,0)
9(82,0)
1( 9,0)
4(26,7)
8(53,3)
3(20,0)
5(19,2)
17(65,4)
4(15,4)
Satisfatório
Pouco satisfatório
Insatisfatório
4 (36,6)
7(63,6)
0( - )
4(26,7)
10(66,7)
1( 6,6)
8(30,8)
17(65,4)
1( 3,8)
Satisfatório
Pouco satisfatório
Insatisfatório
0 (- )
8 (72,7)
3(27,3)
2(13,3)
11(73,3)
2(13,3)
2( 7,7)
19(73,1)
5(19,2)
Sistema de
Totalmente estruturado
Referência e
Parcialmente estruturado
Contra-referência Não estruturado
Sistema de
referência
Sistema de
contra-referência
244
Total
Hospital
n=11(%)
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
O serviço de arquivo médico e de estatística
esteve presente em 69,2% dos serviços. Nenhum
serviço era totalmente informatizado, sendo que
73,1% eram parcialmente informatizados e 26,9%
não eram informatizados. Entre os CAPS, aproximadamente um terço (33,4%) não era informatizado,
enquanto que nos hospitais esse percentual foi de
18,2%. Para 80,8% dos serviços, a disponibilidade
de medicamentos para a atenção em saúde mental foi considerada suficiente e nenhum serviço a
classificou como muito insuficiente. Já em relação
aos medicamentos para o manejo de urgências clínicas, 19,2 e 23,1% dos serviços consideraram sua
disponibilidade muito insuficiente e insuficiente,
respectivamente. Entre os CAPS, essa estimativa
foi ainda pior, já que 60,0% deles classificaram-na
como insuficiente e muito insuficiente. Um total de
81% dos serviços dispunha de programa de dose
individualizada, enquanto que a padronização de
medicamentos ocorria em 92,3%.
Apenas 19,2% dos serviços indicaram que o
sistema de referência e contra-referência estava
totalmente estruturado, sendo que 65,4% o consideraram parcialmente estruturado e 15,4% como
ausentes. Destaca-se que 20,0% dos CAPS não têm
esse serviço estruturado. A maioria o descreveu
como pouco satisfatório (65,4%). Já para o sistema
de contra-referência, manifestaram estar pouco
satisfeitos, insatisfeitos e satisfeitos em 73,1, 19,2
e 7,7%, respectivamente. Os principais problemas
encontrados no sistema de referência e contra-referência foram dificuldades para marcar consultas
médicas nas unidades básicas de saúde e consultas especializadas, além da obtenção de retorno
das clínicas especializadas. Havia pouco diálogo
entre os serviços e pouca oferta de vagas.
Em apenas 26,9% das instituições existiam programas de educação sexual (Tabela 3), a maioria
deles nos CAPS (33,4%). Tais programas eram realizados em oficinas com os pacientes, com temática
acerca de sexualidade e planejamento familiar, assim como por meio de palestras mensais e cursos
de educação sexual. Foram 31% os serviços que
indicaram oferecer programas e atividades de educação específicos para DST, 25% destes considerados pouco satisfatórios ou insatisfatórios.
Houve distribuição de camisinhas em apenas
30,8% dos serviços, sendo a grande maioria CAPs
e apenas um hospital psiquiátrico. Os motivos alegados para a não distribuição de camisinhas foram
a sua distribuição pelas unidades básicas e a falta
de programas de educação sexual nas instituições.
Uma instituição identificou o serviço como local
impróprio, onde acreditavam que não poderia haver relações sexuais. Outra indicou que era pressuposto que os pacientes não mantivessem relações
sexuais durante a internação. Entretanto, um dos
centros declarou que os pacientes internados man-
Tabela 3 - Avaliação do desempenho do serviço em relação às DST nos serviços participantes, Projeto PESSOAS 2007
Características
Total
Hospital
n=11(%)
CAPs
n=15(%)
n=26(%)
Programas de educação sexual
2(18,2)
5(33,4)
17(26,9)
Programas/atividades de educação específicos para DSTs:
3(27,2)
5(33,3)
8(30,8)
Satisfatórios*
3(100)
3(60,0)
6(75,0)
0( - )
2(40,0)
2(25,0)
Desempenho dos serviços em relação as DST/Aids
Pouco satisfatórios/Insatisfatórios*
Distribuição de camisinhas
1(9,0)
7(46,7)
8(30,8)
Existência de pacientes sabidamente HIV positivos
7(63,6)
9(60,0)
16(61,5)
Existência de atividade em grupo para pacientes HIV positivos
2(18,2)
1(6,6)
3(11,5)
Encaminha para serviço especializado
1(9,0)
2(13,4)
3(11,5)
Encaminha e agenda consultas
0( - )
2(13,4)
2( 7,7)
Encaminha, agenda consultas e transporta para os serviços
8(72,8)
7(46,6)
15(57,7)
Trata na instituição
2(18,2)
0( - )
2( 7,7)
0( - )
4(26,6)
4(15,4)
Conduta do serviço em relação
aos pacientes com HIV
Ignorado
* Em relação ao total com programas específicos para DST.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
245
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
tinham visitas íntimas. Em 61,5% das instituições,
no momento da pesquisa, havia pelo menos um paciente sabidamente portador da infecção pelo HIV/
Aids. Em apenas 11,5% instituições os pacientes falavam sobre o problema em atividades de grupo. A
maioria dos serviços (57,7%) tinha como conduta
encaminhar, agendar as consultas e transportar
esses indivíduos até os serviços especializados,
para seu acompanhamento e tratamento. Quando
algum paciente da instituição estava infectado por
alguma DST, incluindo HIV/AIDS, o procedimento
mais comum era o registro nos prontuários, além
de comunicar a ele, à família e a outros profissionais de saúde da instituição (23,1%).
Finalmente, em 73,1% das instituições era garantida a inviolabilidade da correspondência dos pacientes. Aproximadamente 77,0% dos serviços possuíam
registro de queixas, sendo que a forma de registro
variava de assembléias de pacientes (23,1%), livro de
queixas (11,5%), caixas de sugestões (11,5%) e ouvidoria (7,7%). Nenhuma instituição descreveu a presença
de cela forte ou espaços restritivos ou punitivos.
DISCUSSÃO
Os resultados da avaliação dos serviços participantes do Projeto PESSOAS indicaram que tanto
os hospitais psiquiátricos como os CAPs apresentaram dificuldades no atendimento da demanda de
suporte clínico aos pacientes. Esse dado é preocupante diante da maior vulnerabilidade da população de pacientes psiquiátricos às doenças clínicas,
principalmente aqueles com quadros psiquiátricos
mais graves.5-8,17-18 Estes resultados devem ser compreendidos no Projeto PESSOAS, cuja unidade
de análise principal será o indivíduo selecionado
dentro de cada centro, não representando assim
todos os CAPS ou hospitais brasileiros. São dados
complementares que podem subsidiar as análises
dos índices de positividade para as DSTs nessa população, bem como os fatores a elas associados.
Os CAPS funcionam, em sua grande maioria,
entre oito e 12 horas diárias, de segunda à sexta, o
que é condizente com dados do Ministério da Saúde, nos quais 75% dos CAPS incluem-se entre as
modalidades de CAPS I e II. No Brasil, apenas 3,7%
dos CAPS são estruturas mais complexas, denominados de CAPS III, com funcionamento 24 horas
por dia, como os hospitais psiquiátricos.19
246
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
Evidenciou-se precária interlocução com os
serviços de referência e contra-referência, principalmente sobre a atenção clínica dos aspectos
não-psiquiátricos dos pacientes. Apenas 19,2% dos
serviços reconheceram que o sistema de referência
e contra-referência estava totalmente estruturado.
Tanto os CAPS como os hospitais referiram precariedade do retorno dos encaminhamentos da clínica
médica e de outras especialidades. As barreiras de
acesso aos serviços, que potencialmente colocam
essa população em risco de desassistência, têm
sido tema de discussão. Sullivan et al.14, em estudo
sobre a relação entre os serviços de saúde mental e
a atenção e prevenção das DST/AIDS, afirmam que
médicos clínicos estão menos inclinados a fazer
um trabalho cuidadoso com pessoas com sintomas
precoces de HIV que também apresentam doença
mental grave, enquanto os prestadores da saúde
mental são relutantes em tratar os clientes que são
HIV positivo. Esses dados mostram a fragmentação
do cuidado dos aspectos físicos e mentais dos pacientes psiquiátricos no sistema de saúde.
Quando se avaliam distintamente os hospitais psiquiátricos e os CAPS, observam-se diferenças estruturais entre os dois tipos de serviços
pesquisados. A análise apresentou fragilidade de
recursos humanos e materiais dos CAPS, quando
comparados aos hospitais. Há mais insuficiência
de profissionais nos CAPS (80,0%) do que nos
hospitais (65,4%). Na disponibilidade de equipamentos, os hospitais estão em melhores condições
do que os CAPS, sendo relevante a informação
de que a quase totalidade dos CAPS não possuía
equipamentos para atendimento de urgências clínicas, como, por exemplo, ambu, laringoscópio
e balão de oxigênio. A situação também é preocupante quando se enfoca a disponibilidade de
medicamentos para atenção a urgências clínicas;
apenas 40% dos CAPS apresentavam medicação
suficiente, enquanto estas estavam presentes em
82% dos hospitais. A legislação em saúde mental,
que regulamenta o funcionamento dos CAPS, não
especifica com detalhes os parâmetros de funcionamento para atendimento às necessidades clínicas dos pacientes. A portaria GM336/2002 delimita
que, para o credenciamento e funcionamento dos
CAPS, devem-se contemplar: adequada área física,
recursos humanos mínimos para compor a equipe técnica, responsabilização pela organização
da demanda de saúde mental e assistências que
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
devem ser prestadas aos pacientes.20 Em contraposição, os hospitais psiquiátricos, por meio do
PNASH (Programa Nacional de Avaliação Hospitalar/Psiquiatria, Portaria GM251/2002)20, são mais
fiscalizados. A legislação é mais específica e determina avaliações regulares destes e, entre outras
definições, estabelece a necessidade de leitos de
intercorrência clínica, material e medicamentos
para a assistência às urgências clínicas. O PNASH
nos hospitais psiquiátricos tem como objetivo apurar indicadores de qualidade e estabelecer classificações com o objetivo de reestruturar o sistema
hospitalar psiquiátrico.20
Os CAPS apresentam melhores resultados
quando se avaliam alguns recursos terapêuticos,
como, por exemplo, a presença de cooperativas
de trabalho ou similares que visam ao ganho produtivo consoante com a política de reinserção social dos pacientes. Além disso, na avaliação do desempenho dos serviços em relação à prevenção e
assistência às DST, os CAPS também apresentaram
melhores resultados, embora as instituições em
conjunto tenham evidenciado dispor de poucos recursos para o desenvolvimento dessas atividades,
revelando, mais uma vez, os obstáculos à atenção
clínica aos pacientes. É importante enfatizar que
poucos serviços tinham programas de educação
sexual ou distribuição de preservativos, apesar da
existência de indivíduos sabidamente portadores
da infecção pelo HIV. Essa situação indica despreparo para desenvolver programas de prevenção,
abordar questões relacionadas com a sexualidade e lidar com o usuário vivendo com HIV, assim
como prover atendimento às condições clínicas
não-psiquiátricas, incluindo as DSTs. Diante disso,
conclui-se que é grave a situação desses serviços
de saúde em relação à sua adequação para a prevenção e assistência às DSTs.
Finalmente, apesar da reforma psiquiátrica
brasileira ter promovido avanços na discussão e
construção da cidadania dos indivíduos com sofrimento mental, gerando ações que objetivam a
inclusão social e criando a oferta de novos dispositivos, a implementação da diretriz de integralidade
das ações, principalmente no que tange à assistência aos problemas clínicos desses pacientes, ainda
se mantém como um desafio para os gestores. O
fortalecimento de uma política que contemple tal
desafio e aprofunde o desenvolvimento do novo
modelo assistencial apresenta grande relevância
social, considerando-se a maior vulnerabilidade
clínica observada entre os indivíduos com sofrimento mental, especialmente no âmbito das DST/
AIDS. Será necessária a concentração de esforços
para melhorar a assistência clínica e reduzir a
disseminação das DST/HIV entre as pessoas com
problemas mentais sérios, bem como tratar efetivamente todos aqueles que já estão infectados.
REFERÊNCIAS
1. Nemes MIB, Castanheira ERL, Melchior R, Alves MTSSB; Basso CR. Avaliaçäo da qualidade da assistência
no programa de AIDS: questöes para a investigaçäo
em serviços de saúde no Brasil . Cad Saúde Pública.
2004; 20(supl.2):310-21.
2. Donabedian A. The quality of care. How can it be assessed? JAMA. 1988; 260: 1743-8
3. Vuori HV. A qualidade de saúde. Divul Saúde para Debate. 1991; 1(3):17-25
4. Alves DS.Integralidade nas Políticas de Saúde Mental.In:
Pinheiro R, Mattos Rª Os sentidos da integralidade na
atenção e no cuidado à saúde / 6ª ed. Rio de Janeiro:
IMS/UERJ - CEPESC - ABRASCO; 2006. 180p.
5. Robson D, Gray R. Serious mental illness and physical
health problems: a discussion paper. Int J Nurs Study.
2007;44(3):457-66.
6. Dworkin RH. Pain insensitivity in schizophrenia: neglected phenomena and some implications. Schizophr.Bull. 1994: 20, 235–48.
7. Jeste D, Gladsjo J, Lindmayer L, Lacro J. Medical comorbidity in schizophrenia. Schizophr Bull. 1996: 22 (3), 413–30.
8. Phelan M, Stradins L, Morrison S. Physical health of
people with severe mental illness. Br Med J. 2001; 322,
443–4.
9. Collins PY, Holman AR, Freeman MC, Patel V. What is
the relevance of mental health to HIV/AIDS care and
treatement programs in developing countries? A systematic review. Aids. 2006; 12: 1571-82.
10. Vanable PA, Carey MP, Carey KB, Maisto SA. Differences in HIV-related knowledge, attitudes, and behavior
among psychiatric outpatients with and without a
history of a sexually transmitted infection. J Prev Interv Comm. 2007; 33(1-2):79-94,.
11. Grassi L. Risk of HIV infection in psychiatrically ill patients. AIDS Care 1996; 8:103-16.
12. Sacks MH, Dermatis H, Looser-Ott S, Perry S. HIV related risk factors in acute psychiatric inpatients. Hosp
Comm Psychiatr. 1990; 41: 440-2.
13. Volvaka J. Assessment of risk behaviours for HIV infection among psychiatric inpatients. Hosp Comm
Psychiatr. 1992; 43:482-5.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
247
Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis
no contexto do Projeto PESSOAS
14. Sullivan G, Koegel P, Kanouse DE, Cournos F, Mckinnon K, Young, AS, Bean D. HIV and People With Serious Mental Illness: The Public Sector’s Role in Reducing HIV Risk and Improving . Psychiatr Serv. , 1999
50(5): 648-52
15. Guimarães MDC, Campos LN, Melo APS, Freitas MIF,
Oliveira SB, Oliveira HN, et al. Projeto Pessoas: estudo de soroprevalência da infecção pelo HIV, Sifilis,
Hepatite B e C em insituições públicas de atenção
em saúde mental: um estudo multicêntrico nacional.
Relatório Técnico Final. Belo Horizonte: GPEAS/FM/
UFMG; 2007. 100p.
16. Levy PS, Lemeshow S. Sampling of populations: methods and applications. New York: John Wiley; 1991.
248
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S240-S248
17. Newman SC, Bland RC. Mortality in a cohort of patients with schizophrenia: a record linage study. Can J
Psychiatr. 1991; 36 (4), 239–45.
18. Mckinnon K, Cournos MAF, Herman MDR, Satriano
MAJ, Silver BJ, Puello I. AIDS-Related Services and
Training in Outpatient Mental Health Care Agencies
in New York. Psychiatr Serv. 1999; 50 (9):1225-8
19. Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação de Saúde
Mental. Relatório. Saúde Mental em Dados Brasília,
2006 dez.; 1 (3)
20. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva.Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde
mental:1990-2004. 5ª ed. Brasília: Ministério da Saúde;
2004. 340p.
ARTIGO ORIGINAL
Situação epidemiológica das meningites
em Minas Gerais, 1990-2006: incidência,
etiologia, letalidade e critério diagnóstico
Meningitis: epidemiological features in Minas Gerais,
Brazil, 1990-2006: incidence and case fatality rates,
diagnostic criteria
Patrícia Passos Botelho1, Maria da Conceição Juste Werneck Côrtes2, Salete Maria Novaes Diniz3, Gilmar José
Coelho Rodrigues 4
RESUMO
A meningite é um problema de saúde pública complexo em razão da sua multicausalidade de natureza infecciosa cuja prevenção e controle exigem estratégias diversas. Objetivo: analisar características epidemiológicas e a qualidade diagnóstica da
meningite em Minas Gerais. Método: realizou-se estudo descritivo das meningites em
Minas Gerais no período de 1990 a 2006, notificadas à Secretaria de Estado de Saúde
e registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Foram analisadas
incidência e letalidade por etiologia e faixa etária, critério diagnóstico, com destaque
para a doença meningocócica (DM). Resultados: predominou a meningite de etiologia bacteriana, média de 47%, seguida da meningite virótica, média de 30%. Dentre as
bacterianas, o maior número de casos deveu-se à Neisseria meningitidis, seguido pelo
Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. A partir de 1999, a incidência
das meningites bacterianas e das não especificadas vêm decaindo, porém a letalidade
apresentou aumento. Após 2001, ocorreu diminuição também da incidência da meningite presumivelmente viral. A incidência foi maior na faixa etária menor de cinco anos
e a letalidade maior no menor de um ano e após 50 anos de idade. A DM foi diagnosticada principalmente por bacterioscopia e clínica (54%) e as outras etiologias pela
citoquímica e clínica em 70% dos casos. Esta deficiência no diagnóstico reflete-se na
baixa sorogrupagem dos casos de DM, com identificação de 25 a 30%. A redução na incidência e o aumento da letalidade das meningites podem ser devidos à subnotificação
que, somada à deficiência no diagnóstico etiológico, torna prioritário o aprimoramento
das ações de vigilância e melhoria da rede assistencial e laboratorial de Minas Gerais.
1
Médica, Pediatra e Epidemiologista; Referência Técnica
das Meningites da Secretaria de Estado de Saúde de
Minas Gerais.
2
Médica, Doutora, Professora de Epidemiologia do
Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina de UFMG.
3
Psicóloga e Epidemiologista; Coordenadora, Coordenadoria de Monitoramento de Dados Epidemiológicos da
Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
4
Técnico de informática da Coordenadoria de Agravos e
Doenças Transmissíveis da Secretaria de Estado de Saúde
de Minas Gerais.
Palavras-chave: Meningite/epidemiologia. Meningite/diagnóstico. Meningite/prevenção & controle. Vigilância epidemiológica.
ABSTRACT
Meningitis is a complex public health problem by virtue of its multiple infectious causes that
demand many prevention and control strategies. Objective: To analyze epidemiologic aspects
and the diagnostic efficacy of meningitis in Minas Gerais in the period between 1990 and
2006. Method: A descriptive study of meningitis was carried out based on the cases notified to
the State Office of Health and registered in the Diseases of Mandatory Notification Surveillance
System – SINAN. Cases were analyzed regarding incidence, case fatality rates per etiology
and per age group and diagnostic criteria, with an emphasis on meningococcal disease (MD).
Results: Bacterial meningitis, with an average of 47%, was observed to be predominant,
followed by viral meningitis, with an average of 30%. Among bacterial etiologies, the most frequent agent was found to be Neisseria meningitides, followed by Streptococcus pneumoniae.
From the year of 1999, the incidence of bacterial and non-specified meningitis decreased, but
Endereço para Correspondência:
Rua Alfredo Balena nº 190, sala 803 CEP 30130-100
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
249
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
lethality increased. After 2001, the incidence of presumed
viral meningitis incidence began to decrease. The highest
incidence was found in the age group of less than 5 years,
and lethality was highest in the age ranges below one
and above 50 years. MD was diagnosed mainly by means
of bacterioscopy and clinical findings (54% of the cases),
while the other etiologies were diagnosed with citochemistry and clinical findings in 70% of the cases. This diagnostic
deficiency reflects on a low serogrouping of MD cases, with
an identification rate of 25-30%. The observed decrease in
incidence and increase in the lethality of meningitis may be
due to undernotification, which, in addition to the deficiency in etiological diagnosis, stresses the need for prioritizing
improvements in surveillance actions and in the health care
network of the state of Minas Gerais.
Key words: Meningitis/epidemiology. Meningitis/diagnosis.
Meningitis/prevention & control. Epidemilogic surveillance.
INTRODUÇÃO
A meningite é um processo infeccioso das
membranas que envolvem o sistema nervoso central, causado por múltiplos agentes: bactérias, vírus, parasitas e fungos.1,2 Constitui-se em um problema de saúde pública complexo em razão da
sua multicausalidade de natureza infecciosa e cuja
prevenção e controle exigem estratégias diversas.
As meningites de etiologia bacteriana e viral são
as mais importantes no contexto da saúde pública,
pela sua freqüência, patogenicidade, potencial de
disseminação e capacidade de ocasionar surtos. Os
agentes viróticos mais comuns são os enterovírus e,
entre as bactérias, a Neisseria meningitidis, o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae.3,4
A distribuição da doença é universal, de forma
endêmica, sendo de transmissão respiratória de
pessoa a pessoa ou fecal-oral (enterovírus), com
aumento do número de casos nos meses frios, favorecido pela aglomeração ambiental.1
A incidência é maior entre as crianças menores
de cinco anos de idade, sendo variável de acordo
com a região, sofrendo ação de fatores biológicos
individuais, processo social/ econômico e variação
temporal.4,5 Em países desenvolvidos, a incidência
está entre um e três casos por 100.000 habitantes; já
em países em desenvolvimento, a incidência é aproximadamente 10 vezes maior, de 10 a 25 casos por
100.000 habitantes. No chamado cinturão africano
da meningite (área que se estende da Mauritânia à
Etiópia), a cifra atinge, em epidemias, 1.000 casos
por 100.000 habitantes. Durante a década de 70, ocorreu epidemia de meningite no Brasil com início em
250
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
São Paulo, pelo meningococo sorogrupo C em 1971,
com 50 a 100 casos/100.000 habitantes, recrudescendo em 1974 com o sorogrupo A, chegando a 175
casos/100.000 habitantes, estendendo-se para quase
todos os estados. O sistema de saúde, surpreso e despreparado, percebeu a necessidade da implantação,
de forma prioritária, de um serviço de vigilância de
agravos nocivos à saúde pública no Brasil.5-7
Em Minas Gerais, foram relatadas epidemias
de DM pelo sorogrupo C no município de Iapu em
1988, no município de Belo Horizonte em 19907,
nos municípios de Nepomuceno e Três Corações
em 1994, em Divinópolis em 1996, em Muriaé em
2006 e em Sete Lagoas em 2007. Ocorreu aumento do sorogrupo B no município de Juiz de Fora
em 1994, resultando em campanha de vacinação
local. Em 2001, ocorreram epidemias de meningite
virótica em vários municípios e em 2007 em Ipatinga, com o total de 31 casos pelo Echovirus 6.8
No Brasil, em uma série histórica de 2001-2006,
ocorreu média anual de 27.460 casos de meningite.
A meningite virótica correspondeu a 42,4% das etiologias e a bacteriana a 44,3%. A DM foi responsável por
12,9% do total de ocorrências no território nacional.9
A vigilância epidemiológica (VE) da meningite
está inserida na Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) e na Coordenadoria Geral de Doenças
Transmissíveis (CGDT) do Ministério da Saúde; na
esfera estadual, na Subsecretaria de Vigilância em
Saúde, na Gerência de Vigilância Epidemiológica,
Coordenadoria de Agravos e Doenças Transmissíveis. Nas Gerências Regionais de Saúde (GRS) e Secretarias Municipais de Saúde (SMS) está situada
na Coordenadoria de VE. As ações de vigilância
epidemiológica no nível central da SES incluem
investigação, orientação, capacitação, transferência de informação, análise dos dados notificados
e delineamento de ações de controle executadas
em parceria com a Gerência Regional de saúde e o
município. Esta análise constitui-se em importante
instrumento para subsidiar e direcionar o planejamento e implantação da rede assistencial e promocional de saúde e na priorização de ações nos
eventos vulneráveis à prevenção e controle.10
O conhecimento do número de casos e a análise
constante das notificações feitas à Secretaria Municipal possibilitam a ação rápida de controle de surtos.
Outra ação de controle executada de forma rotineira é
a realização de quimioprofilaxia quando da ocorrência de doença meningocócica (DM) ou meningite por
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
Haemophilus, importante para impedir a continuidade de transmissão desses agentes na comunidade.1,11
A partir do ano de 2000 foi implantado nas esferas nacional, estadual, regional e municipal o SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação, no qual são registrados os dados da ficha de
notificação ou investigação dos agravos no município ou na GRS e transmitidos ao setor de informação estadual e deste para a esfera nacional. 1,10
A notificação é realizada rotineiramente pelo
serviço ou profissional responsável pelo atendimento do paciente à Secretaria Municipal de Saúde. Técnicos da Vigilância Epidemiológica fazem a investigação e o preenchimento da Ficha de Investigação
do agravo com dados do paciente, demográficos,
clínicos, exames realizados e evolução. Após digitação no SINAN, as informações são encaminhadas
semanalmente pelas Gerências Regionais de Saúde
para a Secretaria de Estado de Saúde, que as envia
quinzenalmente ao Ministério de Saúde.
Anteriormente à implantação do SINAN, os dados eram enviados pelas regionais de saúde por intermédio de Boletim Mensal e digitados na Secretaria de Estado de Saúde em um programa próprio.1,8
O SINAN, atualmente em sua 11a versão, é o sistema
de informação de agravos de notificação compulsória nos âmbitos nacional, estadual e municipal e,
apesar de suas limitações, constitui a única fonte
formal de dados para conhecimento e análise dos
agravos pela vigilância epidemiológica.1,10 Durante
a implantação do SINAN, ocorreu grande mudança
na forma de registro dos dados, levando à fragmentação da informação dentro do Estado.
Na avaliação das atividades e na implantação e
implementação de medidas de controle e prevenção, é primordial uma análise histórica do agravo. O
atendimento adequado ao paciente com meningite é
dependente de estudos epidemiológicos freqüentes,
periódicos, que mostrem as variações nos padrões
de distribuição etiológica naquele local – particularmente na era pós-vacinação contra o Haemophilus
influenzae e de resistência crescente do pneumococo aos antibióticos – uma vez que a terapia antimicrobiana é instituída antes da determinação do agente
etiológico nos quadros suspeitos de meningite. Esses
estudos podem contribuir no planejamento em saúde pública tanto quanto na atuação clínica.12
Pretendeu-se, com este estudo, verificar as características epidemiológicas das meningites em
Minas Gerais de 1990 a 2006 e registrar a informa-
ção com o intuito de preservá-la, considerando as
mudanças ocorridas no banco de dados estadual
pela implantação e reformulação do SINAN.
METODOLOGIA
Realizou-se estudo descritivo da ocorrência das
meningites em Minas Gerais, de 1990 a 2006. Os dados foram obtidos na Coordenadoria de Doenças
Transmissíveis da Superintendência de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, para o período de 1990 a 1999, de um programa de compilação de dados elaborado no EPIINFO
pelo núcleo de vigilância epidemiológica no nível
estadual e de 2000 a 2006 do SINAN, atualizado até
a semana epidemiológica 48 do ano de 2007.
Foram estudadas as variáveis: número de casos
confirmados, critério diagnóstico, sorogrupo da DM,
óbito, idade e agente ou agrupamento etiológico
(bactérias especificadas ou não, vírus e as meningites não especificadas) de acordo com a ficha de investigação do agravo no SINAN. Destacaram-se também alguns aspectos da DM pela sua importância
em saúde pública e pela necessidade de implementação imediata de medidas de controle, individuais
e coletivas, como a quimioprofilaxia e vacinação.
As idades foram agrupadas em faixas etárias.
Foram calculadas a incidência e letalidade
anual por etiologia e suas medianas no período,
por faixa etária e etiologia. Nos cálculos populacionais, usaram-se dados dos censos realizados
pelo IBGE nos anos de 1991 e 2000 e as projeções
intercensitárias dos demais anos.
Na elaboração deste estudo foram utilizados
os programas EPIINFO 6.04, Microsoft Office Word
2003 e o Microsoft Office Excel 2003.
RESULTADOS
Em Minas Gerais, no período de 1990 a 2006,
ocorreu média anual de 1.900 casos de meningite,
predominando a meningite bacteriana, com percentual de 47% do total. A meningite virótica foi
responsável por 30% dos casos; dentre as bacterianas, o maior número foi devido à Neisseria meningitidis, com o percentual médio de 15% do total
das meningites. A partir de 1999, o Streptococcus
pneumoniae vem sendo a segunda entre as causas
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
251
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
bacterianas, correspondendo a 6% do total, substituindo o Haemophilus influenzae.
As meningites bacterianas não especificadas e
as de etiologia desconhecida, cujo diagnóstico baseia-se no exame citoquímico do líquor e no quadro
clínico do paciente, responderam por 37% do total.
Desde 1999 a incidência das meningites, na
sua totalidade, vem decaindo, devido à redução
das de etiologia bacteriana, as não especificadas,
aquelas causadas pelo Haemophilus influenzae e a
doença meningocócica. A partir de 2001, ocorreu
também diminuição da incidência da meningite
de etiologia presumivelmente viral. Na década de
90 também pôde-se notar o aumento da incidência
das meningites por outras etiologias e as causadas
pelo Streptococcus pneumoniae (Gráfico 1).
As taxas de incidência por 100.000 habitantes
variaram para a doença meningocócica de 2,97
casos em 1995 a 0,81 em 2006, sem caracterização
de surtos; da meningite virótica de 1,4 em 1991 a
4,9 em 1998; e para as meningites bacterianas de
0,4 em 1991 a 3,4 em 1995 e 1996. Houve incidência
predominante na faixa etária de menores de cinco
anos de idade, principalmente no grupo menor de
um ano nas principais etiologias. O Gráfico 2 mostra a incidência mediana do período, por idade. Detectaram-se como critério diagnóstico os exames
de baixa especificidade, principalmente citoquímica e bacterioscopia do líquor e o quadro clínico no
caso de meningococcemia e meningites não especificadas. Na doença meningocócica, os critérios
predominantes foram o clínico e a bacterioscopia
do líquor em 54% dos casos. Critérios de alta especificidade perfizeram o total de 44% (Gráfico 3).
Nas meningites por outras etiologias que não a
meningocócica, predominaram também os critérios de baixa especificidade, citoquímica do líquor
e quadro clínico em um total de 70%; e a cultura respondeu por 19% dos diagnósticos realizados. Nesta
série estudada, houve melhora gradativa, mas pequena, no diagnóstico etiológico das meningites,
principalmente a partir de 2003 (Gráfico 4).
6,0
TAXA DE INCIDÊNCIA / 100.000 hab.
5,0
4,0
3,0
2,0
1,0
0,0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
ANO
MV
MB
MNE
DM
MP
MOE
MTBC
MH
Gráfico 1: Incidência das principais etilogias* das meningites, Minas Gerais, 1990-2006
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
*Etiologias: MV (meningite virótica), MB (meningite bacteriana especificada e não especificada), MNE (meningite não especificada), DM (doença meningocócica), MP (meningite pneumocócica), MOE (meningite por
outra etiologia), IGN (ignorado), MTBC (meningite tuberculosa), MH (meningite por hemófilos).
252
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
ETIOLOGIA
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
24,0
22,0
20,0
18,0
16,0
14,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
00 -| 01
01 -| 05
05 -| 10
10 -| 15
15 -| 20
20 -| 50
50 e +
IGN
FAIXA ETÁRIA
Virótica
Pneumo
Hemófios
Bacteriana
Não Especificada
D. Meningo
Gráfico 2: Incidência mediana, segundo a etiologia e faixa etária, Minas Gerais 1990-2006
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Cultura
CIEF
AG. Latex
Clínico
Bacterioscopia
Necrópsia
Vínculo Epidemiológico
Citoquímica
Outros
At. Óbito
PCR
Ign/Em branco
Gráfico 3: Critério diagnóstico da doença meningocócica em Minas Gerais no ano de 1990 a 2006
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
Em Minas Gerais predomínou o sorogrupo B a
partir da década de 90 até 2004, quando se iniciou
o predomínio do sorogrupo C. Ocorreram casos
esporádicos de W135, X e Y. A sorogrupagem alcançou o percentual de aproximadamente 25 a
30% dos casos de doença meningocócica.
A taxa de letalidade da doença meningocócica
apresentou variação de 17 a 35%, com média de
24%. A meningococcemia foi responsável por 36%
dos casos de DM, com taxa de letalidade média de
54% (Gráfico. 5).
Nas meningites por outras etiologias, a taxa de
letalidade variou de a 18%, com média de 11%. Houve aumento progressivo da letalidade a partir de
2002 nas meningites em geral (Gráfico 6).
A taxa de letalidade nas etiologias em estudo é
maior nos menores de cinco anos de idade e nos
maiores de 50 anos, sendo acima de 66% após 60
anos. A partir dos 50 anos de idade, a letalidade foi
maior na meningite pneumocócica (Gráfico 7).
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
253
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
ANO
Cultura
CIEF
AG. Latex
Clínico
Bacterioscopia
Necrópsia
Citoquímica
Outros
PCR
Ign/Em branco
Gráfico 4: Critério diagnóstico das meningites de outras etiologias, Minas Gerais, 1990-2006
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
40,0%
600
35,0%
500
400
N˚ DE CASOS
25,0%
20,0%
300
15,0%
TAXA DE LETALIDADE
30,0%
200
10,0%
100
5,0%
0,0%
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Mulher
ANOS
Homem
Tx. Letalidade
Gráfico 5: Nº de casos, óbitos e letalidade da doença meningocócica em Minas Gerais nos anos de 1990 a 2006
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
254
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
20,0%
2500
18,0%
N˚ DE CASOS
14,0%
12,0%
1500
10,0%
8,0%
1000
TAXA DE LETALIDADE
16,0%
2000
6,0%
500
4,0%
2,0%
0
0,0%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
ANOS
CASOS
ÓBITOS
Tx. Letalidade
Gráfico 6: Nº de casos, óbitos e letalidade das meningites de outras etiologias em Minas Gerais nos anos de
1990 a 2006
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
60,0
40,0
20,0
0,0
00 -| 01
01 -| 05
05 -| 10
10 -| 15
15 -| 20
20 -| 50
50 e +
IGN
Virótica
Pneumo
Hemófios
Bacteriana
Não Especificada
D. Meningo
Gráfico 7: Letalidade mediana segundo etiologia e faixa etária, Minas Gerais, 1990-2006
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
DISCUSSÃO
Em Minas Gerais predominaram as meningites
de etiologia bacteriana, seguidas das viróticas em
todos os anos, mostrando tendência constante neste estudo, acompanhando a tendência nacional.8
As meningites bacterianas não especificadas e as
de etiologia desconhecida responderam por 37%
das ocorrência, dificultando a análise do agravo
no estado e a definição de medidas de controle
adequadas em quadro emergencial. Estes achados
são semelhantes aos de estudo realizado de 1993 a
1997, reforçando a realidade do padrão de qualidade laboratorial no diagnóstico das meningites em
Minas Gerais.13
Com a introdução da vacina contra Haemophilus
influenzae B no calendário de imunização de rotina
em 1999, ocorreu rápida queda do número de casos
de meningite por este agente, já bem evidente um
ano após, em todo o território nacional.10 O aumento do número de casos das meningites por outras
etiologias a partir de 2000 pode ter sido ocasionaRev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
255
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
do principalmente pelo Cryptococcus neoformans,
considerando-se o aumento de pessoas portadoras
de imunodepressão no estado. Já a meningite pelo
Streptococcus pneumoniae apresentou aumento gradativo e lento, de forma irregular desde 1997, possivelmente pela melhoria diagnóstica, não significando necessariamente aumento real de casos.
A redução do número de casos de meningites a
partir de 1999 em Minas Gerais sugere subnotificação, coincidente com a época da implantação do
SINAN. A descentralização com transferência da digitação dos dados para as Gerências Regionais de
Saúde e posteriormente para quase todos os municípios do estado somada à constante rotatividade
de técnicos de vigilância epidemiológica nas Regionais de saúde e municípios geraram dificuldades de
padronização e consolidação da informação.4
No Brasil, de 2001 a 2006, ocorreu redução da incidência da doença meningocócica e redução discreta das meningites bacterianas.9 Em Minas Gerais,
a redução do número de meningites bacterianas
especificadas e não especificadas corrobora a hipótese de aumento de subnotificação e da irregularidade da incidência em todas as etiologias até 1999.
O decréscimo do número de casos da doença
meningocócica na esfera nacional e estadual reflete a queda dos casos do sorogrupo B que predominava desde a década de 90, pois os quadros epidêmicos do sorogrupo B evoluem de forma lenta e
gradual, persistindo, como foi o caso, durante mais
de uma década.5,14,15
A incidência das meningites foi maior no menor de cinco anos, principalmente abaixo de um
ano e no maior de 50 anos de idade, também vistos
nos demais estudos citados, confirmando as faixas
de risco mais alto. O deslocamento da incidência
para as faixas etárias mais altas, principalmente
adolescentes e adultos jovens, foi observado durante surtos ou epidemias da DM, sendo sinal de
alerta para a vigilância local.6
A deficiência no diagnóstico etiológico persistiu neste estudo para todas as etiologias, mostrando não realização de exames laboratoriais de
alta especificidade, como cultura, aglutinação em
látex e contra-imunoeletroforese, que se aliaram à
urgência de tratamento que se impõe frente à suspeita diagnóstica de meningite. Na DM, os critérios
diagnósticos de mais especificidade alcançaram
44% do total de exames realizados, bem maior que
nas outras etiologias, provavelmente devido ao
256
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
potencial desse agente de ocasionar surtos e epidemias, implicando medidas de controle oportunas, embora bem abaixo do necessário para uma
vigilância adequada. A incidência e letalidade do
Streptococcus pneumoniae baixa no menor de um
ano de idade é outro fator que possivelmente reflete a deficiência laboratorial no diagnóstico etiológico das meningites no estado.3,16
A precariedade de diagnóstico laboratorial das
meningites pode ser devida a vários fatores: ausência de laboratórios capacitados para exames de
mais especificidade nos municípios, distância territorial dificultando o envio de material para outros
laboratórios e para a Fundação Ezequiel Dias, falta
de técnicos capacitados devido à sua alta rotatividade e número inadequado para a vigilância municipal e das GRS para cobrança, repasse de informação aos profissionais de saúde nos municípios,
busca de resultados laboratoriais dentro dos hospitais, falta de conscientização dos profissionais de
saúde da prioridade de exames laboratoriais para
diagnóstico etiológico e o uso de antibioticoterapia antes do estabelecimento do diagnóstico e da
coleta de material para os exames pertinentes.4
O diagnóstico das meningites virais é realizado em Minas, como em todo o Brasil, por meio da
citoquímica do líquor, por falta de laboratórios na
rede pública que realizem exames mais específicos. Atualmente está em fase de implantação o
Protocolo das Meningites Viróticas, a partir do qual
serão coletadas semanalmente quatro amostras de
líquor, fezes e soro para diagnóstico etiológico em
dois hospitais de referência.14
Como esperado, devido à dificuldade laboratorial, a sorogrupagem alcançou o percentual de
25 a 30%, implicando que não é conhecido, fidedignamente, o sorogrupo predominante em Minas
Gerais, só sendo possível uma avaliação precária
do sorotipo e subtipo circulantes no estado.
O desconhecimento do sorogrupo circulante
e da incidência da DM pelo técnico de vigilância
do município e GRS acarreta retardo na avaliação
e na adoção de medidas de controle na ocorrência de surto, com conseqüente prejuízo para a
população.1, 15
O aumento na letalidade, progressivamente
a partir de 2002 em todas as etiologias, não condicionado à maior incidência ou a surtos da DM,
sugere uma possível somatória de subnotificação,
evolução para casos graves avançados, com con-
Situação epidemiológica das meningites em Minas Gerais, 1990-2006: incidência, etiologia, letalidade e critério diagnóstico
seqüente deficiência no atendimento ao paciente,
diagnóstico e terapia tardios de suma importância
na boa evolução do quadro clínico17 e vigilância local passiva. Esse aumento da letalidade no tocante
à DM não seria esperado normalmente, já que a
virulência do sorogrupo C, que agora predomina
no estado, é menor do que a do B.5,15, 18-20
Na análise da meningite em Minas Gerais, os dados resultam da somatória de fatores pessoais e estruturais nas Gerências Regionais de Saúde (GRS) e
municípios, que refletem, muitas vezes, o esforço de
algumas pessoas na qualidade de suas vigilâncias,
manifestando, assim, seu envolvimento no serviço
de vigilância naquela área de abrangência.
Para que haja melhora desse quadro é necessário
cooperação entre o Ministério da Saúde, técnicos da
vigilância, profissionais de saúde em geral, laboratórios e demais instituições de saúde para valorização
da notificação, conscientização dos profissionais
de saúde na solicitação de exames laboratoriais
pertinentes, capacitação e menos rotatividade de
técnicos de vigilância e formação de uma rede laboratorial que suporte a necessidade estadual das
doenças de notificação compulsória em geral.
7. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Bol
Epidemiol. 1992 jan/fev; 1 (2)
8. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Bol
Epidemiol. 2007 set./out.; 10 (3)
9. Brasil. Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde. [Citado em dez.2007]. Disponível em: www.datasus.gov.br
10. Miranzi SSC, Moraes SA, Freitas ICM. Tendência das
meningites por Haemophilus influenzae tipo b no
Brasil, em menores de 5 anos, no período de 1983 a
2002. Rev Soc Bras Med Trop. 2006; 39.(5):473-7.
11. Donalisio MR, Rocha MMM, Ramalheira RMF, Kemp
B. Critério diagnóstico da doença meningocócica na
Região Metropolitana de Campinas, São Paulo, Brasil.
Cad. Saúde Pública. 2004; 20(6):1531-7.
12. Côrtes MCJW. Vigilância das meningites na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, MG, 1999: o uso dos
sistemas de informação em saúde e o método da
captura –recaptura na estimação da incidência e da
subnotificação [tese]. Belo Horizonte, Minas Gerais:
Universidade Federal de Minas Gerais; 2002.
13. Miranzi SSC, Camacho LA, Valente JG. Haemophilus
influenzae tipo b: situação epidemiológica no Estado
de Minas Gerais, Brasil, 1993 a 1997. Cad Saúde Pública. 2003; 19(5):1267-75.
14. Brasil. Ministéio da Saúde. Secretaria de Vigilância
em Saúde. [site]. [Citado em out. 2007]. Disponível
em: www.saude.gov.br/svs
REFERÊNCIAS
15. Dean AG, Dean JA, Burton AH, Dicker RC. EpiInfo, versão 6.04. Centers for Disease Control and Prevention:
Atlanta, Georgia: World Health Organization; 2001.
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. 6ª ed.
Brasília: Ministério da Saúde; 2006. 816p.
16. Escosteguy CC, Medronho RA, Madruga R, Dias HG,
Braga RC, Azevedo OP. Vigilância epidemiológica e
avaliação da assistência às meningites. Rev Saúde
Pública. 2004; 38(5): 657-63.
2. Branco RG, Amoretti CF, Tasker RC. Meningococcal disease and meningitis. J Pediatr. (Rio de Janeiro) 2007;
83(2 Suppl):S46-53.
3. Veronesi R. Tratado de infectologia. 3ª ed. São Paulo:
Atheneu; 2005.
4. Mantese OC, Hirano J, Santos IC, Silva VM, Castro E.
Perfil etiológico das meningites bacterianas em crianças. J Pediatr. (Rio de Janeiro) 2002; 78(6): 467-74.
5. Puricelli RCB, Kupek E, Bertoncini, RCC. Controle de
surto de meningite meningocócica do sorogrupo C
no município de Corupá, Santa Catarina, Brasil com
ações rápidas e efetivas de vigilância epidemiológica
e imunização. Cad Saúde Pública. 2004; 20(4):959-67.
6. Moraes JC, Barata RB. A doença meningocócica em
São Paulo, Brasil, no século XX: características epidemiológicas. CadSaúde Pública. 2005; 21(5):1458-71.
17. Donalisio MRC, Kemp B, Rocha MMM, Ramalheira
RMF. Letalidade na epidemiologia da doença meningocócica: estudo na região de Campinas, SP, 1993 a
1998. Rev. Saúde Pública 2000;34(6):589-95.
18. Branco RG, Amoretti CF, Tasker RC. Doença Meningocócica e meningite. J Pediatr. (Rio de Janeiro) 2007;
83 (2 suppl.):s46-s55.
19. American Academy of Pediatrics. Relato do Comitê
de doenças Infecciosas. In: American Academy of
Pediatrics. Red Book 2003. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2003.
20. Farhat CK, Carvalho ES, Weckx LY, Carvalho LHFR,
Succi RCM. Imunizações: fundamentos práticos. 4ª
ed. São Paulo: Atheneu; 2000
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S249-S257
257
ARTIGO ORIGINAL
Condições de moradia, de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores
do setor extrativista vegetal da região do Vale do Aço,
Minas Gerais
Housing and basic sanitation conditions and prevalence of intestinal parasite infection among employees of extractive sector of the Steel Vale Region, Minas Gerais
Olívia Maria de Paula Alves Bezerra1, Cláudia Aparecida Marlière2, Roney Luiz de Carvalho Nicollato3, José Geraldo Sabioni4
RESUMO
1
Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Nutrição Clínica e Social da Escola de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto. Campus Morro do Cruzeiro, s/n.
Ouro Preto, MG. CEP: 35400-000 ([email protected]).
Fone: (31)3559-1838; Fax: (31) 3559-1828.
2
Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Nutrição Clínica e Social da Escola de Nutrição - Universidade
Federal de Ouro Preto.
3
Graduado, Professor Adjunto do Departamento de
Análises Clínicas da Escola de Farmácia - Universidade
Federal de Ouro Preto.
4
Doutor, Professor Adjunto do Departamento de Alimentos
da Escola de Nutrição - Universidade Federal de Ouro Preto.
Foram estudadas as condições de moradia e de saneamento básico e a prevalência de parasitoses intestinais em uma amostra de 806 trabalhadores do setor extrativista vegetal de
quatro municípios da região do Vale do Aço, Minas Gerais, dos quais 77 possuíam vínculo
formal de trabalho com uma empresa produtora de celulose bruta e 729 eram terceirizados. As atividades laborais eram relacionadas ao plantio, cultivo e extração de eucaliptos.
As condições de moradia e de saneamento básico foram investigadas por meio de aplicação que questionários semi-estruturados e a prevalência de parasitoses intestinais por
meio de exame parasitológico de fezes, utilizando-se o método da sedimentação espontânea. As condições de moradia e de saneamento básico foram consideradas precárias
e a prevalência de parasitoses foi da ordem de 31,1% dos examinados, dos quais 25,7%
encontravam-se poliparasitados. As espécies de parasitas mais freqüentes foram E. coli
(36,1%), G. lamblia (21,3%), A. duodenalis (19,7%), E. histolytica (17,3%) e A. lumbricoidis
(10,8%). Os resultados indicam a urgência da adoção de medidas de proteção sanitária e
ambiental, envolvendo melhoria da qualidade da água de consumo humano e adequada
disposição de dejetos tanto nas residências quanto no campo; promoção de atividades de
educação sanitária e em saúde, com ênfase na adoção de medidas de higiene ambiental,
corporal e dos alimentos; orientação sobre cuidados na manipulação de alimentos; adoção urgente de medidas de saneamento básico; e o tratamento dos doentes.
Palavras-chave: Saneamento básico. Habitação. Perfis sanitários. Doenças parasitárias. Trabalhadores rurais.
ABSTRACT
Endereço para correspondência:
FALTA ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
258
Housing and basic sanitation conditions and prevalence of intestinal parasite infection were
studied in a sample of 806 employees of the extractive vegetal sector of 4 municipalities of
the Steel Vale, Minas Gerais. From this sample 77 works were formal employees of cellulose
company and the others were third part ones. Their labour activities included planting and
extraction of eucalyptus trees. Housing and basic sanitation conditions were investigated
by the application of semi-structured questionnaire and the prevalence of intestinal parasite
infection by mean of stool specimens examined by spontaneous sedimentation. Housing
and basic sanitation conditions were considered precarious and the prevalence of intestinal
parasite infection was 31.1% of the sample examined, of which 25.7% were found several
parasites. The more frequent species found were E coli (36.1%), G. Lambia (21.3%), A.
Duodenalis (19,7%), E. Histolytica (17,3%) e A. Lumbricoides (10.8%). The results indicate
the urgent need of sanitation and environmental measures, which involve improvement
the water quality of human consumption and a proper disposition of dejects in both houses
and the work’s field; promotions of sanitation and of health in education programmes with
environmental focus, body and food hygiene; orientation food care, adoption of strict procedures of basic sanitation and treatment of the deseased employees.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S258-S264
Condições de moradia, de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores do setor extrativista vegetal da região do Vale do Aço, Minas Gerais
Key words: Basic sanitation. Housing. Sanitary profiles.
Parasitic disease. Rural workers.
INTRODUÇÃO
O Brasil apresenta grandes diversidades geográficas e sociais refletidas em perfis variados de
qualidade de vida e nos indicadores de saúde,
observando-se doenças próprias da pobreza e
aquelas encontradas nas sociedades ricas do denominado “primeiro mundo”.1
Entre as enfermidades associadas à pobreza e
às precárias condições de vida, encontram-se as
parasitoses intestinais, que ainda hoje representam
grave problema de saúde pública pela elevada prevalência e pelos custos diretos e indiretos que acarretam para os indivíduos e a sociedade. O parasitismo intestinal está associado a quadros de diarréias,
anemias e desnutrição, especialmente em crianças,
podendo levar ao retardo do crescimento e desenvolvimento; desconforto digestivo, o que interfere
na ingestão alimentar; redução da disponibilidade
de nutrientes para o organismo; sangramentos intestinais; além de obstrução intestinal, prolapso retal
e formação de abscessos.2 As precárias condições
de moradia, de saneamento básico e de trabalho,
o acesso insuficiente à informação e à atenção em
saúde, os baixos níveis educacionais e a precária
distribuição de renda são alguns dos fatores potenciais de risco de parasitoses intestinais, contribuindo para a sua disseminação no ambiente.
A importância do saneamento básico está bem
estabelecida, uma vez que a disposição inadequada
de dejetos no ambiente contamina água, solo e alimentos, possibilitando o surgimento de enteroparasitoses como ancilostomíase, amebíase, ascaridíase
e teníase, entre outras. Por outro lado, o investimento público em saneamento básico tem se mostrado
efetivo para o controle da transmissão das doenças
parasitárias e a promoção da saúde humana.
Neste artigo, são apresentados os resultados
de um estudo sobre as condições de moradia, de
saneamento básico e prevalência de enteroparasitoses entre trabalhadores do setor florestal que
atuam no plantio, cultivo e extração do eucalipto
e na produção da celulose bruta em municípios do
Vale do Aço, estado de Minas Gerais. Os achados
resultam de uma pesquisa mais ampla realizada
por solicitação de uma empresa produtora de celulose bruta, na qual foi feito diagnóstico de saúde
de uma amostra significativa de trabalhadores do
setor florestal, com vistas à implantação de ações
curativas e preventivas destinadas à reversão dos
agravos e promoção da saúde.
METODOLOGIA
Foi realizado estudo epidemiológico descritivo
de delineamento transversal, do tipo “inquérito
de prevalência”, envolvendo uma amostra estatisticamente significativa de trabalhadores do setor
florestal, calculada com intervalo de confiança de
95% e margem de erro de 5%, sendo contemplados
diferentes municípios e localidades onde ocorria
o desenvolvimento de atividades de plantio, cultivo e extração de eucalipto e produção de celulose bruta. A composição da amostra incluiu indivíduos que exerciam atividades de trabalho nos
municípios de Belo Oriente (376 trabalhadores),
Guanhães (150 trabalhadores), Ipaba (148 trabalhadores) e Nova Era (132 trabalhadores), totalizando
806 trabalhadores. Destes, 77 possuíam vínculo
formal de trabalho com a empresa produtora de
celulose bruta e 729 eram vinculados a empresas
prestadoras de serviços terceirizados relacionados
ao plantio, cultivo e extração de eucaliptos.
A seleção dos trabalhadores foi realizada de
forma aleatória, por meio de sorteio. Em função
do não fornecimento de amostras de fezes ou da
ausência do trabalhador no momento da aplicação dos questionários, reduziu-se a 795 indivíduos
que realizaram exame parasitológico de fezes (ou
98,6% do total previsto) e 796 que responderam aos
questionários (ou 98,7% do previsto). Destes, ainda
houve variações no n devidas ao desconhecimento
ou recusa em responder a algumas informações.
A coleta de dados ocorreu em setembro de
2004, tendo sido realizadas as seguintes etapas:
a) leitura e assinatura do termo de consentimento, em cumprimento aos preceitos éticos que envolvem pesquisas com seres humanos, dispostos
na Resolução CNS nº. 196, de 10 de outubro de
1996, de acordo com o projeto aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Ouro
Preto; b) recebimento das amostras de fezes e
acondicionamento para posterior transporte; e
c) aplicação de inquérito individual sobre condições socioeconômicas, de moradia e de saneamento básico.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S258-S264
259
Condições de moradia, de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores do setor extrativista vegetal da região do Vale do Aço, Minas Gerais
Para a coleta das amostras de fezes os trabalhadores receberam orientações impressas, as
quais foram lidas e explicadas a eles. Um frasco
contendo líquido conservante (MIF) foi entregue a
cada um, já devidamente rotulado e identificado, e
três amostras de fezes foram coletadas no próprio
domicílio, em dias diferentes e consecutivos, as
quais foram entregues à equipe de pesquisadores
no momento da aplicação dos inquéritos. Os frascos foram, então, devidamente acondicionados
em caixas de isopor contendo gelo e em seguida
transportados até o laboratório de análises clínicas, onde foram analisados pelo método Hoffman,
Pons & Janer (sedimentação espontânea).
A obtenção de dados socioeconômicos, condições de moradia e de saneamento básico utilizou
questionários semi-estruturados elaborados especialmente para fins do estudo e aplicados por entrevistadores devidamente treinados.
Para o tratamento dos dados obtidos adotou-se
o software EPIINFO 2004. Os resultados individuais dos exames parasitológicos de fezes foram impressos e enviados aos trabalhadores. Foi enviado
relatório da situação do coletivo de trabalhadores
às empresas contratantes pela equipe de pesquisadores, com orientações e recomendações quanto às
medidas corretivas e preventivas a serem adotadas.
RESULTADOS
média de 33,4 ± 10,0 anos (mediana=32 anos), sendo que 53,8% encontravam-se na faixa etária de 30
a 35 anos. Aproximadamente 85% deles eram analfabetos ou possuíam baixa escolaridade. A Tabela
1 apresenta a distribuição dos trabalhadores segundo a renda média domiciliar mensal percebida.
A distribuição dos trabalhadores segundo as
condições de moradia é apresentada na Tabela 2.
A Tabela 3 apresenta a distribuição dos trabalhadores segundo as condições de saneamento básico.
Na Tabela 4 são apresentadas as prevalências
de parasitismo, poliparasitismo e espécies simultâneas de parasitas intestinais encontradas nos exames parasitológicos de fezes.
A prevalência de parasitismo intestinal distribuída por espécies de parasitas encontrados nos
exames parasitológicos de fezes dos trabalhadores
estudados está na Tabela 5.
Tabela 1 - Distribuição da amostra de trabalhadores
segundo a renda média domiciliar mensal (n=721 )
Faixa de renda (SM)
Freqüência
%
≤1
61
8,5
1,001 – 3,000
535
74,2
3,001 – 5,000
94
13,0
5,001 – 8,000
25
3,5
8,001 – 12,000
4
0,6
12,001 – 20, 000
-
-
> 20,000
Todos os trabalhadores que participaram do estudo (n=796) eram do sexo masculino, com idade
Total
260
0,2
100,0
Nota: SM= salário-mínimo vigente à época (R$ 260,00).
Tabela 2 - Distribuição dos trabalhadores segundo as condições de moradia
Variável analisada
2
721
Continua...
Freqüência
%
Área de residência (n=760)
Rural
Urbana
Total
170
590
760
22,4
77,6
100,0
Condição do domicílio (n=733)
Próprio
Alugado
Cedido
Ocupado
Outros
Total
574
121
28
2
8
733
78,3
16,5
3,8
0,3
1,1
100,0
Número de moradores por domicílio (n=715)
1–5
6 – 10
11 – 15
≥16
Total
118
492
101
4
715
16,5
68,8
14,1
0,6
100,0
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S258-S264
Condições de moradia, de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores do setor extrativista vegetal da região do Vale do Aço, Minas Gerais
Tabela 2 - Distribuição dos trabalhadores segundo as condições de moradia
Variável analisada
Continuação...
Freqüência
%
Número de cômodos por domicílio (n=715)
≤3
4–6
7 – 10
>10
Total
118
492
101
4
715
16,5
68,8
14,1
0,6
100,0
Tipo de parede (n=714)
Alvenaria
Outros
Total
691
23
714
96,8
3,2
100,0
Tipo de piso (n=710)
Impermeabilizado
Não impermeabilizado (terra batida)
Total
691
19
710
97,3
2,7
100,0
Tipo de cobertura (n=700)
Bem vedada
Mal vedada (com infiltrações)
Total
590
110
700
84,3
15,7
100,0
5
0,7
195
27,5
Número de torneiras/pontos de água (n=709)
Nenhuma
Uma ou duas
Três a cinco
Seis ou mais
Total
466
65,7
43
6,1
709
100,0
Presença de cachorros ou gatos (n=796)
Sim
Não
Total
321
475
796
40,3
59,7
100,0
Sim
Não
Total
246
30,9
Presença de roedores (n=796)
550
69,1
796
100,0
Sim
Não
Total
255
541
796
32,0
68,0
100,0
Presença de baratas e outros insetos (n=796)
DISCUSSÃO
O perfil básico do trabalhador estudado pode
ser caracterizado como do sexo masculino, baixa
escolaridade e jovem, compatível com o tipo de
atividade física requerida pelo trabalho, normalmente muito intensa, exigindo vigor físico e grande
dispêndio energético.
A renda domiciliar média mensal dos trabalhadores é baixa, estando mais de 80% na faixa de até
três salários-mínimos mensais e 8,5% na faixa de
menos de um salário-mínimo mensal. A relação entre baixa renda e parasitismo intestinal tem sido demonstrada em nosso meio em estudos recentes.3,4
Embora 77,6% dos trabalhadores residam em
área urbana, as suas condições de moradia e de saneamento básico não são satisfatórias. Aproximadamente 16,5% pagam aluguel de suas residências,
comprometendo parcela da renda familiar; e apro-
ximadamente 4% residem em domicílio cedido ou
ocupado, o que representa fator de insegurança
para o trabalhador e sua família.
Cerca de 70% dos domicílios abrigam entre seis
e 10 moradores e 15% abrigam 11 ou mais pessoas, sendo que 70% das moradias têm de quatro a
seis cômodos e em torno de 15% têm três ou menos
cômodos. A densidade de pessoas que compartilham o mesmo espaço favorece a transmissão de
doenças infecciosas e parasitárias. A qualidade
das construções de paredes e pisos apresenta-se
adequada na maioria das casas, porém, pequena
parcela (3,2 e 2,7%, respectivamente) apresenta-se
inadequada, o que favorece a transmissão e disseminação de doenças infecciosas e parasitárias.
Em relação à qualidade da cobertura ou telhado,
verificou-se que um número importante de domicílios (15,7%) apresenta infiltrações e facilita abrigo
para insetos e roedores.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S258-S264
261
Condições de moradia, de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores do setor extrativista vegetal da região do Vale do Aço, Minas Gerais
Tabela 3 - Distribuição dos trabalhadores segundo condições de saneamento básico
Variável analisada
Freqüência
%
Tratamento público da água de consumo (n=718)
Tratada
Não tratada
Total
523
195
718
72,8
27,2
100,0
Tratamento domiciliar da água de consumo (n=718)
Nenhum tratamento
Só filtrada
Só fervida
Filtrada e fervida
Total
148
544
12
14
718
20,6
75,8
1,7
1,9
100,0
Interrupções no abastecimento domiciliar de água/
semana (n=483)
Nunca ou raramente
1–3 vezes
4–6 vezes
Todos os dias
Total
328
111
17
27
483
67,9
23,0
3,5
5,6
100,0
Destino domiciliar de águas servidas (n=720)
Fossa
Controle fechado/esgoto
Controle aberto/rio ou córrego
Sem controle/rua
Outros
Total
54
429
196
24
17
720
7,5
59,6
27,2
3,3
2,4
100,0
Destino dos dejetos fecais (n=721)
Fossa
Controle fechado/esgoto
Controle aberto/rio ou córrego
Sem controle/rua
Outros
Total
94
411
188
15
13
721
13,0
57,0
26,1
2,1
1,8
100,0
Destino do lixo domiciliar (n=725)
Coleta pública
Enterrado
Queimado
Lançado em terreno baldio
Lançado na rua
Lançado em rio/canal
Outros
Total
589
11
94
13
4
2
12
725
81,2
1,5
13,0
1,8
0,6
0,3
1,7
100,0
Tabela 4 - Prevalência de parasitismo, poliparasitismo e espécies simultâneas de parasitas intestinais entre os trabalhadores
Variável analisada
262
Freqüência
%
Ocorrência de parasitismo (n=795)
Não
Sim
Total
546
249
795
68,7
31,3
100,0
Ocorrência de poliparasitismo (n=249)
Não
Sim
Total
185
64
249
74,3
25,7
100,0
Número de espécies de parasitas (n=249)
1
2
3
4
6
Total
185
52
8
3
1
249
74,3
20,9
3,2
1,2
0,4
100,0
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S258-S264
Condições de moradia, de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores do setor extrativista vegetal da região do Vale do Aço, Minas Gerais
Tabela 5 - Prevalência de parasitismo intestinal entre os trabalhadores, estratificada por espécie de parasita (n=249)
Parasita
Freqüência
%
Freqüência
%
Ancylostomo duodenalis
200
80,3
49
19,7
Ascaris lumbricoidis
222
89,2
27
10,8
Entamoeba coli
159
63,9
90
36,1
E. histolytica
206
82,7
43
17,3
Endolimax nana
227
91,2
22
8,8
Enterobius vermicularis
247
99,6
1
0,4
Giardia lamblia
196
78,7
53
21,3
Hymenolepis nana
245
98,4
4
1,6
Iodamoeba butschlii
243
97,6
6
2,4
Shistosoma mansoni
235
94,4
14
5,6
Strongyloides stercoralis
233
93,6
16
6,4
Taenia saginata
248
99,6
1
0,4
Tricocephalus trichiurus
243
97,6
6
2,4
Grande parte dos trabalhadores (27%) não tem
acesso à rede pública de água tratada, cerca de 20%
não fazem nenhum tipo de tratamento domiciliar da
água e apenas 1,9% filtra e ferve a água de consumo - o
que os predispõem a contraírem doenças infecciosas
e parasitárias. Acresce-se a isso o fato de que significativo número de trabalhadores (32%) relatou interrupções freqüentes no abastecimento domiciliar de água,
levando-os a recorrer a outras fontes de abastecimento, como cursos d´água próximos das residências, com
aumento do risco de contrair tais doenças. O número
de torneiras ou pontos de água mostrou-se insatisfatório em aproximadamente 28% dos domicílios, que
possuíam nenhuma, uma ou apenas duas torneiras.
A indisponibilidade ou insuficiência de água para uso
nas moradias são fatores que comprometem a qualidade da higiene pessoal, do ambiente, dos utensílios
e dos alimentos, contribuindo para a disseminação de
doenças infecciosas e parasitárias.
Quase 40,3% dos domicílios abrigam animais de
estimação, cachorros ou gatos, que constituem veículos de contaminação fecal do ambiente e podem
funcionar como hospedeiros de parasitas. A presença de roedores, baratas e outros insetos foi relatada
em 30,9 a 32% das casas, indicando inadequação
das condições de saneamento básico e certamente
contribuindo para a disseminação de parasitas.
Quanto ao destino das águas servidas, a maioria
mencionou a utilização de fossas sépticas ou canalização para a rede pública, porém, 33% dos domicílios não têm acesso a esses serviços, lançando as
águas servidas diretamente em rio ou córrego, na
rua ou em outros locais inadequados. É particularmente preocupante o fato de aproximadamente 27%
das moradias lançarem suas águas servidas e esgotos em rios ou córregos, pois, segundo depoimento
dos trabalhadores, os mesmos cursos d´água são utilizados para abastecimento domiciliar, lavagem de
roupa, banho ou lazer, especialmente quando das
interrupções de abastecimento, que são freqüentes.
Em relação ao destino do lixo, mais de 95% dos
domicílios são servidos pela coleta pública ou tratam
os resíduos queimando-os ou enterrando-os. Apenas
3%, mais ou menos, dos domicílios apresentam-se
inadequados nesse aspecto, lançando os resíduos
em terreno baldio, cursos d´água ou no peridomicílio. No entanto, essa prática contribui para o aumento da contaminação ambiental e favorece o aumento
da população de vetores e hospedeiros envolvidos
na transmissão de doenças infecciosas e parasitárias
para as pessoas.
Foi constatada prevalência de aproximadamente
31% de parasitismo intestinal entre os trabalhadores
examinados, considerada bastante elevada em se
tratando de população adulta.5,6 Desses, em 25,7%
foi identificada a presença de mais de um parasita
intestinal (poliparasitismo) e quase 5% deles apresentaram três ou mais parasitas simultaneamente,
sendo que um único indivíduo chegou a apresentar
seis espécies simultâneas de parasitas intestinais. Essas prevalências podem ser consideradas bastante
elevadas, quando comparadas com outros achados
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S258-S264
263
Condições de moradia, de saneamento básico e prevalência de parasitoses intestinais entre trabalhadores do setor extrativista vegetal da região do Vale do Aço, Minas Gerais
em nosso meio.7,8 Os parasitas encontrados são, em
geral, de distribuição comum em países tropicais
pobres, sendo os mais freqüentes E. coli (36,1%), G.
lamblia (21,3%), A. duodenalis (19,7%), E. histolytica
(17,3%) e A. lumbricoidis (10,8%). As amebíases e a
giardíase estão relacionadas à ingestão de água de
má qualidade, ao passo que a ancilostomíase e a ascaridíase estão associadas à ingestão de alimentos
mal higienizados ou veiculadas por meio de mãos
sujas. Há que se considerar também que a ancilostomíase ocorre entre indivíduos que permanecem em
contato com terra contendo dejetos fecais de pessoas infectadas e pode estar ligada ao tipo de trabalho
desenvolvido pelos trabalhadores estudados. Também chamam a atenção as prevalências de estrongiloidíase (6,4%) e esquistossomose (5,6%).
mente em relação à cobertura e qualidade da água de
consumo humano e disposição de dejetos tanto nas
residências quanto no campo; a promoção de atividades de educação sanitária e em saúde, com ênfase na
adoção de medidas de higiene ambiental, corporal e
dos alimentos; e a orientação sobre os cuidados na
manipulação de alimentos de origem animal. Seguindo orientação da equipe de pesquisadores, as empresas passaram a adotar banheiros químicos e água
mineral para consumo dos trabalhadores no campo.
O controle efetivo dos problemas detectados
deverá compreender ainda o desenvolvimento de
ações em nível microeconômico - envolvendo fatores
estruturais, apontando para medidas de longo prazo
e que assegurem ambientes de vida e de trabalho saudáveis; e em nível macroeconômico, tendo em vista
principalmente a redução das desigualdades sociais.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
Inúmeros estudos disponíveis na literatura demonstram que a elevada prevalência de parasitoses
intestinais está relacionada às precárias condições
de moradia e de saneamento básico, aos baixos níveis educacionais e de renda, à ausência do poder
público na garantia de condições dignas de existência da população, especialmente no meio rural,
entre outros fatores. O estudo realizado demonstrou
a precariedade das condições de moradia e de saneamento básico para parcela significativa dos trabalhadores das empresas de reflorestamento e elevada
prevalência de enteroparasitoses, com destaque para
o expressivo número de indivíduos poliparasitados,
indicando, provavelmente, relação positiva de causa
e efeito entre condições de moradia e saneamento
básico e prevalência de enteroparasitoses.
Entretanto, é importante considerar que outros
fatores podem estar contribuindo para esse quadro,
entre eles as condições de trabalho, uma vez que esses indivíduos permanecem em contato direto com
a terra e em ambientes úmidos, sem instalações sanitárias adequadas e sem água de boa qualidade para
consumo durante a jornada de trabalho.
Para eliminar ou mitigar os problemas detectados,
medidas de proteção sanitária e ambiental devem
ser adotadas pelo poder público e pelas empresas
às quais os trabalhadores se encontram vinculados,
incluindo o tratamento dos doentes (já foi realizado
pelas empresas); a adoção urgente de medidas de saneamento básico, habituais ou alternativas, especial264
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S258-S264
1. Arruda KGA, Figueira F. Aspectos geopolíticos da problemática alimentar e nutricional. Cad Saúde Pública.
1988; 4(1):62-87.
2. Abraham RS,Tashima NT, Silva MA. Prevalência de enteroparasitoses em reeducandos da Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira de Presidente Venceslau, SP. Rev Bras Anal Clin. 2007; 36 (1):39-42.
3. Mascarini LM, Donalisio MR. Epidemiological aspects
of enteroparasitosis at daycare centers in the city of Botucatu, State of São Paulo, Brazil. Rev Bras Epidemiol.
2006; 9(3): 297-308.
4. Teixeira JC, Heller L, Barreto ML. Giardia duodenalis
infection: risk factors for children living in sub-standard settlements in Brazil. Cad Saúde Pública. 2007;
23(6):1489-93.
5. Almeida IS. Estudo transversal de prevalência de Giardia lamblia e outros parasitas intestinais no bairro
Nossa Senhora de Fátima – Planaltina, DF. Brasília Méd.
1991; 28(1/4):16-9.
6. Ismael G. Prevalência de parasitoses intestinais entre os
usuários do Centro de Saúde do Distrito Souzas, Campinas, São Paulo (1986-1990). Rev Soc Bras Med Trop.
1992; 25 (3): 177-82.
7. Santos RCV, Hoerlle JL, Aquino ARC. Prevalência de
enteroparasitoses em pacientes ambulatoriais do Hospital Divina Providência de Porto Alegre, RS. Rev Bras
Anal Clin 2004; 36(4): 241-3.
8. Souza EA, Silva-Nunes M, Malafronte RS, muniz PT, Cardoso MA, Ferreira MU. Prevalence and spatial distribution of intestinal parasitic infections in a rural Amazonian settlement, Acre State, Brazil. Cad Saúde Pública.
2007; 23(2):427-34.
ARTIGO ORIGINAL
Registro diário de medicamentos:
adequado para medir adesão em estudos
epidemiológicos?
Drug Diary: is it suitable to measure adherence
in epidemiological studies?
Juliana Álvares1; Francisco A Acurcio2; Palmira de Fátima Bonolo3; Mark D C Guimarães 3
RESUMO
O uso adequado dos anti-retrovirais (ARV) constitui-se em desafio tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde. Nesse contexto, é fundamental medir e analisar a ocorrência de não-adesão, na busca de intervenções que a minimizem. Objetivo:
avaliar o Registro Diário de Medicamentos (RDM) como instrumento de medida de
adesão ao tratamento anti-retroviral em estudos epidemiológicos. Métodos: pacientes
infectados pelo HIV, recebendo sua primeira prescrição de ARV obtiveram explicações
sobre a forma de utilização do RDM na entrevista basal do projeto Adesão ao Tratamento Anti-Retroviral (ATAR). Foram convidados a preencher o instrumento e devolvê-lo
no mês seguinte. A análise se dividiu em:a) análise da compreensão do preenchimento; b) análise da resposta; c) análise da adequação do preenchimento. Resultados: a
análise da compreensão mostrou que 96,5% dos entrevistados tiveram compreensão
total do instrumento. A análise da resposta mostrou perda de 28,2% dos RDMs, havendo
diferenças entre respondentes e não-respondentes. Na análise da adequação observouse que ser do sexo feminino (OR: 2,31; IC 95%: 1,21-4,40) e morar sozinho (OR: 2,42; IC
95%:1,10-5,34) estavam associados independentemente ao preenchimento inadequado
do RDM. Conclusões: é viável a utilização do RDM por pacientes com baixa escolaridade. Os resultados indicam a necessidade de modificações em sua estrutura para
melhor adaptá-lo como instrumento de medida de adesão em estudos epidemiológicos.
Entretanto, o RDM pode ser útil como uma ferramenta para auxiliar os profissionais
de saúde a prestarem informações ao paciente sobre o uso dos medicamentos e como
uma estratégia de promoção da adesão ao tratamento anti-retroviral.
1
Mestre - Departamento de Farmácia Social da Faculdade
de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
2
Doutor - Departamento de Farmácia Social da Faculdade
de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
3
Doutor - Departamento de Medicina Preventiva e Social
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Palavras-chave: Infecções por HIV/quimioterapia. Anti-retrovirais/administração &
dosagem. Aids/terapia. Terapêutica.
ABSTRACT
The adequate use of antiretroviral drugs (ARV) is a challenge to both patients and health
professionals. In that context, it is essential to measure and analyze the occurrence of nonadhesion to search for interventions that minimize it. Objective: to evaluate the Drug Diary (DD) as a tool to measure adherence to the antiretroviral treatment in epidemiological
studies. Methods: Patients infected with HIV, receiving their first ARV prescription, were
given explanation on the use of DD at the ATAR project’s basic interview. They were asked
to fill up the document and to return it on the following month. The analysis comprised
three aspects: 1. Understanding of the document; 2. Analysis of the answers; 3. Adequacy
in filling the document. Results: The analysis of understanding showed that 96.5% of the
patients completely understood the document. The analysis of answers showed a loss of
28.2% of DD, with differences between respondents and non-respondents. The analysis of
adequacy in filling the document showed that being a female (OR: 2.31; CI 95%: 1.21-4.40)
and living alone (OR: 2.42; CI 95%:1.10-5.34) were independently associated with inadequate filling of the DD. Conclusions: The use of DD is feasible for patients with low levels
Endereço para correspondência:
Francisco de Assis Acurcio
Av. Antônio Carlos, 6627 FAFAR Sala 1048B2
Cep: 31270-010
Belo Horizonte, MG, Brasil.
[email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S265-S271
265
Registro diário de medicamentos: adequado para medir adesão em estudos epidemiológicos?
of education. The results indicate a need for structural
changes on the DD, aiming its better use as a tool to measure adhesion in epidemiological studies. However, the
DD showed to be a useful tool to assist health professionals in providing patients with information about the use
of medicines, as well as a strategy to promote adherence
to the antiretroviral treatment.
Key words: HIV Infections/drug therapy. Anti-retroviral
Agents/administration & dosage. Aids/therapy. Therapuetics.
INTRODUÇÃO
Desde a década de 90 o Ministério da Saúde oferece aos pacientes infectados pelo HIV/AIDS, gratuitamente, os medicamentos necessários ao controle
do avanço da doença. O Brasil conseguiu, de forma
notável, superar o problema de acesso aos anti-retrovirais, peculiar aos países em desenvolvimento.1
Observa-se, no entanto, que os pacientes nem
sempre utilizam os medicamentos conforme as recomendações médicas e, mesmo em situações de
risco de vida potencial, a não-adesão ao tratamento anti-retroviral é consideravelmente alta.2,3
Diante disso, o desafio que se impõe para os
profissionais de saúde é encontrar formas de estimular o uso correto dos medicamentos, haja vista
a necessidade de cerca de 95% de adesão para a
redução adequada da carga viral. Assim, o monitoramento da utilização dos medicamentos e a identificação dos não-adeptos tornam-se imprescindíveis na prática clínica cotidiana.4-6
A medida adequada e bem realizada é uma das
chaves no estudo da adesão à terapia ARV. É importante verificá-la corretamente para que se possa planejar o tratamento de forma efetiva e garantir que as
mudanças no estado de saúde do paciente se devam
unicamente ao uso, ou não, dos medicamentos.7
Ocorre, entretanto, que não existe um “padrãoouro” para medir adesão. Tal fato leva à necessidade da pesquisa por melhores instrumentos e do uso
de vários deles, no mesmo estudo, para a obtenção
de dados mais próximos da realidade. Várias estratégias têm sido relatadas na literatura e nenhuma
delas está isenta de problemas, sejam eles de ordem prática ou metodológica; todos apresentam
limitações e, de algum modo, super ou subestimam
a adesão. Os métodos usados para a medida variam
em grau de conveniência e efetividade5,7,8.
Três instrumentos baseiam-se no método do
auto-relato do paciente: a entrevista estruturada, o
questionário padronizado e o registro diário de medi266
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S265-S271
camentos (RDM). As principais vantagens desse método são o baixo custo e a flexibilidade do desenho.
Os dados são facilmente coletados e podem ajudar a
determinar por que os pacientes são não-adeptos.
As entrevistas estruturadas apresentam como
principal viés o fato de os indivíduos nem sempre
revelarem a verdade. No entanto, a identificação
dos não-adeptos é altamente específica e indica
onde devem ser feitas intervenções.1,6,8
O questionário padronizado também é uma
medida subjetiva, mas, quando verifica comportamentos referentes a recomendações médicas
específicas (freqüência de alimentação e uso de
medicamentos, por exemplo), podem ser um bom
preditor de adesão, melhor até que a entrevista.7
O RDM tem como vantagem a facilidade de preenchimento, sendo acessível inclusive a pacientes de
baixa escolaridade; a desvantagem é que o paciente
precisa se lembrar de preencher o diário e de forma
adequada e prospectivamente. Outra possível limitação desse instrumento é a possibilidade de que
ele não somente meça a adesão, mas interfira no
comportamento de ingestão de medicamentos.6,9
De modo geral, o auto-relato, independentemente do instrumento utilizado, reflete a adesão
apenas em curto período de tempo ou a adesão
média, normalmente superestimada. De fato, todas
as medidas que dependem da colaboração do paciente estão sujeitas à inacurácia, seja pela informação dada pelo paciente, seja por sua perda de
vontade de cooperar.10
Nesse contexto, o objetivo principal deste estudo
é avaliar o uso do RDM como instrumento de medida de adesão à terapia anti-retroviral em indivíduos
em início de tratamento, visto que se trata de um
instrumento de fácil acesso e pode contribuir para a
melhoria da adesão a tratamentos prescritos.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho integra o projeto de pesquisa ATAR (Adesão ao Tratamento Anti-retroviral)11
desenvolvido pelo Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde (GPEAS) da Universidade Federal de Minas Gerais. O estudo tem
delineamento prospectivo concorrente e foi realizado em dois serviços públicos de saúde de referência para a assistência ambulatorial especializada em HIV/AIDS, em Belo Horizonte.
Registro diário de medicamentos: adequado para medir adesão em estudos epidemiológicos?
Foram incluídos todos os indivíduos com evidência laboratorial de infecção pelo HIV/AIDS, inscritos nos serviços ambulatoriais para sua primeira
prescrição de ARV no período de maio de 2001 a
maio de 2002, com idade igual ou superior a 18 anos
e gestantes a partir de 16 anos, que compareceram
a pelo menos uma entrevista de acompanhamento. Foram excluídos os indivíduos em abandono de
tratamento que retomaram a terapia e aqueles sem
autonomia mínima para decidir sobre o tratamento, desacompanhados de um responsável.
O projeto foi submetido e aprovado pelos dois
serviços de saúde e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG. Os participantes assinaram termo de
consentimento informado e esclarecido e o princípio de confidencialidade foi mantido. A coleta dos
dados foi feita por meio de instrumentos testados e
validados e após a capacitação dos entrevistadores.
Os pacientes foram entrevistados logo após a
primeira dispensação dos medicamentos ARV (entrevista basal), para coleta de dados socioeconômicos e demográficos, vulnerabilidade ao HIV/AIDS
e utilização dos serviços de saúde. Na ocasião, os
participantes foram esclarecidos sobre o modo de
preenchimento do RDM e orientados a preenchê-lo
duas semanas após a entrevista basal. A primeira
entrevista de acompanhamento ocorreu aproximadamente um mês após a entrevista basal, quando o
RDM foi devolvido pelos pacientes e realizada a outra medida da adesão pelo auto-relato do paciente,
por meio do questionamento sobre o uso dos antiretrovirais nos três dias anteriores à entrevista.
O RDM é um formulário desenhado para obter informações sobre o uso dos ARVs durante uma semana. Nele é registrada detalhadamente a forma como
o paciente utilizou os medicamentos: o horário da
tomada, o número de comprimidos e a alimentação
concomitante. Foi elaborado para atender principalmente àqueles indivíduos de baixa escolaridade ou
que não soubessem ler e escrever. Para facilitar o preenchimento, foram utilizados símbolos para o horário
(relógio de ponteiros) e alimentação (sanduíche). O
paciente também recebeu adesivos com fotografias
coloridas dos medicamentos por ele utilizados, visando a orientar melhor os registros das tomadas.
O RDM era apresentado ao final da entrevista
basal. O entrevistador exemplificava a forma correta
de preenchimento. Após a explicação, era pedido ao
paciente que preenchesse o RDM, como havia sido
orientado pelo entrevistador. Caso ele não acertasse,
repetia-se a orientação e, uma vez mais, solicitava-se
o preenchimento do formulário. Finalmente, acertando ou não, o paciente era convidado a levar um
RDM para casa, preenchê-lo duas semanas após a
entrevista basal e devolvê-lo na primeira entrevista
de acompanhamento, agendada para daí a um mês.
A avaliação do instrumento baseou-se nos seguintes critérios: em primeiro lugar, foi observada
sua capacidade de ser compreendido pelo paciente; em seguida, verificou-se sua aceitação por parte
dos usuários, por meio de uma análise de resposta;
e, por último, analisou-se a qualidade do preenchimento, em uma análise de adequação. A análise
dos dados foi dividida em três partes:
1) Análise da compreensão do preenchimento
- foi avaliada no momento da explicação inicial
dada pelo entrevistador. A compreensão foi considerada total quando o paciente soube reproduzir o explicado pelo entrevistador após a primeira explicação; parcial, quando foi necessária
uma segunda explicação.
2) Análise da resposta - foi definida como o ato do
paciente preencher e trazer o RDM para a entrevista de acompanhamento. Para a análise, comparouse o grupo dos que preencheram o formulário e o
entregaram com os que não o devolveram, com o
objetivo de avaliar se as perdas foram diferenciais,
ou seja, verificar a existência de tendências na
não-resposta. Foi utilizado o teste do qui-quadrado
de Pearson com nível de significância de 0,05.
3) Análise da adequação do preenchimento - a
adequação foi definida com o preenchimento
realizado da forma como explicada pelo entrevistador. Foi considerado inadequado qualquer
preenchimento feito de forma diferente. Para
cada RDM foram contabilizados os números de
preenchimentos inadequados pela distribuição
de freqüência simples. Para a realização da análise do preenchimento, calculou-se a proporção
de inadequados, dividindo-se o número de preenchimentos inadequados pelo número de registros efetivos em cada RDM e multiplicandose o resultado por 100. As análises univariada e
multivariada foram desenvolvidas adotando-se,
para a variável resposta, um ponto de corte no
terceiro quartil da distribuição das proporções
de preenchimentos inadequados. O nível de
significância empregado foi 0,05, estimado pelo
qui-quadrado de Pearson. Para a medida de associação foi utilizado o risco relativo.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S265-S271
267
Registro diário de medicamentos: adequado para medir adesão em estudos epidemiológicos?
O efeito independente de variáveis selecionadas
sobre o preenchimento inadequado foi avaliado
por meio de análise de regressão logística. Variáveis associadas ao preenchimento inadequado em
nível de significância de 0,20 na análise univariada foram incluídas no modelo inicial , bem como
aquelas consideradas de relevância epidemiológica. Foi utilizado o método de deleção de variáveis
até a obtenção do modelo final.
RESULTADOS
A entrevista basal do projeto ATAR foi respondida por 406 indivíduos. Destes, 391 (96,3%) fizeram o treinamento do preenchimento do RDM
e 362 (89,2%) retornaram para a primeira entrevista de acompanhamento. Dos que retornaram,
260 (71,8%) entregaram o RDM e, dentre estes,
251 (96,5%) permitiram a leitura do que haviam
preenchido.
Dos 406 participantes do projeto ATAR, 15
(3,7%) não fizeram o treinamento do preenchimento do registro diário. O principal motivo para o
não-treinamento foi falta de tempo ou recusa.
Análise da compreensão do preenchimento
O treinamento foi realizado com 391 pacientes. Destes, 377 (96,5%) foram capazes de reproduzir a explicação dada pelo entrevistador na
primeira tentativa. Para esses a compreensão do
preenchimento do RDM foi considerada total.
Para 14 (3,5%) pacientes foi necessário repetir
a explicação. Após a segunda demonstração da
forma correta de preenchimento, eles puderam
realizar a tarefa proposta e sua compreensão foi
tida como parcial. Todos foram capazes de preencher o RDM.
Características sociodemográficas
A análise descritiva das características sociodemográficas dos 362 pacientes que retornaram para
a entrevista de acompanhamento indicou que a
mediana de idade dos entrevistados foi de 33 anos
e 54,1% estavam na faixa etária de até 35 anos.
Aproximadamente 55% eram homens e em torno
268
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S265-S271
de 66% dos indivíduos tinham escolaridade baixa
e eram solteiros, separados ou viúvos (61,0%). Dos
participantes, 199 (54,7%) declararam ter tido renda individual no mês anterior à entrevista basal e
293 (81,6%) tinham alguma renda familiar.
Em relação à percepção e vulnerabilidade ao
HIV e AIDS, a maioria dos entrevistados (68,2%)
relatou a indicação de profissional de saúde como
o motivo para a realização do exame de HIV. A
grande maioria (83,1%) falou com alguém próximo (parente, amigo e/ou parceiro) sobre a soropositividade para o HIV; 80,1% informaram morar
com alguém.
Análise da resposta ao instrumento
A análise da resposta ao instrumento foi feita com os 362 pacientes que retornaram para
a entrevista de acompanhamento. Destes, 102
(28,2%) não trouxeram o RDM preenchido.
A comparação entre o grupo respondente e
aquele não-respondente mostrou que os grupos
diferem em relação a algumas características.
Observa-se que morar com alguém que usa
ARV (p=0,004), usar outro serviço de saúde (p=
0,030), ficar pelo menos um dia sem usar ARV
(p=0,001) e trocar de esquema ARV (p=0,001)
estão associados de forma estatisticamente significativa a não entregar o RDM. Apesar da diferença não ser estatisticamente significativa, verifica-se maior proporção de não-respondentes
entre indivíduos residentes em Belo Horizonte
(p= 0,090) e que deixam de tomar alguma dose
de ARV (p=0,063). Os dados encontram-se na
Tabela 1.
Análise da adequação do preenchimento
A distribuição de freqüência simples mostrou
que 74 (28,5%) RDMs apresentavam pelo menos
um preenchimento inadequado. Na distribuição
das proporções de preenchimentos inadequados
foi possível observar que 75% dos RDMs tinham
menos que 5% de preenchimentos assim classificados. Adotou-se, então, o terceiro quartil desta
distribuição como ponto de corte para a análise
da associação entre preenchimento inadequado
e variáveis selecionadas. A análise univariada
Registro diário de medicamentos: adequado para medir adesão em estudos epidemiológicos?
mostrou maior proporção de preenchimentos
inadequados entre as mulheres, entre os nãobrancos, os de baixa escolaridade, os que não
tinham renda familiar, os que moravam sozinhos, os que não tinham plano de saúde e entre
os indivíduos que utilizaram esquema terapêutico com três ou mais ARVs. Entretanto, apenas
a baixa compreensão das orientações médicas
segundo a percepção do paciente (RR: 1,21; IC
95%:1,01-1,45) esteve associada de forma estatisticamente significativa ao preenchimento inadequado do RDM.
A análise multivariada mostrou que ser do
sexo feminino (RR: 2,31; IC 95%: 1,21-4,40) e
morar sozinho (RR: 2,42; IC 95%:1,10-5,34) estavam associados independentemente ao preenchimento inadequado do RDM. Ter baixa compreensão das orientações médicas (RR: 1,83;
IC 95%:0,96-3,48) mostrou associação limítrofe,
mas permaneceu no modelo final. Os dados
encontram-se na Tabela 2.
Tabela 2 - Análise de regressão logística para preenchimento inadequado do RDM
Variável
RR (IC 95%)
p-valor
Sexo feminino
2,31 (1,21 - 4,40)
0,011*
Morar sozinho
2,42 (1,10 - 5,34)
0,028*
Baixa compreensão das
orientações médicas
1,83 (0,96 - 3,48)
0,065
*
p<0,05
DISCUSSÃO
A avaliação de um instrumento de medida
é um desafio, uma vez que se buscam respostas que podem ser fundamentais para o desenvolvimento de outros estudos e, mais que isso,
podem justificar ou não a sua utilização pelos
serviços de saúde.
Tabela 1 - Análise da resposta ao RDM de acordo com variáveis selecionadas em indivíduos HIV em uso de ARV na
primeira entrevista de acompanhamento, Belo Horizonte, 2001-2003
Característica
Entregaram RDM (%)
Não entregaram RDM (%)
Qui-quadrado
p-valor
Escolaridade
> 8 anos
≤ 8 anos
94 (36,4)
164 (63,6)
30 (29,4)
72 (70,6)
1,60
0,206
Estado civil
Casado / união
Solteiro/separado
97 (37,3)
163 (62,7)
44 (43,1)
58 (56,9)
1,05
0,306
Residência
Belo Horizonte
Interior
210 (80,8)
50 (19,2)
90 (88,2)
12 (11,8)
2,88
0,090
Teve renda no último mês
Sim
Não
142 (54,6)
118 (45,4)
54 (52,9)
48 (47,1)
0,08
0,774
Mora com alguém que usa ARV
Sim
Não
32 (12,3)
228 (87,7)
25 (24,5)
77 (75,5)
8,22
0,004*
Usa outro serviço de saúde
Sim
Não
46 (18,3)
206 (81,7)
28 (28,9)
69 (71,1)
4,72
0,030*
Ficou pelo menos 1 dia sem usar ARV
Não
Sim
217 (83,5)
43 (16,5)
61 (59,8)
41 (40,2)
23,00
0,001*
Deixou de tomar alguma dose
Não
Sim
222 (85,4)
38 (14,6)
78 (77,2)
23 (22,8)
3,48
0,063
*p< 0,05.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S265-S271
269
Registro diário de medicamentos: adequado para medir adesão em estudos epidemiológicos?
Treinamento e compreensão
do preenchimento
No estudo do RDM foi possível observar, na entrevista basal, que somente 15 participantes (3,7%)
não fizeram o treinamento por falta de tempo ou por
se recusarem a expor seu tratamento às pessoas do
convívio pessoal. De fato, o estigma e a discriminação
existentes constituem uma barreira aos portadores do
HIV/AIDS e é compreensível que alguns indivíduos prefiram manter sua condição em sigilo. De acordo com
a UNAIDS11, o estigma e a discriminação enfraquecem
ações de prevenção e bloqueiam os esforços para o
controle da epidemia, criando um clima ideal para favorecer seu crescimento. Juntos, eles constituem uma
das maiores barreiras para a prevenção de infecções,
promoção de cuidado, suporte e tratamento adequados, bem como redução do impacto da doença, pois
fazem com que as pessoas sintam medo de verificar se
estão infectadas e desencoraja a adoção de medidas
preventivas, que podem ser interpretadas como uma
confissão de que elas estão infectadas pelo HIV.
No momento do treinamento todos os pacientes foram capazes de reproduzir a explicação do
entrevistador sobre a forma de preenchimento do
RDM e para apenas 3,5% foi necessário repetir a
instrução. Tal fato confirma a capacidade do RDM
de atender indivíduos de baixa escolaridade ou
analfabetos, visto que a maior parte da população
tinha oito anos ou menos de escolaridade formal.
Observou-se que o RDM ajuda o paciente a compreender melhor a forma de utilização dos ARVs. Nos
dois serviços estudados, antes que seja feita a primeira dispensação de ARV, os pacientes são orientados
por um farmacêutico sobre a forma correta de uso
dos medicamentos e outros aspectos importantes
do tratamento. Dessa forma, o formulário pode ser
usado como um tipo de intervenção, no sentido de
promover a adesão do paciente ao tratamento. Além
A revista disso, de acordo com Wagner & Ghosh-Dastidar 9, a
exige o &?
utilização de um diário pode promover a adesão por
aumentar a percepção do paciente sobre seu tratamento. É como um sistema de retro-alimentação: o
paciente se lembra do formulário e conseqüentemente dos medicamentos e, do mesmo modo, se lembra
dos medicamentos e, por isso, do RDM. Weidle et
al.12 encontraram que uma das principais causas de
falhas de doses entre 173 pacientes estudados foi o
esquecimento, demonstrando que os pacientes precisam de ajuda para se lembrarem dos medicamen270
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S265-S271
tos e o RDM pode ser usado neste sentido. Straka et
al.13 estudaram a adesão ao tratamento em pacientes
com doença cardíaca e observaram que aqueles que
completavam o registro diário tinham aumento significativo na adesão, de 46 para 55%.
Resposta
Dentre os 362 pacientes que retornaram para a
entrevista de acompanhamento, observou-se taxa
de não-resposta de 28,2%. A análise das perdas mostrou que o grupo que retornou e trouxe o RDM apresentou algumas características diferentes daquelas
verificadas no grupo que retornou e não trouxe o
RDM, inclusive em variáveis que podem indicar a
adesão ao tratamento (p.ex. ficar pelo menos um dia
sem usar os medicamentos). A alta taxa de perda e a
perda diferencial são vieses importantes em estudos
epidemiológicos e devem ser considerados especialmente ao se utilizar o instrumento, em pesquisa ou
na rotina do serviço, como forma de medida.
Adequação de preenchimento
O RDM apresenta muitas vantagens como um
instrumento de medida de adesão, entre elas o baixo custo e a facilidade de assimilação por parte dos
respondentes, no entanto, é necessário que o paciente preencha o formulário e este é um problema
de difícil resolução. Sua utilização deve levar em
consideração aspectos relacionados ao tratamento
e ao estilo de vida dos pacientes. É de grande importância o papel do serviço e sua influência sobre
o comportamento dos indivíduos, devendo haver
abordagem diferenciada, além da conscientização,
multiprofissional se possível, sobre o uso do RDM e
seu potencial impacto na saúde do sujeito em tratamento. Sugere-se monitorização do preenchimento,
que pode evitar perdas e otimizar o uso do RDM.
Dois fatores que podem ter dificultado a aceitabilidade do instrumento pelos pacientes são seu tamanho e visibilidade, que facilitam a identificação
dos indivíduos como portadores do HIV. Sugere-se
então que, para ser utilizado pelo serviço de saúde,
o RDM passe por modificações que o tornem mais
discreto e de mais fácil manuseio pelo paciente.
Pode ser feita redução do tamanho ou torná-lo em
forma que permita dobras.
Registro diário de medicamentos: adequado para medir adesão em estudos epidemiológicos?
A análise da adequação do preenchimento
confirmou, mais uma vez, a capacidade do instrumento em atender a indivíduos de baixa escolaridade. Dos RDMs entregues na entrevista de acompanhamento, 28,5% apresentavam algum tipo de
inadequação do preenchimento, no entanto, apenas nove (3,5%) não permitiam leitura do que foi
preenchido. Considerando que a maior parte dos
indivíduos infectados pelo HIV tem baixa escolaridade, a utilização de um mecanismo de fácil manuseio e entendimento pode prover resultados de
maior acurácia.
Neste trabalho o não-preenchimento do registro foi considerado não-utilização dos medicamentos, mas é preciso cautela na avaliação do que foi
preenchido pelo paciente no RDM, principalmente
quando este apresenta espaços em branco. Uma
solução mais adequada seria acrescentar à estrutura do RDM um espaço específico para que o paciente pudesse deixar claro quando o medicamento não foi utilizado.
CONCLUSÃO
O estudo do RDM mostrou bons resultados no
que diz respeito ao entendimento dos pacientes
quanto à forma de utilização. A barreira da escolaridade foi vencida e não foram observadas dificuldades no que diz respeito ao preenchimento.
O maior problema ocorreu com a resposta dos
indivíduos ao instrumento. A perda de 28,2% dos
respondentes e o fato dessa perda ter ocorrido de
forma diferencial entre eles são aspectos complicadores para a utilização do instrumento, na forma
proposta. Os resultados indicam a necessidade de
modificações em sua estrutura para melhor adaptá-lo como instrumento de medida de adesão em
estudos epidemiológicos
Acredita-se, entretanto, que com as alterações
sugeridas e o adequado monitoramento dos pacientes, esta limitação pode ser contornada, tornando o formulário apto a ser utilizado na rotina
do serviço ou em pesquisa.
O que se percebeu foi que o RDM pode ser
utilizado como uma ferramenta para auxiliar profissionais de saúde a prestarem informações ao
paciente sobre o uso correto de medicamentos e,
conseqüentemente, como uma estratégia de promoção da adesão ao tratamento anti-retroviral.
REFERÊNCIAS
1. Hacker MA, Petersen MI, Enriquez M, Bastos FI. Highly
active antiretroviral therapy in Brazil: the chalenge of
universal access in a context of social inequality. Pan
Am J Public Health. 2004; 16(2):78-83.
2. Nemes MIB, Carvalho HB, Souza MFM. Antiretroviral therapy adherence in Brazil. AIDS 2004; 18
(Suppl.3):S15-S20.
3. Wright MT. The old problem of adherence: research
on treatment adherence and its relevance for HIV/
AIDS. Aids Care. 2000; 12(6):703-10.
4. García PR, Côté JK. Factor affecting adherence to antiretroviral therapy in people living with HIV/AIDS. J
Assoc Nurses Aids Care. 2003; 14(4):37-45.
5. Williams AB. Adherence to HIV regimens: 10 vital lessons. Am J Nurs. 2001; 101(6):37-43.
6. Chesney MA. Factors affecting adherence to antiretroviral therapy. Clin Infec Dis. 2000; 30(Suppl.l 2): S171-S176.
7. World Health Organization. Adherence to long-term
therapies. Evidence for action. Geneva: WHO; 2003.
8. Stone VE. Strategies for optimizing adherence to highly active antiretroviral therapy: lessons from research and clinical practice. Clin Inf Dis. 200; 33: 865-72.
9. Wagner GJ, Ghosh-Dastidar B. Electronic monitoring:
adherence assessment or intervention? HIV Clin Trials.
2002; 3(1): 45-51.
10. Falta Refefrência @@@@@@@@@@@@@@@@
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
11. Bonolo PF, Cesar CC, Acurcio FA, Ceccato MGB, Padua
CAM, Alvares J, et al. Non-adherence among patients
initiating antiretroviral therapy: a challenge for health
professionals in Brazil. AIDS. 2005; 19(Suppl 4): S5-S13.
12. Joint United Nations Programme On HIV/AIDS. Report on the global Aids epidemic 2006. [Acesso em
17 ago. 2007]. Disponível em: http://www.unaids.org/
en/HIV_data/ 2006 GlobalReport/default.asp.
13. Weidle PJ, Ganea CE, Irwin KL, McGowan JP, Ernst JA,
Olivo N, et al. Adherence to antiretroviral medications
in an inner-city population. J Acquir Immune Defic
Syndr. 1999; 22: 498-502.
14. Straka RJ, Fish JT, Benson SR, Suth JT. Patient self-reporting of compliance does not correspond with electronic monitoring: An evaluation using isosoride dinitrate as a model drug. Pharmacoterapy. 1997; 17: 126-32.
15. Miller LG, Liu H, Golin CE,Ye Z, Beck K, Kaplan AH, et al.
Knowledge of antiretroviral regimen dosing and adherence: a longitudinal study. Clin Infec Dis. 2003; 36: 514-7.
16. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de
DST/Aids. Secretaria de Vigilância em Saúde. 01ª à 34ª
semanas epidemiológicas. Bol Epidemiol. AIDS; 2004
jan./jun.; 28(1) [Acesso em 06 jun. 2005]. Disponível
em: www.aids.gov.br .
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S265-S271
271
ARTIGO ORIGINAL
A morfologia urbana e a desorganização
do espaço como condição favorável à
exarcebação do crime
Falta título em inglês
Falta título em inglês
Falta título em inglês
Maria Helena Rocha1; José Eustáquio Machado de Paiva 2; Maria de Lourdes Dolabela Luciano Pereira3
RESUMO
1
Doutoranda da UFMG/FAFICH/Sociologia
2
Doutor/UFMG/ARQ/TAU
3
Pós-Doutora/UFMG/FAFICH/Sociologia
Belo Horizonte tem experimentado um intenso processo de urbanização e acentuado
crescimento populacional nas últimas décadas, seguidos de crescimento econômico e
avanços tecnológicos. Disto advém profundo impacto sobre o espaço físico da cidade,
segmentando-a, dividindo-a em múltiplos territórios marcados pela disputa de espaços
e por crescente onda de violência. Por sua vez, a morfologia da cidade denuncia um crescimento irregular, entremeado ora por uma ocupação planejada, ora por ocupação desorganizada assentada em área de risco, com sua forma singular que, como um selo, destaca-se
por toda a cidade. Isto propicia indagar sobre o que há de comum entre essa dinâmica
espacial e a disputa territorial, no trato da violência e da criminalidade. É interessante,
nesse sentido, fazer uma aproximação entre a morfologia urbana e as teorias ecológicas
da desorganização social com o crime de homicídio consumado. Para tanto, este trabalho
propõe, por meio de revisão bibliográfica, identificar a priori quais são esses aspectos e
fatores ligados à forma urbana relacionados com essa criminalidade violenta exponencial. Não
Palavras-chave: Violência. Crime. Morfologia. Urbanização. Cidades grandes. Belo Horizonte.
ABSTRACT
são
máximo de
5 palavraschave?
Belo Horizonte has been going through an intense process of urbanization and a marked
population growth in the last decades, followed by economic growth and technological
advancements. These changes generate a deep impact on the physical space of the city,
which segments it into multiple territories characterized by disputes of space and an increasing violence wave. In its turn, the morphology of the city shows an irregular growth,
intermingled sometimes by a planed occupation and other times by a disordered occupation settled in risky areas, with a unique form which, like a seal, outstands throughout the
city. This line of thought leads us to ask what is common among such space dynamics
and the territorial dispute, when it comes to violence and criminality. It is interesting, in
this sense, to approach the relationship of urban morphology and the ecological theories
of social disorganization to accomplished homicide. For such, this work intends to identify, a priori, and by means of a bibliographic review, which are such aspects and factors
connected to the urban form that are related to the exponential violent criminality.
Key words: Violence. Crime. Morphology. Urbanization. Large cities. Belo Horizonte.
INTRODUÇÃO
Endereço para correspondência
Praça Cairo, 34, ap. 301; B. Santo Antonio.
CEP.: 30.330.280
E-mail: [email protected]
272
A violência vem se pronunciando cada vez mais como um fenômeno mundial,
trazendo à tona diferentes teorizações e ênfase na abordagem multidisciplinar,
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
envolvendo diversos campos do saber empenhados em deslindar novas formas de gerir esse fenômeno. Se, inicialmente, a violência foi atribuída aos
saltos abruptos do progresso, hoje sua expansão se
dá indiscriminadamente, sendo que, no Brasil, essa
fase é marcada nos finais dos anos 80, coincidindo
com a globalização e com a comunicação virtual
e seus desdobramentos. Assiste-se, na atualidade,
ao emergir de um acentuado sentimento de medo
e de insegurança coletiva, ao mesmo tempo em
que as políticas públicas e a justiça tradicional “[...]
se mostram incapazes de garantir a ordem por um
lado e promover os direitos fundamentais da pessoa humana, por outro”1, numa situação em que
se constata, sobretudo, o aumento do fosso entre
a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do Estado de impor a lei e a ordem. Por
sua vez, a sociedade como um todo vem se submetendo ao exercício cotidiano da violência, sob forte
pressão psicológica em face dos fatos que assolam
traumaticamente alguns locais e pessoas e cuja notícia é “[...] disseminada e dramatizada pelos meios
de comunicação em escala global”2.
A associação entre o urbano e a criminalidade
violenta tem sido objeto de estudo desde o início
do século XX, nos Estados Unidos, com a abordagem ecológica caracterizada pela Escola de Chicago, inicialmente representada por Park9, Shaw
e McKay11, Bursik3, e, mais tarde, Sampson e Groves10, entre outros. Eles constituíram um marco ao
conformar o campo da sociologia urbana por meio
de esforço sistemático de consolidar como objeto
de análise a construção do espaço urbano diante
da apropriação feita pelos migrantes.
Isto também se verifica nas metrópoles brasileiras, fortemente marcadas pela intensa migração
que mudou radicalmente seu perfil nas últimas
cinco décadas e que ainda continua a exercer forte
influência na configuração urbana e no conjunto
das relações sociais, econômicas e políticas.
Na estruturação da forma urbana podem ser
distinguidos três aspectos fundamentais, “[...] representados pelas categorias formais distintas do
Urbanismo, do tecido urbano e do uso do solo”3.
Eles se encontram vinculados entre si numa relação espacial hierarquizada, de modo a constituir
determinadas unidades, cujos padrões e ocupação
relacionam-se ao uso do solo e à dinâmica social.
Dessa forma, quatro elementos complexos ganham destaque: o lugar, o sistema viário, o padrão
de parcelamento dos lotes e a implantação das edificações nos lotes, traduzindo-se na ocupação e
no uso dos impulsos advindos de cada período da
vida dos seus habitantes. As múltiplas edificações
refletem como a política de urbanização e seus vetores se instalam, bem como a prosperidade marca
a cena urbana pela sua localização, sua grandiosidade e significação na silhueta da cidade.3
Por outro lado, as teorias ecológicas do crime4
têm permitido ampliar a compreensão do espaço
urbano, substituindo o enfoque individual das teorias tradicionais e conquistando mais espaço nos
estudos em criminologia.
Com base na Teoria da des(Organização), buscou-se entender por que em algumas áreas da cidade persistiam altos índices de criminalidade, explicando a persistência do crime numa área como
uma função da falta de organização social da localidade. A presença, portanto, dessas características de “(des)organização” tornam essa comunidade mais vulnerável e incapaz de proteger-se contra
a criminalidade.5, 6
Também a Teoria das Janelas Quebradas propõe-se a explicar a criminalidade, mapeando as
áreas onde ela ocorre com mais incidência por
meio da correlação entre delitos menores e crimes
mais sérios, tendo como conseqüência a decadência e a queda da qualidade de vida de seus moradores. Seu pressuposto básico é que desordem e
crime estão “inextricavelmente ligados”7.
Kelling e Coles6 concluem que a demanda por
ordem permeia todas as classes sociais e grupos
étnicos, ressaltando que o problema não é a condição das pessoas, mas sim o seu comportamento
ou conduta. A isto se soma a importância das características físicas de um local como um provável
e forte fator para se explicar a criminalidade.
Tendo em vista essa dinâmica, o presente estudo busca relacionar as características morfológicas da cidade e o local de ocorrência da violência
e do crime, buscando aprofundar um pouco mais
o conhecimento sobre essa relação. A metodologia desse estudo é composta da abordagem teórica agregada à referência empírica do cotidiano
urbano de dois contextos morfologicamente distintos do município de Belo Horizonte, representados
pelo bairro Caiçara, situado na zona noroeste da
capital, e pelo Aglomerado Urbano Pedreira Prado
Lopes (PPL), localizado na proximidade da região
central da cidade e também situado na zona noRev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
273
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
roeste. Os dados relativos à criminalidade foram
obtidos junto ao Centro de Estudos de Crimi-
nalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP/UFMG)8,
uso, observam-se, além das residências, comércio
e serviços amplos variados12, tanto de atendimento
local quanto de alcance metropolitano.
referentes ao período de 2000 a 2005, utilizando-se
os recortes da subclasse de homicídio consumado
especificado por ano, local, tipo de crime e logradouro. Foram também analisados os dados obtidos do 34o Batalhão da PMMG (Polícia Militar do
Estado de Minas Gerais), gerados pela experiência
desse contingente em ambos os espaços, seguidos
da análise da morfologia urbana apoiada naqueles
aspectos apontados por Conzen3, considerados em
termos da dinâmica da forma da cidade.9
Dois espaços, duas realidades: Caiçara
e Pedreira Padre Lopes
O bairro Caiçara encontra-se quase todo compreendido entre dois eixos arteriais de importância
metropolitana. Constitui um bairro residencial de
classe média (renda média superior a cinco salários mínimos), implantado na primeira metade do
século passado, com arruamento ortogonal, lotes
padronizados, áreas de lazer, infra-estrutura e serviços urbanos adequados (Figuras 1 e 2). Situa-se
em uma encosta de pouca declividade e a malha
urbana foi implantada sem grandes movimentações de terra na sua maior parte.3
Sua expansão foi motivada pela criação de um
eixo de comunicação abrangendo as áreas residenciais, os equipamentos esportivos (estádio de
futebol e ginásio de esportes), sedes de grandes
corporações e órgãos governamentais da região da
Pampulha (noroeste), o principal campus da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais.), além de
um grande shopping center e de um cemitério municipal, com o centro comercial da cidade. O uso
das quadras e lotes admite construções residenciais
uni e multifamiliares, estas especialmente compostas por edifícios verticais, como também uso misto, incluindo comércio e serviços, principalmente
na proximidade dos corredores de trânsito, o que
se consolida a partir de 1985 compondo as tipologias edilícias de sua edificação. Há predomínio de
ruas calçadas e de algumas poucas asfaltadas.9 A
ocupação encontra-se consolidada, possuindo contingente populacional em 2000 de 37.146, segundo
o IBGE10, em uma área de 4,27 km2. Em relação ao
274
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
Figura 1: Bairro Caiçara: estrutura viária
Fonte: PRODABEL/FJP – Atlas de Desenvolvimento
Humano/RMBH/200611
Figura 2: Bairro Caiçara: morfologia
Fonte: PRODABEL/FJP – Atlas de Desenvolvimento
Humano/RMBH/200611
Quanto às tipologias edilícias9, o bairro conta com uma mistura de edificações, conforme a
época e o uso, destacando-se as residências unifamiliares correspondentes às primeiras décadas
de ocupação; os edifícios verticais, constituindo
áreas mais adensadas de uso residencial, mais
para o interior do bairro; e as edificações de uso
comercial, principalmente ao longo do eixo viário
da Av. Presidente Carlos Luz. Essa modificação da
volumetria do bairro reflete a transição de uso e
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
valor do solo urbano e se relaciona à perda da qualidade urbana devido ao aumento da população
emigrada e da densidade construtiva e ao aumento
do tráfego, do ruído e da poluição urbana.3, 9
Já a Pedreira Prado Lopes (PPL) remonta à
fundação da capital, contando hoje com mais de
um século, sendo remanescente de uma área de
acampamento com finalidade de dormitório, fruto
da exploração da pedreira que lhe dá o nome. Aos
poucos foram surgindo barracos em decorrência
de processo migratório, sem, contudo, constituir laços de comunidade coesa, herança essa que ainda
vigora na atualidade.12 Caracteriza-se por periferia
com diferentes níveis de pobreza, fruto do apossamento das encostas ou de áreas sem atrativos para
a especulação imobiliária, passando, ao longo do
tempo, com a expansão da cidade junto aos seus
limites, a ser fortemente marcada pela presença da
prostituição e da violência. Constitui um local cercado completamente por bairros de classe média
e próximo do principal eixo metropolitano de ligação norte, Av. Presidente Antônio Carlos que, nas
suas proximidades, agrega um comércio forte e variado, serviços e equipamentos, como o Hospital
Odilon Behrens e Delegacia de Furtos e Roubos.
Nas últimas décadas do século XX, estabeleceu-se
aí um pólo de tráfico e distribuição de drogas, relacionado ao aumento da violência e do crime.12
Situado próximo ao hipercentro, ocupa uma
área elevada, íngreme, cuja declividade chega a ser
superior a 45º em alguns trechos.11 Em 2004 abrigava cerca de 12.000 habitantes em uma área de
142 mil m2, congregando aproximadamente 58%
de jovens até 25 anos.12 Sua ocupação e usos não
se encontram regulados pela legislação municipal,
sendo a área considerada fora dos padrões aceitáveis de assentamento, devido às características da
estrutura urbana e das moradias, além da topografia inadequada, com encostas abruptas, boqueirões, voçorocas e cavas resultantes da exploração
da antiga pedreira, que deu o nome ao lugar.3 Seu
sistema viário é praticamente inexistente, com exceção da R. Pedro Lessa, traçada nos anos de 1950
com a finalidade de conexão com a área hospitalar
e escolar, como o verificado nas Figuras 3 e 4.
A ocupação se faz de forma completamente
diferenciada da malha ortogonal dos bairros do
entorno.3 Apresenta grande densidade construtiva,
predominantemente residencial, ocupando terrenos exíguos, irregulares, cujos acessos se dão por
um emaranhado de ruelas e becos que se alargam
e estreitam numa lógica própria, estabelecida pela
irregularidade da ocupação de barracos e casas
sem planejamento prévio, construído, no mais das
vezes, de forma precária e com grande diversidade
de materiais13. Dessa forma, somente os moradores
detêm e administram a mobilidade na área, restringindo o acesso e as incursões da polícia. Os becos
são quase todos cimentados, mas apresentam conservação precária, com muitos buracos e com esgoto correndo por eles, muitas vezes a céu aberto.9
Figura 3: Pedreira Prado Lopes: estrutura viária
Fonte: PRODABEL/FJP - Atlas de Desenvolvimento
Humano/RMBH/200611
Figura 4: Pedreira Prado Lopes: morfologia
Fonte: PRODABEL/FJP - Atlas de Desenvolvimento
Humano/RMBH/200611
O sistema de drenagem convencional é precário ou inexistente e a sujeira e o lixo amontoamse precariamente em algumas áreas. Há moradias
em áreas de risco, precariedade do sistema viário
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
275
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
Refletindo os dados
Com apoio nos dados e na literatura utilizada,
pode-se inferir que em lugares onde predominam
a desordem, a desarmonia, a tensão e a luta, acontece também a convergência maior para algum
tipo de incivilidade.14 Pode-se compreender que o
tecido urbano das grandes cidades se estrutura e
define as relações de força política entre os diversos grupos sociais que aí se afirmam.
A teoria da (des)Organização postula que a existência de certas características sociais nos espaços
das vilas e bairros contribui para a permanência
de altas taxas de criminalidade13. Entre essas características são significativas as heterogeneidades
étnicas, o grau de imigração nesses espaços, as
redes sociais dos moradores e a eficácia coletiva
da comunidade, como foi demonstrado por Shaw e
Mckay5; Bursik15; Sampson e Groves16, entre outros.
Percebe-se, ainda, que as mudanças da cidade
contemporânea estão relacionadas com o confinamento dos terrenos de sociabilidade, com a redefinição dos modelos de lugares, quer públicos,
quer privados, e com o acirramento da violência
correspondendo à mobilidade e ao estreitamento
de usos do espaço de circulação e provocando
alteração dos hábitos.17 Assim, cada vez mais essas mudanças são quantificáveis e se distinguem
e se diferenciam pelo volume de transporte privado, pela moradia, pela circulação em lugares
seguros, buscando proteger a população dos que
podem menos. São visíveis as diferenças - tanto da
perspectiva da morfologia já discutida quanto das
formas de organização, da celeridade migratória e
da fraca coesão social - entre os moradores do Caiçara e da PPL. A presença dessas características
de “(des)organização” torna a última comunidade
mais vulnerável e incapaz de proteger-se contra a
criminalidade. Isto se faz notório quando se comparam os dados obtidos de homicídio consumado
entre o Caiçara e a PPL (Gráfico 1 e Tabela 1).
Registros de Homicídios por Bairro (2000 a 2005)
20
N. de Registros
e acentuado adensamento e verticalização das casas13. As construções são, em geral, mal acabadas
e apresentam quase sempre conservação precária,
com tipologias que variam de um a três pavimentos,
resultantes de acréscimos constantes para abrigar
novas famílias e demandas de espaço, apresentando-se muitas vezes sem revestimento externo ou
mesmo sem acabamento interno, apesar de que,
muitas também acabam, ao longo do tempo, a
apresentar condições melhores de habitabilidade.
Quando cercadas por muros, estes se encontram
muitas vezes pichados e também descamados. O
comércio é restrito, constituído predominantemente por pequenos bares, vendas, salões de beleza
ou lojas de produtos diversos. Possui ainda duas
escolas estaduais e uma municipal, um posto de
saúde e pequenos templos, com predomínio das
igrejas evangélicas.9
15
10
5
0
2000
2003
2002
2001
2005
2004
Ano
Prado Lopes
Caiçara
Gráfico 1: Dados de homicídio consumado – 2.000 a 2.005
Fonte: Tabela 1 – CRISP/UFMG
Tabela 1 – Registros de Homicídios por Tipo de Logradouro/ Bairro/ Ano
Bairro
Tipo de Logradouro
Caiçara
Prado Lopes
276
Ano
Total
2000
2001
2002
2003
2004
2005
AV (57,14%)
0
0
2
1
1
0
4
RUA (42,86 %)
2
0
0
1
0
0
3
TOTAL
2
0
2
2
1
0
7
AV (10.81%)
0
0
1
1
2
0
4
BECO (24,32 %)
1
2
1
0
2
3
9
RUA (64,86%)
5
0
2
1
13
3
24
TOTAL
6
2
4
2
17
6
37
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
Beato18 acusa que o risco de ser vítima de homicídio é significativamente superior entre aqueles
que habitam áreas, regiões ou bairros com deficiências sociais e de precária infra-estrutura urbana.
Percebe-se, portanto, que a desigualdade socioeconômica define não só a especialização do crime,
como também a camada mais protegida do “mote”
da violência classificada como homicídios dolosos19. Essa concentração de desvantagens estruturais e socioeconômicas “contribuiu para que uma
comunidade da PPL demorasse várias décadas para
organizar suas primeiras entidades representativas
e, conseqüentemente, para começar a formalizar
suas reivindicações de maneira mais sistemática”12.
Neste sentido, ao se comparar o número de homicídios consumados em relação ao período de 2000 a
2005 no bairro Caiçara, obtém-se certa regularidade
nos anos 2000, 2002 e 2003 e declínio em 2004, até
atingir, em 2005, com a ausência de homicídios, a
exemplo de 2001, o que parece indicar uma resposta
favorável a certas iniciativas, em particular “a integração entre moradores e Polícia Militar”, segundo
os dados do 34º Batalhão da Polícia Militar de Minas
Gerais.20 Diferentemente, a PPL, no mesmo período,
apresenta curva ondular, atingindo em 2004 o pico,
em termos de homicídios consumados, e significativo decréscimo em 2005, chegando a número similar
ao verificado no ano de 2000. Embora as curvas de
homicídios da PPL e do Caiçara se tangenciem em
2003, elas possuem significados diferentes, uma vez
que, se para a PPL significa declínio, para o Caiçara
significa elevação, comparado ao seu perfil de criminalidade. Segundo Shaw e Mckay5, o ponto central é
que certos tipos de crime tornam-se norma cultural
dentro de uma zona em transição, concluindo que as
causas da criminalidade se devem à desorganização
social, à diversidade étnico-cultural e à transmissão
cultural da delinqüência.
Ao que tudo indica, o pico em 2004 deve-se à seqüência de fatos que têm início em 2003 e se ligam à
prisão do traficante Denis Peixoto. Nesse ano a Polícia Civil contabilizou 19 assassinatos12 e nos nove primeiros meses de 2004 o número de pessoas mortas
ampliou-se para 50, em meio aos combates que se
tornaram quase que diários em face da guerra entre
os traficantes pelo domínio do tráfico na PPL.12
Pode-se prever, em função desses dados, que a
criminalidade violenta, além de encontrar-se referenciada em determinado recorte espacial, também se
encontra especializada em função das oportunidades
oferecidas por ele.21 Isto parece afinizar com o já tácito
na literatura, uma vez que é nas camadas mais pobres
que mais se verifica a ocorrência do grau extremo da
violência, o homicídio doloso, notadamente em seus
agentes masculinos mais jovens, independentemente
de cor.22 Desta forma, o conjunto de desvantagens com
que vivem os moradores da PPL torna-os mais vulneráveis e a região mais profícua ao tipo de crime violento.
Contudo, a diferença da freqüência de dados
de homicídios entre o Caiçara e a PPL sugere ainda
as indagações: o que está por trás desse registro
acentuado de homicídios na PPL? É a morfologia
dos sítios? São questões de ordem estrutural? Ou a
forte presença do tráfico na PPL?
Um olhar superficial poderia se encaminhar
para respostas simplistas, mas a literatura especializada e os dados de pesquisas anteriores, acrescidos
dos dados obtidos e analisados na presente pesquisa, possibilitam inferir que cada um desses três aspectos tem o seu peso. Entretanto, não foi possível
estabelecer relações de causa e efeito, em função
da limitação do tratamento estatístico aplicado.
Mas, ao que tudo indica, pode-se, ainda, atribuir
pertinências à presença de outros fatores, tal como
o adensamento populacional. Enquanto o bairro
Caiçara apresenta a área de 427 ha e densidade
igual a 87 habitantes por ha em 2000, a PPL possui
14,2 ha e densidade de 634 habitantes por ha. Ao
forte adensamento populacional da PPL somam-se
a migração ostensiva, a ausência do poder público
nos problemas ligados ao uso e ocupação do solo,
a precária infra-estrutura e a ausência de serviços
urbanos, “o que tem estimulado ações clandestinas
na favela pela posse de água, luz, telefone e TV a
cabo”20. A permanência inconteste do espraiamento dessas múltiplas realidades, ao lado do assegurar
a satisfação do desejo e da posse de bens, sem ter
com isso que pagar pelo mesmo, legitima a posse
pela posse e a não-responsabilização pelo que se
adquire. Desta forma, “(...) consumidores e cidadãos
se confundem no imaginário social”23, utilizando-se
das marcas representadas pelos objetos-consumo
no sentido de se obter um laço de pertencimento
no meio social em que vivem. Isto vem propiciando,
principalmente nas camadas mais jovens, o aparecimento de comportamentos desviantes.19 Esses
aspectos agregados têm prorrogado e mesmo sustentado diferenças que vão se apresentar de alguma
forma, culminando quase na ausência de controle
por parte da “máquina” do Estado.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
277
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
Quanto aos logradouros, se no Caiçara o crime
elege indistintamente o espaço público ou privado,
na PPL ele ocorre preferencialmente no beco e na
rua, cabendo ao ambiente desorganizado e com
suas instalações e lógica própria construir as armadilhas do crime. Se o homicídio é raro no Caiçara,
na PPL mostra assimetria ao longo do ano, sendo
sua maior incidência nas ruas Carmo do Rio Claro,
Pedro Lessa e Becos do Machado, seguindo-se as
avenidas e ruas do entorno e proximidades.
O território apresenta, assim, papel marcante
nas relações entre grupos distintos, o que é bem
demonstrado por Zaluar19 em relação à luta pelos
locais de venda de drogas envolvendo traficantes
e a polícia, com predomínio pela disputa de poder
entre aqueles considerados ”fora da lei” e do próprio poder do Estado19. Isto pode ser observado na
PPL, uma vez que moradores e criminosos se misturam e oito “bocas de fumo” se instalam e brigam
entre si pelo domínio do território e pelo aumento
de vendas. Este “império das drogas” utiliza-se do
trabalho infantil e do adolescente, o que tem impacto nas relações sociais12. Repercute, ainda, “na
determinação das áreas de acesso para cada grupo
de moradores, da área delimitada”20. Isso favorece
a quebra do clima de coesão, fragmentando as relações que se tecem sob o fio do medo, da insegurança e da desconfiança15. Esses grupos atuam não só
no controle da vida dos cidadãos, mas também,
[...] no sentido de reproduzir ações típicas do Estado, como: defesa; pavimentação de vias; oferta
de remédios, entre outros, com o objetivo de manter e controlar a fidelidade da população fragmentada por seções de domínio do grupo e agindo em
resposta às demandas essenciais desse grupo20.
Segundo Skogan14, uma vizinhança menos urbanizada seria aquela área da cidade de indústria
e comércio nas quais as relações entre os residentes são menos diretas e mais frágeis. Isso provocaria menos capacidade de controle e supervisão em
nível local e geraria ambiente favorável à criminalidade e delinqüência.
A população jovem encontra-se, na maioria, desatrelada da educação formal. Há predominância
do emprego informal, sendo os mais jovens alvos
de tarefas escalonadas e verticalizadas pelo grupo
de traficantes local.12 Paralelo a esse trabalho, as
crianças encontram-se expostas à cultura desenvolvida nessas comunidades, como à admiração
pelo status do mais forte, do mais corajoso ou que
278
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
possua invejável currículo de “assassinatos”19. A
“adrenalina” é muito alta e a juventude está sintonizada com o clima real de perigo, de espertezas e de
regras que têm que desenvolver para permanecer
viva. Para Zaluar19, isto vem propiciando, principalmente nas camadas mais jovens, o aparecimento
de comportamentos desviantes.
No ambiente interno do aglomerado, as relações são enfraquecidas pelo grande contingente
migratório, pelo medo e pelo aumento do crime
por homicídio12. Com base na Escola de Chicago
da sociologia urbana, buscou-se entender a evidência de que, em certas áreas da cidade, a presença e
persistência de altos índices de criminalidade são
compreendidas como uma função da falta de organização social da localidade.5,15,16 Dessa forma,
se uma comunidade perde a capacidade de controlar, informalmente, o comportamento de seus
membros, acaba se tornando vulnerável a uma “invasão criminógena”6.
Isto encontra suporte na Teoria das Janelas
Quebradas, que considera como um processo de
decadência um espectro que vai de pequenos atos
de vandalismo até o tráfico de drogas ou o acontecimento de crimes com violência contra idosos,
mulheres ou crianças.6 Assim, “(...) como resposta
ao medo, as pessoas passam a evitarem-se umas às
outras, enfraquecendo os controles informais[...]”6.
No aglomerado da PPL, a manutenção das atividades de tráfico se deve à sua alta lucratividade e se
sustenta ativa, pelo suborno a policiais ou mesmo
por driblar o controle por parte desses efetivos,
agregado à sustentação de toda uma infra-estrutura de clandestinidade e de sofisticação de estratégias de planejamentos.12
Isto apresenta sintonia com os dados descritos
como violência por parte das patentes do Batalhão:
A violência na maioria das vezes um fenômeno
grupal, fruto do convívio ao longo dos anos da socialização nas ruas e becos, do convívio com pessoas de má índole ou com pessoas desocupadas,
alcoólatras, prostitutas, de atividades grupais não
supervisionadas, que surgem as primeiras gangues de grupos de delinqüência. A lei é do mais
forte contra o mais fraco. Eles vivem pouco.20
Neste sentido, a violência é uma linguagem cuja
fala se impõe, surgindo a indústria da violência19, a
partir da depuração de ações planejadas, estratégicas, mutantes e de ações consumadas para driblarem o poder do Estado e da comunidade.
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
A aplicação paradigmática da teoria das Janelas Quebradas se efetivou com o modelo de policiamento conhecido pelo nome de tolerância zero,
cujos resultados serviram de base para os fundamentos da moderna política criminal americana,
implantada em meados da década de 1990.14 Esse
modelo tem sido adotado no Brasil em algumas
capitais, a partir da segunda metade da década
de 1990, em virtude do aumento exponencial do
crime. Em Belo Horizonte, mais conhecido como
polícia comunitária, tem penetrado pouco a pouco
em áreas quase inacessíveis, como o aglomerado
da PPL. Já no Caiçara, as condições físicas, sociais
e econômicas favorecem as relações de vizinhanças, facultadas pela maior estabilidade de seus
moradores, presença de associações e demais organizações educacionais e religiosas, “permitindo
o estabelecimento de estratégias conjuntas com os
militares”20, no sentido de maior exercício de cidadania e de se defenderem da onda de violência. É
verdade que “nem sempre a opinião pública reconhece as organizações policiais como parceiros, o
que tende a inviabilizar a utilização de técnicas no
combate e na prevenção situacional do crime”24.
No entanto, dados mais recentes de 2006 e 2007
e referendados pelos entrevistados20 mostram que
estatisticamente o crime tem diminuído na PPL,
provavelmente como resultado de intervenções sistemáticas das policias Militar, Civil e de trabalhos
sociais afetando crianças e adolescentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados e discutidos permitem
aduzir que características da morfologia urbana, o
reticulado cultural construído por seus moradores,
como também os elementos de (des)organização do
espaço, traduzidos na degradação do ambiente, o
forte contingente migratório, a fragmentação dos laços afetivos e da baixa participação em organizações
formais e voluntárias apresentam-se como fatores
altamente favoráveis ao aparecimento de alguma forma de incivilidade, o que corrobora tanto a Teoria da
(des)Organização5 quanto a das Janelas Quebradas7.
Entretanto, faz-se necessário mais aprofundamento quanto à relação entre morfologia urbana,
desordem social e criminalidade, uma vez que os
dados explorados apresentam indícios favoráveis
quanto a essa relação.
REFERÊNCIAS
1. Adorno AS, Nancy C. Nota de apresentação. Ciên Cult.
2002 jul./set.; 54(1): 20.
2. Tavares Santos JV. Microfísica da violência, uma questão social mundial. Ciên Cult. 2002 jul./set.; 54(1): 22.
3. Conzen MRG. The use of town plans in the study of urban history. In: Dyos HJ, Editor. The study of human
history. London: Edward Arnold; 1968. p.114.
4. Sampson RJ, Raudenbush SW, Earls F. Neighborhoods
and violent crime: a multilevel study of collective efficaçy. Science. 1997; 277: 918-24.
5. Shaw C, McKay HD. Juvenile delinquency and urban
areas. Chicago: University of Chicago Press; 1969.
6. Kelling G, Coles C. Fixing broken windows: restoring
order and reducing crime in our communities. New
York: Simon & Schuster; 1996
7. Wilson K. Broken windows: the police and neighborhood safety. New Jersey: Prentice Hall; 2000.
p. 3-4, 6-7.
8. Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP). Survey de Vitimização em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG); jun. 2006.
9. Costa SAP. Transformações e permanências no tempo
da Savassi, Belo Horizonte. Topos Rev Arquitet Urban.
1999 jul./dez.; 1 (1):80-92.
10. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Censo Demográfico, 2000. Rio de Janeiro: Fundação
IBGE; 2000.
11. Belo Horizonte. Prefeitura Municipal. PRODABEL_Processamento de dados do Município de Belo Horizonte. Atlas de Desenvolvimento Humano/RMBH. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2006.
12. Nascimento LFZ.Violência e criminalidade em vilas
e favelas dos grandes centros urbanos: um estudo
de caso da Pedreira Prado Lopes [dissertação]. Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais/
UFMG; 2004.
13. Belo Horizonte. Prefeitura Municipal. URBEL. Plano
Global Específico da PPL – Belo Horizonte: Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte; 1998.
14. Skogan WG. Disorder and decline: crime and the spiral of decay in American Neighborhoods. Berkeley:
University of California Press; 1990.
15. Bursik RJ. Social disorganization and theories of crime
and delinquency. Criminology. 1988; 26 (4): 519-22.
16. Sampson RJ, Groves WB. Community structure and crime: testing social-disorganization theory. Am J Sociol.
1989; 94: 774-802.
17. Caldeira TPR. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo:
Edusp; 2000.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
279
A morfologia urbana e a desorganização do espaço como condição favorável à exarcebação do crime
18. Beato Filho CC, Assunção RM, Silva BTA, Reis IA, Almeida MCM. Conglomerados de homicídios e o tráfico de drogas em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
de 1995 a 1999. Cad Saúde Pública. 2001 set./out.;
17(5): 1165-71.
22. Zaluar A, Leal MC. Cultura, educação popular e escola pública. Ensaio: Aval Polít Pública Educ. 1996; 4:
139-76.
19. Zaluar A. A guerra sem fim em alguns bairros do Rio
de Janeiro. Ciên. Cult. 2002 jul./set.; 54(1):32-8.
24. Batitucci EC. Análise descritiva da criminalidade
violenta no Brasil: o caso de homicídios em quatro regiões metropolitanas. In: Anais do Encontro
Da Anpocs, 22. Caxambu; 1998. Belo Horizonte:
ANPOCS; 1998.
20. Minas Gerais. Polícia Militar. 34º Batalhão, 04/06/2007,
Av. Américo Vespúcio, 2 391, B. Caiçara.
21. Beato Filho CC. Criminalidade violenta em Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 1998.
(FAPEMIG. Projeto de Pesquisa: A organização policial e o combate à criminalidade violenta)
280
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S272-S280
23. Canclini NG. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; 1995.
ARTIGO ORIGINAL
Homeopatia no SUS em Belo Horizonte –
um estudo de caso
Homeopathy in the Public Health System of Belo Horizonte:
a case study
Thaís Corrêa de Novaes1; Paulo Sérgio Carneiro Miranda 2
RESUMO
Objetivos: este artigo tem por objetivo conhecer os pacientes atendidos pelo Serviço
de Homeopatia do Centro de Saúde Santa Terezinha, do Sistema Municipal de Saúde de
Belo Horizonte, no ano de 2002, e compreender como eles a percebem e que condutas
assumem em seu tratamento. Os pressupostos teóricos que embasam a prática homeopática atendem aos princípios que regem o SUS; e sua implantação em larga escala,
como propõe a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares-PNPIC,
depende de mais conhecimento, pelos gestores, de suas possibilidades terapêuticas e
vantagens econômicas. Métodos: a pesquisa qualitativa na forma de estudo de caso
utilizou amostra de profissionais e pacientes envolvidos no atendimento homeopático,
cujo tamanho foi considerado satisfatório a partir da saturação e suficiência das informações. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, gravadas, com todos os participantes. A seguir, elas foram transcritas e analisadas segundo enfoque fenomenológico, buscando as representações sociais e os significados que pacientes e profissionais
atribuem ao tratamento e à homeopatia. A análise interpretativa levou em consideração
dados quantitativos preexistentes da Coordenação do Programa de Práticas Não-alopáticas da Prefeitura de Belo Horizonte e também trabalhos anteriores com outras populações. Resultados: os usuários procuraram esse atendimento espontaneamente a partir
da observação de tratamentos bem-sucedidos anteriores ou de pessoas conhecidas.
Outras motivações foram o insucesso com a medicina alopática e os efeitos colaterais
das drogas. O acesso é limitado, com existência de demanda reprimida, o que pode
comprometer a eficiência do tratamento. O acesso gratuito ao medicamento homeopático não tem sido garantido, mas seu custo foi considerado baixo. Os usuários consideram o serviço oferecido equivalente em qualidade ao atendimento privado nessa
especialidade médica, recomendando-o aos seus amigos. Conclusões: as percepções
e as condutas que esses usuários demonstraram ter sobre a homeopatia, o tratamento e
o medicamento mostram que essa prática terapêutica os tem beneficiado.
1
Mestre em Saúde Pública – Área de Concentração: Políticas de Saúde – Faculdade de Medicina – UFMG- Centro
Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte
2
Doutor em Salut Publica –Universitat Autonoma de Barcelona
Faculdade de Medicina – Universidade Federal de Minas
Gerais
Palavras-chave: Homeopatia. Acesso aos serviços de saúde. Sistema Único de Saúde.
Cobertura da serviços públicos de saúde.
ABSTRACT
Objectives: The goal of this work was to acquaint with the patients seen during the year
of 2002 at the homeopathy service at the Santa Terezinha Health Center, which is part of
the Public Health System of the Municipality of Belo Horizonte, and to understand how
they perceive it and which attitudes they have vis à vis their treatments. The theoretical
assumptions that underlie the practice of homeopathy are in accordance with the principles that guide the Public Health System, and its large-scale implementation, as proposed
by the National Policy of Complementary and Integrative Practices – PNPIC, depends on
a wider knowledge, on the part of health managers, of its therapeutic possibilities and
Instituição
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais
Endereço para correspondência:
Thaís Corrêa de Novaes
Rua Madre Mazzarello 91 – Bairro Dom Cabral
Belo Horizonte – MG
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S281-S287
281
Homeopatia no SUS em Belo Horizonte – um estudo de caso
economic advantages. Methods: We carried out a qualitative assessment in the form of case study, which used
a sample of professionals and patients involved in homeopathic assistance, the size of which was considered
to be satisfactory because of information saturation and
sufficiency. Semi-structured interviews were recorded
with all participants. Following that, the interviews
were transcribed and analyzed in the light of a phenomenological focus, searching for social representations
and meanings that patients and professionals assign to
treatment and homeopathy. The interpretational analysis
took into account pre-existing quantitative data from the
Coordination of the Program of Non-allopathic Practices
of the Belo Horizonte City Administration as well as from
previous studies in other populations. Results: Public
Health System users looked for this service spontaneously, after having observed successful treatments of
acquaintances or previous conditions. Other motivations
were failure of treatment with allopathic medicine and
medication side effects. Access is limited, and there is a
repressed demand, which may compromise treatment
efficacy. Free access to homeopathic medication has not
been warranted, but their costs have been considered
to be low. Users consider the service to be equivalent to
that of offered by private practitioners of the same specialty, and recommend it to friends. Conclusions: The
perceptions and attitudes these users displayed towards
homeopathy, treatment and medication show that this
therapeutic practice has been of benefit to them.
Key words: Homeopathy. Health Services Accessibility.
Single Health System; State Health Care Coverage.
INTRODUÇÃO
Considerando a história da homeopatia em
nosso país, observa-se que a sua participação no
sistema público de saúde sempre foi praticamente
inexistente ou fragmentária. O advento do SUS, em
meados da década de 80, prevendo a utilização
de práticas alternativas e, após um intervalo de
quase 20 anos, a publicação da Portaria nº 971, de
3/5/06, que aprova a Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) prevendo
a implantação da homeopatia no Sistema Único de
Saúde-SUS, inauguram nova relação entre a homeopatia e o sistema público.
Desde que foi introduzida no Brasil, em 1840,
a homeopatia foi utilizada de forma tímida e fragmentária pelo serviço público. Durante os períodos
Colonial e Imperial, a prática médica se caracterizava pelo baixo nível de medicalização da sociedade, pela quase inexistência de práticas voltadas
para os escravos e pelo caráter fiscalizador do
Estado, propiciando uma medicina popular com
base nas culturas das etnias aqui presentes2. Em
282
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S281-S287
meio a conflitos políticos com a classe médica incipiente no país, pobres e escravos eram tratados
pelos poucos médicos homeopatas; fazendeiros e
padres levaram-na para o interior, onde a escassez
de assistência médica se somou às vantagens da
aplicação da homeopatia, medicina generalista,
de baixo custo e extremamente segura por utilizar
medicamentos em pequenas doses.
Na República foram expandidos os serviços de
saúde pública seguindo um modelo campanhista,
visando às epidemias urbanas e endemias rurais,
o que se tornou um dos pilares das políticas de
saúde adotadas mais tarde2. Durante o surto de febre amarela de 1873, no Rio de Janeiro, criou-se,
temporariamente, na Santa Casa de Misericórdia,
uma enfermaria homeopática. Desse episódio foi
feita uma estatística, por um médico não homeopata do mesmo hospital, mostrando que, dos 179
pacientes atendidos pela homeopatia, 34 morreram (18,99%) contra 57 mortes (31,62%) dos 183
pacientes tratados pela medicina convencional.
Apesar destes dados, a homeopatia não foi aproveitada, nesse momento, de forma ampla1. Em
três de fevereiro de 1886, foi publicado o decreto
nº 9.554 do Regulamento do Serviço Sanitário, o
primeiro na legislação brasileira a mencionar a
existência de farmácias homeopáticas no Brasil.
De acordo com Luz1, de 1900 a 1930, observa-se
um período de crescimento da homeopatia, com
aumento do atendimento, criação de instituições
homeopáticas e mais legitimação junto à população . Com a criação da Faculdade Hahnemanniana e do Hospital Homeopático, em 1912 e 1916, e
a obrigatoriedade de farmacêutico homeopata nas
farmácias homeopáticas, oficializa-se a homeopatia, em 25 de setembro de 1918. Para essa autora, a
conquista de espaços institucionais e a legalização
da homeopatia estão ligadas à conjuntura política
republicana. Por volta de 1930, estima-se que sete
milhões de pessoas tratavam-se exclusivamente
com homeopatia, o que representava um quinto
da população1.
O período seguinte, de 1930 a 1970, foi marcado
pelo declínio dessa terapêutica, inclusive com o fechamento do Hospital Homeopático, em 1945, por
se contrapor às características assumidas pela prática médica, em especial o aumento da especialização e do aspecto tecnológico, o distanciamento
entre a medicina preventiva e a curativa, a ênfase
no atendimento hospitalar e a dependência das
Homeopatia no SUS em Belo Horizonte – um estudo de caso
multinacionais farmacêuticas direcionadas pelos
interesses mercantilistas, com descaracterização
da relação entre médico e farmacêutico e mesmo
entre o médico e suas formulações1. Segundo Moreira Neto3, o silêncio da medicina hegemônica sobre a homeopatia “está relacionado a um grande
desenvolvimento de novos medicamentos e procedimentos diagnósticos3”.
Durante o período militarista, a centralização e
concentração do poder institucionais aliaram campanhismo e curativismo, levando a medicalização
social, sob um regime político avesso à participação da sociedade civil e uma política econômica
que privilegiou os trabalhadores especializados,
e aumentando as desigualdades e criando a ideologia do consumo no seio da sociedade. Além
disso, levaram a saúde a ser vista como consumo
de assistência médica. Essa atenção médica massificada, em detrimento da medicina preventiva e
social, comandada pelos interesses dos empresários da saúde, que visavam mais ao lucro do que à
cura de sua clientela, associado ao ensino médico
voltado para a especialização e sofisticação tecnológica, dependente das indústrias farmacêuticas,
levou a uma relação autoritária, mercantilizada e
tecnificada entre médico e paciente e entre os serviços de saúde e a população1. A necessidade da
reforma sanitária passou a ser vista como indispensável à transição democrática e trouxe a discussão
da unificação institucional dos serviços de saúde,
que se concretizou com a criação do SUS em 1988,
mudando a concepção de assistência médica e o
papel do Estado na prestação dessa assistência.
Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde
já recomendava a introdução das práticas médicas
alternativas na rede pública. Em 1987, foi criada
uma comissão técnica na CIPLAN (Comissão Interministerial de Planejamento) objetivando formular
as diretrizes políticas para essa implantação, o que
resultou na Resolução nº 04/88 de 08/03/88 sobre
homeopatia no setor público4. Nesse contexto, a
homeopatia começou a ser utilizada no serviço
público por algumas cidades a partir da iniciativa
dos gestores locais, seja no atendimento primário,
como é o caso da cidade de Belo Horizonte, seja no
secundário, como, por exemplo, em Juiz de Fora.
A chegada de Patrus Ananias à Prefeitura de
Belo Horizonte (PBH) em 1993 tornou a saúde uma
das prioridades de governo, com o compromisso
de cumprir o previsto na Lei Orgânica Municipal,
que no seu artigo 144 § 6 atribuiu ao município o
dever de oferecer aos cidadãos todas as formas de
assistência e tratamento adequado, incluída a homeopatia. Formou-se um grupo de trabalho para
operacionalizar a implantação de práticas não-alopáticas que, entre outros questionamentos iniciais,
deparou-se com um embate entre os representantes
da Secretaria Estadual de Saúde, que propunham
a criação de um serviço separado como centro de
referência para todo o município, e os da Secretaria Municipal de Saúde, que argumentavam a favor da descentralização e a aproximação com as
demais especialidades nos centros de saúde. Esta
última foi a proposta implantada, considerando-se
sua adesão ao modelo assistencial preconizado
pelo SUS e a formação básica desses profissionais,
que não justificaria sua lotação em centros de referência especiais4.
A evolução, em nossa sociedade, do conceito
de saúde, vista atualmente como estado de bemestar, e do conceito de doença, que passa a abranger, além do biológico, os âmbitos psicológico e social, também contribui para a aproximação entre
homeopatia e o SUS. A homeopatia se ajusta bem
a essas novas concepções a seus desdobramentos
em termos de atenção à saúde: por ser medicina
generalista, que busca atender o paciente nas suas
necessidades de saúde, sejam elas psíquicas ou
orgânicas; por considerar o ser humano uma unidade integrada entre corpo e mente em contínua
interação com seu meio físico e social; por ser medicina pouco invasiva e pouco iatrogênica, na qual
a relação entre o médico e o paciente é pessoal e
pouco tecnificada.
No atual panorama de saúde pública brasileira,
de recursos escassos e necessidades crescentes
dos usuários do sistema, a homeopatia busca aliar
alto grau de resolubilidade ao baixo custo de investimentos, considerando-se os recursos materiais
necessários para sua prática e o custo do medicamento homeopático. Segundo dados da Coordenação do Programa, em 2001, dos 8.614 atendimentos
realizados, apenas três foram encaminhados para
internação, 31 para atendimentos de urgência, 127
para outras especialidades e 24 para outros setores
do mesmo serviço. Foram solicitados exames laboratoriais para 447 pacientes e radiológicos para 148.
Ao comparar esses dados com os da Clínica Médica no mesmo período, pode-se observar diferença
principalmente no tocante aos encaminhamentos
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S281-S287
283
Homeopatia no SUS em Belo Horizonte – um estudo de caso
para especialidades e exames complementares. O
atendimento homeopático encaminhou menos de
0,1% dos pacientes atendidos para internação, 0,4%
para urgência e 1,5% para especialidades, enquanto
a clínica médica encaminhou 0,2, 0,7 e 11,7%, respectivamente. Quanto aos pedidos de exames complementares, a homeopatia solicitou exames laboratoriais e radiológicos para 5,2 e 1,7% dos pacientes
consultados, sendo que no mesmo período a clínica
médica solicitou 24,9 e 8,8% respectivamente5.
Os dados para esse artigo foram coletados no
período de agosto a dezembro de 2002 como desenvolvimento da dissertação de mestrado intitulada “Percepções do paciente usuário dos serviços
homeopáticos do SUS em Belo Horizonte – Estudo de caso no Centro de Saúde Santa Terezinha”,
apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Saúde
Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, que
buscou conhecer como tem-se dado o acesso ao
serviço, o perfil das pessoas que se acercam desse
tratamento e suas percepções, opiniões e condutas sobre a homeopatia, o tratamento e o medicamento homeopáticos.
MÉTODO
Realizou-se estudo de caso utilizando como
procedimento relatos pessoais a partir de entrevista semi-estruturada, cujo roteiro foi definido após
a realização de pré-testes. A amostra foi composta
de pacientes que chegavam para consultas, sendo considerada de tamanho satisfatório a partir
da saturação dos dados e início de repetição de
pacientes. Também foram entrevistados profissionais do serviço e da Coordenação do Programa.
As entrevistas com os usuários, num total de 43,
foram feitas e gravadas no Centro de Saúde Santa
Terezinha e tiveram duração média de 30 minutos.
Utilizaram-se também dados quantitativos preexistentes na Coordenação do Programa de Práticas
Não-alopáticas da Prefeitura de Belo Horizonte
para se traçar o perfil desses usuários.
Partindo das contribuições da sociologia compreensiva e da fenomenologia e utilizando o conceito de representações sociais6, a análise dos dados iniciou-se com a transcrição das fitas na fase
de pré-análise, possibilitando pouco a pouco o conhecimento e a organização do material. Os dados
obtidos nas entrevistas foram separados de acordo
284
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S281-S287
com temas anteriormente definidos, gerando listagens de respostas cujas divergências e convergências foram detectadas. Posteriormente, com nova
leitura das entrevistas, foram levantadas as idéias
centrais, entendidas como a síntese do conteúdo
discursivo explicitado pelos sujeitos, como também
as expressões-chave, trechos selecionados dos discursos, ou seja, a “prova discursivo-empírica”7. A
análise interpretativa contrapôs os dados levantados com aqueles encontrados por outros autores e
os resultados ora apresentados constituem apenas
uma síntese desse processo de análise realizado
durante a pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A área de abrangência do Centro de Saúde,
segundo sua gerente, corresponde aos bairros
circunvizinhos, com população de 24.000 habitantes, dos quais aproximadamente 80% procuram o
serviço. Os vários serviços prestados contam com
diferentes modalidades de marcação de consultas.
Para o atendimento de saúde mental, ginecologia e
odontologia, o usuário deve passar primeiramente
pelo acolhimento, quando então as demandas são
detectadas e administradas. A marcação de consultas para pediatria e clínica médica acontece
de acordo com o número de vagas, pela manhã,
exceto crianças menores de um ano e gestantes
que, ao chegarem ao centro de saúde, são agendadas para fazerem os acompanhamentos de puericultura e pré-natal. Há também atendimento a
grupos específicos da saúde mental, hipertensos,
diabéticos, gestantes, desnutridos, planejamento
familiar, asmáticos e de terceira idade, buscando
maior participação dos pacientes no seu processo de tratamento a partir da mudança de hábitos e
comportamentos.
As consultas para homeopatia são marcadas
uma vez por mês por meio de distribuição de senhas, o que leva as pessoas a dormirem na fila. O
acesso ao tratamento homeopático não tem sido
fácil, mesmo comparando-se às dificuldades próprias do SUS, pois o atendimento não está disponível em todos os centros de saúde e são poucos os
médicos disponíveis. A marcação da consulta foi
a grande dificuldade apontada por todos os entrevistados. Outro fator necessário para que o serviço
seja eficiente é a garantia de acesso ao medica-
Homeopatia no SUS em Belo Horizonte – um estudo de caso
mento, que deveria ser gratuito, considerando-se
as condições econômicas da população atendida.
No entanto, não tem sido assim. A Prefeitura de
Belo Horizonte (PBH) realizou um convênio com
as farmácias homeopáticas para o fornecimento
de medicamentos, mas ele funcionou de forma
irregular e atualmente está extinto. Apesar disso,
observou-se que a população tem boa adesão ao
tratamento devido ao baixo custo dos medicamentos homeopáticos.
O conhecimento da homeopatia se deu a partir de conhecidos, sendo também mencionados os
meios de comunicação social, relatos que coincidem com os dados de Micali et al.8, sendo os usuários do serviço os seus maiores divulgadores. O
insucesso com a medicina alopática e o sucesso
com o tratamento homeopático de conhecidos
foram as principais motivações dos usuários, que
buscam o tratamento espontaneamente, tendo havido poucos encaminhamentos, formais ou não.
Outras motivações foram os efeitos colaterais das
drogas convencionais e a busca pela medicina “natural”. O custo dos medicamentos foi uma motivação bastante forte.
Os entrevistados buscaram o atendimento, na
maioria das vezes, por queixas que podem ser classificadas como emocionais, seguidas pelas relacionadas ao sistema respiratório e pela hipertensão
arterial. Eles demonstraram alto grau de satisfação
com o atendimento e, segundo sua opinião, a qualidade do atendimento homeopático no serviço
público não se diferencia da prestada em serviço
privado. Consideram que o SUS deve oferecer o
atendimento homeopático porque é eficaz, menos
agressivo que o convencional, de baixo custo e capaz de abordar aspectos emocionais, reiterando,
dessa forma, a necessidade de cuidados integrais.
Esses cuidados, por sua vez, coincide com as representações detectadas por esta pesquisa, segundo as quais a homeopatia é eficaz para doenças
crônicas e produz atenção ao doente, englobando
bem-estar físico e psíquico. Todas essas avaliações
são concordantes com a da Coordenação das Práticas Não-Alopáticas da PBH.5
A maioria dos entrevistados são mulheres, casadas, de 30 a 59 anos de idade, católicas, com o
segundo grau, completo ou não, e em até três anos
de tratamento. Moram no bairro Santa Terezinha,
em casa própria, com até cinco moradores por
moradia, com renda per capita de R$ 101,00 a R$
250,00 e familiar de R$ 401,00 a R$ 1.000,00. Carvalho et al. 9, em estudo realizado na cidade de São
Paulo, concluíram que a família típica de usuários
era constituída por três a quatro pessoas, com renda média de três a 10 salários mínimos, escolaridade correspondente ao primeiro grau completo
ou não, casado, católico, cuja predominância de
entrevistados foi de mulheres, mães de pacientes9.
Ao situar as representações percebidas por este
trabalho no contexto de representações presentes
na nossa sociedade, pode-se observar que os usuários desse atendimento homeopático concebem
a doença e a saúde tanto como as representações
hegemônicas os vêem, como disfunção orgânica,
quanto como as contra hegemônicas, que consideram a saúde um estado de bem-estar integral, concepção que embasa a terapêutica homeopática.
Constata-se, portanto, que nem todos que optam
por essa prática médica têm conhecimento de suas
bases terapêuticas. Encontra-se uma concepção
do tratamento homeopático como o que promove
a cura integral do indivíduo, ou seja, dos aspectos
físicos e emocionais, dado também observado
por Mendicelli10. A homeopatia é vista como uma
medicina individualizada e diferente em relação
às práticas hegemônicas, seja pela consulta, pelo
tratamento e medicamento. Há confiança dos entrevistados na capacidade da homeopatia de curar
as doenças, sendo percebidas como incuráveis a
AIDS e o câncer, havendo certa semelhança entre
essa percepção dos entrevistados e a visão de Minayo6 das doenças metafóricas.
Observou-se conhecimento superficial sobre
homeopatia, que é confundida com tratamento à
base de plantas, sendo a percepção mais persistente a de uma terapêutica mais natural o que, para
essa população, diz respeito à origem dos medicamentos e à ausência de “química”, que é associada
à potencialidade de provocar efeitos indesejáveis à
saúde. Essa visão, fortemente arraigada na percepção dos entrevistados, da homeopatia como incapaz de lesar o organismo foi apresentada também
por outros autores3,9,10. A influência da religião para
a eficácia do tratamento foi negada; mas a fé foi
apontada como importante no processo de cura
em qualquer forma de terapêutica adotada.
A expectativa dos entrevistados com o tratamento homeopático mostrou-se ou muito ampla
ou muito reduzida. De maneira semelhante à descrita por vários autores,3,10,11 a percepção de alguns
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S281-S287
285
Homeopatia no SUS em Belo Horizonte – um estudo de caso
usuários sobre a eficácia da homeopatia é resultante da observação de melhora dos sintomas; de
outros, resulta da exacerbação dos sintomas no
início do tratamento, coincidindo com a percepção dos profissionais do serviço, além de ser fato
previsível, segundo Eizayaga12. O relato de melhora
de aspectos emocionais de vários entrevistados,
mesmo nos usuários que buscaram o tratamento
somente por queixas físicas, mostra a concepção
de cura integral enquanto a de doença permanece
mais localizada. A percepção da duração do tratamento como lento parece ser independente da
experiência dos entrevistados e influi na conduta
deles em relação às doenças consideradas tratáveis pela homeopatia. Essa representação pode
ser devida ao fato de a homeopatia ser procurada
muitas vezes para doenças crônicas e incuráveis
após o insucesso com a terapia convencional. Observou-se, juntamente com outros autores3,11, que
a relação médico-paciente na homeopatia é mais
satisfatória, pois requer anamnese individualizante, o que contribuiu para a efetividade e adesão
ao tratamento comprovadas pelo fato da maioria
deles não utilizar outras especialidades médicas
nem outros medicamentos e ser pequeno o número de intercorrências que exigiram acompanhamento de outro profissional. Nesse caso, a busca
de atendimento recaiu sobre os serviços de urgência e clínicas médica e pediátrica ambulatoriais,
ao contrário do observado por CARVALHO et al. 9,
que relataram a busca, em primeiro lugar, de outro
atendimento homeopático e da farmácia.
A maioria dos usuários entrevistados diz obedecer às recomendações dos médicos, inclusive à
solicitação de suspensão do uso de outros medicamentos. Isso parece estar relacionado à confiança
depositada no profissional e pode ser devida à relação que se constrói entre eles durante o tratamento,
pois consideraram positivo serem atendidos sempre
pela mesma profissional, independentemente dos
sintomas que apresentam ao longo do tratamento.
Os entrevistados consideram o medicamento
homeopático eficaz, simples, prático e de baixo
custo. Referem-se a ele muitas vezes com palavras
no diminutivo, o que faz supor que teriam a expectativa de pouca eficácia, e mostram surpresa com
a observação de seu efeito. Ao compararem os medicamentos homeopáticos com os convencionais,
consideram que aqueles têm menos efeitos colaterais, são mais eficazes e não apresentam risco de
286
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S281-S287
dosagem excessiva nem contra-indicações, percebendo os medicamentos convencionais como
fortes e causadores desses efeitos indesejáveis.
Embora alguns pacientes tenham afirmado que já
ficaram sem usar o medicamento por não terem
condições financeiras de adquiri-lo, em geral eles
o consideram de baixo custo, o que é um fator positivo para a adesão ao tratamento.
Como Mendicelli10, observou-se neste trabalho
o pouco conhecimento sobre os medicamentos
homeopáticos, mas o suficiente para saber que
ele precisa ser conservado sob determinadas condições e que foram orientados sobre isso pelo
profissional e na farmácia. Não se observaram a
prática de automedicação nem indicação de medicamentos homeopáticos para conhecidos, pois
o medicamento é percebido como específico para
cada um, escolhido a partir de análise detalhada
da pessoa nos seus aspectos físicos e emocionais,
considerado-se que a prerrogativa dos médicos em
prescrevê-los se deve ao conhecimento que detêm.
Além disso, afirmaram que na farmácia homeopática por eles utilizada não há dispensação do medicamento sem a prescrição médica, ao contrário
da prática comum na alopatia.
CONCLUSÕES
Para a maior utilização da homeopatia no serviço público, há que se responder à questão se os
usuários estão sendo beneficiados. Os usuários
demonstraram confiança nessa terapêutica e satisfação com o atendimento, considerando o serviço de qualidade comparável ao que é oferecido
pelo sistema privado nessa especialidade médica,
divulgando-o. O atendimento tem sido eficiente, já
que poucos utilizam outros profissionais ou medicamentos concomitantemente, o custo dos medicamentos é baixo e a relação médico-paciente um
fator positivo para a adesão ao tratamento. Os medicamentos são tidos como eficazes, incapazes de
provocar reações indesejáveis e específicos, não
se observando prática de automedicação nem indicação de medicamentos a conhecidos. Como o
modelo de assistência prestada pela homeopatia,
por seus pressupostos teóricos, prevê o cuidado do
paciente, considerando-o na sua totalidade como
indivíduo, a homeopatia se apresenta apropriada
ao princípio do SUS de integralidade das ações.
Homeopatia no SUS em Belo Horizonte – um estudo de caso
Pode-se concluir que o acesso ao medicamento e ao tratamento homeopático no SUS em Belo
Horizonte está limitado, existindo demanda reprimida, o que pode levar à queda da adesão e diminuição de sua eficiência. Não há oferecimento
do tratamento homeopático em todos os centros
de saúde da cidade e a área geográfica atendida
por esse centro específico é muito grande, o que
agrava essa situação.
Com a criação do SUS, o Brasil ingressa numa
fase em que a saúde é vista como direito de todos e
dever do Estado, mas o que se verifica atualmente
são várias dificuldades na implementação de suas
metas de universalização e de igualitarismo do
atendimento, de hierarquização, de descentralização e de democratização das decisões sobre o planejamento das ações prestadas pelos serviços de
saúde. A consolidação da política adotada torna-se
necessária para o aprimoramento do atual modelo
como resposta aos desafios hoje impostos. Nesse
sentido, a estabilidade democrática, o aumento
da conscientização sanitária da população com o
conseqüente crescimento de sua participação no
planejamento das ações, o financiamento e a formação de recursos humanos em consonância com
esses princípios ideológicos são pressupostos necessários para que o SUS possa atingir suas metas.
Este trabalho mostrou que, embora o atendimento
homeopático se constitua uma política pública em
Belo Horizonte, há falta de vontade política para
sua implementação; e que o princípio da universalidade permanece, no presente, como um desafio. O maior aproveitamento da homeopatia pelo
SUS dependerá da relação custo-benefício, que é
favorável, e de maior conhecimento por parte dos
gestores das suas possibilidades terapêuticas. A
publicação da PNPIC significa um importante passo nesse sentido.
REFERÊNCIAS
1. Luz MT. A arte de curar versus a ciência das doenças:
história social da homeopatia no Brasil. São Paulo:
Dynamis Editorial; 1996.
2. Somarriba MMG. Medicina no escravismo colonial.
Belo Horizonte:UFMG; 1984.
3. Moreira Neto G. Homeopatia em unidade básica de
saúde (UBS): uma espaço possível. Rev Homeopatia.
2001; 66 (1):5-26.
4. Soares SM. Práticas terapêuticas não-alopáticas no
serviço público de saúde: caminhos e descaminhos.
Estudo de caso etnográfico realizado na Secretaria
Municipal de Saúde de Belo Horizonte [tese]. São
Paulo: Faculdade de Saúde Pública, USP; 2000.
5. Soares IAA, Gonçalves CG, Santos CP. Programa de
Atendimento em Homeopatia, Acupuntura e Medicina Antroposófica na Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. In: Livro de Resumos do XXVI
Congresso Brasileiro de Homeopatia; 21-25 out. 2002.
Natal: AMHB; 2002. p.37
6. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo-Rio de
Janeiro:Hucitec-Abrasco;1996.
7. Simioni AMC, Lefèvre F, Pereira IMTB. Metodologia
qualitativa nas pesquisas em saúde coletiva: considerações teóricas e instrumentais. São Paulo: USP;1996.
8. Micali IA, Salume S, Machado VLT. Imagens da homeopatia na comunidade de Vitória - Espírito Santo. Rev
Homeopatia. 1995; 60(3/4):27-33.
9. Carvalho MPSL, Mansur Y, Waldmann CCS. Avaliação
dos conhecimentos em homeopatia dos usuários
em três serviços públicos de saúde. Rev Homeopatia.
1998; 2:69-86.
10. Mendicelli VLSL.Homeopatia: percepção e conduta
de clientela de postos de saúde [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, USP; 1994.
11. Frank R. Homeopath & patient – a dyad of harmony? Social Scien Med. 2002; 55 (8):1285-96. [Acesso em 24 ago.
2002]. Disponível em: http://www.sciencedirect. com.
12. Eizayaga FX.Tratado de medicina homeopática. 3ª ed.
Buenos Ayres: Marecel; 1992.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S281-S287
287
ARTIGO ORIGINAL
Os cuidadores familiares de idosos: um
novo agente de saúde no SUS: o olhar da
saúde do trabalhador*
Caregivers of aging people - a new health agent in the national health system: a workers`heatlh approach
Márcia Colamarco Ferreira Resende1; Elizabeth Costa Dias2
RESUMO
1
Fisioterapeuta. Mestre em Saúde Pública pela UFMG;
Professora-Assistente I da PUC Minas Betim.
Médica Sanitarista e do Trabalho. Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas; Professora do
Departamento de Medicina Preventiva e Social- Faculdade
de Medicina da UFMG.
2
As mudanças demográficas decorrentes do rápido processo de envelhecimento da
população brasileira impactam, de modo significativo, o sistema de saúde. Neste
cenário, chama a atenção o surgimento dos cuidadores de idosos, reconhecidos como
agentes de saúde, pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI). Buscouse na investigação realizada estudar a percepção de cuidadores familiares de idosos
sobre o suporte que recebem para o desenvolvimento de suas atividades, a partir dos
referenciais teórico-metodológicos do campo da saúde do trabalhador. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, seguidas de análise temática, com os cuidadores
familiares dos idosos do território de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de BetimMG. Os resultados mostraram que esses trabalhadores têm relativa autonomia para
organizar a rotina de cuidados e descrevem impactos negativos sobre a saúde, como
cansaço, depressão, dores no corpo, perda de sono, entre outros. Os cuidados com os
idosos foram caracterizados como uma atividade solitária, com suporte precário dos
familiares e da UBS. O suporte religioso foi considerado fator de amparo e consolo. A
Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa considera os cuidadores de idosos parceiros das equipes de saúde na assistência aos idosos dependentes. Dessa forma, cabe
ao Sistema Único de Saúde prover ações de capacitação e suporte dos cuidadores
para qualificação desse trabalho
Palavras-chave: Cuidadores. Saúde do Trabalhador. Medicina do Trabalho. Saúde
do Idoso.
ABSTRACT
The goal of the text is identifying in literature repercussions of the work of aging health
caregivers and arguing the lines of direction of Public Politics directed toward them. The
study is based on the reference of the thematic field “Worker Health”. According to literature, the occupation of “aging caregiver” seems to be predominantly an activity exerted
by the informal sector of work, usually done by some relative from female sex, and it has
brought consequences for the quality of the aging care and for the caregiver health, causing low back pains, depression and hypertension. The National Politics of the Elderly
Health is sufficiently advanced talking about taking care with this population and has in
the familiar caregiver a partner for its actions. Studies on the ways of this kind of work
are still necessary to assist on the elaboration of public politics actions.
Key words: Caregivers. Occupational Health. Occupational Medicine. Health of the Elderly
Endereço para correspondência:
Márcia Colamarco Ferreira Resende
Rua Progresso, 1587- apto 101- Bloco A - Caiçara,
CEP 30720-320Belo Horizonte, MG
Email: [email protected]
[email protected]
288
* Este artigo integra o projeto de pesquisa “Condições de trabalho e a saúde dos cuidadores de idosos do território de uma
Unidade Básica de Saúde de Betim-MG”, desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade
Federal de Minas Gerais, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Saúde Pública – área Saúde e Trabalho. Foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, no processo n° CAAE: 0470.0.203.000-05.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S288-S293
Os cuidadores familiares de idosos: um novo agente de saúde no SUS: o olhar da saúde do trabalhador
INTRODUÇÃO
O aumento da expectativa de vida e, conseqüentemente, do número relativo e absoluto de
pessoas idosas no Brasil, assim como no restante
do mundo, acarreta mudanças significativas no
perfil epidemiológico dessa população.1
Segundo Peixoto et al.2, essa mudança impacta
de modo particular o Sistema Único de Saúde (SUS).
No ano de 2001, a razão entre a proporção dos recursos pagos pelo SUS para as internações hospitalares
e o tamanho proporcional da população aumentou
gradualmente com a idade, sendo equivalente a 0,7
na faixa etária de 20-59 anos, 2,2 na de 60-69 anos;
3,1 na de 70-79, chegando a 3,7 na faixa acima de
80 anos de idade. O estudo revela também que as
doenças do aparelho circulatório e respiratório corresponderam por cerca de metade dos custos com
internações hospitalares de idosos brasileiros.
O aumento do número de pessoas portadoras de
doenças crônicas e múltiplas tem sido acompanhado do aumento de incapacidades e disfunções.3
Esta situação acarreta freqüentemente a perda
da independência do indivíduo, o que requer a
presença de outra pessoa para cuidar desses idosos e auxiliar nas atividades de vida diária.
Nesse contexto, surge a figura do cuidador familiar do idoso, que o auxilia na realização de suas
atividades.4 O trabalho de cuidar dos idosos dentro
do domicílio tem sua origem em tempos remotos e
retorna na atualidade como uma opção para proporcionar atenção humanizada a esses indivíduos,
nas situações em que não cabe a alternativa de
uma instituição asilar, por causa da importância
que a renda do idoso tem para algumas famílias
e/ou para baratear os custos advindos das internações hospitalares freqüentes e prolongadas. A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI)4
destaca que o apoio informal e familiar constitui
um dos aspectos fundamentais à saúde desse grupo populacional.
No entanto, o corpo humano responde com
sinais de desadaptação ao formato dessas atividades. Estudos vêm mostrando que certas doenças,
como a hipertensão arterial, a depressão e as dores lombares, parecem estar intimamente relacionadas ao trabalho dos cuidadores.5,6
De acordo com o referencial da Saúde do Trabalhador, esse processo de adoecimento guarda relação com os processos de trabalho e está articulado
ao conjunto de valores, crenças, idéias e representações sociais desses trabalhadores.7 Esse modelo explicativo nasce vinculado ao setor industrial, mas as
mudanças decorrentes dos processos de reestruturação produtiva, como, por exemplo, o aumento do
trabalho terceirizado, informal e familiar, obrigam
que se invista “fortemente no conhecimento dos diversos tipos de agravos à saúde em todos os setores
nos quais se acumulam problemas causados pela
labilidade dos vínculos de trabalho, como o caso
do antigo e hoje crescente trabalho familiar”8. O retorno ao modelo de cuidados domiciliares estimula
o cuidado familiar, mas não retira do Estado a responsabilidade de promover, proteger e recuperar a
saúde do idoso, além de otimizar o suporte familiar,
o que lamentavelmente não tem sido observado.9,10.
Nessa perspectiva, este estudo teve por objetivo estudar a percepção de cuidadores familiares
de idosos sobre o suporte que recebem da família
e do Sistema de Saúde para exercerem sua atividade em domicílio.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado a partir dos relatos e
percepções dos cuidadores familiares de idosos
sobre sua atividade e o suporte que recebiam para
realizá-las. Na tentativa de apreender a construção
das representações e as relações com o contexto
na qual se produzem, foi utilizada uma abordagem qualitativa, que enfoca a sua atenção no específico, no peculiar, no individual, buscando a
compreensão e não a explicação dos fenômenos
estudados.11
Foram avaliados cuidadores familiares com
idade superior a 60 anos, não remunerados, que
vivem e trabalham no território de influência da
Unidade Básica de Saúde (UBS) Imbiruçu, localizada na cidade de Betim/MG. Sua identificação foi
realizada por meio do relato dos agentes comunitários de saúde (ACS) sobre os usuários visitados
por eles, em uma reunião entre a pesquisadora e a
equipe do Programa de Agentes Comunitários de
Saúde (PACS). A partir desses relatos, as escolhas
dos indivíduos a serem entrevistados e a ordem
na realização das entrevistas foram determinadas
pela disponibilidade do ACS, facilidade de acesso
ao domicílio e a receptividade do cuidador para
participar do estudo.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S288-S293
289
Os cuidadores familiares de idosos: um novo agente de saúde no SUS: o olhar da saúde do trabalhador
O contato inicial entre entrevistador e cuidadores foi feito na residência destes últimos, segundo a
sua conveniência, na presença do ACS responsável
pela respectiva microárea. Dessa forma, a relação
entrevistador/entrevistado foi estreitada e promoveram-se os laços de confiança e simpatia necessários ao bom andamento da entrevista. Após esse
primeiro contato, foram agendados o dia e hora da
entrevista.
Foi utilizado um roteiro de entrevista semi-estruturada abordando dados pessoais do cuidador
e do idoso, a descrição das atividades de cuidado,
o suporte e as percepções do trabalho. As entrevistas foram realizadas no próprio domicílio do
entrevistado, em local que garantia privacidade
e não constrangimento dos mesmos, sendo que
as duas primeiras foram consideradas pilotos do
estudo e contribuíram para melhor adaptação do
instrumento.
O número de entrevistas realizadas foi definido pelo critério de ponto de saturação das informações, que se caracteriza como o momento
em que nenhuma nova informação surge, ocorrendo repetição dos dados já colhidos.11 Foi efetuada a transcrição da gravação imediatamente
após o término da entrevista, seguida de exaustiva leitura dos textos transcritos e sua organização segundo pertinência, representatividade e
homogeneidade.
Para extrair os significados manifestados no
material coletado, foi utilizada a técnica de Análise Temática, que visa a explorar a compreensão
de questões ou a significância de idéias. Isso se tornou possível por meio da identificação dos temas
que foram mais evidentes no texto em diferentes
níveis e da construção de redes de temas estruturados e descritos.12
Dessa forma, a análise foi realizada com o programa de análise de dados qualitativos NUD*IST,
versão 6.0 (N6), em três fases:
■
1° FASE: foram elaborados indicadores a partir
do contato exaustivo com o material e sua organização, com conseqüente determinação das
unidades de registro.
■
2° FASE: por meio das unidades de registro determinadas na fase anterior, foram escolhidas
regras de contagem e realizada a classificação
e agregação dos dados, determinando categorias teóricas para o direcionamento da especificação dos temas.
290
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S288-S293
■
3° FASE: os resultados brutos foram submetidos
a operações simples que permitiram colocar
em destaque as informações obtidas. A partir
disso, foram realizadas as inferências e interpretações previstas no quadro teórico.
A realização do estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, no processo n°
CAAE: 0470.0.203.000-05.
RESULTADOS
Após a realização de 11 entrevistas, verificou-se
saturação nas informações colhidas, finalizando
esta etapa do trabalho. Desse total, duas entrevistas foram excluídas das análises por causa do
agendamento incorreto das ACSs, uma vez que as
cuidadoras tinham menos de 60 anos, fato identificado pela entrevistadora no decorrer da entrevista. O tempo das entrevistas variou entre 38 minutos
e 46 segundos; e 74 minutos e 44 segundos.
Nas nove entrevistas válidas, todas as cuidadoras eram do sexo feminino, com idade variável
entre 32 e 68 anos, tempo médio como cuidadoras
de cinco anos e renda familiar mensal entre um e
cinco salários mínimos. O grau de parentesco se
distribuiu da seguinte forma: sete eram filhas, uma
era irmã e uma era nora da idosa que cuidava, sendo todas as idosas também do sexo feminino, com
média de idade de 79 anos. Todas as cuidadoras
moravam no mesmo domicílio que as idosas, sendo que cinco moravam também com seu cônjuge
e filhos; três moravam somente com seu cônjuge e
a idosa; uma morava com seu filho, uma sobrinha
e a idosa.
Na literatura consultada, estudos ressaltam a
ocupação de cuidador como uma atividade exercida predominantemente no setor informal, por alguém da família e do sexo feminino.6,13,14 No estudo
desenvolvido por Karsch5, 92,9% dos cuidadores
entrevistados eram do sexo feminino, sendo que a
maior parte era formada de esposas (44,1%), seguidas pelas filhas (31,3%) e mais raramente noras e
as irmãs. A faixa etária encontrada nessa população era: 59% dos cuidadores estavam acima de 50
anos e 41% tinham mais de 60 anos.
No estudo realizado, as principais atividades
de cuidado com as idosas, descritas pelas cuidadoras, foram: alimentação, incluindo a escolha e
Os cuidadores familiares de idosos: um novo agente de saúde no SUS: o olhar da saúde do trabalhador
preparo do alimento até o auxílio direto para a idosa alimentar-se, higiene pessoal, como banho, troca de fralda e higiene íntima), locomoção (dentro
e fora do domicílio), medicação (administração e
aquisição de medicamentos) e cuidados noturnos.
As atividades não apresentam ritmo ou cadência
fixos. As variações e situações imprevisíveis restringem a autonomia das cuidadoras na escolha do
modo de realizar as atividades, acarretando pouco
controle sobre elas. As necessidades e exigências
específicas de cada idosa concorrem com outras
atividades, que estão sob a responsabilidade da
cuidadora dentro do lar.
No que tange às repercussões do trabalho sobre a saúde, as cuidadoras relataram cansaço físico, fraqueza e falta de energia. Falas como “Eu
sinto muito cansaço!”, “A sensação que eu tenho é
que eu durmo e acordo cansada!”, “Eu não descanso nem dormindo” foram ouvidas com freqüência,
além de queixas de nervosismo e “depressão”. Alterações do sono também foram freqüentemente citadas, cinco cuidadoras relataram ainda dificuldade para dormir, dores no corpo, lombalgia, dores
nos membros superiores e hipertensão arterial.
A literatura pesquisada sugere a existência de
relação entre a demanda de cuidados exigidos
pelos idosos e sintomas de cansaço e depressão
entre seus cuidadores15,16 Em situações nas quais
não é possível agir sobre os objetivos ou sobre os
meios de trabalho, os resultados exigidos são atingidos ao custo de modificações do estado interno
do indivíduo, que com o tempo se traduzem em
agressões à saúde. 6
A ausência ou precariedade do suporte familiar
no cuidado do idoso dependente foi uma queixa
freqüente entre as cuidadoras e geralmente se restringe ao apoio financeiro. A ajuda de outras pessoas da família, quando acontece, é esporádica e
insatisfatória, na opinião das cuidadoras: “tem os
filhos, mas mal-mal eles ligam pra cá pra saber...
igual eu tenho uma irmã que mora lá no Barreiro, essa irmã não me dá uma mínima. Não liga pra
saber se a mãe é viva, se a mãe come, se a mãe
bebe!”. A falta de cooperação dos familiares sobrecarrega o cuidador e limita significativamente
sua vida social. “Às vezes uma pessoa me convida
pra um aniversário, me convida pra fazer alguma
coisa, eu nunca posso ir. Tenho que ta sempre falando não pra pessoa, porque se eu for pedir eles
pra vim ficar com a mãe pra mim, ninguém deles
pode. Todo mundo tem os compromissos dele. Aí
eu fico com raiva mesmo!” (C1).
Segundo Bocchi17, essa situação parece estar
relacionada à relutância do cuidador em solicitar
ou aceitar ajuda, com receio de que essa atitude
possa ser interpretada como sinal de fracasso ou
inadequação dos cuidados; e ao medo e à ansiedade em abandonar o paciente na casa, sem atendimento, tornando-o suscetível ao agravamento das
incapacidades. Essas duas possibilidades aparecem nos relatos das cuidadoras. “Eu penso assim,
se eu não cuidar, eu acho que outra pessoa não ia
cuidar igual eu cuido dela. Ou podia até cuidar,
mas não ia ter o mesmo carinho que eu tenho com
ela” (C3); “E quando eu saio, eu fico muito preocupada, eu saio, mas eu não deixo de pensar nela.
Porque, igual algumas vezes que eu saí de casa,
eu nem bem cheguei no lugar, a menina já tava me
ligando pra mim voltar, porque a mãe deu uma febre ou passou mal. Aí eu tenho que ta voltando de
novo” (C2).
As cuidadoras também ressaltaram a importância do amparo da religião, na qual encontram
força e consolo para “suportar” o trabalho diário
de cuidados. “Deus é que dá coragem à gente, pra
gente vencer”. Muitas vezes a situação é interpretada como designada por Deus. “Então, eu acho assim, que muito que me acontece, Deus deve achar
que ta bem assim.”.
Outra idéia recorrente nas falas é a esperança
de a dedicação ao familiar idoso ser recompensada na velhice do cuidador. “Porque eu não sei o
meu dia do amanhã também, né? Porque eu faço
meio interessada, assim, pedindo a Deus pra encaminhar uma pessoa pra cuidar de mim (risos). Eu
tô cuidando dela, agora tem que ter um pra cuidar
de mim.”
Segundo Zunzunegui et.al.18, o suporte religioso e familiar foi associado à preservação da saúde mental dos cuidadores de idosos. Além disso,
os autores afirmam que o envolvimento religioso
tem sido abordado como um importante fator para
aceitação da função de cuidadoras entre esposas
de idosos.
Diante da insuficiência ou mesmo ausência do
suporte familiar, cabe perguntar pelo apoio que os
cuidadores de idosos têm recebido do SUS. A PNSPI4
prevê a “incorporação, na atenção básica, de mecanismos que promovam a melhoria da qualidade
e aumento da resolutividade da atenção à pessoa
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S288-S293
291
Os cuidadores familiares de idosos: um novo agente de saúde no SUS: o olhar da saúde do trabalhador
idosa, com envolvimento dos profissionais da atenção básica e das equipes do Programa de Saúde
da Família”. Além disso, estabelece diretrizes para
o reconhecimento das situações de trabalho dos
cuidadores, com o objetivo de desenvolver ações
de prevenção à saúde das pessoas que cuidam.
Entretanto, na percepção dos cuidadores entrevistados, o suporte oferecido pela UBS foi considerado precário ou inexistente, como expresso nas
seguintes afirmativas: “mas eu fui lá (na UBS), conversei com a assistente social, mas ninguém nunca
me deu idéia pra nada, a assistente social de lá,
sabe” e “e a médica nunca veio aqui ver ela. Essas
agentes de saúde também têm muito tempo que não
vêm aqui. Muito tempo que elas não vêm aqui”.
Algumas cuidadoras informaram ter recebido
orientações de profissionais do nível secundário
de atenção à saúde do SUS (Hospitais, Centros de
Referência) sobre técnicas cuidadoras, durante os
momentos de internação ou consulta das idosas,
por exemplo: “quando ela saiu do hospital já veio
com a tabela sobre alimentação. Inclusive a médica fonoaudióloga que fez o acompanhamento dela
fez muitas recomendações que eu não segui muito
não.” Entretanto, nenhuma delas pediu a continuidade dessas orientações na atenção primária (UBS):
“Não, eu nem sabia que a gente tinha que pedir isso
aqui no posto! Quem me ensinou alguma coisa foi a
fisioterapeuta, quando eu levava mamãe pra fazer
fisioterapia. Foi ela que me ensinou como tirar mamãe da cama pra passar pra cadeira, pra mim não
dá problema nas costas, não me cansar tanto.” .
O suporte da UBS (como previsto na PNSPI)
foi considerado pelas cuidadoras um fator favorável para a condição de saúde da idosa e facilitador do trabalho e melhoria da sua própria saúde,
caso viesse acontecer, como pode ser observado
no seguinte depoimento: “orientação pra facilitar
o trabalho aqui. Por exemplo, hoje eu já sei o que
eu tenho que fazer pra curar a ferida que deu no
pé dela, mas se eu tivesse tido alguma informação
antes, quem sabe não tinha nem dado a ferida”. E
continua: “orientação pra prevenir as coisas que a
gente não conhece, não sabe que pode acontecer.
Eu acho que a prevenção é a base pra que as pessoas tenham uma vida mais saudável e equilibrada.”
Um grupo de enfermeiras procedeu a um estudo, em Samoa, com a população do país, cerca de
175.000 habitantes, no qual foram realizadas oficinas educativas para cuidadores de idosos. Os obje292
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S288-S293
tivos foram: desenvolver um programa de educação
barato direcionado para eles; determinar o impacto
das oficinas sobre os cuidadores e sobre os cuidados com os idosos; e auxiliar na determinação de
políticas específicas para os idosos. Essa investigação mostrou que após duas semanas de oficinas e
540 cuidadores participantes, os cuidados com os
idosos melhoraram e a comunidade se tornou mais
sensível às questões relacionadas ao envelhecimento. Desse trabalho resultou a formação de um grupo interdisciplinar para discutir e elaborar políticas
governamentais de apoio aos idosos.19
No Brasil, essas atividades permanecem incipientes e isoladas, fornecendo suporte a grupos de
cuidadores de idosos por tempo determinado e de
forma desarticulada do sistema público se saúde.20
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O rápido aumento da população idosa, em particular daqueles dependentes, que necessitam de
cuidados especiais diários e consomem parcela
significativa dos serviços públicos de saúde, tem
exigido a formulação de novas estratégias e ações
das políticas públicas de cuidado a essa população.
A PNSPI4 define as diretrizes para o cuidado aos
idosos, em especial aos dependentes. A escassez
de estruturas de cuidado intermediário no SUS e as
evidências dos aspectos favoráveis à melhoria da
qualidade de vida desses idosos, quando apoiados
pela família, contribuíram para que na PNSPI os familiares sejam considerados parceiros importantes
das equipes de saúde na execução dos cuidados
e reconhecidos como agentes de saúde que garantem o cumprimento dos objetivos dessa política.
Infelizmente, no Brasil, o sistema público de
saúde não tem atendido à crescente demanda de
cuidado aos idosos e seus familiares. A PNSPI, ao
considerar os cuidadores de idosos parceiros das
equipes de saúde na assistência aos idosos dependentes, torna o sistema de saúde responsável por
fornecer condições dignas de trabalho para esses
“agentes de saúde”. A constatação de que o processo de saúde e doença dos cuidadores familiares de
idosos tem relação com as suas atividades cuidadoras leva a crer que o suporte a essa população
deve ir além das técnicas cuidadoras com os idosos e abordar também as formas de organização e
suporte a esse trabalho.
Os cuidadores familiares de idosos: um novo agente de saúde no SUS: o olhar da saúde do trabalhador
Essa distância entre as diretrizes da PNSPI e a
realidade do trabalho dos seus principais parceiros – cuidadores familiares – demonstra também
a falta de diálogo intra-setorial, ou seja, entre essa
política e a Política Nacional de Saúde do Trabalhador, que visa a “garantir que o trabalho (...) seja
realizado em condições que contribuam para a
melhoria da qualidade de vida, a realização pessoal e social dos trabalhadores e sem prejuízo para
sua saúde, integridade física e mental.”4
REFERÊNCIAS
1. Veras R. Em busca de uma assistência adequada à
saúde do idoso: revisão da literatura e aplicação de
um instrumento de detecção precoce e de previsibilidade de agravos. Cad Saúde Pública. 2003 maio/
jun.; 19(3): 705-15..
2. Peixoto SV, Giatti L, Afradique ME, Lima-Costa MF. Custo das internações hospitalares entre idosos brasileiros no âmbito do Sistema Único de Saúde. Epidemiol
Serv Saúde. 2004 out./dez.; 3 (4): 239-46. .
3. Lima-Costa MF,Barreto SM, Giatti L. Condições de saúde, capacidade funcional, uso de serviços de saúde
e gastos com medicamentos da população idosa
brasileira: um estudo descritivo baseado na Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública. 2003 maio/jun.; 19(3): 735-43..
4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.528 de 19 de
outubro de 2006. Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
5. Karsch UM. Idosos dependentes: famílias e cuidadores. Cad Saúde Pública. 2003 maio/jun.; 19(3): 861-6.
6. Nakatani AYK, Souto CCS, Paulette LM, Melo TS, Souza
MM. Perfil dos cuidadores informais de idosos com
déficit de autocuidado atendidos elo Programa de
Saúde da Família. Rev Eletr Enferm. 2003; 5(1) 2003.
[Citado em:10 nov. 2004] Disponível em: http:/www.
fen.ufg.br/revista..
7. Mendes R, Dias EC. Da medicina do trabalho à saúde
do trabalhador. Rev Saúde Pública. 1991; 25:341-9.
8. Gomes CM, Lacaz FAC. Saúde do Trabalhador: novasvelhas questões. Ciên Saúde Col. 2005; 10(4):797-807.
9. Silvestre JA, Costa Neto MM. Abordagem do idoso em
programas de saúde da família. Cad Saúde Pública.
2003 maio/jun.; 19(3): 839-47.
10. Leal MGS. O Desafio da longevidade e o suporte ao
cuidador. Rev Terceira Idade. 2000 ago.; 11(20):19-29.
11. Turato ER. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa – construção teórico-epistemológica,
discussão comparada e aplicação nas áreas de saúde e humanas. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; 2003. 685p.
12. Attride-Stirling J. Thematic networks: an analytic tool
for qualitative research. Qualitative Res. 2001; 1 (3):
385-405.
13. Brewer L. Gender socialization and the cultural construction of elder caregivers. J Aging Studies. 2001; 15
(20): 217-35.
14. Garrido R, Menezes PR. Impacto em cuidadores de
idosos com demência atendidos em um serviço psicogeriátrico. Rev Saúde Pública 2004; 38 (6): 835-41.
15. Beeson RA. Loneliness and Depression in Spousal
Caregivers of Those With Alzheimer’s Disease Versus
Non-Caregiving Spouses. Arch Psychiatr Nurs. 2003
June; 17(3):135-43. .
16. Matsuu K, Washio M, Arai Y, Ide S. Depression among
caregivers of the frail elderly in urban Japan. Psychiatr Clin Neurosc. 2000; 54: 553-7. .
17. Bocchi SCM. Vivenciando a sobrecarga ao vir-a-ser
um cuidador familiar de pessoa com acidente vascular cerebral (AVC): uma análise do conhecimento.
Rev Latino-Am Enferm. 2004 jan./fev.; 12(1): 115-21.
18. Zunzunegui MV, Béland F, Lácer A, Keller I. Family, religion, and depressive symptoms in caregivers of disabled elderly. J Epidemiol Comm Health 1999; 53: 364-9.
19. Mulatilo M, Taupau T, Enoka I. Teaching families to be
caregivers for the elderly. Nurs Health Sci. 2000; 2: 51-8.
20. Cerqueira ATAR, Oliveira NIL. Programa de apoio
a cuidadores: uma ação terapêutica e preventiva
na atenção à saúde dos idosos. Psicol USP, São Paulo, v.13, n. 1, 2002. [Citado em 23 jul. 2005]. Disponível
em: www.scielo.com.br.
21. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 800 de novembro de 2004..Política Nacional de Saúde do Trabalhador para o SUS. Brasília; Ministério da Saúde; 2004.
22. Dias EC. A atenção à saúde dos trabalhadores no
setor saúde (SUS), no Brasil: realidade, fantasia ou
utopia? [tese].– Campinas: Universidade Estadual de
Campinas; 1994. 335f.
23. Guérin F, Laville A, Daniellou F, Duraffourg A. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher; 2004. 200p. Não
citados
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S288-S293
293
ARTIGO DE REVISÃO
Absenteísmo no trabalho em saúde:
fatores relacionados
Absenteeism at work in health: related factors
Geraldo Majela Garcia Primo1, Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro2, Emília Sakurai3
RESUMO
1
Médico do trabalho. Mestrando do Programa de
Pós-graduação em Saúde Pública do Departamento de
Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina
da UFMG.
2
Professor Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva e Social – Faculdade de Medicina da UFMG.
3
Professora Adjunta do Departamento de Estatística –
Instituto de Ciências Exatas – UFMG.
Apresenta-se uma revisão de literatura sobre o absenteísmo por motivo de doença e fatores
relacionados à sua magnitude e variabilidade, enfatizando-se os trabalhadores no setor
hospitalar e da saúde. Foram apresentados os conceitos de absenteísmo e seu contraponto,
o presenteísmo. Os fatores relacionados ao absenteísmo são aqueles relativos ao perfil sociodemográfico e ao ambiente de trabalho, incluindo os riscos psicossociais. As situações
peculiares ao ambiente de trabalho em saúde e os elementos comportamentais envolvidos
no processo decisório, como a motivação e a relação do indivíduo com o trabalho e com
seu processo de saúde-doença, também foram considerados. São apresentadas também
algumas iniciativas de intervenção no ambiente de trabalho e suas repercussões nas taxas
de absenteísmo. As evidências estatísticas e as análises conceituais confirmam a importância de se acompanharem as taxas de absenteísmo como um indicador, não só da situação
epidemiológica, mas também das condições laborais, dos riscos específicos, do clima
organizacional e do grau de comprometimento do grupo estudado.
Palavras-chave: Absenteísmo. Organizações em saúde. Recursos humanos em saúde.
Saúde do trabalhador. Doenças ocupacionais. Saúde pública. Administração de serviços de saúde. Gestão em saúde.
ABSTRACT
A literature review on absenteeism due to disease and factors related to its magnitude
and viability is presented, emphasizing hospital and health workers. It were presented
the concepts of absenteeism and its counterpoint, the presenteeism. The factors related to
absenteeism are those concerning the social-demographic profile and the work environment including psychosocial risks. The situations peculiar to the work environment in
health and the behaving elements involved in the decision making, as motivation and
the individual relation with the work and his health-disease process were also taken into
consideration. It were also presented some steps of intervention at work environment
and its repercussions on absenteeism rates. The statistical evidences and the conceptual
analyses confirm the importance of following the absenteeism rates as an indicator, not
only on epidemiological situation but also labor conditions, specific risks, organizational
climate and engagement level of the studied team.
Key words: Absenteeism. Health organizations. Health manpower. Occupational health.
Public health. Health services administration. Health management.
INTRODUÇÃO
Endereço para correspondência:
Geraldo Majela Garcia Primo
Rua Poços de Caldas 81/101. Belo Horizonte, MG.
CEP: 31080-080.
Email: [email protected]
294
O trabalho ocupa a maior parte do tempo da vida das pessoas, notadamente dos anos mais saudáveis. Sinal dos tempos modernos, o trabalho está tão
imbricado no dia-a-dia que se chega a confundir saúde com capacidade para
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S260-S268
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
o trabalho. Melhor dizendo: “sei que estou doente
quando não consigo trabalhar.” É possível identificar desde a Antigüidade, embora de forma não
sistemática ou não reconhecida, elementos que
relacionam o trabalho a determinados padrões de
doenças e condições de sofrimento e até mesmo
morte prematura de determinados grupos de trabalhadores.1 A influência do trabalho como fator
causal de dano ou agravo à saúde está hoje bem
estabelecida e dimensionada em sua importância
e magnitude.2 O Ministério da Saúde reconhece a
correlação entre o trabalho e o processo saúde-doença, classificando essas doenças para os órgãos
e sistemas do corpo humano.3
O absenteísmo, conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é definido como “a
falta ao trabalho por parte de um empregado”, ao
passo que o absenteísmo por licença médica “consiste no período de baixa laboral atribuída a uma
incapacidade do indivíduo, contabilizado desde o
início à margem de sua duração”4. As ausências no
trabalho por motivo de doença têm importância
na saúde pública, uma vez que indicam o processo
de adoecimento dos trabalhadores e têm impacto
econômico, pois interferem na produção, aumentam o custo operacional e reduzem a eficiência no
trabalho. O absenteísmo acarreta sobrecarga àqueles que permanecem no trabalho, tendo que executar também as atividades dos colegas ausentes,
podendo levar ao aparecimento de novos problemas de saúde e possíveis afastamentos no futuro.
Contrapondo-se ao absenteísmo, foi identificado nos últimos anos um novo fenômeno: a presença
do trabalhador, ainda que doente, no seu local de
trabalho. O presenteísmo pode ser entendido como
resultado das novas relações de trabalho, caracterizadas pelas altas taxas de desemprego, reestruturação nos setores públicos e privados, diminuição no
tamanho da organização, redução do número de
empregados, aumento do número de pessoas com
contratos temporários e redução dos benefícios na
empresa e entidades governamentais.5
O trabalho em saúde é considerado uma fonte
de vários fatores de risco, tanto que recebeu por
parte do Ministério do Trabalho tratamento específico, quando este promulgou a Norma Regulamentadora número 32 (NR-32) que trata das condições
e necessidades dos trabalhadores em atividades de
atenção à saúde.6 No Brasil, o setor saúde emprega
7,5% da mão-de-obra do mercado formal, sendo
que o setor hospitalar corresponde a 62% desse
contingente.7 Numericamente, perfazem no Brasil
mais de 2,5 milhões de trabalhadores. Na América
Latina, Estados Unidos e Caribe totalizam cerca de
20 milhões de trabalhadores.8 O setor hospitalar,
como ramo de atividade classificado pela Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE),
apresentou em 2005 uma taxa de acidentes de trabalho de 58,89 por 1.000 vínculos, enquanto a média nacional ficou em 19,85.9
Este trabalho apresenta uma revisão da literatura sobre a situação do absenteísmo no setor saúde
e notadamente no setor hospitalar. Discrimina os
diversos fatores que têm sido considerados relevantes nas estatísticas de ausência ao trabalho por
motivo de doença e medidas preventivas que têm
sido tomadas para minimizar essas taxas. Tece comentários sobre fatores peculiares ao setor saúde
que estão implicados nesses valores e que muitas
vezes são de difícil percepção e mensuração.
MATERIAL E MÉTODOS
A revisão bibliográfica se deu a partir de pesquisa na base de dados: MEDLINE via BIREME no
período de 1996 a 2006 com o descritor [absenteísmo] e a palavra [hospital], encontrando-se 231
artigos dos quais 37 foram selecionados pelo título. Na base de dados WEB OF SCIENCE, até 2006,
com o Subject categories: Public, environmental &
occupational health e o descritor [absenteísmo],
encontraram-se 517 artigos, dos quais 50 foram selecionados pelo título. Na base de dados LILACS
até 2006 e com o descritor [absenteísmo] e a palavra [hospital], foram encontrados 82 artigos. Os
artigos de língua inglesa, portuguesa ou espanhola foram selecionados pelo título e pelo resumo de
acordo com a proposta temática de estudo. Aqueles considerados de interesse foram recuperados e
lidos integralmente.
ABSENTEÍSMO NO SETOR HOSPITALAR
As taxas de absenteísmo apresentadas nos estudos em hospitais brasileiros variaram de 3,0 a 27,9
dias de afastamento/trabalhador/ano. O índice de
absenteísmo (dias de ausência x 100/dias esperados x população laboral) variou de 1,23 a 6,82 e a
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
295
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
média de duração das licenças (taxa de severidade) ficou entre 3,9 e 27,9 dias.10-15
Mesa e Kaempffer16 levantaram dados de absenteísmo de mais de 30 anos em quatro segmentos
de trabalho no Chile: hospitais, minas, indústria
automobilística e universidades e organizações de
pesquisa. O setor hospitalar apresentou as mais altas taxas. O índice de duração-dias (IDD) ou taxa
de incapacidade foi de 14,3 dias/funcionário/ano.
O índice de freqüência de trabalhadores (IFT) foi
de 1,3 e a duração média das licenças (taxa de gravidade) foi de 10,6 dias (Tabela 1)
Fatores sociodemográficos e de saúde
A tendência de senso comum é considerar o
absenteísmo o indicador direto da morbidade do
grupo estudado. Esta é uma verdade parcial. O
absenteísmo é um fenômeno multicausal e deve
ser analisado à luz da sua complexidade, contemplando fatores relativos à instituição e à classe de
trabalhadores em seu ambiente e contexto organizacional e social, os riscos a que estão sujeitos
e implicações subjetivas no ato de se ausentar do
trabalho.
As pesquisas sobre absenteísmo procuram
identificar as condições pessoais ou de natureza
sociodemográficas que o influenciam. Assim, foram encontradas variações positivas nas profissões de nível elementar como auxiliar de serviços
gerais, técnico de nutrição e dietética, auxiliar de
cozinha e também entre os auxiliares e técnicos de
enfermagem.12,14 A categoria de enfermagem tem
sido bastante estudada e os índices de absenteísmo são elevados, considerando-a isoladamente ou
quando comparados com outras categorias.12-13,17-21
Por sua vez, entre os médicos tem sido observada
tendência a baixo absenteísmo e altos índices de
presenteísmo.14,15,22
Lim et al. 14 compararam o absenteísmo de trabalhadores em um hospital de ensino. As 142 profissões foram agrupadas em seis grandes tipos: médicos, enfermeiros, outros profissionais de saúde
em contato direto com o paciente (farmacêuticos,
psicólogos, pessoal de enfermagem, etc..), pessoal
de laboratório e apoio propedêutico, pessoal de
escritório e trabalhadores manuais (motoristas,
mecânicos, pedreiros, etc.). Considerável diferença
no absenteísmo de curta duração foi encontrada
entre os diversos tipos: a taxa entre os médicos foi
quase nove vezes mais baixa que entre o pessoal
de laboratório: respectivamente, 34 episódios para
cada 100 trabalhadores-ano contra mais de 300
episódios para cada 100 trabalhadores-ano. Embora o pessoal de enfermagem tivesse taxa quase
quatro vezes mais alta que os médicos, o número
foi considerado pequeno comparado com outras
categorias. O absenteísmo de longa duração apresentou menor variação entre os diversos tipos. Os
médicos novamente tiveram as mais baixas taxas
(menos que sete episódios por 100 trabalhadoresano), enquanto trabalhadores manuais e outros
profissionais de saúde apresentaram taxas quatro
vezes mais altas e significativamente mais altas
que os outros grupos. (Tabela 2)
Outros fatores que aumentaram o absenteísmo foram: baixa escolaridade14,23-25; idade
avançada14,24,26; estado civil casado14,25 e sexo feminino.12,23,24,27,28 Ala-Mursula29 identificou que o aumento do absenteísmo está associado ao hábito de
fumar, obesidade e sedentarismo. De acordo com
Isosaki27, a jornada de trabalho e a presença de
crianças em casa também influenciam a elevação
dessas taxas.
Tabela 1 - Comparação do absenteísmo entre várias seguimentos de organizações
População
laboral
Número de
Licenças
Dias de licença
IDD (Tx. de
incapacidade
Taxa de
freqüência
Taxa de
severidade
Hospitalar
6.825
9.190
97.422
14,3
1,3
10,6
Mineração
7.577
10.438
91.647
12,0
1,3
8,7
Industrial
849
470
6.070
7,1
0,6
12,9
1.981
1.481
12.234
6,2
0,7
8,2
Setor
Universitário
Adaptado de Mesa e Kaempffer
296
16
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
Tabela 2 - Absenteísmo entre trabalhadores de um hospital de ensino, por tipo e duração
Curta-duração (1 a 3 d)
Longa-duração (> 3d.)
Média de dias perdidos
Taxa de episódios/100
Trabalhadores-ano (IC95%)
Taxa de episódios/100
Trabalhadores-ano (IC95%)
Trabalhadores-ano
34,2 (29,4-40,0)
6,6 (4,4-9,4)
1,0
Enfermeiros
135,2 (130,4-140,2)
19,8 (18,0-21,7)
2,9
Outros profissionais de saúde
264,9 (252,6-277,6)
26,9 (23,1-31,2)
4,5
Apoio propedêutico
312,1 (296,6-328,3)
12,6 (9,7-16,2)
4,4
Pessoal de escritório
229,5 (219,0 -240,3)
17,4(14,6-20,6)
3,6
Trabalhadores braçais
259,6 (250,9-268,5)
28,3 (25,5-31,4)
4,6
Tipo
Médicos
Adaptado de Lim et al14
Fatores organizacionais
Uma multiplicidade de fatores da organização
do trabalho interfere nas taxas de absenteísmo,
seja no sentido de facilitar seu aparecimento ou
minimiza-lo. Os aspectos enfatizados dizem respeito à natureza da organização, às condições de
risco, ao processo de trabalho e aos elementos de
natureza relacional dentro e fora da empresa. As
instituições públicas têm taxa mais alta que as privadas.20,30 Similarmente, a estabilidade no emprego favorece seu incremento11,24,31. O contato direto
com pacientes parece ter alguma influência, ou
seja, trabalhar em unidades de internação aumenta o absenteísmo, comparado com outros postos
de trabalho.12,13,18
Os critérios de concessão e os protocolos utilizados para conceder-se o atestado parecem influenciar na incidência do absenteísmo e na sua
duração. Silva e Marziale13 constataram que os
atestados que dispensavam a perícia médica (um
e dois dias) corresponderam a 79% dos atestados
emitidos na instituição estudada.
A natureza das relações pessoais e hierárquicas
na organização reflete-se no incremento das taxas
de absenteísmo: a relação do trabalhador com seu
ambiente familiar e como a chefia administra essa
problemática27; a exigência de assiduidade e baixa
capacidade de flexibilidade no ritmo do trabalho28;
o clima organizacional desfavorável; limitações na
carreira; baixa qualidade do trabalho em equipe;
e constrangimentos pessoais podem aumentar as
ausências ao trabalho.32-35 Serxner et al.36 observaram que o comportamento de risco no ambiente
laboral na área da saúde favorece o absenteísmo.
Kivimaki et al.15, em seguimento com grupo de
médicos e grupo-controle por dois anos, constataram que o trabalho em equipe teve o mais forte
impacto no absenteísmo nos médicos, mas não
no grupo-controle. Médicos que trabalhavam em
equipes mal estruturadas tiveram mais chances
de terem absenteísmo de longa duração que médicos que trabalhavam em equipes fortes [OR=1,8
(IC95% 1,3-3,0)].
O risco psicossocial
O estresse no trabalho tem se convertido numa
das principais causas de afastamento em vários
seguimentos laborais. A aparição desse fenômeno
pode ser atribuída às exigências da organização
do trabalho.35 As repercussões desse fenômeno do
ponto de vista da perda de produtividade, absenteísmo, perda da qualidade de vida e adoecimento são
muitas e de difícil mensuração, por tratar-se de risco, muitas vezes, não reconhecido ou declarado.37
Nos últimos anos, alguns modelos têm surgido
para sistematizar e permitir a análise e a intervenção nas situações de trabalho que podem levar ao
estresse.37 O Modelo de Demanda e Controle desenvolvido por Karazek38 tem encontrado adeptos
no mundo e vários estudos estão sendo realizados
para testá-lo e às suas implicações em diversos aspectos, inclusive nas taxas de absenteísmo.29,39-41 O
modelo baseia-se nas características psicossociais
do trabalho: as demandas psicológicas que este
estabelece e certa combinação dos controles das
tarefas e o uso das capacidades (a chamada latitude de tomada de decisão).42
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
297
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
A primeira hipótese é que as reações de tensão
psicológicas mais negativas (fadiga, ansiedade, depressão e enfermidades físicas) se produzem quando as exigências psicológicas do posto de trabalho
são grandes e, além disso, há escassa amplitude de
tomada de decisão do trabalhador. Estabelece-se a
denominada “tensão psicológica”. Não é só a liberdade de ação a respeito da maneira de realizar a tarefa
formal que libera a tensão; a liberdade para participar de “rituais” informais, a pausa para o café, para
fumar, para “perambular” um pouco atuam também
como mecanismos complementares de liberação da
tensão durante a jornada de trabalho.43 Resumidamente, o modelo afirma que os postos de trabalho
com grandes exigências e escassos controles sobre a
tarefa – e também com escasso apoio social – são os
que mais riscos de enfermidade apresentam.
Observa-se que, em geral, o baixo controle
sobre o trabalho e a falta do suporte social se relacionam diretamente com o aumento do absenteísmo.24,39,40,44 Nos estudos em que se tentou interferir nas variáveis em questão, ou seja, o aumento
do controle sobre o trabalho e a diminuição das
tensões psicológicas, verifica-se que os resultados
ainda não são claros quanto à consistência das mudanças e sua influência no absenteísmo.40,44 Observa-se que o impacto das mudanças é mais efetivo
no absenteísmo de longa duração.39
Perfil de morbidade
O perfil de morbidade estabelecido a partir do
diagnóstico atribuído por ocasião da concessão
da licença tem fundamental importância na avaliação das condições de trabalho e das conseqüências no adoecimento dos trabalhadores. Diversos
estudos têm apontado resultados semelhantes.
As nosologias mais comuns na área da saúde têm
sido as músculo-esqueléticas,11,12,13,16,23,26,27,45,46 as do
aparelho respiratório para o absenteísmo de curta
duração11,12,13,16,23 e os transtornos mentais para as
ausências de longa duração.12,26,45,46
Entre os transtornos mentais, merece destaque a
síndrome de Burnout. Vista como estado de exaustão física e emocional, resultado de estresse ou frustração prolongada, foi inicialmente diagnosticada
nos anos 1970 e vem sendo encontrada em larga
variedade de profissionais de saúde. O burnout leva
a transtornos físicos e mentais e também ao abuso
298
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
de substâncias. Os profissionais de risco incluem
médicos, enfermeiros, assistentes sociais, dentistas,
cuidadores, membros dos serviços de emergência,
de saúde mental, fonoaudiólogos, entre outros.47
Borritz et al.48 verificaram que, entre diversos
segmentos, cuidadores domiciliares e parturientes
atingiram os mais altos níveis de burnout. Mudanças individuais na intensidade de burnout levaram
ao aumento das taxas de absenteísmo de curto e
de longo prazo. A taxa de absenteísmo variou de
13,9 para 6,0 dias entre o mais alto e o mais baixo
quartil de burnout.
MEDIDAS PREVENTIVAS
Com o reconhecimento da importância de se
cuidar do absenteísmo como indicador sintomático da condição de saúde e do desempenho dos
trabalhadores e da organização do trabalho, novas medidas têm sido propostas e implementadas
naqueles que seriam os fatores que o influenciam.
McCluskey et al.49 constataram que o contato precoce, identificação de obstáculos psicossociais,
modificação temporária do ambiente de trabalho
e comunicação com os colegas reduziram o absenteísmo de 10,8 para 6,5 dias.
Lavoie-Tremblay et al.42, em uma organização de
cuidados de longo prazo, introduziram mudanças
para diminuir as condições estressantes da organização identificadas previamente pela própria
equipe. Os resultados foram avaliados a partir de
questionários de avaliação do conteúdo do trabalho, equilíbrio esforço-recompensa e índices de sintomas psiquiátricos. Houve aumento da percepção
do reconhecimento no trabalho e queda no absenteísmo de 8,26 para 1,86%, permanecendo o mesmo no restante da instituição (p<0,01). Arnetz50, em
intervenção pró-ativa no gerenciamento do risco e
orientações ergonômicas, verificaram completa reabilitação em maior proporção (84% contra 27% do
grupo-controle). O retorno ao trabalho foi mais rápido que no grupo-controle OR=2,5 (IC95% 1,2-5,1).
DISCUSSÃO
O absenteísmo pode ser visto como resultado
de um processo decisório no qual o trabalhador
exerce, de forma deliberada ou inconsciente, sua
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
autonomia frente às pressões, de um lado a necessidade e/ou motivação para o trabalho e de outro
as suas condições físicas de saúde. Aqui um paradoxo, em que a condição física é atribuída à situação de saúde e/ou doença do indivíduo como
uma tentativa de agrupar os aspectos biológicos,
psicológicos e mentais em um termo que se traduz
em um comportamento resumidamente estabelecido: “consegue se locomover, se deslocar para o
trabalho, exercer suas atividades?”. No entanto, a
decisão de se ausentar do trabalho pode ser um
atributo em que o trabalhador irá exercer sua capacidade de se manifestar.
Do ponto de vista da decisão por comparecer
ou não ao trabalho, que fatores seriam determinantes? O aspecto “físico” da doença, ou seja, o adoecer propriamente dito, terá como resultado uma
incapacidade que pode variar em grau e acometer diferentes órgãos e terá implicações na relação
com o trabalho e exercício de suas competências.
A fratura de um membro obviamente irá impossibilitar o motorista de exercer plenamente e com
segurança sua atividade de dirigir.
Ressalvadas aquelas condições nas quais não
há dúvidas da decisão de comparecer ou não ao
trabalho ou da concessão do atestado médico,
pode haver as que não são tão óbvias. Vai depender de elementos que escapam a uma visão simplista do problema. Muitas vezes, a opção diz respeito mais ao ambiente e objeto de atuação que
à própria condição do exercício das atividades.
Exemplo pode ser dado com trabalhadores da saúde quando no contato com pacientes imunodeprimidos e em que um simples resfriado contra-indica
o trabalho, muito mais pelo risco ao paciente que
pela condição do trabalhador, ainda que justificado como absenteísmo por doença. As estatísticas
não especificam essas particularidades.
Ocasionalmente, a decisão de afastamento se
deve mais ao ambiente de trabalho que às condições de saúde: quando determinada exposição irá
desencadear ou agravar um quadro mórbido previamente conhecido. Está-se falando dos riscos de
várias naturezas, como a exposição a ruído, calor,
agentes químicos, microorganismos, risco de acidentes e fatores da organização do trabalho. Nessas situações, a condição de saúde do trabalhador,
embora não absoluta, também será levada em conta. Diante da queixa de dor persistente no membro
superior, o médico irá avaliar se o trabalho pode
ser um fator de risco para aquela queixa e decidir
pelo seu afastamento. Provavelmente, outros trabalhadores estão expostos aos mesmos riscos e não
irão apresentar as mesmas queixas. Assim, não
serão passíveis de intervenção médica, seja para
atuar no resultado do risco em seu corpo, seja para
intervir no ambiente de trabalho.
A identificação do fenômeno do presenteísmo,
a partir da década de 1990, traz novo ingrediente
a essa discussão. O maior índice de presenteísmo
é disparado nas áreas da saúde e educação (enfermeiros e pessoal técnico de enfermagem, professores e demais educadores) [OR=2,29 (IC95%
1,79-2,93)]. As maiores queixas entre os que apresentaram presenteísmo se referem a lombalgias e
dores cervicais, sensação de fadiga e estados depressivos menores. Os grupos ocupacionais que
apresentaram alto índice de presenteísmo também
são os que apresentaram as mais altas taxas de absenteísmo (p<0,01) e a hipótese da correlação entre baixos salários e presenteísmo foi confirmada
(p<0,01). Por fim, a combinação mais comum encontrada, comparando-se as diversas ocupações,
foi a baixa produtividade, altos níveis de presenteísmo e altos níveis de absenteísmo. Essa correlação
poderia ser explicada pelo fato de que a ausência
ao trabalho por doença é apenas uma questão de
tempo entre aqueles que insistem em trabalhar em
precárias condições de saúde ou ainda pela maior
vulnerabilidade desses grupos a condições adversas de trabalho desencadeando o agravamento da
condição de saúde e conseqüente absenteísmo.51
Estabelecidas resumidamente essas condições
extremas ou qualitativamente bem justificadas, podese discorrer naquela faixa sobre a qual não há consenso. Ou seja, para as mesmas situações objetivas
será encontrada uma variabilidade nas estatísticas de
absenteísmo. Certamente, trata-se de um fenômeno
cuja explicação não pode ser atribuída a fatores específicos e bem determinados. Simplificando e “enquadrando” as condições de capacidade para o trabalho
e sua efetivação, têm-se quatro situações possíveis: a)
indivíduo sadio e presente ao trabalho; b) indivíduo
doente e presente ao trabalho (presenteísmo); c) indivíduo sadio e ausente ao trabalho; e d) o indivíduo
doente e ausente ao trabalho (absenteísmo).
Um elemento que perpassa essas quatro condições e que pode explicar, em parte, a inserção em
determinado quadrante poderia ser aquele que se
denomina a motivação para o trabalho. A motivação,
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
299
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
em Psicologia, diz respeito a como o comportamento é iniciado, dirigido e sustentado. Os estados motivacionais são energizantes no sentido de que ativam
ou estimulam os comportamentos.52 O estado motivacional para trabalhar teria implicações significativas no resultado final do absenteísmo. São condições
que podem influenciar esse estado motivacional: a
situação socioeconômica, valores sociais, sentido de
disciplina e comprometimento com o trabalho, busca por reconhecimento pessoal e profissional, entre
outras. Os fatores motivacionais no ambiente de trabalho podem ser medidos a partir de pesquisa de clima organizacional, sistemas de recompensas e punições, apoio social na empresa, sistema de referência,
percepção, consciência e interpretações sociais do
risco, etc. Entender os fatores motivacionais no ambiente de trabalho torna-se relevante para a atuação
visando à melhoria do clima organizacional, da produtividade, das condições de trabalho, minimização
de riscos, promoção de saúde e, conseqüentemente,
diminuição do absenteísmo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações de trabalho são sociais e assim devem ser entendidas. O homem social não se abstrai
dos outros níveis, mas os completa; o homem biológico sujeito às agressões físicas, químicas e biológicas,
vulnerável aos acidentes; o homem psíquico e sua
interpretação do mundo, como o percebe, organiza
e se relaciona com o meio e é influenciado por ele.
O absenteísmo-doença, comportamento visível, em uma escala de resposta a uma condição de
saúde pode ser visto também como resultado de
uma estratégia cognitiva de resposta do trabalhador, submetida a uma escala de valores coletivos
e individuais. O absenteísmo é uma rendição ao
adoecimento? Uma resposta a situações de riscos
e constrangimentos no trabalho? Resposta a climas
organizacionais desfavoráveis? Ou o reflexo de uma
situação absolutamente independente do trabalho?
Ao tomar a decisão de não trabalhar está-se
afirmando uma condição e uma posição diante do
trabalho. Posso ou não adoecer? Que compromissos tenho com meus companheiros? Com minha
chefia? Com o resultado de meu trabalho?... Todos
os dias, o trabalhador acorda e decide se vai trabalhar ou não. O seu chefe está contando com essa
decisão e espera não ter “surpresas”.
300
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
Em dada população exposta a determinados riscos, tem-se mais ou menos absenteísmo, de acordo
com os fatores motivacionais a que está sujeita. Para
uma mesma condição motivacional, a presença no
trabalho sofrerá influências dos riscos no ambiente
de trabalho e fora dele. O perfil sociodemográfico
influenciará a seu modo, de acordo com composição de seu contingente: sexo, idade, escolaridade,
estado civil, constituição familiar, etc.
Delimita-se, assim, uma equação assumidamente incompleta, mas que permite uma referência para a atuação e intervenção. O absenteísmo
confirma-se como um importante indicador, não
só do perfil de adoecimento, mas também das condições de trabalho, do clima organizacional e de
quão comprometidos estão os trabalhadores.
Por fim, é necessário o desenvolvimento de instrumentos de medição, qualitativos e/ou quantitativos, para o melhor entendimento dessa realidade.
Esses instrumentos devem ser sensíveis às diversas
possibilidades de explicação para o fenômeno e
suficientemente específicos, possibilitando, assim,
a intervenção, tanto no aspecto preventivo de sua
inserção quanto para reparar uma condição já instalada de dano à saúde por meio do trabalho.
REFERÊNCIAS
1. Mendes R, Waissmann W. Aspectos históricos da Patologia do Trabalho. In: Mendes R. Patologia do Trabalho. 2ª ed.. São Paulo: Atheneu; 2003. p.3-45.
2. Mendes R. Conceito de Patologia do Trabalho. In:
Mendes R. Patologia do Trabalho. 2º ed. Atualizada e
Ampliada. São Paulo: Atheneu; 2003. p. 47-92.
3. Dias EC. Organizadora. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de
saúde. Brasília: Ministério da Saúde, Representação
do Brasil da OPAS/OMS; 2001.
4. Oficina Internacional Del Trabajo. Enciclopédia de
Salud, Seguridad e Higiene em el trabajo. España:
Centro de Publicaciones del Ministerio de Trabajo Y
Seguridad Social; 1991. v. 1, p. 5-11..
5. Flores Sandí G. Presentismo: potencialidad en accidentes de salud. Acta Méd. Costarric 2006; 48(1):30-4.
6. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº
485, de 11 de novembro de 2005. Aprova a Norma
Regulamentadora nº 32- Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Poder Executivo.
Brasília, DF, 16 nov. 2005
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
7. Girardi SN. Aspectos do mercado de trabalho em saúde no Brasil: estrutura, dinâmica, conexões. Texto de
apoio elaborado especialmente para o Curso de Especialização em Recursos Humanos. CADRHU. [Citado em 20 nov 2007]. Disponível em: http://www.opas.
org.br/rh/publicacoes/textos_apoio/pub04U1T6.pdf
8. Assunção AA, Belisário AS.Organizadores. Condições
de trabalho e saúde dos trabalhadores da saúde.
Belo Horizonte: Nescon-Núcleo de Educação em
Saúde Coletiva; 2007. 40 p. Série Nescon de Informes
Técnicos nº 1. [Citado em: 20 nov 2007]. Disponível
em: http://www.nescon.medicina.ufmg.br/ publicacoes_trabalho/pub_nescon_8.pdf.
9. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho 2005. [Citado em:
20 nov 2007] Disponível em http://www.previdenciasocial. gov.br/ anuarios/aeat-2005.
10. Alves M. O absenteísmo do pessoal de enfermagem
nos hospitais. Rev Gaúcha Enferm. 1994; 15(1-2): 71-5.
11. Reis RJ, La Rocca PF, Silveira AM, Bonilla ML, Navarro
i Gine A; Martin M. Fatores relacionados ao absenteísmo por doença em profissionais de enfermagem. Rev
Saúde Pública. 2003; 37(5):616-23.
12. Godoy SCB. Absenteísmo-doença entre trabalhadores de um hospital universitário [dissertação]. Belo
Horizonte: Escola de Enfermagem da UFMG; 2001.
13. Silva DMPP, Marziale MHP. Absenteísmo de trabalhadores de enfermagem em um hospital universitário.
Rev Latinoam Enferm. 2000; 8(5):44-51.
14. Lim A, Chongsuvivatwong V, Geater A, Chayaphum N,
Thammasuwan U. Influence of work type on sickness
absence among personnel in a teaching hospital. J
Occupat Health. 2002; 44(4):254-63.
15. Kivimäkia D, Sutinenb R, Elovainioc M, Vahterad J,
Räsänend K, Töyryd S. Sickness absence in hospital
physicians: 2 year follow up study on determinants.
Occup Environm Med. 2001; 58(6):361-6.
16. Mesa MFR, Kaempffer RAM. 30 años de estudio sobre
ausentismo laboral en Chile: una perspectiva por tipos de empresas. Rev Med Chil. 2004; 132(9):1100-8.
21. Siqueira MDC. Fatores predisponentes ao absenteísmo em enfermagem em três instituições de saúde do
município do Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery; 1984. 87p.
22. McKevitt C, Morgan M, Dundas R, Holland WW. Sickness absence and ‘working through’ illness: a comparison of two professional groups. J Public Health Med.
1997; 19(3):295-300.
23. Guimarães RSO. O absenteísmo entre os servidores
civis de um hospital militar. [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2005. 83p.
24. Godin I, Kittel F. Differential economic stability and
psychosocial stress at work: associations with psychosomatic complaints and absenteeism. Soc Sci Med.
2004; 58(8):1543-53.
25. Ramadam PA. Fatores de risco associados ao relato
de sintomas osteomusculares em trabalhadores de
laboratório de patologia clínica [tese]. São Paulo:
Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina;
2003.130 p.
26. Silveira DBB, Monteiro MS. Morbidade entre trabalhadores de uma instituição de saúde. Saúde Debate
2004; 28(68):206-11.
27. Isosaki M. Absenteísmo entre trabalhadores de Serviços de Nutriçäo e Dietética de dois hospitais em Säo
Paulo Dissertação( mestrado) Universidade de Säo
Paulo. Faculdade de Saúde Pública. São Paulo.172 p.
2003.
28. Johansson G, Lundberg I. Adjustment latitude and
attendance requirements as determinants of sickness absence or attendance. Empirical tests of
the illness flexibility model. Social Sci Med. 2004;
58(10):1857-68.
29. Ala-Mursula L, Vahtera J, Kivimäki M, Kevin MV, Pentti
J. Employee control over working times: associations
with subjective health and sickness absences. J Epidemiol Comm Health. 2002; 56 (4):272-8.
30. Federighi WJP.Absenteísmo em hospitais. Mundo Saúde 2002; 26(2):283-94.
17. Barboza DB, Soler ZASG. Afastamentos do trabalho
na enfermagem: ocorrências com trabalhadores de
um hospital de ensino. Rev Latinoam Enferm. 2003;
11(2):177-83.
31. Virtanen M, Kivimaki M, Elovainio M, Vahtera J, Cooper CL. Contingent employment, health and sickness absence. Scand J Work Environm Health. 2001;
27(6):365-72.
18. Silva DMPP, Marziale MHP.Problemas de saúde responsáveis pelo absenteísmo de trabalhadores de
enfermagem de um hospital universitário. Acta Scientiarum Health Sci. 2003; 25(2):191-7.
32. Kivimaki M, Elovainio M,Vahtera J.Workplace bullying
and sickness absence in hospital staff. Occup Environm Med. 2000; 57(10):656-660.
19. Trinkoff AM, Storr CL, Lipscomb JA. Physically demanding work and inadequate sleep, pain medication
use, and absenteeism in registered nurses. J Occup
Environm Med. 2001; 43(4):355-63.
20. Alves M. O absenteísmo do pessoal de enfermagem
nos hospitais. Rev Gaúcha Enferm. 1994; 15(1-2):71-5.
33. Piirainen H, Räsänen K, Kivimäki M. Organizational
climate, perceived work-related symptoms and sickness absence: a population-based survey. J Occup Environm Med. 2003; 45(2):175-84.
34. Woo M, Yap AK, Oh TG, Long FY. The relationship between stress and absenteeism. Singapore Med J. 1999;
40(9):590-5.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
301
Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados
35. Galinsky E, Bond JT, Friedman DE. Highlights: The National Study of the Changing Workforce in: Enciclopedia de Salud Y Seguridad em el trabajo. Nova York:
Families and Work Institute.1993.
44. Von Thiele U, Lindfors P, Lundberg U. Evaluating different measures of sickness absence with respect
to work characteristics. Scand J Public Health. 2006;
34(3):247-53.
36. Serxner SA, Gold DB, Bultman, KK. The impact of
behavioral health risks on worker absenteeism. J Occup Environm Med. 2001; 43(4): 347-54.
45. Jirón Vargas A, Rojas González H, Ravera R, Marquez C.
Inasistencia laboral por licencias medicas. Bol Hosp
San Juan de Dios 1992; 39(3):119-24.
37. Anderzen I, Arnetz BB. The impact of a prospective
survey-based workplace intervention program on
employee health, biologic stress markers, and organizational productivity. J Occup Environm Med. 2005;
47(7):671-82.
46. Wright ME. Long-term sickness absence in an NHS teaching hospital. Occup Med Oxford. 1997; 47(7):401-6
38. Karasek R. El Modelo de demandas-control: enfoque
social, emocional y fisiologico del riesgo de estres y
desarrollo de comportamentos activos. In: Organização Internacional do Trabalho. Enciclopédia de salud y seguridade em el trabajo. Genebra: Organização
Internacional do Trabalho; 2000. 34: 6-34.
48. Borritz M, Rugulies R, Bjorner JB, Villadsen E, Mikkelsen AO, Kristensen TS. Burnout among employees
in human service work: design and baseline findings of the PUMA study. Scand J Public Health. 2006;
34(1):49-58.
39. Baumann AO, Blythe JM, Underwood JM. Surge capacity and casualization: Human resource issues in the
post-SARS health system. Can J Public Health. 2006;
97(3):230-2.
40. Michie S, Wren B, Williams S. Reducing absenteeism
in hospital cleaning staff: pilot of a theory based intervention. Occup Environ Med. 2004; 61(4):345-9.
41. De Lange AH, Taris TW, Kompier MAJ, Houtman ILD,
Bongers PM. Effects of stable and changing demandcontrol histories on worker health. Scand J Work Environm Health. 2002; 28(2):94-108.
42. Lavoie-Tremblay M, Bourbonnais R,Viens C,Vézina M,
Durand PJ, Rochette L. Improving the psychosocial
work environment. J Adv Nurs. 2005; 49(6):655-64.
43. Kristensen TS. The Demand-Control-Suport model:
Methodological challenges for future research. Stress
Med. 1995; 11:17-26.
302
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S294-S302
47. Felton JS. Burnout as a clinical entity - its importance in health care workers. Occup Med Oxford.1998;
48(4):237-50.
49. McCluskey S, Burton AK, Main CJ. The implementation of occupational health guidelines principles for
reducing sickness absence due to musculoskeletal
disorders. Occup Med Oxford. 2006; 56(4):237-42..
50. Arnetz BB, Sjogren B, Rydehn B, Meisel R. Early workplace intervention for employees with musculoskeletal-related absenteeism: A prospective controlled
intervention study. J Occup Environm Med 2003;
45(5):499-506.
51. Aronsson G, Gustafsson K, Dallner M. Sick but yet at
work. An empirical study of sickness presenteeism. J
Epidemiol Comm Health. 2000; 54(7) 502-9.
52. Gazzaniga MS, Heatherton TF. Ciência psicológica:
mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed; 2005.
ARTIGO DE REVISÃO
A cultura homeopática de paz na saúde
The homeopathic culture of peace in health
Antonio Carlos Gonçalves da Cruz1; Giovano de Castro Iannotti2; Kerlane Ferreira da Costa Gouveia3; Mônica Beier4
RESUMO
A Medicina Homeopática (MH) considera que há uma LEI que ordena o TODO do mundo
a partir de uma díade que lhe é comum: o Princípio de Semelhança. Para a Homeopatia, o
TODO é um discurso vivo e dialético compreendido como uma experiência hermenêutica
de semelhança. Essa conversa emanativa é a saúde que representa a LEI se atualizando no
organismo de todas as coisas. Já a doença corresponde ao impedimento desse livre discurso ou vida. Assim, a obstaculização da saúde equivale a uma violência simbólica e genérica capaz de se atualizar em violências circunstanciais e específicas. Objetiva-se demonstrar como a MH contribui para a resolução dessas violências estudando-se um caso clínico
de ferida simbólica e dialética do pesar atualizada em abscessos recorrentes de mama,
tratado com Sarsaparilla. A partir de seu método de assimilação das atualizações de saúde
a MH trata representações de doença e promove a saúde pela comunhão ou consenso da
díade médico-paciente baseado em memória sintética experimental. A demonstração do
consenso homeopático permite concluir que a MH pode contribuir para a construção da
cultura de paz na saúde, auxiliando as pessoas na resolução de seus conflitos íntimos.
1
Médico Homeopata - Notório Saber em Homeopatia pelo
Instituto Mineiro de Homeopatia (IMH) - Coordenador do
Grupo Paracelsus de Estudos Homeopáticos do IMH.
2
Médico Homeopata – Doutorando – Universidad Nacional
de Córdoba – Argentina
Professor – Instituto Mineiro de Homeopatia – Brasil
Membro do Núcleo de Promoção Saúde e Paz – Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil
Miembro del Núcleo de Promoción Salud y Paz –Universidad Nacional de Córdoba – Argentina
3
Médica Homeopata - Mestranda em Ciências da Saúde
do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da
Unimontes, Montes Claros, Minas Gerais – Professora do
Serviço Phýsis de Homeopatia do IMH
4
Médica Homeopata - Coordenadora do Serviço Phýsis de
Homeopatia do Instituto Mineiro de Homeopatia .
Instituição:
Instituto Mineiro de Homeopatia
Palavras-chave: Homeopatia. Fundamentos da Homeopatia. Consenso. Violência.
ABSTRACT
The Homeopathic Medicine (HM) considers that there is a LAW that organizes the WHOLE
in the world through a dyad that is common to it: the Principle of Similitude. For Homeopathy the WHOLE is a living and dialectic discourse understood as a hermeneutic experience
of similitude. This emanative conversation is the health that represents the LAW being
updated in the organisms of all things. However, the disease corresponds to an impediment of this free discourse or life. Then, the impediment of health equates to a symbolic
and generic violence capable of renewing itself in specific and circumstantial moments of
violence. The goal of this essay is to demonstrate how HM contributes to the resolution of
these moments of violence through the study of a clinical case of a symbolic and dialetic
wound of grief updated by recurring breast abscesses, which was treated with Sarsaparilla. Through its method of assimilation of the health renewals HM treats the representations of the sickness and promotes health through the communion or the consensus of the
physician-patient dyad based on the synthetic experimental memory. The demonstration
of the homeopathic consensus allows us to conclude that the HM can contribute to the
construction of a peace culture in health, helping people to solve their inner conflicts.
Key words: Homeopathy. Homeopathy Basis. Consensus. Violence.
INTRODUÇÃO
Endereço para correspondência:
A Medicina Homeopática (MH) foi sistematizada por Samuel Hahnemann
(1755-1843) com base no principio hipocrático Similia Similibus Curentur para
Instituto Mineiro de Homeopatia
Rua Brumadinho, 275 – 2º andar, Prado
CEP 30410-120
Belo Horizonte – MG.
www.imh.com.br [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S303-S309
303
A cultura homeopática de paz na saúde
o tratamento das perturbações de saúde. Ele estabelece que determinada variação natural de saúde é susceptível de ser modificada curativamente
a partir de interação com influências naturais ou
artificiais cujos efeitos na saúde lhe sejam semelhantes. Esse fundamento é conhecido como Princípio de Semelhança (PS). De outro modo, quando
se utiliza a estratégia terapêutica de contrariar a
perturbação de saúde por efeitos medicamentosos
antagônicos à sintomatologia dada, o que se pratica é o fundamento, também hipocrático, Contraria Contrariis Curentur (Tabela 1). Desenvolvendo
criteriosa pesquisa, Hahnemann tanto observou
interações naturais entre influências semelhantes, contrárias e diversas, quanto realizou vastos
e meticulosos estudos experimentais de efeitos
na saúde suscitados por influências medicamentosas artificiais. Note-se que os procedimentos
hahnemannianos foram observacionais e experimentais, como o são os estudos contemporâneos.
Valorizando a interação entre fatores endógenos,
relacionados aos indivíduos ou às coletividades, e
fatores exógenos ou circunstanciais, Hahnemann
procurou compreender os fundamentos naturais
em que a terapêutica com medicamentos pudesse se ordenar para ser simples e de fácil entendimento, além de suave e duradoura em seus efeitos.
Suas conclusões contemplaram:
■
a paliação desenvolvida com a prática terapêutica Contraria Contrariis, segundo a qual a doença
ressurge em contexto de cura mais difícil, seja
como a doença anterior, porém mais forte, seja
como doença complexa, com outro aspecto, porque, agora, combinada com os sintomas próprios
■
■
da doença medicamentosa (isto é, por paliação,
depois de um período mais ou menos longo de
melhora, a doença ressurge mais refratária ao
tratamento tão-logo se esgota a influência antagonista ou variada na intensidade dos antigos
sintomas que retomam suas atividades com mais
pujança ou variada na complexidade dos sintomas porque combinada com as manifestações
sintomáticas despertadas artificialmente);
a destruição suave e econômica da doença natural pelo medicamento semelhante ultradiluído;
o desenvolvimento da saúde na cura de doenças crônicas, compreendendo a natureza dinâmica do organismo.1
Por intermédio do enfoque dinâmico da saúde, compreendeu-se que suas manifestações podem variá-la em aspectos externos, susceptíveis
de serem categorizados em nosologias diversas.2,3 De acordo com essa compreensão, a saúde se comporta como uma díade que irradia, isto
é, como uma essência que tende a permanecer,
mas que também, dialeticamente, tende a se manifestar por meio de acidentes ou superficializações sintomáticas que variam ao longo do tempo.
Assim, a saúde se atualiza como um princípio de
transformismo orgânico conhecido na MH como
Dynamis ou Principio Vital ou Energia Vital ou,
ainda, Força Vital. Para a MH, uma mesma pessoa manifestando entidades nosológicas distintas, no mesmo momento ou ao longo de sua história biopatográfica, quase sempre superficializa
na diversidade uma mesma essência mórbida.2,3
A Essência, irradiando-se, se reconduz em uma
Tabela 1 - Tradição dos fundamentos hipocráticos da terapêutica medicamentosa
Similia Similibus Curentur
Contraria Contrariis Curentur
Semelhança com a Totalidade sintomática essencial
Antagonismo a sintomas isolados
Díade representativa
Dissociados
Doença(s) em um indivíduo:
Total (geral). Atualizações de uma mesma diátese
Parciais (locais). Entidades clínicas
independentes
Medicamento que tende a:
Simplicidade (único)
Complexidade (vários)
Grau de grandeza da dose:
Pequenez infinitesimal
Ponderável (dose grande)
Tendência à paliação
-
+
Experiência na saúde
+
-
Experiência de “com-senso”
+
-
Relação entre efeitos medicinais
e sintomatologia:
Indivíduo e circunstância:
304
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S303-S309
A cultura homeopática de paz na saúde
multiplicidade de manifestações categorizáveis,
como causa que continua em seus efeitos, tal o
modelo do sol irradiando-se. Por exemplo, de
acordo com o caso clínico estudado, infecções
urinárias (ITU) e abscessos mamários de repetição, numa mesma pessoa, quase sempre são
aspectos distintos e irradiados de uma mesma
suposição mórbida. Ou, ainda, ITU em uma época e abscessos mamários em outra ocasião, no
mesmo indivíduo, podem ser manifestações distintas de uma mesma predisposição mórbida. É a
essa suposição, diátese ou terreno mórbido que
se dirige o intento curativo da MH.
As experiências hahnemannianas foram feitas na saúde, quer dizer, em pessoa saudável, capaz de disponibilizar alterações de seu próprio
modo de pensar e de sentir. Elas não se fizeram
em pessoa doente, considerando-se que, segundo a MH, a propriedade medicinal que altera a
saúde do indivíduo saudável é a mesma que altera a saúde do enfermo, levando-se em conta,
ainda, que essa propriedade se notabiliza por
sutis alterações do psiquismo de quem experimenta a dose medicamentosa infinitesimal. Elas
são cuidadosamente anotadas elaborando-se
registros chamados matérias médicas, que o PS
utiliza na terapêutica. As matérias médicas, por
sua vez, se otimizam pelos registros de pessoas
saudáveis (que, tanto quanto possível, devem ser
os próprios médicos) que usam o medicamento
com fins de experimento, totalizando-se em síntese chamada memória sintética experimental
(MSE). Exemplificando: a partir do estudo das
disponibilizações do modo de pensar e de sentir de pessoas sadias em experiências puras de
medicamentos infinitesimais é possível constatar
uma diátese mórbida representada por sensibilidade à dor ou pesar. Este é o caso quando o
medicamento é Sarsaparilla. É sabido que uma
predisposição se reduz, contingentemente, em
diferentes aspectos mórbidos que podem incluir
ITU e abscessos mamários. Logo, para se usar a
MH no tratamento de enfermidades que se manifestam por ITU ou abscessos mamários, em concomitância ou como substituições mórbidas da
diátese representada pelo pesar ao longo da história biopatográfica do indivíduo, não é necessário que os que experimentam medicamentos na
própria saúde desenvolvam essas representações
mórbidas. Basta que a prova da dose ultradiluída
do medicamento cujo poder medicinal se investiga resulte em matéria médica que registre sutis
sofrimentos do psiquismo como sensibilidade
à dor ou pesar, de acordo com o exemplo aqui
adotado. Um medicamento que em provas na
saúde desenvolve feridas de sensibilidade à dor
ou pesar pode, homeopaticamente, ser usado
no tratamento e cura de doenças que se manifestam com ITU ou abscessos mamários, entre
outras possibilidades substitutivas, porque uma
dessas variáveis se atualiza em outra a partir da
essência que preside o transformismo aparente
da saúde, se esta essência for representada pelo
pesar simbólico.
Conforme Hahnemann, a saúde corresponde ao
fluxo desimpedido da vida2 e a doença a uma perturbação da Energia Vital1 que obstaculiza a saúde.4
Para a Homeopatia, as perturbações dinâmicas
do Princípio Vital não têm como ser conhecidas
diretamente1. Elas podem, entretanto, ser reconhecidas indiretamente pela experiência de consenso
do próprio médico, que mede a grandeza da saúde
por própria MSE. Pela MSE dialoga-se com a natureza individual em seu transformismo de saúde e
remedeia-se a variação dinâmica por meio de um
com-senso5: a sensação peculiar de doença radicada no discurso do outro evoca memória experimental semelhante do médico que experimentou
o medicamento homeopático. A moderação de
saúde, como semelhança supostamente presente,
evoca saúde da díade médico-paciente no consenso que alforria o organismo de “re-sentimento”6, ou
doença, havido por violência.7
O médico, como homeopata, para estar de
acordo com a inclusão e com o consenso conversivo da fenomenologia, em sintonia com os fundamentos da universalidade, da equidade e da
integralidade da saúde8, examina a perturbação
de saúde na história de representação de doença.
Suspendendo o juízo, para dialogar consensualmente com a “saúde que vem de lá”, o homeopata medeia a tensão orgânica, tomando a doença
como uma espécie de violência simbólica (VS).
Assim, a cultura homeopática pode ser tida como
conversiva e de paz, baseada no serviço ou diálogo com a Natureza.
Objetiva-se demonstrar, com base no relato de
um caso clínico, como a MH pode ser valorizada
como instrumento de auxílio na resolução de conflitos de saúde.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S303-S309
305
A cultura homeopática de paz na saúde
METODOLOGIA
Estuda-se uma experiência clínica curativa
porque ela é suficiente para demonstrar as habilidades de consenso da assimilação homeopática.
Ela auxilia o entendimento do processo de “resubjetivação” (RS), ou cura, que minimiza a sensação de doença ou VS que se atualiza em doenças
classificáveis ou em outras formas de violências,
incluindo as iatrogênicas. A utilização da metodologia de assimilação ou de consenso baseada em
MSE foi aplicada em um caso de representação de
doença no ambulatório do Serviço Phýsis de Homeopatia do Instituto Mineiro de Homeopatia.
Nunca me senti tão bem. O seio não infeccionou
mais. É incrível que 30 anos depois a gente vai
descobrir um jeito. Vendi até casa para pagar
operações. Estou me sentindo bem comigo mesma. Não tive mais sonhos ruins. Nunca falei, mas
separei-me porque o marido tentou estuprar uma
pessoa. Não o denunciei, mas fiquei com culpa,
guardando todo esse peso: ele poderia estuprar
outra pessoa ou minha filha. Foi o maior peso
que carreguei sem precisar, até que ele morreu.
Nunca pude falar nisso. Estou aliviada. Eu já tinha tendência a infeccionar o seio e piorei.
Conduta: aguardar e voltar ao ambulatório em
caso de necessidade.
O Caso
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O caso clínico é de uma senhora de 51 anos,
cabeleireira. Desde o quinto mês de gestação do
primeiro filho, aos 21 anos, começou a manifestar
mastite supurativa. Já se submeteu a 10 cirurgias e
a várias drenagens. “Nenhum medico parou para
me dar atenção e uma posição que seja resolutiva
para o meu caso”. Foi portadora de ITU dos oito
aos 30 anos, quando, por mioma, submeteu-se à
histerectomia. O quadro sempre retorna no mesmo lugar, na mama esquerda. “Na direita não tenho mais porque fiz cirurgia que retirou os ductos”.
“Depois das grandes tensões, vem infecção mais
dolorida e duradoura”. “Se pudesse evitar doenças
e problemas nos filhos eu os teria em mim”. “Perdi
a mãe cedo e cuidei dos irmãos”. “Criei os filhos
sem o pai deles”. “Já passei muita raiva e coisa difícil na vida”. “Pode acontecer tudo comigo que
suporto, mas tenho pavor de dor, passo mal com
dor”. “Já tive cólicas de rins, antes desmaiava de
medo de doer, o resto agüento”. “Depois da morte do ex-marido passei a ter pesadelos em que ele
pedia para cuidar dele, acordando apavorada por
isso. Até hoje tenho pena dele porque ele chegou
tão baixo”. A paciente foi medicada com uma dose
sublingual de Sarsaparilla9,10 40 CH, uma gota em
um papel. Três meses depois ela disse que se sentia “mais tranqüila, sem os pesadelos”. “Enxergo
melhor que cada um cuida de sua própria vida” e
que este é o caso dos filhos. “Vê a coisa mais clara,
mais rapidamente”. A conduta foi aguardar. Quatro
meses depois de sua segunda consulta: “emocionalmente tranqüila, a infecção não voltou”.
306
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S303-S309
Este caso é exemplo de uma particular VS se
atualizando, em que o organismo se manifestava
incapaz, por si só, de realizar uma crise catártica
resolutiva. Faltava-lhe saúde suficiente para manifestar brevidade à sensação de doença. A representação de doença que já acontecia desde os oito
anos como ITU atualizou-se no desenvolvimento
das mastites e do mioma, sendo que, curiosamente, a ITU deixou de existir depois da histerectomia.
O exame da história revelou uma individualidade
dialeticamente sensível à dor: incapaz de suportála fisicamente por um lado e, por outro, contraditoriamente, capaz de suportar a carga de pesados
fardos simbólicos. A doença dinâmica revelou-se
como mastite durante a primeira gravidez, comportamento que passou a se repetir apesar de vários
tratamentos antagônicos de sintomatologia local,
incluindo mastectomia parcial, com desenvolvimento vicário do quadro semelhante na mama
contralateral. Apresentava distúrbio de função de
sono manifestando pesadelos repetidos em que o
ex-marido “lhe pedia ajuda”. Assim cursou a paliação. O exame hermenêutico da simbologia discursiva presente na história permitiu reconhecer por
MSE uma disfunção sensorial do pesar, já que peso
se reduz à dor (pesar) e à gravidez (gravidade) e
se implica com suportabilidade e com pesadelo.
Segundo a hermenêutica sonora11, que relaciona
pezon a peso, a ferida do pesar se implica com o
sofrimento mamário. Observa-se que pezon - mamilo em espanhol - refere-se à mama. A gravidez
A cultura homeopática de paz na saúde
a sobrecarregava em peso simbólico. Combinando
essa ferida simbólica - a disfunção dialética do pesar (VS) - com manifestações urinárias e abscessos
mamários, produz-se um quadro de representação
de doença compatível com MSE de Sarsaparilla.
Vale lembrar que urinar é descarregar porque a
urina carreia escórias. O medicamento dinamizado foi prescrito em grandeza infinitesimal CH 40.
A seguir, a paciente revelou a pertinaz ferida metafórica que a objetivou durante muitos anos: uma
culpa ou peso na consciência, impondo-se a suportá-la sozinha. Após a única dose houve mudança curativa de atitude no enfrentamento de mundo
- moderação da objetivação ou “re-subjetivação”
(RS) - com minimização da disfunção dialética do
pesar (VS) e pacificação na vida de relação.
No transformismo da VS em violências específicas as ITU se tornaram repetitivas, a princípio.
Depois se transformaram em abscessos mamários
por paliação. Para a MH, contudo, essas representações naturais de doença protegeram a paciente
do desenvolvimento de males psíquicos, mais graves e mais profundos1. Elas se radicaram na objetivação dialética do pesar (VS). Entende-se como
objetivação dialética a manifestação de enfrentamentos imoderados - separatistas - tendente a dissociar a díade sujeito-ambiente. No dialético discurso dessa violência os indivíduos se objetivam
fragmentariamente como sujeitos da separação:
impondo-a ou sofrendo-a opressivamente diante de uma evocação circunstancial. Nesse caso,
o símbolo se dissocia e seus pares essenciais se
distanciam, como se circunstância temporal e indivíduo pudessem se separar e não se refletissem.
Se o indivíduo sofre o discurso de mundo como
um pesar, na condição de “separado” ele se queixa
de sofrer o peso de viver nesse doloroso “mundo
aí”. Nesse enfrentamento ele se posiciona ou como
um “gigante endeusado” que desafia a capacidade de suportar ou como um “anão”, insuficiente
diante das representações do metafórico pesar³.
Considerando que a objetivação da díade sujeito
- circunstância é um discurso de ferida simbólica
ou VS, já em si uma predisposição; quando o caso
for o pesar, a VS se traduzirá em outras violências
pela vivência não integrada de mundo em que o
indivíduo se dissocia de sua representação circunstancial como um peso, dor ou sobrecarga. A
objetivação pode, contraditoriamente, caracterizar
um “gigantismo” ou um “nanismo”. Quanto ao en-
frentamento de pesos existenciais, que atualizam
a simbólica e universal dor de viver nesse “mundo
aí”, o indivíduo pode se julgar mais capaz. Com
esse julgamento os outros são insuficientes nessa
relação. Para esse “gigante ou mágico”, admitindose o “gigantismo” como expressão de “magnização”, não há peso que não possa ser suportado e
o outro é incapaz de qualquer suportabilidade. Por
outro lado, em “nanismo” metafórico diante de um
pesar encontram-se relativas incapacidades para o
enfrentamento moderado das cargas existenciais.
A objetivação da díade sujeito-tempo, que expressa a vida do sujeito no mundo que ele é capaz de
representar e reconhecer como própria medida,
fraciona a comunicação de qualquer um com todo
o outro, maximiza a relação dialética de um sobre
(ou sob) o outro e amortece o autoconhecimento,
a autarquia, a autonomia, a liberdade ou a saúde.
A objetivação do discurso simbólico, que é a
conversa da inseparável díade sujeito-circunstância, multiplica sentimentos como experiência de
sentimentos ou “re-sentimento”5. O “re-sentimento”
obstaculiza o fluxo da vida como doença. Então, o
“re-sentimento” corresponde a uma violência simbólica que se atualiza em doenças por dinâmicas
que reconduzem “gigantes e anões” como opressores e oprimidos.
A cura homeopática do discurso simbólico ferido, no caso presente exemplificado pelo pesar,
incluiu tanto a cura do abscesso de mama como,
também, a “re-significação” do sujeito - sua postura de enfrentamento de mundo - considerando
que a predisposição se manifesta de dentro para
fora e que é demonstrada pela circunstância,
porque o ambiente é individual e representação
inseparável do sujeito. O outro concorre com a
história individual de VS atualizada na clinica das
doenças que admite conversão em suas manifestações e a MH faculta que se reconheça o símbolo
ferido por experiência sensiva semelhante, configurada em MSE. Por MSE o homeopata se sente
incluído na experiência mágica do outro, como
uma semente diante de sua realização como árvore. A experiência terapêutica do PS fala, pois, de
experiência de consenso, mediadora do conflito
decorrente de VS.
A Homeopatia compreende que a Natureza é
dialética e se manifesta como um discurso da díade Natureza essencial – naturezas diversas e individuais. O discurso natural é uma irradiação que
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S303-S309
307
A cultura homeopática de paz na saúde
manifesta em leis a suposição de UMA LEI por um
Princípio de Semelhança (PS) que lhe é comum.
Nesse sentido, como díade semelhante, o PS é
princípio constitutivo, comunicativo ou arché da
diversidade12. A emanação da LEI configura uma
experiência de Totalidade. A LEI intui a manifestação comunicativamente porque o PS é comum
a toda realidade. A comunicação que é suposta na
Totalidade ou organismo da LEI traduz-se pela intercomunicação conversiva do discurso orgânico.
Daí que se compreende que uma manifestação da
saúde pode ser convertida em outra. Para a MH, o
Todo, apesar de não ser a LEI ou o UM, é como o
UM e com ELE é comum: a Totalidade é a comunidade em que o UM Se reconduz por ordenação.
O vitalismo homeopático considera o mundo
como um Todo em comunhão, isto é, vivo e orgânico. A vida reconduz todas as coisas por semelhança por meio de um dialético dinamismo como
uma conversa mágica. A magna conversa - ou conversão - organiza o Todo em continuum corporal,
à semelhança da magia de uma semente simples
- infinitesimal como os medicamentos homeopáticos - fazendo sua grande e complexa árvore por
ordenação do terreno imanente.11 A tensa contradição que supõe o mundo diversificado é moderada
pela díade semelhante. Deste modo, a conversão
que intercomunica a Totalidade e traduz Sua variação pode ser compreendida como uma experiência hermenêutica de consenso. Logo, a LEI subjaz
à tensão da contradição e da diversidade orgânica
de mundo como intenção intuitiva e ordenadora
que governa por meio do PS.
Visto que o Todo é um discurso hermenêutico ou experiência de consenso, a vida manifesta
a experiência como uma energia ou força, de vez
que se configura em permanente transformismo.6
Essa Energia Vital se desdobra na “in-formação” do
Todo. Para o vitalismo homeopático, pois, a Totalidade orgânica se fundamenta em uma ordenação
que determina uma dinâmica formativa equivalente a uma potência hermenêutica, realizando todas
as formas porque as supõe como informação conversiva13. Então, a saída dinâmica dessa potência
é entendida como saúde: a manifestação da díade
semelhante sujeito-circunstância.
Compreendida em contexto emanativo de intenção ou de informação, a saúde manifesta a ordenação suposta e intuitiva em consenso de Totalidade ou continuum. A LEI que se continua em um
308
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S303-S309
PS como intenção ou informação, que por Sua vez
Se multiplica em princípios conversivos de contradição e de diversidade na tensão corporal, irradiaSe como um símbolo solar gerando e mantendo a
vida. A LEI, regimentando-Se por leis orgânicas em
continuum, traduz a compreensão pré-socrática de
Phýsis. Se há LEI e leis, há Phýsis e phýsies14,15 Essa
propriedade da Phýsis de Se duplicar manifesta
Sua natureza de díade, de Ser em Si mesmo e de ser
na relação. Tal a Dynamis: propriedade da Phýsis
de Se colocar desdobrada “aí nesse mundo” vário,
em diversidade semelhante e conversiva. A Phýsis
Se impõe no diálogo mundano como informação.
Logo, a Dynamis traduz a capacidade vocal e semelhante da Phýsis em verbalizar ou conjugar o
Todo como Sua própria capa. A Natureza é um diálogo que manifesta o discurso dinâmico e corporal da Phýsis. Assim, há Saúde e saúdes. As saúdes
em continuum manifestam a corrupção conversiva
e dinâmica por representações orgânicas de contradição e de diversificação regidas pelo Princípio
de Semelhança. Se a semelhança comunica e informa, a semelhança medeia e remedeia.
CONCLUSÃO
O auxílio da assimilação homeopática resulta
em desobstaculização do livre fluxo da vida, ou
promoção de saúde, facilitando a “re-subjetivação”
no circuito dinâmico da violência que é fomentado
por paliação. A assimilação homeopática ou experiência de consenso, ensejada por memória sintética experimental, pode contribuir para a construção da cultura de não-violência.
REFERÊNCIAS
1. Hahnemann S. Organon da arte de curar. 6ª ed. São
Paulo: Robe Editorial; 1996. 163p.
2. Hahnemann S. Doctrina y tratamiento homeopático
de las enfermidades crónicas. Buenos Aires: Editorial
Albatros; 1983.
3. Elizalde AM. Homeopatia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Luz Menescal; 2004.
4. Malta DC, Castro A, Silva MMA, Mascarenhas MDM,
Neto OLM. O desafio contemporâneo da violência e
a promoção da saúde. Rev Med Minas Gerais. 2007;
16:4(supl. 2): 66-70.
A cultura homeopática de paz na saúde
5. Cruz ACG. Do Consenso Homeopático – do diálogo
com o ressentimento. GRUPEH- Grupo Paracelsus de
Estudos Homeopáticos. Belo Horizonte, 2007. [Citado
em dez. 2007] Disponível em: http://www.imh.com.
br/ default. asp? id= 13&mnu=13
6. Cruz ACG , Gouveia AMC. Hermenêutica e Experiência. Belo Horizonte. 2007. [Citado em dez. 2007].
Disponível em: http://www.imh.com.br/default .asp?
id=13&ACT=5&content=85&mnu=13
7. Melo EM, Campolina GF, Pinto IN, Silva KR, Fernandes
LMM, Martins DC. Prevenção da Violência em adolescentes: a experiência do projeto “frutos do Morro”.
Rev Med Minas Gerais. 2007; 16: 4 (Supl 2):101-4.
8. Iannotti GC. Da convergência de princípios e objetivos entre a homeopatia e o Sistema Único de Saúde
do Brasil. 2ª ed. Belo Horizonte: Serviço Phýsis de Homeopatia, IMH; 2004.120p.
9. Hahnemann S. Matéria medica pura. São Paulo: Editora Homeopática Brasileira; 1998. v.2, p.1692-701.
11. Cruz ACG. Da Substituibilidade em Autopatogenesias
que implica provadores e a propriedade medicinal
por representação psíquica. “Memória em Homeopatia”. Belo Horizonte, 2007. [Citado em dez. 2007].
Disponível
em:
http://www.imh.com.br/default.
asp?id=13&mnu=13
12. Cruz ACG. Transformismo saúde: tradição homeopática do UM. Belo Horizonte, 2006. [Citado em dez.
2007]. Disponível em http://www.imh.com.br/media/tradicao.pdf
13. Gouveia KF. A Experiência da Autopatogenesia: uma
reflexão sob a perspectiva da Filosofia Contemporânea. 2006 [monografia]. Ouro Preto: Instituto Mineiro
de Homeopatia. Ouro Preto; 2006. 67p.
14. Entralgo PL. La Medicina Hipocrática. Madrid: Alianza Universidad; 1987. Cap 2, p.43-110.
15. Beier M. O Símile hipocrático [dissertação]. Belo Horizonte: Instituto Mineiro de Homeopatia; 1997.
10. Vijnovsky B. Tratado de matéria medica homeopática. 2ª ed. São Paulo: Gráfica Editora Ltda; 1989. v.3,
p.285-88.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S303-S309
309
ARTIGO ORIGINAL
Reflexões sobre a intersetorialidade e sua
relação com o Programa Saúde da Família
Intersectoriality and Family Health Program Speech
Ana Maria Ribeiro de Almeida1, Elza Machado de Melo2
RESUMO
1
Aluna do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública/DMPS/FM/UFMG
2
Professora do Departamento de Medicina Preventiva
e Social. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Saúde Pùblica/DMPS/FM/UFMG
O Programa Saúde da Família (PSF) é uma estratégia incentivada pelo governo brasileiro de construção da Atenção Básica de Saúde, em caráter substitutivo e, consequentemente, de construção de um novo modelo de atenção baseado nos pressupostos do
Sistema Único de Saúde (SUS). Este artigo tem por objetivo discutir o tema da intersetorialidade e sua relação com o PSF - como ela é/deveria ser inserida no discurso e
na prática desse programa – em face da sua importância no processo de mudança do
modelo de atenção, centrado na promoção e no conceito ampliado de saúde: a intersetorialidade é considerada, atualmente, uma questão crucial, principalmente no Brasil,
por ser um dos países de maior desigualdade social do mundo, enfrentando, por isso,
inúmeros problemas sociais, econômicos, ambientais, educacionais, de infra-estrutura
urbana, pobreza e de aumento alarmante da violência, gerando enormes desafios para
a Saúde Pública. A intersetorialidade representaria, portanto, um mecanismo participativo essencial para se alcançarem melhores condições de vida para os brasileiros e,
assim, conseguir atingir melhores níveis de saúde da população.
Palavras-chave: Programa Saúde da Família. Atenção Básica à Saúde. Assistência
Integral à Saúde.
ABSTRACT
The Family Health Program (PSF) is the strategy incouraged by the Brazilian Goverment
for health care and reorientation of the primary care, based on the presuppositions of
the Brazilian Public Health Health System. This article aims to revise the intersectoriality
theme and how it is inserted in the speech of the PSF, in view of its importance in the care
model change process starting from the health promotion and the new health concept.
Nowadays it is considered a crucial point in this aspect, mainly because Brazil is one of
the countries with the biggest social inequality in the world. As a result of this situation,
the country face countless problems in the environmental, social, economic and educational field, urban infrastructure, poverty and startling violence increase which have
caused enormous challenges to Public Health. Therefore, the development of the intersectorial practice is essencial in order to achieve better living conditions, and then get better
health levels of the population.
Key words: Health Family Program. Primary Health Care. Comprehensive Health Care.
INTRODUÇÃO
Falta Endereço para correspondência:
@@@@@@@@@@@@@@
@@@@@@@@@@@@@@@@@
310
Países que fortaleceram os serviços de atenção primária estão conseguindo
avanços significativos em matéria de saúde, tanto no âmbito do próprio sistema
como na qualidade de vida da população.1 No Brasil, sob a denominação de
Revista Médica de Minas Gerais 2006; 16(4): 183-6
Reflexões sobre a intersetorialidade e sua relação com o Programa Saúde da Família
Atenção Básica, prevê-se, nesse nível de atenção,
uma abordagem que “considera o sujeito em sua
singularidade, na complexidade, na integralidade
e na inserção sociocultural e busca a promoção de
sua saúde, a prevenção e o tratamento de doenças
e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver de
modo saudável”2.
O Programa Saúde da Família (PSF) é a estratégia priorizada pelo governo brasileiro para reorientar o modelo de atenção em conformidade com os
princípios do SUS e organizar, em caráter substitutivo, a Atenção Básica de Saúde. Em janeiro de 2000,
a cobertura populacional do PSF era de 9,20%; em
janeiro de 2007, a cobertura é de 46,42%, segundo
o Departamento de Atenção Básica do Ministério
da Saúde.
A intersetorialidade representa, hoje, questão
chave para a consolidação do PSF como uma estratégia que de fato leve a uma mudança no modelo de Atenção à Saúde. Entendida como um processo de construção compartilhada por um amplo
leque de atores sociais do Estado e da Sociedade
Civil, portanto, participativo e democrático, visando a responder às necessidades de uma coletividade, mobilizando os setores necessários para isso e,
principalmente, envolvendo a população em todo
o percurso de produção da saúde, do diagnóstico
da situação à avaliação das ações implantadas3,
ela é decisiva no enfrentamento dos desafios de
toda ordem colocados para a saúde pública: a violência, as doenças crônicas não transmissíveis, as
doenças infecto-contagiosas, o envelhecimento da
população, enfim, as questões de saúde próprias
das sociedades modernas.3 A expansão do PSF em
áreas de aglomerados urbanos e a urgência do enfrentamento dos problemas característicos desses
espaços, tais como violência, drogas, alcoolismo,
saúde mental, etc., pouco dados à abordagem exclusivamente individual e biológica, reforçam e
priorizam esse enfoque.
METODOLOGIA
Foi realizado levantamento de artigos científicos referentes à relação entre intersetorialidade e
PSF, em bancos de dados da BIREME e em livros,
sites de interesse, como o da OPAS e do governo federal, a Revista do Conselho Nacional de Saúde e
documentos oficiais. As palavras-chave utilizadas
na pesquisa em banco de dados foram atenção
primária, promoção de saúde, intersetorialidade,
interdisciplinaridade e Programa Saúde da Família. Foram selecionados, entre vários, aqueles que
melhor se adequavam ao objetivo desse trabalho.
A leitura e análise desses textos foram balizadas
por teorias mais amplas, em especial a Teoria da
Ação Comunicativa4-6, que se tem mostrado um terreno bastante fecundo para o desenvolvimento do
pensamento em saúde.
Intersetorialidade e atenção primária
Em 1978, a 1ª Conferência Internacional sobre
Atenção Primária de Saúde em Alma-Ata7 reconhece a saúde como direito de todos e que seus determinantes são intersetoriais. Esse evento impulsionou a atenção primária em escala mundial - mais
de 140 países aceitaram a Declaração de Alma Ata
e sua postulação de que a atenção primária de saúde constitui o alicerce para se alcançarem níveis
adequados de saúde para as populações. Esse papel cada vez mais se consolida, com o crescente
reconhecimento da interação entre a Biologia e o
ambiente social e físico. O desafio da atenção primária é entender e interpretar esta interação e compartilhar com os indivíduos, famílias e comunidade o esforço de mudança das suas circunstâncias
de vida para maximizar seu potencial de saúde e
de realização pessoal e social. Porém, na falta de
apoio para habitação, educação, trabalho e outros
programas sociais, esse objetivos não poderiam
ser cumpridos e a saúde permaneceria ameaçada
por esses seus determinantes1 - é íntima, pois, a
relação entre atenção primária, promoção de saúde e intersetorialidade.8-9 Segundo Rouquayrol10,
estudos epidemiológicos de promoção da saúde,
em desenvolvimento, mostram que os sistemas de
saúde, sensu stricto, devem estar articulados com
outros setores de atendimento social e áreas de estudo que se preocupam com o bem-estar coletivo,
levando-se em consideração que tarefas tão diversificadas exigem ações intersetoriais, com a efetiva participação comunitária, num esforço coletivo
para a melhoria das condições de vida.
Essa proposição de que o enfoque intersetorial
é imprescindível para assegurar a sustentabilidade dos serviços de saúde aparece nos principais
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S310-S316
311
Reflexões sobre a intersetorialidade e sua relação com o Programa Saúde da Família
planos e programas de organismos internacionais, como a OMS, desde 1961. Recomendações
relacionadas à sua adoção têm sido feitas em diversos documentos e eventos oficiais: o Encontro
sobre Ações Intersetoriais em Saúde, em 1986; a
Carta de Ottawa, em 1986; a Declaração de Adelaide, em 1988; a Conferência de Sundsvall, em
1991; e de Santa Fé de Bogotá, em 1992; a Declaração de Jacarta sobre Promoção da Saúde no Século XXI, em 1997; e a Conferência Internacional
sobre Ações Intersetoriais para Saúde, em 199711.
Atualmente, esta temática tem lugar de destaque
em encontros nacionais e internacionais de promoção de saúde, cidades saudáveis, desenvolvimento local e gestão pública. Na Região das
Américas, as estratégias nacionais de atenção
primária colocadas em marcha pelos diferentes
países incluem o desenvolvimento de articulação
intersetorial entre os componentes prioritários12.
Mesmo quando se trata do planejamento dos currículos para escolas médicas, a intersetorialidade
está presente como elemento necessário.13 Como
campo em construção e em constante desenvolvimento, a promoção de saúde e, por conseqüência, a intersetorialidade têm-se consolidado
como ponto de convergência para um conjunto
de reflexões e práticas comprometidas com a superação do modelo biomédico e da medicalização dos problemas sociais e com a reorientação
das práticas e serviços de saúde. Ambas envolvem necessariamente abordagens comunitárias e
participativas, visando à consolidação do assim
chamado “capital social” e do empoderamento
dos sujeitos sociais.14
Intersetorialidade e SUS
A VIII Conferência Nacional de Saúde em 1996
e posteriormente a Constituição Brasileira de 1988
definem a saúde como direito do cidadão e dever
do Estado e institui um novo paradigma para a sua
garantia: a múltipla determinação do processo saúde/doença e a inter-relação da política de saúde
com as políticas de outras áreas sociais e com as
políticas econômicas15. A saúde passa então a ser
definida como resultado dos modos de organização social da produção e efeito da composição de
múltiplos fatores 9 16 ; exige que o Estado assuma
a responsabilidade por uma política de saúde in312
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S310-S316
tegrada às demais políticas sociais e econômicas;
e ratifica, também, o engajamento do setor saúde
por condições de vida mais dignas e pelo exercício pleno da cidadania.3 Reconhecida essa complexidade dos problemas coletivos da saúde, do
ambiente e da qualidade de vida, somos levados a
construir um outro modelo de compreensão e de
atuação, necessariamente pautado pela interdisciplinaridade e intersetorialidade.17
Intersetorialidade e Programa Saúde da Família
O PSF consiste de ações direcionadas aos indivíduos, às famílias e à comunidade, de forma
contínua, personalizada e ativa. Enfatiza a promoção e a prevenção, sem prejuízo da reabilitação, e
privilegia a intersetorialidade.18 Tem em sua lógica
central a operacionalização de conceitos como a
territorialização, vinculação, responsabilização e
resolutividade com um olhar integral sobre o ambiente em suas dimensões físicas, socioculturais e
biopsicossociais, nas quais estão inseridos os indivíduos e suas famílias.19 As ações de saúde devem
ser centradas na qualidade de vida das pessoas e
de seu meio ambiente, assim como na relação da
equipe de saúde com as famílias, enfim, com a comunidade; para isso, a participação social e a ação
intersetorial são duas categorias-chave.
Para a melhoria da qualidade de vida da população, é necessária a articulação de saberes técnicos e populares, a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados.20 E
para o desenvolvimento de uma cultura de trabalho intersetorial é preciso romper as barreiras que
impedem a comunicação entre diferentes setores,
o que exige vontade política e método.21 Para tanto, os profissionais devem seguir determinadas
orientações:
■
conhecer os fatores (sociais, políticos, econômicos, ambientais, culturais, individuais) que
determinam a qualidade de vida da comunidade adstrita;
■
entrar em articulação com outros setores da
sociedade e movimentos sociais organizados,
integrando ações para a qualidade de vida da
comunidade;
■
estimular a participação da comunidade no planejamento e execução e avaliação das ações
das Unidades de Saúde;
Reflexões sobre a intersetorialidade e sua relação com o Programa Saúde da Família
■
■
articular com a rede institucional local, ações
integradas para a melhoria constante da qualidade de saúde da população;
promover ações intersetoriais e parcerias com
organizações formais e informais existentes
na comunidade para o enfrentamento conjunto dos problemas identificados.16 Essas atribuições são reafirmadas na Portaria n° 648/GM de
28 de março de 2006 2, que aprova a Política
Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a
revisão de diretrizes e normas para a organização da atenção básica para o Programa Saúde
da Família e o Programa Agentes Comunitários
de Saúde (PACS). A portaria preconiza, como
atribuições da equipe, o desenvolvimento de
ações intersetoriais voltadas para a promoção
de saúde, o apoio de estratégias de fortalecimento da gestão local, do controle social e a
construção de cidadania. Além disso, as políticas federais e estaduais têm procurado estimular as ações intersetoriais na atenção básica
por meio de programas e políticas específicas,
por exemplo, na área de nutrição, saúde do idoso, saúde na escola, a Política de Promoção de
Saúde, a Política Nacional de Redução de Acidentes e Violências.
No que diz respeito à sua realização concreta,
embora não seja um processo fácil, a intersetorialidade, vinculada ao setor de saúde, em particular
ao PSF, é uma forma de gestão possível e muito eficiente em termos da promoção do desenvolvimento econômico e social22 que tem alcançado êxitos
em vários municípios, como Campo Grande no estado de Mato Grosso do Sul,23 Camaragibe no estado de Pernambuco24, Belo Horizonte, no estado de
Minas Gerais25 e Curitiba, no Paraná26, entre outros,
em termos de avanços da qualidade de vida de
suas respectivas populações. Ao que tudo indica,
novas experiências se multiplicarão, pois, a julgar
pela fala do Ministro da Saúde, a intersetorialidade dará o tom das políticas públicas de saúde: “A
saúde é, antes que biológica, uma produção social.
Para que se alcancem melhores níveis de saúde é
imprescindível que o Estado e a sociedade cada
vez mais implementem ações intersetoriais”27.
Não se pode esquecer, contudo, que o contexto
dentro do qual o PSF emerge no país - ou reemerge,
para utilizar termo mais exato - é de restrição e racionalização dos gastos em saúde e implementação
de medidas de ajuste estrutural da economia e de
reforma do Estado, que seguem a doutrina neoliberal fortemente presente na década de 90, em todo
o mundo.28 Se, por um lado, o Programa incorpora
as diretrizes do SUS, por exemplo, intersetorialidade, descentralização e co-responsabilização que,
segundo nosso entendimento, traduzem mecanismos viabilizadores do compromisso com a saúde
de todos, por outro, é pertinente reconhecer que
outras diretrizes, como territorialização e priorização de grupos populacionais com mais alto risco
de adoecer ou morrer29, muito se aproximam dos
referenciais de origem da medicina de família, ligados à necessidade de controle ideológico ou, em
termos mais recentes, das políticas focalizadoras,
contrastantes com o princípio de universalização.
A participação real dos atores sociais nos processos de tomada de decisão desenrolados nesse espaço será o divisor de águas entre as duas orientações, antes mencionadas30 e, sendo assim, tanto
mais se reforça a exigência de indissociabilidade
entre PSF, promoção de saúde e intersetorialidade.
Se se tomar o modelo de democracia deliberativa
proposto por Habermas,5 6 constituído necessariamente pela associação de dois complexos, a saber,
o sistema representativo e a esfera publica, então
se poderá entender o alcance dessas formulações.
São as experiências cotidianas dos atores sociais
com os diferentes sistemas, desenroladas no nível
local, de dentro do seu mundo da vida, e tematizadas em interações cada vez mais amplas, que
constituem o debate público acerca do objeto correspondente, capaz de dramatizar os problemas e
necessidades até o ponto em que têm de ser tratados pelas instâncias institucionalizadas do complexo representativo e traduzidos em leis, políticas,
programas e/ou projetos. Evidencia-se, assim, com
clareza, a articulação, inerente ao processo democrático, entre micro e macroespaços e daí sua condição de divisor de águas entre as possíveis orientações do PSF. Se a instersetorialidade, como foi
dito antes, permite o enfrentamento de problemas
complexos pela ampliação, organização e sinergia
dos recursos disponíveis, é ela mesma que, como
processo compartilhado - a exigir permanente
participação, diálogo e soluções negociadas, quesitos fundamentais para desempenhar o seu papel articulador de recursos - fortalece o processo
democrático e por ambas as razões, obviamente
indissociáveis entre si, torna-se imprescindível ao
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S310-S316
313
Reflexões sobre a intersetorialidade e sua relação com o Programa Saúde da Família
Programa Saúde da Família. Por isso, mesmo quando se reconhece, com Mendes9 que, por ser espaço
de hierarquia inferior, as possibilidades do esforço
integrativo em nível local serão sempre limitadas
e estarão na dependência das capacidades de
condução de níveis superiores, é preciso lembrar,
no mesmo instante, que essas são faces de uma
mesma moeda: se o desafio da intersetorialidade
ocorre, sem dúvida, em nível de gestão, sua operação se faz no território e na prática de atuação31.
Ela fortalece uma “cultura do local” - que implica
compreender em profundidade as várias dimensões de um microcontexto. A conquista de resultados por meio desse tipo de ação revela às pessoas e coletivos sua possibilidade de intervenção
na realidade e contribui para que se constituam
como sujeitos sociais,32 participantes do processo
de formulação de programas e políticas, enfim, autores de direitos.33 Reitera-se o raciocínio anterior:
lidando com essas duas dimensões, gestão coletiva e cultura local, a intersetorialidade constitui-se
como estratégia potencialmente capaz de unificar
micro e macroespaços e de propiciar a formulação
de propostas de saúde que sejam, a um só tempo,
participativas e eficazes.
Muitos estudos corroboram essas análises.
O Relatório do Nescon/Faculdade de Medicina/
UFMG, intitulado Promoção de Saúde no PSF34,
confirma haver uma sinergia entre a estrutura do
PSF e a promoção de Saúde. Para Ayres35, o Programa Saúde da Família dá nova base para articulações intersetoriais e promove a entrada de novos
cenários, sujeitos e linguagens na cena da atenção.
Outros estudos falam das potencialidades do PSF
para acompanhar as políticas e ações na área habitacional, ambiental, de saneamento básico, intersetoriais, uma vez que “o espaço pode ser concebido como produtor de diferenciações sociais
e epidemiológicas”36. Assim, a situação de saúde
não seria um atributo dos grupos sociais nem das
unidades espaciais em si, mas sim o resultado da
relação de grupos sociais com seu território.36 O
espaço local representa muito mais que uma superfície geográfica, tendo um perfil demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico,
político e social que o caracteriza e se expressa
num território em permanente construção - o estabelecimento de uma base territorial é um passo
básico para a caracterização da população e de
seus problemas de saúde, bem como o dimensio314
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S310-S316
namento do impacto do sistema sobre os níveis de
saúde dessa população e, também, para a criação
de uma relação de responsabilidade entre os serviços de saúde e sua população.37 Por fim, ressalte-se que PSF e políticas intersetoriais, juntos, são
capazes de produzir saúde individual e coletiva e
por isso exercem papel central junto às políticas
de combate à pobreza e à exclusão social, o que
não é pouco, principalmente quando se sabe que a
universalização da atenção básica - estratégia legítima e efetiva de descentralização da promoção e
da assistência médico-sanitária e de ampliação do
direito à saúde - ainda não está inteiramente garantida pelo poder público.38
Entende-se por todo o dito que a tarefa do setor saúde, além da construção de um sistema de
boa qualidade, com acesso universal e com integralidade, amplia-se na direção de um papel articulador e integrador com outros setores, também
determinantes das condições de vida e de saúde39.
E, claro, essa articulação deve se dar em toda cadeia da formulação e gestão das políticas públicas
e há muito para se fazer nesse sentido, mas não há
dúvida de que, no setor de saúde, ganha-se, a cada
dia, consciência das limitações da ação setorial. A
compreensão da determinação social do processo
saúde-doença, a percepção muito clara do impacto de ações não especificamente setoriais sobre a
saúde - tais como saneamento básico e urbanização - e da impotência setorial diante de problemas
como a morbidade e mortalidade por causas externas fazem com que ele esteja mais mobilizado
para propor a ação e a articulação intersetoriais.32
Esse não é um processo fácil. A articulação intersetorial requer decisão política, o que implica
romper com o antigo padrão de prestação de serviços, que reflete determinada estrutura de poder
na qual imperam a fragmentação, setorialização e
centralização.40 A sua consolidação envolve novas
tecnologias de gestão, possibilita a otimização de
recursos municipais para o melhoramento da qualidade de vida dos cidadãos e impõe alterações
nas relações de poder tanto no nível individual
quanto das instituições.11 Envolve, pois, a difícil tarefa de superar a tensão entre interesse individual
e interesse coletivo, entre participação e complexidade, enfim, a delicada questão da democracia,
que, em síntese, é pedra fundamental do SUS e de
qualquer sistema de saúde que se vincule à idéia
de cidadania. Pensar, pois, a prática da interseto-
Reflexões sobre a intersetorialidade e sua relação com o Programa Saúde da Família
rialidade implica perguntar pelas possibilidades
reais do exercício da democracia, na nossa sociedade, discussão que, como é óbvio, este texto não
comporta agora. A esse respeito, queremos apenas
lembrar as palavras de Habermas:5 nunca desistimos da democracia, prova disso é que continuamos, incessantemente, a discuti-la, desejá-la e tê-la
como objeto permanente de estudo. Ela é, pois,
questão da “ordem do dia”.
REFERÊNCIAS
1. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília:
Unesco, Difid, Ministério da Saúde; 2002. p.666, 675.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 648/GM, de 28 de
março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
3. Campos GW, Barros RB, Castro AM. Avaliação de política nacional de promoção de saúde. Ciên Saúde
Coletiva. 2004; 9(3):745-9.
4. Habermas J. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus; 1987
5. Habermas J. Between facts and norms: contributions
to a discourse theory of law and democracy. Cambridge, Massachussets: The MIT Press;1996.
6. Habermas J. A Inclusão do outro. Estudos de teoria
política. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola; 2004
7. World Health Organization. Primary Health Care. Geneva: WHO; 1978.
8. Paim JS. Políticas de Descentralização e atenção primária de saúde. In: Rouquayrol MZ, Almeida Filho N.
Epidemiologia e saúde. 5ª ed. Rio de Janeiro: Medsi;
1999. p.489-503
9. Mendes EV. Uma agenda para a saúde. São Paulo: Hucitec;1996. 300p.
10. Rouquayrol MZ. Contribuição da epidemiologia. In:
Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond
Júnior M, CarvalhoYM. Organizadores. Tratado de
saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro: Ed.
Fiocruz; 2006
11. Ferreira VSC, Silva LMV. Intersetorialidade em saúde :
um estudo de caso. In: Hartz, Z M.Avaliação em saúde.
Dos modelos teóricos à prática na avaliação de programas e sistemas de saúde. Salvador: EDUFBA, Rio
de Janeiro: Fiocruz; 2005. 275p.
12. Organização Panamericana de Saúde, Organização
Munidial de Saúde. Atenção Primária de Saúde nas
Américas: as lições aprendidas ao longo de 25 anos
e os desafios futuros. 2003. [Citado em 04 mar. 2007].
Disponível em: http://www.paho.org/portuguese/gov/
ce/ce 132-13-p.pdf <acessado em 04/03/07
13. Refaat A, Noomab Z, Richards R. Ann Comm Oriented
Educ. 1989; 7-18. Apud Educação de profissionais de
saúde orientada para a comunidade. Uma Seleção
de Publicações da Network ; 1999. p.55-64.
14. Carvalho AI, Bodstein RC, Hartz Z, Matida AH..Concepts and approaches in the evaluation of health promotion. Ciên Saúde Coletiva. 2004; 9(3): 521-9.
15. Brasil. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal,
Centro gráfico, 1988. 292p.
16. Brasil. Ministério da Saúde.Gestão Municipal de Saúde. Textos básicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.
17. Augusto LGS. A intersetorialidade das ações e a
complexidade das causas. Rev Saúde. 2003 abr.;
4(4):19-20.
18. Reis CCL, HortaleVA. Programa Saúde da Família: Supervisão ou “convisão” ? Estudo de caso em município de médio porte. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):
492-501.
19. Cohen SC, Cynamon SE, Kligerman DC, Assumpção
RF. Habitação saudável no Programa Saúde da Família (PSF): uma estratégia para as políticas públicas de saúde e ambiente. Ciên Saúde Coletiva. 2004;
9(3):807-13.
20. Aerts D, Abegg C, Cesa K. O papel do cirurgião-dentista no Sistema Único de Saúde. Ciên Saúde Coletiva.
2004; 9 (1):131-8.
21. Mendes EV. Os Grandes dilemas do SUS. São Paulo:
Editora Casa da Saúde; 2001. 167p. Coleção Saúde
Coletiva, v. 2.
22. Westphal MF, Mendes R. Cidade saudável: uma experiência de interdisciplinaridade e intersetorialidade.
RAP (Rio de Janeiro) 2000; 34(6):47-61, 2000.
23. Dobashi BF.‘Viva seu Bairro’: em Campo Grande/MS a
promoção de saúde percorre os caminhos da intersetorialidade. Série Conasems – Saberes e práticas da
gestão municipal, Divulg Saúde Debate. 2005 maio;
(32): 28-35.
24. Santana P, Morais F, Sousa MF. Dez anos do Programa
Saúde da Família em Camaragibe: ajudando a integrar as ações de governo. Divulg Saúde Debate. 2004
dez.; (31): 19-27.
25. Júnior Magalhães HM, Oliveira RC. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da Saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulg Saúde
Debate. 2006 maio; (35): 92-9.
26. Moysés SJ, Moysés ST, Krempel MC. Avaliando o processo de construção de políticas públicas de promoção de saúde:a experiência de Curitiba. Ciên Saúde
Coletiva. 2004; 9(3):627-41.
27. Fala do Ministro José Gomes Temporão. Radis Comunicação em Saúde. 2007 abr.; (56): capa.
28. Vasconcelos EM. A priorização da família nas políticas de saúde. Saúde Debate. 1999 set./dez.; 23 (53):
6-19.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S310-S316
315
Reflexões sobre a intersetorialidade e sua relação com o Programa Saúde da Família
29. Trad LAB, Bastos ACS. O impacto sócio-cultural do
Programa de Saúde da Família (PSF) : uma proposta
de avaliação. Cad Saúde Pública. 1998; 14(2): Rio de
Janeiro
36. Barcellos CC, .Sabroza PC, Peiter P. Organização espacial, saúde e qualidade de vida: análise espacial
e uso de indicadores na avaliação de situações de
saúde. Inf Epidemiol SUS. 2002 jul./set.; 11(3): 129-38.
30. Melo, EM, Faria, HP, Cury, GC, Pinheiro TM, Radicchi
ALA. Programa de Saúde da Família. Autonomia ou
Dominação. Rev Méd de Minas Gerais; 2006; (Supl.
Saúde Coletiva).
37. Unglert CVS.Territorialização em sistemas de saúde.
In: MendesEV. Distrito Sanitário: o processo social de
mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de
Saúde. 4ª ed. São Paulo: Hucitec; 1999. p.221-236.
31. Campos GW. Entrevista. Revista da Saúde. 2003 abr.;
4(4): 14-6.
38. Bodstein R. Atenção básica na agenda da saúde .
Ciên Saúde Coletiva. 2002; 7 (3): 401-12
32. Rede Unida. Intersetorialidade na Rede UNIDA. Saúde Debate. 2000; 24(55).
33. Melo EM. Ação comunicativa, democracia e saúde.
Rev C S Col. 2005; 10(Supl):167-78.
39. Bógus CM. A Promoção da Saúde e a pesquisa avaliativa. In: Bogus CM. Investigar para o SUS: construindo linhas de pesquisa. São Paulo: Instituto de Saúde;
2002. p.49-54.
34. Campos FC,Teixeira PF. Relatório Final de Pesquisa
“Promoção de Saúde na Atenção Básica no Brasil”.
Belo Horizonte: Nescon-Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, Faculdade de Medicina/UFMG; 2005. [Citado em 04 mar.2007]. Disponível em: www.medicina.
ufmg.br/nescon
40. Junqueira LAP, Inojosa RM. Desenvolvimento social
e intersetorialidade na gestão pública municipal. In:
Conferência Nacional de Saúde Online: uma proposta em construção. 1997. [Citado em: 21 Julho 2006].
Disponível em: http://www.datasus.gov.br/cns/inovador/FORTALEZA.htm
35. Ayres JRCM. Cuidado e reconstrução das pPráticas
de saúde.In: Minayo MCS, Coimbra Jr. CEA.Críticas e
Atuantes: ciências sociais e humanas em saúde na
América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.
p.91-108.
316
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S310-S316
RELATO DE CASO
Reação adversa ao látex: relato de caso
Adverse reaction to latex: a case report
Andréa Maria Silveira1; Ricardo José dos Reis2; Geraldo da Silva Avelar3
RESUMO
Os autores relatam caso de alergia a látex em trabalhador da saúde. Reações adversas ao
látex podem se apresentar sob formas localizadas (dermatite alérgica e irritativa, ambas por
contato) e sistêmica (alergia ao látex). O diagnóstico de uma das formas, quando relacionado ao trabalho, é perverso, tendo em vista que materiais e equipamentos que contêm látex
como componente principal são utilizados de forma disseminada e em quantidade imensurável, portanto, estão presentes em postos de trabalho de todas as atividades, principalmente as relacionadas com o cuidado à saúde. No caso de luvas usadas em ambiente médicohospitalar, apenas nos Estados Unidos estima-se que sejam consumidos acima de 7 bilhões
de pares por ano. Além do contato, luvas também propiciam a disseminação de proteína do
látex no ambiente, por meio de aerodispersóis, o que favorece a inalação de partículas. O
artigo discute, em primeiro lugar, a definição diagnóstica de acordo com as apresentações
possíveis. A seguir, discute as conseqüências que implicam principalmente a retirada do
trabalhador de seu ambiente de trabalho e a dificuldade de reinseri-lo em outra atividade,
justamente por se tratar de mão-de-obra especializada em atividades específicas.
1
Professora Adjunta do Departamento de Medicina
Preventiva e Social – Área Saúde e Trabalho – Faculdade
de Medicina – Coordenadora do Centro de Referência
Estadual em Saúde do Trabalhador – CREST/MG Hospital
das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
2
Médico do Trabalho – Coordenador Geral do Serviço de
Atenção à Saúde do Trabalhador - SAST
Pró-Reitoria de Recursos Humanos
Universidade Federal de Minas Gerais.
3
Médico do Trabalho – Coordenador do Núcleo Pampulha do Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador – SAST
Pro-Reitoria de Recursos Humanos
Universidade Federal de Minas Gerais
Palavras-chave: Luvas protetoras. Hipersensibilidade ao látex. Dermatites alérgicas de
contato. Doenças profissionais.
ABSTRACT
The authors relate case of a female health care worker, who developed latex allergy.
Adverse reaction to latex present under three types: irritant contact dermatitis, allergic
contact dermatitis and immediate-type hypersensitivity (latex allergy). If work-related,
diagnosing one of them is troublesome, because there is a great variety of equipment containing latex that are present in many work posts, where several activities are developed,
mainly that related to health care. In the United States, it is stimated that about 7 billion
gloves pairs are used per year. Besides contact, gloves propritiate latex protein dissemination in the environment, by forming powder, which contributes to inhalation of particles.
The authors discuss, at first, the diagnosis definition, according to the possible presentation. After, they discuss the consequences that imply in removing the worker from his job
and difficulty of to allocate him on other activity, just because he is a specialized worker.
Key words: Gloves, Protective. Latex Hypersensitivity. Dermatitis, Allergic Contact. Occupational Diseases.
INTRODUÇÃO
Endereço para correspondência:
A alergia ao látex foi descrita por um dermatologista em Massachusetts em
1933.1 Com o advento da epidemia da síndrome da deficiência imunológica ad-
Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador
Alameda Álvaro Celso, 175 – 7.º andar
Santa Efigênia CEP 30130-100
Belo Horizonte – MG
e-mail [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S317-S320
317
Reação adversa ao látex: relato de caso
quirida na década de 80, do aumento do número
de pacientes imunodeprimidos e da crescente adesão às medidas de proteção universal preconizadas pelos Centers of Disease Control and Prevention
(CDC), observa-se disseminação do uso de luvas
para procedimentos de assistência a pacientes.
Este fato tem contribuído para o aumento do relato
de casos de reações adversas ao látex entre profissionais de saúde.1-3 Luvas de látex têm sido amplamente utilizadas, pois mostram-se superiores às de
vinil e de outros materiais, em termos de conforto,
barreira de proteção, propriedades táteis, flexibilidade, elasticidade, e custo.2 Nos Estados Unidos, o
National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) estima a ocorrência de algum tipo de
manifestação alérgica em 8 a 12% dos profissionais
de saúde (percentual que pode ser mais alto entre
aqueles envolvidos em procedimentos cirúrgicos),
ao passo que a alergia ao látex no restante da população varia de 1 a 6%.1,4,5
Além dos profissionais de saúde, estão mais
expostos ao risco de desenvolver alergia ao látex
indivíduos que utilizam essas luvas em trabalho de
limpeza, preparação de alimentos, os atópicos, pacientes expostos a vários procedimentos diagnósticos e terapêuticos no início da vida (particularmente os portadores de espinha bífida e anomalias
urogenitais congênitas), aqueles com dermatites
das mãos (por comprometimento da função de
barreira da pele) e trabalhadores de indústrias que
fabricam produtos de látex ou que utilizam, cotidianamente, equipamentos com este material.1,2,4,6,7
Este fato tem se constituído como importante problema para serviços de medicina do trabalho de
instituições de saúde. Estima-se que 2 a 54% dos
casos evoluem para a incapacidade total para o
trabalho no setor.1,3
RELATO DE CASO
Paciente de sexo feminino, 45 anos, leucoderma, após vários anos de trabalho como professora
de 1º grau, foi admitida como técnica de enfermagem em hospital geral em 1995. A partir de então,
apresentou prurido nasal, coriza e espirros, para o
que recebeu o diagnóstico de rinite alérgica complicada por vários episódios de sinusite. Aproximadamente 18 meses depois, começou a apresentar
prurido nas mãos, que se manifestava em minutos
318
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S317-S320
após a utilização de luvas de látex, o que motivou
a utilização quase diária de anti-histamínicos. Passou a evitar luvas deste material substituindo-as
por outras de plástico. Nesse mesmo período começou a apresentar, também, episódios de tosse,
dispnéia e sibilos, que se manifestavam quase sempre após a jornada de trabalho, já em seu domicílio, e ocorriam quando da execução, pela paciente, de procedimentos que a colocavam em contato
direto ou indireto com luvas ou outros materiais à
base de látex.
Diante desse quadro, a trabalhadora procurou
alergologista, que solicitou IgE específica para látex, com o resultado de 3,15 KU/L (método: Imunocap – (VR:classe 0 < 0,35KU/L, classe 1= 0,35
a 0,70 KU/L, classe 3= 0,70 a 3,50KU/L, classe 4=
3,50 a 17,50 KU/L, classe 5= 50 a 100KU/L, classe
6= maior que 100 KU/L, classe 0 = negativo, classe de 1 a 6 = reagente) e realizou prick test que
também apresentou resultado positivo ao látex.
Foram observadas ainda manifestações alérgicas
quando da ingestão de banana, vapores de tinta e
massa plástica. A paciente foi encaminhada para o
Serviço de Medicina do Trabalho do empregador
que, diante das evidências clínico-ocupacionais e
laboratoriais de sensibilização ao látex, sugeriu o
afastamento definitivo de atividades e ambientes
nos quais ocorresse exposição a esse material. A
paciente foi remanejada para outro setor do hospital, onde exerce atividades em que não há exposição ao látex, e estava há 21 meses assintomática
quando da redação deste artigo.
DISCUSSÃO
A prevalência de reações adversas ao látex no
Brasil não é conhecida. Embora aproximadamente 2.000 plantas produzam esse material, mais de
99% do utilizado comercialmente é proveniente da
Hevea brasilensis.
O conteúdo de proteínas da borracha natural
de látex varia de 1 a 8% e depende de características genéticas, químicas e metabólicas da árvore e
dos processos de tratamento químico da borracha.
Estes últimos podem implicar a adição de amônia,
sulfato de sódio, tetrametiltiurano, mercaptobentiazol, tiouréias, que são retirados posteriormente
no processo, mas que podem permanecer na borracha, em pequenas quantidades, como resíduos
Reação adversa ao látex: relato de caso
ou agregados à estrutura molecular do látex, ou
seja, o processamento do látex altera a composição de suas proteínas, o que aumenta o seu potencial alergênico. A borracha de látex no estado natural possui de 150 a 250 polipeptídios, dos quais
60 demonstraram propriedades de se ligarem a
IgE.7,8 Além da quantidade variável de alérgenos do
látex, a adição de talco nas luvas, como lubrificante, contribui para a sensibilização, já que propicia
dispersão de proteínas do látex, além de facilitar
a pulverização das mesmas.1,4,6,9 Reações adversas
ao látex podem se apresentar sob três formas: dermatite de contato irritante, dermatite de contato
alérgica, reação sistêmica (Quadro 1).
A sensibilização ao látex exige exposição repetitiva, por período estimado entre seis meses e 15
anos.4,9 A exposição aos antígenos pode se dar por
via cutânea, mucosa, parenteral e inalatória.1,12 O
quadro clínico mais comum é a dermatite de contato por irritação.1,4 Os quadros asmáticos podem
ser subclínicos e não detectados, embora esse reconhecimento seja fundamental para impedir-se a
evolução para hiperreatividade irreversível. O quadro alérgico mais grave é a anafilaxia, que ocorre
mais comumente após a absorção mucosa do látex
durante procedimentos médicos e odontológicos
em indivíduos previamente sensibilizados.10
No caso em discussão, a paciente apresentou
quadro clínico compatível com diagnóstico de
reação adversa ao látex do tipo sistêmico, alergia ao látex, tendo em vista o relato de manifes-
tações típicas relacionadas temporalmente com
a exposição. Deve-se ressaltar a ocorrência de
hipersensibilidade cruzada que envolve látex e
determinados alimentos, entre os quais se citam
abacate, castanha, banana, kiwi, papaia, melão,
figo, abacaxi, pêssego e tomate.4, 11 Essas reações
cruzadas provavelmente decorrem da existência
de antígenos comuns como as enzimas quitinases, glucanases, lisozimas e papaína, sendo esse
quadro conhecido como síndrome látex-fruta ou
alergia ao látex fruta.
Vários estudos têm demonstrado que aproximadamente metade dos pacientes alérgicos ao látex apresenta sintomas após a ingestão de alimentos que apresentam reação cruzada com o látex.
São citadas ainda reações cruzadas com alguns
pólens.1 A reação cruzada com banana também
pode ser demonstrada pela história da paciente,
portanto, admite-se também o diagnóstico de alergia látex-fruta.
Apesar do relato de prurido nas mãos, o diagnóstico de dermatite alérgica de contato não pode
ser firmado, tendo em vista que não houve relato de
lesões como eritema, descamação e vesiculação.
A associação dos dois tipos de alergia ao látex é
possível.1 A história ocupacional sugeriu fortemente o nexo com o trabalho, por ter o quadro clínico
surgido após a paciente se tornar trabalhadora da
saúde e por serem as manifestações subseqüentes
a episódios de exposição ocupacional ao látex.
Quadro 1 - Reações Adversas ao Látex
Característica
Irritante
Alérgica
Manifestação
Local
Local
Sistêmica
Reação
Química
Imunológica
Imunológica
Tipo
Direta
Retardado (tipo IV)
Imediato (tipo I)
Mecanismo
Irritação
Sensibilização mediada por linfócito T Formação de complexo IgE-látex
Tempo
48-72 h
48-72
De imediato a horas após
Eritema, prurido, edema,
fissura, crostas, pápulas
e liqüenificação.
Dermatite eczematosa: eritema,
descamação e vesiculação, liqüenificação. Pode se estender além da
área de contato.
Urticária, angioedema, sensação de
ferroadas na pele, espirros, coriza e
conjuntivite, anafilaxia.
Clínico
Patch test
Demonstração de IgE látex específica
Retirar causa e fatores
que exacerbam
Identificar causa e afastar, corticosteróides tópicos e sistêmicos
Adrenalina
Educação do paciente
Sinais e sintomas
Diagnóstico
Tratamento
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S317-S320
319
Reação adversa ao látex: relato de caso
Trabalhadores sensibilizados ao látex devem
ser afastados definitivamente da exposição ao
mesmo. Em algumas circunstâncias esse fato tem
repercussões dramáticas sobre a vida profissional
desses indivíduos, pois, significa a necessidade de
reabilitação profissional e muitas vezes abandono
da área de saúde. No caso apresentado, o remanejamento foi satisfatório, no entanto, nem sempre é
possível adotar essa medida. A sensibilização ao
látex e a prevenção do agravamento do quadro clínico nos trabalhadores sensibilizados podem ser
evitados pela adoção das seguintes medidas: fornecimento de luvas de materiais alternativos quando existe pouco risco de contato com material
infectado, uso de luvas de látex com menor teor
de proteínas e não talcadas, identificação de áreas contaminadas com poeira de látex para limpeza mais freqüente (carpetes, dutos de ventilação,
etc.), oferta de informação e treinamento para os
trabalhadores da saúde. Deve-se ainda investigar
a existência de sensibilização no exame admissional, detectar precocemente os sintomas e remover
os sintomáticos de áreas com exposição ao látex,
restringir o uso de loções e cremes oleosos nas
mãos antes do uso das luvas (podem deteriorar
o látex e facilitar a sensibilização) e orientar a lavação das mãos com água e sabão com posterior
secagem, após retirada de luvas de látex.4
REFERÊNCIAS
1. Corwin AD. Latex allergy. Prim Care Update Ob/Gyns.
2002; 9:144-8
2. Charou BL,Tarlo SM, Charous MA, Kelly K. Natural rubber latex allergy in the occupational setting. Methods.
2002; 27:15-21.
3. Sussman GL, Beezhold DH, Liss G. Latex allergy: historical perspective Methods. 2002; 27:3-9.
4. National Institute of Occupational and Safety Health.
Preventing Allergic Reactions to Natural Rubber Latex in the Workplace. [Citado em set. 2007]. Disponível em: www.cdc.gov/niosh/latexalt.html
5. Turjanmaa K, Mäkinen-Kiljunen S. Latex allergy: prevalence, risk factors, and cross-reactivity. Methods.
2002; 27:10-4.
6. Tesiorowki CC. Latex allergies in the health care
workers J Perianest Nurs. 2003; 18:18-31.
7. Meade MJ, Weissman DN, Beezhold DH. Latex allergy: past and present. Int Immunopharmacol. 2002;
2:225-38.
8. Sussman GL, Beezhold DH, Viswanath PK. Allergens
and natural rubber Proteins. J Allergy Clin Immunol.
2002;110:33-9.
9. Weissman DN, Lewis DM. Allergic and latex-specific
sensitization: route, frequency, and amount of exposure that are required to initiate IgE production J Allergy Clin Immunol. 2002;.110:S57-63.
10. Bernstein DI. Management of natural rubber latex allergy J Allergy Clin Immunol. 2002; 110:S111-6.
11. Perkin JE.The latex and food allergy connection. J Am
Diet Assoc. 2000; 100:1381-4.
320
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S317-S320
RELATO DE CASO
Projeto cathivar: o desafio de enfrentar a
finitude humana
Cathivar project: the challenge if facing human finitude
Rosa Maria Quadros Nehmy1; Sara Monteiro de Moraes2; Thaís Costa Drumond3
RESUMO
O projeto Cathivar desenvolve atividades de pesquisa e extensão sobre os temas do processo de morrer e dos cuidados paliativos. Foi criado por estudantes de Medicina e busca
superar a dificuldade de enfrentar a morte e o processo de morrer em nossa sociedade.
São realizados estudos qualitativos pela estratégia de pesquisa-ação. Foram efetuados estudos numa clínica filantrópica e em um serviço de atendimento domiciliar público, onde
foram acompanhados pacientes e familiares. Resultados mostraram que os entrevistados
preferem essas modalidades de atenção em um hospital. A clínica oferecia atendimento
integral ao paciente e tinha a preocupação de reproduzir um ambiente acolhedor. No
atendimento domiciliar ressaltaram-se a sobrecarga do familiar cuidador e o peso financeiro sobre a família. Concluiu-se que ainda não há suporte do sistema de saúde suficiente para essas formas de atenção. A clínica foi fechada posteriormente por alegação de seu
alto custo e a atenção domiciliar é restrita aos que podem arcar com o ônus do cuidado
do paciente em casa. Para a formação médica, a experiência de convívio com essa realidade contribui para mostrar a importância dos aspectos psicossociais da interação com o
paciente e dos valores humanistas e éticos da prática médica.
1
Professora do Departamento de Medicina Preventiva e
Social da Faculdade de Medicina,Universidade Federal de
Minas Gerais. Coordenadora do Projeto Cathivar
2
Acadêmica de Medicina da UFMG. Membro do Projeto
Cathivar
3
Médica. Fundadora do Projeto Cathivar
Palavras-chave: Cuidados paliativos. Doente terminal. Educação médica.
ABSTRACT
The Cathivar project develops community service and research activities on the themes
of dying process and palliative care. It was created by medical students and aims at
overcoming the difficulty of facing death and the dying process in our society. Qualitative studies are performed using the research-action strategy. Studies were carried out in
a philanthropic clinic and in a public home care service, where both patients and family
members were followed up. Results show that interviewees prefer to have these modalities of care in a hospital. The clinic offered integral assistance to the patient and had the
preoccupation of producing a welcoming environment. In home care, family caregiver
overload and financial burden on the family were highlighted. We concluded that there is
not enough support from the public health system to this health care modality. The clinic
was closed later on, under the allegation of its high costs and that home care is restricted
to those who can afford it. As far as medical training is concerned, the experience of
living with this reality contributes to show the importance of the psychosocial aspects of
interaction with the patient and of the ethical and humanistic values of medical practice.
Key words: Hospice care. Terminally Ill. Education, medical.
Endereço para Correspondência:
INTRODUÇÃO
Há reconhecimento tácito de que a qualidade do contato humano necessário a qualquer atendimento ao paciente não corresponde ao avanço tecno-
Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas
Gerais
Av. Alfredo Balena 190, Santa Efigênia
Belo Horizonte, MG – Brasil
CEP: 30330-160
e-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S321-S326
321
Projeto Cathivar: o desafio de enfrentar a finitude humana
lógico. A tecnologia biomédica, como mediadora
dessas relações sociais, tende a centrar a atenção
no diagnóstico, diminuindo o interesse pela experiência e subjetividade do paciente.1 Em decorrência dessa constatação, recomenda-se humanizar
ou re-humanizar as relações entre profissional e
usuário do serviço, objetivo expresso na Política
Nacional de Saúde.2 Nesse contexto, renova-se o
debate sobre a interação médico-paciente, valorizando a dimensão comunicativa e subjetiva dessa
relação.3,4A idéia de humanizar as relações sociais
adquire mais sentido quando se trata do paciente
terminal. Para esse paciente que o discurso médico classifica como “fora de possibilidade terapêutica de cura”, os limites da intervenção eficaz para
reversão do quadro se esgotaram5 e, para o tempo de sua sobrevivência, resta proporcionar-lhe a
morte digna.6
Deve ser parte da tarefa dos homens, conforme
afirma Elias7, tornar o fim dos seres humanos tão
fácil e agradável para os outros quanto para nós
mesmos. No entanto, na sociedade moderna predomina a sensação de incapacidade de dar ajuda
e afeição aos moribundos. A morte não está mais
justificada por sistemas de crenças sobrenaturais,
que foram em grande parte substituídos por valores
sem esteio na tradição ou na religião.8 Em conseqüência, a morte e sua imagem são empurradas para
os bastidores da vida social.7 Mesmo os médicos e
profissionais de saúde que convivem no dia-a-dia
com a morte evitam discutir abertamente a questão
e no momento em que o paciente recebe o rótulo
“fora de possibilidade” tendem a se afastar dele.9
Há de se considerar também o despreparo do
médico para lidar com essas questões, por carências de sua própria formação. O ensino médico em
geral – o que é válido para os demais profissionais
de saúde – não incentiva a reflexão sobre o tema
da morte e tende a construir, desde o encontro do
estudante com cadáveres, encarados como objetos de estudo na aula de anatomia, um processo
de esvaziamento do conteúdo humanista do processo de morrer.10
A sensação de desconforto em relação aos moribundos está de tal forma presente na sociedade
que a comunicação e a oferta de carinho e de afeto
de que eles tanto necessitam tornam-se tarefa difícil, o que para os moribundos pode ser uma experiência amarga.7 Trata-se de um momento em que a
pessoa se sente frágil, vendo deteriorar seu estado
322
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S321-S326
de saúde e de vida. De forma manifesta ou não,
a pessoa nesse estágio passa a lidar com a questão da morte, principalmente por deparar com o
desenlace de pacientes com quadros semelhantes
nos locais onde são tratados.11 Alguns doentes encontram conforto em determinadas crenças como
as religiosas e outros se sentem amedrontados,
despreparados e revoltados com a vivência da expectativa da morte. O clássico estudo de KlüberRoss12 identifica diferentes sentimentos experimentados pelo doente terminal, que vão de negação e
revolta até a aceitação da iminência da morte.
O discurso médico qualifica de “paliativo” o
cuidado dedicado ao paciente quando a doença
não responde a intervenções com propósitos curativos. As prioridades passam a ser controle da dor
e de outros sintomas e o suporte social e psíquico ao doente e à família a cargo de equipe multiprofissional.13,5 Esse momento representa, para o
profissional médico, um desafio que, ao mesmo
tempo, rompe a idéia de onipotência do saber técnico, expõe a finitude humana e demanda ações
comunicativas e de afeto pelo doente e seus familiares. São questões que afetam os profissionais de
saúde14, mas que também envolvem a sociedade
como um todo. Por isso, a proposição de prestar
cuidados paliativos se configura como um movimento que procura sensibilizar os profissionais de
saúde e as pessoas comuns para a necessidade
de mudança da mentalidade sobre o processo de
morrer e do cuidado com o doente terminal.15
O projeto de pesquisa e extensão Cathivar se
insere nesse contexto e pretende contribuir para
acender o debate sobre o tema de cuidados paliativos na comunidade acadêmica da área da saúde. A
posição de evidência da problemática do paciente
terminal como situação limiar da condição humana significa navegar no sentido oposto aos valores
sociais predominantes e atuar na direção da ampliação da atenção a esse paciente. A referência a
cuidados paliativos traz à tona também a questão
humanista dos direitos de assistência de qualidade
às pessoas acometidas por doenças incuráveis que
as tornam dependentes da família e excluídas do
convívio social, na maioria das vezes sem amparo
dos serviços públicos.
A apresentação deste caso tem a intenção de
divulgar uma experiência de junção dos objetivos
de pesquisa, ensino e extensão por meio de um
tema de difícil manejo, mas pertinente para a for-
Projeto Cathivar: o desafio de enfrentar a finitude humana
mação médica e dos demais profissionais de saúde. Há poucas referências a práticas similares em
cursos médicos que abordem sistematicamente a
questão da morte e do morrer, destacando-se a da
Universidade de Harvard, implantada há mais de
10 anos, abrangendo cerca de um terço dos estudantes do período pré-clínico.16 Espera-se ainda
chamar a atenção para o potencial da reflexão
sobre o morrer e a morte como temática emblemática para demonstrar a importância dos valores
humanistas na interação entre o profissional e o
usuário do serviço de saúde nos diferentes cenários de prática.
DESCRIÇÃO DO CASO
O projeto Cathivar foi concebido em sala de
aula da disciplina optativa “Sociologia Médica” do
curso médico, em 2001. A proposta do curso era
que os alunos escolhessem um tema de seu interesse, o qual seria trabalhado a partir de autores
clássicos das ciências sociais. Os estudantes estavam então no quinto período do curso e uma das
alunas vivenciava o contato com pacientes terminais numa clínica especializada de Belo Horizonte
de prestação de cuidados em regime de internação para pacientes com câncer e AIDS. No relato
de sua experiência, ela sensibilizou cinco colegas
para elaborar um projeto sobre o tema. No final
do semestre letivo, já havia um esboço do que se
pretendia fazer. Terminada a disciplina, o grupo
decidiu continuar o trabalho e efetivar o projeto.
Seguiram-se contatos com a direção e o corpo
técnico da Clínica Nossa Senhora da Conceição,
onde a aluna estagiava, que se dispôs a abrir espaço para as atividades do grupo. Paralelamente, foram feitos os encaminhamentos necessários para
caracterizar a proposta como projeto de pesquisa
e extensão. O Cathivar se constituiu, assim, em
projeto institucional da Faculdade de Medicina e
passou a fazer parte do Programa de Humanização do Hospital das Clínicas da UFMG, o que se
mantém até hoje.
METODOLOGIA
A metodologia para o desenvolvimento das atividades, desde o início, baseou-se no contato dos
estudantes de medicina com pacientes em estado
crítico, fora de possibilidade terapêutica de cura,
com prognóstico de morte iminente ou com seqüelas que impediam a mobilidade, a comunicação,
enfim, o convívio social. A estratégia de abordagem escolhida para o desenvolvimento das atividades foi a da pesquisa-ação, permitindo que, paralelamente à investigação, se estivesse agindo sobre
a situação, no caso, dialogando com o paciente e
a família ou prestando pequenos cuidados. Utilizaram-se roteiros semi-estruturados para as entrevistas realizadas num primeiro encontro agendado e
de observação direta para os contatos posteriores
com os pacientes. As entrevistas foram gravadas e
as observações anotadas em caderno de campo.
Por se tratar da relação de alunos da graduação
com pacientes graves, eles atuavam sempre em duplas, sob supervisão da equipe local.
Em relação à sua composição, o grupo se constituiu de estudantes voluntários de diferentes períodos da graduação em Medicina, cujo número foi
estabelecido em função da possibilidade de acompanhamento da equipe do local e da disponibilidade de docentes para orientação das atividades. Em
média, tem sido possível aceitar cerca de 12 estudantes por ano, mantendo-se permanência de aproximadamente dois anos para cada participante.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O primeiro trabalho do Cathivar, na Clínica
Nossa Senhora da Conceição, durou cerca de três
anos, de 2001 a 2003. Foram acompanhados oito
pacientes internados que, após a entrevista inicial,
recebiam visitas semanais, quando eram observados. Os alunos participaram também de eventos
promovidos por grupos solidários aos pacientes
e de reuniões clínicas da equipe multidisciplinar
para discussão dos casos. Sete dos pacientes faleceram no período.
Na Clínica, os alunos entraram em contato com
um perfil de paciente pobre, quando não miserável, semi-analfabeto, sem emprego, família desestruturada, muitos deles usuários de drogas injetáveis, passando sua vida em condições de alto risco
social. O modelo de atenção da clínica se baseava
no modelo hospice, que abriga pacientes que necessitam de cuidados paliativos para controle da
dor e de outros sintomas da doença e oferece suRev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S321-S326
323
Projeto Cathivar: o desafio de enfrentar a finitude humana
porte psíquico e social para ele e sua família.17 O
modelo de organização do espaço e das relações
sociais procurava reproduzir um ambiente domiciliar a partir de recursos bastante simples e pouco
onerosos: aquário de peixes, sala de visitas e sofá
no corredor para encontro entre pacientes, familiares e profissionais; uso de diferentes cores nas
paredes; uso de roupas comuns do dia-a-dia trazidas ou doadas; participação dos pacientes em
pequenas tarefas e incentivo a interações sociais
com profissionais, familiares e amigos.
Grande parte dos doentes que chegava à clínica
já tinha passado por diferentes percalços da assistência pública à saúde e só ali recebeu acolhimento. Os internos relataram sentir mais liberdade do
que em um hospital porque podiam circular pelos
vários ambientes, sentar-se para conversar no sofá
da sala conhecida como “fumódromo”, tomar sol,
conhecer outras pessoas e participar de reuniões
de grupos de solidariedade aos pacientes. Chegaram a declarar sentirem-se mais confortáveis na
clínica do que em casa, devido, principalmente, a
suas precárias condições de vida, que dificultavam
a própria subsistência.
Os pacientes participantes da pesquisa pareciam não compreender bem o que acontecia com
eles desde o diagnóstico da doença “fatal”. A maioria deles negava a perspectiva da morte ou acreditava ainda haver possibilidade de evitá-la. Quando
falavam dela, era indiretamente, sem se deter no
tema. Alguns deles, com câncer ou AIDS, evitavam
falar da doença que os acometia mesmo quando reconheciam a iminência da morte. Pareciam
sentir neles mesmos o estigma dessas doenças.18
Surgiam de maneira recorrente em suas falas menções a sinais físicos da doença: a fraqueza, o cansaço, a magreza, a sensação de incapacidade. Por
vezes demonstravam preocupação com a questão
estética; sentiam até mesmo certa vergonha de seu
corpo e do estado de magreza. As reações frente à
progressão da doença eram semelhantes às definidas por Klüber-Ross12 para os pacientes terminais:
negação, raiva, barganha, interiorização e aceitação, embora essas fases não fossem tão uniformes
nem obedecessem à sequência como foram apresentadas pela autora, o que já havia sido mostrado
em estudo anterior.19
A presença dos alunos significou um pequeno
alento durante sua estadia na clínica. Conforme os
próprios pacientes disseram, podiam conversar so324
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S321-S326
bre vários assuntos, relembrar momentos alegres
e tristes da vida, falar da família, dos amigos e dos
companheiros da clínica. Afinal, tinham alguém
disposto a escutá-los e, talvez, por causa da condição dos pesquisadores, jovens e estudantes ainda,
a interação social podia se dar mais naturalmente.
Essa impressão foi corroborada pelas observações
da equipe de cuidados do local. Dos nove pacientes que participaram da pesquisa, sete morreram
durante o seguimento dos casos.
Na segunda etapa, iniciada em 2004, o grupo
acompanhou pacientes do Programa de Atendimento Hospitalar do Hospital das Clínicas da
UFMG. Na ocasião, realizaram-se visitas domiciliares, numa média de três para cada um dos nove
casos seguidos, dentro da mesma metodologia de
pesquisa-ação. Os primeiros contatos na casa do
paciente aconteciam juntamente com um profissional da equipe do serviço, quando eram agendados os retornos e as entrevistas com os cuidadores
do doente e outros membros da família.
Nessa etapa, a figura central não foi propriamente o paciente, à medida que todos os doentes
selecionados para a pesquisa portavam doenças
incapacitantes, com comprometimento da fala e
da mobilidade; estavam em estado passivo de apenas receber atenção e cuidado. Naquele momento,
o grupo Cathivar conviveu com a experiência do
paciente acamado e dependente e as repercussões
de sua situação sobre a família, em especial sobre
o “cuidador”, em geral a mulher – esposa ou mãe.20
Os estudantes puderam perceber o peso dos encargos do papel de cuidador, que vão da higiene
pessoal do familiar à administração de medicamentos e realização de procedimentos especializados. O tempo e a responsabilidade exigidos para
essas tarefas trazem para o cuidador uma série de
constrangimentos em relação à vida social e ao
equilíbrio emocional.21
A relação dos familiares com a equipe de atendimento domiciliar, conforme se observou, tendia a assumir caráter de dependência. A família
percebia o atendimento em casa como muito melhor para o paciente, quando comparavam com
o tratamento no hospital, porque em casa, eles
alegavam, o paciente recebe mais carinho e afeto. Os aspectos negativos percebidos referiam-se
aos encargos financeiros e pessoais com o doente em casa, aspecto ressaltado em outros estudos
nacionais.21,22
Projeto Cathivar: o desafio de enfrentar a finitude humana
Durante as visitas realizadas pelos alunos, os
familiares revelaram satisfação pela possibilidade
de falar com outras pessoas sobre a situação do
enfermo e sobre as dificuldades que enfrentavam.
Constatar que existiam pessoas interessadas no
caso, para eles, já era um fato importante, mesmo
porque visitas de parentes e amigos se tornavam
cada vez mais escassas, refletindo a dificuldade de
se enfrentar a degeneração do corpo e da capacidade de sociabilidade das pessoas.7
A parte de pesquisa de campo com pacientes
do serviço de atendimento domiciliar terminou no
inicio de 2006 e durante o resto do ano os alunos
novatos do projeto Cathivar acompanharam a equipe de cuidados do hospital em suas visitas clínicas, de orientação e, quando acontecia a morte do
paciente, a visita de luto. Cada caso era discutido
em reuniões científicas e relatado por escrito. Esta
fase serviu de treinamento e formação da equipe
renovada.
Em seqüência, no próximo ano o projeto deverá atuar no Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves, em Venda Nova – Belo Horizonte.
A expectativa é acompanhar doentes e idosos dependentes de cuidados básicos ou aqueles em fase
terminal durante sua permanência no hospital e os
desdobramentos do caso após a alta. A finalidade
é demonstrar o imperativo de se oferecer suporte
adequado a famílias de baixa condição socioeconômica com doentes dependentes e provocar
reflexão sobre a questão hospitalização versus
desospitalização na perspectiva humanista e não
como mera racionalização de custos financeiros.
COMENTÁRIOS FINAIS
A atuação do Cathivar em diferentes formatos
institucionais considerados exemplares nas propostas de humanização de assistência a pacientes
terminais ou dependentes crônicos proporcionou
a oportunidade de que, durante o acompanhamento dos casos, fossem exercidas conjuntamente
ações comunicativas de alento e de aprendizado.
Ainda possibilitou que se percebessem vantagens,
contradições e limites de cada uma das duas modalidades. Sem dúvida, o exemplo da Clínica representa o modelo “ideal”, o mais justo para a população excluída por suas precárias condições de
vida. Apesar do êxito dessa experiência, reconhe-
cida internacionalmente, a Clínica, serviço de caráter filantrópico, um oásis no conjunto da atenção
à saúde de serviços especializados no país, encerrou recentemente suas atividades por problemas
financeiros. Seu fechamento mostra o descaso do
poder público com o bem-estar do cidadão e significou um golpe profundo para os que reivindicam
o tratamento e morte digna para todos.
O atendimento domiciliar, por sua vez, permite
efetivamente mais convivência dos familiares com
o parente doente, mas acarreta ônus financeiro e
desgaste psicológico e social para a família e particularmente para o cuidador, que acaba cumprindo
obrigações, em princípio, do Estado. Além disso,
não é um serviço acessível à população carente
porque exige um mínimo de recursos financeiros
e condições favoráveis da habitação para cuidar
do doente em casa.
As modalidades de assistência fora dos muros
do hospital para o doente para quem o emprego
da tecnologia médica não tem mais eficácia técnica, como as expostas neste trabalho, representam mais aproximação com a visão humanista.
O problema é que, na nossa sociedade, o poder
regulamentador intervém para fazer viver, aumentando o tempo de vida, deixando a morte de lado,
relegada ao domínio do privado, do particular.22 O
movimento de cuidados paliativos busca retirar a
questão dos bastidores da vida social e articular
sentimentos coletivos que reivindiquem a prestação de cuidados para uma morte digna como um
direto do cidadão e dever do Estado.
Do ponto de vista da formação médica, a exposição do estudante aos dilemas como os vividos
pelos doentes e familiares atendidos pela clínica e
pelo atendimento domiciliar os desperta para a realidade da condição humana, questionando valores que sustentam a onipotência do saber médico.
A interação estudante/paciente/familiares, por sua
vez, propicia troca de impressões entre os participantes do projeto, suprindo anseios e rompendo
barreiras individuais de expressão do estudante e
conferindo oportunidade aos pacientes de serem
confortados. A experiência com situações extremas entre a vida e a morte pode ainda surtir efeito
mobilizador do aprendizado de atitudes éticas que,
apesar de ser objetivo priorizado no currículo dos
cursos de Medicina, não está contemplado com
atividades práticas desafiantes, como a vivenciada
pelo grupo do projeto Cathivar.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S321-S326
325
Projeto Cathivar: o desafio de enfrentar a finitude humana
REFERÊNCIAS
1. Caprara A, Rodrigues J. A relação assimétrica médicopaciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciên
Saúde Coletiva. 2004; 9 (1): 139-46.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de
Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. [Citado em: 23 set. 2007]. Disponível em: <http://www.portalhumaniza.org.br/ph/
texto.asp?id=80>.
3.
Deslandes SF. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciên Saúde Coletiva. 2004; 9(1): 7-14.
4. Caprara A, Franco ALS. A Relação paciente-médico:
para uma humanização da prática médica. Cad Saúde Pública. 1999; 15(3):647-54.
5. Tonelli HAF. Modelos de assistência a pacientes que
evoluem para óbito nas unidades pediátricas do HCUFMG [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal
de Minas Gerais. Faculdade de Medicina; 2004.
6. Pessini L. Distanásia: até quando investir sem agredir.
Bioética 1996; 4:31-43.
7. Elias N.A solidão dos moribundos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2001. 107 p.
8. Ariés P. História da morte no Ocidente: da Idade Média a nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro; 2003.
9. Zaidhaft S. Morte e formação médica. Rio de Janeiro:
Francisco Alves; 1990. 167p.
10. Bifulco VA.A morte na formação dos profissionais de
saúde. Prát Hosp. 2006; 45:164-6.
11. Drumond TC, Marx RT, Costa MB, Santos MS, Nehmy
RMQ, Silveira JCB. Projeto Cathivar; relato de uma
experiência em cuidados paliativos. Prát Hosp. 2004;
4(33):123-7.
326
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S321-S326
12. Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. 10ª ed. São
Paulo: Martins Fontes; 2001. 290 p.
13. Morrison RS, Meler DE. Palliative Care. N Engl J Med.
2004; 350(25):2582-90.
14. Moritz RD. Os profissionais de saúde diante da morte e do morrer. Bioética 2005; 13(2). (Citado em: 20
out. 2007). Disponível em: http://www.portalmedico.
org.br/revista/bio13v2 /index.htm
15. Menezes RA. História dos cuidados paliativos: uma
nova especialidade médica.(Acesso em: 20 out.2007).
Disponível em: http://www.uff.br/ichf/anpuhrio/
Anais/2004/Simposios% 20Tematicos/ Rachel%20Aisengart%20Menezes.doc
16. Block SD, Billings JA. Learning from the dying. N Engl
J Med. 2005; 353(13): 1313-5.
17. Abu-Saad HH. Palliative care: an international view.
Patient Educ Couns. 2000; 41:15-22.
18. Sontag S.Aids e suas metáforas. 4ª ed. São Paulo: Companhia das Letras; 1989. 111p.
19. Moura L, Jacquemin A. Aspectos psicossociais da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Rev Saúde
Pública. 1991; 25(2): 159-62.
20. Nehmy RMQ, Carvalho MB, Drumond TC, Silva DF, Souza MSE, Campos FCA. O serviço de atenção domiciliar na perspectiva dos familiares e cuidadores. Rev
Méd Minas Gerais. 2006;16: 71-6.
21. Floriani CA, Schramm FR. Cuidador do idoso com
câncer avançado: um ator vulnerado. Cad. Saúde Pública 2006; 22 (3): 527-34.
22. Foucault M. Em defesa da sociedade. São Paulo:
Martins Fontes; 1999. 382p.
RELATO DE CASO
Cefaléia termossensível: relato de caso
relacionado ao trabalho
Climate-related migraine: occupational case report
Claudia Vasques Chiavegatto1; Ana Beatriz Araújo Neves1; Marcela Sousa Nascimento1; Andréa Maria Silveira 2
RESUMO
A cefaléia é um problema de saúde muito prevalente em todo o mundo, com conseqüências importantes não só para os indivíduos afetados, mas para a sociedade em
geral. A importância econômica da enxaqueca pode ser evidenciada pelo seu pico de
prevalência, 25 a 55 anos, faixa em que se encontra a maior parte da população economicamente ativa. O caso apresentado é de importância por alertar para a possibilidade
de nexo com o trabalho para uma doença não reconhecida clássica e oficialmente
reconhecida como tal, o que influencia sobremaneira os desdobramentos do caso, especialmente para o paciente, a empresa e a Previdência Social. São discutidas questões
como a importância da anamnese ocupacional e do diário de atividades; a dificuldade
do estabelecimento do nexo causal e a importância e dificuldades da reabilitação
profissional.
1
Residente em Medicina do Trabalho. HC-UFMG.
Professora Adjunta do Departamento de Medicina
Preventiva e Social – Área Saúde e Trabalho – Faculdade
de Medicina da UFMG. Coordenadora do Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador – CEREST/MG.
Hospital das Clínicas da UFMG.
2
Palavras-chave: Cefaléia. Transtornos de enxaqueca. Condições de trabalho. Saúde do
trabalhador.
ABSTRACT
Headache is a prevalent problem throughout the world, and its consequences are
important to both individual and society levels. Migraine occurs more commonly among
economically active patients (25-55 years old) having thus an additional importance.
Among the various causes of migraine lies the influence of climate. In this case report
not also this factor was identified as the precipitating one, but was considered as related
to work. The case is of great importance to underline the possibility of considering the
occupational nexus for some diseases which are not officially recognized as related to
work. We discuss the importance of occupational anamnesis and the diary of activities;
the problems one has to face to establish the relation with work and the importance and
difficulties of Brazil’s Social Security System in providing professional rehabilitation.
Key words: Headache. Migraine disorders. Working conditions. Occupational health.
INTRODUÇÃO
O propósito deste artigo é chamar a atenção para o papel de agentes presentes nos ambientes ou condições de trabalho no desencadeamento de enxaquecas, no caso em questão o papel da exposição ao sol nesses quadros. A
cefaléia constitui um sintoma freqüentemente encontrado na prática clínica,
com prevalência variável ao longo da vida, mas superior a 90% em grande parte
dos estudos. A etiologia das cefaléias pode ser dividida em dois grandes sub-
Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador
– CEREST/MG. Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais.
Endereço para Correspondência:
Alameda Álvaro Celso, 175/7º andar – Santa Efigênia –
Belo Horizonte/MG.
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S327-S332
327
Cefaléia termossensível: relato de caso relacionado ao trabalho
grupos: cefaléias primárias, cujas causas são muitas vezes desconhecidas, ou secundárias (afecções cerebrais como o AVC, meningite, tumores,
etc.). Os tipos mais comuns de cefaléia primária
são a tensional, a enxaqueca, a cefaléia em salvas
e as neuralgias do trigêmeo e do glossofaríngeo,
cada qual com características próprias que permitem ao profissional treinado diagnosticar sem
muitas dificuldades. A enxaqueca ou migrânea,
segundo a classificação da International Headache Association1, é uma cefaléia recorrente que
se manifesta por crises que duram entre quatro e
72 horas. Caracteristicamente, é uma dor pulsátil,
geralmente unilateral, de intensidade moderada
a alta e acompanhada de náuseas e/ou vômitos,
fotofobia, fonofobia e osmofobia, podendo ou não
ser precedida por aura e que não foi atribuída a
outras causas. Apesar de menos freqüente que a
cefaléia tensional, a enxaqueca é a maior responsável pela busca por atendimento médico entre as
cefaléias.2 A história familiar é importante e deve
ser investigada. Familiares de enxaquecosos têm
risco quase duas vezes mais alto de apresentar a
mesma desordem.3,4
A etiofisiopatologia das enxaquecas não é totalmente conhecida, mas investigações revelam
que seriam distúrbios bioeletroquímicos cerebrais
de possíveis causas genéticas e que envolveriam a
ativação de nociceptores meníngeos e vasculares
combinada com alterações na modulação central
da dor, alterações serotoninérgicas, desordens plaquetárias e da barreira hematoencefálica, alimentos, alergias e fatores psicológicos.3-6
A enxaqueca é mais prevalente no sexo masculino durante a puberdade, mas a partir da adolescência sua freqüência aumenta rapidamente
no sexo feminino, tornando-se mais elevada nesse grupo. A prevalência parece ser maior na raça
branca, entre populações de menos poder aquisitivo e residente nas Américas.2,4
A importância econômica da enxaqueca pode
ser evidenciada pelo seu pico de prevalência, 25
a 55 anos, faixa em que se encontra a população
economicamente ativa2. Estudos americanos estimam que a enxaqueca é responsável pela perda
anual de cerca de 150 milhões de dias de trabalho
e de 13 bilhões de dólares para as empresas.4,7 De
acordo com Silberstein4, os gastos médicos excedem um bilhão de dólares anuais nos Estados Unidos. No Brasil, Bigal et al.8, em estudo realizado em
328
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S327-S332
1.890 trabalhadores de um Hospital Universitário,
detectaram prevalência de 30,4% de enxaqueca
com importantes impactos sobre a qualidade de
vida e atividades cotidianas dos trabalhadores.
Outro estudo realizado por Vincent et al.9 em 993
empregados de uma empresa do setor petroquímico, ressaltou prevalência de cefaléia, em um período de 30 dias, de 49,9%. Destas, 5,5% preenchiam
critérios da International Headache Association da
época para enxaqueca. Dos trabalhadores atingidos pela cefaléia, 10% relataram dor forte o suficente para comprometer o desempenho ocupacional,
o que os pesquisadores estimaram ter resultado em
538,75 horas não trabalhadas no período, ao custo
de R$ 145,64 por funcionário. Extrapoladas para
um ano, as perdas da empresa em decorrência da
enxaqueca seriam da ordem de R$ 144.682,39.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 30 anos, leucoderma, estudante de Administração e trabalhando
como carteira (entregando correspondência em
domicílios e empresas) há quatro anos e sete meses, jornada externa de 13 às 18 horas, acompanhada no Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador de Minas Gerais desde janeiro
de 2006. Relata que em setembro de 2004, ao final
da jornada de trabalho, apresentou forte cefaléia
em regiões frontal e temporais, tipo pulsátil e com
aura. A dor se iniciou de forma branda por volta das 14 horas e se tornou insuportável por volta
das 16 horas, sendo acompanhada por náusea e
vômitos. Foi levada a um pronto-atendimento por
colegas de trabalho, onde foi medicada e liberada
após período de observação. Apresentou recorrência do quadro na semana seguinte ao final da
jornada de trabalho. Não se recorda de episódios
pregressos de cefaléia, exceto por uma crise de
intensidade moderada e autolimitada ocorrida na
única ocasião em que foi à praia, em 2000. História familiar positiva para enxaqueca (irmã). Avaliada por neurologista, este, após análise de diário
de atividades, diagnosticou cefaléia termossensível, solicitando à empresa a mudança de função,
sem sucesso. Com a permanência no posto de
trabalho, as crises se tornaram mais freqüentes,
apesar da instituição de tratamento medicamentoso, atingindo a média de 20 por mês, poupando
Cefaléia termossensível: relato de caso relacionado ao trabalho
finais de semana. Em agosto de 2005, foram-lhe
fornecidos equipamentos de proteção individual
(EPI): sombrinha, óculos escuros, boné e protetor
solar, com melhora parcial das crises. Foi afastada
do trabalho em outubro de 2005, tendo a última
crise ocorrido em dezembro daquele mesmo ano.
Em janeiro de 2006, recebeu alta previdenciária
e, com o retorno às atividades laborativas, apresentou recidiva da cefaléia. Desenvolveu hipotimia relacionada ao receio do agravamento do
seu quadro clínico. Com a piora progressiva, foi
novamente afastada em fevereiro de 2006 e encaminhada à reabilitação profissional. A Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) foi emitida em
06/07/2006 pelo sindicato de sua categoria. Desde
o novo afastamento apresentou apenas uma crise,
na ocasião em que se expôs ao sol em um clube.
Ainda não teve o reconhecimento da previdência
social da relação de sua doença com o trabalho,
mas está sendo reabilitada pelo empregador para
assumir a função de atendente comercial, apresentando melhora da hipotimia.
DISCUSSÃO
Entre os fatores precipitantes das crises de enxaqueca, destaca-se a influência do clima, como
no caso apresentado. Estudos demonstram grande
variação (de 30 a 78%) no número de pacientes que
relacionam o clima ao desencadeamento de crises
de cefaléia.10 Vijayan et al.11, em 1980, e Leursalikmschy12, em 2002, enfatizam que 30 e 47% dos enxaquecosos, respectivamente, têm crises precipitadas
por exposição ao sol e alterações no clima.
Prince et al.7, em estudo prospectivo com dois
anos de duração, compararam a incidência de
enxaqueca com alterações meteorológicas e concluíram que a temperatura e a umidade estão estatisticamente associadas a essa desordem. Grande
parte dos participantes destacou o clima como fator desencadeante das crises, entretanto, essa percepção não demonstrou relação significativa com
as medidas das temperaturas.
Salvesen e Bekkelund10 estudaram por dois anos
a influência sobre a população do Norte da Noruega dos longos invernos e verões polares, quando
noite e dia têm duração de seis meses, concluindo
ser a enxaqueca significativamente mais incidente
e intensa durante o verão.
Chabriat et al.13 estudaram os fatores desencadeantes de cefaléia em pacientes com e sem enxaqueca, encontrando como mais freqüentes em
ambos os grupos a fadiga, distúrbios de sono, estresse, alimentos e menstruação. O clima (calor/
frio) e a exposição solar foram citados por mais de
10% dos participantes em ambos os grupos. Entre
os portadores de enxaqueca, o clima figurou entre
os cinco principais fatores desencadeantes de crises, estando também associado a crises de mais
intensidade.
A identificação dos fatores desencadeantes de
enxaqueca é de grande importância para o paciente, uma vez que permite melhorar sua qualidade de
vida, sem a imposição de restrições desnecessárias, e possibilita o uso profilático de analgésicos
no caso de eventual exposição ao fator identificado.7 O diário de atividades nos casos de enxaqueca é uma ferramenta útil para a determinação dos
fatores precipitantes.
Quando da orientação do paciente em relação
à elaboração desse diário, deve o médico-assistente destacar a importância da observação e relato
de exposições a agentes presentes no trabalho. As
informações contidas no diário devem ser complementadas e detalhadas na anamnese ocupacional,
o que permitirá acurado diagnóstico e a suspeição
da relação com o trabalho.
A confirmação do nexo entre as crises de enxaqueca e o trabalho é possível quando: o diário
e a anamnese ocupacional mostram o surgimento
dos sintomas seguindo-se ao período de exposição a agentes presentes no ambiente de trabalho,
quando da ausência de sintomas nos períodos de
afastamento dessa exposição ou quando de exposições protegidas.
A relação entre o desencadeamento da cefaléia
e condições e ambientes de trabalho ainda é pouco estudada. A maior parte das investigações em
coletivos de trabalhadores, incluindo as poucas
realizadas no Brasil8,9, tendem a destacar os prejuízos decorrentes das faltas ao trabalho, da queda de produtividade e de qualidade de vida nos
indivíduos vitimizados, dando pouco destaque ao
estudo de fatores ocupacionais envolvidos na precipitação dessas crises.
Tal fato é curioso, pois parte dos agentes identificados pela literatura como desencadeantes de crises pode ser facilmente encontrada em ambientes
de trabalho, locais onde a exposição aos mesmos
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S327-S332
329
Cefaléia termossensível: relato de caso relacionado ao trabalho
tende a ser mais sistemática, prolongada e extensa
do que em outros ambientes e situações. Entre os fatores desencadeantes mais citados e freqüentemente encontrados nos ambientes de trabalho, estão:
o estresse, a privação do sono, o ruído, os odores
fortes e o calor.12 A despeito disto e da grande prevalência de enxaquecas, relatos de casos e estudos
epidemiológicos que explorem a relação enxaqueca–trabalho são praticamente inexistentes.
Mesmo estudos que tratam da cefaléia provocada pelo calor, frio ou mudanças súbitas de temperatura discutem os quadros clínicos sempre com
referência a mudanças climáticas no ambiente
como um todo, mas não em relação à exposição a
variações de temperaturas ou temperaturas extremas nos ambientes de trabalho.
Parte do problema reside no diagnóstico incorreto das cefaléias. Estudo realizado no Brasil
evidencia as dificuldades dos médicos não neurologistas em caracterizar corretamente esse quadro
clínico.14 O fato do médico na atenção primária ser
aquele que mais freqüentemente recebe casos de
cefaléia15, associado à pouca ênfase dada nos cursos médicos que formaram esses profissionais à
investigação sistemática da relação saúde-doença,
faz com que pacientes portadores de enxaquecas precipitadas ou agravadas pelo trabalho não
tenham seu diagnóstico realizado corretamente.
Essa situação gera conseqüências danosas no
que diz respeito ao tratamento, pois pode implicar
a manutenção da exposição aos fatores de risco
precipitantes das crises. A situação dificulta, ainda, o acesso do paciente a direitos previdenciários,
como benefícios de afastamento do trabalho para
tratamento, e à reabilitação profissional que permita o aprendizado para o exercício de outras atividades laborais em condições e ambientes que não
comprometam seu estado de saúde.
É ainda importante lembrar que nenhuma forma de cefaléia aparece na lista de doenças relacionadas ao trabalho publicada pelo Ministério da
Saúde16 e adotada pelo Ministério da Previdência
Social. Entretanto, essa ausência não constitui
impedimento absoluto ao reconhecimento de enxaquecas precipitadas por agentes presentes nos
ambientes de trabalho como doença relacionada
ao trabalho, uma vez que existem indícios epidemiológicos ou clínico-ocupacionais sólidos da relação das mesmas com o trabalho.
330
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S327-S332
No caso apresentado, apesar da evidente relação entre o agente identificado como desencadeador das crises – o sol – e a atividade desenvolvida
– carteira, de ter sido emitida a CAT e de ter sido
reconhecida pela perícia médica da Previdência
Social a incapacidade da paciente para o trabalho,
o benefício que a trabalhadora recebia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) durante o
afastamento de suas atividades laborativas foi qualificado como um auxílio-doença previdenciário
comum (B-31), destinado a doenças sem relação
com o trabalho, o que atesta as dificuldades do órgão segurador em lidar com casos desta natureza.
Cabe ainda ressaltar as atuais dificuldades
do INSS em prover a reabilitação profissional aos
pacientes vítimas de doenças passíveis de agravamento no exercício de sua atual ocupação. No
caso relatado, a paciente permaneceu aproximadamente um ano e seis meses afastada do trabalho
em gozo de benefício previdenciário, aguardando
inserção em programa do INSS de reabilitação profissional, apesar de ser portadora de uma doença
compatível com diversas outras atividades profissionais e outros postos de trabalho existentes na
própria empresa empregadora. Esta situação não
é incomum na prática diária e custa milhões aos
cofres públicos. Foi apenas a partir da iniciativa
da empresa empregadora que a reabilitação pôde
ocorrer, representando para a paciente uma importante melhora do ponto de vista psicossocial.
Para fins práticos e de alerta aos médicos,
principalmente os envolvidos na atenção básica,
ressalta-se a necessidade do diagnóstico criterioso das cefaléias, do qual deve constar pesquisa de
fatores presentes nas condições de trabalho que
possam precipitar ou agravar as crises, permitindo
o afastamento dos fatores de risco, mais sucesso
no tratamento medicamentosos e acesso a direitos
de natureza trabalhista e previdenciária.
REFERÊNCIAS
1. Headache Classification Subcommittee of International Headache Society. The Internacional Classification of Headache Disorders. Cephalalgia. 2004; 24(1,
Suppl.1): 1-150
2. Lipton R, Bigal M. The epidemiology of migrane. Am J
Med. 2005; 118(suppl. 1): 3S-10S.
Cefaléia termossensível: relato de caso relacionado ao trabalho
3. Vincent M. Fisiopatologia da enxaqueca. Arq Neuropsiquiatr. 1998; 56(4): 841-51.
4. Silberstein S. Migraine. Lancet. 2004 Jan 31; 363:
381-91.
5. Krymchantowski AV, Moreira Filho PF. Atualização no
tratamento profilático da enxaquecas. Arq Neuropsiquiatr. 1999; 57(2-B):513-9.
6. Vincent MB. Fisiopatologia das enxaquecas. Arq Neuropsiquiatr. 1998; 56(4):841-851
7. Prince P, Rapoport A, Sheftell F, Tepper S, Bigal M. The
effect of weather on headache. Headache. 2004; 44:
596-602.
8. Bigal ME, Fernandes LC, Moraes FA, Bordini CA, Speciali JG. Prevalência e impacto da migrânea em funcionários do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto – USP.Arq Neuropsiquiatr.
2000; 58(2-B):431-6.
9. Vincent M, Rodrigues AJ, Oliveira GV, Souza KF, Doi LM,
Rocha MBL. Prevalência e custos indiretos das cefaléias em empresa brasileira Arq Neuropsiquiatr. 1998;
56(4):734-43
10. Salvesen R, Bekkelund S. Migraine, as compared to other
headaches, is worse during midnight-sun summer than
during polar night. A questionnaire study in an artic population. Headache. 2000 Nov./Dez.); 40: 824-9.
11. Vijayan N, Gould S, Watson C. Exposure to sun and
precipitation of migraine, headache: J Head Face
Pain. 1980; 20(1): 42-3.
12. Leursalikmschy R, Moreira Filho PF. Fatores desencadeantes de crises de migrânea em pacientes sem
aura, Arq Neuropsiquiatr. 2002: 60(3-A):609-13.
13. Chabriat H, Danchot J, Michel P, Joire J, Henry P. Precipitating factors of headache. A prospective study in a
national control-matched survey in migraineurs and
nonmigraineurs. Headache. 1999; 39: 335-8.
14. Galdino G S,Albuquerque TLP,Medeiros JLA. Cefaléias
primárias abordagem diagnóstica por médico não
neurologistas. Arq Neuropsquiatr. 2007; (3-A):681-4
15. Loder EW, Lipton RB.Conclusion: how primary care
physicians can help their patients with migraine Am J
Med. 2005; 118 (Suppl.1): 45S–46S
16. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria número 1339 de 18 de novembro de 1999. Brasilia: Ministério da Saúde; 1999.
17. Fernandes LC, Silva Júnior HM, Gorayeb R, Speciali JG,
Bordini CA. Qualidade de vida e aplicações em migrânea: impacto social, educação e conquistas profissionais. Migrâneas & Cefaléias. 2005; 5(2):65-7.
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S327-S332
331
Normas de Publicação
1. Revista Médica de Minas Gerais (RMMG) destina se à publicação de artigos originais, revisões, atualizações, resumo de teses,
relatos de casos ou notas técnicas inéditas de qualquer especialidade médica.
2. A revista tem periodicidade trimestral (março, junho, setembro e
dezembro) com a seguinte estrutura: Editorial, Artigos Originais, Educação
Continuada (atualização/revisão), Atualização Terapêutica, Relato de
Caso, Educação Médica, História da Medicina, Cartas aos Editores,
Comunicados das Instituições Mantenedoras, Normas de Publicação.
2.1. Para efeito de categorização dos artigos, considera-se:
a) Artigo Original: trabalhos que desenvolvam crítica e criação sobre
a ciência, tecnologia e arte da medicina, biologia e matérias afins
que contribuam para a evolução do conhecimento humano sobre o
homem e a natureza.
b) Educação Continuada: trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre medicina, biologia e matérias
afins, buscando esclarecer, organizar, normatizar, simplificar abordagem dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre
o homem e a natureza.
c) Atualização Terapêutica: trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre a terapêutica em medicina,
biologia e matérias afins, buscando esclarecer, organizar, normatizar,
simplificar a abordagem sobre os vários processos utilizados na
recuperação do ser humano de situações que alteram suas relações
saúde doença.
d) Relato de Caso: trabalhos que apresentam a experiência médica,
biológica ou de matérias afins em função da discussão do raciocínio,
lógica, ética, abordagem, tática, estratégia, modo, alerta de problemas usuais ou não, que ressaltam sua importância na atuação prática
e mostrem caminhos, conduta e comportamento para sua solução.
e) Educação Médica: trabalhos que apresentam avaliação, análise,
estudo, relato, inferência sobre a experiência didático-pedagógica e
filosófica, sobre os processos de educação em medicina, biologia e
matérias afins.
f) História da Medicina: trabalhos que revelam o estudo crítico,
filosófico, jornalístico, descritivo, comparativo ou não sobre o desenvolvimento, ao longo do tempo, dos fatos que contribuíram para a
história humana relacionada à medicina, biologia e matérias afins.
g) Cartas aos Editores: correspondências de leitores comentando,
discutindo ou criticando artigos publicados na revista. Recomenda-se
o tamanho máximo de 1000 palavras, incluindo referências bibliográficas. Sempre que possível, uma resposta dos autores ou editores
será publicada junto com a carta.
3. Os trabalhos para publicação devem ter até 16 páginas de texto,
incluindo ilustrações e referências, exceto os artigos da seção “Relato
de Caso” que devem ter até 8 páginas. A RMMG reserva-se o direito
de recusar artigos acima desses limites.
4. Os trabalhos recebidos serão analisados pelo Corpo Científico
da RMMG ( Editor Geral, Editores Associados, Conselho Editorial e
Consultores Ad Hoc). Um trabalho submetido é primeiramente protocolado e analisado quanto a sua apresentação e normas, estando estas
em conformidade, o trabalho é repassado aos Editores Associados que
indicarão dois revisores da especialidade correspondente. Os revisores são sempre de instituições diferentes da instituição de origem do
artigo e são cegos quanto à identidade dos autores e local de origem
do trabalho. Após receber ambos os pareceres, os Editores Associados
os avalia e decide pela aceitação do artigo, pela recusa ou pela devolução aos autores com as sugestões de modificações. Um manuscrito
pode retornar várias vezes aos autores para esclarecimentos mas cada
versão é sempre analisada pelo Editores Associados e/ou Editor Geral,
que detém o poder da decisão final, podendo a qualquer momento ter
sua aceitação ou recusa determinada.
5. Os trabalhos devem ser digitados utilizando a seguinte configuração: margens: esquerda e superior de 3 cm e direita e inferior de 2 cm;
tamanho de papel formato A4 (21 cm x 29,7 cm); espaço entrelinhas
de 1,5 cm, fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12. A primeira página deve conter: título do trabalho, título em inglês, nome(s)
completo(s) do(s) autor(es), sua(s) titulação(ões) e afiliação(ões), indicação da instituição onde o trabalho foi desenvolvido, indicação do
autor correspondente com endereço completo, fax, e-mail, telefone
e a indicação da categoria do artigo, conforme item 2.1. A segunda
página deve conter o título do trabalho em português e inglês, o resumo, as palavras-chave, o summary e as key words. A partir da terceira
página apresenta-se o conteúdo do trabalho.
6. Para os trabalhos resultados de pesquisas envolvendo seres humanos, deverá ser encaminhado uma cópia do parecer de aprovação
emitido pelo Comitê de Ética reconhecido pela Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa (CONEP), segundo as normas da Resolução do
Conselho Nacional de Saúde – CNS/196/96, e para os manuscritos
que envolveram apoio financeiro, este deve estar explicito claramente no texto e declarados na carta de submissão a ausência de qualquer interesse pessoal, comercial, acadêmico, político ou financeiro
na publicação do mesmo.
7. Os trabalhos devem ser enviados para o endereço eletrônico
(e-mail: [email protected]), anexando o original
e suas respectivas ilustrações, anexos e apêndices; Parecer do
Comitê de Ética, quando houver; e a correspondência de submissão
do manuscrito, dirigida ao Editor Geral, indicando a sua originalidade, a não submissão a outras revistas, as responsabilidades
de autoria, a transferência dos direitos autorais para a revista em
caso de aceitação e declaração de que não foi omitido qualquer
ligação ou acordo de financiamento entre o(s) autor(es) e companhias que possam ter interesse na publicação do artigo.
8. Para efeito de normalização, serão adotados os “Requerimentos do
Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas” (International
Committee of Medical Journal Editors – ICMJE) (Estilo Vancouver)
disponível em:<http://www.icmje.org/>.
9. Todo trabalho deverá ter a seguinte estrutura e ordem:
a) Primeira página: título; título em inglês; nome(s) completo do(s)
autor(es), acompanhado(s) de seu(s) respectivos(s) título(s) e
afiliação(coes); citação da instituição onde o trabalho foi realizado;
endereço para correspondência; indicação da categoria do artigo.
b) Segunda página: Título; título em inglês; resumo (em formato semiestruturado para os artigos originais)* do trabalho em português, sem
exceder o limite de 250 palavras; Palavras-chave (três a dez), de acordo com o DECS Descritores em Ciências da Saúde da BIREME (http://
decs.bvs.br/); Summary (resumo em língua inglesa), consistindo na
correta versão do resumo para aquela língua; Key words (palavraschave em língua inglesa) de acordo com a lista Medical Subject
Headings (MeSH) do PUBMED) da National Library of Medicine
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?db=mesh);
c) Terceira página: TEXTO: Introdução, Material ou Casuística
e Método ou Descrição do Caso, Resultados, Discussão e/ou
Comentários (quando couber) e Conclusões;
d) Agradecimentos (opcional);
e) Referências como especificado no item 11 dessas normas;
*Nota: O resumo no formato semi-estruturado deverá ser adotado
para os artigos da categoria “artigos originais”, compreendendo,
obrigatoriamente, as seguintes partes, cada uma das quais devidamente indicada pelo subtítulo respectivo: Objetivos; Métodos;
Resultados; Conclusões.
10. As ilustrações devem ser colocadas imediatamente após a
referência a elas. Dentro de cada categoria deverão ser numeradas
seqüencialmente durante o texto. Exemplo: (Tabela 1, Figura 1).
Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída.
Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências
às ilustrações no texto deverão ser mencionadas entre parênteses,
indicando a categoria e o número da tabela ou figura. Ex: (Tab. 1,
Fig.1). As fotografias deverão ser enviadas em aquivos anexos, e não
devem ser incorporadas no editor de texto; podem ser em cores e
deverão estar no formato JPG, em alta resolução (300 dpi) e medir, no
mínimo, 10cm de largura (para uma coluna) e 20cm de largura (para
duas colunas). Devem ser nomeadas, possuir legendas e indicação de
sua localização no texto.
11. As referências são numeradas consecutivamente, na ordem em
que são mencionadas pela primeira vez no texto. Devem ser apresentadas de acordo com as normas do Comitê Internacional de Editores
De Revistas Médicas, disponível em:< http://www.nlm.nih.gov/bsd/
uniform_requirements.html> Os títulos das revistas são abreviados
de acordo com o “Journals Database” do PUBMED, disponível em:
<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?db=journals>. As referências no texto devem ser citadas mediante número arábico sobrescrito,
após a pontuação, quando for o caso, correspondendo às referências
no final do artigo. Nas referências, citar como abaixo:
11.1.ARTIGOS DE PERIÓDICOS
a) Artigo padrão de revista científica
Incluir o nome de todos os autores (último sobrenome, em caixa
baixa, seguido da primeira letra dos demais nomes e sobrenomes,
quando são até seis. Mais de seis autores indicar os seis primeiros
seguidos de et al.
You CH, Lee HY, Chey RY, Menguy R. Electrogastrografic
study of patients with unexplained nausea, bloating and vomiting.
Gastroenterology. 1980; 79:3114.
Viana MB, Giugliani R, Leite VH, Barth ML, Lekhwani C, Slade
CM, et al. Very low levels of high density lipoprotein cholesterol in
four sibs of a family with non-neuropathic Niemann-Pick disease and
sea-blue histiocytosis. J Med Genet. 1990 Aug; 27(8):499-504.
b) Autor corporativo:
The Royal Marsden Hospital BoneMarrow Transplantation Team.
Failure os syngeneic bonemarrow graft in post hepatitis marrow aplasia. Lancet. 1977; 2:2424.
c) Sem autoria (entrar pelo título):
Coffee drinking and cancer of the pancreas (Editorial). BMJ.
1981; 283:6289.
d) Suplemento de revista:
Mastri AR. Neuropathy of diabetic neurogenic bladder. Ann
Intern Méd. 1980; 92 (2 pt 2): 3168.
Frumin AM, Nussabaum J, Esposito M. Functional asplenia:
demonstration of esplenic activity by bone marrow sean (resumem).
Blood. 1979; 54 (supl 1): 26.
11.2. LIVROS E OUTRAS MONOGRAFIAS
a) Autor(es) pessoa física:
Eisen HN. Immunology: an introduction to molecular and cellular
principles of the immune response. 5th ed. New York: Harper and
How; 1974.
b) Editor, compilador, coordenador como autor:
Dausset J, Colombanij D, editors. Histocompatibility testing
1972. Copenhague: Munksgaard; 1973.128p.
c) Autor(es) institucional:
Royal Adelaide Hospital; University of Adelaide, Department of
Clinical Nursing. Compendium of nursing research and practice development, 1999-2000. Adelaide (Australia): Adelaide University; 2001.
11.2.1. Capítulo de livro:
Weinstein L, Swartz MN. Pathogenic properties of invading microorganisms. In: Sodeman WA Jr, Sodeman WA, editors.
Pathologic physiology: mechanisms of diseases. Philadelphia: WB
Saunders; 1974. p.457-72.
11.2.2. Trabalhos apresentados em congressos, seminários, reuniões etc.:
Blank D, Grassi PR, Schlindwein RS, Mello JL, Eckert GE. The
growing threat of injury and violence against youths in southern
Brazil. Abstracts of the Second World Conference on Injury Control;
1993 May 2023; Atlanda, USA. Atlanda: CDC; 1993. p.1378.
11.3 DISSERTAÇÕES E TESES
Caims RB. Infrared spectroscopic studies of solid oxigens [Tesis].
Berkeley (Ca): University of California; 1965.
Borkowski MM. Infant sleep and feeding: a telephone survey
of Hispanic Americans [dissertation]. Mount Pleasant (MI): Central
Michigan University; 2002.
11.4. ARTIGO DE JORNAL (não científico)
Shaffer RA. Advances in chemistry are starting to unlock musteiries of the brain: discoveries could help cure alcoholism and insomnia,
explain mental illnes. How the messengers work. Wall Street Journal,
1977; ago. 12:1 (col. 1). 10 (cl. 1).
11.5. ARTIGO DE REVISTA (não científica)
Roueche B. Annals of Medicine: the Santa Claus culture. The
New Yorker, 1971; sep. 4: 6681.
12. Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado
antes das referências bibliográficas, após as key words.
13. As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser
expressas em unidades do sistema métrico decimal (metro, quilo,
litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas em graus
Celsius. Os valores de pressão arterial em milímetros de mercúrio.
Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais. Ao
empregar pela primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida
do termo ou expressão completos, salvo se se tratar de uma unidade
de medida comum.
14. Lista de checagem: recomenda-se que os autores utilizem a lista
de checagem abaixo para certificarem-se de que toda a documentação está sendo enviada. Não é necessário enviar a lista.
• Carta de submissão assinada (assinatura digital) por todos os autores
• O manuscrito em arquivo .doc, contendo:
• Página de rosto com todas as informações solicitadas
• Resumo em português, com palavras chaves
• Texto contendo: introdução, métodos, resultados e discussão
• Resumo em inglês e palavras chave Summary/Keywords
• Referências no estilo Vancover numeradas por ordem de aparecimento das citações no texto
• Citações numeradas por ordem de aparecimento no texto com
algarismos arábicos
• Tabelas numeradas por ordem de aparecimento
• Gráficos numerados por ordem de aparecimento
• Legenda das figuras
15. Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Editorial.
16. O Conselho Editorial e RMMG não se responsabilizam pelas opiniões emitidas nos artigos.
17. Em casos de não aprovação de artigos, os autores serão comunicados por escrito. Os artigos reprovados não serão devolvidos.
18. Os artigos devem ser enviados para:
Revista Médica de Minas Gerais
Av. Alfredo Balena, 190
Prédio da Faculdade de Medicina, sala 12
30130-100 • Belo Horizonte • MG
Fone/Fax: (31) 3409-9796
E-mail: [email protected]
[email protected]
Rev Med Minas Gerais 2007; 17(1/2 Supl 4): S332
Download