KÁTIA GABRIELA ALANO AMBROSIO O VALOR ATEMPORAL DA FORMA VERBAL PRESENTE: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS Criciúma, 2005 1 KÁTIA GABRIELA ALANO AMBROSIO O VALOR ATEMPORAL DA FORMA VERBAL PRESENTE: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS Monografia apresentada como requisito à conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa: Fenômeno Sóciopolítico, à Universidade do Extremo Sul Catarinense - Unesc, para obtenção do Título de Especialista em Língua Portuguesa. Professora Orientadora: Dra. Ana Cláudia de Souza. Criciúma, 2005 2 Dedico ao meu marido, por seu amor, carinho, alegria e compreensão. 3 AGRADECIMENTOS À minha orientadora, Professora Dra. Ana Cláudia de Souza, por todo seu incentivo, pela orientação neste trabalho, auxílio e dedicação sempre demonstrados. Às colegas de curso, pelo companheirismo e constante troca de informações. A todas as pessoas que, de uma forma ou outra, me auxiliaram fornecendo dados e informações para que pudesse concluir este trabalho. Em especial, ao meu marido, Douglas, e à minha família, pelo amor demonstrado, carinho dispensado, incentivo nas horas em que eu queria fraquejar. Agradeço a Deus por estar sempre comigo, ter-me concedido uma vida cheia de alegrias e oportunidades, e peço que continue me dando forças para atingir meus objetivos. 4 RESUMO Este estudo tem por objetivo investigar o emprego da forma verbal presente. Partese da hipótese de que a referência temporal desta forma verbal está mais relacionada ao contexto lingüístico e situacional do que à forma verbal isoladamente. Devido à instabilidade da língua, muitas teorias relacionadas ao verbo e suas categorias estão ultrapassadas, implicando assim na urgente atualização dos dados pesquisados. Observamos, dentre inúmeras mudanças, a discordância entre a teoria tradicionalista e a aplicação na prática referente às noções de verbo e, mais especificamente, com relação à forma verbal presente. Para constatação dessas alterações, fez-se necessário uma equiparação das noções apresentadas por gramáticos e lingüistas, primeiro analisando o verbo isoladamente, depois suas categorias de tempo modo e aspecto, para em seguida verificar a importância do contexto semântico e pragmático na interpretação de um enunciado que contivesse o verbo, finalizando com a análise de manchetes jornalísticas que possibilitariam a comprovação ou não de nossa hipótese. Com os estudos feitos, salientamos o fato de que a indicação temporal dos eventos não depende somente da forma verbal, mas principalmente do contexto semântico-pragmático, e que o verbo sozinho, não garante a localização dos acontecimentos no tempo. Palavras-chave: Pragmática. Forma Verbal; Tempo Presente; Lingüística; Semântica; 5 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 06 2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................... 07 2.1. Noção de tempo ................................................................................................ 09 2.2 . Noção de modo verbal ...................................................................................... 14 2.3. Noção de aspecto verbal ................................................................................... 17 2.4. Noção de tempo e aspecto verbal ..................................................................... 19 2.5. Tempo presente................................................................................................. 21 2.6. O contexto: parte indispensável para a interpretação das formas verbais ..................................................................................................................... 24 3. A FORMA VERBAL “PRESENTE” NAS MANCHETES DO JORNAL DIÁRIO CATARINENSE ....................................................................................................... 29 3.1. A natureza dos dados........................................................................................ 29 3.2. A análise dos dados .......................................................................................... 30 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 37 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 38 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR.......................................................................... 40 6 1. INTRODUÇÃO Há algum tempo, questionamos o uso da forma verbal utilizada nas manchetes do jornal Diário Catarinense, pois nessas são utilizadas, freqüentemente, a forma verbal presente, independentemente de os fatos ali impressos estarem ocorrendo, já terem ocorrido ou ainda estarem por ocorrer. Essa imprecisão suscitou a investigação detalhada do fenômeno com o objetivo de analisar lingüística e extralingüisticamente o emprego da forma verbal chamada presente. A possível incoerência “temporal” existente nessas manchetes, se comparada às gramáticas prescritivas, e a dificuldade de compreensão por parte daqueles que estudam essa forma verbal estimularam-nos a investigar esta temática de pesquisa. A apresentação desta investigação respeitará a seguinte organização: primeiramente, trataremos do verbo; em seguida das noções de tempo, modo e aspecto, observando a relação existente entre tempo e aspecto, para em seguida atentar para a forma verbal presente. Com o objetivo de esclarecer melhor a significação do verbo, analisaremos também alguns aspectos relativos à semântica e à pragmática. Por meio dessa investigação, procuraremos evidenciar que a significação do verbo vai além da sentença. 7 2. REVISÃO DE LITERATURA O estudo do verbo e suas categorias vem sendo cada vez mais difundido no Brasil, pois, além de sua complexidade, questiona-se muito a sua pertinência quanto à indicação de tempo. Dada a impossibilidade de os teóricos entrarem em consenso a respeito desse vocábulo, são necessários estudos para a observação da recorrência e significação do mesmo nas sentenças. Para este estudo, nos apoiaremos em autores que escreveram a respeito do verbo e suas categorias de tempo, modo e aspecto, buscando a conceitualização dessas categorias. Primeiramente, trataremos do verbo; em seguida das noções de tempo, modo e aspecto, observando a relação existente entre tempo e aspecto, para depois atentar para a forma verbal presente, que é objeto principal desse estudo. Com o objetivo de esclarecer melhor a significação do verbo, analisaremos também alguns aspectos relativos à semântica e à pragmática. Por meio dessa investigação, buscaremos evidenciar que a significação do verbo vai além da sentença. Pontuaremos comparativamente os conceitos que sustentam e esclarecem tais categorias, apoiando-nos especialmente em Pontes (1973), Mira Mateus (1989), Costa (1990), Mattos (1995), Fiorin (1996), Cegalla (1997), Ilari (1997), Bechara (2000), Câmara Jr. (1999), Back (2000), Flores e Silva (2000) e Perini (2001), que são especialistas no assunto. Começamos por apresentar as noções de verbo de dois autores: Para Cegalla (1997, p.182), verbo é uma palavra que exprime ação, estado, fato ou fenômeno. É palavra indispensável na organização do período e é o 8 mais rico em flexões dentre as classes de palavras. Observemos a sentença “O trabalho é difícil”. Nesse caso o substantivo “trabalho” não deveria ser classificado como verbo? Não, mas o fato é que ele também indica uma ação e isso evidencia falha na classificação de Cegalla. Câmara Jr. (1999, p.85-86; 97) escreve que o estudo semântico referente ao verbo é sumamente complexo. É talvez onde melhor se evidencia a incapacidade dos métodos da gramática tradicional para fazer justiça a uma interpretação adequada do sistema gramatical português. Ele afirma que nos verbos figuram duas noções muito diferentes, que se completam para flexionar o vocábulo verbal. Uma designa o tempo ou ocasião da ocorrência à que o verbo se refere, do ponto de vista do momento da comunicação. A outra, que se lhe segue, indica, dentro do vocábulo verbal, a pessoa gramatical do sujeito. Como se explicaria a sentença “Amanhã chove”, sendo que “chove” não indica nem tempo futuro, nem pessoa gramatical? Geralmente, quando se analisa uma sentença, o tempo — passado, presente ou futuro — será inferido do texto como, nesse exemplo, com advérbios de tempo; e a pessoa gramatical não é imprescindível para a escrita da mesma. Desse modo, constata-se que a não indicação de tempo ou pessoa gramatical, dependendo do contexto, não influenciará na flexão do verbo e no entendimento da sentença. As noções de verbo mencionadas são superficiais. Uma o apresenta como ele foi estudado tradicionalmente; já a última noção resume o seu significado à indicação de tempo e pessoa gramatical. Como vimos, as noções não são necessariamente pertinentes. Parece-nos que a interpretação do verbo na sentença é muito mais complexa. Partindo desses pressupostos, fica clara a discrepância das opiniões entre os autores, o que figurará ao longo de todo o trabalho. 9 Para melhor estudar o verbo, vamos analisar suas categorias de tempo, modo e aspecto. 2.1 Noção de tempo Iniciaremos apresentando e discutindo a noção de tempo1 a partir das idéias de alguns dos autores citados na introdução deste capítulo: Cegalla (1997, p.182) argumenta que os tempos situam o fato ou a ação verbal dentro de determinado momento (durante, antes ou depois do ato de comunicação). São três os tempos verbais: o presente, o pretérito e o futuro. É uma forma de identificarmos em que momento incidiram os eventos. Em Bechara (2000, p.209), o tempo assinala a relação temporal do acontecimento comunicado com o momento do ato de fala; o presente encerra este momento, o passado é anterior, e o futuro ocorrerá depois deste momento. Bechara compreende o tempo assim como Cegalla. Na sentença “Agora eu leio”, por exemplo, Cegalla e Bechara afirmariam que o verbo “leio” é o indicativo de tempo presente. Mas em que tempo situaríamos a mesma oração, se nela não estivesse inserido o advérbio “agora”? Para Mattoso Câmara (1959 apud PONTES, 1973, p.75), a categoria de tempo marca, como o seu nome mesmo indica, o Tempo ou época da ocorrência do processo verbal em relação ao momento em que se fala, ou seja, o tempo verbal indica o tempo cronológico. Será que é o verbo que nos dá essa idéia? Não. O verbo em si não parece ser suficiente para a indicação temporal, conforme exemplo tal. Costa (1990, p.17; 19) afirma que o tempo é uma categoria que marca na língua a posição que os fatos referidos ocupam no Tempo, tomando como ponto de 1 Utilizamos, nesta monografia, a palavra “Tempo” (com maiúscula) para referirmo-nos ao conceito Tempo que temos em nossa consciência e “tempo” (com minúscula) para a expressão gramatical. 10 partida o ponto-dêitico da enunciação, através de lexemas, de morfemas, de perífrases. E ainda escreve que as noções semânticas do âmbito do tempo dizem respeito à localização do fato enunciado relativamente ao momento da enunciação. O momento da fala é então mister ao estudo do enunciado. E esse precisa ser estudado dentro de um contexto. Conforme Perini (2001, p.254), o tempo semântico estabelece uma relação com o tempo cronológico tal como entendido extralingüisticamente2. Desse ponto de vista, trata-se de uma categoria dêitica, ou seja, a referência do tempo de uma frase depende do contexto em que a frase é enunciada e não do momento da fala como outros autores defendem. Perini também distingue três tempos semânticos básicos no português: o presente, o passado e o futuro, e afirma que os três possuem representação formal, embora dificilmente exclusiva. Aqui ressaltamos que Costa e Perini divergem na opinião quanto à categoria do tempo. O primeiro enfatiza o momento da fala sem desconsiderar o contexto, enquanto, para o segundo, o contexto definirá a referência do tempo de uma frase. Ilari (1997, p.11) define que a palavra tempo cria uma confusão indesejável entre dois planos de descrição que convém manter distintos: o da linguagem, onde se trata de morfemas, palavras e construções gramaticais, e o do mundo onde se registram os fatos com determinadas relações cronológicas. Isso porque se os falantes não têm relação com determinado contexto ou o desconhecem, poderão entender de maneira distinta a mesma informação. Ou seja, Ilari reafirma a importância do contexto para a compreensão dos fatos. 2 Extralingüisticamente: dependendo do contexto, referir-se-á ao tempo real ou ao tempo convencionado em uma narração. 11 Conforme Fiorin (1996, p.128, 146), o filósofo Santo Agostinho estudava o tempo como um fenômeno que não tem um suporte cosmológico, mas que se dá no espírito humano. Fiorin ainda escreve que são três os momentos relevantes na constituição do sistema temporal: momento da enunciação (ME), momento de referência (MR) e momento do acontecimento (MA). Lendo Ilari (1997, p.13), vemos que a teoria de Fiorin se assemelha à do filósofo e lógico Reichenbach, que no final da década de 40 publicou um livro no qual fez resenha meticulosa das propriedades lógicas das línguas naturais e, ao tratar do verbo, apontou como característica fundamental dos morfemas de tempo (tenses) do inglês a capacidade de relacionar cronologicamente três tempos ou momentos que seriam estruturalmente relevantes para a sua compreensão: momento de fala (MF), momento do evento (ME) e momento de referência (MR). Essa idéia se parece muito à do português, pois se aproxima das intuições dos falantes. A proposta de Reichenbach foi redescoberta pelos lingüistas durante a década de 70 e vem exercendo desde então grande influência, já que a mesma responde a duas exigências de forte apelo intuitivo: uma, porque instrui a localização no tempo da ação expressa pelo verbo, e a outra, pois confirma a relevância da dêixis para a interpretação das formas verbais flexionadas, uma vez que considera metodicamente o “momento de fala”. Mira Mateus (1989, p.76) defende que, no português, os tempos naturais são o presente, o passado e o futuro, que exprimem uma ordenação do intervalo de tempo que contém o estado de coisas descrito, relativamente ao intervalo de tempo em que ocorre a enunciação definida, respectivamente, pela relação de simultaneidade, anterioridade e posterioridade. Em enunciados descrevendo mais de um estado de coisas, a ordenação temporal é mais complexa, visto que os 12 estados de coisas descritos são ordenados relativamente ao momento de enunciação, mas, para além disso, são ordenados uns relativamente aos outros. Conforme Mira Mateus, podemos nos situar cronologicamente em relação aos fatos por meio dos tempos naturais. Consideremos o seguinte exemplo da autora para melhor compreendermos sua idéia referente a tempo: (1) (a) P: O que estás a fazer? R: Como um gelado. O tempo lingüístico da asserção contida em (1a), o presente, exprime a simultaneidade do intervalo de tempo em que ocorre o estado de coisas descrito. O presente é expresso, em geral, pelo presente do indicativo simples e, em certos casos, pelo futuro do indicativo. O exemplo utilizado pela autora é de português de Portugal. No Brasil, normalmente, o presente não é indicado pelo presente do indicativo. Nós diríamos: “O que estás fazendo? Comendo (Tomando) um sorvete”. De acordo com Mattos (1995, p.68), o tempo é a circunstância em que o diálogo marca o momento do fato. Em outras palavras, o contexto denotará o momento do fato para o falante, e a escolha da forma do verbo dependerá do momento da fala. Colocando num gráfico essa perspectiva, a linha do tempo, que é dependente do diálogo, tem apenas um corte que marca o presente da fala P (presente): ______________________________________________________ Passado P Futuro 13 O presente deixa de ser o momento do diálogo e se torna o momento simultâneo ao desenvolvimento do fato; o passado deixa de ser o momento anterior ao diálogo e se torna o momento posterior ao fato; e o futuro deixa de ser o momento posterior ao diálogo e se torna o momento anterior ao fato. No exemplo “Fazemos a prova amanhã, mas aviso desde hoje: colou, dei zero!”, notamos que o tempo é futuro, pois a cola e a nota ainda estão por chegar, mas são anteriores ao fato de fazer a prova. Para Back e Mattos (apud SOUZA, 2001), as formas verbais do português não exprimem tempo, porque os verbos não apresentam morfema temporal. Para exemplificar, vejamos a análise de Back (apud SOUZA, 2001)3: compr á sse mos compr = raio de menção (Trata-se de raiz substantiva de compra, vocábulo do qual o verbo é derivado =á= raiz verbal - sse sufixo de aspecto e modo - mos sufixo de pessoa e número compr a mos compr = raio de menção 3 4 =a= raiz verbal - 04 sufixo de aspecto e modo - mos sufixo de pessoa e número Exemplo retirado de Souza (2001). 0 significa morfema zero, ausência significativa de morfema. 14 Assim, os sufixos verbais são cumulativos, já que um indica aspecto e modo, e o outro, pessoa e número, o que quer dizer que podemos considerar essas categorias verbais como codependentes5. Para a Teoria Construtural, a ausência do morfema de aspecto e modo é significativa, sendo considerada morfema zero. O tempo — passado, presente e futuro — pode ser inferido muitas vezes do texto, com advérbios de tempo. O fato de a marcação morfológica não aparecer revela que se trata de “presente do indicativo”, conforme a terminologia comumente empregada nas gramáticas normativas, ou de imperfeito, próximo do indicativo, de acordo com a Teoria Construtural. O tempo vem determinar o momento em que ocorrem os fatos, sejam eles simultâneos, anteriores ou posteriores. Daí a impossibilidade de estudá-lo isoladamente; logo, percebe-se que ele está intrinsecamente ligado ao contexto da enunciação. 2.2 Noção de modo verbal Nas gramáticas normativas, como as de Cunha (1980) e Said Ali (1964), o modo verbal é entendido como a atitude que o falante assume em relação ao processo verbal (de certeza, dúvida ou ordem); contudo, essa não é a única acepção a respeito dele. Vejamos a seguir as definições de diferentes estudiosos a respeito do modo verbal. Cegalla (1997, p.182) afirma que os modos indicam as diferentes maneiras de um fato se realizar e sugere que a forma de realização do fato é que definirá o modo. Perini (2001, p.257) argumenta que o modo se definiria 5 Codependência é a relação na qual cada elemento revela o outro (mãe//filho). 15 semanticamente como caracterizando a “atitude do falante frente àquilo que está dizendo”. Assim, para estes autores, teríamos basicamente três modos, a saber, o indicativo que exprimiria uma atitude de certeza do falante quanto ao que declara; o imperativo, que veicularia ordens ou pedido; e o subjuntivo, que transmitiria uma atitude de incerteza, dúvida ou desejo frente ao conteúdo enunciado. Assim como Cegalla e Perini, Bechara (2000, p.221-222) classifica os verbos conforme a posição do falante em face da relação entre a ação verbal e seu agente. Mas quanto à divisão, além dos modos indicativo, subjuntivo (conjuntivo) e imperativo, ele acrescenta os modos condicional (em referência a fatos dependentes de certa condição) e optativo (em relação à ação como desejada pelo agente), que não são nada mais que subdivisões do modo subjuntivo para os outros dois autores. Segundo Mira Mateus (1989, p.106), a atitude do locutor em relação ao estado de coisas expresso pelo enunciado, pode ser explicitada em português pelo modo do verbo. O verbo tem assim a capacidade de exprimir, por meio dos modos, a relação modal entre locutor e estado de coisas. Ainda conforme essa autora, o modo indicativo aparece, fundamentalmente, ligado a um estado de coisas reconhecido pelo locutor como necessário ou com um grau necessário de probabilidade; o modo subjuntivo (conjuntivo) aparece freqüentemente ligado a um estado de coisas reconhecido pelo locutor ou como possível ou como contingente. O emprego dos modos está ligado aos tipos de atos ilocutórios e a sua seleção faz-se em função dos tipos de fases em que se inserem. Mattos (1995, p.68) afirma que o modo é a circunstância em que o falante julga o fato e o qualifica. Trata-se de julgamento particular, o que permite que dois falantes interpretem o fato de maneira diferente ou um mesmo falante também pode 16 interpretá-lo diferentemente em situações distintas. O modo empregado pelo falante dependerá do que ele quiser expressar. Conforme Back e Mattos (apud SOUZA, 2001), há dois modos no português: o indicativo e o subjuntivo. Aquele revela fato efetivo e é incondicionado, forma não-marcada; este indica fato eventual e é condicionado ao tipo de período, forma marcada. A ausência do imperativo se dá ao fato de ele ser igual ao subjuntivo. A diferença está na intenção do falante. Nos exemplos: “Peça você!” e “Ele quer que você peça.”, a diferença está no tipo de período, no que o falante quer dizer, e não no modo. No primeiro exemplo, “Peça você!”, tem-se um período jussivo em que o falante solicita acontecimento: que o outro peça. No segundo, “Ele quer que você peça”, tem-se um período assertivo por meio do qual o falante espera uma atitude de crença, aceitação por parte do ouvinte. Diante de tais estudos, observamos que as expressões utilizadas por todos os falantes são empregadas propositalmente, já que se provoca no ouvinte certeza, dúvida ou exigência, e que o modo verbal utilizado confirma tais intenções. Apesar disso, não podemos nos esquecer que, muitas vezes, o emprego de determinado modo não é questão de escolha, mas sim de regras gramaticais, como no exemplo abaixo: Ele pediu que eu fizesse, faça ... (precisa ser subjuntivo) Assim, o modo tem o intuito de esclarecer para o ouvinte a intenção do falante, seja ela de certeza ou dúvida na realização dos fatos, e o seu emprego dependerá do que o falante quer dizer. 17 2.3 Noção de aspecto verbal O aspecto verbal vem sendo enfatizado cada vez mais pelos estudiosos da língua portuguesa, dada sua extrema importância para o entendimento interno dos fatos enunciados, mesmo sendo uma categoria do verbo não admitida por vários gramáticos normativistas como Cunha (1980), Cunha e Cintra (1985) e Said Ali (1964). Veremos o que gramáticos e lingüistas escrevem sobre o assunto. Pontes (1973, p.80) apenas cita que há noção aspectual dividida em ação inacabada (durativa) e ação acabada (não-durativa). Desse modo, subentende-se a existência do aspecto no verbo. Segundo Jakobson (apud BECHARA, 2000, p.212), o aspecto assinala a ação levada até o fim, isto é, como conclusa (perfeita), ou inclusa (imperfeita). Certas espécies de ação, como durativa, incoativa (ingressiva), terminativa, iterativa, são apenas subdivisões desta categoria. Costa (1990, p.19; 21) afirma que o aspecto é a categoria lingüística que informa se o falante toma em consideração ou não a constituição interna dos fatos enunciados. Essa referência independe do ponto dêitico da enunciação, visto que centra o tempo no fato e não o fato no tempo. Ela descreve as noções semânticas do âmbito do aspecto como de duração, instantaneidade, começo, desenvolvimento e fim. Destaca, a partir de suas análises, quatro características imprescindíveis ao aspecto: a não referência à localização no tempo; a constituição temporal interna; a vinculação da categoria a situações, processos e estados; e a representação espacial. Comrie (1976 apud PERINI, 2001, p.256) tem a mesma visão de Costa referente ao aspecto. 18 Mira Mateus (1989, p.90) também chama de aspecto à categoria que exprime o modo de ser (interno) de um estado de coisas descrito através de expressões de uma língua natural. Explica que isso ocorre por seleção de um predicador pertencente a uma dada classe; por quantificação do intervalo de tempo em que o estado de coisas descrito está localizado, e/ou por referência à fronteira inicial ou final desse intervalo, ou a intervalos adjacentes. Para Castilho (1976 apud COSTA, 1990, p.21), o aspecto é a visão objetiva da relação entre o processo e o estado expresso pelo verbo e a idéia de duração e desenvolvimento. É a representação espacial do processo. De acordo com Lions (1979 apud COSTA, 1990, p.21), o aspecto diz respeito ao tempo, ao contorno ou distribuição temporal de um acontecimento ou estado de coisas e não à sua localização no tempo. Mattos (1995, p.69; 76) escreve que o aspecto é a circunstância em que o fato é discriminado pelas características de sua presença no mundo, e a escolha da forma verbal depende delas. Ou seja, numa linguagem mais simples: o aspecto do verbo é o tempo do fato. Assim, a língua portuguesa trabalha com um par de significados de aspecto (fato inacabado contra fato acabado) e dois pares de significados de modo (fato próximo contra fato remoto e fato efetivo contra fato eventual). Mattos defende que o verbo não tem tempo. E Back argumenta que o aspecto surge com dois modos, o indicativo e o subjuntivo. No que diz respeito à noção de aspecto, ela é um dos constituintes do verbo, mas sua análise também depende do contexto do qual faz parte. Observemos os exemplos6: “Se chover amanhã, eu fico em casa.” e “Se chovesse amanhã, eu 6 Exemplos retirados de Mattos (1995). 19 ficava em casa”; no primeiro caso, o falante considera que pode chover. No segundo, que é improvável que chova. Podemos concluir que tanto gramáticos como lingüistas concordam que o aspecto é um tempo interno ao tempo verbal (excetuando-se Mattos que não vê o verbo como indicador de tempo), mas cada um o descreve à sua maneira, com coincidências ou não. 2.4 Noção de tempo e aspecto verbal Depois de estudarmos separadamente as noções de tempo e aspecto verbal, notamos que geralmente elas estão relacionadas. Como se dá essa relação, é o que buscaremos entender a partir da análise dos autores abaixo elencados. Eugênio Coseriu (apud BECHARA, 2000, p.213) defende que a pura definição temporal e o tempo aludem à posição da ação verbal no percurso; a determinação aspectual alude à maneira de considerar a ação verbal no tempo. Assim, o tempo verbal deve ser interpretado, levando-se em conta o seu aspecto. Enquanto a categoria de tempo trata o fato como ponto distribuído na linha do tempo, a categoria de aspecto trata o fato como passível de conter frações de tempo que decorrem dentro dos seus limites, argumenta Costa (1990, p.20; 29). Ela complementa escrevendo que a diferença entre tempo e aspecto, quanto à escolha subjetiva do falante, poderia ser talvez explicitada dizendo-se que a escolha do aspecto é não-obrigatória (“estilística”) enquanto a escolha do tempo é obrigatória, embora possa ser, secundariamente, marcada por um fator “estilístico” (caso do presente histórico, por exemplo). Isso quer dizer que, na perspectiva desta autora, 20 ao falarmos, inconscientemente, precisaríamos escolher o tempo verbal empregado, mas não necessariamente o aspecto do verbo. Em Mattos (1995, p.69), vemos que o verbo não tem Tempo e que o aspecto verbal independe de qualquer julgamento do falante, bastando observá-lo para interpretá-lo objetivamente. Mattos discorda de Costa, pois para ele, o aspecto é usado pelo falante mesmo que ele não perceba que o está utilizando, sendo necessário apenas que se atente para o contexto. Existe no verbo morfema de aspecto, mas não de tempo, conforme o seguinte exemplo: Estudávamos estud= raio de menção =á= raiz verbal -va- sufixo de aspecto e modo -mos sufixo de pessoa e número Eugênio Coseriu, Mattos e Back, discordam de Costa quanto ao aspecto, pois esta não classifica o aspecto como característica fundamental do verbo, enquanto aqueles sim. Baseando-se em apenas três estudiosos, percebe-se o quão são divergentes as opiniões sobre o significado de tempo e aspecto. Porém, fica evidente que para se tratar de verbos, não basta observar o tempo verbal, pois esse deixaria margem a diversas interpretações. No entanto, se o aspecto verbal for considerado, tal ambigüidade será extinta, visto que ele especificará o sentido do verbo aplicado, pois restringirá o uso de tal forma ao aspecto a que ela remete. 21 2.5 Tempo presente Nesta seção, discorreremos especificamente sobre o tempo verbal presente, que é o enfoque principal desse estudo. Para isso, selecionamos as argumentações de alguns autores sobre o assunto. Pontes (1973, p.75) defende que o presente do indicativo não se refere a um fato simultâneo ao momento em que se fala, mas a fatos habituais, sem referência precisa a um momento presente. Isso vem de encontro às antigas gramáticas tradicionalistas, pois nelas, para que exista o tempo presente, é imprescindível a simultaneidade entre o fato e o ato de fala. Em “Lavo a louça todos os dias”, evidenciamos que há coerência por parte de Pontes, já que a sentença denota uma situação habitual, mas não necessariamente presente. Ilari (1997, p.9) assegura que a forma verbal do presente do indicativo remete ora a fatos presentes, ora a fatos futuros ou mesmo passados. Assim, o presente, associado a adjuntos, assume o valor de presente histórico ou presente futuro. O tempo presente indica a contemporaneidade entre o evento narrado e o momento da narração, e não essencialmente simultaneidade dos acontecimentos. Na oração “Maria faz anos semana que vem”, vemos a indicação de um fato atual; porém, futuro. Costa (1990, p.18), quando fala em presente, começa exemplificando com: “O homem é mortal”. Esse uso do presente, tradicionalmente chamado gnômico, mas também chamado atemporal, para ela, é uma espécie de termo nãomarcado, de forma neutra no que diz respeito à categoria de tempo. Sendo assim, para que chamá-lo de presente se é uma forma neutra? 22 Bechara (2000, p.221; 276) entende que o presente é usado em referência a fatos que se passam ou se estendem ao momento em que falamos. Ele também argumenta que o presente se caracteriza pelo traço “negativo” ou “neutral” em relação ao pretérito (passado) ou futuro, que são termos “positivos“, isto é, aplicados ao ocorrido, o que permite, ao presente, poder empregar-se, em determinados contextos, “em lugar” do passado e do futuro. Não ocorrendo a neutralização, tais substituições ficam impedidas. O presente denota uma declaração que se verifica, ou que se prolonga até o momento em que se fala, ou que acontece habitualmente. Ele é empregado pelo pretérito em narrações animadas e seguidas (presente histórico), para dar a fatos passados o sabor de novidade das coisas atuais; pelo pretérito imperfeito do subjuntivo; pelo futuro do indicativo para indicar com ênfase uma decisão; e ainda, pelo futuro do subjuntivo. E para embasar o que escreve, o autor usa uma citação de Coseriu (apud BECHARA 2000, p.277): “Geralmente uma forma verbal não está por outra ou em lugar de outra, mas sim no lugar de outra significação”. O estudo apresentado por Bechara denota a mutabilidade do tempo verbal presente. A sentença “Agora estarei ocupado”, pode ser entendida como “agora mesmo” (presente) ou “em seguida” (aqui, com valor de futuro). Ou então “Amanhã vou à cidade”, onde se emprega o presente pelo futuro do indicativo, produzindo ênfase à decisão. Perini (2001, p.253-254), em sua Gramática Descritiva do Português, escreve que o presente do indicativo nem sempre se refere a um fato que está se dando no momento presente; ou seja, a vinculação entre tempo verbal e tempo semântico é complexa. O tempo presente do indicativo pode indicar uma ação contemporânea: “Manoel pica couve neste momento”; um fato independente de 23 tempo que vale em qualquer momento: “A água ferve a 100 graus”; presente histórico, se for um fato que aconteceu no passado: “Em 1822, o Brasil se torna politicamente independente”; ou algo que ainda vai se realizar: “Amanhã cedo, varro a casa”. Isto é, podemos ter quatro frases com verbos no presente do indicativo, tendo cada uma sua referência temporal (tempo semântico) distinta. Por isso, podese dizer que o presente do indicativo é a forma mais versátil da língua portuguesa; já que com outros tempos, as possibilidades são mais restritas. Benveniste (apud FIORIN, 1996, p.142) descreve que se poderia crer que a temporalidade é inata ao pensamento, pois é produzida na e pela enunciação. Dessa procede a instauração da categoria do presente, e da categoria do presente nasce a categoria do tempo. Ou seja, o discurso instaura um agora, momento da enunciação. Em contraposição ao agora, cria-se um então. Esse agora é, pois, o fundamento das oposições temporais da língua, o que seria o mesmo que afirmar que entender o tempo presente é fundamental para a compreensão dos outros tempos verbais. Fiorin (1996, p.149) ainda descreve que o presente marca uma coincidência entre o momento do acontecimento e o momento de referência presente, o que quer dizer que deve haver no presente uma tripla coincidência: momento do acontecimento igual a momento de referência, que é igual ao momento do evento (não importando que a simultaneidade seja real ou não). Somente ocorrendo tripla coincidência poderíamos chamar de tempo presente. Flores e Silva (2000, p.53) não consideram o tempo presente concomitante ao momento da fala, mas aquele que o sujeito elege como presente em seu ato de enunciação; ou seja, nessa perspectiva, o ponto de referência dêitica não é o falante, mas o sujeito “eu”. O falante decide se está usando o presente ou não. 24 Esses estudos nos levam a uma direção: para classificar a forma verbal como presente, é imprescindível que se observe o contexto da enunciação, já que o verbo sozinho não denotará o tempo expresso pela oração. 2.6 O contexto: parte indispensável para a interpretação das formas verbais Há muito se sabe que para haver comunicação é necessário que as pessoas se entendam. Quando nos comunicamos com alguém, usamos a linguagem que internalizamos com o passar dos anos; todavia, para que sejamos correspondidos, o nosso interlocutor precisa dispor de linguagem compatível com a nossa. Desta forma, seria fácil: se compartilhássemos das mesmas vivências, entenderíamo-nos. Mas não é tão simples assim. Nem sempre as palavras que utilizamos surtem o efeito desejado ou igual efeito nos interlocutores. Cada pessoa decodifica as informações recebidas conforme o seu conhecimento, servindo-se do contexto semântico ou pragmático. E para a interpretação de cada sentença, os discursos e conhecimentos prévios são extremamente importantes. Quando falamos, subentendemos que nossos interlocutores dominam o repertório de informações que possibilitam o entendimento da mensagem nova que fornecemos; caso contrário, não buscaríamos a comunicação. É indispensável saber que geralmente dependerá do contexto o entendimento do enunciado, visto que raramente as palavras possuem apenas um significado. Como no exemplo: “Médico morre num acidente trágico na Rodovia SC 444”. Para quem está fora do contexto do acidente, não há como identificar quem é 25 esse médico, enquanto as pessoas que estão inteiradas do assunto, facilmente o reconheceriam. Para MacCawley (1993 apud MOURA, 1999, p.45), o contexto ou conhecimento compartilhado tem o sentido técnico de “um conjunto de proposições assumidas como verdadeiras (‘taken for granted’) pelos participantes de um discurso num certo tipo de contexto”. Isso seria o mesmo que dizer que os interlocutores têm o pensamento igual sobre o assunto em questão. As informações captadas pelos interlocutores normalmente são inferencialmente enriquecidas por cada um de maneira diferente. O contexto lingüístico é fundamental para que haja a compreensão. Para que o falante informe o que realmente quer dizer, faz-se necessária a transmissão de informações suficientes, evitando qualquer deslize interpretativo e, nesse caso, ele deve levar em conta o contexto semântico, pois esse não depende da atribuição de conhecimento de mundo, de crenças. As pesquisas semânticas estão enraizadas em duas tradições opostas. A primeira é a semiológica que tenta sistematizar os diversos mecanismos pelos quais as palavras se ligam umas as outras no âmbito do enunciado, e a tradição lógica que tenta explicitar como se dá a ligação entre as palavras e as coisas. Isto é, a tradição semiológica busca sistematizar o conjunto de relações de significação relevantes para a produção do enunciado, enquanto a lógica, procura delimitar as formas de significação na estrutura dos enunciados permitindo recuperar ou representar os fatos do mundo. Segundo Coan (2000, p.30), “quando a identificação da significação não se dá lingüisticamente, passa pela determinação do que é comum ao conjunto de 26 falantes”. Ou seja, é muito importante que se faça uso da pragmática na interpretação de textos. Se não há conhecimentos compartilhados, o ouvinte muitas vezes não entenderá o que o falante lhe comunica, e desse fato resulta a ambigüidade; logo, levando-se em conta a pragmática, os casos de ambigüidade serão reduzidos consideravelmente, pois se considerará o conhecimento compartilhado pelos dois. Obviamente isso não é tão simples quanto parece. Nem todo elemento contextual deve, imediatamente, ser considerado pragmático. É um certo contexto, delimitado por uma definição, que pode ser ligado ao componente pragmático. O contexto seleciona a função referencial relevante, e será inferido a partir da intencionalidade do falante, ou seja, é a partir das crenças normais dentro de uma comunidade que podemos estabelecer a referência visada pelo falante, na medida em que atribuímos ao falante essas crenças normais. A pragmática envolve a atribuição de diversas crenças ao interlocutor, que delimitam o contexto da interpretação. Os contextos que não dependem dessa atribuição de crenças não são pragmáticos, mas definidos no componente semântico em função da dinâmica do discurso. A polissemia referencial faz com que a referência de uma palavra possa variar de acordo com o contexto e de acordo com as crenças conferidas pragmaticamente ao interlocutor. A semântica tem sido definida nesse estudo de uma forma contextual e dinâmica, de modo que o conteúdo semântico de um enunciado corresponde à forma como ele afeta o contexto em que foi produzido. A pragmática, por sua vez, abrange a série de inferências que são assumidas na interação a partir da atribuição de crenças aos interlocutores. 27 E na medida em que dependem do fluxo conversacional e das informações novas que vão sendo agregadas, os pressupostos são semânticos. Ao mesmo tempo, se não houver interpretações lingüísticas satisfatórias, o falante ou o ouvinte poderão valer-se do contexto pragmático; mas para isso, eles devem compartilhar, ainda que implicitamente, desse mesmo contexto, não se esquecendo do componente semântico. Podemos dizer então que as informações compartilhadas, que formam o conjunto de contextos, podem ser dinamicamente modificadas tanto pelo componente semântico quanto pelo pragmático. Ambos têm a função de determinar quais contextos devem ser considerados para a interpretação de uma sentença, ou quais informações devem ser aceitas pelos interlocutores. Resumindo, a interpretação de uma sentença é intimamente dependente da aceitação de várias outras informações contextuais introduzidas pela semântica ou pragmática. Ao se falar das formas verbais, não há dúvidas quanto à importância do contexto lingüístico, semântico ou pragmático para a sua interpretação, pois, às vezes, se interpreta um verbo diferentemente do que ele quer denotar. Analisando a manchete: “Barrichello renova com a Ferrari” (DC, 15/01/04), saberemos que o fato ocorreu no dia 14/04/04, se possuirmos o conhecimento sobre ele ou tivermos em mãos o jornal. Se lermos o mesmo enunciado isoladamente, sem o conhecimento do fato, poderemos interpretá-lo como um fato presente (considerando que a forma verbal utilizada é o presente), ou pensar que ele ocorrerá no próximo dia. Partindo do exemplo apresentado, evidencia-se a importância do contexto semântico (a data do DC), ou do contexto pragmático (conhecer ou se interessar por assuntos da “Fórmula 1”). 28 Baseando-se na análise anterior, podemos concluir que a forma verbal não é imprescindível para a interpretação temporal. O tempo verbal pertence a uma categoria discursiva, e o contexto (semântico ou pragmático) deve ser significativo para a interpretação do tempo verbal também nos casos de não variação, mediante traços inerentes ao item lexical, presença de expressões adverbiais e o próprio conhecimento de mundo. 29 3. A FORMA VERBAL “PRESENTE” NAS MANCHETES DO JORNAL DIÁRIO CATARINENSE Ao longo desse trabalho, pesquisamos alguns gramáticos e lingüistas em suas abordagens referentes ao verbo, visando priorizar seus estudos relacionados à forma verbal presente. Uma análise aprofundada requer a investigação em corpora. Para que isso seja possível, partiremos do estudo das manchetes jornalísticas do jornal Diário Catarinense (DC), visto que a grande maioria delas exprime os fatos utilizando a forma verbal presente, não veiculando tal denotação. Essa forma codifica mais de uma função e sua interpretação depende ora do contexto semântico, ora do contexto pragmático. Dividiremos esse capítulo em duas seções, visando à verificação da pertinência das teorias abordadas pelos gramáticos e lingüistas mencionados no capítulo anterior. 3.1 A natureza dos dados Muitas vezes, quando se tem o intuito de ler um jornal, as manchetes jornalísticas são lidas em primeiro lugar, pois além de sucintas, carregam a informação essencial da notícia. É provável que as pessoas dêem mais atenção a elas devido à falta de disponibilidade de tempo que têm para ler completamente a notícia; logo, passam os olhos pelas manchetes e, a partir do interesse que lhes foi despertado, lêem a(s) reportagem(ns) na íntegra, captam o sentido, mas não 30 monitoram as formas verbais impressas, isto é, não percebem que, naquela manchete, o verbo está impresso na forma verbal presente, mas denota passado ou futuro no contexto em questão. Os jornais são produzidos em grande quantidade e requerem o uso de um padrão de escrita, no qual está inserido um padrão verbal. Para tanto, o padrão verbal normalmente é utilizado na forma do presente, independentemente de a manchete expressar passado, presente ou futuro. Assim, nesse gênero textual, escreve-se de acordo com um modo lingüístico padronizado, facilitando a escrita e aproximando mais o falante do fato anunciado, mesmo que ela não remeta necessariamente ao presente. Os leitores falam conforme a aquisição da língua e, mesmo que esta não seja aplicada com o sentido imposto pela gramática prescritiva, compreendem a forma verbal impressa. Estudaremos o emprego da forma verbal presente nas manchetes jornalísticas do jornal DC e mostraremos como ele é utilizado de modo simples e padronizado, atendo-se ao uso dos falantes e não se preocupando com o uso da forma verbal previsto na gramática prescritiva; visto que os acontecimentos ocorrem num determinado momento anterior ou posterior, enquanto sua impressão e apresentação para os leitores ocorrem em outro. Por meio da análise de algumas manchetes do DC, impressas em dezembro de 2003, janeiro e julho de 2004, iremos discutir os suportes teóricos estudados anteriormente. 3.2 A análise dos dados Após termos estudado alguns autores, atentando principalmente ao que eles diziam a respeito da forma verbal presente, precisamos averiguar quais teorias 31 são mais adequadas à explicação do emprego real e concreto das formas verbais. Há a necessidade de analisar dados contemporâneos que nos levem a tal constatação. Foi por isso que julgamos pertinente o estudo de manchetes jornalísticas. Partiremos das manchetes do Jornal Diário Catarinense, atentando para o uso forma verbal “presente”, e buscaremos nelas as características defendidas pelos autores nas noções antes vistas. Faz-se necessária a contextualização de cada manchete apresentada, para que depois seja feita a análise junto às noções dos estudiosos. (1) Ônibus são queimados e protesto acaba em pancadaria na Capital. (Edição 6652, p.1 de 01/07/2004) No dia 30 de junho de 2004, houve o terceiro dia de protesto contra o aumento das tarifas de transportes coletivos em Florianópolis em que os estudantes estavam se confrontando com os policiais militares. (2) Lula pede fim do visto. (Edição 6484, p.1 de 14/01/2004) Lula se encontrou com George Bush, no México, em 13 de fevereiro de 2004 e pediu a ele que tanto turistas brasileiros quanto os americanos não precisassem de visto para visitar os dois países. (3) Jovens morrem na Beira-Mar. (Edição 6457, p.1 de 17/12/2003). 32 No dia 16 de dezembro de 2003, o militar Eloy Müller, 20 anos, e Bruno Barcelos, 18 anos, foram vítimas de uma colisão. (4) Brasil empata com Uruguai. (Edição 6482, p.1 de 12/01/2004) A equipe brasileira foi parada pelo time uruguaio que marcou primeiro no jogo do dia 11/01/2004. (5) Multidão invade o Planeta Atlântida. (Edição 6494, p.1 de 24/01/2004) Na primeira noite do maior festival de música do Sul (23/01/2004), a banda mineira “Skank” contagiou o público. (6) Brasileiros ajudam a reerguer Timor Leste. (Edição 6655, p.1 de 04/07/2004) Há uma legião de brasileiros que tenta, a partir das cinzas e escombros de uma guerra civil que durou 24 anos, fazer nascer um país: Timor Leste. Os militares atuam em missão de paz da ONU. A ex-colônia portuguesa foi invadida pela Indonésia em 1975 e se tornou independente em 2002, após uma onda de repressão indonésia aos timorenses, que deixou cerca de 200 mil mortos. 33 (7) Girassol embeleza campo no Oeste. (Edição 6468, p.1 de 28/12/2003) A paisagem das plantações no Oeste mudou do verde para o amarelo. Dominados pelo plantio de milho, soja e fumo, os campos cedem lugar a uma nova cultura, que, além de rentável, embeleza as lavouras: o girassol. (8) Cresce interesse no petróleo de SC. (Edição 6495, p.1 de 25/01/2004) A Petrobrás, que conquistou reconhecimento mundial por explorar petróleo em águas profundas, extrai produto de alta qualidade dos três poços da área e projeta investir US$ 70 milhões na região de Santa Catarina. (9) Lojista aposta nos últimos dias. (Edição 6460, p. de 20/12/2003) Comerciantes de todas as cidades catarinenses projetam uma melhora nas vendas nestes últimos dias antes do Natal. Em alguns municípios as lojas ficam abertas até às 22 horas. Nos exemplos (1), (2), (3), (4) e (5), apesar de o verbo ser utilizado no presente (segundo a gramática normativa), há a significação de passado, se o contexto for levado em conta. Tal interpretação se contrapõe à proposta pela gramática prescritiva. Considerando a noção apresentada por Bechara de que o 34 presente é usado em referência a fatos que se passam ou se estendem ao momento em que falamos da forma verbal presente, a manchete (1) “Ônibus são queimados e protesto acaba em pancadaria na Capital.” se encaixaria perfeitamente, pois esse presente é usado em referência a fatos que se estendem ao momento em que falamos; visto que o protesto ainda continuava quando a manchete foi veiculada, diferentemente da noção de alguns autores tradicionalistas que não teriam como explicá-la, pois o fato não é simultâneo ao momento da leitura. Já no exemplo (2) “Lula pede fim do visto”, a idéia defendida por Bechara seria refutada, considerando-se o uso da forma verbal, pois o pedido do presidente foi no dia anterior e no jornal é apresentado como algo instantâneo; entretanto, a mesma sentença satisfaria à idéia de Perini, em que ele classifica o presente como algo contemporâneo também. Analisando a terceira manchete “Jovens morrem na Beira-Mar”, diremos que a tese de Perini, em que ele argumenta que o presente do indicativo nem sempre se refere a um fato que está se dando no momento presente e pode indicar um fato contemporâneo, mais uma vez tem sentido, pois o acidente foi algo que aconteceu no dia anterior; logo, é contemporâneo, apesar de não ser momentâneo. O mesmo exemplo se contraporia à idéia de Fiorin, pois para ele, o presente marca uma coincidência entre o momento do acontecimento e o momento de referência presente, porém não há nada na sentença que indique o momento de referência do acontecimento. Nas manchetes (4) “Brasil empata com Uruguai” e (5) “Multidão invade o Planeta Atlântida”, o fato pode ser aceito como presente, se considerarmos que Pontes escreve que o presente do indicativo não se refere a um fato simultâneo ao 35 momento em que se fala, mas a fatos habituais sem referência precisa a um momento presente; logo, o fato não precisa ser simultâneo ao momento de fala. Observando as manchetes (6) “Brasileiros ajudam a reerguer Timor Leste” e (7) “Girassol embeleza campo no Oeste”, podemos relacioná-las à noção de Costa, se nos atermos ao fato de que a ação desenvolvida pelos brasileiros continua acontecendo sem um tempo específico para acabar ou que os girassóis ainda estão embelezando o campo. Ela afirma que o presente é uma espécie de termo nãomarcado, podendo por isso ser considerado neutro. Enquanto para Ilari, somente a presença de adjuntos remeteria as manchetes para o futuro, presente ou passado e, como vemos, não há adjuntos nesses enunciados, conseqüentemente, sua proposição não faria sentido aqui. Atendo-se às manchetes (8) “Cresce interesse no petróleo de SC” e (9) “Lojista aposta nos últimos dias”, que fazem referência a fatos futuros, Perini dá conta de explicá-las. Ele defende que a forma verbal presente pode remeter a fatos futuros. Ilari, em sua teoria, não consegue contemplar nenhum dos exemplos selecionados, pois em tais manchetes não consta qualquer adjunto que nos remeta ao passado, presente ou futuro. Acreditamos que o motivo dessa variação não acontecer nas manchetes seja intencional, visando à contemporaneidade, independentemente do momento em que for lida. Já Back e Mattos, pelo fato de entenderem que não é o verbo o indicador de tempo em uma sentença, mas sim o contexto, consegue indiretamente, contemplar todas as manchetes, pois a contextualização de cada uma delas somente será possível se relacionadas à situação. 36 Depois de estudar noções tão diversificadas, constata-se o quão variadas são as definições da forma verbal presente. E relacionando-as com as manchetes jornalísticas, percebe-se que poucas noções contemplam essa forma verbal como as de Flores e Silva, Perini e Costa. E isso ocorre porque elas são apresentadas de forma abrangente. Contudo, evidencia-se ainda mais nossa idéia, assim como a de Back e Mattos, de que somente o contexto definirá a verdadeira informação veiculada pela manchete, ou seja, não é possível desconsiderar o todo quando se pretende interpretá-la adequadamente. Desse modo, verificamos que os jornalistas acompanham a evolução da língua e escrevem se preocupando com a norma e com o entendimento de seus leitores. E a discrepância encontrada entre a teoria e a aplicação ocorre porque a forma do presente não é presente 37 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitos são os estudos feitos sobre a forma verbal presente, e as conclusões a que cada pesquisador chega, geralmente, não coincidem com a da gramática normativa. Depois da análise das teorias defendidas por alguns gramáticos e lingüistas, evidenciou-se a diversidade de opiniões tanto a respeito do verbo e suas categorias, quanto à forma verbal presente. Mas a nossa proposição confirmou-se, visto que normalmente não é possível interpretar um enunciado isoladamente, pois isso permitiria que houvesse diferentes entendimentos sobre cada assunto. Conseqüentemente, nota-se que o contexto semântico e pragmático é imprescindível para a interpretação das informações. Essa pesquisa também demonstra que o Jornal Diário Catarinense aplica às manchetes a forma verbal em desacordo com o tempo real dos eventos, segundo as gramáticas prescritivas. Entretanto, requer que o leitor recorra ao contexto semântico-pragmático que faz parte de sua realidade para alcançar a compreensão da manchete. 38 REFERÊNCIAS BACK, E. Nova gramática descritiva da língua portuguesa: competência em comunicação, raciocínio, interação social e criatividade. Criciúma: Unesc. Em preparação. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. 672p. CÂMARA JÚNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 1999 (1970). CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 40. ed. São Paulo: Nacional, 1997. 592p. COAN, M. A importância do contexto na atribuição de referência temporal: incursões no terreno do pretérito perfeito simples. Working Papers em Lingüística, UFSC, n.4, p. 24-39, 2000. COSTA, S. B. B. O aspecto em português. 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