História da Grécia, 1975 - fflch-usp

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Anexo I
Paulo Pereira de Castro
Apontamentos de História Antiga
primeiro semestre 1975, DH-FFLCH-USP
(anotações registradas por Francisco Murari Pires)
HISTÓRIA DA GRÉCIA
i. 4 de Março de 1975
Especialmente considerando-se a História grega entre os séculos VI e IV ªC.
costuma-se distinguí-la nitidamente da História oriental, assim tomando por base que
elas respeitem a faixas cronológicas independentes. Todavia, a História da Grécia na
Idade do Bronze situa um paralelismo cronológico com a oriental, de modo que seu
pleno significado só é alcançado quando quando estudada juntamente com aquela.
História da Grécia da Idade do Bronze e a da Idade do Ferro tendem a serem
consideradas em termos de ruptura entre uma e outra, o que decorreria não apenas da
limitação das fontes, mas, sobretudo, de uma diferença dos problemas históricos a elas
respeitantes.
História da Grécia na Idade do Bronze deve antes ser entendida como História do
Egeu na Idade do Bronze, de que a compreensão se constitui por meio do exâme do
papel da área egéia como área intermediária entre os focos de desenvolvimento de
civilização do Bronze no Médio Oriente e Europa central. Há, pois, que se correlacionar
ambos esses âmbitos da História da Idade do Bronze, o oriental e o centro-europeu,
articulando-os pela abordagem do papel intermediário desempenhado pelos povos do
Egeu.
A pobreza dos dados arqueológicos atinentes a essa problemática enseja uma
prova de que a inter-relação entre essas áreas se fazia a nível não oficial, mas sim por
meio da atuação de elementos mal colocados socialmente. Os palácios só eventualmente
trazem atestados de um inter-relacionamento, o qual era realizado especialmente por
elementos desgarrados, de cuja atuação resultaram indícios de “reservas” encontradas
nas áreas da civilização do bronze centro-européia: espécie de esconderijos em que
artesãos ou comerciantes ambulantes guardavam sua maleta em situação de perigo,
contendo recipientes com produtos metalúrgicos em fase de elaboração, ferramentas de
metalurgia, e produtos de troca correntes na Europa central e no Mediterrâneo oriental.
Pela existência de tais elementos dedicados ao comércio inter-grupal constata-se
que havia um sistema organizado de trocas culturais entre as civilizações constituintes
da Idade do Bronze. Paralelamente a esses elementos ambulantes, através de indícios
frágeis, conclui-se também a existência de “prospectores” minerais (seguramente,
elementos das áreas civilizadas do Oriente destacados na Europa central). Embora seja
pequeno o número de ocorrências documentais, tais elementos estão em correlação com
a propagação de formas de objetos e técnicas metalúrgicas, assim desempenhando papel
importante na difusão da cultura.
Graças ao cotejo dos desenvolvimentos históricos dessas sociedades – a dos
velhos centros de civilização oriental, de um lado, as áreas marginais na Europa
balcânica e central, de outro – pode-se detetar a atuação de trocas culturais que afetaram
a própria concepção orientadora da constituição das elites políticas e militares de ambas
consoante o paralelismo evolutivo dos sistemas políticos e militares vigentes durante a
Idade do Bronze em ambas as áreas.
A expansão de sítios de colônias dos velhos impérios da Idade do Bronze (Egito e
Mesopotâmia) apresenta sucessivas formas de realização que transparecem mesmo entre
povos com que não se estabelece nenhuma relação precisa documentada.
Até por volta de 2000 aC, durante a Antiga Idade do Bronze, os velhos impérios
realizam sua complementação econômica através de uma relação unilateral com as áreas
externas, promovendo campanhas de pilhagem nas quais o elemento local é
simplesmente ignorado (só levado em conta quando oferece resistência). Tais
campanhas levaram a um mecanismo militar que se baseia na utilização de povos
bárbaros para o serviço de organização das caravanas necessárias àquelas expedições. O
prolongamento dessa prática resultou numa sociedade especializada no sistema de
caravanas associando o comércio a longa distância, a pecuária nômade e a estrutura
militar.
Já na Média Idade do Bronze (2000-1600) tem-se uma época em que esses
elementos assumem importância crescente, assim surgindo como instâncias atuantes na
história dos velhos impérios, gerando época de crises, de grande instabilidade para os
impérios agrários do Oriente.
O processo de superação dessas crises resultou, na Idade Recente do Bronze, em
novo tipo de monarquia de base estritamente militar e supra-nacional, especialmente
recorrendo a elementos recrutados fora das fronteiras. Os monarcas amparam-se uns aos
outros, quase que constituindo uma classe de monarcas. Assim, o tratado egípcio-hitita
prevê assistência recíproca e ação comum contra os casos de felonia em seus
respectivos sistemas de vassalagem. Nesse tipo de monarquia o mercenário estrangeiro
torna-se o sistema, e daí surge a crise em que entra em colapso a civilização do Bronze
na área do Egeu.
Constata-se na geografia desse mundo histórico o confronto de dois substratos
étnicos diferentes: um, o mais antigo, anatólio-egeíco-asiânico e, dois, os de língua
grega (indo-europeu). O primeiro é atestado na tradição grega e ilustrado pela
toponímia: nomes terminados por _nda, _nthos, _ttos, _ssos, a evidênciar língua não
grega que dominou em grande parte da Grécia. Tradicionalmente recorreu-se à
explicação de tese invasionista para tal dualidade histórica na composição da população
grega. O primeiro grupo precedeu os povos de língua indo-européia, com migrações
feitas em períodos de tempo extensos, do Neolítico ao Médio Império do Bronze,
momento em que começam a aparecer os indo-europeus. Concebida em termos, então,
de oposição étnica, buscou-se, tomando por base constatações arqueológicas, analisar a
constatação arqueológica de que uma civilização cretense de base egeo-anatólica foi a
principal responsável pela expansão da civilização do Bronze no Egeu, mas que depois
cedeu terreno à civilização micênica, que por sua vez representaria a ascensão do
elemento indo-europeu.
Tal oposição radical entre esses dois grupos, porém, tem sido criticada, pois,
estudos lingüísticos reconhecem certo parentesco nas línguas do primeiro e do segundo
grupo. Em vez, portanto, de renovação da população pelo aparecimento de hordas indoeuropéias, ter-se-ia a renovação da língua e da civilização na área do Egeu e da Grécia
continental concomitante com a dinâmica das relações do Egeu com a civilização do
Bronze no Oriente. Inicialmente tais relações se estabelecem através dos Balcãs (Vardar
e Moldava), mas depois, terceira Idade do Bronze, a conexão se fez ao longo do
Adriático-Norte da Itália. A formação dinâmica das populações gregas se dá, então, por
meio de um sistema variado de relações com os povos do Oriente, embora não se exclua
a existência de movimentos de migração, de modo que são antes aquelas relações que
explicam estes movimentos, preferentemente a por eles serem explicadas.
Assim pode-se pensar o período pré-helênico da história grega como
desenvolvimento de um processo de formação dos povos de língua grega, e não de sua
entrada como tais, como identidades linguísticas já prontas e constituídas, no horizonte
histórico do mundo grego. Não há oposição radical entre pré-helenos e helenos, antes
tratam-se de etnias aparentadas: dialetos gregos se constituem na área do mundo grego,
em que se dá a correlação desses dialetos com outros orientais. As diferenciações
linguístico-culturais constituem-se ao longo de eixos de atividade comercial,
obscuramente realizada por elementos marginais, portadores de técnicas e promotores
de comércio. A renovação dos antigos estratos lingüísticos resulta então na constituição
dos dialetos gregos. Assim, os movimentos de invasão são explicados pelas correlações
atuantes entre os povos, antes do que constituam eles a instância intelectiva que as
explique.
Os deslocamentos de população associados a esse processo decorrem de longas
fases de contato, por que se firmam experiências prévias das áreas ocupadas. Também
as invasões germânicas no Baixo Império romano mostram processo lento sem limite
determinado, amplo e duradouro.
ii. 11 de março de 1975
O desenvolvimento histórico da Grécia pré-helênica anterior ao século XII ªC.
deve ser explicado em termos dos contatos culturais entre centros de comércio, antes do
que por meio de mecanismos de invasões militares sucessivas. Estes últimos projetam a
existência de uma nação indo-européia originalmente localizada pela Eurásia. Não
houve tal nação. A idéia de sua suposta língua comum, o indo-europeu, da qual se
ramificariam todos seus componentes constituintes, não é mais aceita. Pensa-se, antes,
em um processo de indo-europeização de línguas diferentes em amplo âmbito
geográfico. Assim, sem excluir a participação de movimentos coletivos, busca-se
ressaltar que o processo de formação lingüística não decorre necessariamente de
renovações populacionais, conhecendo-se alterações antropológicas raciais sem
mudança de sistema lingüístico, e inversamente alterações lingüísticas não
acompanhadas por mudanças físico-antropológicas. Os mecanismos invasionistas não
são suficientes para explicar o mapa lingüístico.
A perspectiva de compreensão da história da Grécia abre-se assim para entender o
desenvolvimento local em correlação com a ambientação mais ampla ensejada pelos
contatos com os povos vizinhos da área grega. O processo é marcado pela influência
alternada de dois focos de irradiação cultural: as civilizações antigas do Próximo
Oriente e a civilização do bronze na Europa central. A área do Egeu configura-se como
foco de formação civilizatória, com as mudanças culturais nela ocorridas sendo em
grande parte influenciadas pela atuação desses dois focos, mas também, por outro lado,
similarmente atuando em ambas.
Dadas as semelhanças culturais vigentes durante o Neolítico no Egeu, Ásia Menor
e norte da Síria, sugeriu-se, para explicar o povoamento da área egéia, a ocorrência de
um movimento invasionista de povos provenientes destas duas últimas áreas para
aquela. As pesquisas arqueológicas na área do Egeu revelaram povoamentos anteriores
ao Neolítico, com restos de ocupação paleolítica e sobretudo evidências também de
neolítico pré-cerâmico. O recurso ao mecanismo invasionista não é necessário para se
explicar o povoamento neolítico da região egéia, o que não implica afirmar que não
tivessem havido invasões. Porém, dado que a Grécia continental, as ilhas do Egeu e o
litoral da Ásia Menor apresentam desenvolvimentos de civilização neolítica autônomos,
se bem que guardando traços em comum com a Síria e a Ásia Menor, tendeu-se, no
quadro da explicação invasionista, a considerá-los como três focos culturais distintos de
civilização neolítica. Melhor compreensão pode ser alcançada entendendo-se antes que
o Egeu participa da mesma área cultural que envolve também a Ásia Menor e a Síria
durante a civilização neolítica. De modo que as semelhanças culturais entre o Egeu e o
norte da Síria possam ser vistos no panorama de interação dos elementos de contatos
civilizatórios polarizados basicamente pelo comércio sistemático atuante nessa área, de
que o ítem básico era a obsidiana, com ricas jazidas em Melos.
A introdução da civilização do metal no Egeu está correlacionada com a atuação
dos focos de civilização metalúrgica no Próximo Oriente, especialmente Síria e Egito.
Há localidades neolíticas que conheceram, por processo de transição natural, estágios de
produção do metal, sem que nelas se constatem interrupções de natureza arqueológica.
Muitas outras localidades que também acusam a presença do metal constituem
ocupações novas, e em algumas delas tem-se a eliminação de antigas ocupações
neolíticas suplantadas pela civilização do metal. Assim, do surgimento da civilização do
metal no Egeu têm-se vestígios de ruptura violenta em alguns casos ao lado de
desenvolvimentos contínuos em outros. O mais significativo é que o desenvolvimento
da civilização metalúrgica no Egeu comporta paralelismo com o das civilizações da
Síria e Ásia Menor, de modo que as relações explicativas da homogeneidade cultural
nessa ampla área explicam também a passagem egéica para a civilização do metal em
termos das interações de contatos assim estabelecidos, o que necessariamente não exclui
a intervenção de grupos que utilizam a violência para a ocupação. Ter-se-ia, portanto,
uma área cultural com elevado gráu de homogeneidade até a introdução da civilização
do metal, sempre renovada por constantes contatos, os quais podem pressupor trocas de
população, ou pacífica ou violenta, de que não dispomos de informações suficientes
para decidir qual delas fosse a predominante e eficiente.
Em decorrência da propagação da civilização do metal no Egeu, ocorre uma
diferenciação cultural na Grécia continental, constituindo-se uma fronteira entre o norte
da Grécia e a Grécia central. O norte da Grécia resiste à propagação da cicivilização do
metal, permanecendo neolítico, mas rompendo e reagindo contra a fase neolítica
anterior, cujos centros são destruídos (sinais de incêndio atestados) dando lugar a
estabelecimentos de novo tipo, fundamentalmente sedes fortificadas com organização
militarizada da população. Já a Grécia central meridional mais as ilhas do Egeu
desenvolvem a civilização dos metais.
A Grécia setentrional, de fortes características militares mantêm, pelo que indicam
os tipos de cerâmica, contatos predominantemente com as populações do Danúbio,
antes do que com as da área do Egeu. Pensou-se em invasões do norte da Grécia por
elementos provenientes da Europa central, porém, os dados do desenvolvimento
neolítico na Tessália são coincidentes com os do neolítico da Europa central, a
inviabilizar a suposição de anterioridade desta última. O desenvolvimento autônomo da
cultura local pela mudança da orientação de seus contatos não pressupõe
necessariamente um processo de invasão populacional.
No bojo dessa mudança cultural ocorrida na civilização neolítica da Tessália,
alguns historiadores entrevêm a predominância de um tipo matriarcal de organização
social na primeira fase em que ela estava ligada ao Egeu, contra outra de tipo patriarcal
na fase posterior. Tal tese, porém, tem sido mais recentemente contestada.
No decorrer do segundo milênio constata-se, paralelamente ao desenvolvimento
da civilização do metal, que os esforços expansionistas dos centros de civilização
metalúrgica mobilizaram o envolvimento de populações marginais bárbaras na ação de
exploração e saque sistemático das riquezas naturais por extensas áreas, o que constituiu
um incentivo para a militarização dos grupos tribais nelas sediados e desenvolvimento
de sua economia a serviço das necessidades comerciais dos velhos impérios,
especialmente no que respeita ao transporte de matérias primas, com esta atividade
comercial, de seu lado, reciprocamente apoiada naquela forte organização militar.
Associado a esse processo, pelo que podemos inferir por similaridade com as
diferenciações ocorridas em relação ao Egito e à Mesopotâmia, dá-se o
desenvolvimento das atividades pecuárias, com os povos nômades realizando
concomitantemente pastoreio e comércio também na Grécia setentrional. O surgimento
da populações de língua indo-européia na área asiática estaria assim correlacionado com
esse processo de mobilização de populações por influência dos centros mesopotâmicos.
O esboço de “fronteira” entre o norte da Grécia e a Grécia central pode também
ser caracterizado em termos da existência de dois sistemas de intercomunicação
comercial atuantes respectivamente na Grécia meridional e na Grécia central, com a
primeira dessas áreas interagindo com as Cíclades e a segunda com Tróia e região dos
estreitos, assim evidenciados pelos diferentes padrões de cerâmica que nelas se constata.
Os contatos da Grécia central com Tróia faziam-se por mar, com pontos de apoio na
costa trácia por necessidades da navegação. As colônias litorâneas da civilização do
Bronze na Calcídica, que constituem pequenos pontos de apoio por meio de portos
fortificados, sugerem que as relações entre a civilização do metal e a neolítica do norte
da Grécia fossem violentas. Apesar, entretanto, desse padrão de violência, os centros
calcídicos tornam-se foco de difusão civilizatório na área trácia, cuja influência alcança
até o Épiro.
Por volta de 2000 ªC ocorre toda uma série de modificações no Egeu que refletem
transformações mais gerais abrangendo os velhos impérios do Próximo oriente, assim
marcando o fim da Idade Antiga do Bronze e início da Média: no Egito, o fim do Antigo
Império e, na Mesopotâmia, o fim da civilização suméria com o declínio da III Dinastia
de Ur.
A Média Idade do Bronze, por volta de 2000 a 1600, se caracteriza pelo
desenvolvimento crítico tomado pelo relacionamento entre os velhos impérios e as
populações bárbaras, tanto no Egito quanto na Mesopotâmia, levando às invasões de
povos bárbaros pastores que serviam à expansão comercial na fase anterior a que estão
associadas a modificações internas muito profundas na organização desses impérios, de
que resultará a formação de Estados militarizados na Idade Recente do Bronze, cuja
expressão mais alta é a realeza egípcia da XVIII à XX Dinastias. A ampliação da
penetração dos povos de velha civilização nas áreas bárbaras está relacionado com esse
processo e polarizou a organização de um vasto sistema de comércio a longa distância
visando ao abastecimento de metais (estanho e cobre), com toda a Europa tendo grande
participação nesse comércio.
O Egeu, no decorrer da Média Idade do Bronze, conhece período de instabilização
e agitação. Nele, Creta se destaca como centro de atuação civilizatória associada à
concentração progressiva de sua população em Cnossos. O desenvolvimento da
civilização em Creta é marcado pelo surgimento dos “grandes palácios”, assinalando a
forte organização monárquica nela vigente. Essa polarização do desenvolvimento de
Creta em função de suas interações na área do Egeu dá-se paralelamente ao período em
que ocorrem sucessivas alterações culturais na Grécia central, as quais levaram à fusão
dos elementos centro-meridionais com os setentrionais do continente grego.
Por volta de 1900, rompe-se a “fronteira” que separava o norte da Grécia da
central e meridional. Tróia sofre destruição violenta, dando lugar ao surgimento de
Tróia VI. Tróia VI é marcada, ao que entendem certos autores, por um tipo de cerâmica
conhecida como “miniana”, que também ocorreria na Grécia central, fato este,
entretanto, contestado por outros. Alguns insistem que essa cerâmica, cuja confecção
imita a dos artigos de cobre, pressupõe o desenvolvimento de uma civilização que não
conhece a indústria dos metais, imitando-os, pois, de áreas vizinhas. Tal seria a
civilização dos povos do norte da Grécia durante o Neolítico. Insistem também em que
a fusão dos elementos do norte da Grécia com os da Grécia central decorreria de
movimento de invasão maciça de povos da primeira sobre a segunda. Já outros autores
apontam grandes semelhanças entre a cerâmica miniana e a de origem anatólia.
Há traços de ruptura com a civilização do Bronze anterior, cuja arquitetura
característica na área do Egeu-Anatólia apresentava um padrão de plantas retangulares,
com cômodos, espécie de claustros, dispostos em redor de uma sala central. Os tetos
planos em terraço são próprios de regiões secas. Já a nova arquitetura correlacionada
com o surgimento da cerâmica miniana apresenta casas “absidais”: arredondamento das
extremidades, sinais de postes formando uma linha central, e teto em duas águas. Tipo
de construção, pois, correspondente à de “cobertura com palha”, própria de clima frio.
Pela evolução deste padrão de casas absidais resultam casas retangulares apoiadas em
sistema de estacas que pressupõem tetos do mesmo tipo. Nos dois casos, retangular e
absidal, o fogão é localizado no centro da construção, num tipo primitivo de mégaron.
Por entenderem que o mégaron pressuporia climas chuvosos, alguns autores
supõem que fosse característico junto às populações nórdicas. Assim, pensam também
que os templos gregos mais arcaicos, com forte inclinação do telhado, se prestariam ao
melhor escoamento da neve. Daí a tese que explica tais mudanças devido a uma invasão
de povos setentrionais. A arqueologia da Ásia Menor, entretanto, revela que o mégaron
é característico mégaron é padrão característico na Anatólia desde o Bronze Antigo,
assim abalando as convicções das teses de um invasionismo nórdico.
A Média Idade do Bronze, que se extende até por volta de 1600, conhece
sucessivas instalações violentas associadas à nova arquitetura, frequentemente
correlacionada com o novo padrão de confecção cerâmica. Na Antiga Idade do Bronze,
o sítio de Lerna constitui-se como centro de povoamento que se desenvolve por
organização monárquica com concepção de Estado de tipo urbanizado, como o indicia a
dita “Casa das Telhas”, cujas proporções assinalam a existência de Estado organizado
com recursos próprios. Por fins da Média Idade do Bronze tem-se a destruição da Casa
das Telhas, dando lugar ao aparecimento de um túmulo circular do mesmo tipo dos que
se desenvolveram em Micenas, cuja riqueza assinala que sejam túmulos reais.
Tradicionalmente a historiografia tem interpretado esse processo sucessivo de
extensão da arquitetura absidal associada à cerâmica miníana como ativado por série de
movimentos invasionistas. Primeiro, por inícios da Média Idade do Bronze (~1900), os
jônios identificariam tais povos invasores; a seguir, por volta de 1700, os aqueus e
eólios. Em Creta, a destruição dos grandes palácios por volta de 1700, causada por
terremotos ao que entende a maioria dos arqueólogos, é também frequentemente
atribuída por outros especialistas á uma invasão aquéia. Assim, as grandes alterações de
povoamento ocorridas na Grécia da Média Idade do Bronze têm sido compreendidas em
termos de uma série de destruições violentas resultantes dessa série de movimentos
invasionistas, dando lugar a novas ocupações caracterizadas pela arquitetura absidal
com mégaron primitivo associada à cerâmica miniana, e que seriam responsáveis pela
conformação dos vários grupos dialetais que conhecemos da Grécia clássica.
A arqueologia da Ásia menor, entretanto, revela que os traços culturais assim
atribuídos ao fenômeno das invasões ocorrem, todavia, já caracteristicamente naquela
área. De modo que, embora se possa admitir alguns contatos violentos sob a forma de
grupos invasionistas, há que se pensar antes em termos do rompimento da antiga
fronteira num processo de homogeneização cultural das áreas antes individuadas
setoralmente.
Por volta de 1600, Creta, sob a liderança de Cnossos, exerce marcada influência
sobre toda a área do Egeu (ilhas e Grécia continental), a ponto de se pensar em um
domínio político cretense sobre o mundo grego. Juntamente com tal presença cretense
nas áreas gregas, desenvolve-se um intenso comércio da Grécia com a Europa central, o
qual tem como principal foco de interesse a produção de metais centralizada na área do
médio Danúbio e também em regiões mais remotas na península ibérica e ilhas
britânicas.
O âmbar, material precioso valorizado como talismã e que ocorre naturalmente
em ricas jazidas na área do Báltico, conhece grande difusão na Europa e Grécia
continental, então instaurando-se um grande eixo comercial que liga a área báltica ao
Mediterrâneo. No decorrer da Idade Recente do Bronze constata-se um
desenvolvimento inesperado em que áreas até então retardadas culturalmente assumem
posição de grande iniciativa cultural, fenômeno este que pode estar correlacionado com
o processo de formação da língua grega associado à mobilização humana envolvida
nesse eixo comércial centrado no âmbar. Dado que grande série de elementos aproxima
a língua grega da germânica, da celta e da umbro-sabélica em contraposição às formas
mais arcaicas do sistema lingüístico indo-europeu (latim, hitita, indo-ariano), pode-se
pensar que aquele fenômeno articulasse interações abrangendo a Grécia central, a
civilização apenínica na Itália, populações proto-germânicas na Escandinávia, e povos
celtas. A constituição do mosaico de dialetos gregos não se explicaria, portanto, como
formas já diferenciadas trazidas de fora para a área da civilização grega por unidades
invasoras, antes corresponderiam à propagação dos elementos de civilização da área
grega para a Europa setentrional na constituição de elites relacionadas com o comércio
de longa distância que moldaram bases populacionais em várias áreas. Há casos em que
essas eleites foram absorvidas pela população local, consituindo quase uma regra nas
áreas em que a escrita fixava a língua local (área semita, hurrita). Porém, no mundo
bárbaro indo-europeu em que a língua não fora fixada pela escrita, o indo-europeu
revelou-se a língua apropriada para a fixação dos elementos da cultura oral, iletrada,
como língua de caráter sintético de eficiência mnemônica.
O florescimento da civilização continental européia estaria assim associado aos
fluxos comerciais que articulavam a civilização micênica com a Europa central na Idade
Recente do Bronze.
*
A natureza predadora da economia micênica provê a explicação do porque ela se
expandiu rapidamente em paralelo com o declínio da cretense, e também explica como
as situações resultantes de sua própria expansão criaram as condições de seu fim.
Nos arquivos da realeza hitita (século XIV ªC.), os reis hititas tratam os reis
aqueus em pé de igualdade com os suzeranos do Egito e de Mitani. Segue-se fase em
que os reis aqueus são vistos com desconfiança e consoantemente desconsiderados
pelos hititas, dando lugar a relaçõe stensas entre eles. A Carta de Tawagalawa revela
uma relação de intimidade entre as cortes hitita e aquéia, pressupondo o trânsito de
elementos de uma para outra. Nela também pode-se perceber graves dificuldades no
relacionamento entre os dois poderes no que respeita aos súditos hititas da Ásia Menor,
dando lugar a situações conflitivas entre hititas e aqueus. As referências assinaladas
nessa carta estão, assim, em plena concordância com o contexto histórico das relações
que envolvem a realeza hitita com a egípcia, ambas preocupadas com a fidelidade de
seus reis tribais vassalos, preocupações estas registradas no Tratado Egípcio-Hitita.
Os anais egípcios de fins do século XIII fazem referência a uma confusa
confederação de povos do mar, entre os quais são mencionados os aqueus, mais outros
povos identificáveis como vassalos egípcios e hititas alistados dentre os contingentes
que combateram em Qadesh (sherdenes). A ação dos povos do mar criou uma situação
de anarquia na área do Egeu de sistemáticos efeitos destrutivos. Seu ataque ao Egito, de
que a investida por terra fora a responsável pela queda da realeza hitita, deu-se em duas
ocasiões, entretanto sendo pelos egípcios em ambas. Os egípcios recorreram à
contratação de alguns elementos desses povos do mar: os peleset (filisteus) instalados na
Palestina (analogamente aos confederados no Baixo Império romano), cuja realeza
gozava da proteção egípcia. O movimento dos povos do mar marca a culminação do
processo de indisciplina dessas realezas vassalas que constituiam parte importante da
base militar das realezas egípcia e hitita.
A queda de Tróia pode ser, portanto, entendida como um dos episódios dentre a
série de ações anárquicas desses povos no âmbito egéico. Não há necessidade de se
explicar esse fato em termos dos interesses mercantis gregos atuantes na passagem dos
estreitos, tese esta abandonada uma vez que não se contataram em Micenas tais núcleos
de interesses. A expansão micênica pelo Egeu e Mediterrâneo comportava justo um
caráter anárquico e predatório, que não visava à colonização mercantil. Ainda mais,
Tróia não controlava realmente os estreitos nem estava preocupada em exercer tal
controle.
A organização micênica revela uma estrutura militar bem primitiva da qual
resultavam formas políticas muito instáveis. Pelos dados arqueológicos pode-se
apreender o fundamento de historicidade suposto pelos mitos respeitantes às casas reais
de Tebas e da Argólida, as quais teriam sossobrado após a tomada de Tróia (sessenta
anos depois no caso da Beócia, oitenta no da Argólida), assim entrando em colapso a
civilização micênica. Na tradição grega essa ruína aparece correlacionada com o mito
do retorno dos Heráclidas. A crítica historiográfica moderna identifica nesse mito o
movimento da invasão dória, que teria origem nórdica associada à movimentação geral
dos ilírios no Adriático e traco-frígos na Ásia Menor, atestada para inícios da Idade do
Ferro.
A metalurgia do ferro era prática corrente no império hitita desde o século XIV,
como o revela a correspondência trocada entre os reis hititas e os egípcios. Nela se
entende que os hititas detinham o segredo da fabricação do ferro, segredo este talvez, ao
que parecem supor certas lendas, associado às tribos da região ao sul do Cáucaso, os
cálibes, que eram vassalas dos hititas, cujas técnicas metalúrgicas baseadas na têmpera
desse metal dava resultados superiores à do bronze. O segredo da metalurgia do ferro
ter-se-ia então propagado entre os hititas, com os filisteus, um dos constituintes dos
povos do mar e que aparecem associados aos sherdenes, sendo os introdutores da
metalurgia do ferro no sul da Síria. Com a desintegração do sistema imperial hitita terse-ia, por sua vez, propagado em âmbito maior o conhecimento da metalurgia do ferro.
A tese histórica que correlaciona a difusão da metalurgia do ferro com a invasão
dórica é, entretanto, bastante dúbia, uma vez que não só o surgimento dos primeiros
artefatos de ferro Grécia constatado arqueologicamente se dá em época retardada
relativamente ao daquele suposto fluxo invasionista, quanto ainda ocorre ele
primeiramente na Ática, todavia, pelo que a tradição memorizou, poupada pelas
invasões dórias.
Pode-se antes entender o golpe mortal sofrido pelas velhas realezas da Idade do
Bronze em correlação com a evolução do comércio de longa distância que as supria
suas necessidades de materiais. Os velhos impérios estavam baseados em um sistema de
realezas mercantís que asseguravam o fornecimento e acesso ás fontes de metais
constituintes do bronze por meio do controle de rotas de comércio o qual se mantinha na
dependência de vários elementos heterogêneos que sustentavam com seu apoio militar a
vigência desse controle. Ao se libertarem do suprimento dos recursos da metalurgia do
bronze pela difusão do segredo da metalurgia do ferro, os Estados vassalos afastam-se
dos grandes impérios, dando lugar, especialmente no século XII, à rápida liquidação de
tais impérios centralizados. Portanto, o surgimento da nova metalurgia do ferro, passível
de ser desenvolvida em cada cantão com os recursos econômicos naturais do local,
tornou desnecessário que os impérios mantivessem as rotas de comércio a longa
distância [nos anos posteriores PC buscava superar essa formulação ...]
Constatam-se, para o período imediatamente seguinte, certos aspectos de ruptura
relativamente aos modos da civilização micênica, tais como a cessação de atividades
edificadoras e a destruição de seus centros de poder. Porém, a pobreza de vida
econômica bastante atenuada que então se instaura é suficiente para explicar essas
rupturas, não sendo impositivo entender o processo com marcando um fim brusco e
pleno da civilização micênica. Assim, o período pós-micênico, que se eextende até por
volta de 950 ªC., guarda muitos aspectos presente na civilização anterior, assinalando
assim uma sequência de continuidade.
A tradição do pensamento histórico grego insistia na idéia de ruptura que a
invasão dória marcava, entendendo que as formas posteriores à invasão divergissem
opositivamente em relação às pré-dórias. Pelos dados revelados pela arqueologia,
entretanto, a percepção de uma descontinuidade entre uma época e outra vem sendo
bastante atenuada, podendo-se antes pensar em permanências de formas civilizatória em
novos ambientes de atenuação da vida econômica e de sua correspondente
compartimentação regional em economias de horizontes mais estreitos. Pode-se
similarmente entender a permanência de um análogo tipo de organização social, com a
histórias das cidades-estados gregas (póleis) compreendida a partir da civilização
micênica. Assim, Jeanmaire, em sua obra Couroi et Courètes, sugere que a formação do
Estado espartano pode ser entendida à luz de antecedentes micênicos, de modo que a
história social de Esparta não seja necessariamente explicada em termos da
superposição de estratos sociais invasores contra os estratos submetidos. A
conformação de sedimentação social que caracteriza o Estado espartano se dá
posteriormente à invasão dória, imbricada em um processo que culmina com a adoção
das formas de infantaria pesada como base militar desse Estado. A invasão dória,
portanto, não é a instância histórica responsável pela forma estratificadora que
caracteriza a sociedade espartana.
Qualquer que seja a importância da movimentação de povos no período préhelênico, não é necessário recorrer à inteligibilidade associada a esse fenômeno para
explicar o desenvolvimento histórico ocorrido nesse período. A própria dinâmica
interna desse processo já é suficiente.
Gaetano de Sanctis pensava que o dialeto dório fosse também um dialeto dos
aqueus. As diferenças dialetais gregas são bem pequenas. Portanto, não é necessário
atribuir uma importância maior às invasões de grupos étnicos em épocas diferentes
portando em si unidades dialetais já formadas, o que suporia, mais do que dialetos,
verdadeiras línguas diferentes. O padrão de áreas de convivência de compartimentação
regional na Grécia arcaica é suficiente para entendermos o mosaico de diferenças
dialetais, sem que haja necessidade de recorrer à determinação ética por invasões de
grupos dialetais.
O processo de transição da civilização micênica para a da Grécia arcaica comporta
uma base de memorização documental nos poemas homéricos. Reagindo contra a tese
de que tais poemas constituiam, no seu conjunto, obras de ficção, mesmo que baseadas
em lendas antigas, Forrer localizou nos arquivos hititas referências alusivas aos aqueus,
que ele entendia como indicações de principados subsidiários, mas que mais atualmente
são equacionadas com o próprio reino de Micenas. Também a arqueologia micênica
revelou um paralelismo entre os teores referidos em lendas dinásticas e os dados
materiais respeitantes às realezas dinásticas da tradição heróica. Uma vertente
intelectiva tende a destacar progressivamente a compreensão e fidelidade do
fundamento histórico dos poemas homéricos. Assim, por exemplo, pode-se entender o
catálogo dos navios da Ilíada como uma espécie de fragmento de memória de época
micênica, situada em torno do século XIII. Alguns autores, a assim afirmar a
autenticidade de Homero, tendem então a “retocar” as idéias constituintes da invasão
dória: dado que os dórios, ao que diz Homero, estavam estabelecidos já em Creta antes
de ocuparem o Peloponeso, tais autores explicam essa indicação homérica como
assinalando a rota seguida pelos dórios, interpretação esta que, todavia, acusa pontos
fracos.
Figuras lendárias, como Minos e Teseu, são, por sua vez, tidos atualmente como
instâncias de memorização situadas num limiar de historicidade. Teseu, em particular,
parece figurar versões de lendas carregadas de informação cultual. Na tradição que
caracterizou a figura de Minos como “chefe da talassocracia cretense” pode-se ter uma
memorização do império naval minóico de meados do século XIII, quando o sistema de
dominação naval cretense se extendeu por regiões do Adriático e Tirreno. Tal extensão
imperial ensejaria explicar a reunião de povos marítimos que constituíam os
denominados povos do mar: ao lado dos adriáticos e filisteus, também os sherdenes a
assim serem identificados com os sardos (Sardenha) e os shekelesh com os sículos.
Assim se entenderia que, reunidos na costa líbica, o ponto continental mais próximo de
Creta, um grupo de súditos de Minos possa ter-se constituído, quando da dissolução do
império minóico, na ameaça para o império egípcio representada pelas notícias dos
“povos do mar”.
Constata-se paralelamente ao término da civilização micênica uma ruptura nos
sistemas de escrita: desaparecimento da tradição de escrita silábica e posterior
surgimento da alfabética. Tal ruptura se dá em correspondência com as diferentes
características de organização social respectivamente em consonância com as estruturas
econômicas vigentes em uma e outra época. A organização social da Idade do Bronze
estava centrada pela economia ou do templo ou do palácio, cujas necessidades de
controle contábil solicitaram a criação do sistema de escrita silábica. Com o
desaparecimento dessa estruturação econômica a escrita silábica tornou-se inútil. É só
com o amadurecimento da economia do ferro que o novo sistema promovendo
elementos de economia individual criou novas necessidades de escrita de domínio mais
simples e “portátil”, a qual não supusesse a presença de um corpo de escribas que a
manejasse. A escrita alfabética responde justo a tais requisitos.
iii. 18 de março de 1975
O desenvolvimento da cidade-estado em sua forma clássica parte do surgimento
de formas fundamentais constituídas no decorrer do período obscuro (aproximadamente
de 1100 a 700), pelo que a historiografia mais recente tende a reformular suas idéias
sobre o fenômeno histórico da pólis grega nos termos dessa abordagem.
Tradicionalmente associava-se a definição da cidade-estado pela existência da acrópole.
Ora, nesse período a tendência é justo a do abandono da acrópole que caracterizava a
sede palaciana da realeza micênica em locais elevados e fortificados, com os centros de
poder deslocando-se para as áreas das aldeias de planície. Assim, uma das formas
típicas de cidade-estado, a cidade-estado dórica (espartana), não apresenta uma acrópole
como elemento essencial de sua definição e nem sequer se constitui em área de espaço
“urbanizado”, antes supondo um agrupamento descontínuo de aldeias. O exemplo de
cidade-estado que ensejou essa imagem conceitual que tem na acrópole seu emblema foi
Atenas em que a antiga sede palaciana do período micêncio subsistiu associada á cidade
de novo estilo.
O deslocamento do poder outrora sediado na acrópole para as áreas de planície
decorre principalmente do fato de que a base do poder não mais se concentra no
sistema econômico do palácio real, passando agora a depender de uma aristocracia
militar. Em alguns casos tal aristocracia guerreira encontra base econômica suficiente
nas proximidades da antiga acrópole, como é o caso de Atenas, de acrópole próxima à
planície do Cefiso.
Juntamente com tal evolução tem-se uma tendência generalizada de decadência da
realeza, fenômeno este que aparece memorizado nas tradições gregas de contaminação
mítica pelas figurações de morte ritual do rei, impossibilitando separar-se as formas de
origem ritual dos substratos de tradição histórica. A realeza na antigüidade era
concebida como dotada de funcionalidade mágica, um ser eficiente para a devida
realização das funções da ordem natural, assim capaz de atualizar forças e poderes
ordenadores da natureza, de que resultava, em contrapartida, para o rei a fruição de
privilégios econômicos decorrentes da suposta eficácia desses seus poderes mágicos.
Ritualmente o rei atualiza sua função mágica por representações que simulam sua morte
e ressurreição, assim simbolizando os cíclos da vida agrária. No culto de Osíris ou no de
Adonis, o rei encarna e representa ritualmente justo a figura da divindade. Em Homero é
dito que o rei Minos renovava seus poderes de nove em nove anos.
As tradições gregas frequentemente figuram na emergência da pólis a abolição da
realeza, retrato este que, entretanto, não condiz com os fatos da realidade histórica
observada, os quais indiretamente apontam a evolução da sociedade levando a um
processo gradual de enfraquecimento do poder régio, que, entretanto, em muitas cidades
nunca chegou a seu término. A pólis espartana, em especial, supõe a instituição de uma
realeza hereditária rígida, com a figura do rei mantendo sempre restos de sua primitiva
força como comandante do exército. Na pólis ateniense o rei figura, ao cabo desse
processo, como magistrado instituído de mandato anual por uma evolução gradativa de
passagem das estruturas da velha realeza de época micênica para o cargo oficial das
novas formas políades. O poder real, portanto, representa elemento de continuidade
entre a antiga e a nova organização política, e graças a essa continuidade podemos
compreender as conexões institucionais que perpassam do período micêncio para o da
cidade-estado.
Pelo que revelam os tabletes, a realeza de período micênico aparece concentrada
em forma de poder palaciano, o qual tem por base uma função redistribuidora
especialmente no que respeita à economia dos metais. O rei constitui seu tesouro de
reservas econômicas por meio quer de procedimentos de pilhagem guerreira associados
a sistemas comerciais de caravanas a seu serviço, quer por meio da cobrança de direitos
senhoriais incidentes sobre os rendimentos organizados da produção agrária e artesanal
das comunidades integradas em seu reino. A figura do rei polariza a ordenação dos
organismos militar, comercial e agrário, assim atuando como centro redistribuidor de
suprimentos às camadas guerreiras a seu serviço. Também os poemas homéricos
retratam essa relação de subsistência que se instaura entre o rei e seus guerreiros, ali
representada em termos dos favores, dos provimentos alimentares, e outras benesses
com que o rei gratifica seus comandados e que configuram uma espécie de pensionato
por que a realeza assegura sua base de poderío militar. Já o grosso da população
produtiva aparece situada em função subalterna num tal sistema. Pelos que revelam os
tabletes, o elemento agrário se define em uma relação de servidão para com o palácio
real. A realeza central detém poderes sobre vários pontos fortificados no reino graças a
um sistema de relações pessoais, com os reis locais sujeitos relações de vassalagem para
com o rei principal, que são de alcance muito variado e diferindo consoante cada caso
pessoal, não estando, pois, codificados num sistemas formal de hierarquias como
acontece no período europeu medieval.
A fase final da Idade do Bronze é marcada pela degenerescência militarizante
dessa estruturação comandada pela realeza, ao que indiciam fortemente os tabletes e a
arqueologia micênica em termos de ações violentas e destruições. Na cidade-estado
grega tem-se a sobrevivência de elementos da instituição real que, entretanto, com a
decadência da economia do bronze, tem sua função redistributiva praticamente
terminada. Os direitos de senhorio sobre terras e pessoas são transferidas do rei para a
nobreza, de base mais ou menos ampla, ao longo do período que se estende do século
XII ao VIII, assim marcado pela ascensão social de uma série de famílias aristocráticas
que absorvem em maior ou menor grau as antigas prerrogativas e primazias detidas pela
realeza.
É típico dos Estados dóricos a situação em que a cidade consiste de dois estratos
sociais: a massa produtiva em função servil (hilotas, minóitas) e a classe guerreira que
monopoliza os direitos de atuação política. As relações entre elas guardam aspectos
obscuros, mas tanto em Esparta quanto em Creta não se trata de atribuição individual,
mas sim coletiva de servo a senhor, de modo que todos são servos de todos os senhores.
As referências antigas respeitantes à participação de cada elemento da classe guerreira
na fruição dos bens comuns são muito indecisas, sugerindo que cada guerreiro detivesse
lote de terra bem delimitado com os servos estatais nele trabalhando. Porém, a relação
de direito coletivo entre senhor e servo se choca contra essa idéia de um lote de terra
bem determinado detido pelo guerreiro, especialmente porque a figura do servo aparece
vinculada à terra, com cada hilota possuindo residência e trabalho forçado numa
localidade. A expressão usada pelos espartanos para referir essa participação de cada
guerreiro na fruição da terra trabalhada pelos hilotas era dita archaia moira (quinhão
primevo), e não klaros (lote). Cada espartíata não estava limitado apenas à fruição dos
direitos da archaia moira, detendo outras propriedades. É questão controversa definir
que a classe guerreira possuisse coletivamente a terra trabalhada pela classe servil.
Alguns pensam que o klaros representasse a figura idealizada dessa participação
enquanto a moira daria o nome institucional desse direito participativo.
Os linguistas estabelecem que minóitas refere-se a minos enquanto designativo da
realeza cretense, assim entendendo que minóita seja um homem do rei. A figura do
minóita estaria, então, na origem da organização da servidão na pólis dórica, quando os
poderes da realeza são usurpados pela aristocracia militar, com as terras do domínio real
(temenos) passando a patrimônio comum da coletividade guerreira e os produtos de sua
exploração sendo distribuidos como instância básica de sua manutenção, definindo-se
assim o nexo fundamental entre classe senhorial e classe servil constituivo da pólis
dórica.
Outro elemento considerado típico na composição das cidades dóricas são os
periecos (os que habitam as redondezas), categoria que figura uma espécie de semicidadão, não detendo direitos de atuação política no Estado espartano, mas gozando de
autonomia local em seu distrito de estabelecimento, se bem que sob fisclaização de
representante da cidade-estado central. Em geral estavam distribuídos pelas áreas mais
pobres, montanhas e litoral, marcadas pela exigüidade de terras agrícolas, de modo que
os periecos se definem caracteristicamente pela realização de funções artesanais, porém
em nível econômico de auto-suficiência agrícola, com os elementos mais destacados da
nobreza na cidade-estado detendo propriedades particulares ou domínios pessoais nas
terras dos periecos.
O modelo espartano de cidade-estado compõe-se, portanto, pela classe cidadã
constituída pela elite guerreira dos espartíatas, mais a classe dos servos, e a classe dos
periecos que detém direitos civis mas não políticos. Se comparada tal situação
constituiva da cidade-estado dórica com a vigente na época da realeza micênica, a
diferença fundamental seria apenas marcada pelas ascensão da classe guerreira, que
outrora era dependente da figura do rei, mas que agora assume o controle dos domínios
reais e a consoante fruição dos direitos sobre eles estabelecidos. Os periecos, por sua
vez, guardam a mesma relação de vizinhança respeitante à área dominada anteriormente
pela realeza. Consequentemente, não é necessário imaginar-se que a coletividade
guerreira dos Estados dóricos seja assim estabelecida em decorrência da vinda de
grupos invasores que alterassem ou destruissem os quadros sociais anteriormente
vigentes. Trata-se do mesmo tipo de elemento guerreiro que, antes dependente do poder
econômico da realeza, passa agora a assumir o controle das melhores terras agrárias
antes detidas pelo rei, paralelamente reduzindo ou mesmo anulando seus poderes. A
relação de servidão entre o elemento produtivo agrário e a realeza é mantida intata,
sendo apenas transferida para o órgão coletivo dos guerreiros: permanece a mesma
relação de subalternidade, só que agora a subordinação se dá para com a figura do
Estado. Tal inteligibilidade explicativa do processo constitutivo da cidade dórica não
implica que não houvessem invasões e mesmo violentas, assim favorecidas pelo
contexto de fins da Idade do Bronze. A questão se coloca, entretanto, em termos de que
tal processo de substituição da ordem sócio-econômica micênica pela políade não
decorre do fenômeno das invasões, explicando-se já pela própria evolução interna do
processo.
É no âmbito no sistema das técnicas de guerra que se constitui o elemento
diferencial fundante dessa passagem para a cidade-estado dórica, com a definição, por
volta do século VIII, da tática de combate da falange hoplita. A falange hoplita
antecedentes de época micênica, quando a arma de combate fundamental era figurada
pelo carro de guerra: já então aparecem tropas auxiliares de lanceiros e seguramente
rudimentos de infantaria que valem como tropas de apoio para os grupos de guerreiros
de elite. Por volta do século XI a.C. os carros de combate caem de uso, aparecendo a
seguir, na virada para o primeiro milênio, as primeiras documentações do emprego do
cavalo montado em paralelo sincronismo entre o mundo grego e o assírio. Tal evolução
ensejou a que, em fase intermediária até a plena afirmação da tática de falange, os
guerreiros montados constituissem elemento importante na ação guerreira, pelo que se
pode especialmente retrospectivamente extrapolar do fato de que as formas primevas de
aristocracia militar na Grécia arcaica apareçam ligadas ao exercício da cavalaria, Dado
que a documentação passa da tática do carro de guerra para a tática da falange, com a
montaria na Idade do Bronze figurando antes uma espécie de esporte desprovida de
recursos técnicos (arreios, estribo), é antes pela importância social do cavaleiro firmada
na época arcaica que se infere, para a fase intermediária a ela antecedente, que o
cavaleiro fosse importante na guerra.
O enfrentamento por carros de guerra se realiza entre membros da alta aristocracia
configurando combates singulares, que apenas contam com o apoio de tropas de
cobertura. Trata-se essencialmente de disputas de predomínio entre elementos da
aristocracia. Na falta de organização superior que se baseasse nessa disputa individual
criou-se modalidade de prática guerreira para forçar aldeia vassala a pagar os direitos a
ela imputados. As novas necessidades levam à criação de novos tipos combates
armados, em que então a cavalaria montada apresenta eficácia de grande poder no
controle sobre áreas mais amplas por um único elemento. Assim, a guerra que se dá
agora contra grupos e comunidades enseja mudança em suas táticas de efetivação,
levando à descoberta de inpvações técnicas e a alterações na organização social.
O processo histórico poder, portanto, ser assim explicado em termos de sua
evolução interna, sem que tal exclua a ocorrência de movimentos de invasões. Os
organismos da cidade-estado formam-se assim a partir de aglomerações de guerreiros
com tendência a expansão ou por meio de sinecismos (alianças entre cidades) ou do
domínio de uma sobre outras. Os grandes movimentos de população constituem,
portanto, um elemento de complicação nesse quadro histórico, configurando uma
tendência para a constituição de organismos políticos em base local e particularista que
evoluem para tendências expansionistas e aglomerativas.
A simplicidade das estruturas sociais determinadas por essas relações básicas
ganham matizes complicadores. Assim, os qualificativos do cidadão espartano revelam
diferenças de direito de tratamento grandes, incluindo os espartíatas plenos, que tendem
a constituir grupo mais minoritário, e, a seu lado, várias categorias de cidadãos com
menores direitos. As famílias privilegiadas – assim os Heráclidas, de sangue real –
compõem uma aristocracia que através do controle de posições eletivas mantêm
privilégios de fato nunca expressamente reconhecidos. Em Esparta tem-se um pequeno
número de famílias representado na Gerúsia. Embora os espartanos proclamassem sua
origem dória e por ela baseassem seus privilégios de classe, encontram-se na alta
aristocracia espartíata famílias “pré-dóricas” (de época micênica). Assim, os próprios
Heráclidas não seriam dórios de origem, mas antes, pela lenda, “aqueus” de Argos.
A importância do elemento dórico ganha destaque no século V durante a fase de
aguda rivalidade entre Esparta e Atenas, com esta fundamentando seu direito ao
domínio naval apresentado como direito sobre os jônios, e aquela sustentando os
regimes oligárquicos a proclamar-se como líder das cidades dórias.
A penetração dos dórios no Peloponeso, segundo a tradição grega, teria ocorrido
oitenta anos após a Guerra de Tróia, datável assim por volta de 1100 ªC, com tal
cronologia coincidindo, pois, com os abalos que marcaram o fim da Idade do Bronze.
As tradições dizem de três grandes colunas dórias comandadas por três reis. Os estudos
modernos, entretanto, apontam razões porque descartam essa tradição lendária. Assim, a
entrada dos dórios em Argos precede as respectivas em outros pontos do Peloponeso, e
embora a destruição de Micenas coincida com o fim da Idade do Bronze, a doricização
não implicou a supressão de Micenas, que se reergue como acrópole de segunda
natureza. É só após as Guerras Medas que Argos incorpora Micenas a seu Estado, como
resultado final do processo em que os centros de poder baseados nas áreas de planície,
assim Argos, suplanta os de pontos elevados, como Micenas.
Ainda, a doricização de Argos, cidade já do reino micênico, não implicou em
ruptura histórica: o Heraion atesta existência contínua desde meados da Idade do
Bronze, por volta de 1725 ªC., até a fase de decadência do mundo grego, constituindo-se
como centro de grande atividade religiosa e cultural no período obscuro. Sob sua
inspiração elabora-se grande parte das lendas e mitos que retratam a época heróica, tais
como as estórias de Héracles, dos Argonautas, as referentes às realezas micênicas. A
poesia grega no período arcaico tem em Argos seu ponto de desenvolvimento mais
importante, e é através de Argos e Creta, por inícios do século X, que se retoma a
técnica da escrita, agora alfabética por empréstimo dos fenícios. O mito de Héracles
configura uma oposição entre a figura do herói e a de Hera, dando-se as forças invasoras
com identificadas com Héracles, cujo nome mesmo, que significa “honra de Hera”,
aparecendo nas histórias sob permanente perseguição movida pela deusa. Tal
contradição, que pelas tramas do mito é explicada em termos do “ciúme de Hera”,
conforma uma representação do atrito entre elementos invasores contra continuidade da
antiga cultura figurada por Hera.
Também a evolução da arte cerâmica através do sub-micênico revela
continuidade, sem bruscas rupturas, com tendência a uma progressiva estilização da
ornamentação de que promove finalmente, na sua forma mais acentuada, o estilo
geométrico, Assim, a renovação do estilo cerâmico não é um produto da cultura dos
novos invasores.
Ao tempo em que se dá a doricização de Argos, o resto do Peloponeso conhece
um longo período de obscura transformação. A tradição referente à conquista da
Messênia é frequentemente rejeitada pela crítica moderna que acusa seu caráter de lenda
incosistente. A Messênia configura uma realidade histórica que não se enquadra
plenamente no esquema típico do Estado dório, dado que nela a relação entre a
aristocracia militar e os elementos agrários é mais branda do que o característico dos
outros Estados dórios. Desse modo, a ruína da monarquia de Pilos não implicou a
formação de uma aristocracia com poderes rigidamente definidos, aspecto este que
talvez explique a razão histórica de ter sido a Messênia uma presa fácil para a expansão
do Estado espartano.
Paralelamente à invasão dórica, e mesmo com alguma antecedência, ocorre a
penetração dos tessálios e beócios na Grécia central, dando lugar a um tipo de
estruturação social semelhante ao dos Estados dórios, marcada pela sedimentação da
sociedade entre classe guerreira que assume o domínio dos meios de produção e a classe
agrária. Na Beócia os antigos centros fortificados de acrópole são sobrepujados pelas
cidades agrárias de planície, sem implicar a destruição daqueles antigos centros. Assim,
na Cadméia tem-se a acrópole fortificada que, mais tarde, se confundirá com Tebas.
Orcomenos, dado pelas tradições como um antigo centro da Idade do Bronze, apenas
perde sua capacidade de irradiação cultural e econômica. Já na Tessália, os reis
praticamente se confundem com a aristocracia turbulenta.
Nessa época se dá também a alteração no quadro de povoamento do Egeu, com a
migração para as costas da Ásia Menor. Os gregos, particularmente as tradições
referidas por Pausânias, caracterizavam essas migrações como constituídas por
movimentos rápidos, de grandes levas, consequentes às Invasões Dórias, compostas,
primeiro, pelas fugas dos jônios do norte do Peloponeso, mais eólios e depois também
dórios. Pelo que revelam os dados arqueológicos, a colonização das costas jônias e
eólicas da Ásia Menor se dá de forma contínua desde a Média Idade do Bronze. Assim,
Mileto está já habitada desde por volta de 1400 ªC.. Pelo período final da Idade do
bronze, tem-se uma intensificação dos movimentos migratórios para a Jônia, que teria
sido antecedida, no entendimento de alguns autores, pela concentração intermediária na
Ática atestada arqueologicamente.
O processo migratório não se dá propriamente como movimentos de massas a
curto prazo. A intensificação das migrações no decorrer do século X está associada a
um processo mais amplo de reordenação do povoamento da Ásia Menor e norte da Síria
voltado para o reestabelecimento de velhas rotas da Idade do Bronze que haviam sido
interrompidas com a queda do reino hitita. Os frígios organizam-se como Estado
intermediário entre os Estados das costas da Ásia menor e a os da alta Síria. Já na região
armênia, Urartu se apresta para esse mesmo papel intermediário, associado ao
renascimento do império assírio após a invasão aramaica que havia reduzido a nada as
formas do antigo império.
A idéia de que a Ática tenha ficado incólume diante dessas grandes
transformações ocorridas na área do Egeu é apenas aparente. Pelo contrário, em Atenas
tem-se somente um retardamento desse processo evolutivo, o qual possibilitou que a
influência do comércio renascente tenha apoiado e incentivado a emergências de novas
soluções abertas e consumadas pela obra de Sólon.
iv. A Formação da Cidade-Estado na Época Arcaica: Esparta e Atenas
1 de abril de 1974
A instituição das cidades dóricas não precisa ser explicada em termos de um
processo invasionista dório, ganhando plena inteligibilidade histórica pensando-se a
permanência das relações que permeavam as estruturas agrárias da época micênica. O
desaparecimento da economia de palácio da Idade do Bronze e a sua substituição por
uma economia natural baseada nos recursos agrários locais ensejou o deslocamento dos
centros de força dos palácios para as áreas de planície, assim marcado, na Argólida, pela
decadência de Micenas e Tirinto contra a ascensão de Argos.
O caso de Atenas apresenta uma ligeira variante em relação a Esparta, e é
justamente por seu desenvolvimento mercantil o processo histórico daquela cidade
arcaica se diferencia do modelo espartano.
Na constituição da cidade espartana caracteriza-se pela existência de um núcelo de
cidaddãos que detém a exclusividade dos direitos de atuação política, e cuja subsistência
é baseada no trabalho de classe de definição servil. Já os periecos constituem população
com direito civil, porém sem autodeterminação política.
Esparta é originariamente composta por cinco aldeamentos que reúnem os
cidadãos espartíatas. Já a Lacedemônia denomina o território todo, englobando Esparta
mais áreas de periecos, marcando a herança da velha realeza micênica. Assim, a
ascensão da cidade-estado espartana se dá em detrimento da antiga realeza.
As tradições gregas sobre a origem de Esparta figuram-na como uma comunidade
de indivíduos livres, e que só em época, não muito bem determinada, veio a adotar o
tipo de constituição dórica a partir das reformas de Licurgo. A historicidade de Licurgo,
entretanto, é duvidosa, tratando-se antes de figura de caráter ou lendário ou mítico. É no
século V que tem início a formação de tradições lendárias a seu respeito. Já nas
referências mais antigas que são feitas de Esparta, o nome de Licurgo não aparece.
Pelo que registram as tradições, o grupo privilegiado de cidadãos que
originariamente formava Esparta sofreu acréscimos no decorrer da época arcaica pela
extensão dos direitos espartíatas a outros setores, em decorrência do desenvolvimento
da tática de combate baseada nas forças de infantaria, assim forçando a nobreza de
cavaleiros a repartir seus privilégios com os grupos de infantes. A Primeira Guerra
Messênia, motivada pela necessidade do Estado espartano conquistar mais terras de
estatuto servil, supõe já um quadro ampliado de cidadãos ensejando a expansão
territorial por necessidade de desafogar a pressão social interna. Assim justamente se
constata pelo fato de que essa guerra coincide, tanto cronologicamente quanto pelas
tradições memorizadas, com a fundação de Tarento, a única colônia de origem
espartana.
O corpo de espartíatas está congregado em cinco aldeamentos, cujo ponto de
reunião se situa em plena área rural, de modo que Esparta não apresenta características
propriamente urbanísticas. A reunião dos cidadãos é denominada apella, sendo
convocada pelos reis mais gerontes (“velhos, anciãos”), os quais constituem resquício
do antigo conselho de anciãos. Dado que géras significa também dom ou presente
honorífico, os gerontes marcam uma definição aristocrática, referindo, pois, anciães de
certas linhagens da sociedade espartana. O colegiado de 28 gerontes mais os 2 reis
compõe a Gerousia.
As tradições antigas fazem referências a uma reforma que teria modificado uma
primitiva situação supostamente mais democrática nas relações existentes entre a
Gerousia e a apella. Trata-se do que os antigos chamavam de Grande Retra, lei
formulada por pronunciamento oracular, mas que constituem antes reproduções de
encomendas dos solicitantes do oráculo. O texto apresenta um caráter compósito em que
o sentido disposto na primeira redação é alterado por uma intercalação de frase
posterior, a qual dizia que ‘se opovo se manifestasse tortuosamente, os gerontes
interromperiam a sessão’. Daí a idéia de que com essa reforma ter-se-iam limitado os
direitos de decisão da assembléia popular, mais amplos anteriormente. Ora, as
assembléias de guerreiros dos povos arcaicos se constituem apenas para que os mesmos
recebam ordens de comando, não tendo, pois, funções deliberativas. Assim sendo, não
há razões para se pensar em uma fase primitiva mais democrática da apella, com a
disposição da Grande Retra apenas provendo somente uma correção contra as
veleidades da apella.
A função do rei no Estado espartano carcateriza-se como uma limitação dos
poderes da realeza de época homérica, porém, mesmo assim, ainda dotados de poderes
singularmente bem amplos, ao passo que em outras cidades aristocráticas a realeza foi
quase que completamente neutralizada. O rei espartano detém o comando militar, não
sofrendo limitações quando em campanha; conserva funções sacerdotais; possui
domínios particulares nas terras dos periecos; e é distinguido honroificamente com ‘a
dupla porção” (reminiscência do período de economia natural)
Para a limitação do poder real instituiu-se em Esparta a magistratura do eforato.
Nos formalismos de ordem ritual preservados pelo Estado espartano para o exercício
das funções públicas, um distinguia a troca de juramentos prestados pelos reis e éforos
por ocasião da lua nova, com aqueles se comprometendo perante estes a cumprir as leis.
Uma parte da historiografia moderna entende o eforato como a inserção de um elemento
democrático no Estado espartano, configurando uma espécie de representantes
populares com os cinco éforos correspondendo aos cinco aldeamentos, de modo a
assimilar o éforo à imagem do tribuno da plebe em Roma. Já outra vertente
historiográfica vê no eforato antes uma manifestação aristocrática em harmonia com a
Gerousia.
O rigor da estratificação social que o esquema das cidades dórias pressupõe não
impediu o florescimento cultural ao longo dos séculos VIII e VII, tanto no Peloponeso
quanto em Creta. Em Esparta, a arte sofre, entretanto, uma brusca interrupção no
decorrer do século VI, assim atestada arqueologicamente com o desaparecimentos de
seus objetos de arte após meados do século. Tal crise no desenvolvimento da cultura
espartana está associada ao arroxamento das condições políticas em Esparta, quando a
disciplina militar característica da vida quotidiana se intensifica e plenifica justo por
essa época. Na tradição tal fato é correlacionado em particular com o éforo Quílon e, em
termos mais gerais, com as dificuldades enfrentadas pelo Estado espartano na II Guerra
Messênia, com a sublevação dos messênios conluiando várias cidades do Peloponeso e
instaurando uma crise em Esparta. A inovação que a tradição atribui a Quílon não é
exclusiva de Esparta, antes ocorre generalizadamente no decorrer do século VI na
Grécia, quando se firma a primazia da tática de combate baseada na infantaria finalizada
com a falange hoplita. Paralelamente, o pitagorismo pode ser entendido como a
projeção em nível elevado de uma tendência social de mesmo tipo, configurando
mentalidade ascética e coletivista que se opõe a qualquer tipo de abertura social. É então
que os privilégios da coletividade de espartíatas são afirmados ao máximo, ao mesmo
tempo em que praticamente tende-se a negar e mesmo suprimir os direitos do indivíduo,
assim dando lugar a um coletivismo extremado, de que os éforos, no decorrer da
história espartana, aparecem sistematicamente como os agentes defensores.
É essa configuração de coletivismo extremado que, desde o século V, é vista na
Grécia como um modelo perfeito de Estado, com a coletividade assim rigidamente
aparelhada e destinada à defesa do Estado. A evolução do sistema, entretanto, revela
uma rápida redução numérica da coletividade espartíata que se transforma em simples
oligarquia: estima-se que no século III não haviam mais do que por volta de 900
cidadãos espartanos. A ética coletivista que nega o direito individual viu-se
acompanhada pelo desistímulo da vida familiar, estagnando o crescimento das famílias,
e acentuando os fatores de crise interna, pois o núcleo aristocrático concentrado em
torno da Gerousia tem seus privilégios ampliados em conexão com os processos de
concentração de propriedades por meio da figura de mulheres herdeiras que
canalizavam boa parte das propriedades privadas.
A educação espartana está voltada para a preparação da cidadania, com
adestramento especialmente na arte militar, dos 7 aos 30 anos. As fontes antigas
confrontam óticas tanto pró como contra Esparta. Especialmente são destacadas as
figuras dos grandes comandantes. A cultura é predominantemente de tipo oral. A
Educação de Ciro escrita por Xenofonte retrata aproximadamente os ideais dessa
educação.
A Formação do Estado Ateniense
O Estado da Ática comporta uma dimensão territorial singular, abrangendo cerca
de dois mil quilometros quadrados, o que é excepcional em termos de cidades-estados
gregas. Também singularmente as tradições lendárias não memorizaram notícias de
invasões de seu território que marcassem uma ruptura com o período anterior da
civilização micênica. Pelo contrário, os atenienses diziam-se autóctones, assim
certamente representados com intenções polemizantes em relação aos espartanos vistos
como invasores dórios.
A historiografia moderna entende, entretanto, a formação da população da Ática
por um processo de invasão jônia. A Ática comporta em comum com as cidades de
identidade jônia um sistema de divisão tribal em quatro unidades e que constituiu sua
base de organização política até as reformas de Clístenes em fins do século VI, com a
única diferença de que uma ou outra cidade jônia por vezes acresce uma tribo de
elementos locais incorporados à cidade. Os nomes das quatro tribos correspondem aos
nomes dos quatro filhos de Íon na tradição ateniense. Plutarco, na Vida de Sólon, os
refere come identificando antes quatro grupos ocupacionais, todavia, as etimologias em
que seu relato se baseiam são equivocadas, acertando apenas a que vincula hopleteshoplitas (ainda assim, hoples no sentido de armamento é de desenvolvimento tardio, não
sendo atestado em Homero).
No artigo de Ramsay (Pisidian wolf-priests and Phrygian goat-priests and Old
Ionian Tribes, Journal of Hellenic Studies) acusam-se os erros da etimologia
plutarquiana, porém acolhe-se sua idéia básica, uma vez que os povos não gregos da
Ásia Menor, com traços da mesma divisão tribal jônia e cujos nomes de tribos têm
correspondência com termos gregos. Por essas correlações, a tribo dos geleontes são
definidos entre os povos não gregos pelo exercício da função real, conhecendo-se uma
inscrição na Ática em que é nomeado Zeus Geleon; os aigicoreis, aproximado de
dióscuros, respeitam aos jovens guerreiros (portadores) de égide, designativo do escudo
de Atena; argadeis marca uma referência a argos (campo arado); e hopletes, cujo
sentido primitivo refere-se a objeto artesanal. Ter-se-ia então: a tribo real associada a
Zeus, a tribo aristocrática mais sacerdotes associada a Atenas, a tribo dos agricultores e
a tribo dos artítices. Por sua vez, Jeanmaire refere uma antiga tradição da Ática que
associava as quatro tribos com quatro divindades: Dias, Athenai, Posidones, Hephaistos.
No período histórico, entretanto, desaparece qualquer traço de diferenciação por
qualificação profissional entre as quatro tribos, o que, por sua vez, não implica que elas
não tivessem suas origens como grupos funcionais, mas certamente atestando sua total
absorção pela função militar.
No sistema de divisão tribal ateniense a relação entre as tribos e as frátrias são
algo obscuras, especialmente porque a principal fonte documental sobre a primitiva
constituição da Ática, A Constituição de Atenas de Aristóteles, chegou até nós
desprovida do texto dos primeiros capítulos, de que restam apenas poucos fragmentos
em lexicógrafos de época alexandrina. Por estes fragmentos se diz que cada tribo
dividia-se em 3 frátrias, o que constitui informe um tanto estranho, pois, nos
lexicógrafos a frátria e identificada à trithys, ao passo que Aristóteles mesmo refere-se
separadamente a uma e a outra, dando a tritía como terça parte da tribo.
Boa parte da documentação antiga em que a historiografia moderna baseia suas
considerações acerca das frátrias da Ática respeita a textos do século IV, quando, com o
desenvolvimento da apropriação mercantilista do solo, criam-se condições de direito
acirradas, particularmente ensejando o maior desenvolvimento da oratória judicial
grega, cuja temáticas frequentemente fazem referências às frátrias. Também do século
IV data a inscrição da frátria dos Demotionidas. Por essa documentação constata-se uma
renovação da funcionalidade institucional da frátria em conexão com essas novas
necessidades históricas.
Pelo que indiciam os textos homéricos, entretanto, a frátria e a tribo configuramse como unidades de organização militar correlatas já para a época micênica. Assim, ao
que apontam os conselhos dados por Nestor no Canto II da Ilíada, o exército é ordenado
respeitando a composição em tribos e frátrias. Ainda pelo que revela o dito de Nestor, a
frátria se define como instância de qualificação civil para o indivíduo, de modo que se
nomeia a figura dos “desgarrados sociais” como afratoi (“os sem frátria”).
Similarmente, as tradições respeitantes ao mito de Íon na Ática confirmam essa
definição militar associada à divisão tribal, pois, diz-se que Íon veio para a Ática para
exercer o comando das forças do país, sendo, assim, seu primeiro polemarca. Também a
instituição do culto de Apolo Patroon, enquanto modalidade de culto comum a todas as
frátrias, era atribuída, ao que afirmam as tradições, a Íon. Todos esses informes
apontam, portanto, claramente uma correlação existente entre a ordenação da função
militar e a divisão da população em tribos e frátrias.
Com a desagregação da economia da Idade do Bronze, a organização militar
baseada na divisão em tribos e frátrias com sua centralização nos palácios fortificados
entra também em decadência, com as áreas agrícolas tornando-se agora as bases do
poder. Em conexão com esse fenômeno tem-se a formação da divisão regional
característica da Ática em três regiões – pédion (planície), parália (praia) e diácria
(montanha; antes região montanhosa, cujo centro na Ática é a planície de Maratona,
cujas terras agrárias ensejam sua definição como centro de poder) - substitui, então, a
anterior ordenação configurada pelos doze núcleos fortificados de época micênica.
A divisão regional da Ática se constitui então como nova base para a ordenação
da divisão em tribos e trítias, esta sendo definida como a terça parte de uma tribo em
cada uma das três regiões. A cada tribo se refere, pois, uma participação em cada uma
das três regiões, de modo que a divisão em tribos afetasse cada pequena localidade da
Ática. As frátrias é que estavam divididas em tribos, ao contrário do que dizem as
tradições de época tardia: elas não são divisões das tribos, e sim estas é que são divisões
daquelas. Cada frátria estava, pois, dividida em quatro tribos. Dado que são doze
frátrias, cada uma dividida em quatro tribos, têm-se quarenta e oito unidade definidas
como naucrarias. O caráter militar das tribos e das frátrias aparece, então, igualmente
nas naucrarias, já que estas definem a circunscrição local de provimento de forças
guerreiras (um navio, dois cavalos, tributos e infantes). Assim se estabelece uma relação
precisa entre a antiga divisão da Ática em doze frátrias (correspondente aos doze pontos
fortificados de época micênica) e a recente divisão em trítias (correspondente à recente
divisão regional tríplice), com a parte de cada tribo numa frátria constituindo uma
naucraria. O surgimento das trítias se dá, pois, em consequência da divisão regional,
com cada trítia reunindo as quatro naucrarias de uma tribo numa determinada região, de
modo que cada tribo se divide em três trítias (uma trítia para cada uma das três regiões),
e cada uma das trítias comporta as quatro naucrarias correspondentes a cada tribo.
A cada tribo corresponde um rei da tribo (phylobasileus), consituindo, pois,
quatro reis de tribo, os quais têm sob seu comando os cfefes de naucraria. Não se têm
notícias que possam precisar em que data surgiram os doze reis de tribo. As tradições
“míticas” da Ática dizem que doze reinos foram unificados por Teseu, assim firmando a
instituição conhecida pelo nome de sinecismo, por cuja festividade ritual posteriormente
se celebrava a unificação da Ática. O que daria uma data plausível para a instituição dos
reis de tribo.
A supressão dos centros de poder fortificado local pelos centros de poder sediados
nas regiões constituem o elemento mais importante da formação do Estado ático na
época arcaica. Especialmente os ocupantes do pédion provêm diretamente do séquito
armado real, assim definindo os denominados eupátridas. Um fragmento de Filocoro
diz que os eupátridas eram os que tinham sido criados junto às famílias reais. O fato de
os eupátridas serem tidos como exclusivos da planície não implica, entretanto, quas
outras duas classes de cidadãos (os georgoi e os demiourgoi) sejam próprias da soutras
duas regiões, pois também nestas tem-se a formação de uma aristocracia paralela à dos
eupátridas, configurando-se, assim, uma série de grandes famílias que proclamam
pretensões de parentesco remoto ilustre, quer com os grandes reis heróicos da Ática
quer mesmo com os deuses.
As lutas sociais que ocorrem na Ática no decorrer do período arcaico são lutas que
envolvem as três regiões. Uma das tradições respeitantes a essas lutas diz do golpe de
força com que Cílon, um eupátrida apoiado militarmente por seu sogro Teágenes (tirano
de Mégara), empreendeu a ocupação da Acrópóle de Atenas, tentativa, entretanto,
frustrada pelo cerco que lhe foi movido pelas forças atenienses congregadas em torno
do arconte Megacles, de família Alcmeônida sediada na parália. A repressão que se
seguiu levando ao massacre dos Cilonidas provocou, entretanto, uma reação contra os
Alcmeônidas, dando lugar a seu julgamento por uma corte de trezentos membros, então
escolhidos por critério de nobreza (aristínden), por cuja sentença decretou-se o
banimento e exílio dos Alcmeônidas por acusação de sacrilégio contra as divindades.
Tal episódio marca o princípio de uma longa rivalidade entre os elementos aristocráticos
da parália, liderados pelos Alcmeônidas, e os elementos aristocráticos do pédion,
comandados pelos eupátridas. Justamente o caráter do golpe militar de Cílon se revela
por ter sua base de apoio nos elementos da planície, assim reiterado pelo critério de
escolha por nobreza (aristínden) do tribunal de trezentos componentes (escolha entre
eupátridas). Teágenes, o sogro de Cílon, aparece nas tradições como o “tirano” que
particularmente promoveu os interesses do “povo” de Mégara. Deve-se entender tal
denominação como indicativa do grupo de guerreiros da planície semelhante ao dos
eupátridas na Ática. Teógnis de Mégara figura elemento da aristocracia militar que
propugna uma espécie de companheirismo igualitário no seio da casta guerreira, contra
cuja “tirania” se revoltam os elementos mais ricos de Mégara levando à supressão da
tirania. Trata-se, pois, também no caso de Teógnis da classe guerreira de
privilegiamento aristocrático, de modo que Cílon intentou reproduzir na Ática o tipo de
golpe militar exitoso de seu sogro em Mégara. Porém, na Ática o elemento mercantil
constituia base de poder importante desde o século X, o qual resistiu à pretensão de
domínio exclusivo por parte dos eupátridas, o que, pelo contrário, não ocorreu no
Peloponeso e Lacedemônia que conheceu fraco desenvolvimento do setor mercantil.
Sólon surge precisamente nesse momento de grande luta entre “o povo” e “os
ricos”.
O sol radiante despontava no horizonte despertando o dia. A matinal claridade
dourada ilumina o templo de Apolo em Delfos, pelo brilho avivando as cenas gloriosas
que o adornam. O consulente oracular que lá chega as atenta maravilhado: Héracles por
foice dourada a degolar a Hidra de Lerna; Belerofonte montado no Pégaso a liquidar
Quimera de tríplice corpo; batalha dos Gigantes por Pallas a brandir a égide contra
Encelado, mais o raio de Zeus que fulmina o feroz Mimas, e ainda Dioniso com tirsos
de hera a abater um outro.1
Ali logo cedo se vê um jovem servidor do templo a limpar as entradas de Febo
com ramos de louro, adornando-as com solenes grinaldas. Borrifa o chão com gotas de
água viva, fonte Castália. Varre o altar do deus, tudo purifica e torna reluzente. Afasta,
afugenta todas as aves de vôos altaneiros, pretensiosas por pousar nas cornijas e
telhados adornados de ouro. Zelos primorosos movem incansavel executante de
auspiciosas tarefas dedicadas ao deus.2 Eternamente grato, o templo era toda sua sua
vida. Fora ali, naquelas mesmas entradas, abandonado recém nascido. "Desconhecidos"
quem fossem pai e mãe! A sacerdotisa o recolhera. Ao abrigo do sacro recinto fora
criado. Tudo devia ao templo de Apolo. O deus lhe valia por pai, a sacerdotisa por mãe.3
Uma mulher de lá se aproxima, toda nobreza transparente de figura e aspectos.
Lágrimas correm-lhe as faces, olhos semicerrados. O jovem inquire o porque da tristeza,
que angústia a aflige? Ela esclarece: presenças apolíneas reavivam-lhe memória de
antigo infortúnio.4 Pouco revela a respeito, apenas deixando escapar, atormentada pela
lembrança associada ao antro sagrado de Apolo nas encostas setentrionais da acrópole
rochosa de Atenas (grutas chamadas "Longas": Makrai), uma alusão a uma coisa
vergonhosa ali ocorrida. Pelo que deplora a condição feminina: "Ó pobres mulheres! Ó
ultraje dos deuses! Que havemos de fazer? Onde é que iremos buscar justiça, se somos
destruídos pelas injustiças daqueles a que estamos submetidos"?5 Mais não diz, se cala.
Quem era? De que terra vinha? Por qual estirpe nascera? Ela mesma o diz: "O
meu nome é Creúsa: nasci de "Erecteu/Erictônio, gerado da terra, recolhido por Atena e
dado para criar às filhas de Cécrops (Agláurides), e minha terra pátria é a cidade dos
Atenienses". Prestigiosa proveniência por cidade ilustre e nobres pais. Xuto, nascido de
Éolo, filho de Zeus, a desposara. Ele a acompanhava na visita a Delfos. Lá vinham
consultar o deus inquietos por causa de falta de descendência, longo casamento estéril,
nada de filhos! 6
Ao ensejo dessa visita, Creúsa intermediava outra inquirição a pedido de uma
amiga. Respeitava à história vergonhosa antes aludida. Essa amiga unira-se, justo
naquelas grutas escondidas do sol, a Febo parindo um filho, segredo que só ela
conhecia. A ocultar a desonra perante os homens de uma donzela violentada, ultraje de
núpcias amargas, expusera a criança como presa para as aves e alimento sangrento das
feras. Talvez estivesse morta, pois lá retornando várias vezes, eis que a criança
desaparecera, sem deixar vestígio algum, nem uma gota de sangue. Assim, inquiria o
deus porque deslindasse o mistério desse desaparecimento, que paradeiro tivera o
menino? Se ainda vivo, teria aproximadamente a mesma idade do jovem Lóxias.
Histórias de filhos enjeitados ao nascer porque comungavam solidários sofrimentos a
1
Eurípides, Íon 83- 87, 184-217.
Eurípides, Íon 78-82 e 102-183.
3
Eurípides, Íon: 34-52, 77-80, 102-151, 308-325, 684.
4
Eurípides, Íon 238-247.
5
Eurípides, Íon 253-254.
6
Eurípides, Íon: 65-67 e 513.
2
mãe daquela criança de outrora e o jovem sobrevivente em Delfos, agora servo de
Apolo7.
Entrementes, eis que chega ao templo de Febo também Xuto. Vinha confiante, já
algo alegre pela primeira revelação por palavras do oráculo Trofônio garantindo-lhe que
o casal régio de Atenas "não voltaria do santuário para casa sem filhos"! 8 Então, já
consumados todos os ritos e gestos propiciatórios mais augúrios para que a raça antiga
de Erecteu obtivesse claros oráculos da bela descendência há tanto tempo desejada 9,
Xuto adentra o templo a ouvir a verdade sagrada que a Pítia pronunciasse, na trípode
soleníssima sentada a cantar, para os Helenos, os gritos proféticos que, com inspiração
estrondosa, Apolo fizesse ressoar10.
Quando de lá sai, depara o jovem servo, precipita-se sobre ele esfuziante de
alegria porque o abraçasse e beijasse como criatura que lhe fosse a mais cara e amada de
todas. O jovem recua espantado, confuso ao ver-se se frente à investida ou de louco
delirante ou de estrangeiro de grosseiros desvairios. Espanto ainda maior quando Xuto o
adverte a que desistisse de repúdios agressivos: "Se me matares, serás o assassino de teu
pai". Nesses termos o rei de Atenas traduzia em corolário o oráculo que lhe fora
revelado. O entendera perfeitamente, palavras claras e inequívocas com que o deus o
instruira: "aquele que estiver no teu caminho ao saires do templo, é esse o teu filho".
Confissões de histórias humanas banais persuadem ambos do fato daquela concepção e
paternidade: loucuras de amores em tempos de juventude quando Xuto viera a Delfos,
então acolhido em noite de embriaguês amorosa junto a Mênades celebrantes de
Dioniso. Fora a que ele engravidara quem posteriormente depusera a criança à entrada
do templo. Tudo se explicava porque pai e filho se (re)conhecessem.11 E o pai nomeou o
filho em consagração daquele encontro: Íon12.
Mas a Creúsa a história de todo esse imbroglio não agradou nem um pouco, pelo
contrário, enfureceu. Confessou agora a plena veracidade daquela história vergonhosa a
que antes aludira escamoteada. Era ela própria quem fora vítima dos amores de Apolo, a
ele unida contra a vontade, atrelada em infeliz casamento. O deus a surpreendera
quando colhia, entretenimento de virgem inocente, flores de açafrão a tecer grinaldas.
Fascínio de aparência sedutora imantado por cabelos cintilantes de dourado. Logo a
toma vigorosamente arrastando-a para o leito na gruta, a fruir os prazeres de Cípris. Por
pudor, virtude porque mulheres são estimadas, ela ocultara obscuros amores, calara ritos
conjugais. Parida a criança, a mãe, apavorada, saiu oculta pela escuridão da noite, e
abandonou o menino lá mesmo onde fora presa de união desventurada, a gruta das
rochas de Cécrops conhecida por "Longa". Lá o deixara ainda esperançosa de que o
Deus, zeloso pai, salvasse o próprio filho. Não, agora se cientificava do destino
infausto: deus infame, pai insensível. Desgraçada mãe que dera sepultura a infortunado
filho envolto em manto de morte, deixado às feras, levado por aves de rapina. Então
reagindo à ruína de uma mãe violentada pelo Deus mais desonra de esposa traída pelo
marido, Creúsa canalizou o furor em contrapartida vingativa de seus infortúnios: matar
o filho ilegítimo de Xuto, gerado escravo, opróbrio maior que lhe redobrava a desgraça.
Tramou astucioso desígnio assassino virtualizando a perda do herói.
7
Eurípides, Íon 289-361 e 494-509.
Eurípides, Íon 409.
9
Eurípides, Íon 470-471.
10
Eurípides, Íon 91-93.
11
Eurípides, Íon 516-562.
12
Eurípides, Íon 662-663.
8
Avança agora a concepção euripidiana do mito de Íon a desencadear os rumos do
desfecho trágico. Eis que a trama elabora vicissitudes episódicas algo dúbias em termos
das conceitualizações aristotélicas, tanto pelos modos inferiores dos reconhecimentos
dependentes de objetos indiciadores (no cesto em que fora deposto menino envolto em
panos com adornos de serpentes douradas13) e outros recursos da arte14, com direito
inclusive a deux ex machina no final, como sobretudo pela deficiência no que respeita à
incorreta catarse, dado que o filósofo recomendasse por qual apropriada mudança de
fortuna estigmatizante da condição humana em figuração heróica fosse suscitado medo
e compaixão (a queda das alturas da grandiosidade próspera para o chão do infortúnio
ruinoso), todavia invertida na tragédia de Eurípides que maneja final feliz15. E integra
também quais motivos e temas fossem mais ao gosto de histórias romanescas16: desvios
conjugais de aventuras amorosas, rancores de cônjuge traído, madrasta vingativa a
perseguir enteado, agregado palaciano que agencia cizanias17, astuciosos desígnios
assassinos frustrados porque na última hora são denunciados pelo sacrifício de
pombinha incauta que bicou o líquido venenoso18.
Pelo recurso do deus ex machina que encerra a peça (epifania de Atena ao alto do
templo), a inteligência do dramaturgo oferece, por um lado, argumentos persuasivos
porque se dissipem quais equívocos, dúvidas ou suspeitas tornassem incrédula a
história19. Por outro, celebra a ideologia ateniense que cataliza seu discurso
apresentando-a por palavra divina de teor oracular que teleologiza o futuro glorioso da
cidade ensejado por essa etiologia jônica de sua origem heróica. Então diz a genealogia
prestigiosa porque a cidade principiara por linhagem régia: por Íon que ascendera ao
trono de Erecteu em Atenas, nasceriam
quatro filhos de um só tronco a nomear a terra e os povos da região distribuídos
em tribos. O primeiro será Géleon; depois em segundo lugar virão os hopletes e os
Argades e, do nome da minha égide, os Egicores. E filhos que deles nascerão, quando
chegar o tempo marcado pelo destino, haverão de estabelecer-se como colonos nas
cidades insulares das Ciclades e na terra seca junto ao mar, fato que dará força ao meu
país. Depois habitarão, de ambos os lados dos estreitos, as planícies dos dois
continentes, da ásia e da Europa. Chamados Jônios, em homenagem ao nome deste,
alcançarão a glória. Para ti e para Xuto nascerá uma descendência comum: Doro, a
partir de quem será celebrada a cidade dória, na terra de Pélops; o segundo filho,
Aqueu, que será reii da terra junto ao mar de Ríon, e, por ter sido nomeado por ele,
distinguir-se-á o povo que terá o seu nome.20
Ao enquadrar a representação trágica da história de Íon pela tópica narrativa
memorizadora do mito do herói enquanto imaginário figurativo da instituição do poder,
o discurso euripidiano acerta (ou concerta) os dilemas e impasses ideológicos intrigados
pela projeção da identidade jônia do Estado ateniense. Especialmente porque Creúsa
13
Eurípides, Íon 25-27.
Confira-se: Poética 16.
15
Owen [Euripides, 2003: xvii].
16
Já referido pelos comentários de Owen [Euripides, 2003: 17].
17
Eurípides, Íon 735-1047.
18
Eurípides, Íon 985-1061 e 1111-1229.
19
Eurípides, Íon 1553-1570.
20
Eurípides, Íon 1575-1594.
14
desposara Xuto, "cidadão não ateniense" (nem jônio propriamente), aninhara-se na
ancestral linhagem de Atenas um rei "estrangeiro"21.
Por um lado, a concepção euripidiana harmoniza a identidade jônia com a
prestigiosa autoctonia ateniense articulando-as genealogicamente em uma mesma
linhagem régia que as integra. Pois, de Deucálion e Pirra nasceu Helen, de quem se dava
também por pai Zeus. Helen, que reinava na região da Phthia entre os rios Peneus e
Asopus, por sua vez unido à ninfa Orseis, gerou Dorus, Xuto e Éolo. Renomeou então
os habitantes do país: de Graikoi como eram conhecidos, passaram a ser chamados pelo
seu próprio patronímico, Helenos. Dividiram-se entre eles os reinos. Xuto, expulso da
Tessália, foi ter em Atenas, e por Creúsa, sua esposa, nasceram Aqueu e Íon, dos quais
descendem os Aqueus e os Jônios. Dorus reinou na área do Parnassus e dele descendem
os Dórios. Éolo por sua vez reinou pela região da Tessália, de que provêm os Eólios.
Assim se memorizava por etiologia mítica os nexos étnicos congregadores dos antigos
helênicos em uma entidade cultural diferenciada, constituindo quais fossem suas
predominantes identidades afins: jônios, dórios, eólios e aqueus.22
Por Íon, pois, os atenienses derivavam sua pertinência étnica como jônios.
Anteriormente, os primevos habitantes da Ática, genericamente referidos por pelasgos,
eram qualificados pelos patronímicos dos reis: cranaidas por Cranaus; depois,
cecropidas por Cécrops; então foram chamados atenienses, quando do reinado de
Erecteu; por fim, desde que Íon os comandara na guerra contra Elêusis, ficaram
conhecidos como jônios.23 Desviada pela hierogamia ateniense de Apolo a paternidade
alienígena de Íon dado por filho de Xuto então (des)entendida como apenas segredo
(dis)simulador de filiação24, Eurípides articula o nexo genealógico que liga Íon, por sua
mãe Creúsa filha de Erecteu/Erictônio, a Cécrops no princípio da linhagem, o rei
nascido do chão da terra ática semeado pelo esperma divino da ejaculação de Hefesto
descartada pela virgem Atena por ele perseguida com intentos de cópula. Identidade
jônia, pois, de consequente homogeneidade étnica "autóctone" de que o "povo de
Atenas" especialmente se ufanava.
E também a (des)qualificação não ateniense de Xuto -- "aqueu filho de Éolo
rebento de Zeus", entretanto (patronímico) "colonizador da terra (jônia) da Ásia"25 - era
assimilada pela tópica canonizada do padrão em termos de figurações virtuosas que o
heroicizavam. Ele viera a Atenas como "aliado em socorro dos descendentes des
Cécrops na guerra contra os Calcodôntidas, senhores da Eubéia", e tão primorosamente
desempenhara o comando a causar da destruição do inimigo que, por recompensa em
"dote de guerra e prêmio de lança", ganhou o trono de Atenas desposando Creúsa.26
A divisão tribal jônia arcaica (proposta por Paulo Pereira de Castro27)
21
Eurípides, Íon 290. Os teores desses dilemas e impasses comparecem na tragédia de
Eurípides conformando sua trama ideológica:
22
Apolodoro, Biblioteca 1.7.2-3; Pausanias VII.1.2; Hesíodo, Catálogo das Mulheres 4.
Confira-se: Strabo, Geography VIII.7.1, p. 383.
23
Heródoto, Histórias VII.44.2 e 94.
24
"Pois o deus dará a Xuto, quando ele entrar neste templo, o seu próprio filho: dirá que
nasceu dele, de modo a que, entrando em casa da mãe, o filho seja reconhecido por
Creúsa, o casamento com Lóxias permaneça secreto e o rapaz fique com o que lhe é
devido" (Eurípides, Íon 69-73)
25
Eurípides, Íon 75-76.
26
Eurípides, Íon: 57-65, 289-298.
27
Apontamentos anotados na aula de 1 de abril de 1975.
Afirmada a pureza da origem heróica de Íon condicionada por paternidade divina
apolínea, correspondentemente o mito euripidiano acertava também a glória ateniense
de sua obra fundadora. Pois, pelos nomes dos filhos de Íon - Geléon, Aigicoreus,
Argades e Hopleis - identificavam-se as quatro tribos - Geleontes, Aigikoreis, Argadeis
e Hopletes, também características das cidades jônias28 -, que estruturavam a
organização estatal da Ática em tempos arcaicos, vigente até as reformas de Clístenes
por fins do século VI29.
Plutarco, todavia, anota na Vida de Sólon30 uma tradição em que se dizia que tais
denominações tribais tinham por origem não os nomes dos filhos de Íon, sendo antes
derivadas das distinções de classes ocupacionais em que a sociedade ateniense estava
primordialmente dividida: os Hoplitai comporiam a tribo dos guerreiros (de "hópla":
armas); os Ergádeis, a dos artesãos (de "érgon": obra, trabalho); os Geléontes, a dos
agricultores (de "ge": terra); os Aigikoreis, a dos pastores (de "aix": cabra). Estrabão31
registra tradição similar: quando Íon se estabeleceu em Atenas, ordenou o regime
(politeía) dividindo inicialmente a população em quatro tribos, logo seguindo-se a
compratimentação em quatro modos de vida: os agricultores, os artesãos, os sacerdotes
e os guardas.
Todavia, ao que comenta a crítica moderna, a tradição mencionada por Plutarco
apresenta formas nominais para designar as tribos discordantes das comumente
atestadas em outros textos, sobretudo ao dar Ergadeis em vez de Argadeis, além de
basear-se em etimologias equivocadas. Ambas as tradições têm ainda contra si o fato de
que, nas inscrições antigas, as quatro tribos são mencionadas segundo uma ordem fixa
(Geleontes, Argadeis, Aigikoreis e Hopletes), a qual não condiz com aquelas
identificações ocupacionais em termos de sua escala de prestígio social, pois estariam
situando a função guerreira (por elas identificada com a tribo dos Hopletes), altamente
estimada e gozando primazia entre os antigos, apenas em último lugar nessa ordem de
enunciação. Há que se considerar também a eventual contaminação de tais tradições
pelas concepções filosóficas do século IV a.C., as quais teorizavam semelhantes
recomendações quanto à segmentação sócio-ocupacional que a constituição da pólis
ideal exigiria. Platão32, ao narrar a conversa outrora mantida por Sólon com os
sacerdotes de Sais quando de sua viagem ao Egito, e cuja memória fora preservada pela
família de Crítias aparentada ao célebre legislador, afirmma que a dissociação dos
egípcios em distintas segmentações ocupacionais - sacerdotes, artesãos, pastorescaçadores-agricultores e guerreiros - fora imitada da ordenação social primitivamente
existente em Atenas.
Paulo Pereira de Castro, ao elaborar sua percepção da história de Atenas na época
arcaica de sua fundação estatal, argumenta que33 "no período histórico, entretanto,
desaparece qualquer traço de diferenciação por qualificação profissional entre as quatro
28
Atestadas em Mileto, Delos, Teos e Cízico (How e Wells, Heródoto V.66; CAH 1954
v. III: 576 e 584).
29
Heródoto, Histórias V.66.
30
Plutarco, Sólon 23.4.
31
Strabo, Geography VIII.7.3, p. 383.
32
Platão, Timeu 24 e Crítias 110).
33
O longo desenvolvimento dos sete prágrafos que que agora se seguem vai entre aspas
a assinalar a transcrição dos dizeres de Paulo Pereira de Castro registrados em nossos
apontamentos de aula (1 de abril de 1975).
tribos, o que, por sua vez, não implica que elas não tivessem suas origens como grupos
funcionais, mas certamente atestando sua total absorção pela função militar.
No sistema de divisão tribal ateniense a relação entre as tribos e as frátrias são
algo obscuras, especialmente porque a principal fonte documental sobre a primitiva
constituição da Ática, A Constituição de Atenas de Aristóteles, chegou até nós
desprovida do texto dos primeiros capítulos, de que restam apenas poucos fragmentos
em lexicógrafos de época alexandrina. Por estes fragmentos se diz que cada tribo
dividia-se em 3 frátrias34, o que constitui informe um tanto estranho, pois, nos
lexicógrafos a frátria é identificada à trithys (trítia), ao passo que Aristóteles mesmo
refere-se separadamente a uma e a outra, dando a tritía como terça parte da tribo.
Boa parte da documentação antiga em que a historiografia moderna baseia suas
considerações acerca das frátrias da Ática respeita a textos do século IV, quando, com o
desenvolvimento da apropriação mercantilista do solo, criam-se condições de direito
acirradas, particularmente ensejando o maior desenvolvimento da oratória judicial
grega, cuja temáticas frequentemente fazem referências às frátrias. Também do século
IV data a inscrição da frátria dos Demotionidas. Por essa documentação constata-se uma
renovação da funcionalidade institucional da frátria em conexão com as novas
necessidades históricas.
Pelo que indiciam os textos homéricos, entretanto, a frátria e a tribo configuramse como unidades de organização militar correlatas já para a época micênica. Assim, ao
que apontam os conselhos dados por Nestor no Canto II da Ilíada35, o exército é
ordenado respeitando a composição em tribos e frátrias. Ainda pelo que revela o dito de
Nestor, a frátria se define como instância de qualificação civil para o indivíduo, de
modo que se nomeia a figura dos “desgarrados sociais” como afratoi (“os sem
frátria”)36. Similarmente, as tradições respeitantes ao mito de Íon na Ática confirmam
essa definição militar associada à divisão tribal, pois, diz-se que Íon veio para a Ática
para exercer o comando das forças do país, sendo, assim, seu primeiro polemarca37.
Também a instituição do culto de Apolo Patroon, enquanto modalidade de culto comum
34
"Gennetai: outrora, anteriormente à organização tribal instituída por Clístenes, o povo
ateniense estava segmentado em lavradores e artesãos. E havia quatro tribos, e cada uma
das tribos compunha-se de três partes chamadas fatrias e trítias; cada uma destas
congregava trinta famílias, e cada família possuia trinta homens que tinham sido
dispostos para as famílias e eram chamados gennetai. Era dentre as famílias que se
sorteavam os sacerdotes correspondentes, como é o caso dos Eumólpidas, dos Cérices e
dos Eteobutadas. Assim o relata Aristóteles na Athenaíon Politeía afirmando: eles
estavam repartidos em quatro tribos a imitar as estações do ano, e cada uma das triibos
estava dividida em três partes a fim de que resultassem no todo doze partes, à
semelhança dos meses do ano, as quais eram chamadas fatrias e trítias. Em cada fatria
estavam dispostas trinta famílias, à semelhhança dos dias do mês, e a família possuia
trinta homens" (Athenaíon Politeía fr 3: Aristótes, 1995: 135-137)
35
"Separa os guerreiros por tribos, por fratrias, Agamêmnon, para que a fratria ajude a
fratria, e a tribo a tribo" (Ilíada, II.360-368).
36
" não tem fratria, nem lei, aquele que ama a guerra intestina capaz de gelar de pavor"
(Homero, Ilíada IX.63-64).
37
"Em segundo sobreveio a instituição da polemarquia, por causa de alguns basileuus
mostrarem-se delicados para os afazeres guerreiros (por isso mesmo, em uma
necessidade premente, recorreram a Íon) (Athenaíon Politeía III.2: Aristóteles, 1995:
19).
a todas as frátrias, era atribuída, ao que afirmam as tradições, a Íon 38. Todos esses
informes apontam, portanto, claramente uma correlação existente entre a ordenação da
função militar e a divisão da população em tribos e frátrias.
Com a desagregação da economia da Idade do Bronze, a organização militar
baseada na divisão em tribos e frátrias com sua centralização nos palácios fortificados
entra também em decadência, com as áreas agrícolas tornando-se agora as bases do
poder. Em conexão com esse fenômeno tem-se a formação da divisão regional
característica da Ática em três regiões – pédion (planície), parália (praia) e diácria
(montanha; antes região montanhosa, cujo centro na Ática é a planície de Maratona,
cujas terras agrárias ensejam sua definição como centro de poder) - a qual substitui,
então, a anterior ordenação configurada pelos doze núcleos fortificados de época
micênica.
A divisão regional da Ática se constitui como nova base para a ordenação da
divisão em tribos e trítias, esta unidade sendo definida como a terça parte de uma tribo
em cada uma das três regiões. A cada tribo é referida, pois, uma participação em cada
uma das três regiões, de modo que a divisão em tribos afetasse cada pequena localidade
da Ática. As frátrias é que estavam divididas em tribos, ao contrário do que dizem as
tradições de época tardia: elas não são divisões das tribos, e sim estas é que são divisões
daquelas. Cada frátria estava, pois, dividida em quatro tribos. Dado que são doze
frátrias, cada uma dividida em quatro tribos, têm-se quarenta e oito unidade definidas
como naucrarias. O caráter militar das tribos e das frátrias aparece, então, igualmente
nas naucrarias, já que estas definem a circunscrição local de provimento de forças
guerreiras (um navio, dois cavalos, tributos e infantes). Assim se estabelece uma relação
precisa entre a antiga divisão da Ática em doze frátrias (correspondente aos doze pontos
fortificados de época micênica) e a recente divisão em trítias (correspondente à recente
divisão regional tríplice), com a parte de cada tribo numa frátria constituindo uma
naucraria. O surgimento das trítias se dá, pois, em consequência da divisão regional,
com cada trítia reunindo as quatro naucrarias de uma tribo numa determinada região, de
modo que cada tribo se divide em três trítias (uma trítia para cada uma das três regiões),
e cada uma das trítias comporta as quatro naucrarias correspondentes a cada tribo.
A cada tribo corresponde um rei da tribo (phylobasileus), consituindo, pois,
quatro reis de tribo, os quais têm sob seu comando os cfefes de naucraria. Não se têm
notícias que possam precisar em que data surgiram os doze reis de tribo. As tradições
míticas da Ática dizem que doze reinos foram unificados por Teseu, assim firmando a
instituição conhecida pelo nome de sinecismo, por cuja festividade ritual posteriormente
se celebrava a unificação da Ática. O que daria uma data plausível para a instituição dos
reis de tribo".
Já uma informação preservada por um lexicógrafo tardio (Póllux39) refere que
inicialmente, no reinado de Cécrops, os nomes das tribos eram: Kekropis, Autochthon,
38
"Apolo Patroos (Ancestral), o Pítio. Constitui uma das denminações do deus, o qual
tem ainda muitas outras. Os atenienses reverenciam em comum Apolo Patroos desde
Íon, pois foii quando do seu estabelecimento na Ática, como afirma Aristóteles, que os
atenienses foram chammados de jônios e deram a Apolo o epíteto de Ancestral"
(Athenaíon Politeía fr. 1: Aristóteles, 1995: 19).
39
Pollux, VIII.109.
Akataia e Paralia; mais tade, no reinado de Canau, foram alterados em Kranais, Atthis,
Mesogaia e Diakris; por fim, na época de Erictônio, passaram a Dias, Athenais,
Poseidonias e Hefaistias. Por esta última identificação denominadora associavam-se às
quatro tribos correspondentes divindades cultuais.
compor a tragédia Íon enquadrando-a pelos cânones narrativos do mito de herói
Pela tópica das memórias narrativas que motivam a composição do Íon, o discurso
euripidiano promove imaginário de representação trágica que reitera a ideologia
celebradora da identidade jônia de Atenas. como figuração do poder
Pelas motivações mithistóricas que ativam a figuração etiológica da identidade
jônia de Atenas ateniense compostas pelo Íon de Eurípides, a ativação do padrão
heróico de representação do poder régio
A divisão tribal jônia arcaica (por Paulo Pereira de Castro)
William Mitchell Ramsay40, baseando-se em dados referentes a povos não gregos
da Ásia Menor com traços da mesma divisão tribal jônia e cujas denominações teriam
correspondência com termos gregos, ponderou que os Aigikoreis estavam associados na
Ática a cerimônias cultuais em honra de Zeus Geleon. Em consonância com esse dado,
associou duas outras tribos a duas outras divindades, propondo vincular os Argadeis ao
culto de Poseidon e os Hopletes ao de Hefesto. Ter-se-ia, desse modo, na tribo dos
Geleontes a primazia régia associada à atividade guerreira, sob a proteção de ZeusGeleon; na tribo dos Aigikoreis a ordem sacerdotal dedicada às atividades cultuais sob a
proteção de Atena-Cabra, portadores da égide; na tribo dos Argadeis, a categoria social
dedicada às atividades agrárias sob a proteção de Poseidon, primitivamente concebido
como divindade ctônica, carater este particularmente lembrado por suas vinculações
com os terremotos; e na tribo dos Hopletes, o grupo artesanal sob a proteção de Hefesto.
Em precisa concordância, portanto, com as últimas denominações referidas pelo
informe lexicográfico de Póllux.
Por essas correlações, a tribo dos geleontes são definidos entre os povos não
gregos pelo exercício da função real, conhecendo-se uma inscrição na Ática em que é
nomeado Zeus Geleon; os aigicoreis, aproximado de dióscuros, respeitam aos jovens
guerreiros (portadores) de égide, designativo do escudo de Atena; argadeis marca uma
referência a argos (campo arado); e hopletes, cujo sentido primitivo refere-se a objeto
artesanal. os aigicoreis, aproximado de dióscuros, respeitam aos jovens guerreiros
(portadores) de égide, designativo do escudo de Atena; argadeis marca uma referência
a argos (campo arado); e hopletes, cujo sentido primitivo refere-se a objeto artesanal.
Ter-se-ia então: a tribo real associada a Zeus, a tribo aristocrática mais sacerdotes
associada a Atenas, a tribo dos agricultores e a tribo dos artífices. Por sua vez,
Jeanmaire refere uma antiga tradição da Ática que associava as quatro tribos com quatro
divindades: Dias, Athenai, Posidones, Hephaistos. No período histórico, entretanto,
desaparece qualquer traço de diferenciação por qualificação profissional entre as quatro
tribos, o que, por sua vez, não implica que elas não tivessem suas origens como grupos
funcionais, mas certamente atestando sua total absorção pela função militar.
40
Ramsay (1920: 197-202).
Aristóteles, por notícia recolhida na Athenaíon Politeía41, atribuía ao episódio da
vinda guerreira e estabelecimento de Íon com seus comandados em Atenas a origem
dessa divisão tribal quádrupla, com a concomitante instituição dos quatro philobasileis
(reis tribais) à frente de cada uma delas.
A Guerra de Elêusis
Pelos cânones de desempenhos retóricos com que os oradores atenienses, por
meados do séc. IV, exaltavam os feitos heróicos de seus ancestrais porque
proclamassem as mais nobres pretensões hegemônicas de sua cidade no mundo grego
por tantas provas quer de virtuosa retidão na defesa dos ideais de piedosa justiça quer de
primorosa bravura guerreira em prol da causa comum da liberdade helênica, assinala-se
a memória de uma guerra travada contra os trácios, um desses povos bárbaros que,
discursivamente associados aos persas e aos citas, eram então por eles estigmatizados
por imagens de acendrada natureza despótica tão mais terrível quão aliada a
considerável poderío de agressão.42 Tal guerra ocorrera nos primórdios da história da
cidade, em tempos heróicos, quando os atenienses eram ainda governados por reis.
Era então o reinado de Erecteu na Ática. Figura de ancestralidade mítica que, em
par com Cécrope, um seu antecessor, projetava através da linhagem régia o especial
reclamo da autoctonia ateniense: ambos seres saidos do chão, paridos da terra
fecunda.43 Primeiro Cécrope, de natureza ctônia mais primitiva conformada por
composição corpórea dual, hibridismo de figura inferior serpentina com superior
humana. Depois, Erecteu, já evoluído por corpo apenas humano44, mas também por
princípio com destino régio ainda associado à serpente: nem bem nascido, a Deusa,
Atena, o recolhera do regaço térreo, e o encerrara oculto em um cesto, lá bem guardado
e defendido por serpente deposta a seu lado.
As histórias míticas projetavam, por esses termos míticos, a sagrada identidade
política ancestral ateniense lembrando a intervenção da graça de sua especial divindade
políade. Mas narrativas míticas que guardavam também a memória de como, além da
terra (geratriz), cuidara do herói outra mãe, esta segunda entretanto virgem, de modo a
bem resguardar-se o fato mítico da modalidade precípua de seu ser divino! Modo
ambíguo de narrar uma diluída memória mítica de gênese do herói por hierogamia
procriadora, episódio inaugural de sua história que assinala já um princípio de
fundamentação do poder régio.
Consoantemente também atribuição de um pai divino do herói, Hefesto,
apropriada figura de amante frustrado de uma figura de deusa de virgindade renitente:
bem a perseguira ávido de cópula, mas ela furtou seu corpo à penetração do macho, cujo
esperma ejaculado desceu suas coxas, terminando esparramado ao chão. Assim
41
Aristóteles, Athenaíon Politeía XLI.2.
Isócrates, Panegírico, IV.66-70; Panatenaico, XII.188-198; Platão, Menexeno, 239b;
[Demóstenes], Epitáfio, LX.6-8. Confiram-se os comentários de Parker (Myths ... , p.
204)
43
Homero, Ilíada, II.547-9; Eurípides, Íon, 20-6; 267-74; 999-1005; 1427-9
((verificar))
44
Parker, Myths ..., p. 193.
42
humedeceu o solo térreo, de que germinou Erecteu.45 E história mítica tanto mais
apropriada quanto associava especiais divindades patronas das artes, Atena e Hefesto,
como princípios divinos do destino tecnológico-artesanal de Atenas.46 Mas, paralelo ao
pai divino, os mitos da realeza heróica memorizam também seu duplo humano,
Pandíon, assim complicando e confundindo os enredos míticos pelo acúmulo de figuras
régias nas crônicas das listas reais atenienses.47
Então, no reinado de Erecteu em Atenas, sobreveio a Guerra com Elêusis. A
memorização narrativa do episódio não explicitou mais detidamente as razões
específicas do confronto bélico entre os dois reinos.48 Apenas Isócrates tece vaga alusão
a uma reiterada disputa de posse, lembrando associações com o tema mítico do
confronto entre Atena e Poseídon, divindades antagônicas a reclamarem o estatuto
políade sobre Atenas: diz-se que Eumolpo, dado por filho do deus, viera, no comando
das forças de Elêusis, apoderar-se do reino que por direito lhe cabia, pois proclamava a
prioridade do título de posse paterna, primeva relativamente à usurpação perpetrada pela
deusa.49
Os aspectos privilegiados pela memorização do acontecimento celebravam antes
os feitos virtuosos então consumados, a projetarem tanto exemplos da dedicação cívica
modelar porque se distinguiam os heróis ancestrais atenienses. Assim já no Erecteu de
Eurípides, por volta da penúltima década do séc. V50, canta-se a grandeza de alma e
espírito público da família real de Atenas, toda ela concorde a submeter seus interesses
e cuidados pessoais ao primado dos ideais públicos que justamente impõem o dever de
sacrifício. Erecteu, rei piedoso a zelar o bem de seu país, face à ameaça daquela guerra
ruinosa, dirigira consulta ao oráculo inquerindo-o a via da salvação. O deus lhe
respondera que a condição de princípio da vitória requeria o sacrifício de uma filha.
Praxítea, a rainha, mais a filha então eleita, em harmonia com a deliberação régia,
acataram reverentes a ordem divina. Por laços de estreita solidariedade fraterna, as duas
outras filhas do rei reiteraram mais honrosos sacrifícios, compartilhando assim a glória
do feito.51
Travado o combate, Erecteu matou em duelo Eumolpo. Tal era a tradição
consagrada em Atenas a exaltar a obra guerreira de seu rei: junto ao templo de Atena,
no plaino entre o Erecteíon e os Propileus, duas grandes estátuas de bronze fixavam a
imagem de seu confronto.52 Tradição, entretanto, contestada por Pausânias, que as
contemplara lá na Acrópole: tradições melhores, argüiu o erudito viajante, identificavam
antes Imarado, filho de Eumolpo, como o opositor morto por Erecteu. Eliminação do
adversário maior, ou mesmo de seu filho, feito bélico que bem distinguia a fama heróica
de Erecteu em Atenas, a elegê-lo como um dos dez epônimos consagrados pela reforma
45
Apolodoro, Biblioteca, III.14.6 ((verificar))
Parker, Myths ..., p. 194.
47
Apolodoro, Biblioteca, III.15. ((Mármore Pário, 28ss; Eusébio, Crônica; Higino,
Fábula 48; Ovídio, Metamorfoses, VI.675))
48
Tucídides, A Guerra dos Peloponésios e Atenienses, II.15; Apolodoro, Biblioteca,
III.15; Pausânias, Descrição da Grécia, I.5; I.27; IX.9.
49
Panatenaico, 193.
50
Para a estimativa de datação e conjecturas de reconstituição do presumível enredo
trágico dessa peça perdida de Eurípides, veja-se Parker, Myths ..., pp. 202-3).
51
Eurípides, Íon, 275-8; Licurgo, Contra Leócrates, 98-101; Plutarco, Moralia, 310d;
Apolodoro, Biblioteca, III.15.
52
Pausânias, Descrição da Grécia, I.27; Apolodoro, Biblioteca, III.15.
46
da divisão tribal clistênica de fins do séc. VI.53 Mas Eumolpo era filho de Poseídon, e a
vingança do deus não se fez tardar: os golpes do tridente marinho alcançaram Erecteu,
então tragado pelo solo.54 Distinção, entretanto, de morte do herói por ação divina que
justamente o sacraliza: Erecteu é associado cultualmente com aquele deus, com os
atenienses dispondo oficialmente um sacerdote de Poseídon Erecteu, e a este ofertando
condizentes sacrifícios55 E lá ao local decisivo do combate costumavam conduzir
procissões nas Cirofórias, liderados pelo sacerdote de Poseídon Erecteu em par com a
sacerdotisa de Atenas Polias.56Memórias de discursos etiológicos que, narrando os
episódios da guerra de Erecteu contra Eumolpo, também arrazoam os princípios míticos
conformadores da ordem sacra institucional de Atenas.
Mas, nessa guerra, a vitória ateniense fora assegurada mormmente pelo concurso
do apoio bélico de outra figura, igualmente heróica, da história da realeza na Ática: Íon,
a quem os atenienses convocaram para comandar suas tropas naquele empreendimento
guerreiro.57 E as tradições que memorizaram mais especialmente este auxílio de poder
beligerante externo contam os fatos por outras valorizações respeitantes às virtudes da
realeza.
compor a tragédia Íon enquadrando-a pelos cânones narrativos do mito de herói
Pela tópica das memórias narrativas que motivam a composição do Íon, o discurso
euripidiano promove imaginário de representação trágica que reitera a ideologia
celebradora da identidade jônia de Atenas. como figuração do poder
Pelas motivações mithistóricas que ativam a figuração etiológica da identidade
jônia de Atenas ateniense compostas pelo Íon de Eurípides, a ativação do padrão
heróico de representação do poder régio
por elas identifficadas. ordenação atestada entre os egípcios no que respeita em
seus cursos ministrados na década de 1970 propôs uma interpretação da época arcaica
da História da Grécia Antiga singularmente original e inovadora, tanto a qualificá-la
como uma leitura heterodoxa.
53
Pausânias, Descrição da GréciaI.5. Uma outra tradição, também registrada por
Pausânias (Descrição da Grécia, II.14), afirma que a guerra entre Atenas e Elêusis,
antes mesmo de ser efetivamente travada no campo de combate, terminara por um
tratado, não deixando claro se, entretanto, concluído após o duelo entre Erecteu e
Imarado.
54
Eurípides, Íon, 281-2; Apolodoro, Biblioteca, III.15.
55
Hesíquio, s.v. Erechtheús; [Plutarco], Vida dos Dez Oradores, Licurgo, 30.
((verificar))
56
Burkert, Homo Necans, pp. 143-9. ((verificar))
57
Pausânias, Descrição da Grécia, I.31; II.14; VII.5
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