BOLETIM BOLETIM DA EDIÇÃO ABRIL DE 2015 GESTÃO 2013-2015 ABR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 1 NESTA EDIÇÃO.... 03 MATÉRIA PRINCIPAL REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA 07 13 ENTREVISTA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA RESUMO DE ARTIGO PORQUE PACIENTES COM SÍNDROMES FRONTAIS NEURODEGENERATIVAS ERRAM AO RESPONDER: EM QUE LARANJA E BANANA SE PARECEM? 09 RELATO DE PESQUISA DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM PACIENTE COM HISTÓRIA DE TCE E RELATO DE ALTERAÇÃO MNEMÔNICA: ESTUDO DE CASO ABR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 2 B OLETIM SBN P | M ATÉRIA P RINCIPAL REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA THAÍS QUARANTA Dentro da função de comportamento a demanda à especializados em reabilitação. envolvida. reabilitação neuropsicológica tem A descoberta de que estruturas A ganhado força nos últimos anos, cerebrais pode sendo alvo de muitos estudos influenciadas pelo ambiente, terapêutica das funções cognitivas recentes. colaborando com o conceito de (atenção, histórico, plasticidade processos consideramos que a reabilitação capacidade de compreensão, raciocínio, etc.) e neuropsicológica mudar e alterar sua estrutura e do funcionamento como um todo, antiga quanto a Neuropsicologia. função), visando A Primeira e a Segunda Guerra expansão das abordagens em reorganização das capacidades Mundial tiveram papel importante reabilitação. O sistema nervoso do indivíduo. Tem por objetivo no tende principal corrigir e maximizar as temática Neuropsicologia, relacionada Entretanto, analisarmos o é ao quase desenvolvimento reabilitação, tão da contexto em que de podem a funções sobreviventes soldados com lesões graças à (i.e. cérebro chave influências a de do ajustar-se estabelecer ser neural foi emergiu a necessidade de auxiliar recuperação serviços para a perante ambientais e reabilitação ser neuropsicológica definida percepção, de a como a memória, aprendizagem, recuperação capacidades ou a cognitivas restaurar preservadas, possibilitando aos desorganizadas, pacientes encontrarem maneiras capacidade adequadas e alternativas para ou de guerras remapeamento das conexões alcançar contemporâneas, em especial a das células nervosas, processo específicas a fim de diminuir ou de que possibilita o ser humano a sanar mudanças socioculturais e os continuamente aprender. priorizando o indivíduo em sua avanços e Contudo, sabe-se também que qualidade de vida. Ainda, levando tecnológicos, contribuíram para o esse fenômeno é dependente em conta o seu histórico, a aumento de pacientes com lesões da idade, localização neural e reabilitação neuropsicológica atual cerebrais. Israel, As em paralelo científicos as neurológicas e aumentaram a ABR/2015 deve Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br metas funções ocorrer nos funcionais afetadas, contextos 3 B OLETIM SBN P | M ATÉRIA P RINCIPAL biológicos, emocionais, reabilitação neuropsicológica dificuldades e atingir melhores ambientais e motivacionais. do indivíduo, de modo que resultados para pacientes. Por cada Enquanto esse motivo, estudos uma utiliza as pesquisas recentes na área têm sugerido procedimentos específicos de avançam, o profissional clínico que reabilitação acordo com o tipo de problema deve acompanhar a evolução e não serve e recursos dos pacientes. Isso estar apenas para reabilitar pessoas, ocorre porque não há um atualização. As atividades mas também para habilitá-las. roteiro ou protocolo padrão executadas em ambiente Essa global pré-estabelecido para clínico podem ser variadas de execução reabilitação acordo com os objetivos que Assim, a se deseja atingir. Todo material a neuropsicológica concepção inclusão de permite uma a parcela de em constante importante da população com neuropsicológica. as mais variáveis patologias maior dessas usado durante o processo de (não somente lesões cerebrais intervenções segue as bases reabilitação deve ser planejado orgânicas) teóricas reabilitação pelo reabilitador com objetivos utilizando específicos e metas claras a práticas e expande em as parte da reabilitação neuropsicológica, a diferentes de serem atingidas. Desta forma, contextos. Tal expansão reflete trabalho que variam desde se o profissional não tem todas na diversidade de profissionais jogos dinâmicos até protocolos as competências para exercer que computadorizados, a fim de esta função, recomenda-se a buscar capacitação e supervisões com neuropsicológica podem reabilitação outros atuar na neuropsicológica, os como psicólogos, terapeutas proposta. ocupacionais, salientar professores, instrumentos objetivos da Entretanto, cabe que muitos profissionais qualificados. É importante ressaltar que os fonoaudiólogos, entre outros. profissionais atribuem o termo resultados da reabilitação Cabe "reabilitação neuropsicológica" neuropsicológica dependerão a tanto ressaltar abordagem e que os a objetivos outras atividades que, do engajamento do principais irão depender de embora possam ter seu papel paciente quanto do reabilitador. como o paciente é visto em e sua contribuição para o Para facilitar o trabalho, segue cada disciplina. Assim, cada paciente e familiar, não há a descrição de alguns tópicos profissional relação com as bases teórico- para um plano de ação em para a melhoria do paciente e, práticas reabilitação com o paciente: não raro, podem trabalhar em neuropsicológica. conjunto atingirem motivo, objetivos pesquisa trabalham pode para determinados contribuir terapêuticos. Na literatura é possível encontrar diferentes tipos de intervenções ABR/2015 que visam da muitos reabilitação Por este grupos • Conhecer histórico o pessoal e médico, alterações desenvolvimento de programas do quadro clínico e condições com ambientais; intervenções buscando sanar para de padrões, essas a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br • Identificar áreas- problema; 4 B OLETIM SBN P | M ATÉRIA P RINCIPAL neuropsicológica. metas e objetivos propostos objetivos para a intervenção; No Brasil, ainda não temos um pelo programa. Por fim, para • programa estruturado completo que possamos alcançar bons frequência do tratamento; de resultados, devemos zelar pelo • neuropsicológica • Estabelecer metas e Estabelecer duração e Selecionar materiais reabilitação reabilitação validado. trabalho e manter-nos Entretanto, há alguns materiais atualizados de considerados eficientes para pesquisas auxílio e ajuda necessária para atingir metas específicas que mercado a realização das tarefas; vem poderemos garantir aos nossos • prática específicos; • Determinar tipo Usar raciocínio clínico sendo utilizados clínica, na como: o perante as científicas da e área. o Assim, pacientes um tratamento de e competências técnicas para Programa de Enriquecimento qualidade e melhorias em sua a intervenção; Instrumental qualidade de vida. • Anotar resultados desenvolvido Feuerstein, prévios e expectativas. Pearson, - PEI, por Reuven o o CogMed da CogWeb da Referências plano Neuroinova, a Lumosity da terapêutico é possível que o Lumos Labs e, ainda, uma ANDRADE, S.; QUARANTA, T.; profissional se depare com série de aplicativos disponíveis FUENTES, uma ampla gama de recursos em tablets. O objetivo final de como qualquer técnica utilizada é a Ao formular um softwares tarefas. Neste possível e testes/ sentido, levantar é alguns generalização para o contexto da vida diária. F. Cognitiva. teoria e IN: www.lst.tfo.upm.es>. Acesso em: ganharam estruturados ou materiais já LUMOS existentes Disponível anos pela eficácia Alegre: LifeSTech. Disponível em: <http:// 06 mar 2015. últimos Porto Artmed, 2014. programas estruturados que nos Neuropsicologia: prática. A utilização de instrumentos destaque Remediação auxiliam o LABS. Lumosity. em: <http:// comprovada, como o Cognitive profissional de reabilitação a www.lumosity.com>. Acesso em: Remediation Therapy (CRT), executar o seu programa. No 06 mar 2015. desenvolvido para pacientes entanto, MADER-JOAQUIM, com esquizofrenia pelo grupo replicar. Usar um joguinho de de estudos coordenado pela estratégia com o paciente, por Til Wykes, em Londres. Na exemplo, pode até ter algum Espanha, o grupo de estudos benefício, mas isso não é fazer da reabilitação Life Technologies está Supporting (LifeSTech) trabalhando para aos avaliação princípios da neuropsicológica. IN: Avaliação Neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010. MCCOY, K.D.; GELDER, Approaches to the rehabilitation of children processo, ABR/2015 Introdução participação de atividades do reabilitador durante todo mediando para atingir o O Neuropsicólogo e o seu paciente: o realidade execução neuropsicológica, M.J. VANHORN, virtuais, para saber já capacitado virtual basta definitivamente. É necessária a desenvolvimento de ambientes usando não R.E.; DEAN, B.C.; R.S. cognitive with as neuropsychological impairment. IN: as Behavioural Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br Neurology and 5 B OLETIM SBN P | M ATÉRIA P RINCIPAL Neuropsychology. McGraw-Hill, 1997. NEUROINOVA. CogWeb. Disponível em: <https:// www.cogweb.eu>. Acesso em: 06 mar 2015. ORTEGA, L.F.V.; CAMARGO, C.H.P.; ÁVILA, R. Reabilitação Neuropsicológica. IN: Clínica Psiquiátrica. Barueri, SP: Manole, 2011. PEARSON. CogMed. Disponível em: <http:// www.casadopsicologo.com.br/ landing/cogmed>. Acesso em: 06 mar 2015. ROCCA, L.C.; C.C.A.; MONTEIRO, RODRIGUES, C.L. Reabilitação Neuropsicológica e Treino de Habilidades Sociais em Crianças e Adolescentes com Transtornos Psiquiátricos. IN: Clínica Psiquiátrica. Barueri, SP: Manole, 2011. TURRA, N.C. Reuven Feuerstein: “Experiência Mediada: de um Aprendizagem salto modificabilidade estrutural”. para a cognitiva IN: Educere et Educare. Vol. 2, nº 4, p. 297-310, jul./dez. 2007. WILSON, B. Deficiências Reabilitação das Cognitivas. IN: Neuropsicologia: das Bases Anatômicas à Reabilitação. 1ª Edição. São Paulo: HCFMUSP, 2003. WYKES, T. & REEDER, C. Cognitive remediation therapy for schizophrenia: Theory and Thaís Quaranta Graduada em Psicologia pela Universidade de Ribeirão Preto. Especialista em Psicologia Hospitalar e Neuropsicologia pelo Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP. Realiza especialização em Terapia Cognitivo Comportamental pelo Centro de Terapia Cognitiva Veda. Atualmente é colaboradora em pesquisa nas unidades de Neurologia e Psiquiatria do HCFMUSP. Atua em consultório com psicoterapia na abordagem cognitivo comportamental, avaliação e reabilitação neuropsicológica e como neuropsicóloga no Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem (CRDA) e no ambulatório da APAE DE SÃO PAULO. practice. East Sussex: Routledge, 2005. ABR/2015 Responsável pelo convite: Isabela Sallum Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 6 B OLETIM SBN P | R ESUMO DE A RTIGO PORQUE PACIENTES COM SÍNDROMES FRONTAIS NEURODEGENERATIVAS ERRAM AO RESPONDER: EM QUE LARANJA E BANANA SE PARECEM? por Laiss Bertola Tarefas de categorização, amplamente utilizadas na avaliação neuropsicológica, são comumente realizadas através das clássicas perguntas “Em que se parecem x e y?”, e contam com a expectativa de uma resposta abstrata e ampla. A observação de que pacientes com determinados quadros clínicos se mostram capazes de ressaltar predominantemente a diferença dos elementos perguntados, mesmo quando o objetivo da tarefa requer a busca de similaridades, foi o motivador para o artigo em questão. Sabendo que a habilidade cognitiva de categorizar pode ser considerada um subdomínio das funções executivas e também da memória semântica, e com o objetivo de clarificar os mecanismos frontais envolvidos na boa execução de tarefas desse tipo, Lagarde e colaboradores desenvolveram o presente estudo com o objetivo de verificar quais mecanismos cognitivos e regiões cerebrais estão envolvidas na execução de uma tarefa de categorização. O estudo contou com participantes controles, dois grupos clínicos: um com síndrome frontal e déficit executivo (Demência Frontotemporal e Paralisia Supranuclear Progressiva) e um grupo com predominante déficit não frontal (Demência por Doença de Alzheimer). Para maior controle dos resultados, os participantes com déficit semântico e cognitivo global intenso foram excluídos. Da tarefa de categorização realizada pelos participantes foram computados três escores, que permitiriam comparar os grupos em seu perfil de categorização, e correlacioná-los com regiões cerebrais e habilidades executivas: total, índice de abstração (referente a capacidade de produzir respostas abstratas), e índice de ligação (referente a capacidade de ao menos identificar alguns aspectos em comum dos elementos). Entre os principais resultados do estudo, os autores encontraram que: a) participantes com Demência Frontotemporal se apresentaram significativamente mais comprometidos na tarefa de categorização que os controles e grupo clínico de Demência ABR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 7 B OLETIM SBN P | R ESUMO DE A RTIGO de Alzheimer; b) participantes com Paralisia Supranuclear Progressiva também se apresentaram mais comprometidos, porém em menor intensidade que os com Demência Frontotemporal; c) participantes com Demência Frontotemporal apresentaram maior taxa de erros relacionados ao índice de ligação, que os demais grupos, produzindo mais diferenças que similitudes em suas respostas; d) as regiões cerebrais envolvendo a circuitaria frontal e dos núcleos da base apresentaram correlações significativas com escore total da tarefa; e) no entanto, os índices calculados de abstração e ligação se correlacionam com diferentes circuitarias frontais. Dessa forma, o presente estudo possibilitou verificar que diferentes mecanismos cognitivos e cerebrais parecem estar envolvidos no processo de categorização. O estudo indicou que as regiões frontais e as habilidades executivas foram essenciais tanto no processo de abstração, como também na capacidade de identificar quais características em comum os elementos possuem e uni-los em uma categoria ou, simplesmente, de inibir um possível comportamento natural de discriminar itens ao invés de identificar similaridades. Portanto, diante da disponibilidade do conhecimento semântico, as habilidades executivas – através das regiões frontais – seriam responsáveis pela capacidade de unir as percepções e informações em prol de um raciocínio mais amplo e abstrato. Os resultados desse estudo nos permitem extrapolar para o cenário clínico a necessidade de um cuidado ao interpretar os resultados de tarefas de categorização que podem ser decorrentes de dificuldades diferenciadas. Referência: Lagarde et al. (2015).Why do patients with neurodegenerative frontal syndrome fail to answer: ‘In what way are an orange and a banana alike?’. Brain, 138; 456-471. ABR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 8 B OLETIM SBN P | R ELATO DE P ESQUISA DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM PACIENTE COM HISTÓRIA DE TCE E RELATO DE ALTERAÇÃO MNEMÔNICA: ESTUDO DE CASO Nariana Mattos F. Souza Eixo temático de referência do trabalho: Neuro- encontrados após o TCE, sendo que a al- logia Cognitiva. Memória e amnésia, além de teração de memória é a queixa mais comum. alterações Muitos indivíduos apresentam uma síndrome neuropsiquiátricas após lesão adquirida (Traumatismo cranioencefálico). amnésica, mais comum naqueles que sofrem hipóxia e anóxia. A memória de longo prazo Palavras-Chave: Traumatismo Cranioencefáli- geralmente é restaurada, mas alguns pacientes co; Amnésia; Alterações neuropsiquiátricas. continuam apresentando dificuldades para aprender e reter novas informações (amnésia INTRODUÇÃO anterógrada). As alterações de memória remota O Traumatismo cranioencefálico (TCE) pode são menos frequentes e podem estar relaciona- ser definido como lesão não degenerativa e não das a comprometimento em outras regiões congênita por uma força mecânica externa, po- encefálicas (circuito frontotemporal e região dendo ocasionar comprometimento permanente temporal anterior). ou temporário das funções cognitiva, física e psicossocial, com o estado de consciência diminuído ou alterado. Dados americanos e bra- OBJETIVOS sileiros indicam que cerca de 500.000 pessoas Descrever um estudo de caso de um paciente sofrem TCE anualmente, sendo 20% com as com história de TCE grave, cujos comprome- formas moderada ou grave. De acordo com es- timentos sugerem uma dissociação entre as ses dados, enquanto 80% das pessoas que sof- alterações na memória episódica anterógrada e reram TCE leve retornaram ao trabalho, apenas retrógrada (esta última especialmente relaciona- 20% e 10% das formas moderada e grave, re- da a dados autobiográficos). Além disso, devido spectivamente, podem retornar à sua rotina ao quadro neuropsiquiátrico observado, buscar- diária. se-á correlacionar os principais achados clínicos, funcionais, imagem e neuropsicológicos. Em relação aos aspectos cognitivos, de uma forma geral, os problemas de atenção, memória RELATO DO CASO e função executiva são os mais comumente Sujeito: E.P., 44 anos de idade, gênero masculino, ABR/2015 destro, ensino Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br superior incompleto 9 B OLETIM SBN P | R ELATO DE P ESQUISA do iniciado medicamento com antipsicótico (Enfermagem), Policial Militar. (Risperidona – 1mg/noite). Apesar disso, re- Procedimentos: Avaliação clínica, laboratorial, imagem (Ressonância Magnética de Encéfalo), e neuropsicológica. Em relação a avaliação neuropsicológica, foram investigadas as seguintes funções mentais: orientação, nomea- ção, cálculos mentais, fluência verbal, evocação e reconhecimento de figuras e conteúdos verbais, aprendizagem verbal, visuoconstrução, funções executivas (trail making test A e B), raciocínio não-verbal (prova do relógio), atenção, leitura e escrita. Também foram utilizados os subtestes da bateria WAIS-III (Escala de Inteligência Wechsler para Adultos, 3a Edição), como vocabulário, informação, cubos, raciocínio matricial, procurar símbolos e arranjo de figuras. Análise dos dados: Os resultados foram descri- tos de forma qualitativa. tomou as atividades laborais, sob supervisão. Apresentou queixa de alteração mnemônica. “Eu não lembro do meu casamento, da minha infância. Sei porque falam para mim (…). Apenas me recordo das coisas do trabalho, lembro de tudo, dos materiais e de como são realizadas as atividades” (sic). Ressonância magnética de encéfalo (31/07/2013): Sinais de micro-hemorragia, especialmente em região frontal bilateral (predomínio à esquerda) e em polo temporal bilateral, com nítido predomínio à direita, vistos nas sequências SWI e gradiente Echo, compatíveis com sequelas de TCE (lesão axonal difusa). Avaliação neuropsicológica Não apresentou dificuldade em linguagem receptiva e/ou expressiva. Orientado alo e autop- RESULTADOS siquicamente. Foi cooperativo ao longo da História da moléstia atual Em 09 de janeiro de 2013, o paciente foi vítima de acidente automobilístico, com capotamento da viatura durante o trabalho. Encaminhado ao hospital, submetido à intubação orotraqueal, posteriormente traqueostomia, fazendo uso de ventilação mecânica. Identificado TCE, com lesão axonal difusa. O paciente permaneceu internado em unidade de terapia intensiva durante 24 dias. Apresentou episódio de pneumonia e colite pseudomembranosa. O paciente ainda permaneceu 4 dias internado em enfermaria, sendo liberado posteriormente para o domicílio. avaliação e demonstrou percepção de suas dificuldades. Foram identificadas alterações cognitivas pontuais em aspectos relacionados à atenção, prin- cipalmente em tarefas que demandavam maior capacidade de controle e manipulação de informações. Estas dificuldades podem ter interferido na evocação espontânea de informações, mas não no armazenamento destas. Não apresentou intrusões e/ou perseverações.Nas provas executivas, conseguiu planejar, organizar e sequenciar, sem necessitar de mediação. Evoluiu com melhora motora completa, mas com sintomas neuropsiquiátricos (delírios), sen- ABR/2015 DISCUSSÃO O paciente apresenta história de TCE grave Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 10 B OLETIM SBN P | R ELATO DE P ESQUISA com recuperação motora completa e com relato de dificuldade importante de memória, principalmente para evocar informações previamente adquiridas, antes da lesão (eventos mais remotos), mas também, embora de forma menos significativa, para armazenar e reter in- formações novas (modalidade episódica e autobiográfica). cado acometimento predominantemente da região frontal e no lobo temporal anterior direito, sem anormalidade significativa no tálamo, hipocampo ou outras estruturas mesiais no sistema límbico-diencefálico. Esses achados corroboram os dados da literatura, indicando uma certa independência dos mecanismos de memória anterógrada e retrógrada, e apontam as estru- Cabe referir que o desempenho cognitivo, observado nesta avaliação, não condiz com o relato do paciente. E.P. refere que não consegue evocar informações remotas e recentes, o que parece ser de natureza seletiva, visto que as outras informações são evocadas facilmente (acontecimentos ocorridos no trabalho, por exemplo). No estudo de ressonância magnética, foi verifi- Não se observa relação destes es- quecimentos com episódios de forte conteúdo emocional e causam, atualmente, sofrimento e interferência nos relacionamentos interpessoais. Quanto aos aspectos neuropsiquiátricos, há episódios de alteração do conteúdo do pensamento, distorcendo eventos recentes, com intrusões de acontecimentos que não ocorreram ou que foram vivenciados em momentos e contextos distintos. Essas alterações podem ser decorrentes da lesão frontal, em que há a lembrança de fatos, mas esses não são associados a o contexto ou à época de ocorrência, confabulando a partir de fatos pré-existentes. Além disso, como observado em estudos prévios, pacientes com lesão em estruturas do lobo frontal, temporal anterior e fascículo uncinado, podem ter déficit mnemônico de natureza seletiva para conteúdos remotos, mas sem envolvimento com eventos traumáticos ou estressantes, o que turas e vias dos lobos temporais anteriores co- mo fundamentais para a memória de eventos passados, bem como a importância do lobo temporal anterior direito no armazenamento e evocação de dados autobiográficos. É comum que se façam diagnósticos inadequados quando há sintomas cognitivo- comportamentais, como nos casos após TCE – em especial os fechados, pois dificilmente resultam em déficits neurológicos motores ou sensoriais. Algumas vezes, TCE com graves sequelas neuropsiquiátricas, podem ser consideradas, equivocadamente, como "psicogênicas ou transtornos factícios", que podem trazer significativos prejuízos sociais e financeiros. Desta forma, pela complexidade e seletividade das alterações mnemônicas, faz-se importante uma criteriosa avaliação interdisciplinar, para uma melhor caracterização da amnésia, com o ob- jetivo de serem evitados diagnósticos errôneos, como de alteração psicogênica (amnésia dissociativa ou transtornos factícios). Este diagnóstico diferencial pode contribuir de forma significativa no processo de reabilitação, propiciando uma melhor participação do paciente nos contextos das atividades de vida diária, social e laboral. pode ocorrer na amnésia dissociativa ou psicogênica. REFERÊNCIAS Bueno OFA. (2010). Studying memory: from the ABR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 11 B OLETIM SBN P | R ELATO DE P ESQUISA frontal to the temporal lobe and vice-versa. In: Learning and Memory Developments. Editors: l. C. Eklund, A. A. Nyman, pp. 227-240. Calabrese P, Markowitsch HJ, Durwen HF, Widlitzek H, Haupts M, Holinka B, Gehlen W. (1996). Right temporofrontal cortex as critical locus for the ecphory of old episodic memories. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 61(3): 304-10. NARIANA MATTOS F. SOUZA Diretrizes de atenção à pessoa com traumatismo craniencefálico. Fonte (acessada em 24/10/13): http://portalsaude.saude.gov.br/ portalsaude/arquivos/pdf/2013/Jan/03/ DIRETRIZES_TCE.pdf. Freire FR, et al. (2011). Cognitive rehabilitation following traumatic brain injury. Dement Neuropsychol, 5(1):17-25. Kapur N, Ellison D, Smith MP, McLellan DL, Burrows EH. (1992). Focal retrograde amnesia following bilateral temporal lobe pathology. A neuropsychological and magnetic resonance study. Brain, 115, 73-85. Psicóloga. Especialista em Neuropsicologia Clínica desde 2009. Tem experiência na área de Psicologia Hospitalar, Neuropsicologia e Psicologia Cognitiva. Fez parte da DINEP (Divisão de Neurologia e Epidemiologia - UFBA), grupo de pesquisa cadastrado no CNPq. Atualmente é mestra em ciências pelo Departamento de Psicobiologia (Universidade Federal de São Paulo) e psicóloga hospitalar da Associação das Pioneiras Sociais (unidade Salvador/ BA). Kopelman, M. (2008). Retrograde episodic ande semantic memory impairment correlates with Responsável pelo convite: Isabela Sallum side of temporal lobo damage. Journal of the International Neuropsychological Society, 14, 1081-1082. Levine B, Black SE, Cabeza R, Sinden M, Mcintosh AR, Toth JP, Tulving E, Stuss D T (1998). Episodic memory and the self in a case of isolated retrograde amnesia. Brain, 121, 1951-1973. ABR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 12 THIAGO RIVERO Psicólogo, doutorando em ciências da saúde pelo departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo. Atua como Psicólogo e Pesquisador da Universidade Federal de São Paulo. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Neuropsicologia, enfocando principalmente as seguintes áreas: Avaliação Neuropsicológica, Reabilitação Neuropsicológica, Ciência Cognitiva e Terapias Cognitivas. Atualmente seus principais temas de pesquisa são: Avaliação Neuropsicologia, Uso de Video Game e outras Tecnologias para Reabilitação, TDAH, Controle Inibitório e Técnicas de Terapias Cognitivas. 1- Thiago, primeiramente obrigada por aceitar o convite. Gostaria que você começasse falando um pouco sobre sua experiência inicial com a reabilitação e seu trabalho atual. Há 11 anos iniciei minhas experiências profissionais dentro da reabilitação neuropsicologica estagiando com a excelente psicóloga Silvia Bolognani, coordenadora do serviço de reabilitação adulta da Associação do Fundo de Incentivo a Pesquisa, parceira da UNIFESP. Até hoje continuo associado ao serviço. Lá foi a grande escola onde aprendi a avaliar, reabilitar e muito mais que isso, a pensar a reabilitação neuropsicologica. Eu me lembro que desde o início eu me questionava muito a respeito dos métodos, técnicas e ferramentas da reabilitação. Esses três elementos sempre me interessaram mais do que todos os outros, e por conta disso sempre tive uma busca de frameworks teóricos que pudessem enriquecer a prática da clínica da reabilitação, uma busca por técnicas que fossem cientificamente mais eficazes ABR/2015 para a população que eu estivesse trabalhando, e por fim, o estudo e desenvolvimento de ferramentas (por vezes tecnologias, como os jogos digitais) que participassem do processo de compensação ou treino de funções e de capacidades e atividades perdidas. 2- Você tem trabalhado com uma perspectiva de uso de games como ajuda no processo de reabilitação. Acha que existem boas perspectivas para este tipo de estratégia? A pesquisa em games e treinamento mental está apenas começando. Para todos que acham que podem trocar um processo de reabilitação neuropsicológica, uma boa rede de relacionamentos sociais e uma vida de boas decisões com relação a própria saúde por um pouco de jogos, está muito enganado. Diversos estudos e consensos de pesquisadores da área vêm mostrando os limites em relação a metodologias e com a própria ferramenta videogame no processo terapêutico. Entretanto, faz-se importante diferenciar as Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 13 duas linhas atuais de uso de videogame na reabilitação. Uma das abordagens, e a mais criticada de todas, é a de uso de jogos para treino de habilidades cogntivas. Com mais de 30 anos de estudos, essa abordagem parte do principio de drill and practice, ou seja, repetição e prática. Essa técnica propõe que é importante o treino repetitivo para que uma habilidade se recupere ou melhore. A maioria dos jogos para reabilitação estão nessa categoria, eles focam em treinos repetitivos de habilidades cognitivas. Esses jogos em gerais são formados por mini-games nos quais o jogador passa horas (protocolos de 10 a 40 horas) treinando melhoria de habilidades como atenção, memória operacional, controle do impulso, entre outros. A outra abordagem de games, parte do principio de gameificar treinos e protocolos de tratamento já existentes. A ideia principal dessa abordagem é usar elementos de jogos tradicionais (história, níveis, missões, interatividade, entre outros) e construir os protocolos de tratamentos tradicionais, focando não apenas em treino, mas no processo de tratamento como um todo. Alguns estudos por exemplo gamificaram o protocolo da terapia cognitiva padrão do Beck em um jogo de RPG com 10 fases diferentes e um história riquíssima, outro estudo utilizou-se de protocolos de treino de habilidades sociais e emocionais para autistas, e criou um jogo de agente secretos para crianças com Síndrome de Asperger. Essa diferença entre treino repetitivo e protocolo de tratamento precisa ser melhor compreendida dentro do processo de reabilitação e games. ABR/2015 3- Além dos games, que outros tipos de novas ferramentas considera serem interessantes? Acho que precisamos pensar aqui em panoramas de tecnologias. Eu gosto de pensar que vivemos em um momento onde a inserção de tecnologias na prática da clínica da reabilitação começa se tornar mais comum e acessível. Desde aplicativos simples para gerenciamento de rotina e metas, até ferramentas para agenda e organização de remédios e outros lembretes importantes. Em um panorama um pouco mais alargado de tempo, cada vez mais ferramentas gerenciadoras do meu “eu psíquico” vão ficar comuns, filmagens do meu dia a dia, ferramentas que aumentem a realidade e me ajudem a lembrar ou ter mais atenção em determinados elementos, tudo isso com muitas pitadas de games e gameficação. Agora, em um panorama mais longínquo, eu acredito que a realidade virtual vai trazer um grande auxílio para o processo de reabilitação. Ferramentas que permitam a imersão e assim fortaleçam o aprendizado e o engajamento dos pacientes no processo terapêutico e no processo de transferência do aprendizado para a vida real. 4- Para que populações você acredita que estas estratégias são mais úteis? Tanto em termos de idade, transtornos, etc.? Eu acredito que todas as populações clínicas e todas as idades podem se beneficiar de tecnologias no processo de reabilitação, entretanto, temos que estar atentos para importantes barreiras de uso da tecnologia. Apenas para tocar Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 14 superficialmente nesse assunto que é muito relevante, o tipo de arte apresentado no jogo, o tipo de mecânica do jogo (se é um jogo de exploração e aventura, ou um jogo de treino repetitivo de habilidades), a dinâmica do jogo (se é cooperativo ou competitivo), etc. Esses pequenos detalhes de funcionamento já podem ser uma barreira importante de uso em cada população. Outra barreira é o aparato do jogo, os controles de videogame do xbox e do playstation em geral são uma barreira para adultos e idosos que não estão acostumados. A complexidade do jogo, se ele for muito carregado de história e leitura de informações, também é uma barreira. Enfim, afinar o jogo à população que vai utilizá-lo é uma tarefa complexa e que requer estudo a respeito das preferências e das barreiras de usabilidade envolvidas. participações, que muitas vezes o neuropsicólogo que trabalha com avaliação não tem. Por isso acredito que essas novas ferramentas tecnológicas são essenciais e precisam ser conhecidas, testadas e se forem consideradas importantes, implementadas. Tudo isso pode parecer novo, mas a neuropsicologia, desde o inicio, se beneficia e muito das tecnologias e ferramentas compensatórias dentro do processo terapêutico. 5- Por fim, de maneira prática, como você acha que o neuropsicólogo pode aliar essas novas tecnologias à reabilitação? Mais do que simplesmente ler os artigos, eu tenho a sorte de poder conversar com os colegas da neuropsicologia e estar sempre buscando conhecer quais são as ferramentas e tecnologias que já estão em prática no dia a dia da reabilitação. A minha percepção é que já está ocorrendo uma mudança dos neuropsicólogos na direção do uso de computadores, tablets, celulares, whatsapp e outras tecnologias que podem facilitar o processo terapêutico. O neuropsicólogo que trabalha com reabilitação tem certas necessidades de comunicação com paciente e família, de observação e acompanhamento do tratamento e das metas de inserção do paciente em novas atividades e ABR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 15 GESTÃO 2013-2015 Presidente: Leandro Fernandes Malloy-Diniz (UFMG) Vice-Presidente: Neander Abreu (UFBA) Conselho Deliberativo: Gabriel Coutinho (I'Dor - RJ) Jerusa Fumagali de Salles (UFRGS) Lucia Iracema Mendonça (PUC-SP e USP) Vitor Haase (UFMG) Presidente: Laiss Bertola (UFMG) Conselho Fiscal: Vice-Presidente: Annelise Júlio-Costa (UFMG) Breno S. O. Diniz (UFMG) Conselho Deliberativo: Daniel Fuentes (USP) Andréa Matos Oliveira Tourinho (IFBA) Rodrigo Grassi Oliveira (PUC-RS) Breno S. Vieira (PUC-RS) Secretária Executiva: Carina Chaubet D'Aucante Alvim Jaqueline de Carvalho Rodrigues (UFRGS) Sabrina de Sousa Magalhães (UFMG) Secretaria Geral: Thiago Rivero (UNIFESP) Conselho Fiscal: Emanuel Henrique Gonçalves Querino (UFMG) Natália Betker (UFRGS) Ana Luiza Cosa Alves (UFMG) Thaís Quaranta (USP) Tesouraria Executiva: Eliane Fazion dos Santos Chrissie Ferreira de Carvalho (UFBA) Tesouraria Geral: Deborah Azambuja. Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara (UNEB) Representantes regionais: Secretário-Executivo: Bruno Schiavon (PUC-RS) Piauí: Inda Lages Acre: Lafaiete Moreira Alagoas: Katiúscia Martins da Silva Karine Amazonas: Rockson Pessoa Bahia: Tuti Cabuçu Ceará: Silviane Andrade Centro Caixeta Oeste: Pinheiro de Leonardo DF: Danilo Assis Pereira Minas Gerais: Jonas Jardim de Paula e Annelise Júlio-Costa Rio de Janeiro: Flávia Miele Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara (UFBA) Rio Grande do Norte: Katie Almondes Tesoureiro-Executivo: Alina Lebreiro G. Teldeschi (CNA-I'Dor ) Rio Grande do Sul: Rochele Paz Fonseca Tesoureiro-Geral: Thiago da Silva Gusmão Cardoso (UNIFESP) Rondônia: Kaline Prata Setor de Marketing e Comunicação: Sant a Catarina : Schlindwein-Zanini. Rachel Sergipe: Ana Cláudia Viana Silveira Paraíba: Bernardino Calvo Andressa Antunes (UFMG) Isabella Sallum (UFMG) Adriana Binsfeld Hess (UFRGS) Isabella Starling (UFMG) Inda Lages (UFABC) Morgana Scheffer (UFRGS) Revisão: Thaís Quaranta (USP) e Schiavon (PUC-RS) Brasileira de Neuropsicologia ABR/2015 Editoração: AndressaSociedade Antunes (UFMG) e Isabela Sallum (UFMG) - www.sbnpbrasil.com.br 16