Movimentação passiva precoce na reabilitação das

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MOVIMENTAÇÃO PASSIVA PRECOCE NA REABILITAÇÃO DAS OSTEOSSÍNTESES DOS OSSOS DA MÃO
Movimentação passiva precoce na reabilitação
das osteossínteses dos ossos da mão*
GILBERTO OHARA1, W ALTER ALBERTONI2 , FLÁVIO FALOPPA3 , MARCELO MATSUMOTO4, POLA ARAUJO5
RESUMO
Os autores submeteram a protocolo denominado Movimentação Passiva Precoce 13 pacientes com 19 fraturas
dos ossos da mão que haviam sido submetidos à osteossíntese rígida com material de minifragmentos. Comentam
a metodologia empregada e os resultados conseguidos.
SUMMARY
Early passive motion in the rehabilitation of hand bone
osteosynthesis
The authors made a protocol called Early Passive Motion
and used it in 13 patients with 19 fractures of hand bones
that were treated with rigid internal fixation using minifragments material. They comment on the technic and the results.
INTRODUÇÃO
Os trabalhos originais de Salter(7) têm revelado os efeitos
deletérios da imobilização. Ele demonstrou a presença de
necrose por pressão da cartilagem em articulações imobilizadas, acompanhada de processo degenerativo nas áreas sem
contato, secundárias à aderência da membrana sinovial da
superfície articular. As alterações microscópicas descritas
* Trab. realiz. no Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. da Pol. Militar do
Est. de São Paulo, Disc. de Cirurg. da Mão e Mem. Sup. do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Unifesp (Esc. Paul. de Med.) e no Curso de Pósgraduação em Ortop. da Unifesp (Esc. Paul. de Med.).
1. Dir. Cient. do Serv. do Ortop. e Traumatol. do Hosp. da Pol. Militar do
Est. de São Paulo; Chefe do Grupo de Mão do Hosp. São Conrado e
Hosp. Ipiranga-SP; Pós-graduando em nível de Doutorado e Mestre em
Ortop. pela Esc. Paul. de Med.
2. Prof. Titular do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Unifesp – Esc. Paul. de
Med.; Chefe da Disc. de Cirurg. da Mão e Mem. Sup.
3. Prof. Livre-Doc. do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Unifesp – Esc. Paul.
de Med.; Chefe de Clín. da Disc. de Cirurg. da Mão e Mem. Sup.
4. Pós-graduando em nível de Doutorado e Mestre em Ortop. pela Esc. Paul.
de Med.
5. Terapeuta da Mão da Disc. de Reabil. do Dep. Ortop. e Traumatol. da
Unifesp – Esc. Paul. de Med.
Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 4 – Abril, 1996
incluem fibrilação da cartilagem, formação de fendas e ulcerações.
O tratamento moderno das fraturas, tanto pela utilização
de imobilizador funcional de Sarmiento como pela redução
aberta e fixação interna, precisa ser seguido de mobilização
ativa precoce como proposto pelo grupo AO de osteossíntese.
Esse método é conhecido mundialmente por conferir estabilidade suficiente para mobilizar precocemente o segmento afetado, buscando, desta forma, melhores resultados funcionais.
Os benefícios da movimentação passiva contínua foram
originalmente propostos pelo próprio Salter. Ele observou
que havia estímulos das células mesenquimais pluripotenciais
para diferenciar-se em cartilagem articular em vez de tecido
fibroso. Isso também aumenta a nutrição da cartilagem articular e acelera a reparação dos tecidos extra-articulares.
O objetivo deste trabalho é relatar a experiência com 13
pacientes portadores de fraturas dos ossos da mão que foram
tratados cirurgicamente com osteossíntese com material de
minifragmentos AO e submetidos a programa de reabilitação
denominado Movimentação Passiva Precoce.
MATERIAL E MÉTODO
De janeiro de 1988 a março de 1992, 13 pacientes, totalizando 19 fraturas dos ossos da mão, foram submetidos a osteossíntese com material de minifragmentos AO e fizeram
parte de programa de reabilitação denominado Movimentação
Passiva Precoce.
Cinco desses pacientes foram submetidos a osteossíntese
com placas e parafusos e oito, a osteossíntese com parafusos
de compressão interfragmentária.
Os pacientes eram mantidos com goteira em posição de
segurança; o primeiro curativo era feito no terceiro dia. Quando as condições da cicatriz eram satisfatórias, os pacientes
eram encaminhados ao setor de reabilitação.
Realizavam sessões diárias de cerca de 45 minutos em que
a terapeuta da mão retirava a imobilização e passivamente
movimentava todas as articulações dos dedos. A imobilização era recolocada e mantida por três semanas.
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G. OHARA, W. ALBERTONI, F. FALOPPA, M. MATSUMOTO & P. ARAUJO
Fig. 1
Aspectos da
realização da
perimetria da mão
em região dos
metacarpianos
Fig. 2 – Aspectos da goniometria da articulação metacarpofalangiana do
dedo indicador durante a mensuração
Fig. 3 – A) Flexão passiva controlada da articulação interfalangiana distal;
B) flexão passiva controlada da articulação interfalangiana proximal.
Fig. 4 – A) Flexão passiva controlada da articulação metacarpofalangiana;
B) extensão passiva total das articulações.
Os pontos foram retirados ao redor da segunda semana e a
movimentação ativa só foi iniciada depois de removida a
imobilização.
A movimentação ativa foi avaliada no final da quarta semana e no pós-operatório tardio, segundo a técnica de Eaton,
através da movimentação ativa total (somatória das flexões
ativas das articulações interfalangianas proximais e distais e
das metacarpofalangianas, subtraindo-se a somatória das extensões ativas dessas mesmas articulações).
AVALIAÇÃO
Foram analisados no final da segunda e quarta semanas e
no pós-operatório tardio os seguintes parâmetros:
Dor à movimentação passiva – conforme o paciente a caracterizava em: 0 = ausente, + = leve, ++ = moderada, +++ =
severa;
Edema nos locais das osteossínteses. Perimetria do dedo
ou da mão;
Rigidez dos movimentos passivos. Goniometria;
Movimentação ativa total.
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RESULTADOS
Dor
No final da segunda semana, nove pacientes ainda apresentavam dor severa (+++) e, em três, ela era moderada (++).
No final da quarta semana, oito pacientes apresentavam dor
leve (+) e os outros quatro não tinham dor (0).
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Fig. 5 – A) Fratura oblíqua longa de três metacarpianos; B) osteossíntese
com parafusos interfragmentários AO.
Fig. 6 – A) Resultado da extensão ativa após quatro semanas de cirurgia;
B) flexão ativa conseguida na mesma época.
Edema
Houve diminuição global do edema nos segmentos da mão,
verificada pela perimetria, observando-se regressão percentual de 35% no final da quarta semana.
Rigidez
Foi observada limitação da movimentação passiva dos
dedos operados em todos os pacientes na segunda semana.
Conforme a regressão do edema e da dor, houve melhora
quase proporcional da mobilidade.
Movimentação ativa
A média de movimentação ativa total no final da quarta
semana foi de 220º e, no final da oitava, de 250º.
No grupo tratado com imobilização, houve 12% de bons resultados e nenhum excelente, comparado com os 36% de
excelentes e 20% de bons do grupo da mobilização passiva.
Huffaker et al.(2) realizaram estudo para analisar o grau de
mobilidade final em grupos sem e com fratura dos ossos da
mão após seu tratamento, seguido de terapia pós-operatória
precoce. Avaliaram 123 pacientes com 150 fraturas da mão.
Cento e uma fraturas (67%) foram submetidas a redução aberta e fixação interna; 40 (27%), a redução fechada e fixação
externa; cinco (3%), a redução fechada e fixação interna; e
quatro (3%), a artrodese primária.
Foram divididos em sete grupos, dependendo do número
de segmentos comprometidos e sua gravidade. A movimentação ativa iniciou-se entre o primeiro e o terceiro dia pósoperatório; depois, a movimentação passiva foi utilizada.
Posteriomente, alternavam-se as movimentações ativa e passiva. Nos casos mais graves, foram complementadas com
mobilizações dinâmicas durante o dia e talas estáticas à noite.
As avaliações foram feitas através da ROM (range of motion), a amplitude de mobilidade de cada dedo correspondendo à somatória da mobilidade da articulação metacarpofalangiana, interfalangiana proximal e distal menos a limitação
da extensão até zero.
Nas lesões associadas a esmagamento, lesões tendinosas
flexoras ou extensoras ou com perda de pele, houve diminuição significante da ROM comparada com a dos dedos não
fraturados da mesma mão.
Após o tratamento das fraturas simples, tanto no grupo
fraturado como no não fraturado, os resultados da ROM são
essencialmente os mesmos.
Isso vem demonstrar que, apesar da movimentação precoce,
os resultados podem ficar comprometidos quando existem
DISCUSSÃO
Salter(7) comprovou experimentalmente os efeitos benéficos
da movimentação passiva contínua.
O mais conhecido método de mobilização é provavelmente
a tração por elástico, proposta por Kleinert et al.(3).
Imobilização dorsal permitindo extensão ativa controlada
do dedo associada a flexão passiva que pode ser obtida pelo
elástico foi proposta por Lister et al.(4).
Método alternativo de mobilização foi descrito por Duran
& Hauser(1), que propuseram sistema de exercícios passivos
controlados que mobilizam cada articulação do dedo lesado
separadamente.
A idéia de movimentação passiva intermitente foi estudada
por Strickland & Glogovac(8). De 50 dedos com lesão da zona
II, 25 foram imobilizados por três semanas e meia e 25, submetidos a movimentação passiva intermitente. O resultado
da movimentação foi graduado conforme a percentagem da
recuperação da articulação interfalangiana proximal e distal.
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G. OHARA, W. ALBERTONI, F. FALOPPA, M. MATSUMOTO & P. ARAUJO
lesões associadas. Por outro lado, a movimentação precoce
melhora os resultados das fraturas simples.
O grupo AO recomenda iniciar precocemente a reabilitação, pois suas osteossínteses são estáveis.
Ohara et al.(5) apresentam os resultados preliminares obtidos com 12 pacientes com fraturas dos ossos da mão tratados
cirurgicamente com osteossíntese rígida e submetidos ao programa Movimentação Passiva Assistida.
Ohara et al.(6) relatam a experiência em 29 fraturas dos
ossos da mão com material de minifragmentos AO. Submetidos ao programa Movimentação Passiva Assistida, os pacientes obtiveram resultados com mobilidade ativa total variando
de 230º a 250º, dependendo do tipo de osteossíntese empregado.
Em nossa experiência pessoal, a movimentação ativa precoce, iniciada cerca de cinco dias após a cirurgia, tinha como
fator contrário a dor e o edema, que se mantinham por algum
tempo. Isso fazia com que houvesse limitação no ganho da
mobilidade e, conseqüentemente, nossos resultados não eram
uniformemente bons.
Fundamentalmente, a mão é muito inervada e apresenta
diferença de comportamento quando comparada com a movimentação dos membros inferiores.
Iniciar precocemente a movimentação ativa pode muitas
vezes ser muito doloroso, o que pode acabar comprometendo
o processo de reabilitação.
A movimentação passiva assistida permite que a terapeuta
da mão, como nos programas de reabilitação descritos anteriormente, promova a mobilização controlada de cada articulação, o que torna possível a adequação de sua intensidade
conforme o limiar da dor do paciente.
A mão é mantida imobilizada com goteira gessada, que é
retirada diariamente por cerca de 45 minutos apenas no momento da terapia. Por não existir grande solicitação de movimento, o paciente consegue suportar bem os exercícios e tem
menos dores.
A cada sessão, o paciente é instruído sobre todo seu processo de reabilitação e conscientizado sobre a necessidade
de sua participação na fase de movimentação ativa.
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Dessa forma, conseguimos controlar melhor o edema e,
principalmente, a dor, com a conseqüente melhora funcional
da mão.
CONCLUSÕES
A movimentação passiva precoce apresenta como principal
vantagem a regressão substancial do edema entre a segunda
e a quarta semanas.
Permite graduar a movimentação passiva conforme a dor
e, por meio de manipulação suave, trabalhar o paciente para
que se torne mais cooperativo durante o programa.
Após a retirada da imobilização por três semanas, houve
recuperação funcional mais rápida da movimentação ativa
total, atingindo valores em média de 220º na quarta.
REFERÊNCIAS
1. Duran, R.J. & Hauser, R.G.: “Controlled passive motion following flexor
tendon repair in zones II and III”, in Symposium on tendon surgery in the
hand – American Academy of Orthopaedic Surgeons, St. Louis, Mosby,
1975.
2. Huffaker, W.H.,Wray, R.C. & Weeks, P.M.: Factors influencing final range
of motion in the fingers after fractures of the hand. Plast Reconstr Surg
63: 82, 1979.
3. Kleinert, H.E., Kutz, J.E., Ashbell, T.S. & Martine, E.: Primary repair of
flexor tendon in “no man’s land”. J Bone Joint Surg [Am] 49: 577, 1967.
4. Lister, G.D., Kleinert, H.E., Kutz, J.E. & Atasoy, E.: Primary flexor tendon
repair followed by immediate controlled mobilization. J Hand Surg 2:
441, 1977.
5. Ohara, G.H., Araújo, P.M.P., Hide, M.M. & Masiero, D.: Movimentação
precoce assistida nas osteossínteses da mão. Anais do XIII Congresso
de Cirurgia da Mão, 1991.
6. Ohara, G.H., Kojima, K.E. & Targa, W.H.: Tratamento cirúrgico de 29
fraturas dos ossos da mão com material de minifragmentos AO. Rev Bras
Ortop 27: 781, 1992.
7. Salter, R.B.: The biologic concept of continuous passive motion of synovial joints. Clin Orthop 242: 12, 1989.
8. Strickland, J.W. & Glogovac, S.V.: Digital function following flexor tendon
repair in zone II: a comparison of immobilization and controlled passive
motion technique. J Hand Surg 5: 537, 1980.
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