- Pró-Reitoria de Graduação Curso de Psicologia Trabalho de Conclusão de Curso O USO DO VERBO DEVER NO CASO DE NEUROSE OBSESSIVA “O HOMEM DOS RATOS” DE FREUD Autor: Hellen Fonseca de Sousa Orientador: Profº. Drº. Francisco Martins Brasília – DF 2012 HELLEN FONSECA DE SOUSA O USO DO VERBO DEVER NO CASO DE NEUROSE OBSESSIVA “O HOMEM DOS RATOS” DE FREUD Artigo apresentado ao curso de graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientador: Prof°. Dr° Francisco Martins BRASÍLIA 2012 Artigo de autoria de Hellen Fonseca de Sousa, intitulado “O USO DO VERBO DEVER NO CASO DE NEUROSE OBSESSIVA “O HOMEM DOS RATOS” DE FREUD” apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia, da Universidade Católica de Brasília, em 23/11/2012, defendido e aprovado pela banca examinadora abaixo assinado: _____________________________________________________ Prof. MSc. Drº Francisco de Melo Catunda Martins Orientador Psicologia – UCB _____________________________________________________ Prof. MSc. Luciano Costa do Espírito Santo Psicologia - UCB AGRADECIMENTOS Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a realização e conclusão deste trabalho: À DEUS por me proporcionar a oportunidade de começar e terminar este curso com bastante esmero, por ter o privilégio de compartilhar experiências e conviver com pessoas que mudaram a minha forma de olhar para diversos fenômenos, e me fizeram compreender a importância de estar com o outro. Ao meu esposo, pelo apoio e incentivo no decorrer dessa caminhada e pela paciência com a com a minha ausência, mesmo estando presente. Ao meu orientador mestre e Dr° Francisco Martins por ter me dado a oportunidade de participar do seu mundo de estudos e pesquisas e por ter tido a paciência de ensinar e ampliar o meu olhar. A todos os meus amigos e amigas que contribuíram com o meu aprendizado me dando apoio e força nesta caminhada da qual eu sozinha não conseguiria. Obrigada a todos: Caroline Coelho, Cássia Relva, Tatiana Soriano, Mônica Moura, Teresa Messias, Talita Alves, Gabriela Borja, Talita Vieira, e tantos outros que fizeram parte da minha vida. 5 O USO DO VERBO DEVER NO CASO DE NEUROSE OBSESSIVA “O HOMEM DOS RATOS” DE FREUD HELLEN FONSECA DE SOUSA FRANCISCO MARTINS1 O presente artigo propõe um estudo do significado das expressões linguísticas em que o verbo modal “dever” aparece no caso clínico o “Homem dos Ratos”. Busca entender a sua significação, por meio do tempo verbal e da pessoa gramatical, compreendendo os verbos que permeiam o funcionamento dos traços de caráter neurótico obsessivo. Para tal, tomamos como unidade de recorte a frase, procedemos com a análise frequencial da presença dos verbos e a análise deôntica das dimensões verbais, relacionando o uso dos verbos com a teoria da linguística estrutural e a teoria psicanalítica Freudiana. Neste trabalho observamos que a linguagem realiza um disfarce na formação dos sintomas obsessivos. Destarte, não podemos perder de vista o caráter funcional do que será analisado, ou seja, a forma como se diz e o que se quer dizer. Chegamos à conclusão que os verbos modais Dever, Poder e Querer são correlacionados na mente humana e que, na neurose obsessiva, o Dever em seu sentido ético/moral é privilegiado e, na maioria das vezes, se apresenta implicitamente na mente da pessoa. Pode-se obter sua significação por meio da sinonímia com outros verbos, sendo que o sentido se dá pelo contexto da fala e o acesso às correlações e derivações inconscientes só é possível por meio dos verbos modais. Ou seja, a maneira como cada pessoa se refere aos verbos informa sobre o sentido de sua vida, permitindo àquele que escuta o acesso à estrutura psíquica daquele que fala. O texto vem contribuir para uma renovação da teoria da moral no âmbito da prática e da teoria psicanalítica, entendendo as diversas formas que os verbos modais e os verbos de ação surgem no cotidiano da clínica da neurose obsessiva. Palavras-chave: Psicanálise. Verbos Modais. Supereu. Neurose Obsessiva. 1 INTRODUÇÃO O “Homem dos Ratos” é um caso clássico de neurose obsessiva, do qual um rapaz vai ao encontro de Freud com a queixa de sofrer com pensamentos e impulsos que o obsediavam, fazendo com que ele gastasse bastante tempo e energia criando proibições e lutando contra essas ideias. Tratava-se, por exemplo, de um pensamento obcecado de que aconteceria alguma coisa desagradável com sua namorada ou com o seu pai, que, paradoxalmente, no momento da análise já 1 Prof. Dr. Francisco Martins. Universidade Católica de Brasília- UCB. Caixa Postal 04462- 0904-970 Brasília DF. Site: http//www.franmarpsi.com. Tel. 0055 61 81757559. 6 havia morrido. A busca pela análise acontece por conta de um impacto causado ao ouvir a narrativa de um tipo de tortura provocada pela penetração de ratos no reto de um soldado. Porém, Freud mostrou que não foi a história da narrativa a causadora da sua neurose, mas foi este o motivo que lhe suscitou grande angústia. Laplanche e Pontalis (2001) definem o termo neurose como uma afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem as suas raízes na história infantil de cada um. Os conflitos se constituem como compromissos entre o desejo e a defesa: Os sintomas neuróticos são as perturbações dos comportamentos, dos sentimentos ou das ideias que manifestam uma defesa contra a angústia e constituem relativamente a este conflito interno um compromisso do qual o indivíduo na sua posição neurótica pode vir a tirar certo proveito (benefícios secundários da neurose). (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 298) A neurose obsessiva (ou neurose de autocoerção) compõe um dos pontos principais da clínica psicanalítica. Segundo Laplanche e Pontalis (2001), para Freud, na constituição da psicopatologia da neurose obsessiva, as dúvidas e inibições do pensamento e da ação são consequências de um conflito que mobiliza e bloqueia as energias do indivíduo. Tem como origem um conflito psíquico infantil. Pode ser caracterizada por um nível estrutural (do qual se fala organização de estrutura de caráter obsessivo, sem que tenha obsessões caracterizadas) e/ou sintomático (sintomas denominados compulsivos, ideias obsessantes e/ou compulsivas a ponto de realizar atos indesejáveis, ritos e lutas contra esses pensamentos e essas tendências) (MARTINS, 2005). Tem traços de caráter típicos, porém são quadros clínicos que não têm seus sintomas propriamente ditos evidentes em primeira vista. A neurose obsessiva como queixa se apresenta a partir da oscilação de pensamentos ridículos e absurdos atravessados por uma forte e violenta crítica por conta do caráter estranho do que foi representado impulsivamente (MARTINS, 2012a). Na neurose obsessiva, segundo Freud (1915), o paciente tende a se ocupar de pensamentos que realmente não está interessado, frequentemente são incoerentes, porém tais ideias obrigam o paciente a realizar ações e remoer pensamentos contra a sua vontade, como se isso se tratasse dos seus mais importantes problemas vitais. Além das obsessões, a dúvida se faz presente e passa a se colocar até mesmo naquilo que na maioria das vezes é tido como certeza. Umas de suas principais características é o deslocamento do sintoma para algo muito distante de sua formação original (FREUD, 1915, p. 266). Para a Psicanálise, a estrutura de personalidade obsessiva está relacionada com as fixações libidinais no estádio anal, a angústia da castração intensa e pensamentos de cunho erótico-agressivos (FREUD, 1909). O complexo de Édipo é considerado como uma neurose infantil, ou a primeira neurose do crescimento do ser humano, visto que a neurose é, acima de tudo, a ação simultânea de sentimentos opostos, daí o sofrimento da criança nesta fase, pois ela sofre com o conflito do prazer da fantasia e o temor de ser punido, surgindo a angústia de castração (FREUD, 1923). A neurose na idade adulta é o retorno da angústia de castração mal recalcada na infância. Segundo Martins (2012a), na neurose obsessiva o recalque se dá pela ruptura nas conexões, nos nexos estabelecidos entre os eventos e no isolamento do conteúdo afetivo da representação. Quando estes são acompanhados de uma amnésia e acrescidos de operações frequentes de 7 negação, dão ao paciente a sensação de estranhamento e absurdo ao ser tomado por uma obsessão ou compulsão. Na maioria das vezes o obsessivo experimenta na consciência os processos mentais inconscientes em sua forma pura, pois segundo Freud (1909) neste distúrbio a repressão não se efetua por meio da amnésia, ou seja, o obsessivo não esquece seus traumas, ele apenas não está ciente de sua significação, por conta da ruptura de conexões e da retirada do afeto quando estes irrompem à consciência. Sendo assim, introduze-se a dúvida pela falta de não existir um conteúdo que seja necessário para que haja a crença, realizando um disfarce na formação do sintoma por meio da racionalização e da linguagem. O objeto de desejo é investido na relação com o outro, ou seja, ele não é retirado do consciente, é simplesmente negado e infinitamente deslocado, e por não dar conta dessas infinitudes de processos de deslocamentos, surge o grande problema do obsessivo, pois as ambivalências entre os diversos investimentos afetivos do objeto do desejo se instalam aumentando o sofrimento psíquico (MARTINS 2012a). A consciência desses impulsos dentro de si, mesmo parecendo-lhes muito estranhos, e a compulsão às ações não lhe trazem nenhuma satisfação, porém lhes são totalmente impossíveis de omitir (FREUD, 1915). Trata-se de um problema da ordem das representações do inconsciente, as quais são submetidas a transformações, resultando em um discurso que disfarça e deforma o desejo por meio do deslocamento de uma quota de afeto dessas representações. Segundo Martins (2012a), antes que esse compromisso aconteça, precede-se um sujeito com um Supereu bem constituído, no qual atuam exigências morais altíssimas e, na maioria das vezes, impossíveis de serem alcançadas. 2 O SUPEREU FREUDIANO Segundo Laplanche e Pontalis (2001), Freud define a especificidade da neurose obsessiva, do ponto de vista tópico, como a interiorização de uma relação sadomasoquista, sob a forma de tensão entre o Eu e um Supereu particularmente cruel. No capitulo IV da Interpretação dos sonhos, Freud (1900) já falava de uma instância no aparelho psíquico, que teria a missão de censurar ou impedir que conteúdos decorrentes da primeira instância viessem a se manifestar de forma clara, sem distorções. Todavia, em 1923, Freud exprime uma gradação, uma diferenciação interior do Eu, denominada de Supereu, que está mais relacionado ao Id do que ao Eu, e sua relação com o Eu tem pouco de consciente. A função do Supereu, segundo Laplanche e Pontalis (2001), está relacionada à consciência moral, à autoobservação e à formação de ideais e compreende duas estruturas parciais: o ideal do eu propriamente dito e a instância crítica. O Supereu engloba as funções de interdição e de ideal. É o juiz do Eu e advogado do mundo interno. Freud (1923) qualificou o Supereu como resultado de dois fatores: o desamparo e a dependência pueril no ser humano e como herdeiro do complexo de Édipo, constituindo-se pela internalização da exigência e do interdito parental. Assim, a criança interioriza a interdição. Nesta fase ela renuncia a realizar seus desejos edipianos assinalados pela interdição, modificando seu investimento parental em identificação. “Se tal objeto sexual deve ou tem de ser abandonado, não é raro sobrevir uma alteração do Eu” (FREUD, 1923, p. 36). Sobretudo, o Supereu da criança não se forma à imagem dos pais, mas sim à imagem do Supereu deles, é enriquecido pelas exigências culturais e sociais e torna-se o representante da tradição de todos os juízos de valor passados de geração em geração (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008, p. 497). 8 A vivência do complexo de Édipo despende grande carga energética. A criança toma emprestada do pai a força para realizar a tarefa de recalcar os conteúdos edípicos. Esse empréstimo é acompanhado de consequências, na pessoa, o Supereu conservará o caráter do pai, e quanto mais poderoso o complexo de Édipo e mais rapidamente sucumbir à repressão (sob a influência da autoridade do ensino religioso, da educação escolar e da leitura) mais severa posteriormente será a dominação do Supereu sobre o Eu, sob a forma de consciência ou, talvez, de um sentimento de culpa inconsciente (FREUD, 1914). Quando o Supereu internaliza a crítica transformando-a em autocrítica, a moralidade é instituída e o Supereu tornase mais severo fazendo o Eu suportar a autocritica e o sentimento de culpa, que surge na pessoa como uma permanente infelicidade interna, sendo que o fato de obedecer a esse Supereu não elimina essa permanente infelicidade interna (FREUD, 1923). Pelo contrário, a renúncia a essas pulsões agressivas não alivia só acentua esse sentimento. Além de o Supereu ser o herdeiro do complexo de Édipo, ele deve sua posição especial no Eu ou em relação ao Eu ao fato de ter sido a primeira identificação efetuada enquanto o Eu ainda era fraco, constituindo uma lembrança da antiga fraqueza e dependência do Eu. Sendo assim, esse Eu já maduro permanece sujeito à sua dominação. A sua relação com o Eu não se exaure com o preceito: você DEVERIA ser assim, ou, “Assim (como o pai) você deve ser” [So (wieder vater) solletest du sein], ele também compreende a proibição: você não PODE ser assim, ou “Assim (como o pai) você não pode ser” [So (wie der vater) darfst du nich sein, dass heipt du nicht alles tun, war er tut manches beeibt ilm vorbehalten bechalten.], denota-se então a existência daquilo que Freud denominou genericamente como censura. Este aspecto duplo do ideal do Eu se deve ao fato de que o ideal do Eu tem a missão de reprimir o complexo de Édipo (FREUD, 1923). Anterior ao complexo de Édipo, a criança devia obedecer aos pais, após este, com o surgimento do Supereu, o Eu se submete ao imperativo categórico que consiste no caráter coercitivo de onde o Supereu extraiu forças para dominar o Eu (FREUD, 1923). O Supereu é específico da espécie humana. Influenciado pela cultura, tornase o representante das nossas relações com os nossos pais, ou seja, ele retém o caráter do pai, decorrente da estrutura edipiana, pode ter funções normatizantes ou pode possuir um semblante tirânico. Porto (2008) diz que essa coerção internalizase em uma autocoerção. A fonte do caráter compulsivo do Supereu se manifesta sob a forma de imperativo categórico, que são imperativos morais ou leis da moralidade que ordenam uma ação que é boa em si mesma, seria um dever moral de cumprir uma ordem para expressar a razão. O imperativo categórico propicia a existência de uma faculdade mental que possibilita às pessoas terem noção do dever, ele é o único que pode arquitetar toda filosofia da moral e caracteriza-se pela determinação que a mente dá a si mesma, fora do domínio sensório perceptivo, a imputação de obrigações de uma forma incondicional e compulsória, independente dos desejos conscientes e das intenções racionais humanas (PORTO, 2008). O imperativo categórico diz respeito ao nível consciente, sintomatológico e é da ordem do conteúdo manifesto, já o Supereu refere-se ao plano inconsciente e energético, sendo este da ordem do conteúdo latente. O imperativo categórico diz de uma moral que visa o bem comum, já o Supereu engloba conteúdos pulsionais, atravessados por formações reativas, incongruências e paradoxos (PORTO, 2008). Imperativo categórico, segundo Abbagnano (1998), foi um termo criado por Kant para indicar a fórmula que expressa uma norma da razão. Para a pessoa a norma da razão é uma 9 ordem e a sua expressão é um imperativo. Portanto, a palavra imperativo não passa de outro nome para o verbo dever. Segundo Santo e Martins (2012), a linguagem tem um papel fundamental na metapsicologia Freudiana, pode-se notar que a aquisição e internalização da linguagem estão relacionadas com conceitos primordiais, como o Supereu e o complexo de Édipo, e também com as concepções sobre moral e cultura trazidas por Freud. De acordo com Benveniste (2005, p. 82) “O analista opera sobre o que a pessoa lhe diz”. “Assim, do paciente ao analista e do analista ao paciente o processo inteiro opera-se por intermédio da linguagem” (ibidem, p. 82). A dimensão constitutiva na biografia relatada pelo paciente consiste no fato de ser verbalizada e, assim, assumida por aquele que fala de si mesmo; a sua expressão é a linguagem; a relação do analista ao analisando, a do diálogo. “Tudo anuncia aqui o advento de uma técnica que faz da linguagem o seu campo de ação e o instrumento privilegiado da sua eficiência” (ibidem, p. 83). Como afirma Freud (1923), a palavra é o resíduo de memória da palavra ouvida. O analista considera o discurso da pessoa e examina sua locução, por meio desse discurso se configura para o analista outro discurso, sendo este o discurso inconsciente, e é da descoberta de tal discurso que se dá a cura. O analista assume uma posição de interlocutor do paciente, rompendo o seu isolamento, introduzindo assim a relação terapêutica. A função do analista não é somente eliminar sintomas ou fazer que o paciente conheça seus desejos, e sim permitir que este reinvente modos de vida possíveis, provocando mudanças (MARTINS, 2012e). É por meio do estudo da linguagem que temos acesso a essas derivações dos desejos inconscientes e às dimensões psicológicas da pessoa, em especial a linguagem simbólica, por meio dos verbos ativos (verbos modais, verbos de ação e verbos páthicos), que vêm à tona na clínica como dimensão fundamental para a análise psicopatológica, o entendimento e o desenvolvimento do trabalho clínico. Os verbos representam as pulsões em atos de linguagem. Neste caso, duvidar, crer, hesitar, dever ser, aparentar pulsionam o obsessivo compulsivo e são reveladores das dificuldades e limitações do Ser, entendidas como derivadas do adoecimento psíquico (MARTINS 2007). A linguagem é um sistema ordenado e tende a produzir sentido em atos completos de fala e substitutivos como a leitura e escrita, como diz Martins (2007) em O aparentar, o dever, o pensar e o devir. O autor ainda destaca que o acesso à consciência da pessoa se dá por meio da comunicação, entendendo que a linguagem, principalmente a simbólica, é a maneira explícita de compreendêla. Freud (1925, p. 278) diz que negar algo é dizer, no fundo “isso é algo que eu gostaria de recalcar”, pois por meio do símbolo da negação o pensamento se livra das limitações do recalque. Na neurose obsessiva, a (de)-negação (Verneinen) toma feições intelectualizadas por meio de uma negação discordancial, inserindo as partículas 'não', 'mas', 'no entanto', dentre outras. Na negação a pessoa busca a contenção pulsional, contribuindo para surgir então, um celeiro de dúvidas e escrúpulos. A linguagem nos obsessivos guarda o seu poder representacional, ela expressa e revela a subjetividade, cura e civiliza, portanto representa um importante papel para a metapsicologia de Freud (SANTO; MARTINS, 2012). 3 VERBOS MODAIS E VERBOS PÁTHICOS Verbo, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009, p. 1933), é uma “classe de palavras que, do ponto de vista semântico, contém as noções de 10 ação, processo ou estado e, do ponto de vista sintático, exercem a função de núcleo do predicado das sentenças”. No psiquismo e na linguagem o acesso à ação e à atividade é o verbo, daí a importância de estudá-lo, para entender por meio de seu uso o funcionamento psíquico. Os verbos apresentam categorias, como o tempo, que informa se ele expressa algo que já aconteceu, que está acontecendo no momento da fala ou que ainda irá acontecer, e o modo, que indica a atitude do emissor quanto ao fato por ele enunciado, que pode ser de certeza, temor, desejo, dúvida, ordem etc. O modo é a introdução da categoria da pessoa, do Eu e da enunciação, é um aspecto pessoal da linguagem, ele se relaciona com o nível de certeza de acordo com a experiência temporal, já o tempo denota o ato. A linguagem simbólica é o meio que a pessoa dispõe para compartilhar seu mundo interior e os verbos modais revelam como esta pessoa se constitui. No discurso e na mente humana, os verbos modais manifestam seus valores, deveres, desejos e crenças. Eles dão a ação na linguagem e o tempo/modo verbais dão o movimento, o ritmo e o tempo da ação, por isso se relacionam à pulsão (ANTONIO, 2011). Schotte (1985) afirma que a pulsão é algo que vai se constituindo, se modificando, está em movimento, não é estático ou exato e nem concreto. A vida mental e a pulsão estão interligadas, a pulsão constitui o homem na estrutura e o processo mental, em suas escolhas de vida (MARTINS, 2012a). Em português existem paradigmas modais, falaremos de três desses paradigmas. Indicativo: expressa uma ação que provavelmente acontecerá; subjuntivo: expressa dúvida e incerteza; e imperativo: se relaciona principalmente à enunciação, pode apresentar-se na forma afirmativa e na forma negativa. Entendese por verbo como sendo a palavra que designa a ação, como atividade de experiência e existência da mente humana fazendo parte da atividade mental implicando sempre a pessoa nos seus atos. Segundo Martins (2012c), são os verbos modais que gramaticalmente traduzem as modalidades de ação, são eles que modalizam o enunciado, ou seja, os tempos e modos verbais organizam a mente humana, o real é construído e temporalizado a partir da linguagem, e é o verbo que dá o real e o irreal. O irrealis diz acerca da virtualização e os tempos verbais organizam esse processo na mente humana. O irrealis é, sobretudo mediado na linguagem pelo subjuntivo, o que é memória, o que é fictivo, o que é futuro, na mente humana, pertence ao irrealis e não ao real. Desta maneira percebe-se que a atitude da pessoa está ligada ao sistema gramatical de modo verbal, os verbos modais abarcam o significado de necessidades que são intrínsecas ao falante. A linguagem vivida em forma de pensamento e sentimento carreia a vida mental vivida em ato. Comunicar por símbolos designam ações e, consequentemente, a maneira como cada pessoa se refere aos verbos informa sobre o sentido de sua vida e permite o acesso do interlocutor à “estrutura psíquica daquele que fala” (ANTONIO, 2011). Verbos páthicos dizem respeito ao humano, eles podem comandar ações na realidade, porém, diferentemente de outros verbos, eles (páthicos) só se efetivam se a pessoa decidir agir. Os verbos páthicos filtram e modulam a execução prévia da ação, ou seja, eles completam e efetivam os comportamentos e atitudes dos atos (MARTINS, 2012d). Considerando que as pulsões são conduzidas por verbos, os verbos páthicos desfiguram o destino das representações pulsionais, sendo que, às vezes, esses destinos mediados pelos verbos páthicos são assumidos como obrigações, tornando-os compulsórios (MARTINS, 2012c). Nesse sentido, as categorias páthicas apresentam-se como verbos e em categorias de tempo implicadas, como diz Guillaume (apud MARTINS, 2012c). 11 Só começamos a dizer qualquer coisa quando falamos em termos páthicos. Os verbos páthicos têm propriedades particulares que fazem com que eles possam ser utilizados como verbos auxiliares. Segundo Martins (2012c), o clínico tem como meta prestar atenção nas modalidades de enunciação que podem ser flutuantes na fala da pessoa, pois os verbos auxiliares são instrumentos que a pessoa utiliza por meio da história para se exprimir. Portanto, refletir sobre os verbos modais ou páthicos nos remete na maneira pela qual a existência se revela por meio da linguagem. Weizsäcker (apud MARTINS, 2012c) diz que tudo o que ocorre no domínio páthico diz respeito à “introdução da pessoa” na linguagem, tornando-a viva. Os verbos querer, dever, poder são modalizadores da pessoa páthica, que se distingue pelo engajamento no verbo. Sendo que o páthico se faz por formas temporais e não eternas (MARTINS, 2012c). As categorias páthicas se expressam por verbos que são privilegiados no presente trabalho, são eles: o querer (wollen, want, vouloir), o poder (konnen, Can, pouvoir) como ter capacidade, e poder (durfen, may) como permissão, e o dever (sollen, should) como dever ético/moral e dever (mussen, must) como ser necessário, propostos por Schotte (1985). No quadro 1 os verbos estão distribuídos de forma a possibilitar melhor entendimento: Verbo Poder Dever Sentido Permissão moral, licença para, desafiar, ousar. Necessidade; haver de, precisar de. Alemão Durfen Inglês May Mussen Must Querer Desejar efetivando no indicativo Wollen to want Dever Poder Obrigação ético/ moral, ter de Capacidade natural; ser capaz de; ter a faculdade para. Söllen Können Should Can Quadro 1 - Verbos e seus sentidos. Os conceitos a seguir foram extraídos do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (MACHADO, 1987), do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2009), assim como dos textos de Schotte (1985) e Martins (2012d): - - - Durfen - é o poder como ter permissão para, é poder algo, ousar. Ter coragem de se lançar com ousadia. Usado para pedir alguma coisa; ter influência; ousar; permitir-se; poder sobre alguém; ter moral; valimento. Mussen - do dever, da necessidade. Tomado pela ideia de necessidade sem liberdade, mas sim somente maquinação obrigatória a ser executada a todo custo de vida. Ideia natural de uma necessidade a ser completada. Wollen - o querer é ativo e, no entanto, se faz uma categoria páthica. A sensação de falta que tem a impulsão dirigida a um querer, por exemplo. Existe uma série de transições entre o voluntário e o involuntário. Ela ocupa uma posição central, mas não privilegiada. Existe um paradoxo central: um querer querido, que a faz como uma espécie de paixão, uma pathia. O querer é atravessado pelo dever e pelo poder, de modo que a oposição entre o natural e moral sempre farão presente nos mesmos: poder moral (durfen), dever natural (mussen), dever moral (sollen) e poder como capacidade inerente (können). Querer é ter a intenção ou vontade de; procurar obter, obter, conseguir, arranjar, procurar saber, inquirir. 12 - - Söllen - o dever no sentido de obrigação moral. Mas não se deve pensá-lo de maneira a representar instâncias éticas substantivadas, como a moral, o superego. É ter obrigação de; estar obrigado a; em débito. É ter de. Können - é a categoria do poder natural, capacitária. O possível que ultrapassa o permitido, o obrigatório; poder natural. Ter faculdade de; ter possibilidade de; ter capacidade para. A correlação feita entre os verbos nos ensina que, apesar da direção natural ser anterior à moral na gênese do ser humano, olhando de um ponto de vista lógico daquele que já é ser da linguagem, a dimensão moral é a primeira. Os verbos páthicos querer, poder e dever são especificamente humanos e representam a existência. O pentagrama páthico (MARTINS, 2012c) apresentado na figura 1 mostra as correlações acima explicadas como melhor forma de entender as interarticulações entre os verbos páthicos modais discorridos. Esse modelo estelar é visto como o Supereu moderno, não sendo possível observá-lo de fora, é mental. A teoria do Supereu (FREUD, 1923) é revista na teoria dos verbos páthicos modais (SCHOTTE, 1985), de forma a explicar como seu uso por meio da linguagem é importante no entendimento do psiquismo humano. Acredita-se que a atividade mental responsável pela constituição do Eu é representada por meio da expressão de modo e de tempo verbal, tendo em vista que o verbo é entendido como ação, ou seja, é a pessoa agindo no mundo, mas de acordo com seu mundo interno. Segundo Schotte (1985), os verbos querer, dever, poder são modalizadores da pessoa no aliciamento no verbo e na atividade que diz respeito ao querer, dever como obrigação moral ou impedimento natural e poder como permissão moral ou capacidade natural. O paciente, ao procurar o analista, o que lhe interessa é vir a ser como aquilo que ele pode, quer, ou deve vir a ser. O paciente não é ou está do jeito que queria. Ao buscar ajuda ele diz que algo nele está defeituoso e queria “ser o que ele não é”. O “querido”, o “podido” o “devido” não são ou não estão. Na clínica psicanalítica, segundo Schotte (1985), o querer está presente onde a pessoa quer, mas é atravessado pelo poder e pelo dever. Apesar disso, o querer “move” a pessoa em busca dos seus ideais, desejos e conquistas. É a pulsão que torna a pessoa desejante. No dizer de Schotte (apud MARTINS, 2012c), o páthico circula entre o natural e o moral, o autor afirma que no pentagrama o querer, o poder e o dever se dividem de um ponto de vista natural x moral, sendo as duas pontas inferiores como poder e dever natural e as pontas superiores como poder e dever moral. Os verbos modais presentes no pentagrama (figura 1) ocorrem somente no psiquismo humano e só entram em ação com um ato decisório, sendo necessário uma das pessoas gramaticais se conectar para poder efetivá-los. Os tempos verbais organizam a mente humana e seu processo de virtualização. Passamos a maior parte do tempo funcionando só na mente, em virtualidade, e muitas vezes em desconexão com o imediato. É necessário ter uma forma de mediar para que possamos sair desse estado de confinamento da mente, ou seja, precisamos de mediação da linguagem. O uso e o conhecimento da linguagem são fundamentais para aqueles que têm o desejo de conhecer o ser humano a fundo, pois o tempo humano vivido é organizado em termos linguísticos, marcado pelo ato que se completa no modo verbal e não somente pelo relógio. A nossa consciência é completamente atravessada por linguagem, temporalizada, representada e objetivada. Cabe ressaltar que as “forças” estelares estão correlacionadas entre si e em constante movimento, não é algo estático. O pentagrama a seguir representa a constituição da civilização dentro da pessoa. 13 Querer Want (vontade) Poder Dever-ser (dar-se ou (obrigação ético/moral) permitir-se) May Should Permissão moral Poder (Ter capacidade) Natural Can Dever (Ser Figura 1 – Pentagrama. necessário) (impedimento natural) Must Figura 1 Pentagrama Páthico Observando o pentagrama percebe-se que o verbo páthico Dever se encontra nas duas dimensões, Söllen como uma obrigação moral e Mussen como um impedimento natural. Esses verbos, como afirmou Guillaume (1965 apud ANTONIO, 2011), trazem a ideia de movimento, expressando a plenitude da significação por meio do tempo verbal e da pessoa gramatical. Na ponta estelar está o Querer, que circula entre o natural e o moral. Schotte (1985) assegura que a categoria “wollen” está na posição central, embora não privilegiada. É um paradoxo central. O ser humano se constitui primeiramente na dimensão natural, porém com a linguagem a pessoa há de se fazer moral, civilizado, pelo menos é o que se espera dele. Se não fosse assim o ser humano sairia por aí querendo, ousando e sendo capaz de realizar todos os seus desejos. Tal afirmativa revela a importância do estudo dos verbos modais, entendendo que são eles que, na mente da pessoa, o faz agir no mundo, com seus desejos atravessados pela moral e valores (MARTINS 2012e). 4 SOBRE O MÉTODO 14 Inicialmente, separamos o corpus discursivo das notas pessoais de Freud, tal como aparecem no registro original do caso “Homem dos Ratos” (FREUD, 1909, p.259-317), elegendo a frase como unidade mínima de significação (sentido), pois, segundo Barthes (1971), a linguística pára na frase, sendo esta o menor segmento que representa perfeitamente e integralmente o discurso. Em seguida, foi localizado o verbo modal Dever em cada parágrafo e dentro de sua frase específica, registrando a presença, a frequência e a significação dele nos parágrafos. A significação será obtida pelo contexto que se encontra no corpus discursivo do caso. Ato contínuo, optamos por analisar a partir de uma modalidade deôntica (que é a modalidade que se estabelece no eixo da conduta, é relacionada ao que é moralmente permitido, ou seja, envolve obrigação ou compulsão), as falas que são específicas do paciente de Freud, relacionando o uso dos verbos com a teoria linguística de análise estrutural de Ducrot (1968/1972), Greimas (1975), Barthes (1971) e a teoria psicanalítica Freudiana. Cada um desses procedimentos será convertido em tabelas de ocorrência simples quando couber. No caso deste estudo, vamos nos ater aos sentidos que o verbo Dever pode expressar por meio da linguagem, ou seja, entender o que se passa na mente de quem o pronuncia e os resultados que passa por meio da comunicação. Deste modo, a linguagem é uma ferramenta que contribui para a ação de comunicar e exprimir, permitindo, assim, quem escuta conhecer o mundo interior de quem fala. 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES A partir do método exposto acima, verificou-se no registro do caso a ocorrência do verbo Dever 31 vezes (sendo que 25 ocorrências são falas de Freud anunciando a teoria ou o mesmo relatando o caso, portanto não será feita a análise da ocorrência de tais verbos, já que o intuito do trabalho é entender o Supereu do paciente), do verbo Poder 47 vezes e do verbo Querer 9 vezes. Conforme ilustrado no gráfico 1, o verbo Dever esteve presente na fala do paciente no 1°parágrafo e depois somente do parágrafo 44 (6ª sessão) ao parágrafo 101 (16ª sessão), explicitando a ideia que os verbos estão correlacionados entre si na mente humana e que sua significação se dá pelo contexto da fala e não somente pela sua ocorrência. 2,5 dever 2 1,5 1 dever 0,5 1 5 9 13 17 21 25 29 33 37 41 45 49 53 57 61 65 69 73 77 81 85 89 93 97 101 105 109 113 117 121 125 129 133 137 141 145 149 0 Gráfico 1- Ocorrência dos verbos por parágrafo. Dados retirados das tabelas no apêndice. 15 Percebeu-se ambiguidade de sentidos em ambos os verbos e a presença de outros verbos empregados no decorrer do caso denotando o mesmo sentido dos verbos acima localizados. Isto corrobora a tese de Greimas (1975) em que o sentido não significa apenas o que as palavras querem nos dizer, mas também é uma direção com uma intencionalidade e finalidade. Segundo o autor, todo processo semiótico, por se tratar do sentido do sentido, é pressuposto e pressupõe um sistema ou um programa virtual ou realizado. Frege (apud DUCROT, 1972) considera que os pressupostos de um enunciado fazem parte dos elementos do seu conteúdo e são componentes de sua significação, ou seja, a pressuposição é um meio de situar entre o enunciado elementos semânticos embaraçosos, com a necessidade de declarar certos conteúdos como exterior à significação verdadeira do enunciado. Para se determinar a unidade narrativa não devemos perder de vista o caráter funcional do que está sendo examinado. Não é a maneira pelo o qual se é dito, mas sim “o que quer dizer” que constitui o enunciado como unidade funcional, pois o significado constitutivo pode ter significantes diferentes e quase sempre retorcidos (BARTES; GREIMAS; BREMOND, 1971). Logo, utilizamos como exemplo para esta análise inicial frases retiradas do 1º parágrafo do registro original do caso, quando um jovem senhor de formação universitária foi à procura de Freud com a queixa de sempre haver sofrido de obsessões, desde a infância, mas com intensidade maior nos últimos quatro anos. Os aspectos principais de sua neurose fora o medo de que algo de ruim pudesse acontecer com seu pai e com sua namorada, a quem tinha certo apreço. O paciente tinha impulsos compulsivos, tais como impulsos de cortar a garganta, e posteriormente criou proibições que fez com que gastasse muitos anos de sua vida lutando contra essas ideias (FREUD, 1909). O tempo e modo de cada verbo estão explicitados em tabelas abaixo visando uma melhor compreensão. Vejamos as asserções onde o verbo Dever está implicado: 1. Animou-se em seus estudos com a fantasia de que deveria apressarse de modo a fazer-se capaz de casar com a dama. 2. Você devia providenciar para obedecer à ordem de fazer suas provas no primeiro momento, em outubro. 3. Você tem de sair e matar a velha. Negação Verbo Tempo Modo Deveria Futuro do Subjuntivo pretérito (principal modo de criação do irrealis) Devia Passado Subjuntivo imperfeito Mentalmente em um processo de virtualização irrealis, o rapaz monta uma imaginação e antecipa o que pode ser o futuro, ou seja, o pensamento estava ditando um comportamento ativo, visando à satisfação do desejo de se casar e ter relações sexuais. Neste caso o verbo aparece em pouca conexão com o imediato, 16 Tem de Presente Imperativo se encontra virtualizado, e logo é deslocado, manifestando uma ordem compulsória de cortar a sua garganta. A sinonímia do verbo dever aparece na forma imperativa, imputando uma obrigação coercitiva incondicional e compulsória ao paciente, independentemente dos desejos inconscientes e das intenções racionais causando a sensação de absurdo e estranhamento ao ser tomado pela compulsão. Na primeira frase o verbo dever não tem sua significação com o sentido ético/ moral (Sollen), seu sentido diz de uma necessidade de apressar-se para se casar com a dama (Mussën). Já nas frases seguintes os dois verbos, apesar de serem ditos de formas diferentes, fazem alusão ao mesmo sentido, que seria o dever moral de estar obrigado a fazer algo (Sollen). Por meio destes exemplos podemos perceber que a significação é apenas esta transposição de um nível de uma linguagem a uma linguagem diferente e o sentido é esta possibilidade de transcodificação (GREIMAS, 1975). A análise dos parágrafos seguintes estabeleceu-se a partir da articulação entre uso dos verbos, a teoria linguística da análise estrutural e a teoria Freudiana. Parágrafo 44: Uma ideia Irrompe a mente do paciente de Freud durante o dia todo, supondo que a dama lhe dissesse para não obter nenhum prazer sexual até estar casado com ela, sendo que o mesmo acabou inconscientemente dizendo sim. Nesta mesma noite teve um sonho que estava noivo da dama, no sonho percebe que a mesma não demonstra interesse nele, isso fez com que sua felicidade ficasse prejudicada. Disse para si: você está comprometido, mas não está feliz. 4. Supondo que a dama lhe dissesse ‘você não deve ter nenhum prazer sexual até estar casado comigo’. Negação Verbo Tempo Modo Não Deve Presente Imperativo O verbo imperativo no presente imputa uma obrigação real na mente do paciente, obrigação esta contrária ao seu desejo. A partícula de negação busca a contenção pulsional. 17 O verbo modal dever (4) que irrompe na mente do paciente tem um sentido do dever ético/moral (Sollen), o paciente tem a obrigação, deve ser fiel a sua noiva até que o casamento aconteça. O voto de abstinência que fez, de renunciar seus prazeres sexuais, foi de forma inconsciente e, segundo Freud (1909), quando uma ordem compulsiva não pode ser obedecida, a tensão se torna intolerável e é notada pelo paciente por meio de uma ansiedade extrema, da qual pode encontrar escoamento para a sua descarga no ato substituto como obsessões e compulsões. Parágrafo 61: Nesta sessão Freud constata que a punição com ratos incitou no paciente o seu erotismo anal que desempenhara um papel importante na sua infância e se manteve por muitos anos por conta de ele sofrer constantemente com vermes. Por causa disso ele provavelmente, segundo Freud (1909), costumava pôr os dedos no ânus, tal como seu irmão lhe disse, você era um tremendo porco agora exagera na limpeza. Nesta mesma sessão o paciente deixa claro ser-lhe o traseiro algo particularmente excitante. 5. Surgiu-lhe, então, a ideia de que ele [N.] não deve mencionar Gisa, e, com pavor, imediatamente após ele de fato mencionou o Dr. Hertz, o que mais uma vez lhe pareceu ser uma ocorrência fatalista. Negação Verbo Tempo Modo Não Deve Presente Imperativo O caráter anal da neurose obsessiva trouxe a tona seus desejos impulsivos, a partícula de negação conteve seu desejo pulsional na consciência, porém o processo de deslocamento inconsciente fez com que a representação fosse submetida a uma transformação, obtida para a realização do desejo, utilizando de racionalização para que a ideia seja aceita. O verbo dever citado em 5 tem um sentido de dever moral (Sollen) e poder de permissão (Durfen). O paciente não devia sequer permitir-se pensar que a tortura dos ratos deveria ser infligida também a Gisa. Apesar de existir uma erotização anal, o paciente nega seu desejo inserindo o não e tentando afastar tudo o que é sujo do seu pensamento, sendo que este de imediato menciona uma outra pessoa com um nome similar ao nome de sua prima. Parágrafo 101: Nesta sessão, o paciente conta do seu aborrecimento com assuntos de dinheiro, pois para ele os ratos têm uma conexão particular com o dinheiro. Prestações (Raten), para ele significavam Ratos (Ratten). 6. Um ano antes, ofereceu garantia a um amigo que devia pagar uma importância em dinheiro, em vinte prestações, e conseguiu do credor a promessa de fazê-lo saber quando vencia cada prestação, de modo 18 que não se responsabilizasse, sob as condições do acordo, a pagar a importância total de uma só vez. Assim, esse dinheiro e sífilis convergem para `ratos’. Ele agora paga em ratos. — Moeda `rato’. Negação Verbo Tempo Devia Passado imperfeito Modo Subjuntivo O verbo no subjuntivo do passado imperfeito informa sobre um ato de pensamento irrealis, tal ato emite uma ordem moral investida na relação com o outro, possibilitando o deslocamento das representações de uma palavra por outra, por conta da conexão particular que o paciente fazia entre dinheiro e ratos. O dever neste parágrafo aparece como um dever moral (Söllen), no sentido de ter que ser bom, ser correto, assim ele assume tais premissas da obsessão que combate (ser bom ser limpo), e com isso usa armas da razão que acaba por se estabelecer em um pensamento psicopatológico (moeda rato) (FREUD, 1909, p. 224). O restante dos verbos “dever” encontrados nos parágrafos 38, 61, 68, 69, 70, 81, 86, 87, 92, 95, 100, 103, 104, 108, 109, 132, 134 são usados por Freud para relatar o caso, demonstrar algumas hipóteses e construir a própria teoria. Portanto, a análise frequencial obtida por meio do registro original do caso proposto, demonstra que o verbo dever no sentido de (Sollen) aparece apenas cinco vezes em sua formatação original, porém, no decorrer da obra, percebemos que o dever em seu sentido moral esta intrinsecamente ligado à estruturação de personalidade obsessiva. No caso da neurose obsessiva a linguagem serve para dizer de outra maneira o inconsciente, o proibido, o desejo, substituindo determinadas experiências sentidas, desejadas ou pensadas mantendo assim o seu poder simbólico (FREUD 1915). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS É na linguagem e por meio da linguagem que o ser se constitui como pessoa, ela é profundamente marcada pela expressão da subjetividade, pois se fundamenta em uma realidade que é a do próprio ser, ou seja, a subjetividade se fundamenta pelo status linguístico da pessoa. (BENVENISTE, 2005). Pode-se notar a partir deste estudo que a sintomatologia da neurose obsessiva está em íntima relação com a impossibilidade de significar de outra forma. O poder metafórico das palavras faz uma predileção pelo deslocamento, a elaboração e a expressão linguística ganham um ar especial pela valorização do intelecto. Freud (1915) em O inconsciente explicita que a linguagem tem seu poder simbólico e substitui determinadas experiências sentidas, desejadas ou pensadas nas neuroses, ela serve como um meio de comunicar. No caso do homem dos ratos na formação dos sintomas 19 obsessivos, é realizado um disfarce por meio da linguagem, introduzindo-se a racionalização e dúvida pelos pensamentos que, em si, são insuficientes de significação (sentido), sendo que, como se verificou nesta pesquisa, o acesso às representações e derivações inconscientes se dá por meio dos verbos modais/páthicos, os quais na mente da pessoa é entendido como ação, ou seja, o faz agir no mundo com seus desejos atravessados pelos valores morais. Sendo que tais verbos são reveladores da constituição do psiquismo da pessoa. Segundo Guillaume (apud MARTINS, 2012c), “o uso do verbo é o seu significado”. Por exemplo: eu quero te amar, é querer no sentido de desejo, ou eu quero a caneta, é querer no sentido de poder. “A linguagem vivida em forma de pensamento e sentimento carreia a vida mental vivida em ato, comunicar por símbolos designa ações e, consequentemente, a maneira como cada indivíduo se refere aos verbos, informa sobre o sentido de sua vida e permite o acesso do interlocutor à estrutura psíquica daquele que fala” (ANTONIO, 2011). Nesta pesquisa foi possível perceber que não podemos contar com uma forma fixa de interpretação do verbo dever. Deve-se considerar que nele existem várias formas embutidas de possibilidade de interpretação e que os significados que ele assume dependem do contexto e dos enunciados em que estão sendo utilizados. Tais resultados confirmam a hipótese de Santo e Martins (2012), ao dizer que o sentido de um ato de fala é garantido principalmente pelo contexto de sua emissão e não apenas pela estrutura sintática do enunciado. Por fim, esta pesquisa pode contribuir de forma a evidenciar a importância da “competência comunicativa”, principalmente àqueles que trabalham com a palavra e por meio dela, pois, segundo Kerbrat-Orecchione (apud ANTONIO, 2011), somente ordenar frases gramaticais perfeitas não é suficiente, pois estas podem ser incompreendidas ou estar fora de contexto. Ou seja, não basta apenas conhecer as palavras dos dicionários, pois estas não podem ser analisadas isoladamente, elas dependem de um conjunto, de uma frase ou um parágrafo para que faça sentido (significado) àquele que ouve, fazendo com que o falante transmita o que quer dizer ao ouvinte da melhor maneira possível. Concluindo, a escuta dos verbos modais, principalmente o verbo dever com todas as suas sinonímias e significações, auxilia no entendimento do Supereu da pessoa. USE OF DUTY IN CASE OF VERB OBSESSIONAL NEUROSIS “MAN OF RATS” FROM FREUD ABSTRACT This present article has as purpose an study of the meaning of the linguistic expressions wherein the modal verb “must” appears in the clinic case of “Rat Man”. Seeks to understand the significance, by means of the verbal tense and about the grammatical person. Comprising the verbs Who permeate in the operation traces of neurotic obsessive character. For that is taken as unity in clipping sentenceand proceeds with the analysis about the frequency presence of verbs and the deontic analysis in verbal dimensions. Relating the verb use with the structural linguistic theory and the Freudian psychoanalytic theory. In this article can be observed that language performs an disguise at the formations of the obsessives symptoms. Thus it cannot lost the functional character about what is being analyzed. In other words 20 the form as says and what want to say. Comes to conclusion that the modal verbs “must”, “might” and “want”, are correlated in the human mind and in the obsessive neurosis, the “must” in his own moral/ethics meaning is privileged. And in most of times, presents implicitly in the people’s mind. Can be obtain the meaning by means of the synonymy with other verbs and that can have meaning only with the talk and the Access with unconscious derivations and correlations. And it’s only possible to do it with the modal verbs. In other words, the way as every person refers themselves with verbs shows the meaning of their lifes. Allowing the one who’s listening the Access to psych structure of the talking. The text comes to contribuate with a renovation of the moral theory in the scope practicing and in psychoanalytic theory. Understaning the various ways of the modal verbs and action verbs arise in the daily of obsessive neurosis practice. Keywords: Psychoanalysis. Modal Verbs. Superego. Obsessive Neurosis. 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Parágrafo 1º Querer Poder Dever Parágrafo 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 1 1 10º 2 1 2 11º 12º 13º 14º 15º 16º 17º 18º 19º 20º 21º 22º 23º 24º 25º 26º 27º 28º 29º 30º 37º 38º 39º 40º 48º 49º 50º 57º 58º 59º 60º 67º 68º 69º 70º Querer Poder Dever Parágrafo Querer Poder Dever 3 Parágrafo 31º 32º Querer Poder Dever 36º 2 1 41º 42º 43º 1 44º 45º 46º 1 47º 1* 1 51º 52º Querer Poder Dever 53º 54º 55º 1 Parágrafo 61º Querer Poder Dever 2 Parágrafo 71º Querer Poder Dever 1 Querer Poder Dever 35º 1 Querer Poder Dever Parágrafo 34º 1 Parágrafo Parágrafo 33º 62º 63º 56º 1 64º 65º 66º 1 81º 72º 82º 73º 83º 74º 75º 84º 85º 76º 86º 77º 87º 1 1 1 78º 79º 80º 88º 89º 1 1 1 1 1 1 1 1 90º 24 Parágrafo 91º 92º Querer Poder Dever 1 Parágrafo 111 Querer Poder Dever 1 Parágrafo 121 Querer Poder Dever 97º 98º 99º 100 102º 112º 103º 104º 1 1 113º 114º 123 115º 106º 116º 107º 117º 108º 109º 1 1 118º 119º 1 1 122 105º 1 124 125 110 120 2 126 127 128 129 130 1 3 1 138 139 140 1 131 Querer Poder Dever 1 1 132 133 1 1 134 135 136 137 1 1 3 2 151 Querer Poder Dever Querer Poder Dever 96º 1 1 Querer Poder Dever Parágrafo 95º 1 101 Parágrafo 94º 1 Parágrafo Parágrafo 93º 152 2 153 154 155 156 157 158 159 167 168 169 1 2 1 1 161 162 1 163 164 1 165 1 166 160