TCC II PDF

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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Psicologia
Trabalho de Conclusão de Curso
O USO DO VERBO DEVER NO CASO DE NEUROSE
OBSESSIVA “O HOMEM DOS RATOS” DE FREUD
Autor: Hellen Fonseca de Sousa
Orientador: Profº. Drº. Francisco Martins
Brasília – DF
2012
HELLEN FONSECA DE SOUSA
O USO DO VERBO DEVER NO CASO DE NEUROSE OBSESSIVA “O HOMEM
DOS RATOS” DE FREUD
Artigo
apresentado
ao
curso
de
graduação em Psicologia da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em
Psicologia.
Orientador: Prof°. Dr° Francisco Martins
BRASÍLIA
2012
Artigo de autoria de Hellen Fonseca de Sousa, intitulado “O USO DO VERBO
DEVER NO CASO DE NEUROSE OBSESSIVA “O HOMEM DOS RATOS” DE
FREUD” apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Psicologia, da Universidade Católica de Brasília, em 23/11/2012, defendido e
aprovado pela banca examinadora abaixo assinado:
_____________________________________________________
Prof. MSc. Drº Francisco de Melo Catunda Martins
Orientador
Psicologia – UCB
_____________________________________________________
Prof. MSc. Luciano Costa do Espírito Santo
Psicologia - UCB
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma
contribuíram para a realização e conclusão deste trabalho:
À DEUS por me proporcionar a oportunidade de começar e terminar este
curso com bastante esmero, por ter o privilégio de compartilhar experiências e
conviver com pessoas que mudaram a minha forma de olhar para diversos
fenômenos, e me fizeram compreender a importância de estar com o outro.
Ao meu esposo, pelo apoio e incentivo no decorrer dessa caminhada e pela
paciência com a com a minha ausência, mesmo estando presente.
Ao meu orientador mestre e Dr° Francisco Martins por ter me dado a
oportunidade de participar do seu mundo de estudos e pesquisas e por ter tido a
paciência de ensinar e ampliar o meu olhar.
A todos os meus amigos e amigas que contribuíram com o meu aprendizado
me dando apoio e força nesta caminhada da qual eu sozinha não conseguiria.
Obrigada a todos: Caroline Coelho, Cássia Relva, Tatiana Soriano, Mônica
Moura, Teresa Messias, Talita Alves, Gabriela Borja, Talita Vieira, e tantos outros
que fizeram parte da minha vida.
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O USO DO VERBO DEVER NO CASO DE NEUROSE OBSESSIVA “O HOMEM
DOS RATOS” DE FREUD
HELLEN FONSECA DE SOUSA
FRANCISCO MARTINS1
O presente artigo propõe um estudo do significado das expressões linguísticas em
que o verbo modal “dever” aparece no caso clínico o “Homem dos Ratos”. Busca
entender a sua significação, por meio do tempo verbal e da pessoa gramatical,
compreendendo os verbos que permeiam o funcionamento dos traços de caráter
neurótico obsessivo. Para tal, tomamos como unidade de recorte a frase,
procedemos com a análise frequencial da presença dos verbos e a análise deôntica
das dimensões verbais, relacionando o uso dos verbos com a teoria da linguística
estrutural e a teoria psicanalítica Freudiana. Neste trabalho observamos que a
linguagem realiza um disfarce na formação dos sintomas obsessivos. Destarte, não
podemos perder de vista o caráter funcional do que será analisado, ou seja, a forma
como se diz e o que se quer dizer. Chegamos à conclusão que os verbos modais
Dever, Poder e Querer são correlacionados na mente humana e que, na neurose
obsessiva, o Dever em seu sentido ético/moral é privilegiado e, na maioria das
vezes, se apresenta implicitamente na mente da pessoa. Pode-se obter sua
significação por meio da sinonímia com outros verbos, sendo que o sentido se dá
pelo contexto da fala e o acesso às correlações e derivações inconscientes só é
possível por meio dos verbos modais. Ou seja, a maneira como cada pessoa se
refere aos verbos informa sobre o sentido de sua vida, permitindo àquele que escuta
o acesso à estrutura psíquica daquele que fala. O texto vem contribuir para uma
renovação da teoria da moral no âmbito da prática e da teoria psicanalítica,
entendendo as diversas formas que os verbos modais e os verbos de ação surgem
no cotidiano da clínica da neurose obsessiva.
Palavras-chave: Psicanálise. Verbos Modais. Supereu. Neurose Obsessiva.
1 INTRODUÇÃO
O “Homem dos Ratos” é um caso clássico de neurose obsessiva, do qual um
rapaz vai ao encontro de Freud com a queixa de sofrer com pensamentos e
impulsos que o obsediavam, fazendo com que ele gastasse bastante tempo e
energia criando proibições e lutando contra essas ideias. Tratava-se, por exemplo,
de um pensamento obcecado de que aconteceria alguma coisa desagradável com
sua namorada ou com o seu pai, que, paradoxalmente, no momento da análise já
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Prof. Dr. Francisco Martins. Universidade Católica de Brasília- UCB. Caixa Postal 04462-
0904-970 Brasília DF. Site: http//www.franmarpsi.com. Tel. 0055 61 81757559.
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havia morrido. A busca pela análise acontece por conta de um impacto causado ao
ouvir a narrativa de um tipo de tortura provocada pela penetração de ratos no reto de
um soldado. Porém, Freud mostrou que não foi a história da narrativa a causadora
da sua neurose, mas foi este o motivo que lhe suscitou grande angústia.
Laplanche e Pontalis (2001) definem o termo neurose como uma afecção
psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico
que tem as suas raízes na história infantil de cada um. Os conflitos se constituem
como compromissos entre o desejo e a defesa:
Os sintomas neuróticos são as perturbações dos comportamentos, dos
sentimentos ou das ideias que manifestam uma defesa contra a angústia e
constituem relativamente a este conflito interno um compromisso do qual o
indivíduo na sua posição neurótica pode vir a tirar certo proveito (benefícios
secundários da neurose). (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 298)
A neurose obsessiva (ou neurose de autocoerção) compõe um dos pontos
principais da clínica psicanalítica. Segundo Laplanche e Pontalis (2001), para Freud,
na constituição da psicopatologia da neurose obsessiva, as dúvidas e inibições do
pensamento e da ação são consequências de um conflito que mobiliza e bloqueia as
energias do indivíduo. Tem como origem um conflito psíquico infantil. Pode ser
caracterizada por um nível estrutural (do qual se fala organização de estrutura de
caráter obsessivo, sem que tenha obsessões caracterizadas) e/ou sintomático
(sintomas denominados compulsivos, ideias obsessantes e/ou compulsivas a ponto
de realizar atos indesejáveis, ritos e lutas contra esses pensamentos e essas
tendências) (MARTINS, 2005). Tem traços de caráter típicos, porém são quadros
clínicos que não têm seus sintomas propriamente ditos evidentes em primeira vista.
A neurose obsessiva como queixa se apresenta a partir da oscilação de
pensamentos ridículos e absurdos atravessados por uma forte e violenta crítica por
conta do caráter estranho do que foi representado impulsivamente (MARTINS,
2012a). Na neurose obsessiva, segundo Freud (1915), o paciente tende a se ocupar
de pensamentos que realmente não está interessado, frequentemente são
incoerentes, porém tais ideias obrigam o paciente a realizar ações e remoer
pensamentos contra a sua vontade, como se isso se tratasse dos seus mais
importantes problemas vitais. Além das obsessões, a dúvida se faz presente e passa
a se colocar até mesmo naquilo que na maioria das vezes é tido como certeza.
Umas de suas principais características é o deslocamento do sintoma para algo
muito distante de sua formação original (FREUD, 1915, p. 266).
Para a Psicanálise, a estrutura de personalidade obsessiva está relacionada
com as fixações libidinais no estádio anal, a angústia da castração intensa e
pensamentos de cunho erótico-agressivos (FREUD, 1909). O complexo de Édipo é
considerado como uma neurose infantil, ou a primeira neurose do crescimento do
ser humano, visto que a neurose é, acima de tudo, a ação simultânea de
sentimentos opostos, daí o sofrimento da criança nesta fase, pois ela sofre com o
conflito do prazer da fantasia e o temor de ser punido, surgindo a angústia de
castração (FREUD, 1923). A neurose na idade adulta é o retorno da angústia de
castração mal recalcada na infância. Segundo Martins (2012a), na neurose
obsessiva o recalque se dá pela ruptura nas conexões, nos nexos estabelecidos
entre os eventos e no isolamento do conteúdo afetivo da representação. Quando
estes são acompanhados de uma amnésia e acrescidos de operações frequentes de
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negação, dão ao paciente a sensação de estranhamento e absurdo ao ser tomado
por uma obsessão ou compulsão.
Na maioria das vezes o obsessivo experimenta na consciência os processos
mentais inconscientes em sua forma pura, pois segundo Freud (1909) neste
distúrbio a repressão não se efetua por meio da amnésia, ou seja, o obsessivo não
esquece seus traumas, ele apenas não está ciente de sua significação, por conta da
ruptura de conexões e da retirada do afeto quando estes irrompem à consciência.
Sendo assim, introduze-se a dúvida pela falta de não existir um conteúdo que seja
necessário para que haja a crença, realizando um disfarce na formação do sintoma
por meio da racionalização e da linguagem. O objeto de desejo é investido na
relação com o outro, ou seja, ele não é retirado do consciente, é simplesmente
negado e infinitamente deslocado, e por não dar conta dessas infinitudes de
processos de deslocamentos, surge o grande problema do obsessivo, pois as
ambivalências entre os diversos investimentos afetivos do objeto do desejo se
instalam aumentando o sofrimento psíquico (MARTINS 2012a). A consciência
desses impulsos dentro de si, mesmo parecendo-lhes muito estranhos, e a
compulsão às ações não lhe trazem nenhuma satisfação, porém lhes são totalmente
impossíveis de omitir (FREUD, 1915). Trata-se de um problema da ordem das
representações do inconsciente, as quais são submetidas a transformações,
resultando em um discurso que disfarça e deforma o desejo por meio do
deslocamento de uma quota de afeto dessas representações. Segundo Martins
(2012a), antes que esse compromisso aconteça, precede-se um sujeito com um
Supereu bem constituído, no qual atuam exigências morais altíssimas e, na maioria
das vezes, impossíveis de serem alcançadas.
2 O SUPEREU FREUDIANO
Segundo Laplanche e Pontalis (2001), Freud define a especificidade da
neurose obsessiva, do ponto de vista tópico, como a interiorização de uma relação
sadomasoquista, sob a forma de tensão entre o Eu e um Supereu particularmente
cruel. No capitulo IV da Interpretação dos sonhos, Freud (1900) já falava de uma
instância no aparelho psíquico, que teria a missão de censurar ou impedir que
conteúdos decorrentes da primeira instância viessem a se manifestar de forma clara,
sem distorções. Todavia, em 1923, Freud exprime uma gradação, uma diferenciação
interior do Eu, denominada de Supereu, que está mais relacionado ao Id do que ao
Eu, e sua relação com o Eu tem pouco de consciente. A função do Supereu,
segundo Laplanche e Pontalis (2001), está relacionada à consciência moral, à autoobservação e à formação de ideais e compreende duas estruturas parciais: o ideal
do eu propriamente dito e a instância crítica. O Supereu engloba as funções de
interdição e de ideal. É o juiz do Eu e advogado do mundo interno. Freud (1923)
qualificou o Supereu como resultado de dois fatores: o desamparo e a dependência
pueril no ser humano e como herdeiro do complexo de Édipo, constituindo-se pela
internalização da exigência e do interdito parental. Assim, a criança interioriza a
interdição. Nesta fase ela renuncia a realizar seus desejos edipianos assinalados
pela interdição, modificando seu investimento parental em identificação. “Se tal
objeto sexual deve ou tem de ser abandonado, não é raro sobrevir uma alteração do
Eu” (FREUD, 1923, p. 36). Sobretudo, o Supereu da criança não se forma à imagem
dos pais, mas sim à imagem do Supereu deles, é enriquecido pelas exigências
culturais e sociais e torna-se o representante da tradição de todos os juízos de valor
passados de geração em geração (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008, p. 497).
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A vivência do complexo de Édipo despende grande carga energética. A
criança toma emprestada do pai a força para realizar a tarefa de recalcar os
conteúdos edípicos. Esse empréstimo é acompanhado de consequências, na
pessoa, o Supereu conservará o caráter do pai, e quanto mais poderoso o complexo
de Édipo e mais rapidamente sucumbir à repressão (sob a influência da autoridade
do ensino religioso, da educação escolar e da leitura) mais severa posteriormente
será a dominação do Supereu sobre o Eu, sob a forma de consciência ou, talvez, de
um sentimento de culpa inconsciente (FREUD, 1914). Quando o Supereu internaliza
a crítica transformando-a em autocrítica, a moralidade é instituída e o Supereu tornase mais severo fazendo o Eu suportar a autocritica e o sentimento de culpa, que
surge na pessoa como uma permanente infelicidade interna, sendo que o fato de
obedecer a esse Supereu não elimina essa permanente infelicidade interna
(FREUD, 1923). Pelo contrário, a renúncia a essas pulsões agressivas não alivia só
acentua esse sentimento.
Além de o Supereu ser o herdeiro do complexo de Édipo, ele deve sua
posição especial no Eu ou em relação ao Eu ao fato de ter sido a primeira
identificação efetuada enquanto o Eu ainda era fraco, constituindo uma lembrança
da antiga fraqueza e dependência do Eu. Sendo assim, esse Eu já maduro
permanece sujeito à sua dominação. A sua relação com o Eu não se exaure com o
preceito: você DEVERIA ser assim, ou, “Assim (como o pai) você deve ser” [So
(wieder vater) solletest du sein], ele também compreende a proibição: você não
PODE ser assim, ou “Assim (como o pai) você não pode ser” [So (wie der vater)
darfst du nich sein, dass heipt du nicht alles tun, war er tut manches beeibt ilm
vorbehalten bechalten.], denota-se então a existência daquilo que Freud denominou
genericamente como censura. Este aspecto duplo do ideal do Eu se deve ao fato de
que o ideal do Eu tem a missão de reprimir o complexo de Édipo (FREUD, 1923).
Anterior ao complexo de Édipo, a criança devia obedecer aos pais, após este, com o
surgimento do Supereu, o Eu se submete ao imperativo categórico que consiste no
caráter coercitivo de onde o Supereu extraiu forças para dominar o Eu (FREUD,
1923).
O Supereu é específico da espécie humana. Influenciado pela cultura, tornase o representante das nossas relações com os nossos pais, ou seja, ele retém o
caráter do pai, decorrente da estrutura edipiana, pode ter funções normatizantes ou
pode possuir um semblante tirânico. Porto (2008) diz que essa coerção internalizase em uma autocoerção. A fonte do caráter compulsivo do Supereu se manifesta
sob a forma de imperativo categórico, que são imperativos morais ou leis da
moralidade que ordenam uma ação que é boa em si mesma, seria um dever moral
de cumprir uma ordem para expressar a razão. O imperativo categórico propicia a
existência de uma faculdade mental que possibilita às pessoas terem noção do
dever, ele é o único que pode arquitetar toda filosofia da moral e caracteriza-se pela
determinação que a mente dá a si mesma, fora do domínio sensório perceptivo, a
imputação de obrigações de uma forma incondicional e compulsória, independente
dos desejos conscientes e das intenções racionais humanas (PORTO, 2008). O
imperativo categórico diz respeito ao nível consciente, sintomatológico e é da ordem
do conteúdo manifesto, já o Supereu refere-se ao plano inconsciente e energético,
sendo este da ordem do conteúdo latente. O imperativo categórico diz de uma moral
que visa o bem comum, já o Supereu engloba conteúdos pulsionais, atravessados
por formações reativas, incongruências e paradoxos (PORTO, 2008). Imperativo
categórico, segundo Abbagnano (1998), foi um termo criado por Kant para indicar a
fórmula que expressa uma norma da razão. Para a pessoa a norma da razão é uma
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ordem e a sua expressão é um imperativo. Portanto, a palavra imperativo não passa
de outro nome para o verbo dever.
Segundo Santo e Martins (2012), a linguagem tem um papel fundamental na
metapsicologia Freudiana, pode-se notar que a aquisição e internalização da
linguagem estão relacionadas com conceitos primordiais, como o Supereu e o
complexo de Édipo, e também com as concepções sobre moral e cultura trazidas
por Freud. De acordo com Benveniste (2005, p. 82) “O analista opera sobre o que a
pessoa lhe diz”. “Assim, do paciente ao analista e do analista ao paciente o processo
inteiro opera-se por intermédio da linguagem” (ibidem, p. 82). A dimensão
constitutiva na biografia relatada pelo paciente consiste no fato de ser verbalizada e,
assim, assumida por aquele que fala de si mesmo; a sua expressão é a linguagem;
a relação do analista ao analisando, a do diálogo. “Tudo anuncia aqui o advento de
uma técnica que faz da linguagem o seu campo de ação e o instrumento privilegiado
da sua eficiência” (ibidem, p. 83). Como afirma Freud (1923), a palavra é o resíduo
de memória da palavra ouvida. O analista considera o discurso da pessoa e examina
sua locução, por meio desse discurso se configura para o analista outro discurso,
sendo este o discurso inconsciente, e é da descoberta de tal discurso que se dá a
cura. O analista assume uma posição de interlocutor do paciente, rompendo o seu
isolamento, introduzindo assim a relação terapêutica. A função do analista não é
somente eliminar sintomas ou fazer que o paciente conheça seus desejos, e sim
permitir que este reinvente modos de vida possíveis, provocando mudanças
(MARTINS, 2012e).
É por meio do estudo da linguagem que temos acesso a essas derivações
dos desejos inconscientes e às dimensões psicológicas da pessoa, em especial a
linguagem simbólica, por meio dos verbos ativos (verbos modais, verbos de ação e
verbos páthicos), que vêm à tona na clínica como dimensão fundamental para a
análise psicopatológica, o entendimento e o desenvolvimento do trabalho clínico. Os
verbos representam as pulsões em atos de linguagem. Neste caso, duvidar, crer,
hesitar, dever ser, aparentar pulsionam o obsessivo compulsivo e são reveladores
das dificuldades e limitações do Ser, entendidas como derivadas do adoecimento
psíquico (MARTINS 2007). A linguagem é um sistema ordenado e tende a produzir
sentido em atos completos de fala e substitutivos como a leitura e escrita, como diz
Martins (2007) em O aparentar, o dever, o pensar e o devir. O autor ainda destaca
que o acesso à consciência da pessoa se dá por meio da comunicação, entendendo
que a linguagem, principalmente a simbólica, é a maneira explícita de compreendêla.
Freud (1925, p. 278) diz que negar algo é dizer, no fundo “isso é algo que eu
gostaria de recalcar”, pois por meio do símbolo da negação o pensamento se livra
das limitações do recalque. Na neurose obsessiva, a (de)-negação (Verneinen) toma
feições intelectualizadas por meio de uma negação discordancial, inserindo as
partículas 'não', 'mas', 'no entanto', dentre outras. Na negação a pessoa busca a
contenção pulsional, contribuindo para surgir então, um celeiro de dúvidas e
escrúpulos. A linguagem nos obsessivos guarda o seu poder representacional, ela
expressa e revela a subjetividade, cura e civiliza, portanto representa um importante
papel para a metapsicologia de Freud (SANTO; MARTINS, 2012).
3 VERBOS MODAIS E VERBOS PÁTHICOS
Verbo, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009, p. 1933),
é uma “classe de palavras que, do ponto de vista semântico, contém as noções de
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ação, processo ou estado e, do ponto de vista sintático, exercem a função de
núcleo do predicado das sentenças”. No psiquismo e na linguagem o acesso à ação
e à atividade é o verbo, daí a importância de estudá-lo, para entender por meio de
seu uso o funcionamento psíquico. Os verbos apresentam categorias, como o
tempo, que informa se ele expressa algo que já aconteceu, que está acontecendo
no momento da fala ou que ainda irá acontecer, e o modo, que indica a atitude do
emissor quanto ao fato por ele enunciado, que pode ser de certeza, temor, desejo,
dúvida, ordem etc. O modo é a introdução da categoria da pessoa, do Eu e da
enunciação, é um aspecto pessoal da linguagem, ele se relaciona com o nível de
certeza de acordo com a experiência temporal, já o tempo denota o ato. A
linguagem simbólica é o meio que a pessoa dispõe para compartilhar seu mundo
interior e os verbos modais revelam como esta pessoa se constitui. No discurso e
na mente humana, os verbos modais manifestam seus valores, deveres, desejos e
crenças. Eles dão a ação na linguagem e o tempo/modo verbais dão o movimento,
o ritmo e o tempo da ação, por isso se relacionam à pulsão (ANTONIO, 2011).
Schotte (1985) afirma que a pulsão é algo que vai se constituindo, se modificando,
está em movimento, não é estático ou exato e nem concreto. A vida mental e a
pulsão estão interligadas, a pulsão constitui o homem na estrutura e o processo
mental, em suas escolhas de vida (MARTINS, 2012a).
Em português existem paradigmas modais, falaremos de três desses
paradigmas. Indicativo: expressa uma ação que provavelmente acontecerá;
subjuntivo: expressa dúvida e incerteza; e imperativo: se relaciona principalmente à
enunciação, pode apresentar-se na forma afirmativa e na forma negativa. Entendese por verbo como sendo a palavra que designa a ação, como atividade de
experiência e existência da mente humana fazendo parte da atividade mental
implicando sempre a pessoa nos seus atos. Segundo Martins (2012c), são os
verbos modais que gramaticalmente traduzem as modalidades de ação, são eles
que modalizam o enunciado, ou seja, os tempos e modos verbais organizam a
mente humana, o real é construído e temporalizado a partir da linguagem, e é o
verbo que dá o real e o irreal. O irrealis diz acerca da virtualização e os tempos
verbais organizam esse processo na mente humana. O irrealis é, sobretudo
mediado na linguagem pelo subjuntivo, o que é memória, o que é fictivo, o que é
futuro, na mente humana, pertence ao irrealis e não ao real. Desta maneira
percebe-se que a atitude da pessoa está ligada ao sistema gramatical de modo
verbal, os verbos modais abarcam o significado de necessidades que são
intrínsecas ao falante. A linguagem vivida em forma de pensamento e sentimento
carreia a vida mental vivida em ato. Comunicar por símbolos designam ações e,
consequentemente, a maneira como cada pessoa se refere aos verbos informa
sobre o sentido de sua vida e permite o acesso do interlocutor à “estrutura psíquica
daquele que fala” (ANTONIO, 2011).
Verbos páthicos dizem respeito ao humano, eles podem comandar ações na
realidade, porém, diferentemente de outros verbos, eles (páthicos) só se efetivam se
a pessoa decidir agir. Os verbos páthicos filtram e modulam a execução prévia da
ação, ou seja, eles completam e efetivam os comportamentos e atitudes dos atos
(MARTINS, 2012d). Considerando que as pulsões são conduzidas por verbos, os
verbos páthicos desfiguram o destino das representações pulsionais, sendo que, às
vezes, esses destinos mediados pelos verbos páthicos são assumidos como
obrigações, tornando-os compulsórios (MARTINS, 2012c). Nesse sentido, as
categorias páthicas apresentam-se como verbos e em categorias de tempo
implicadas, como diz Guillaume (apud MARTINS, 2012c).
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Só começamos a dizer qualquer coisa quando falamos em termos páthicos.
Os verbos páthicos têm propriedades particulares que fazem com que eles possam
ser utilizados como verbos auxiliares. Segundo Martins (2012c), o clínico tem como
meta prestar atenção nas modalidades de enunciação que podem ser flutuantes na
fala da pessoa, pois os verbos auxiliares são instrumentos que a pessoa utiliza por
meio da história para se exprimir. Portanto, refletir sobre os verbos modais ou
páthicos nos remete na maneira pela qual a existência se revela por meio da
linguagem. Weizsäcker (apud MARTINS, 2012c) diz que tudo o que ocorre no
domínio páthico diz respeito à “introdução da pessoa” na linguagem, tornando-a
viva. Os verbos querer, dever, poder são modalizadores da pessoa páthica, que se
distingue pelo engajamento no verbo. Sendo que o páthico se faz por formas
temporais e não eternas (MARTINS, 2012c). As categorias páthicas se expressam
por verbos que são privilegiados no presente trabalho, são eles: o querer (wollen,
want, vouloir), o poder (konnen, Can, pouvoir) como ter capacidade, e poder (durfen,
may) como permissão, e o dever (sollen, should) como dever ético/moral e dever
(mussen, must) como ser necessário, propostos por Schotte (1985). No quadro 1 os
verbos estão distribuídos de forma a possibilitar melhor entendimento:
Verbo
Poder
Dever
Sentido
Permissão moral, licença para, desafiar,
ousar.
Necessidade; haver de, precisar de.
Alemão
Durfen
Inglês
May
Mussen
Must
Querer
Desejar efetivando no indicativo
Wollen
to want
Dever
Poder
Obrigação ético/ moral, ter de
Capacidade natural; ser capaz de; ter a
faculdade para.
Söllen
Können
Should
Can
Quadro 1 - Verbos e seus sentidos.
Os conceitos a seguir foram extraídos do Dicionário Etimológico da Língua
Portuguesa (MACHADO, 1987), do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(HOUAISS, 2009), assim como dos textos de Schotte (1985) e Martins (2012d):
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Durfen - é o poder como ter permissão para, é poder algo, ousar. Ter
coragem de se lançar com ousadia. Usado para pedir alguma coisa; ter
influência; ousar; permitir-se; poder sobre alguém; ter moral; valimento.
Mussen - do dever, da necessidade. Tomado pela ideia de necessidade sem
liberdade, mas sim somente maquinação obrigatória a ser executada a todo
custo de vida. Ideia natural de uma necessidade a ser completada.
Wollen - o querer é ativo e, no entanto, se faz uma categoria páthica. A
sensação de falta que tem a impulsão dirigida a um querer, por exemplo.
Existe uma série de transições entre o voluntário e o involuntário. Ela ocupa
uma posição central, mas não privilegiada. Existe um paradoxo central: um
querer querido, que a faz como uma espécie de paixão, uma pathia. O querer
é atravessado pelo dever e pelo poder, de modo que a oposição entre o
natural e moral sempre farão presente nos mesmos: poder moral (durfen),
dever natural (mussen), dever moral (sollen) e poder como capacidade
inerente (können). Querer é ter a intenção ou vontade de; procurar obter,
obter, conseguir, arranjar, procurar saber, inquirir.
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Söllen - o dever no sentido de obrigação moral. Mas não se deve pensá-lo de
maneira a representar instâncias éticas substantivadas, como a moral, o
superego. É ter obrigação de; estar obrigado a; em débito. É ter de.
Können - é a categoria do poder natural, capacitária. O possível que
ultrapassa o permitido, o obrigatório; poder natural. Ter faculdade de; ter
possibilidade de; ter capacidade para.
A correlação feita entre os verbos nos ensina que, apesar da direção natural
ser anterior à moral na gênese do ser humano, olhando de um ponto de vista lógico
daquele que já é ser da linguagem, a dimensão moral é a primeira. Os verbos
páthicos querer, poder e dever são especificamente humanos e representam a
existência. O pentagrama páthico (MARTINS, 2012c) apresentado na figura 1
mostra as correlações acima explicadas como melhor forma de entender as
interarticulações entre os verbos páthicos modais discorridos. Esse modelo estelar é
visto como o Supereu moderno, não sendo possível observá-lo de fora, é mental. A
teoria do Supereu (FREUD, 1923) é revista na teoria dos verbos páthicos modais
(SCHOTTE, 1985), de forma a explicar como seu uso por meio da linguagem é
importante no entendimento do psiquismo humano. Acredita-se que a atividade
mental responsável pela constituição do Eu é representada por meio da expressão
de modo e de tempo verbal, tendo em vista que o verbo é entendido como ação, ou
seja, é a pessoa agindo no mundo, mas de acordo com seu mundo interno.
Segundo Schotte (1985), os verbos querer, dever, poder são modalizadores
da pessoa no aliciamento no verbo e na atividade que diz respeito ao querer, dever
como obrigação moral ou impedimento natural e poder como permissão moral ou
capacidade natural. O paciente, ao procurar o analista, o que lhe interessa é vir a ser
como aquilo que ele pode, quer, ou deve vir a ser. O paciente não é ou está do jeito
que queria. Ao buscar ajuda ele diz que algo nele está defeituoso e queria “ser o que
ele não é”. O “querido”, o “podido” o “devido” não são ou não estão. Na clínica
psicanalítica, segundo Schotte (1985), o querer está presente onde a pessoa quer,
mas é atravessado pelo poder e pelo dever. Apesar disso, o querer “move” a pessoa
em busca dos seus ideais, desejos e conquistas. É a pulsão que torna a pessoa
desejante.
No dizer de Schotte (apud MARTINS, 2012c), o páthico circula entre o natural
e o moral, o autor afirma que no pentagrama o querer, o poder e o dever se dividem
de um ponto de vista natural x moral, sendo as duas pontas inferiores como poder e
dever natural e as pontas superiores como poder e dever moral. Os verbos modais
presentes no pentagrama (figura 1) ocorrem somente no psiquismo humano e só
entram em ação com um ato decisório, sendo necessário uma das pessoas
gramaticais se conectar para poder efetivá-los. Os tempos verbais organizam a
mente humana e seu processo de virtualização. Passamos a maior parte do tempo
funcionando só na mente, em virtualidade, e muitas vezes em desconexão com o
imediato. É necessário ter uma forma de mediar para que possamos sair desse
estado de confinamento da mente, ou seja, precisamos de mediação da linguagem.
O uso e o conhecimento da linguagem são fundamentais para aqueles que têm o
desejo de conhecer o ser humano a fundo, pois o tempo humano vivido é
organizado em termos linguísticos, marcado pelo ato que se completa no modo
verbal e não somente pelo relógio. A nossa consciência é completamente
atravessada por linguagem, temporalizada, representada e objetivada.
Cabe ressaltar que as “forças” estelares estão correlacionadas entre si e em
constante movimento, não é algo estático. O pentagrama a seguir representa a
constituição da civilização dentro da pessoa.
13
Querer
Want
(vontade)
Poder
Dever-ser
(dar-se ou
(obrigação
ético/moral)
permitir-se)
May
Should
Permissão
moral
Poder
(Ter
capacidade)
Natural
Can
Dever (Ser
Figura 1 – Pentagrama.
necessário)
(impedimento
natural)
Must
Figura 1 Pentagrama Páthico
Observando o pentagrama percebe-se que o verbo páthico Dever se
encontra nas duas dimensões, Söllen como uma obrigação moral e Mussen como
um impedimento natural. Esses verbos, como afirmou Guillaume (1965 apud
ANTONIO, 2011), trazem a ideia de movimento, expressando a plenitude da
significação por meio do tempo verbal e da pessoa gramatical. Na ponta estelar está
o Querer, que circula entre o natural e o moral. Schotte (1985) assegura que a
categoria “wollen” está na posição central, embora não privilegiada. É um paradoxo
central. O ser humano se constitui primeiramente na dimensão natural, porém com a
linguagem a pessoa há de se fazer moral, civilizado, pelo menos é o que se espera
dele. Se não fosse assim o ser humano sairia por aí querendo, ousando e sendo
capaz de realizar todos os seus desejos. Tal afirmativa revela a importância do
estudo dos verbos modais, entendendo que são eles que, na mente da pessoa, o
faz agir no mundo, com seus desejos atravessados pela moral e valores (MARTINS
2012e).
4 SOBRE O MÉTODO
14
Inicialmente, separamos o corpus discursivo das notas pessoais de Freud, tal
como aparecem no registro original do caso “Homem dos Ratos” (FREUD, 1909,
p.259-317), elegendo a frase como unidade mínima de significação (sentido), pois,
segundo Barthes (1971), a linguística pára na frase, sendo esta o menor segmento
que representa perfeitamente e integralmente o discurso. Em seguida, foi localizado
o verbo modal Dever em cada parágrafo e dentro de sua frase específica,
registrando a presença, a frequência e a significação dele nos parágrafos. A
significação será obtida pelo contexto que se encontra no corpus discursivo do caso.
Ato contínuo, optamos por analisar a partir de uma modalidade deôntica (que
é a modalidade que se estabelece no eixo da conduta, é relacionada ao que é
moralmente permitido, ou seja, envolve obrigação ou compulsão), as falas que são
específicas do paciente de Freud, relacionando o uso dos verbos com a teoria
linguística de análise estrutural de Ducrot (1968/1972), Greimas (1975), Barthes
(1971) e a teoria psicanalítica Freudiana.
Cada um desses procedimentos será convertido em tabelas de ocorrência
simples quando couber. No caso deste estudo, vamos nos ater aos sentidos que o
verbo Dever pode expressar por meio da linguagem, ou seja, entender o que se
passa na mente de quem o pronuncia e os resultados que passa por meio da
comunicação. Deste modo, a linguagem é uma ferramenta que contribui para a ação
de comunicar e exprimir, permitindo, assim, quem escuta conhecer o mundo interior
de quem fala.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir do método exposto acima, verificou-se no registro do caso a
ocorrência do verbo Dever 31 vezes (sendo que 25 ocorrências são falas de Freud
anunciando a teoria ou o mesmo relatando o caso, portanto não será feita a análise
da ocorrência de tais verbos, já que o intuito do trabalho é entender o Supereu do
paciente), do verbo Poder 47 vezes e do verbo Querer 9 vezes. Conforme ilustrado
no gráfico 1, o verbo Dever esteve presente na fala do paciente no 1°parágrafo e
depois somente do parágrafo 44 (6ª sessão) ao parágrafo 101 (16ª sessão),
explicitando a ideia que os verbos estão correlacionados entre si na mente humana
e que sua significação se dá pelo contexto da fala e não somente pela sua
ocorrência.
2,5
dever
2
1,5
1
dever
0,5
1
5
9
13
17
21
25
29
33
37
41
45
49
53
57
61
65
69
73
77
81
85
89
93
97
101
105
109
113
117
121
125
129
133
137
141
145
149
0
Gráfico 1- Ocorrência dos verbos por parágrafo. Dados retirados das tabelas no apêndice.
15
Percebeu-se ambiguidade de sentidos em ambos os verbos e a presença de
outros verbos empregados no decorrer do caso denotando o mesmo sentido dos
verbos acima localizados. Isto corrobora a tese de Greimas (1975) em que o sentido
não significa apenas o que as palavras querem nos dizer, mas também é uma
direção com uma intencionalidade e finalidade. Segundo o autor, todo processo
semiótico, por se tratar do sentido do sentido, é pressuposto e pressupõe um
sistema ou um programa virtual ou realizado. Frege (apud DUCROT, 1972)
considera que os pressupostos de um enunciado fazem parte dos elementos do seu
conteúdo e são componentes de sua significação, ou seja, a pressuposição é um
meio de situar entre o enunciado elementos semânticos embaraçosos, com a
necessidade de declarar certos conteúdos como exterior à significação verdadeira
do enunciado.
Para se determinar a unidade narrativa não devemos perder de vista o
caráter funcional do que está sendo examinado. Não é a maneira pelo o qual se é
dito, mas sim “o que quer dizer” que constitui o enunciado como unidade funcional,
pois o significado constitutivo pode ter significantes diferentes e quase sempre
retorcidos (BARTES; GREIMAS; BREMOND, 1971). Logo, utilizamos como exemplo
para esta análise inicial frases retiradas do 1º parágrafo do registro original do caso,
quando um jovem senhor de formação universitária foi à procura de Freud com a
queixa de sempre haver sofrido de obsessões, desde a infância, mas com
intensidade maior nos últimos quatro anos. Os aspectos principais de sua neurose
fora o medo de que algo de ruim pudesse acontecer com seu pai e com sua
namorada, a quem tinha certo apreço. O paciente tinha impulsos compulsivos, tais
como impulsos de cortar a garganta, e posteriormente criou proibições que fez com
que gastasse muitos anos de sua vida lutando contra essas ideias (FREUD, 1909).
O tempo e modo de cada verbo estão explicitados em tabelas abaixo visando uma
melhor compreensão. Vejamos as asserções onde o verbo Dever está implicado:
1. Animou-se em seus estudos com a fantasia de que deveria apressarse de modo a fazer-se capaz de casar com a dama.
2. Você devia providenciar para obedecer à ordem de fazer suas provas
no primeiro momento, em outubro.
3. Você tem de sair e matar a velha.
Negação Verbo
Tempo
Modo
Deveria Futuro do Subjuntivo
pretérito
(principal
modo de
criação do
irrealis)
Devia
Passado Subjuntivo
imperfeito
Mentalmente em um
processo de
virtualização irrealis, o
rapaz monta uma
imaginação e antecipa o
que pode ser o futuro,
ou seja, o pensamento
estava ditando um
comportamento ativo,
visando à satisfação do
desejo de se casar e ter
relações sexuais.
Neste caso o verbo
aparece em pouca
conexão com o imediato,
16
Tem de
Presente
Imperativo
se encontra virtualizado,
e logo é deslocado,
manifestando uma
ordem compulsória de
cortar a sua garganta.
A sinonímia do verbo
dever aparece na forma
imperativa, imputando
uma obrigação coercitiva
incondicional e
compulsória ao paciente,
independentemente dos
desejos inconscientes e
das intenções racionais
causando a sensação de
absurdo e
estranhamento ao ser
tomado pela compulsão.
Na primeira frase o verbo dever não tem sua significação com o sentido ético/
moral (Sollen), seu sentido diz de uma necessidade de apressar-se para se casar
com a dama (Mussën). Já nas frases seguintes os dois verbos, apesar de serem
ditos de formas diferentes, fazem alusão ao mesmo sentido, que seria o dever moral
de estar obrigado a fazer algo (Sollen). Por meio destes exemplos podemos
perceber que a significação é apenas esta transposição de um nível de uma
linguagem a uma linguagem diferente e o sentido é esta possibilidade de
transcodificação (GREIMAS, 1975).
A análise dos parágrafos seguintes estabeleceu-se a partir da articulação
entre uso dos verbos, a teoria linguística da análise estrutural e a teoria Freudiana.
Parágrafo 44: Uma ideia Irrompe a mente do paciente de Freud durante o dia
todo, supondo que a dama lhe dissesse para não obter nenhum prazer sexual até
estar casado com ela, sendo que o mesmo acabou inconscientemente dizendo sim.
Nesta mesma noite teve um sonho que estava noivo da dama, no sonho percebe
que a mesma não demonstra interesse nele, isso fez com que sua felicidade ficasse
prejudicada. Disse para si: você está comprometido, mas não está feliz.
4. Supondo que a dama lhe dissesse ‘você não deve ter nenhum prazer
sexual até estar casado comigo’.
Negação Verbo Tempo
Modo
Não
Deve Presente Imperativo O verbo imperativo no
presente imputa uma
obrigação real na mente do
paciente, obrigação esta
contrária ao seu desejo. A
partícula de negação busca
a contenção pulsional.
17
O verbo modal dever (4) que irrompe na mente do paciente tem um sentido
do dever ético/moral (Sollen), o paciente tem a obrigação, deve ser fiel a sua noiva
até que o casamento aconteça. O voto de abstinência que fez, de renunciar seus
prazeres sexuais, foi de forma inconsciente e, segundo Freud (1909), quando uma
ordem compulsiva não pode ser obedecida, a tensão se torna intolerável e é notada
pelo paciente por meio de uma ansiedade extrema, da qual pode encontrar
escoamento para a sua descarga no ato substituto como obsessões e compulsões.
Parágrafo 61: Nesta sessão Freud constata que a punição com ratos incitou
no paciente o seu erotismo anal que desempenhara um papel importante na sua
infância e se manteve por muitos anos por conta de ele sofrer constantemente com
vermes. Por causa disso ele provavelmente, segundo Freud (1909), costumava pôr
os dedos no ânus, tal como seu irmão lhe disse, você era um tremendo porco agora
exagera na limpeza. Nesta mesma sessão o paciente deixa claro ser-lhe o traseiro
algo particularmente excitante.
5. Surgiu-lhe, então, a ideia de que ele [N.] não deve mencionar Gisa, e,
com pavor, imediatamente após ele de fato mencionou o Dr. Hertz, o
que mais uma vez lhe pareceu ser uma ocorrência fatalista.
Negação Verbo Tempo
Modo
Não
Deve Presente Imperativo O caráter anal da neurose
obsessiva trouxe a tona
seus desejos impulsivos, a
partícula de negação
conteve seu desejo pulsional
na consciência, porém o
processo de deslocamento
inconsciente fez com que a
representação fosse
submetida a uma
transformação, obtida para a
realização do desejo,
utilizando de racionalização
para que a ideia seja aceita.
O verbo dever citado em 5 tem um sentido de dever moral (Sollen) e poder
de permissão (Durfen). O paciente não devia sequer permitir-se pensar que a tortura
dos ratos deveria ser infligida também a Gisa. Apesar de existir uma erotização anal,
o paciente nega seu desejo inserindo o não e tentando afastar tudo o que é sujo do
seu pensamento, sendo que este de imediato menciona uma outra pessoa com um
nome similar ao nome de sua prima.
Parágrafo 101: Nesta sessão, o paciente conta do seu aborrecimento com
assuntos de dinheiro, pois para ele os ratos têm uma conexão particular com o
dinheiro. Prestações (Raten), para ele significavam Ratos (Ratten).
6. Um ano antes, ofereceu garantia a um amigo que devia pagar uma
importância em dinheiro, em vinte prestações, e conseguiu do credor a
promessa de fazê-lo saber quando vencia cada prestação, de modo
18
que não se responsabilizasse, sob as condições do acordo, a pagar a
importância total de uma só vez. Assim, esse dinheiro e sífilis
convergem para `ratos’. Ele agora paga em ratos. — Moeda `rato’.
Negação Verbo Tempo
Devia Passado
imperfeito
Modo
Subjuntivo O verbo no subjuntivo do
passado imperfeito informa
sobre um ato de
pensamento irrealis, tal ato
emite uma ordem moral
investida na relação com o
outro, possibilitando o
deslocamento das
representações de uma
palavra por outra, por conta
da conexão particular que
o paciente fazia entre
dinheiro e ratos.
O dever neste parágrafo aparece como um dever moral (Söllen), no sentido
de ter que ser bom, ser correto, assim ele assume tais premissas da obsessão que
combate (ser bom ser limpo), e com isso usa armas da razão que acaba por se
estabelecer em um pensamento psicopatológico (moeda rato) (FREUD, 1909, p.
224).
O restante dos verbos “dever” encontrados nos parágrafos 38, 61, 68, 69, 70,
81, 86, 87, 92, 95, 100, 103, 104, 108, 109, 132, 134 são usados por Freud para
relatar o caso, demonstrar algumas hipóteses e construir a própria teoria. Portanto, a
análise frequencial obtida por meio do registro original do caso proposto, demonstra
que o verbo dever no sentido de (Sollen) aparece apenas cinco vezes em sua
formatação original, porém, no decorrer da obra, percebemos que o dever em seu
sentido moral esta intrinsecamente ligado à estruturação de personalidade
obsessiva. No caso da neurose obsessiva a linguagem serve para dizer de outra
maneira o inconsciente, o proibido, o desejo, substituindo determinadas experiências
sentidas, desejadas ou pensadas mantendo assim o seu poder simbólico (FREUD
1915).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É na linguagem e por meio da linguagem que o ser se constitui como pessoa,
ela é profundamente marcada pela expressão da subjetividade, pois se fundamenta
em uma realidade que é a do próprio ser, ou seja, a subjetividade se fundamenta
pelo status linguístico da pessoa. (BENVENISTE, 2005). Pode-se notar a partir deste
estudo que a sintomatologia da neurose obsessiva está em íntima relação com a
impossibilidade de significar de outra forma. O poder metafórico das palavras faz
uma predileção pelo deslocamento, a elaboração e a expressão linguística ganham
um ar especial pela valorização do intelecto. Freud (1915) em O inconsciente
explicita que a linguagem tem seu poder simbólico e substitui determinadas
experiências sentidas, desejadas ou pensadas nas neuroses, ela serve como um
meio de comunicar. No caso do homem dos ratos na formação dos sintomas
19
obsessivos, é realizado um disfarce por meio da linguagem, introduzindo-se a
racionalização e dúvida pelos pensamentos que, em si, são insuficientes de
significação (sentido), sendo que, como se verificou nesta pesquisa, o acesso às
representações e derivações inconscientes se dá por meio dos verbos
modais/páthicos, os quais na mente da pessoa é entendido como ação, ou seja, o
faz agir no mundo com seus desejos atravessados pelos valores morais. Sendo que
tais verbos são reveladores da constituição do psiquismo da pessoa.
Segundo Guillaume (apud MARTINS, 2012c), “o uso do verbo é o seu
significado”. Por exemplo: eu quero te amar, é querer no sentido de desejo, ou eu
quero a caneta, é querer no sentido de poder. “A linguagem vivida em forma de
pensamento e sentimento carreia a vida mental vivida em ato, comunicar por
símbolos designa ações e, consequentemente, a maneira como cada indivíduo se
refere aos verbos, informa sobre o sentido de sua vida e permite o acesso do
interlocutor à estrutura psíquica daquele que fala” (ANTONIO, 2011).
Nesta pesquisa foi possível perceber que não podemos contar com uma
forma fixa de interpretação do verbo dever. Deve-se considerar que nele existem
várias formas embutidas de possibilidade de interpretação e que os significados que
ele assume dependem do contexto e dos enunciados em que estão sendo utilizados.
Tais resultados confirmam a hipótese de Santo e Martins (2012), ao dizer que o
sentido de um ato de fala é garantido principalmente pelo contexto de sua emissão e
não apenas pela estrutura sintática do enunciado.
Por fim, esta pesquisa pode contribuir de forma a evidenciar a importância da
“competência comunicativa”, principalmente àqueles que trabalham com a palavra e
por meio dela, pois, segundo Kerbrat-Orecchione (apud ANTONIO, 2011), somente
ordenar frases gramaticais perfeitas não é suficiente, pois estas podem ser
incompreendidas ou estar fora de contexto. Ou seja, não basta apenas conhecer as
palavras dos dicionários, pois estas não podem ser analisadas isoladamente, elas
dependem de um conjunto, de uma frase ou um parágrafo para que faça sentido
(significado) àquele que ouve, fazendo com que o falante transmita o que quer dizer
ao ouvinte da melhor maneira possível. Concluindo, a escuta dos verbos modais,
principalmente o verbo dever com todas as suas sinonímias e significações, auxilia
no entendimento do Supereu da pessoa.
USE OF DUTY IN CASE OF VERB OBSESSIONAL NEUROSIS “MAN OF RATS”
FROM FREUD
ABSTRACT
This present article has as purpose an study of the meaning of the linguistic
expressions wherein the modal verb “must” appears in the clinic case of “Rat Man”.
Seeks to understand the significance, by means of the verbal tense and about the
grammatical person. Comprising the verbs Who permeate in the operation traces of
neurotic obsessive character. For that is taken as unity in clipping sentenceand
proceeds with the analysis about the frequency presence of verbs and the deontic
analysis in verbal dimensions. Relating the verb use with the structural linguistic
theory and the Freudian psychoanalytic theory. In this article can be observed that
language performs an disguise at the formations of the obsessives symptoms. Thus
it cannot lost the functional character about what is being analyzed. In other words
20
the form as says and what want to say. Comes to conclusion that the modal verbs
“must”, “might” and “want”, are correlated in the human mind and in the obsessive
neurosis, the “must” in his own moral/ethics meaning is privileged. And in most of
times, presents implicitly in the people’s mind. Can be obtain the meaning by means
of the synonymy with other verbs and that can have meaning only with the talk and
the Access with unconscious derivations and correlations. And it’s only possible to do
it with the modal verbs. In other words, the way as every person refers themselves
with verbs shows the meaning of their lifes. Allowing the one who’s listening the
Access to psych structure of the talking. The text comes to contribuate with a
renovation of the moral theory in the scope practicing and in psychoanalytic theory.
Understaning the various ways of the modal verbs and action verbs arise in the daily
of obsessive neurosis practice.
Keywords: Psychoanalysis. Modal Verbs. Superego. Obsessive Neurosis.
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23
APÊNDICE 1- Tabelas de ocorrências do verbo dever.
Parágrafo
1º
Querer
Poder
Dever
Parágrafo
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
1
1
10º
2
1
2
11º
12º
13º
14º
15º
16º
17º
18º
19º
20º
21º
22º
23º
24º
25º
26º
27º
28º
29º
30º
37º
38º
39º
40º
48º
49º
50º
57º
58º
59º
60º
67º
68º
69º
70º
Querer
Poder
Dever
Parágrafo
Querer
Poder
Dever
3
Parágrafo
31º
32º
Querer
Poder
Dever
36º
2
1
41º
42º
43º
1
44º
45º
46º
1
47º
1*
1
51º
52º
Querer
Poder
Dever
53º
54º
55º
1
Parágrafo
61º
Querer
Poder
Dever
2
Parágrafo
71º
Querer
Poder
Dever
1
Querer
Poder
Dever
35º
1
Querer
Poder
Dever
Parágrafo
34º
1
Parágrafo
Parágrafo
33º
62º
63º
56º
1
64º
65º
66º
1
81º
72º
82º
73º
83º
74º
75º
84º
85º
76º
86º
77º
87º
1
1
1
78º
79º
80º
88º
89º
1
1
1
1
1
1
1
1
90º
24
Parágrafo
91º
92º
Querer
Poder
Dever
1
Parágrafo
111
Querer
Poder
Dever
1
Parágrafo
121
Querer
Poder
Dever
97º
98º
99º
100
102º
112º
103º
104º
1
1
113º
114º
123
115º
106º
116º
107º
117º
108º
109º
1
1
118º
119º
1
1
122
105º
1
124
125
110
120
2
126
127
128
129
130
1
3
1
138
139
140
1
131
Querer
Poder
Dever
1
1
132
133
1
1
134
135
136
137
1
1
3
2
151
Querer
Poder
Dever
Querer
Poder
Dever
96º
1
1
Querer
Poder
Dever
Parágrafo
95º
1
101
Parágrafo
94º
1
Parágrafo
Parágrafo
93º
152
2
153
154
155
156
157
158
159
167
168
169
1
2
1
1
161
162
1
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